COMPARAÇÃO, MÉTODO COMPARATIVO E FAMÍLIA
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COMPARAÇÃO, MÉTODO COMPARATIVO E FAMÍLIA
ELLEN F. WOORTMANN
Universidade de Brasília
O paper discute a presença e significação do método
comparativo no decorrer do processo de constituição da
Antropologia clássica. Nele se analisa o método comparativo em
si no que ele apresenta de constante - a sua natureza - a
rigor, o que independe das variações, portanto seu cerne,
ilustrando-o com diferentes usos da noção de família.
Portanto, nosso objetivo é discutir um método que
"procura reunir o que vulgarmente se separa ou distinguir o
que vulgarmente se confunde" (Bourdieu, 1975:29) e que "não é
suscetível de ser estudado separadamente das investigações em
que é empregado" (Comte, in ibidem 1975: 11).
Dada a sua amplitude, não serão analisados os diversos
tipos de método comparativo: da Concordância ou Acordo e da
Diferença na terminologia de Scokpol (1975). Tampouco serão
analisadas em detalhes as abrangências dos princípios em
relação ao todo - princípio particular, universal, segmentado,
totalizante, etc.
Na análise das obras serão tomadas algumas que
consideramos mais explícitas, mais expressivas, tanto no que
se refere à posição do autor, quanto à operacionalização do
método. No caso de Radcliffe-Brown por exemplo, escolhemos "O
Método Comparativo em Antropologia Social" (1978) na primeira
parte porque julgamos ser o mais representativo do pensar
estrutural-funcionalista e African Systems of Kinship and
Marriage para a análise de sua concepção de família. O caso de
Boas foge à regra porque fundamentalmente nos apoiamos em
crítica sobre sua obra.
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Ao centrarmo-nos numa obra, definimos de que método
comparativo, de que autor e a que momento da carreira deste
estamos nos referindo. Destarte, se escapa de conceber a obra
de um autor como uma totalidade imutável e coerente.
Consideramos importante a análise do método comparativo
porque ele foi forjado pelo pensamento clássico como um meio
controlado de chegar às regularidades e generalizações do
pensar o Homem. Desvencilhado das amarras do senso comum,
método comparativo, como veremos, não corresponde à
comparação, que é inerente ao ser racional, porém não é
construído teóricamente. (A comparação estaria para o
pensamento selvagem como o método para o pensamento
científico?)
Tal como entendido pelos clássicos, o método comparativo
constituiu uma forma de sofisticação necessária à serviço da
Ciência para entender o chamado fenômeno humano
* * *
A rigor não há o que se poderia definir como o método
comparativo.Quer dizer, ele não é, como mostra Scokpol (op
cit), pensado, utilizado da mesma forma, nem configura o mesmo
objeto. Tampouco está ligado à alguma teoria ou hipótese
específca. Ele compreende uma infinidade de variações
enquanto método e como método, de forma que se torna difícil
distinguir o que lhe é inerente, isto é, o que o constitui em
essência, em vista da multiplicidade de variações que ele
apresenta.
"Estudar o método comparativo implicaria numa revisão
completa das obras de Antropologia. Se se o entende no sentido
mais amplo, não existe outro método à não ser este... [Ele]
constitui, sem dúvida alguma, uma das demarches essenciais de
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todas as ciências e um dos processos elementares do pensamento
humano (Evans-Pritchard, 1971:7).
O método comparativo começa a ser utilizado pela
Antropologia desde os seus primórdios, a ponto de Wissler,
citado por Ackerknecht (in Wallis, 1954:123) considerar a
própria Antropologia como "o ponto de vista comparativo".
O uso do método, enquanto método pensado para a
Antropologia foi introduzido, via Antropologia Física,
Arqueologia e Linguística, setores do conhecimento no qual
aliás, nunca deixou de ser fundamental (idem:117). Ackerknecht
ainda ressalta que, nesse sentido, outra influência importante
nesse período "formativo" da Antropologia foram as "certas
filosofias ou questões práticas [em voga, tais] como
escravidão ou emancipação nacional ou tendências como a
frenologia de Gall e a física social de Quetelet".
No século XIX, a separação da Antropologia Física da
Cultural não significou o abandono do método nesta última.
