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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 1 - COMO CENTENAS DE “NATIVOS DIGITAIS” DA MINHA ESCOLA LEEM “ÍCONES” Ana Elisa Ribeiro 1 (CEFET-MG) Resumo: Neste trabalho, abordo o letramento digital em suas relações com o letramento visual. Baseio-me nas ideias seminais da semiótica peirceana, como as de ícone e símbolo, e as de signo motivado e signo não-motivado, emprestadas a Ferdinand de Saussure. Esses conceitos, assim como o de transparência/opacidade, servem para um diálogo divertido com os “nativos digitais”, assim batizados pelo norte-americano Marc Prensky, há pouco mais de uma década. Com base em uma espécie de “teste” aplicado a estudantes do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública federal, discuto a relação que os jovens mantêm com signos que já não sabem identificar ou que identificam com referentes nem sempre pertinentes. Palavras-chave: letramento visual, nativos digitais, interface gráfica, letramento digital. Abstract: This paper discusses digital literacy and its relations with visual literacy. It was based onthe seminal ideas of peircean semiotics (such as icon and symbol) and on Ferdinand de Saussure’s conceptions of motivated and unmotivated signs. These concepts, as well as transparency/opacity, provide a fun dialogue with the idea of “digital natives”, term coined in the last decade by the American author Marc Prensky to describe young people who were born in the era of NICTs. Based on the results of a test applied to high school students in aBrazilian public federal school, this paper discusses the relations between young people and the way they read computer graphics interfaces and signs. Palavras-chave: visual literacy, digital natives, graphic interface, digital literacy. Introdução – letramentos, interfaces e leitura Um dos elementos que ajudam a conceituar o letramento é ele ser uma prática social, isto é, mais do que uma tarefa escolar ou uma demanda localizada, trata-se de um fazer ou de um participar da vida em sociedade. Em uma sociedade imersa na cultura escrita – como a nossa -, que dispõe, para isso, de tecnologias 1 Ana Elisa RIBEIRO, Profa. Dra. Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, Departamento de Linguagem e Tecnologia [email protected]

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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação

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COMO CENTENAS DE “NATIVOS DIGITAIS” DA MINHA ESCOLA LEEM “ÍCONES”

Ana Elisa Ribeiro1 (CEFET-MG)

Resumo: Neste trabalho, abordo o letramento digital em suas relações com o letramento visual. Baseio-me nas ideias seminais da semiótica peirceana, como as de ícone e símbolo, e as de signo motivado e signo não-motivado, emprestadas a Ferdinand de Saussure. Esses conceitos, assim como o de transparência/opacidade, servem para um diálogo divertido com os “nativos digitais”, assim batizados pelo norte-americano Marc Prensky, há pouco mais de uma década. Com base em uma espécie de “teste” aplicado a estudantes do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública federal, discuto a relação que os jovens mantêm com signos que já não sabem identificar ou que identificam com referentes nem sempre pertinentes. Palavras-chave: letramento visual, nativos digitais, interface gráfica, letramento digital.

Abstract: This paper discusses digital literacy and its relations with visual literacy. It was based onthe seminal ideas of peircean semiotics (such as icon and symbol) and on Ferdinand de Saussure’s conceptions of motivated and unmotivated signs. These concepts, as well as transparency/opacity, provide a fun dialogue with the idea of “digital natives”, term coined in the last decade by the American author Marc Prensky to describe young people who were born in the era of NICTs. Based on the results of a test applied to high school students in aBrazilian public federal school, this paper discusses the relations between young people and the way they read computer graphics interfaces and signs. Palavras-chave: visual literacy, digital natives, graphic interface, digital literacy.

Introdução – letramentos, interfaces e leitura

Um dos elementos que ajudam a conceituar o letramento é ele ser uma

prática social, isto é, mais do que uma tarefa escolar ou uma demanda localizada,

trata-se de um fazer ou de um participar da vida em sociedade. Em uma sociedade

imersa na cultura escrita – como a nossa -, que dispõe, para isso, de tecnologias

1 Ana Elisa RIBEIRO, Profa. Dra.

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, Departamento de Linguagem e Tecnologia [email protected]

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impressas e digitais, os diálogos e as mesclas são ocorrências importantes. Mesmo o

estilhaçamento do conceito de letramento (ou sua “desagregação”, como diz

Magda Soares, 2004) continua sem prescindir de ser uma prática social. Letramento

digital e letramento visual são, portanto, “desagregações”, entre muitas outras,

que estão em foco quando o pesquisador seleciona um recorte para o trabalho de

análise. É meu caso aqui2.

