Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito dos Animais - v. 01, n. 01
Compêndio de Ensaios Jurídicos: Justiça Ambiental
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Tau Lima Verdan Rangel
COMPNDIO DE ENSAIOS
JURDICOS: JUSTIA AMBIENTAL
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURDICOS:
JUSTIA AMBIENTAL
Capa: Tarsila do Amaral, Morro da Favela, 1924.
ISBN: 978-1515281382
Editorao, padronizao e formatao de
texto
Tau Lima Verdan Rangel
Projeto Grfico e capa
Tau Lima Verdan Rangel
Contedo, citaes e referncias
bibliogrficas
O autor
de inteira responsabilidade do autor os conceitos
aqui apresentados. Reproduo dos textos
autorizada mediante citao da fonte.
-
A P R E S E N T A O
Tradicionalmente, o Direito reproduzido
por meio de doutrinas, que constituem o
pensamento de pessoas reconhecidas pela
comunidade jurdica em trabalhar,
academicamente, determinados assuntos. Assim, o
saber jurdico sempre foi concebido como algo
dogmtico. possvel, luz da tradicional viso
empregada, afirmar que o Direito um campo no
qual no se incluem somente as instituies legais,
as ordens legais, as decises legais; mas, ainda, so
computados tudo aquilo que os especialistas em leis
dizem acerca das mencionadas instituies, ordens e
decises, materializando, comumente, uma meta
direito. No Direito, a construo do conhecimento
advm da interpretao de leis e as pessoas
autorizadas a interpretar as leis so os juristas.
Contudo, o alvorecer acadmico que
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prtica,
-
utilizando as experincias empricas e o contorno
regional como elementos indissociveis para a
compreenso do Direito. Ultrapassa-se a tradicional
viso do conhecimento jurdico como algo dogmtico,
buscando conferir molduras acadmicas, por meio
do emprego de mtodos cientficos. Neste aspecto, o
Compndio de Ensaios Jurdico objetiva
disponibilizar para a comunidade interessada uma
coletnea de trabalhos, reflexes e inquietaes
produzida durante a formao acadmica do autor.
Debruando-se especificamente sobre a temtica de
Justia Ambiental, o presente busca estabelecer
uma abordagem interdisciplinar sobre conflitos
envolvendo populaes tradicionalmente
vulnerabilizadas.
Boa leitura!
Tau Lima Verdan Rangel
-
S U M R I O
A proeminncia do Recurso Especial n 1.310.471-
SP: Do reconhecimento jurisprudencial da injustia
ambiental e do princpio do in dubio pro
salute ..................................................................... 06
Desenvolvimento econmico e o agravamento da
injustia ambiental: contornos ao racismo ambiental
no Brasil ................................................................ 48
O fenmeno da industrializao como elemento
agravador da injustia ambiental ........................ 93
Princpios da Justia Ambiental: breve
explicitao ............................................................ 142
Singelos apontamentos ao Manifesto de
Lanamento da Rede Brasileira de Justia
Ambiental: breve painel ........................................ 179
-
6
A PROEMINNCIA DO RECURSO
ESPECIAL N 1.310.471-SP: DO
RECONHECIMENTO JURISPRUDENCIAL
DA INJUSTIA AMBIENTAL E DO
PRINCPIO DO IN DBIO PRO SALUTE
Resumo: No decorrer das ltimas dcadas, em
especial a partir de 1980, os temas associados
questo ambiental passaram a gozar de maior
destaque no cenrio mundial, devido, em grande
parte, com a confeco de tratados e diplomas
internacionais que enfatizaram a necessidade da
mudana de pensamentos da humanidade, orientado,
maiormente, para a preservao do meio ambiente.
Concomitantemente, verifica-se o fortalecimento de
um discurso participativo de comunidades e
grupamentos sociais tradicionais nos processos
decisrios. Observa-se, desta maneira, que foi
conferido maior destaque ao fato de que a
proeminncia dos temas ambientais foi iada ao
status de problema global, alcanado, em sua
rubrica, no apenas a sociedade civil diretamente
afetada, mas tambm os meios de comunicao e os
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governos de diversas reas do planeta. Tal cenrio
facilmente verificvel na conjuno de esforos, por
partes de grande parte dos pases, para minorar os
impactos ambientais decorrentes da emisso de
poluentes e os adiantados estgios de degradao de
ecossistemas frgeis. Assim, o presente busca
estabelecer um singelo exame sobre os princpios da
justia ambiental e seus reflexos no reconhecimento
da incidncia desta ramificao em conflitos dotados
de aspectos plurais.
