Como o narcisismo influencia a prática da liderança no trabalho identificar para intervir

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Como o Narcisismo Influencia a Prática da Liderança no Trabalho: Identificar para intervir. Marcos Fernando dos Santos 1 Samantha Guarines 2 1 Pós-graduando no MBA em Gestão de Pessoas pela Maurício de Nassau Business School Psicólogo [email protected] 2 Orientadora

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Artigo para Conclusão para Obtenção de Título de Especialista em Gestão de Pessoas, do MBA em Gestão de Pessoas (Maurício de Nassau Business School).

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Como o Narcisismo Influencia a Prática da Liderança no Trabalho:

Identificar para intervir.

Marcos Fernando dos Santos1

Samantha Guarines2

1 Pós-graduando no MBA em Gestão de Pessoas pela Maurício de Nassau Business SchoolPsicólogo [email protected] 2 Orientadora

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar as conclusões chegadas a partir da revisão de bibliografia existente sobre o tema Trabalho, Liderança e Narcisismo, em que se buscou encontrar os traços de líderes narcisistas que impedem o bom desempenho de seus liderados e causam problemas no ambiente de trabalho, seja ele qual for, entendendo-se trabalho como toda e qualquer experiência em que pessoas estejam juntas para atingir um objetivo em comum, quando o narcisismo dificulta a energia produtiva e criativa dos membros da equipe, para que, uma vez identificado, o gestor de pessoas possa intervir de maneira a fazer os devidos encaminhamentos e buscar soluções para liberar a energia que impulsiona o grupo ao crescimento.

Palavras-chave: Trabalho, Liderança, Narcisismo.

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ABSTRACT

This paper aims to present the conclusions reached from the review of existing literature on the subject, leadership and narcissism, which sought to find traces of narcissistic leaders that prevent the proper performance of their subordinates and cause problems in the workplace , whatever it is, understanding how to work each and every experience in which people are together to achieve a common goal, while narcissism impedes the productive energy and creative team members, so that, once identified, the manager people can intervene in order to make appropriate referrals and seeking solutions to release the energy that drives the group to grow.

Key-words: Work, Leadership, Narcissism.

INTRODUÇÃO

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Este trabalho é o resultado de alguns anos de experiência e observação organizacionais do autor, associadas ao estudo bibliográfico sobre o assunto, analisado durante alguns meses de preparação e maturação deste artigo, trabalho final e requisito para a obtenção de nota e título de Especialista em Gestão de Pessoas. Devido ao tema, foi pedido um tempo maior antes da entrega do mesmo, para amadurecimento do conteúdo, pois escrever sobre algo assim não é tarefa fácil e é preciso muito cuidado, para não se cair em achismos ou generalizações, uma vez que o intuito, aqui, é ajudar os gestores de pessoas a identificar os gargalos que impedem que os processos em nível de pessoas não fluam e isso, muitas vezes, podem ser eles próprios ou seus colegas ou até mesmos superiores. Acredita-se de suma importância relembrar que o narcisismo, apesar de ser uma palavra masculina não é uma questão de gênero, ou seja, está presente em homens e mulheres, jovens ou velhos, e o termo líder que muitas vezes aparecerá no texto deve ser lembrado como indivíduo que ocupa um lugar de liderança.

Assim, o foco principal aqui não será discorrer sobre o que seria trabalho ou liderança, apenas na forma como geralmente são apresentados, mas como trabalho e liderança se apresentam na relação de poder, pois a relação de poder no trabalho e na liderança – em especial nas situações em que há subordinação, como nas relações entre pais e filhos, professores e alunos, líderes eclesiásticos e liderados, enfim, trabalho visto como produção e realização do abstrato em algo concreto, onde há alguém liderando e alguém sendo liderado –, buscando explicar o narcisismo a partir do olhar psicanalítico, mas trazendo a contribuição da Teoria da Aprendizagem Social para estabelecer um contraponto.

Como o tema é extremamente abrangente, e para evitar dispersão, optou-se em dividir este trabalho em várias partes, que começa ao revisitar o mito de Narciso, passa pelos tipos de narcisismo, também pela tentativa de compreender o início da patologia na infância, sua manifestação na vida adulta, nas práticas discursivas e nas atividades de liderança e nos relacionamentos interpessoais, chegando-se às maneiras de intervir de forma a promover a saúde, tanto do agressor, quanto do agredido, que têm, ambos, a tendência de retro-alimentar as posições, como se houvesse apenas uma solução para o conflito, para que o gestor de pessoas possa apontar outros caminhos que visam à saúde.

NARCISISMO – Origem do Conceito

Jr, Medeiros e Lima (2007), trazem uma versão bastante interessante do mito de Narciso, dentre as muitas versões que existem, a qual se encontra em METAMORFOSES de Ovídio (2003, apud JR, MEDEIROS e LIMA, 2007). Narciso, um rapaz extremamente belo, cuja mãe havia escondido todos os espelhos existentes – a única forma de ele se manter longe de seu orgulho inflexível, facilitando, assim, o acesso de outros a sua pessoa, o que de outra forma seria impossível, pois ele não acreditava que houvesse ninguém digno de sua pessoa e, portanto, suficientemente bom para estar com ele – tinha conseguido viver o tempo suficiente para chegar à juventude.