O letramento visual parece-me enfoque do letramento na leitura de imagens,

considerando-se a leitura (e as imagens) de forma ampla. As imagens, também,

abarcam uma série imensa de possibilidades, tais como a fotografia, o cartum, o

desenho, o mapa, entre muitos outros, vez ou outra em relação com textos verbais.

Estão entre essas possibilidades as leituras de ícones, símbolos, comandos, etc. E

se nos detivermos nas interfaces gráficas do computador (conectado ou não),

atualmente, teremos um campo prolífico para a análise do link entre letramento

digital e letramento visual.

A semiótica peirceana propõe uma categorização triádica dos signos, isto é:

os ícones, os índices e os símbolos. Vou me concentrar no primeiro e no último

elementos. Como conhecemos e conforme rememora Domingues (2001), um

símbolo depende de uma convenção (social) e não se observa nele uma relação

imediatamente motivada entre significante e significado. Já o ícone apresentaria

essa relação, inclusive de forma mais figurativa. Daí certa relação com as noções

de “motivação” e “não motivação” encontradas em Ferdinand de Saussure, a quem

se atribui a paternidade da própria linguística, contemporaneamente ao

nascimento da semiótica.

A interface gráfica de um programa (o Word, o Excel, o navegador ou

qualquer outro) expõe ao usuário/leitor uma série de signos que visam, em tese, à

comunicação. Alguns trabalhos, como o de Baranauskas, Rossler e Oliveira (1999)

ou o de Melo, Baranauskas e Soares (2008), se detêm na classificação dos tipos de

signos projetados e expostos nas interfaces dos programas de computador. Não é o

2 Agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) pelo financiamento parcial

desta pesquisa, assim como ao CEFET-MG, na figura da DPPG.

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que farei aqui (embora recomende a leitura dos trabalhos citados). De modo geral,

o importante é definir o que seja uma interface, no sentido em que o termo vem

sendo empregado em informática.

Segundo Baranauskas, Rossler e Oliveira, que se baseiam na semiótica, a

interface auxilia e “apresenta uma relação entre as partes perceptíveis de um

sistema de computador e seus usuários” (1999, p. 2-3). Essa interface “pode ser

entendida como um espaço de comunicação, um sistema semiótico no qual signos

são criados e usados para promover a comunicação” (MELO; BARANAUSKAS,

SOARES, 2008, p. 44, grifo meu). Raposo (2010) complementa afirmando que

“qualquer objeto de design deve facilitar a sua decodificação e uso, tornando-se

acessível a uma sociedade”. Neste ponto, o próprio autor admite o desejo

“utópico” dos designers, uma vez que a leitura de imagens ou de objetos de design

está relacionada a “valores culturais e morais, a uma escala quase personalizada”

(RAPOSO, 2010, p. 3)

Assim como é relacionada à cultura e à sociedade, a interface informática (ou

o que vemos nas telas de toda natureza) é localizada historicamente. Sua origem,

da forma como a conhecemos, remonta a pouco mais de meio século, sendo

possível rastrear seus criadores e propositores não muito longe dos dias que

correm. Steven Johnson (2001, p. 8) afirma ser o mundo digital “surdo para a

história”, mas a quantidade de trabalhos que refazem o fio narrativo do

desenvolvimento da informática parece contradizer o autor. É o próprio Johnson

(2001) que aponta certo “aprisionamento” dos “revolucionários digitais” ao

“mundo analógico do passado”, o que, segundo o autor, se justifica porque

“rupturas radicais são anomalias no registro fóssil cultural. A interação entre

formas passadas e futuras impele o processo criativo mais do que o bloqueia” (p.