Palavras-chaves: Desenvolvimento Econmico.
Meio Ambiente Urbano. Justia Ambiental.
Princpios da Justia Ambiental.
Sumrio: 1 Consideraes Iniciais; 2 O Espao
Urbano em uma Perspectiva Ambiental: A
Ambincia do Homem Contemporneo em Anlise; 3
O Fenmeno da Industrializao como Elemento
Agravador da Injustia Ambiental: O Embate entre o
Desenvolvimento Econmico e o Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado; 4 A Proeminncia do
Recurso Especial n 1.310.471-SP: Do
Reconhecimento Jurisprudencial da Injustia
Ambiental e do Princpio do In dbio pro salute
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1 CONSIDERAES INICIAIS
No decorrer das ltimas dcadas, em
especial a partir de 1980, os temas associados
questo ambiental passaram a gozar de maior
destaque no cenrio mundial, devido, em grande
parte, com a confeco de tratados e diplomas
internacionais que enfatizaram a necessidade da
mudana de pensamentos da humanidade,
orientado, maiormente, para a preservao do meio
ambiente. Concomitantemente, verifica-se o
fortalecimento de um discurso participativo de
comunidades e grupamentos sociais tradicionais nos
processos decisrios. Observa-se, desta maneira,
que foi conferido maior destaque ao fato de que a
proeminncia dos temas ambientais foi iada ao
status de problema global, alcanado, em sua
rubrica, no apenas a sociedade civil diretamente
afetada, mas tambm os meios de comunicao e os
governos de diversas reas do planeta. Tal cenrio
facilmente verificvel na conjuno de esforos, por
partes de grande parte dos pases, para minorar os
impactos ambientais decorrentes da emisso de
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poluentes e os adiantados estgios de degradao de
ecossistemas frgeis.
Nesse passo, a industrializao de
pequenos e mdios centros urbanos, notadamente
nos pases subdesenvolvidos, encerra a dicotomia do
almejado desenvolvimento econmico, encarado
como o refulgir de uma nova era de prosperidade em
realidades locais estagnadas e desprovidas de
dinamicidade, e a degradao ambiental,
desencadeando verdadeira eco-histeria nas
comunidades e empreendimentos diretamente
afetados. Por vezes, o discurso desenvolvimentista
utilizado na instalao de indstrias objetiva, em
relao populao diretamente afetada, expor to
somente os aspectos positivos da alterao dos
processos ambientais, suprimindo as consequncias,
quando inexistente planejamento prvio,
socioambientais. Diante deste cenrio, o presente, a
partir do referencial adotado, busca conjugar uma
anlise proveniente do entendimento da justia
ambiental, colhendo das discusses propostas por
Henri Acselrad, Selene Herculano e Jos Augusto
de Pdua, sobretudo, no que se refere
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caracterizao de variveis repetidas nos processos
de instalao de empreendimento econmicos, em
especial a populao diretamente afetada.
De igual modo, o presente socorre-se do
aporte doutrinrio apresentado pelo Direito
Ambiental e pelo Direito Urbanstico, calcado nos
conceitos tradicionais e imprescindveis para o
fomento da discusso, utilizando, para tanto, do
discurso apresentado por Paulo Affonso Leme
Machado, Paulo Bessa Antunes Filho, Celso
Antonio Pacheco Fiorillo, Jos Afonso da Silva e
Romeu Thom. Ora, os conflitos socioambientais,
advindos do agravamento da injustia ambiental
experimentada por comunidades, d ensejo
discusso acerca do embate entre os princpios
constitucionais do desenvolvimento econmico e do
meio ambiente ecologicamente equilibrado, ambos
alados condio de elementos para
materializao da dignidade da pessoa humana.