Entretanto, ao fugir de Eco, encontrou uma fonte de água clara e límpida, onde se inclinou para beber e, nesse momento, foi seduzido pela imagem que viu, apaixonando-se perdidamente. Não conseguiu mais se mover de onde estava. Tudo naquela figura que ele

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contemplava era extremamente belo e apaixonante. Era impossível para Narciso se afastar dali. Em sua ignorância, todos os elogios que fazia, ele os fazia a si mesmo. Desejava a si mesmo. Estava apaixonado por si mesmo. Tentava várias vezes, beijar os lábios da pessoa que via refletida na água, mas em vão. Afundava os braços na água para agarrá-la. Também em vão. Quanto mais tentava, menos conseguia. E isso aguçava a sua cobiça. No desespero, ele chora e as lágrimas destorcem a imagem na água, o que o deixa ainda mais irritado. Ao cair a noite, e sem poder mais ver a imagem, a escuridão faz com que ele tombe e caia na água. Seu corpo, segundo a lenda, desaparece, dando lugar a uma flor.

CAUSAS DO NARCISISMO – Teorias Psicodinâmicas

Através de Kets de Vries e Miller (1990) é possível compreender que o narcisismo é algo inerente à pessoa humana e, por isso, é necessário tomar consciência desse fenômeno. Eles apresentam, em seus estudos, três tipos de orientações narcisistas, indo da mais prejudicial a menos prejudicial, ou mais funcional, como eles a classificam: são os tipos reativo, auto-ilusório (self-deceptive) e construtivo. Para que a explicação dos autores possa ser o mais fidedigna possível, o quadro abaixo, com o resumo das conclusões, foi feito de acordo com o apresentado no artigo original – com pequenas modificações apenas, e deve ser utilizado como auxílio para consulta sempre que for necessária uma rápida compreensão dos conceitos.

Reativo (NR)Auto-Ilusório (SD)

(Self-Deceptive)Construtivo

PRIMEIRAS RELAÇÕES DE OBJETO (ETIOLOGIA)

Pais rejeitadores, poucos atentos

Ausência de vínculos

Pais superexigentes Ausência de vínculos

sólidos

Cuidados suficientemente bons (good enough)

Sentimento de aceitação

REAÇÕES DE DEFESA (clivagem, identificação projetiva, idealização/desvalorização)

Invasoras Severas Frequentes

Suas manifestações, sua frequencia e sua intensidade variam

Raras Suaves Pouco frequentes

EXPLORAÇÃO MANIPULAÇÃO

SINTOMATOLOGIA

Exibicionismo Grandiosidade Impiedade Frieza Considera ter direitos

(quer dominar)

Ausência de empatia Maquiavelismo Medo do fracasso “Carente de ideal” Preocupado com suas

próprias necessidades (deseja ser amado)

Senso de humor Criatividade Confiança em si Ambição Energia Obstinação Orgulho (quer dominar)

MANIFESTAÇÕES NO FUNCIONAMENTO ORGANIZACIONAL

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1. LIDERANÇA

Orientação Transformadora

Orientação Transacional Orientação transformadora e transacional

Modo de Expulsão Modo de Vinculação Modo de Reciprocidade

Só tolera os bajuladores Tirano cruel Ignora as necessidades

dos subordinados Tem raiva de crítica

Prefere os subordinados não críticos

Diplomata Considera os

subordinados como instrumentos

Fere-se com as críticas

Meritocrático Inspirador Desempenha o papel de

mentor Aprende algo da crítica

TOMADA DE DECISÃO

Projetos espetaculares, de grande importância e arriscados

Não consulta ninguém Esmaga os opositores Utiliza-se de bodes

expiatórios Não admite derrota

Conservador, pouco inclinado ao risco, prudente demais

Consulta gente demais Indecisão

Consultador na coleta de informações, mas independente na tomada de decisões

Dirigido interiormente

Para melhor entendimento do quadro acima, é preciso que alguns conceitos ali colocados sejam explicados. A maneira como as experiências são vividas e as pessoas com quem se convive são internalizadas (também a auto-imagem de cada pessoa) e gravadas dentro de cada um em forma de objetos mentais. A esses objetos é dado o nome de objetos internos, que são um conjunto de todas as percepções, que são acumuladas ao longo da vida (fantasmas, ideais, pensamentos, imagens, enfim, todo o mapa cognitivo do mundo).