Pelo contrário, ele foi usado simultaneamente pelos
evolucionistas e pelos que se opunham a eles; paradoxalmente,
ambos para afirmar suas respectivas posições. Nesse momento a
preocupação era de crítica à teoria e ao objeto da teoria. O
método ainda não era questionado.
Uma significativa contribuição ao desenvolvimento do
pensar o método comparativo foi prestada por McLennan,
especialmente na sua obra Primitive Marriage (1865). Nela o
autor apresenta o primeiro estudo sistemático comparativo das
instituições das sociedades primitivas. Ao tomar exemplos os
mais variados e sua definição do geral e do particular como
forma de definir conceitos classificatórios, McLennan torna-se
o defensor de uma das abordagens mais fecundas do método
comparativo: a dos trabalhos qualitativos.
Quase no mesmo período encontramos o precursores do
trabalho de Murdock, J.Goody e outros: Herbert Spencer com sua
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tabelas e seu esforço de alcançar o maior número possível de
amostras possíveis.
O primeiro quartel do século XX assistiu ao surgimento de
duas "árvores filogenéticas" de pensamento antropológico.
Paradoxalmente, a que foi desenvolvida no novo mundo,
mantinha-se ligada ao passado. Foi defendida por Boas e seus
seguidores, que propugnavam uma "morfologia cultural fundada
nos estudos comparativos das formas similares nas diferentes
partes do mundo (ibidem : 123).
Os identificados com a segunda "árvore", ao romperem
total e completamente com o passado renegaram também o método.
Malinowski, então em diálogo com Freud, torna-se um dos
expoentes dessa nova tendência da Antropologia do velho mundo.
Ao romper com o método e se dedicar ao estudo de unidades
isoladas, Wallis afirma que Malinowski desprezou "uma grande
vantagem do método comparativo, que é o de que, num campo onde
as experiências controladas são impossíveis, ele provê ao
menos algum tipo de controle" (idem: 124-125). Ao opor a
experiência controlada de laboratório à experiência
controlada, contruída do método, está implícita a preocupação
dos clássicos no que diz respeito à diferenciação entre
ciências humanas e ciências exatas, assim de afirmar a
Antropologia como ciência.
Aliás, é interessante que se nesse período as ciências
exatas forneceram o referencial positivo que levou à
constituição das diferentes áreas das ciências humanas, que
por sua vez levou à uma posterior crítica e abandono desse
posicionamento cientificista, hoje assiste-se à um retorno
desse referencial, porém em sentido inverso. Esse referencial
torna-se negativo na medida em que os parâmetros das ciências
exatas passam a se tornar parâmetros gerais aos quais as
ciências humanas devem realizar esforço de se adaptar.
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Leach (in 1975:168), ainda numa perspectiva cientificista
"ma non tropo", afirma que o método comparativo, apesar de ser
utilizado por ambas as ciências, possui unidades e objetos
diferentes. E mais, que "o objeto da Antropologia é investido
de vontade própria e não pode ser submetido à experiências que
sejam replicáveis".
Destarte, a única possibilidade de chegar à generalização
de alguma maneira controlada, é via o método comparativo.
Cria-se então um paradoxo à partir da afirmação de
Ackerknecht (ibidem:118) "de que a enorme coleção de dados
etnográficos coletados (isolada e separadamente)... só fazem
sentido em vista de um eventual uso comparativo desse
material". Assim, paradoxalmente, o trabalho dos
funcionalistas, opositores ao uso do método comparativo, só
terá sentido se incorporado à outros trabalhos através do uso
do método ao qual ele eles próprios se opuseram!
Portanto, mesmo que uma obra não tenha sido pensada para
ser submetida ao método comparativo, seus dados poderão ser
retomados, e, na medida do possível, incorporados ao lado de
outros ao método comparativo, caso ela tenha sido construída
teoricamente.
O século XX assistiu à elevação do nível de abstração do
método ligado ao desenvolvimento do pensar a teoria
antropológica. Com a noção de totalidade, Mauss e Durkheim
abrem, por exemplo, uma nova dimensão quanto ao uso do método
e ao seu objeto. Essa noção é alçada à abstração assim como
relações e relações entre relações, e não mais elementos são à
ele submetidos.