2 O ESPAO URBANO EM UMA
PERSPECTIVA AMBIENTAL: A AMBINCIA
DO HOMEM CONTEMPORNEO EM
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ANLISE
Inicialmente, ao adotar como ponto inicial
de anlise o meio ambiente e sua relao direta com
o homem contemporneo, necessrio faz-se
esquadrinhar a concesso jurdica apresentada pela
Lei N. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (2013), que
dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulao e aplicao, e
d outras providncias. Aludido diploma, ancorado
apenas em uma viso hermtica, concebe o meio
ambiente como um conjunto de condies, leis e
influncias de ordem qumica, fsica e biolgica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas. Nesse primeiro momento, possvel deixar
em clara evidncia que o tema dotado de
complexidade e fragilidade, eis que dialoga uma
sucesso de fatores distintos, os quais so
facilmente distorcidos e deteriorados devido ao
antrpica.
Jos Afonso da Silva (2009, p. 20), ao
traar definio acerca de meio ambiente, descreve-o
como a interao do conjunto de elementos
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12
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as
suas formas. Celso Antnio Pacheco Fiorillo (2012,
p. 77), por sua vez, afirma que a concepo
definidora de meio ambiente est pautada em um
iderio jurdico despido de determinao, cabendo,
diante da situao concreta, promover o
preenchimento da lacuna apresentada pelo
dispositivo legal supramencionado. Trata-se, com
efeito, de tema revestido de macia fluidez, eis que o
meio ambiente est diretamente associado ao ser
humano, sofrendo os influxos, modificaes e
impactos por ele proporcionados. No possvel,
ingenuamente, conceber, na contemporaneidade, o
meio ambiente apenas como uma floresta densa ou
ecossistemas com espcies animais e vegetais
prprios de uma determinada regio; ao reverso,
imprescindvel alinhar o entendimento da questo
em debate com os anseios apresentados pela
sociedade contempornea. Nesta linha de exposio,
o Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ao Direta de
Inconstitucionalidade N. 4.029/AM, j salientou,
oportunamente, que:
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[...] o meio ambiente um conceito
hoje geminado com o de sade
pblica, sade de cada indivduo,
sadia qualidade de vida, diz a
Constituio, por isso que estou
falando de sade, e hoje todos ns
sabemos que ele imbricado,
conceitualmente geminado com o
prprio desenvolvimento. Se antes
ns dizamos que o meio ambiente
compatvel com o desenvolvimento,
hoje ns dizemos, a partir da
Constituio, tecnicamente, que no
pode haver desenvolvimento seno
com o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminao do conceito
me parece de rigor tcnico, porque
salta da prpria Constituio Federal.
(BRASIL, 2015b).
Pelo excerto transcrito, denota-se que a
acepo ingnua do meio ambiente, na condio
estrita de apenas condensar recursos naturais, est
superada, em decorrncia da dinamicidade da vida
contempornea, iado condio de tema dotado de
complexidade e integrante do rol de elementos do
desenvolvimento do indivduo. Tal fato decorre,
sobremodo, do processo de constitucionalizao do
meio ambiente no Brasil, concedendo a elevao de
normas e disposies legislativas que visam
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promover a proteo ambiental. Ao lado disso, no
possvel esquecer que os princpios e corolrios que
sustentam a juridicidade do meio ambiente foram
alados a patamar de destaque, passando a integrar
ncleos sensveis, dentre os quais as liberdades
pblicas e os direitos fundamentais. Com o advento
da Constituio da Repblica Federativa do Brasil
de 1988, as normas de proteo ambiental so
aladas categoria de normas constitucionais, com
elaborao de captulo especialmente dedicado
proteo do meio ambiente (THOM, 2012, p. 116).