20). Isso quer também dizer que as linguagens da interface têm suas matrizes em

objetos conhecidos, em imagens figurativas, em elementos reconhecíveis. Douglas

Engelbart, a quem se atribui a invenção da “manipulação direta” sobre o que se vê

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numa tela, teria sido influenciado por esse tipo de orientação. Segundo Johnson

(2001), Engelbart trabalhou de forma que

em vez de teclar comandos obscuros, o usuário podia simplesmente apontar para alguma coisa e expandir seus conteúdos, ou arrastá-la através da tela. Em vez de dizer ao computador para executar uma tarefa específica – ‘abra este arquivo’ –, os usuários pareciam fazê-lo eles próprios (JOHNSON, 2001, p. 21).

O autor afirma que “A maior parte do vocabulário high tech de hoje deriva

dessa arrancada inicial: ciberespaço, surfar, navegar, rede, desktops, janelas,

arrastar, soltar, apontar-e-clicar”, tentando um prognóstico positivo: “E passaram-

se apenas algumas décadas desde a demonstração original de Engelbart – podemos

imaginar o quanto a metáfora terá viajado até o fim do próximo século” (p. 24).

Além da possibilidade da manipulação direta, num princípio virtual de ação,

menciona-se ainda a metáfora do “desktop”, que, segundo Johnson, “é a chave

para a compreensão da interface contemporânea” (p. 38).

Essa linguagem quase completamente absorvida hoje, disseminada por nossa

sociedade, teve seu início num acaso, segundo narra Johnson. Era início de 1972 “e

os pesquisadores do sofisticado laboratório de ciência dos computadores da Xerox

em Palo Alto (também conhecido como Xerox PARC) estavam se debatendo com o

legado das janelas de Doug Engelbart” (p. 39). Brincar com a metáfora do

escritório parecia uma forma fácil de se comunicar com o usuário. E, de fato, ela

“pegou”. O jargão metafórico empregado em informática, assim como a

ressignificação de muitos termos ou os empréstimos linguísticos ligados a esse

universo (situação brasileira, por exemplo), são parte das práticas sociais

relacionadas ao letramento digital (RIBEIRO, 2003). Ainda que as pessoas não

utilizem um computador com frequência, elas podem falar como se conhecessem

esses domínios ou como se operassem neles. O contrário também ocorre,

festejando-se as fronteiras cada vez mais apagadas entre analógico e digital, por

exemplo, na fala de uma criança que, ao apertar botões em um microondas, diz:

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“É só clicar na potência?”3. O contraponto seria o do adulto que ainda chama de

disco o novo CD de um cantor ou que ainda opera com um jargão ligado a outras

tecnologias, e não menos tecnológicas do que as atuais: “Vou discar para minha

mãe” (num teclado de aparelho de telefone). É neste ponto que se cruzam os

personagens sociais conhecidos como “nativos” e “imigrantes” digitais.

Nativos, imigrantes e outras alcunhas que colam

Em outubro de 2001, o norte-americano Marc Prensky, consultor e dono de uma

empresa de informática e games, publicou um breve ensaio na revista On the

horizon. Nesse texto, em tom exclamativo, ele defendia, sem resultado de pesquisa

e, principalmente, com argumentos emprestados a relatos atribuídos a pesquisas

médicas, a ideia de que os jovens nascidos a partir dos anos 1980 ou 90 seriam todos

o que chamou de “nativos digitais”. Por oposição, e mantendo uma (infeliz) analogia

com aprendizes de línguas e com o êxodo geográfico, o preconceito e a adaptação

cultural, o autor também descreveu os “imigrantes digitais”.

Prensky publicou a Parte 2 desse texto, em dezembro do mesmo ano,

enfatizando seus argumentos médicos e reforçando as supostas características já

fisicamente diferentes dos jovens que viviam na sociedade da informação. Os

“nativos digitais” seriam, para ele, então, crianças e adolescentes, ou melhor,

estudantes do básico ou da faculdade, nascidos após a popularização do

computador e das redes. Esses jovens teriam, já, cérebros e cognição adaptados,

fisicamente adaptados, a uma comunicação acelerada e multitarefa. Segundo o

dono da Games2Train, os “nativos digitais” seriam pessoas moldadas pelas muitas

horas de TV (especialmente MTV), videogame e outras visualizações, além de

serem muito diferenciados em relação a seus pais e professores, especialmente

quanto a estes. Já os “imigrantes digitais”, com boa vontade e a despeito de seu

cérebro inadaptado, poderiam aprender a operar em ambientes digitais, embora

mantivessem, sempre, um indesejável e denunciador “sotaque”.