À partir da cisão teórica Boas / Malinowski, o método
comparativo foi utilizado por alguns, das mais diferentes
maneiras, como Radcliffe-Brown, Murdock, etc. e rejeitado por
outros, como Evans-Pritchard, ou ainda usado num momento e
abandonado posteriormente, como Leach, Geertz, etc. Nesse
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ínterim, houve momentos em que ele caiu em desuso quase
completo.
O que é importante em tudo isso, é o fato do método ter
acompanhado o pensar antropológico em todo curso de sua
história e de ser responsável por grande parte do pensar de
sua produção, quer sendo utilizado em si, quer como alvo da
crítica de seus opositores. Na medida em que ele é combatido
através da produção, ainda assim, por oposição, o método
comparativo ainda está estimulando a geração do Antropologia.
* * *
À título de exercício lógico tomamos o próprio método
comparativo como objeto da análise.
Ao tomarmos o método comparativo como objeto observa-se
que à afirmação de Evans-Pritchard de que " a comparação
constitui... um dos processos elementares do pensamento
humano" (1971:7)) pode ser acrescida outra, se abstraída em
parte de seu contexto, de Leach: "nem todos os seres humanos
pensam igual, mas não necessitam pensar todos de forma
distinta" (1975:171). Alguns aspectos merecem ser explorados
nas duas citações. Evans-Pritchard concebe a comparação como
parte integrante do pensar humano, do senso comum, sendo
portanto processo elementar.
O pensar, ao lançar mão da comparação, não supõe a
explicitação consciente de seus passos. Nessa perspectiva
portanto, a comparação, enquanto processo elementar não
construído, não pode ser identificado com o método
comparativo. Diferentemente, o método comparativo supõe a
comparação, porém essa é uma comparação construída,
consciente, parte integrante de um procedimento controlado, na
acepção dos clássicos, científico. A segunda citação, a de
Leach, ao remeter à diversidade do pensar - por extensão, à
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diversidade do pensar por comparação, remete também ao geral e
ao particular. Ao geral, como parte da estrutura do pensar do
Homem e ao particular porque se expressa das formas às mais
diversas. Aliás, a amplitude maior da comparação constitui
fundamento de várias teorias como da comunicação ou para as
análises simbólicas, estruturalistas, etc. Estas formas do
saber supõem o método comparativo. Contudo ele nem sempre é
operacionalizado ou tornado explícito.
Isto posto, pergunta-se, o que vem a ser o método
comparativo? Geralmente ele é concebido como a "comparação de
semelhanças e diferenças entre grupos, sociedades ou partes
delas entre si". Desdobrando a noção em partes, vemos que a
comparação aqui é considerada como sinônimo de método
comparativo. Comparação constitui, como veremos, um momento
do método, mas não é o todo - é óbvio que a parte não pode
abarcar o todo.
A segunda parte se refere ao objeto - suas diferenças e
semelhanças, porém, a rigor, não definem o objeto em si a ser
submetido ao método.
A terceira parte da noção apresenta as unidades a serem
comparadas numa aproximação murdockiana porque as identifica à
partir de critérios onde não cabem outras unidades
evidentemente construídas, tais como estruturas, relações etc.
Portanto, a noção apresentada não se refere ao método,
tampouco abrange a própria comparação como um todo.
O método comparativo pode ser concebido, numa abordagem
clássica, como um meio de aproximação do real; uma criação
arbitrária, prévia e controlada do pensar e pelo pensar. Para
organizar esse pensar e torná-lo um procedimento científico,
os clássicos propõem que é inprescindível que se estabeleça
uma ruptura com o senso comum. Essa ruptura se consagra
através da sujeição à um "contrato" pelo qual previamente se
estabelece um "modus operandi", uma "trajetória do pensar"que
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inclui vários momentos, que arbitrariamente, para nossos fins,
foram separados entre si e destacados. São arbitrários porém
não aleatórios.
Temos que reconhecer que esses momentos resultam de corte
nosso. Evidentemente eles formam um totalidade integrada;
inclusive muitas vezes esses momentos estão superpostos, isto
é, ocorrem simultaneamente ou então, dada a multiplicidade das
variações do método, podem seguir um ordenamento diferente, ou
então ainda, não apresentar explícitos, todos os momentos.