Diante do alargamento da concepo do
meio ambiente, salta aos olhos que se encontra
alcanado por tal acepo o espao urbano,
considerado como a ambincia do homem
contemporneo, o qual encerra as manifestaes e
modificaes propiciadas pela coletividade no
habitat em que se encontra inserta. Trata-se,
doutrinariamente, do denominado meio ambiente
artificial ou meio ambiente humano, estando
delimitado espao urbano construdo, consistente no
conjunto de edificaes e congneres, denominado,
dentro desta sistemtica, de espao urbano fechado,
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bem como pelos equipamentos pblicos, nomeados
de espao urbano aberto, como salienta Fiorillo
(2012, p. 79). Extrai-se, desse modo, que o cenrio
contemporneo, refletindo a dinamicidade e
complexidade do ser humano, passa a materializar
verdadeiro habitat para o desenvolvimento do
indivduo. Neste sentido, inclusive, Talden Farias
descreve que:
O meio ambiente artificial o
construdo ou alterado pelo ser
humano, sendo constitudo pelos
edifcios urbanos, que so os espaos
pblicos fechados, e pelos
equipamentos comunitrios, que so
os espaos pblicos abertos, como as
ruas, as praas e as reas verdes.
Embora esteja ligado diretamente ao
conceito de cidade, o conceito de meio
ambiente artificial abarca tambm a
zona rural, referindo-se simplesmente
aos espaos habitveis pelos seres
humanos, visto que neles os espaos
naturais cedem lugar ou se integram
s edificaes urbanas artificiais.
(FARIAS, 2009, p. 07).
possvel, assim, caracterizar o meio
ambiente artificial como fruto da interferncia da
ao humana, ou seja, aquele meio-ambiente
trabalhado, alterado e modificado, em sua
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substncia, pelo homem, um meio-ambiente
artificial (BRITO, 2013). Neste cenrio, o
proeminente instrumento legislativo de tutela do
meio ambiente humano, em um plano genrico, est
assentado na Lei N. 10.257, de 10 de Julho de
2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituio Federal, estabelece diretrizes gerais da
poltica urbana e d outras providncias, conhecido
como Estatuto da Cidade, afixando os
regramentos e princpios influenciadores da
implementao da poltica urbana, de maneira que
a cidade extrapole sua feio de apenas um
grupamento de indivduos em um determinado
local, passando a desempenhar a funo social.
Fiorillo (2012, p. 467), ao tratar da legislao ora
mencionada, evidencia, oportunamente, que aquela
deu relevncia particular, no mbito do
planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art.
4, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como
disciplina do parcelamento, uso e ocupao do
solo.
Com efeito, um dos objetivos da poltica
de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182
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da Constituio Federal, so as funes sociais da
cidade, que se realizam quando se consegue
propiciar ao cidado qualidade de vida, com
concretizao dos direitos fundamentais, e em
consonncia com o que disciplina o artigo 225 da
Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. E as funes
sociais da cidade se concretizam quando o Poder
Pblico consegue dispensar ao cidado o direito
habitao, livre circulao, ao lazer e ao trabalho.
Ora, dado ao contedo pertinente ao meio ambiente
artificial, este em muito se relaciona dinmica das
cidades. Desse modo, no h como desvincul-lo do
conceito de direito sadia qualidade de vida
(FIORILLO, 2012, p. 549), tal como o direito
satisfao dos valores da dignidade humana e da
prpria vida. A questo em discusso j sofreu,
inclusive, construo jurisprudencial, sendo
possvel, apenas a ttulo de ilustrao, transcrever:
[...] Praas, jardins, parques e
bulevares pblicos urbanos
constituem uma das mais expressivas
manifestaes do processo
civilizatrio, porquanto encarnam o
ideal de qualidade de vida da cidade,
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realidade fsico-cultural refinada no
decorrer de longo processo histrico
em que a urbe se viu transformada,
de amontoado catico de pessoas e
construes toscas adensadas, em
ambiente de convivncia que se
pretende banhado pelo saudvel, belo
e aprazvel. 3. Tais espaos pblicos
so, modernamente, objeto de
disciplina pelo planejamento urbano,
nos termos do art. 2, IV, da Lei
10.257/01 (Estatuto da Cidade), e
concorrem, entre seus vrios
benefcios supraindividuais e
intangveis, para dissolver ou
amenizar diferenas que separam os
seres humanos, na esteira da
generosa acessibilidade que lhes
prpria. Por isso mesmo, fortalecem o
sentimento de comunidade, mitigam o
egosmo e o exclusivismo do domnio
privado e viabilizam nobres
aspiraes democrticas, de paridade
e igualdade, j que neles convivem os
multifacetrios matizes da populao:
abertos a todos e compartilhados por
todos, mesmo os "indesejveis", sem
discriminao de classe, raa, gnero,
credo ou moda. 4. Em vez de resduo,
mancha ou zona morta - bolses
vazios e inteis, verdadeiras pedras
no caminho da plena e absoluta
explorabilidade imobiliria, a
estorvarem aquilo que seria o destino
inevitvel do adensamento -, os
espaos pblicos urbanos cumprem,
muito ao contrrio, relevantes funes
de carter social (recreao cultural e
esportiva), poltico (palco de
manifestaes e protestos populares),
esttico (embelezamento da paisagem
-
19
artificial e natural), sanitrio (ilhas
de tranquilidade, de simples
contemplao ou de escape da
algazarra de multides de gente e
veculos) e ecolgico (refgio para a
biodiversidade local). [...]. (Superior
Tribunal de Justia Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator:
Ministro Herman Benjamin/ Julgado
em 15.04.2010/ Publicado no DJe em
08.03.2012) (BRASIL, 2015a).