3 Obrigada ao Dudu pelo exemplo espontâneo!

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Essa polarização entre nativos e imigrantes, com desvantagem para estes, foi

suavizada pelo próprio Prensky, em artigo de 2003 (conforme aponta SANTOS,

2011), mas, infelizmente, apenas o primeiro ensaio do autor parece ter ficado

famoso ou ter sido conveniente a um discurso salvacionista da tecnologia em suas

relações com a educação.

Diversos autores, fora do Brasil, passaram a trabalhar com a ideia proposta

por Prensky, o que também ocorreu nas pesquisas brasileiras. Encontram-se desde

trabalhos que assumem passivamente (ao ponto de os tornarem pressupostos e

pontos pacíficos) o fosso geracional e a relação nativos/imigrantes, até os que

criticam duramente a proposta do norte-americano.

Podemos mencionar, como exemplos de assunção dos polos nativo/imigrante a

pesquisa de Freitas (2010), que assume completamente o par contrastante, sem

nuances críticas, incluindo-se entre os imigrantes, mesmo na abordagem das questões

que envolvem tecnologia, ensino e interação; Castro e Oliveira (2010), que, sem

discussão, incluem outras tantas etiquetas, como o Homo zappiens, dos holandeses

Veen e Vrakking (2009); Alves (2007), que também parte do pressuposto de que

existem nativos e imigrantes; e Martins e Giraffa (2008), para quem, sem dúvidas,

O ambiente escolar recebe a cada ano alunos que se movimentam naturalmente pelo ciberespaço, viajam virtualmente por lugares imaginários, conhecem relíquias da cultura mundial, interagem com pares de mesmo interesse, navegam nos espaços experimentando novos limites, sensações, produzem e consomem conhecimento de uma maneira totalmente diversa da tradicional. Essa revolução nas formas de buscar informações, conhecimento e comunicação diferem da forma de trabalhar e interagir da maioria dos seus professores. Os docentes, na sua grande maioria, ainda fazem uso preferencial (ou quase exclusivo) das tecnologias associadas aos meios tradicionais e baseiam sua pesquisa e produção no papel. Quando trocam experiências com seus pares, buscam aqueles que estão próximos geograficamente. (MARTINS; GIRAFFA, 2008, p. 2)

Outros trabalhos, embora adotem o par, tecem uma crítica menos ou mais

branda a Prensky, alertando sobre questões culturais ou generalizantes daquela

proposta. Fantin e Rivoltella (2010), por exemplo, usam os termos “nativos e

imigrantes digitais”, mas produzem uma nota em que explicam o conceito,

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explicitando a existência de pesquisas que questionam o que seria o nativo digital,

inclusive com argumentos baseados em pesquisas. Martins (2009) também emprega

o termo, parece crer num fosso geracional entre nativos e imigrantes, mas suaviza

isso quando considera que, naturalmente, os nativos se tornarão professores um

dia. Silva (2011) relativiza a questão de Prensky trabalhar com uma realidade

americana, enquanto Ponte e Cardoso (2008) tratam do “fosso geracional”,

discordando levemente dessa bipolaridade e alertando para os diversos usos que

pais e filhos podem fazer da Internet.

De outro ponto de vista, autores como Gallo e Coelho (2012), Santos (2011) ou

Selwyn (2008) tecem críticas mais duras ao fosso proposto por Prensky. Este último

autor chega a afirmar a existência dos “mitos da ‘cibercriança’” (grifo meu), do

“tecno-bebê” e da “geração rede”, que seriam “as pedras angulares do atual

debate sobre tecnologia e sociedade”, além das “fábulas de jovens ‘nativos

digitais’ confortavelmente instalados em seus ‘quartos digitais’, que fazem um uso

rico e variado das TIC”. Selwyn (2008) continua, afirmando que tais “visões

idealizadas de jovens usuários da tecnologia esbarram em muitos problemas”, não

vistos pelos que ele chama de “entusiastas” do “falatório” que esse tema se tornou

(SELWYN, 2008, p. 830).