O primeiro momento caracteriza a seleção-separação das
unidades de observação. De uma ampla gama de fenômenos
(sociedades, grupos em si, grupos dentro de grupos, como
família, por exemplo) selecionam-se os que mais se adecuam. Os
critérios que orientam essa seleção variam. É uma seleção-
separação arbitrária e consciente que opera no sentido de
minimizar os esforços e maximizar os objetivos e resultados do
trabalho.
Imbricada na seleção-separação do que será comparado do
que será desprezado, já existe uma orientação explícita ditada
por princípios e teorias.
Lévi-Strauss, na introdução à obra de Marcel Mauss mostra
do próprio Mauss que, no Ensaio sobre a Dádiva, ele fixou sua
"atenção sobre sociedades" que representam verdadeiramente uns
máximos, uns excessos, que permitem ver melhor os fatos do que
sociedades em que, não menos essenciais, eles contudo,
permanecem pequenos e involuídos"(1974:27). Mauss ainda
confessa que "escolhemos os lugares nos quais, graças aos
documentos e ao trabalho filológico tínhamos acesso à
consciência das próprias sociedades, pois trata-se aqui de
termos e de noções, o que restringia ainda mais o campo de
nossas comparações (idem:43).
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Portanto, o que Mauss procurou através do que ele
denominou "comparação precisa", foi "estudar... o tema apenas
em áreas determinadas e escolhidas (ibidem:43), isto é, onde
os fenômenos estão melhor e mais facilmente visíveis e
explicávis pela teoria da reciprocidade. Kula, o Potlach, etc
representam assim, manifestações acerbadas, fatos sociais
totais selecionados e separados dentre muitos outros que não o
foram, como o Natal, por exemplo. É interessante aliás, que
Mauss foi criticado como ingênuo por considerar o Natal ainda
dentro da teoria da reciprocidade.
Retomando Lévi-Strauss, agora em seu "Olhar Distanciado"
(1986) que ao discutir o conceito de família compara unidades
auto-identificadas, as mais expressivas: a mesnie da área
rural eslava, em que a noiva ao viver sua noite de núpcias com
o pai do noivo, ao invés deste último, simbólicamente é
incorporada á unidade familiar maior e não se destacando a
unidade marido-mulher. A partir dessa experiência a gravidez
que pode advir gera um primogênito estruturalmente da família
no seu sentido mais extenso, visto que é fruto da relação da
mãe com pater-famílias ou com o filho deste.
A outra unidade por ele comparada é a discutível unidade
familiar naiar, unidade essa encontrada no máximo oposto.
Outro aspecto que merece ser destacado se refere aos
critérios que orientam a seleção-separação das unidades de
separação. Exige-se um controle absoluto no sentido de aplicar
os mesmos critérios à todas as unidades. Exige-se enfim, a
uniformidade dos critérios. É a crítica que Leach (in Llobera,
1975: 175) e outros fazem a Murdock quando mostra que "as
unidades básicas de comparação, que são descritas de diversas
formas como tribos, povos, culturas ou sociedades são tratadas
como se estivessem naturalmente deslindadas e
autodiscriminadas".
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Destaca-se que os limites do que será
selecionado/separado não estào estabelecidos pelos mesmos
critérios.
Além disso, dada a ambição de Murdock de abranger uma
amostra mundial, há outros problemas nos seus critérios de
limite a serem apontados. O primeiro, como mostra Shapera
(1953:357), refere-se ao uso simultaneo de categorias
políticas e sociais. À essa crítica se lhe acrescenta outra: a
de substituir a amostragem quantitativa por outra qualitativa
nas áreas onde as fontes são insuficientes ou então, pelo
contrário, as fontes são ricas para alguns grupos e duvidosos
para outros grupos das imediações.Na sua crítica Shapera ainda
deixa claro que o que Murdock considera como "fontes
insuficientes" que justificam a alteração dos critérios, são,
de fato, insuficiência de fontes em inglês. Shapera critica o
autor por não ter recorrido ao vasto material disponível para
essas áreas e grupos, em outras línguas, especialmente o
francês, alemão e holandês. Mutatis mutandis, o seu método foi
comprometido por sua limitada percepção neo-imperialista do
século XX, que não levou em conta as fontes expressas nas
línguas que expressaram o imperialismo de ontem.