O meio ambiente humano passa a ser
dotado de uma ordem urbanstica, consistente no
conjunto de normas, dotadas de ordem pblica e de
interesse social, que passa a regular o uso da
propriedade urbana em prol da coletividade, da
segurana, do equilbrio ambiental e do bem-estar
dos cidados. A ordem urbanstica deve significar a
institucionalizao do justo na cidade. No uma
ordem urbanstica como resultado da opresso ou
da ao corruptora de latifundirios e especuladores
imobilirios, porque a seria a desordem urbanstica
gerada pela injustia (MACHADO, 2013, p. 446).
Nesta perspectiva, est-se diante de um nvel de
planejamento que objetiva estabelecer patamares
mnimos de organizao do uso dos diversos
fragmentos de um determinado recorte espacial,
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atentando-se para as potencialidades e capacidades
inerentes aos sistemas ambientais desse espao,
sobremodo na ambincia urbana que, devido
complexidade a populao, apresenta intersees
peculiares. Ao lado disso, no possvel deixar de
destacar que os ambientes urbanos tendem a ser
diretamente influenciados e modificados pela
realidade social.
Trata-se de uma significao em busca
por uma ordem na utilizao do espao sob
planejamento, de maneira que assegure a
integridade ambiental, a manuteno dos servios
ambientais, a reproduo de seus recursos e a
manuteno dentro de uma trajetria evolutiva
estvel (o que significa no criar um desequilbrio
irreversvel que leve degradao da paisagem).
Enfim, a busca pela sustentabilidade na utilizao
do espao (VICENS, 2012, p. 197). Ultrapassa-se,
diante do painel pintado, a concepo de que os
centros urbanos, por sua essncia, so apenas
aglomerados de indivduos, por vezes, estratificados
em decorrncia de sua condio social e econmica.
Absolutamente, ainda que esteja em um plano,
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21
corriqueiramente, terico, possvel observar que a
preocupao em torno das cidades foi alada
condio de desenvolvimento de seus integrantes,
passa a sofrer forte discusso, em especial quando a
temtica est umbilicalmente atrelada aos
processos de remoo de comunidades ou, ainda,
alterao do cenrio tradicional, a fim de comportar
os empreendimentos industriais.
3 O FENMENO DA INDUSTRIALIZAO
COMO ELEMENTO AGRAVADOR DA
INJUSTIA AMBIENTAL: O EMBATE ENTRE
O DESENVOLVIMENTO ECONMICO E O
MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO
O modelo de desenvolvimento liberal,
estruturado no de individualismo econmico e
mercado, consistindo na confluncia de articulaes
entre a propriedade privada, iniciativa econmica
priva e mercada, passa a apresentar, ainda na
dcada de 1960, os primeiros sinais da problemtica
socioambiental. Esse modelo de crescimento
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22
orientado por objetivos materiais e econmico
puramente individualista, regido por regras
jurdicas de natureza privada, dissociou a natureza
da economia, alheando desta, os efeitos
devastadores dos princpios econmicos na
natureza (FRAGA, 2007, p. 02). Entre o final da
dcada de 1960 at 1980, o discurso, envolvendo a
questo ambiental, explicitava a preocupao com o
esgotamento dos recursos naturais que eram
dotados de maior interesse econmico, sobretudo no
que se referia explorao do petrleo. Verifica-se,
neste primeiro contato, que a questo do meio
ambiente estava cingida preocupao com a
sobrevivncia da espcie humana, numa aspecto
puramente econmico.