Gallo e Coelho (2012), por seu turno, questionam como as tecnologias vêm

sendo utilizadas, de fato, pelos jovens, embora pareça evidente, aos autores, que

“os nativos digitais têm domínio sobre o uso das variadas tecnologias e mídias” (p.

55). Enquanto Santos (2011) demonstra desconfiança em seu texto, especialmente

indicada em sua seleção adverbial ou verbal quase toda num prevenido (e

preventivo) futuro do pretérito:

Na perspectiva de Prensky, os nativos digitais comporiam a geração nascida entre 1980 e 1994. Eles apresentariam familiaridade com as TIC, por viverem envolvidos com tecnologias, rodeados ou usando computadores, videogames, tocadores digitais de música, câmeras de vídeos, celulares e todo tipo de brinquedos e ferramentas da era digital. Na defesa dos nativos digitais, chega-se a afirmar que estes sujeitos aprendem de forma distinta, quando comparados com as gerações passadas de estudantes, pois, supostamente, passam por experiências de

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aprendizagem mais ativas, são proficientes em multitarefas e recorrem às tecnologias da comunicação para acessar informações e interagir com os outros. (SANTOS, 2011, p. 4, grifos meus)

Em outros trechos, revelando um tanto suas desconfianças, Santos (2011)

menciona os “privilegiados sábios digitais” (p. 7) e critica as generalizações de

Prensky, considerando que “há variações no interior da própria geração daqueles

entendidos por nativos digitais”, isto é, a perspectiva de Prensky é “arriscada por

negligenciar a presença de jovens menos interessados e menos competentes em

tecnologias, bem como por desconsiderar o impacto de fatores sócio-econômicos e

culturais na relação dos jovens com as mídias” (SANTOS, p. 9).

Os três caminhos apontados por essas pesquisas, em todos os casos, e em

alguma medida, fundamentadas em Prensky, parecem apontar para três formas de

ler nosso cenário comuncacional e educacional dos dias de hoje. Alinho-me, em

minhas leituras, mais ao terceiro grupo do que aos demais.

A leitura de interfaces por nativos - método

Mais do que Prensky, é o trabalho de Ana Elisa Novais (2008) que me provoca.

A autora, em sua dissertação de mestrado, mostra resultados de pesquisa com

usuários de PowerPoint e Paint em que as dificuldades de leitura da interface

gráfica são tão surpreendentes quanto apaixonantes. Inspirada em testes de

usabilidade, a pesquisadora propõe tarefas a pessoas e, com base nos resultados

produzidos pelos participantes, analisa questões comunicacionais ligadas aos ícones

já estabilizados nos programas. Conforme mostra Novais, uma usuária tem

dificuldades em compreender como salvar um documento por meio de um botão

que apresentava o desenho de um disquete. A lógica da leitora é: se o botão

mostra um disquete, objeto que ela conhecia, então ele serve para salvar

documentos exclusivamente em disquetes. Na realidade, esse botão refere-se ao

salvamento de qualquer arquivo em qualquer dispositivo (disquete – se ainda existir

um -, CD, pendrive, etc.), bastando escolher o drive de destino do arquivo.

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Novais (2008) mostra ainda uma série de outras dúvidas motivadas (e

compreensíveis) de usuários de computador. Ícones com linhas, barras e desenhos

abstratos são sistematicamente testados pelo participante, assim como outros que,

em tese, seriam mesmo “ícones”. Movida, então, pelos resultados instigantes de

Novais (2008) é que passei a pensar nas relações entre jovens e interfaces cujas

histórias (ícones motivados) eles já não podem alcançar (há quanto tempo os

disquetes já saíram de circulação?).

Com base na aplicação de uma espécie de “teste” (inspirado em Novais,

2008), com questões abertas e de múltipla escolha, aplicado a estudantes do

primeiro ano do ensino médio de uma escola pública federal (faixa dos 14-15 anos),

discuto a relação funcional que os jovens mantêm com signos que já não sabem

identificar ou que identificam com referentes nem sempre pertinentes,

mencionando, também, questões de metalinguagem, multimodalidade, história das

interfaces e transparência/opacidade na leitura de imagens.