Nesse sentido é interessante contrapor o uso de fontes de
Mauss e Murdock. Enquanto o primeiro, numa rápida verificada
se utiliza de bibliografia em francês, inglês, alemão, latim,
italiano e dinamarquês, Murdock fica autolimitado ao inglês.
O segundo momento do pensar do método comparativo é o da
definição e construção das unidades e do objeto.
Não resta a menor dúvida que, ao se realizar a seleção /
separação das unidades a serem comparadasjá, concomitantemente
se está construindo as mesmas, mas por oposição. Ao tomar ou
rejeitar unidades, se está construindo o que será comparado e
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onde se dará a comparação, isto é, operando com o método
comparativo.
As unidades da comparação são aqui entendidas como o
"locus" ou o espaço, em seu sentido amplo, onde acontecem,
onde são observáveis os fenômenos a serem comparados ou, de
outra maneira, onde dá o que será comparado.
Restringindo o conceito unidade de observação ao que foi
trabalhado pelo método e não à extensão da projeção feita à
partir do que foi comparado decorrente da teoria ou hipótese
que o informou, veremos que a unidade enquanto totalidade
pensada, construída, supõe abrangências muito diversas.
Retomando o exemplo de Murdock, ao tomar o maior número de
amostras, 250 diferentes sociedades, ele tenta se aproximar à
totalidade dos grupos humanos à totalidade das amostras, das
suas unidades comparadas.
No extremo oposto encontramos Leach que analisa apenas
uma sociedade, definida por critérios políticos e referendada
por elementos linguísticos, geográficos, etc. Ele define os
Kachin pelo fato de eles constituírem uma sociedade organizada
por uma série de princípios, relações e relações entre
relações que lhe são particulares (in 1977:3). Os limites da
sua unidade não são estabelecidos de "fora para dentro" como
fez Murdock - aliás talvez aí resida aí uma das principais
razões que explicam grande parte das críticas que lhe são
feitas - mas pelo contrário, Leach busca os limites da sua
unidade "de dentro para fora": a unidade se estende até onde
prevalecem a série de relações e princípios que lhe são
particulares. Portanto é a própria unidade que "estabelece
seus limites", ela de certa forma se "autodefine", ou melhor,
provê o necessário para que o autor o faça.
Radcliffe-Brown constitui ao nosso ver um intermediário
entre ambos os extremos visto que toma algumas unidades
estruturadas em metades exogâmicas (3).
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Estabelecidos os limites e definidas as unidades de
observação resta-nos acompanhar a construção do objeto que
será submetido ao método comparativo.
A problemática da construção do objeto do método
comparativo está intimamente ligada à problemática do objeto
das Ciências Sociais em relação às Ciências Naturais como
mostra Bourdieu (in 1975:63).
O fato da maioria dos expoentes das Ciências Sociais
terem tido formação na área das Biológicas ou Exatas (nota 1)
colaborou para que o objeto da Antropologia fosse concebido
"as if" o das Ciências Naturais. Somente com o Estruturalismo
se dá o divórcio e a Antropologia assume totalmente a "guarda"
de seu objeto.
No modelo científico clássico as unidades de descrição
são tomadas como linguagem universal neutra e unanimimente
aceitas. O objeto é suposto como "modelo da realidade". O
problema é que a abordagem do homem não constitui uma
linguagem neutra ou unânime. Pelo contrário, o homem emite
juízos, conceitos sobre si e sobre os outros, é um objeto para
fins do pensar mas não se pensa como tal individualmente
porque tem vontade própria e fala. Por isso, como mostra Leach
(in op cit 168) ele é concebido pela Antropologia de forma
diferente da História (em sua percepção tradicional) - se uma
o aborda enquanto agente e condutor de sua vontade, a outra o
toma enquanto participante dos fatos sociais sem que contudo
possa, individualmente alterá-las de forma significativa.
Assim, apesar dos fatos sociais serem replicados equivalendo
portanto às experiências de laboratório das Ciências Naturais,
elas são de natureza diferente, integrando parte do que o
estruturalismo de Lévi-Strauss definiu como "sistema de
comunicação".
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Destarte, coerente com a vertente clássica, o objeto ao
se constituir em produto do pensar do próprio objeto deve,
necessariamente, ser submetido ao artifício lógico da ruptura.