As primeiras relações de objeto são as primeiras relações em que um indivíduo se relaciona com outros indivíduos reais (pais, cuidadores, professores, familiares) e as relações objetais é o que fica dessas relações, do significado psíquico dentro de cada um. A maneira como cada um se relaciona com outras pessoas depende de duas coisas: da maneira como o indivíduo as enxerga e também da maneira com as enxerga através do significado que dá a elas, do que elas representam internamente para si. Objetos internos bons (pessoas ou situações/experiências que foram internalizadas como referência de força, coragem, determinação, entre outros) contribuem para que um indivíduo possa ter uma fonte interna de força, vitalidade e energia para enfrentar as dificuldades da vida. Por outro lado, a ausência de objetos internos bons traz muita dificuldade na vida adulta, frequentemente impedindo que um indivíduo cronologicamente adulto possa lidar com questões como assumir responsabilidade, tomar decisões ou enfrentar desafios sem medo, de maneira produtiva ao seu desenvolvimento e ao desenvolvimento de seu grupo. E, de acordo com Kets de Vries e Miller (1990), é aqui que se origina o narcisismo doença.

Para se defender de pais ou cuidadores ou situações nocivos, as crianças desenvolvem algumas reações, tais como a clivagem, a identificação projetiva ou a idealização/desvalorização.

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No primeiro tipo, no caso do NARCISISMO REATIVO, observamos uma impossibilidade de integrar, ao longo da infância, duas importantes realidades: o Ego Grandioso e a Imagem Parental Idealizada. O Ego Grandioso está relacionado ao desejo que toda criança tem de mostrar como ela é capaz de coisas grandiosas, suas capacidades de desenvolvimento. Já com relação à Imagem Parental Idealizada, há os desejos também ilusórios de se fundir a uma pessoa idealizada, extremamente poderosa, porque é assim que a criança vê os pais. De acordo com os autores, a criança passa do ‘Eu sou perfeito e você me admira’ para ‘Você é perfeito e eu faço parte de você’. (KETS DE VRIES e MILLER, 1990, p. 10). Quando a criança passa bem por essa fase, vai compreendendo que nem ela é tão grandiosa e nem os pais, e a intensa raiva que vêm da frustração de não ser assim vai dando lugar ao sentimento de ser suficientemente bom, ou bom o suficiente, aceitando que tanto ela quanto os pais podem ser maus, mas também podem ser bons o suficiente para assegurar que haja um desenvolvimento de confiança e confiabilidade nas figuras parentais.

Entretanto, nem sempre é isso o que ocorre. Quando a criança percebe o comportamento dos pais como frio ou apático, ou os pais não são suficientemente bons nos cuidados com as crianças, elas tendem a desenvolver uma sensação de Ego deficiente, incapaz de manter a auto-estima em um nível suficientemente estável. As necessidades infantis não são satisfeitas e são levadas através da vida, resultando numa obsessão por reconhecimento. Eis a base do narcisista reativo. O sentimento de impotência é algo freqüente que a acompanha. Para lidar com esse sentimento, indivíduos na fase adulta desenvolvem uma falsa imagem de importância exagerada, uma forma de compensar o sentimento de não ter sido amado pelos pais. “Toda contradição entre as capacidades e os desejos criará a ansiedade e contribuirá para falsear a análise da realidade, adicionar-se-á à incapacidade de distinguir os desejos da percepção, de distinguir o ‘dentro do fora’”. (op. cit. p. 11).

No segundo tipo, o NARCISISMO AUTO-ILUSÓRIO, temos indivíduos que acreditaram ser incondicionalmente amados por um dos pais, ou mesmo por ambos, e que acreditaram ser perfeitos, não importasse o que fizessem, ou seja, sem levar em consideração as suas realizações. Esses indivíduos desenvolvem um ego superestimulado e sobrecarregado. São pais que colocam muita responsabilidade nos filhos ainda muito cedo, como se esses pudessem assumi-las de forma adulta, porque são idealizados por seus pais. O problema é que tais crianças se tornam violentas e, geralmente, mandam em seus pais. Os pais não conseguem dar limites aos filhos e deixam que eles mesmos se deem limites ou que os filhos possam dar limites a eles, pais, pois eles querem limites e não sabem como obter. “Quando os pais impõem suas esperanças irrealistas a seus filhos, eles engendram ilusões. Eles enganam seus filhos quanto às suas reais capacidades.” (op. cit. p. 11).

A convicção do sucesso que se encontra em tais indivíduos pode realmente levá-los a ele. Entretanto, o que se percebe é que tais indivíduos desenvolvem problemas de relacionamento interpessoal, pois ao lidar com outras pessoas que não os enxergam como os pais o faziam, mas o fazem com base na realidade, isso leva à decepção e fracasso. Instabilidade e fraqueza é o que se experimenta ao se conviver com outros indivíduos que não reforçam a imagem de onipotência da família original. Uma tendência a apresentarem uma superficialidade emocional e pobreza afetiva poderá estar presente.

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No último tipo, o NARCISISMO CONSTRUTIVO, temos indivíduos cujos impulsos destrutivos conseguiram ser neutralizados, pois eles não perturbaram o relacionamento da criança no tocante à confiança e estima dos pais; os pais não perceberam a busca pela autonomia dos filhos como uma ameaça ou ataque; os filhos tinham espaço para expressar sentimentos destrutivos e negativos, sem a necessidade de serem perfeitos; os filhos não tinham necessidade de agradar a tudo e a todos – eles podiam ser coerentes com seus sentimentos, no momento em que estavam sentindo –; os filhos podiam vivenciar o que é ser bom e mau, sem medo de ser rejeitados.