Sei que o ideal seria que os estudantes (250 de um universo de 600 cursistas

de primeiro ano do ensino médio) operassem diretamente as máquinas, com

interfaces abertas dos programas Word e PowerPoint, que foram os que empreguei,

por serem os mais comuns do pacote Office. No entanto, dada a grande dificuldade

logística de envolver centenas de alunos na pesquisa, em horários de aula, optamos

por um questionário impresso, com printscreens das interfaces, para que eles

respondessem a mão. Esse material foi, posteriormente, tabulado em um

formulário do Google Drive, com base no qual foram feitos gráficos para análise.4

Além disso, opero, ainda que com menos propriedade do que gostaria,

definições como a de signo motivado, signo não-motivado, emprestadas a

Ferdinand de Saussure. Todos esses conceitos, assim como o de

transparência/opacidade, empregado tanto nos estudos do discurso quanto nos do

4 Agradecimentos efusivos aos graduandos de Letras do CEFET-MG Maurício Almeida e Laís Bolina. Na etapa

de tabulação, agradeço a ajuda frutífera de Alan Fonseca Rocha. Na redação, special thanks to Pollyanna Vecchio.

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design de interfaces gráficas (impressas ou web), servem para um diálogo divertido

com os “nativos digitais”.

Resultados comentados

Os resultados obtidos junto aos 250 jovens que participaram da pesquisa

(todos assinaram termos de consentimento livre e esclarecido) geraram gráficos

que serão mostrados e comentados a seguir. A primeira bateria de perguntas tinha

o objetivo de conhecer o ano de nascimento dos alunos (para seu enquadramento

como “nativos digitais”, critério prenskyano) e o acesso que tinham ao computador

e à internet. Como se pode ver no Gráfico 1, 79% dos estudantes têm 15-16 anos de

idade hoje, 69% utilizam o computador com frequência, assim como fazem intenso

uso do Word e do PowerPoint.

Gráfico 1: Idade dos estudantes. Gráfico 2: Uso do computador pelos estudantes.

Fonte: dados da pesquisa.

Gráfico 3: Uso do Word pelos estudantes.

Fonte: dados da pesquisa.

Fonte: dados da pesquisa.

Gráfico 4: Uso do PowerPoint pelos estudantes.

Fonte: dados da pesquisa.

As questões apresentadas aos estudantes diziam respeito aos desenhos

apresentados na interface (botões) e à sua função no programa e na vida real, isto

é, a relação analógica entre a ação desempenhada com aquele instrumento. As

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funções do disquete, da tesoura, do binóculo, por exemplo, são analogicamente

empregadas na interface, mas precisam ser também expandidas. É o caso do

disquete, que serve para salvar em qualquer dispositivo e no disco rígido do

computador.

A relação entre salvar e disquete, proposta no botão , é reconhecida por

quase todos os participantes (Gráfico 5). Da mesma forma ocorre com os botões

Desfazer (seta , Gráfico 6) e Cortar (tesoura , Gráfico 7). Ainda assim, são

interessantes respostas sobre o disquete como: “usado para salvar arquivos,

método antes do CD”; “era usado antigamente para salvar arquivos”; “era (é) um

dispositivo móvel de armazenamento (anos 90)”; “era usado como um pendrive,

para salvar arquivos”; “disquete tem a ver com internet”; “é um utensílio onde se

salvam arquivos”; “você salva os trem no disquete”; “disquete é um ícone que

lembra salvar, pois o objeto, que já não é mais utilizado, fazia isso”; “era o lugar

onde se salvava documentos (sic) na época em que minha avó era gostosa”. A

história da interface se confunde com certa memória social que se tem dos

dispositivos computacionais que as pessoas usaram, um dia, para gravar

documentos. Os estudantes, mesmo não sendo usuários desses dispositivos,

conhecem a sua história e a explicitam em suas falas. Diferentemente do que

ocorreu no trabalho de Novais (2008), a analogia entre disquete e salvar é

alcançada pelos estudantes, assim como a expansão da ideia para qualquer

dispositivo capaz da mesma ação.

Gráfico 5: Relação entre o disquete e sua função no Word.