Diante da possibilidade do exaurimento
dos recursos naturais dotados de aspecto econmico
relevante, possvel observar uma crise civilizatria
advinda no apenas da escassez daqueles,
proporo que so degradados, mas tambm em
decorrncia do modelo econmico adotado, o qual,
por seu aspecto, desencadeou um desequilbrio
ambiental macio colocando em risco a
-
23
sobrevivncia da espcie humana, assim como, na
trilha dos efeitos produzidos, o aumento do
desemprego pela mecanizao dos meios de
produo, a misria e a marginalidade social. O
processo predatrio ambiental potencializa um
cenrio catico urbano, verificado, sobretudo, nos
grandes centros, com formao de comunidades
carentes e favelas, reduto da populao
marginalizada, constituindo verdadeiro bolso de
pobreza.
Conforme Lester R. Brown (1983, p. 05),
as ameaas civilizao so provocadas pela eroso
do solo a deteriorao dos sistemas biolgicos e
esgotamento das reservar petrolferas, alm do
comprometimento de elementos essenciais
existncia humana, como, por exemplo, acesso
gua potvel. Aludidas ameaas desencadeiam
tenses ambientais que se concretizam em crises
econmicas, causadas pela dependncia de alguns
pases dos produtos alimentcios oriundos de outros
pases, bem como das fontes de energia produzidas
pelos combustveis fsseis. possvel, neste cenrio,
verificar que a crise socioambiental, surgida nos
-
24
Estados Unidos, a partir da dcada de 1960, devido
mecanizao dos meios de produo e a
dependncia de recursos naturais, em especial
matrizes energticas (petrleo), de outros pases,
forneceu o insumo carecido para a construo da
justia ambiental, advinda da criatividade dos
movimentos sociais forjados pela luta da populao
afrodescendente que protestava contra a
discriminao causada pela maior exposio desta
populao aos lixos qumicos, radioativos e
indstrias geradoras de poluentes. Selene
Herculano, ao abordar a definio do tema, coloca
em destaque:
Por Justia Ambiental entenda-se o
conjunto de princpios que asseguram
que nenhum grupo de pessoas, sejam
grupos tnicos, raciais ou de classe,
suporte uma parcela desproporcional
das consequncias ambientais
negativas de operaes econmicas,
de polticas e programas federais,
estaduais e locais, bem como
resultantes da ausncia ou omisso de
tais polticas [...]
Complementarmente, entende-se por
Injustia Ambiental o mecanismo pelo
qual sociedades desiguais destinam a
maior carga dos danos ambientais do
desenvolvimento a grupos sociais de
-
25
trabalhadores, populaes de baixa
renda, grupos raciais discriminados,
populaes marginalizadas e mais
vulnerveis. (HERCULANO, 2002, p.
03).
Pela moldura ofertada pela justia
ambiental, infere-se que nenhum grupo de pessoas,
seja em decorrncia de sua condio tnica, raciais
ou de classe, suporte ma parcela desproporcional de
degradao do espao coletivo.
Complementarmente, entende-se por injustia
ambiental a condio de existncia coletiva prpria
a sociedade desiguais onde operam mecanismos
sociopolticos que destinam a maior carga dos danos
ambientais (ACSELRAD; HERCULANO; PDUA,
2004, p. 09). Diante do exposto, o termo justia
ambiental afigura-se como uma definio
aglutinadora e mobilizadora, eis que permite a
integrao de dimenses ambiental, social e tica da
sustentabilidade e do desenvolvimento,
corriqueiramente dissociados nos discursos e nas
prticas. Tal conceito contribui para reverter a
fragmentao e o isolamento de vrios movimentos
sociais frente ao processo de globalizao e
-
26
reestruturao produtiva que provoca perda de
soberania, desemprego, precarizao do trabalho e
fragilizao do movimento sindical e social como
todo (ACSELRAD; HERCULANO, PDUA, 2004,
p. 18).