Tais indivíduos, na vida adulta, geralmente não precisam deformar a realidade para poder lidar com as frustrações que a vida lhes impõe. São menos ansiosos e utilizam menos as defesas primitivas, pois são mais coerentes aos seus sentimentos, desejos e pensamentos. Os objetos internos de tais indivíduos são estáveis e protetores durante as adversidades e eles se encontram em condições de arcar com as conseqüências de suas escolhas (desejos e ações) de forma mais responsável e autônoma.

CAUSAS DO NARCISISMO – Teoria da Aprendizagem Social

Como contraponto à visão psicanalítica e para que o artigo tenha maior validade científica, uma tentativa de explicar o narcisismo a partir de outro viés é trazida aqui, a qual é a da Teoria da Aprendizagem Social. De acordo com Bandura (1977, apud LUBIT, 2002), a maioria dos comportamentos é aprendida por observação, comportamentos esses que depois são aprimorados a partir da resposta do meio, ou seja, em conformidade com a teoria da aprendizagem social, a aprendizagem se dá quando (a) o indivíduo é incentivado ou castigado quando se comporta dessa ou daquela maneira, (b) observa outros indivíduos serem incentivados ou castigados quando há um determinado comportamento e (c) pelos padrões auto-impostos.

Nessa perspectiva, a atenção é concentrada em como as eventualidades do meio em que o indivíduo foi criado (as experiências de reforço positivo e reforço negativo) formam o comportamento desse indivíduo. Há algo bastante interessante para os teóricos que compreendem o narcisismo como surgindo a partir de uma aprendizagem social e que é usado para explicar a etiologia com base no aprendizado social: a ausência da raiva narcisista. Os teóricos da Aprendizagem Social afirmam que os narcisistas de base psicodinâmica apresentam muita raiva quando contestados ou criticados, enquanto que os narcisistas que aprenderam a se comportar assim por observação não necessariamente possuem uma auto-estima frágil, não sendo tão vulneráveis à agressividade narcisista diante das contestações.

NARCISISMO EM SITUAÇÕES DE LIDERANÇA – Identificando Discurso e Prática

Até aqui foram vistas as possíveis causas do narcisismo, desde a origem do termo, passando pela origem da patologia até o desenrolar do transtorno. A partir daqui será identificado, a partir da observação do discurso e da prática, como líderes narcisistas agem em suas organizações ou grupos.

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Antes, porém, é necessário refletir sobre a necessidade de poder que tem um líder narcisista, necessidade essa que é duramente criticada por Hannah Ahrendt (2001, apud

GUIMARÃES, 2005), que afirma que “A vontade de poder, denunciada ou glorificada pelos pensadores modernos de Hobbes a Nietzsche, longe de ser uma característica do forte, é, como a cobiça e a inveja, um dos vícios do fraco, talvez o seu mais perigoso vício.”

Guimarães (op. cit.) afirma que Ahrendt (op. cit apud GUIMARÃES, 2005) coloca a questão do poder como algo mais psicológico do que político, quando o associa a um vício, pois aproxima o poder daquilo que existe de mais sombrio dentro do ser humano e que é um atentado contra a própria vida, que é a inveja. Segundo a autora, a psicanálise compreende a inveja como uma das energias voltadas para o desejo de morrer e o desejo de morte, enquanto que os outros desejos eróticos dizem respeito à vida e à manutenção dela. Já foi dito acima que quando há a ausência de objetos bons internalizados, o indivíduo se apresenta menos capaz de lidar com frustrações e outras dificuldades inerentes à vida. Pode-se observar que, se o indivíduo não tem como recorrer a objetos internos bons, ele necessariamente irá recorrer aos objetos internos maus, dentre eles, à inveja e, entre os objetos internos destrutivos “a inveja é mais violenta e o desejo de destruir o objeto como fonte de vida é mais intenso”, diz Guimarães (op. cit.). Ela continua afirmando que há o “poder desta destrutividade dentro do indivíduo [que] é comparado ao de uma quadrilha organizada que age sob o comando de um líder que controla todos os membros para garantir a eficiência do trabalho criminoso.” (GUIMARÃES, 2005, p. 4). O indivíduo, tomado pela inveja, tenderá a destruir a si mesmo, aos outros que possam lhe oferecer vida ou que possam produzir vida, ou seja, o poder destruidor da inveja irá causando destruição por onde o indivíduo passar, principalmente quando há outras pessoas que possam estar em evidência e receber o amor e reconhecimento que o indivíduo tão ardentemente deseja, mas não consegue receber.