Ele é concebido à partir de uma construção consciente que
procura se aproximar do real ou não, e ligado ao nível de
abstração em que opera.
O objeto, enquanto criação arbitrária e consciente da
mente do pesquisador, é gerado inicialmente por oposição e
corte, rompendo com: 1º os conceitos do senso comum; 2º os
cortes empiricamente construídos e os consuetudinários; 3º os
conceitos afins das demais áreas. Assim,a preocupação manteve
-se em "despir " o fenômeno a ser analisado, para então ser
pensado enquanto objeto em si e para si, assumindo-se uma
orientação teórica. A mente agora o captura não mais como
fenômeno, mas como objeto, decodificado em conceito.A
construção do objeto do método comparativo se dá de forma
similar.
A dificuldade surge quando o objeto não é construído pelo
autor para ser operacionalizável pelo método.
Retomando a crítica à Murdock, percebe-se que ele opera
com fenômenos e tipologias forjados pela realidade. Ou de
outra maneira, ele analisa as relações de parentesco, por
exemplo, como "coisas", isto é, enquanto "coisas"que
independem se pensadas ou não pelo pesquisador para existirem.
Além disso, não foram elaboradas no plano das idéias.
Nessa perspectiva, encontram-se dificuldades conceituais
mais complexas: como incluir numa comparação sobre família,
por exemplo, o universo rural japonês anterior ao período
Meiji, se antes sequer existia a noção ou uma palavra que
expressasse a unidade família nuclear? De outra forma, no iê
tradicional, a unidade marido-mulher e filhos não eram
concebida de forma distinta. Destarte, poderia se afirmar que
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foi a "ocidentalização" do Japão que tornou a família japonesa
comparável?
Na medida em que os fenômenos estão na realidade, eles
constituem individualidades; são específicos, únicos,
elementos de sociedades em grupos, etc, que como tais tambem
são individualidades; logo, não podem ser eleitos como objetos
do método comparativo.
O método comparativo, nesse sentido, não pode operar com
"indivíduos", porque são indivíduos, incomparáveis, únicos. O
método opera, isto sim, com "pessoas", quer dizer, indivíduos
aos quais se subraiu a importância da individualidade,
substituindo-a por outra forma de pensar o ser humano, a
pessoa, objeto abstrato.
Enfim, o que se percebe então é que a crítica que
Goodenough (in 1970) faz a Murdock de que a presença dos
mesmos elementos, tipologias não significa que contenham o
mesmo conteúdo nos diferentes grupos analisados, na realidade
atinge a questão apenas na superfície. A crítica maior que a
ele pode ser feita em outro plano de análise, é de que ele
comparou elementos, nesse sentido, "indivíduos", e não com
"pessoas", isto é, abstrações.
De certa forma Boas incorre no mesmo erro. Sua excessiva
dedicação aos detalhes empíricos, sua vocação etnográfica
positivista encobriram ou postergaram "ad infinitum" a
construção dos dados para que se tornassem operacionalizáveis
pelo método comparativo. Sem dúvida foi uma essa foi sua
preocupação, uma opção consciente que se liga ao fato de Boas
se propor a construir verdades, eliminando primeiramente os
problemas específicos (in Stocking, 1974:186). E acabou retido
neles.
Assim, o que se aponta é que a construção tanto da
unidade quanto do objeto supõe fundamentalmente é sua
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"homogeneização" (nota 2) - mutatis mutandis: as vias de
linguagem abstrata comum. Ela se dá, não ao nível do fenômeno,
do real, mas ao nível do pensar. Por isso a homogeneização é
inerente ao método. Ela atua, retomando a expressão de Leach,
"as if" as unidades e objetos tivessem a mesma amplitude em
relação ao todo, a mesma magnitude e fossem coetâneos.
A "homogeneização" contudo nem sempre está evidente,
especialmente no que diz respeito à amplitude da explicação ou
intensidade da presença, como se percebe em Mauss, na
diferença entre o Kula e o Natal.
Vale ressaltar contudo, que a construção do objeto
"homogeneizado" não supõe pensar a construção
homogeneizadamente. Tomando apenas alguns exemplos
significativos, observam-se objteos muito diferentes.