Fonte: dados da pesquisa.

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Gráfico 6: Relação entre a seta e sua função no Word.

Fonte: dados da pesquisa.

Gráfico 7: Relação entre a tesoura e sua função no Word.

Fonte: dados da pesquisa.

Há relações menos diretas entre objetos e funções nas propostas de ícones da

interface dos programas. A mudança de cor de fonte, por exemplo, está por trás de

um botão que apresenta uma letra A e uma tarja vermelha embaixo ( ). O

reconhecimento dessa função nesse botão parece muito mais uma questão de

prática, uso e memória do que propriamente uma relação de leitura ad hoc. Os

estudantes mostraram massivo reconhecimento desse botão.

Gráfico 8: Relação entre a imagem e a função Alterar cor de fonte no Word.

Fonte: dados da pesquisa.

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A relação entre o desenho e a função de centralizar texto já começa a

parecer menos óbvia para os estudantes, como se nota no Gráfico 9. Outras funções

para o ícone ( ) são mencionadas, como “justificar o texto”, “deixar no meio”,

“centralizar parágrafos”, “texto igual poema”.

Gráfico 9: Relação entre a imagem e a função Centralizar texto no Word.

Fonte: dados da pesquisa.

A despeito disso, os objetos desenhados nos botões quase sempre são

prontamente reconhecidos. Dependem, no entanto, das práticas sociais dos

estudantes, inseridos que estão em uma cultura comunicacional que vive a tensão

entre digital e impresso de forma muito mais dialogal do que excludente. Os

estudantes reconhecem, massivamente, o disquete (embora não o tenham usado),

a tesoura, a seta, o balde de tinta, a régua e o binóculo, por exemplo.

Gráfico 10: Objeto desenhado no botão Salvar, disquete.

Fonte: dados da pesquisa.

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Gráfico 11: Objeto desenhado no botão Desfazer, seta.

Fonte: dados da pesquisa.

Gráfico 12: Objeto desenhado no botão

Cortar, tesoura.

Fonte: dados da pesquisa.

Gráfico 13: Objeto desenhado no botão Colorir, balde de tinta.

Fonte: dados da pesquisa.

Gráfico 14: Objeto desenhado no botão Zoom, Régua.

Fonte: dados da pesquisa.

Essas relações, no entanto, nem sempre são tão transparentes quanto se

pensa, mesmo para estudantes “nativos digitais”. Pedimos que os alunos nos

explicassem a relação entre o desenho visto no botão e a função que ele

desempenha na edição dos textos, isto é, nossa intenção era verificar a leitura da

proposta de analogia feita na interface, pelos produtores desse texto multimodal.

Os resultados foram bastante precisos no caso específico do disquete (Gráfico 15),

mas não o foram, por exemplo, para os bullets ( ), para o balde de tinta ( ),

para a ordem alfabética ( ) e para a visualização em tela cheia ( ).

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Gráfico 15: Relação/explicação sobre o disquete e a função Salvar.

Fonte: dados da pesquisa.

As respostas classificadas como Outras são importantes para uma

compreensão das relações feitas pelos leitores das interfaces. É fundamental,

portanto, recorrer a uma análise qualitativa dos dados, já que a análise

quantitativa não nos permite saber quais foram as explicações dos estudantes.

A relação entre o desenho do botão e a função de inserir bullets em um texto,

tornando-o uma lista, é bastante opaca para os alunos do primeiro ano. Talvez

porque usem pouco essa função, muitos deles (quase a metade) não conseguem

compreender a proposta analógica com base apenas no desenho. As respostas

registradas mencionam, às vezes, a enumeração.

Gráfico 16: Relação/explicação sobre o botão de bullets (listas).

Fonte: dados da pesquisa.

Curiosamente, a função de colorir e sua relação com um balde de tinta

(entornando) também é bastante opaca (Gráfico 17).

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Gráfico 17: Relação/explicação sobre o balde de tinta e a função Colorir.

Fonte: dados da pesquisa.

O mesmo ocorre com as funções Colocar em Ordem Alfabética (Gráfico 18) e

Vizualizar em tela cheia, no PowerPoint (Gráfico 19).