A autora explica que geralmente se faz necessária uma liderança que possa representar seus liderados e ajudá-los na realização de seus desejos e ações, sendo esta liderança mais um elo de ligação entre as partes, sem que haja uma rígida hierarquia. Entretanto, segunda a mesma, esse poder de líder se apresenta de forma abusiva e compreender os aspectos destrutivos do poder nessas situações se faz necessário. Em seu artigo, demonstra isso ao abordar um caso de um de seus pacientes que tenta manipular tudo e todos a seu redor, com grande dificuldade de lidar com as limitações que a vida lhe impõe, geralmente se opondo a quem ouse dizer que ele não é tão poderoso quanto deseja ou aparenta ser, o que frequentemente o traz constrangimentos e mágoas, levando-o de forma maníaca a reparar o mal que causa, incorrendo em insucesso ainda maior.

Em vez de deixar o paciente realizado, essa forma de agir o deixa escravo de um poder interno (objeto interno mau) que o controla e que destrói toda a satisfação que ele poderia obter com suas conquistas.

Outro exemplo é o que traz Minerbo et all (2006), em seu artigo lançado a partir de uma discussão sobre o filme O CLUBE DA LUTA. Jack (Edward Norton) vive a vida bem sucedida que dá inveja a muitos (apesar de ser apenas um funcionário mediano de uma companhia de seguros), pois passa muitos dias viajando de avião de um lado a outro do país,

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preenchendo sua vida vazia com objetos caros, de grifes exclusivas – o que lhe dá o sentimento de valor – e que aos poucos vai assumindo uma dupla personalidade, uma vez que a sua vida vazia não lhe traz verdadeira satisfação. Uma saída para lidar com seu sofrimento é uma psicose: ele cria uma cisão em sua personalidade, deixando que Tyler (Brad Pitt) assuma o comando de sua vida e lhe dê o prazer que ele se nega e ao qual ele chama de poder.

Ele cria o clube da luta e começa a alistar adeptos que obedecem as suas ordens de maneira a não ir contra o líder, pois o ideal que foi plantado no imaginário dos liderados é que ninguém havia que pudesse ser superior a ele (o líder) e, portanto, desafiá-lo seria simplesmente um absurdo e pouco inteligente. A recuperação dele se dá quando ele consegue abdicar de um Ego ideal, onipotente e começa a aceitar as suas limitações.

Desse ponto em diante, serão observados alguns estudos de casos em que o narcisismo se expressa através das palavras e das ações de seus protagonistas. No artigo de Jr, Medeiros e Lima (2007), que fizeram um estudo do discurso narcisista encontrado na literatura voltada para revistas e artigos cujo foco é a gestão, encontram-se trechos bastante emblemáticos do fenômeno, presente em periódicos de distribuição nacional, que aparece tanto nos motivos postos ao e para liderar, quanto no discurso social que legitima as práticas de liderança com cunho narcisista. Ao buscar identificar a manifestação do narcisismo, foram usados periódicos como as revistas Exame, HSM Management e Você S/A. No caso dos artigos selecionados, foram escolhidos aqueles que abordavam a temática liderança.

Através do método da análise do discurso, foram estudadas declarações associadas ora com textos ilustrados, ora com textos não ilustrados, entre elas algumas feitas pela rainha Elizabeth I. Os autores comentam que por trás de suas frases está a ideologia do narcisismo. Ao dizer, por exemplo: ‘Sei que tenho o corpo frágil de uma mulher, mas também sei que tenho o coração e o estômago de um rei’ (JR, MEDEIROS e LIMA, 2007, p. 11) a rainha se coloca como igual aos outros (é mulher, é frágil), mas diferente e superior (tem o coração e o estômago de um rei), o que faz com que seu poder seja legitimo. É uma estratégia narcisística de diferenciação, uma tentativa de compensar a sua fragilidade real.

Nos textos não ilustrados, observou-se com clareza a exaltação das qualidades da liderança. Termos como “assumir e aprender com os próprios erros”, “dominar uma arte” “capacidade de se adaptar às circunstâncias” são presentes nos discursos de quem deseja criar tais lugares de liderança ideal. “Essas afirmações sobre o que o líder é e o que faz contribuem para construir a sua identidade de possuidor de tão somente qualidades, dando a ideia de rejeição de qualquer alusão à possibilidade de que ele seja capaz de ter defeitos” (Ibidem, p.12), observação extremamente importante feita pelos autores.

Além de tais afirmações, foram encontradas também evidências de vocábulos e expressões vinculados à força e poder, tais como “servir”, “dominar” e “exemplo”, comumente usados de maneira estratégica.

Também comum aparecem os exemplos dos líderes que falam muito das mães e da influência delas em suas vidas. Aqui aparece a necessidade narcisista de fusão do Ego Grandioso e a Imagem Parental Idealizada (KETS De VRIES e MILLER, 1990).