Radcliffe-Brown (in 1978) deixa claro que seu objeto são as
relações entre os elementos e não os elementos em si. Propõe
que, enquanto os elementos variam, as relações e os princípios
explicativos das relações são generalizáveis. Além disso,
Radcliffe-Brown, tal como Leach compara estruturas da
sociedade.
A Antropologia interpretativa de C. Geertz merece uma
aproximação mais detalhada, pela forma como opera e como o
objeto é construído. Em seu Islam Observed Geertz estabelece
uma macro-unidade - o desenvolvimento da religião islâmica. À
partir daí seu objeto é constituído por " duas civilizações "
contrastantes: a Indonésia e o Marrocos que são comparadas
entre si. O destaque está no fato de ele construir o objeto à
partir de elementos definidos pelos próprios agentes sociais,
a biografia representativa, por exemplo, que é
fundamentalmente uma escolha do coletivo, e não dele, Geertz.
Identifica-se nesse caso, um esforço evidente, sua marca
teórica, no sentido de buscar a percepção do outro, de
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penetrar na ótica do outro ou de, nos seus termos, "olhar por
sobre o ombro dele".
Se o esforço de Geertz vai na direção da profundidade
horizontalizada, da percepção do outro, na linha da descrição
densa, Silvia J. Yanisako, em seu Transforming the Past ( ),
busca o método comparativo para atingir a profundidade
verticalizada, isto é, compara os padrões demográficos, as
percepções acerca da concepção de família, matrimônio e papéis
sexuais das diferentes gerações de nipo-americanos. Nesse
caso, ela parte de um recorte generacional, até certo ponto
compartimentalizado ao plano do modelo dos agentes sociais,
que separa isseis, de nisseis etc e "horizontaliza" o que no
tempo é verticalizado. Essa compartimentalização no plano do
modelo de autopercepção dos emigrantes nipônicos e seus
descendentes é que possibilita assumir o uso do método
comparativo.
O terceiro momento do método comparativo é o da
comparação propriamente dita. Como vimos antes, a comparação,
senso comum, é percebida como uma totalidade não plenamente
consciente. O método comparativo, em contrapartida, como
operação do pensar consciente, configura uma trajetória a qual
se afasta das semelhanças à nível do fenômeno; é um momento do
processo no qual se dá a comparação do que foi construído.
Radicalizando, o que Murdock produziu é resultante de uma
comparação e não do uso do método comparativo.
A comparação além disso, supõe como que uma"
imobilização", isto é, operar como se (novamente as if) as
unidades e o objeto fossem equilibradas e estáticas.É o
pensar por aproximação, oposição. É submeter o pensado o
construído à mesma matriz. Supõe ainda, o estabelecimento de
pontos de encontro entre unidades, via objeto.
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Comparar de certa forma remete a parar, quer dizer deter
o continuum do pensar, como que num "corte transversal",
introduzindo uma nova apreensão, dimensão do objeto.
Estabelece-se destarte, as vias de comunicação, de sintonia
entre "pessoas", pensares construídos.
Do pensar dessa forma emergem pontos de confrontação que
se traduzem em momentos de reflexão sobre o objeto. É o meio
pelo qual o pensar antropológico substitui a experimentação.
Eleva além disso, a observação,o real a um nível de abstração
pelo qual atinge, via de regra, as regularidades e a
generalização.
O último aspecto a ser desenvolvido em nossa análise é o
da relação entre método comparativo e a teoria, isto é, a
relação entre o método, sua amplitude explicativa e a
amplitude do todo.
Vale ressaltar que a rigor, a problemática teórica
determina o método.
Uma das grandes dificuldades no uso do método comparativo
está sua adecuação à amplitude explicativa, isto é, à projeção
do comparado. Boas por exemplo, ao se propor a analisar várias
sociedades a fim de encontrar os pontos em comum e à partir
deles reconstruir as origens comuns ou não, desenvolveu uma
proposição, uma hipótese demasiado ampla em relação aos
elementos. Enquanto a sua proposição é de largo alcance, a
operacionalização dos elementos, em sendo perceptíveis como
elementos permaneceu ao nível da comparação, isto é, não foram
construídos para que fossem por ele, ou por outros
posteriormente submetidos ao método.