Gráfico 18: Relação/explicação sobre as letras A e Z e a função Colocar em Ordem Alfabética.

Fonte: dados da pesquisa.

Gráfico 19: Relação/explicação sobre o painel de projeção e a função Tela cheia.

Fonte: dados da pesquisa.

A ordem alfabética ( ) é, sistematicamente, confundida com a de alterar o

espaçamento entre linhas, a de “classificar de alguma forma”, inverter, reduzir

escala, fração, dividir por dois, ordem crescente e descrescente, alfabeto ao

contrário, O.o e mesmo com “mudar a cor das letras”. Já o botão de visualização

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em tela cheia ( ) é conhecido pelos estudantes, mas descrito também como

“impressora”, “cálice” e até “encher a taça de alguma coisa (como se estivesse

enchendo a tela”. Merece destaque a resposta: “Não sei, mas deve ser inútil pq eu

nunca usei!!!”

Merece comentário também a função Pesquisar, cujo botão apresenta um

binóculo, objeto que os estudantes conhecem com a função, real, de ver a

distância, isto é, ampliar objetos que estão longe. Essa analogia com Pesquisa

confunde, sobremaneira, o leitor, embora ele provavelmente se utilize bastante

dessa ação tão distintiva e tão importante nos dispositivos digitais. A facilidade de

busca é exatamente um dos pontos mais interessantes desta tecnologia.

São sistematicamente mencionadas as funções de ver e de zoom, porque:

“aproxima e afasta a vista”; “foca a imagem”; “visualiza vários slides”; além de

“ver mais de perto”; “vê maior”; “aumenta a distância da visão”; “visualizar de

outros ângulos”; “enxergar coisas pequenas”; “aumentar o tamanho da tela”; “ver

a distância”; “o binóculo aumenta a tela do computador, como na real aumenta a

imagem”; nas analogias com a pesquisa ou a busca, as respostas são: “achar algo

no texto, como binóculos são usados para achar coisas”; “objeto para explorar”;

“auxilia a encontrar coisas com mais facilidade”; “com o binóculo você foca em um

único objetivo e na opção pesquisar também”. De fato, a função é pesquisar, mas a

analogia com o zoom, no campo da edição de imagem fílmica, é bastante relevante

para os jovens.

Gráfico 20: Relação/explicação sobre o binóculo e a função Pesquisar.

Fonte: dados da pesquisa.

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Conclusão

Os 250 jovens que participaram desta pesquisa são, segundo os “critérios” de

Prensky, mais do que nascidos na era digital, mas inerentes a ela, conhecedores de

seus procedimentos e de suas operações. A leitura, sendo uma competência que

continua precisando ser aprendida, sofre o incremento dos novos modos de

expressão e difusão de textos, que, por sua vez, também sentem o impacto de uma

nova cultura midiática. O texto da interface, multimodal por excelência, assim

como um painel de carro, precisa ser lido com eficácia e parece planejado para

isso. No entanto, o que um dia foi ícone (no sentido peirceano), tornou-se símbolo

ao longo dos anos, com o avanço da história das TICs. A leitura dos botões (analogia

com teclas reais) precisa ser feita, então, não com habilidades literais, digamos,

mas com outras, expandidas, inferidas e até abstraídas.

Nossas duas centenas e meia de estudantes demonstram habilidades

fundamentais à leitura, especialmente à de ícones, quais sejam: as de reconhecer,

comparar, inferir e fazer analogias para, então, agir diante da tela. Estes alunos

são bons de memória, conhecem os programas de computador e sabem o que

operar na interface gráfica. O interessante, no entanto, é quando não há

automatismo entre imagem/leitura/função e o jovem se vê obrigado a ler e

compreender um “texto”. Resultados como o do binóculo nos ajudam de duas

formas: apontando a habilidade do jovem de fazer uma analogia e a do

produtor/programador de compor uma interface menos ou mais eficaz. O binóculo

como representação da função de pesquisar é a melhor proposta possível? Por outro

lado, o que quer nos dizer um jovem que confunde uma tela de projeção com uma

taça? Talvez Prensky e seus apóstolos prefiram dizer que o desenhista é ruim. Eu

preferiria defender os letramentos possíveis e necessários na cultura escrita

impressa & digital.

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