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Outro exemplo é substituir o uso do pronome EU pelo pronome VOCÊ, em frases do tipo

‘Você não é líder para ganhar um concurso de popularidade. Você é líder para liderar’. Assim, a imagem de si é construída a partir da imagem de sua pessoa, que circula na mídia de negócios, e do estereótipo do líder bem sucedido. É então que o discurso lhe oferece todos os elementos de que tem necessidade para compor o seu retrato, embora de forma implícita. (JR, MEDEIROS E LIMA, 2007, p.13)

Azevedo (2000), explorando a temática da liderança nos processos de mudança em organizações públicas de saúde, traz a contribuição de Aktouf (1997, apud AZEVEDO, 2000) sobre questionamentos relativos ao não andamento dos processos na gestão participativa e de parcerias entre dirigentes e empregados. Aktouf encontrou o dirigente, o líder sendo cultuado como herói, indivíduo excepcional, um “‘criador’ organizacional, dominante na literatura gerencial” (AKTOUF, 1997, apud AZEVEDO, 2000, p. 6). Por outro lado, os empregados eram então vistos como coisas, como parte material do ambiente de trabalho, objetos passivos, sem noção, sem voz, papagaios, dependentes e infantis.

Se o trabalho dos gestores se der em outros ambientes que não o organizacional, algumas observações são importantes para a identificação dos traços de narcisismo em potencial (no caso de trabalho com famílias ou grupos que possam estar causando o problema em seus filhos ou líderes em seus liderados), não importa o contexto.

Ballone (2008) usa um termo da psiquiatria atribuído às famílias que tendem a fragilizar seus membros e contribuírem para internalização de objetos maus inadequados e que certamente serão catastróficos para o bom desenvolvimento dos adultos oriundos daquele contexto familiar ou grupal. São as chamadas FAMÍLIAS DE ALTA EMOÇÃO EXPRESSA. As pesquisas mostram que tais famílias (ou grupos) nocivas à saúde de seus membros se destacam em três áreas: (a) o número de comentários altamente críticos, que ferem, são amargos ou são depreciativos; (b) há presença de hostilidade, que pode ser explícita ou implícita; (c) há um nível de envolvimento emocional geralmente estressante. Os tipos de agressão emocional a que são submetidos os membros da família (ou grupo) são:

(a) agressões que estimulam sentimentos de preocupação, remorso ou culpa: são os casos em que há pais ou líderes histéricos (ou histriônicos) que desejam fazer surgir sentimentos de culpa nos outros, em especial quando tais pais ou líderes querem chamar a atenção para si e exageram suas doenças ou sentimentos, reclamando que não estão recebendo a atenção que precisam, satisfazendo, assim, a necessidade de atenção e de importância que eles têm. Fazem isso por não ter descoberto outras formas de ter as pessoas amadas ao seu lado, através de outras estratégias mais saudáveis. O autor ainda ressalta que

Os pacientes histriônicos exageram seus pensamentos e sentimentos, apresentam acessos de mau humor, lágrimas e acusações sempre que percebem não serem o centro das atenções ou quando não recebem elogios e aprovações. Há grande possibilidade das “doenças” do histérico piorarem quando sente que alguém da família não está reservando parte de sua vida para preocupar-se com ele, quando alguém está se preparando para passear, sair, divertir-se. (BALLONE, 2008).

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Há muitos grupos, sejam eles familiares ou não, em que se observa que a chamada “chantagem emocional” é muito utilizada por aqueles que estão em posição de liderança, quando, por exemplo, alguém passa mal por ter sido contrariado por um ou outro membro do grupo (liderado ou não liderado) que resolveu expor sua opinião e defender aquilo que acredita ser certo e que vai de encontro à opinião de quem está à frente, ou seja, a pessoa não pode ser contrariada ou preocupada;

(b) agressões que estimulam sentimentos de inferioridade ou dependência: são os casos em que pais ou líderes fazem tudo corretamente, não para ensinar, mas para mostrar que o outro é incapaz de ser tão bom quanto eles próprios. Geralmente isso é feito de forma muito dissimulada e extremamente difícil de perceber, mas há frases que denunciam o comportamento, tais como “na sua idade, eu já fazia isso bem melhor do que você...”, “ah, você acha que pode fazer isso melhor do que eu...”, “Eu sabia que isso ia acontecer com você... sempre acontece, né?, deixe que eu faço...”;

(c) comportamento opositor e aversivo: são os casos em que pais e líderes (ou filhos e liderados) agem diferentemente daquilo que se é esperado e acordado com eles. Apesar de ser pedido que tais comportamentos não se repitam, eles continuam se repetindo, como se fossem mais fortes do que a própria pessoa, pois é assim que tais pessoas geralmente se desculpam. Frases como “Será tão difícil ter um pouco de paciência comigo?”, ou “Os incomodados que se mudem” ou ainda “Por que os outros podem e eu não” são comumente ouvidas.

NARCISISMO – Como Intervir para promover saúde

Uma vez que foram apontados os exemplos para identificação do discurso e da prática do narcisismo patológico e suas possíveis formas de expressão, da mais explícita a mais velada, chega-se agora à parte em que o gestor deve saber como agir.