Tomando Mauss e Leach por outro lado, temos dois exemplos
de adecuação entre as suas modalidades de construção do
método, a amplitude do todo e da explicação. Eles
paradoxalmente no entanto se opõem: enquanto o todo de Mauss é
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o fato social total, portanto é restrito, o todo de Leach é a
estrutura ampla. Em contrapartida, a amplitude explicativa de
Mauss é ampla e a de Leach restrita. Já Radcliffe-Brown opera
em contraste, com o equilíbrio: o método com princípios amplos
comparando estruturas para chegar à generalização.
De outro modo, em muitos autores o método comparativo é
um meio para chegar ao modelo, como Radcliffe-Brown e Leach
que comparam estruturas de sociedades para, através da
análise, chegar ao modelo. Diferentemente Lévi-Strauss parte
de modelos para posteriormente passar para a análise.
Portanto, o que se constata é que o método comparativo
estabeleceu a relação entre o objeto e o real ou o modelo. Ele
não vem a ser uma simples técnica porque exige um pensar sobre
o agir e em seguida um pensar sobre o como agir, isto é, como
construir.
À partir daí cabe a pergunta: submete-se ao método
comparativo o modelo ou a prática dos grupos. No livro de
K.Woortmann, A Família das Mulheres, o autor discute a
existência do modelo de família patriarcal, idealmente
centrada na figura do pai-provedor encontrado na periferia de
Salvador. Esse modelo, que se realiza na classe média urbana,
nos Alagados coexiste, paradoxalmente, com práticas
matricentradas, em que prevalece a relação mãe-filho-irmão da
mãe.
Já em nossa experiência de uso do método comparativo,
opõe-se a família teuto-brasileira, organizada em torno da
Stammhaus: em que a família nuclear se encontra subordinada à
família extensa virilocal. Em termos espaciais está
concentrada verticalmente num só local, tem em cada geração
um Bezitzer casado, isto é, um "ocupante gerenciador", que
não se confunde com o Eigentum, quer dizer a propriedade a
traditio, que é da família no sentido extenso.
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Em contrapartida no sertão cada família nuclear
corresponde a um sítio, família essa subordinada, numa
primeira instância, ao pai de família em sentido mais amplo, e
ao grupo corporado como um todo em segunda instância, visto
que, casando de acordo com o grupo, este dará acesso ao novo
casal ao Sítio, território da família.
Concluindo, o método comparativo é uma forma controlada
de questionamento e de aproximação organizada. É antes de tudo
um meio de organizar o pensar sobre o real, diriam os
clássicos, num proceder controlado, científico. Já a
neutralidade do proceder científico, enquanto tal é
inatingível, utópica, porque todo pensar nunca é destituído de
valores ou vínculos ideológicos. Com isso, a neutralidade nas
Ciências Sociais, como propõe Bourdieu (in 1975) deve ser
buscada pelo caminho inverso: ao invés de tentar negar ou
subtrair essas interferências, deve-se assumí-las e explicitá-
las em toda sua potencialidade. E paradoxalmente, com isso o
método se torna científico, visto que deixa de ser um
intrumental de uso mecânico, atrelado ao senso comum, para se
tornar um meio de controlar o pensar.
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Notas:
1. Stocking (1974) mostra em sua crítica que Boas manteve a
preocupação biológica propriamente dita até a maturidade, o
que muito influiu na sua produção como um todo, e Leach, a
rigor, nunca renegou suas raízes exatas.
2. Homogeneização foi colocada entre aspas por falta de termo
que expressasse melhor a idéia.
3. Pode-se definir no mínimo como peculiar o caso do Japão em
que, como mostra Beillevaire (sem data), a unidade iê seido,
isto é, o sistema doméstico amplo, tradicional, constituiu a
unidade de parentesco mais importante. O autor aponta que no
Japão até o período da restauração/ ocidentalização Meiji
(1868), não existia a noção de família tal como conhecida no
Ocidente, isto é, unidade social criada à partir do casamento
e composta pelo casal e seus filhos. A palavra kazoku que
hoje designa família, foi composta pela justaposição dos
caracteres casa - no sentido de maison - mais parenté, que
inclui filiação e aliança. Como construir uma unidade para uso
no método comparativo à partir de uma categoria que foi criada
inicialmente por estrangeiros para fins de uso na nova
legislação civil que estava sendo criada, mas que hoje foi
incorporada no contexto de modernização?
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