No caso das organizações, Lubit (2007) é importante lembrar que os líderes narcisistas podem não apresentar tais comportamentos antes de chegarem a cargos de alto poder. O autor aponta para uma das melhores ferramentas, em sua opinião, para identificação de narcisistas, que é a avaliação 360 graus, lembrando que ela só será eficaz se fizer parte constante da maneira como a organização é avaliada e quando todos podem e devem contribuir para a avaliação de forma confidencial e anônima – os resultados serão apresentados, mas não importa quem disse. Para ter validade, porém, os comentários negativos com relação ao líder só lhe serão transmitidos se generalizados e passado de maneira que proteja o anonimato dos envolvidos.

Outra forma de intervir, segundo o autor é a confrontação pelos superiores (conselho administrativo ou outros, talvez de um colega – alguém considerado “igual” –, nunca de alguém subordinado), dependendo de quão destrutivo é o comportamento do líder para a equipe e para a empresa e de quão insubstituível é o líder. Muitas vezes a confrontação pelos superiores traz mudanças positivas, dependendo do tipo de narcisismo, e quando há apoio dos superiores e também apoio de um terapeuta, quando os líderes são tratados com medicamentos e com supervisão executiva.

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Lubit (op. cit.) reforça que a situação é complicada quando não há alguém para substituir o líder em tempo hábil, pois aí a confrontação pode ser maléfica e resultar numa crise contraprodutiva para todos.

Se o problema é o chefe que apresenta o narcisismo destrutivo, o que pode ajudar a diminuir a doença é a empatia e a compaixão. Usar a inteligência emocional e não levar tudo para o lado pessoal e não discutir pode ajudar na relação interpessoal. Se isso não der certo, há a possibilidade de mudar de chefia ou de cargo. Para isso é necessário colher depoimentos que confirmem e reforcem a necessidade de transferência. Caso isso não seja possível, evitar envolvimento excessivo com o chefe, tais como se envolver em fofoca com ele, conceder ou pedir empréstimos e registrar formalmente todas as solicitações são estratégias para reduzir as chances de o chefe se queixar. Ter tudo documentado a fim de poder se defender no caso de críticas por maus resultados ou no caso de defesa diante de outros superiores também pode ser muito útil.

Nos casos em que são os colegas de trabalho os narcisistas destrutivos, que costumam roubar ideias, roubar o crédito do que é realizado pelos outros colegas, criticam os colegas, mentem e enganam por prazer manipulativo, desprezam colaborações feitas, pegam coisas alheias sem pedir, esperam muito e fazem pouco em troca e são autoritários, então a melhor maneira de se defender nesses casos é evitar entrar em discussões, não partilhar ideias, não pedir favores ou tomar algo emprestado. Se um colega ND for autoritário, é indicado ignorar as ordens ou pedir ao superior que esclareça as funções de cada um dentro da empresa.

Costa e Kirst (2010) apontam que o líder precisa ter competência para fazer com que a empresa seja dinâmica e o gestor de pessoas também é um líder. Ao perceber que um trabalho não está se desenvolvendo por causa de um líder ND, o gestor pode, juntamente com a equipe, além de ajudar a organização ou o grupo a solucionar o problema do líder ND, seja através da confrontação ou dos outros meios vistos acima, traçar um plano de metas, paralelamente, pois o trabalho dentro da organização não pode parar, e nesse plano de metas, segundo as autores, deve constar cronologia, eventos e atividades a serem desenvolvidas bem definidos, avaliações periódicas e ajustes de acordo com as necessidades. É função do gestor de pessoas, como dito no início deste trabalho, identificar os gargalos e liberar o fluxo dos processos, relacionados às pessoas.

Outra forma de intervenção também é a pedagógica. Palestras internas, seminários e mensagens direcionadas para a compreensão do ambiente de trabalho e do trabalho (seja ele qual for) como um dos ambientes mais importantes na atualidade que o indivíduo tem para a realização de si mesmo e da sua singularidade, pois trabalho realizaria a “integração social” de acordo com Dejours (p. 71, apud FACCHINETTI, 2008) e também de acordo com Bock (2002), indo além da mera remuneração financeira, uma recompensa simbólica, agregadora, constituindo sujeito e sua rede de significados.

Jogos de negócios são também possíveis estratégias de fazer emergir o comportamento narcisista, para que a intervenção possa ser feita, uma vez que em jogos os indivíduos geralmente são levados por suas pulsões mais primitivas e o desejo de poder e a necessidade de ganhar se sobrepõem ao controle social, de maneira freqüente. “Você pode descobrir mais

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a respeito de uma pessoa numa hora de jogo do que num ano de conversação”, dizia Platão, é o que traz um artigo eletrônico do Portal SEBRAE3. Ao usar jogos na intervenção, os liderados não serão tão expostos, pois a tendência do narcisista é querer se exaltar durante os mesmos e se afirmar como melhor do que os outros e superior aos demais.

Kets de Vries e Miller (1990) já são mais pragmáticos. Eles afirmam o seguinte: “é muito difícil mudar a personalidade narcisista” (p. 16). Chamam a atenção que é importante estar alerta aos sinais de ND durante o recrutamento e em caso de promoções e são categóricos ao finalizar com a seguinte frase: “O melhor meio de lidar com esses administradores é evitar contratá-los; na impossibilidade disso, abster-se de dar-lhes muito poder.” (p. 16).

No caso das Famílias de Alta Emoção Expressa (o que se pode também levar para toda situação de grupo onde haja líderes e liderados, cuidadores e pessoas que necessitam de cuidados), como se observou acima, Ballone (2008) orienta que

Na maior parte das vezes, o discurso de tais famílias nos dá a impressão de que todos são ótimos e desejam ardentemente o bem estar dos demais. Mas, avaliando com mais cuidado, surdamente, nas entrelinhas e dissimuladamente, veremos que, as coisas são feitas de forma a piorar o estado emocional dos demais ou de alguém, especificamente.

Portanto, é vital estar atento ao discurso dos cuidadores (pais, líderes, responsáveis) e ao comportamento dos que são por eles cuidados (filhos, liderados) quando se encontram reunidos, pois pode haver uma discrepância entre o que é dito “meus filhos/liderados sentem-se muito bem junto de mim” e o que é realmente observado. Percebe-se que não é essa a verdade, quando os filhos/liderados não se sentem à vontade na presença dos pais/líderes/cuidadores, sendo esse um forte indício de que algo não vai bem nessa família/grupo/organização.

CONCLUSÃO

Esse trabalho é finalizado juntamente com o desejo de ter sido mais um auxílio, ainda que humilde, mas um auxílio, na compreensão da patologia do narcisismo, das pessoas que por causa dele sofrem e fazem sofrer. Ao iniciar a leitura dos textos o intuito do trabalho era apontar agressores, mas com a maturação do tema e com a compreensão da doença, a conclusão vai se moldando com um olhar mais empático do que acusador.

3 Jogos de Negócios e o desafio empreendedor – disponível em http://www.sebraesp.com.br/PortalSebraeSP/Noticias/Noticias/Multissetorial/Paginas/jogos_de_negocios_desafio_empreendedor.aspx

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Lidar com o narcisismo não é algo fácil, tanto do ponto de vista de quem sofre como “agressor” quanto de quem sofre como sofre como “vítima”. O verbo “sofre” é usado de maneira consciente e reflexiva, pois ambos sofrem e há uma tendência de se tornarem estáticos os papéis de vítima e agressor, quando, na verdade, são dinâmicos, do ponto de vista psíquico, pois tanto a vítima quanto o agressor sofrem e fazem sofrer, se retroalimentando nesse movimento e se intercalando nesse jogo de papéis.

A solução saudável parece estar no reconhecimento de que o sofrimento está presente em todas as esferas da vida humana, que precisa ser libertada dessa visão baseada na pulsão de morte, de dor e sofrimento apenas. De Paula (2003), traz a visão de Marcuse (1999, apud DE PAULA, 2003) do narcisismo freudiano não apenas associado ao egoísmo, mas especialmente à dificuldade humana de integrar o ego à realidade ao seu redor, o que gera tanta dor e desprazer. Para o autor, houve um aprendizado errado que, para obter mais produção – mais sucesso, mais dinheiro, mais progresso – é necessário ter menos prazer, o que implica em mais repressão de Eros – energia ligada à satisfação, ao prazer, ao lúdico.

Há a ilusão que para obter mais, é preciso que o outro abdique tenha menos – para um ganhar, é preciso que o outro perca, como explica Covey (2005) atualmente – o que faz com que as relações sejam de dominação e trazem à tona impulsos destrutivos para os relacionamentos. Egoísmo, recusa, fantasia, são alguns dos mecanismos que entrarão em cena para lidar com a não permissão do prazer, da alegria, da satisfação, do amor negado. Fazer do das relações de poder algo não apenas para acúmulo de bens materiais e lazeres que alienam ou status pessoal, em que indivíduos são usados como escadas humanas, mas relações de ligações onde pessoas humanas encontram espaço para o desenvolvimento em conjunto, criando um ambiente em que a cooperação possa superar o ciúme e a inveja.

De Paula (2003) acrescenta que assim “(...) o indivíduo solucionaria sua neurose narcisista, dirigindo o amor que devota a si mesmo para o mundo que o cerca e estaria livre da supremacia genital típica dos processos de dominação.” (p. 4).

Finalmente, é necessário maturidade para perceber em qual nível se encontra o

narcisismo do próprio gestor de pessoas, uma vez que é de seu conhecimento que o fenômeno

é inerente ao ser humano e ele, como tal, não poderá escapar-lhe. A mesma maturidade

reflexiva levará o gestor a buscar ajuda, caso se perceba como numa atitude prejudicial a si e

à equipe, o que fará com ele venha a ser um grande auxílio no futuro para aqueles que venham

a precisar de sua intervenção.

Caso não seja ele o problema, ainda melhor. Contato que a sua postura seja não a de

acusar, mas de compreender e ajudar.

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