Neste quadrante, mais que uma
expresso do campo do direito, justia ambiental
assume verdadeira feio de reflexo, mobilizao e
bandeira de luta de diversos sujeito e entidades, ais
como associaes de moradores, sindicatos, grupos
direta e indiretamente afetados por diversos riscos,
ambientalistas e cientistas. Joan Martnez Alier
(2007, p. 35) colocou em destaque que, at muito
recentemente, a justia ambiental como um
movimento organizado permaneceu limitado ao seu
pas de origem, conquanto o ecologismo popular,
tambm denominado de ecologismo dos pobres,
constituam denominaes aplicadas a movimentos
populares caractersticos do Terceiro Mundo que se
rebela contra os impactos ambientais que ameaam
a populao mais carente, que constitui a ampla
maioria do contingente populacional em muitos
pases. aspecto tradicional dessas movimentaes
-
27
populares, a base camponesa cujos campos ou terras
destinadas para pastos tm sido destrudos pela
minerao ou pedreiras; movimentos de pescadores
artesanais contra os barcos de alta tecnologia ou
outras foram de pesca industrial que impacta
diretamente o ambiente marinho em que desenvolve
a atividade; e, ainda, por movimentos contrrios s
minas e fbricas por parte de comunidades
diretamente atingidas pela contaminao do ar ou
que vivem rio abaixo das instalaes industriais
poluidoras.
Ao lado disso, em realidades nas quais as
desigualdades alcanam maior destaque, a exemplo
do Brasil e seu cenrio social multifacetado, dotado
de contradies e antagonismos bem peculiares, a
universalizao da temtica de movimentos
sustentados pela busca da justia ambiental alcana
vulto ainda maior, assumindo outras finalidades
alm das relacionadas essencialmente ao meio
ambiente, passando a configurar os anseios da
populao diretamente afetada, revelando-se, por
vezes, ao pavilho que busca minorar ou contornar
um histrico de desigualdade e antagonismo que se
-
28
arrasta culturalmente. Trata-se, pois, de um
discurso pautado na denncia de um quadro de
robusta injustia social, fomentado pela desigual
distribuio do poder e da riqueza e pela
apropriao, por parte das classes sociais mais
abastadas, do territrio e dos recursos naturais,
renegando, margem da sociedade, grupamentos
sociais mais carentes, lanando-os em bolses de
pobreza. imperioso explicitar que os aspectos
econmicos apresentam-se, no cenrio nacional,
como a flmula a ser observada, condicionando
questes socioambientais, dotadas de maior
densidade, a um patamar secundrio. Selene
Herculano coloca em destaque que:
A temtica da Justia Ambiental nos
interessa em razo das extremas
desigualdades da sociedade brasileira.
No Brasil, o pas das grandes
injustias, o tema da justia
ambiental ainda incipiente e de
difcil compreenso, pois a primeira
suposio de que se trate de alguma
vara especializada em disputas
diversas sobre o meio ambiente. Os
casso de exposio a riscos qumicos
so pouco conhecidos e divulgados,
[...], tendendo a se tornarem
problemas crnicos, sem soluo.
-
29
Acrescente-se tambm que, dado o
nosso amplo leque de agudas
desigualdades sociais, a exposio
desigual aos riscos qumicos fica
aparentemente obscurecida e
dissimulada pela extrema pobreza e
pelas pssimas condies gerais de
vida a ela associadas. Assim,
ironicamente, as gigantescas
injustias sociais brasileiras
encobrem e naturalizam a exposio
desigual poluio e o nus desigual
dos custos do desenvolvimento.
(HERCULANO, 2008, P. 05).
A partir das ponderaes articuladas,
verifica-se, no territrio nacional, o aparente
embate entre a busca pelo desenvolvimento
econmico e o meio ambiente ecologicamente
equilibrado torna-se palpvel, em especial quando a
questo orbita em torno dos processos de
industrializao, notadamente nos pequenos e
mdios centros urbanos, trazendo consigo a
promessa de desenvolvimento. Neste aspecto, a
acepo de desenvolvimento traz consigo um
carter mtico que povoa o imaginrio comum,
especialmente quando o foco est assentado na
alterao da mudana social, decorrente da
instalao de empreendimentos de mdio e grande
-
30
porte, promovendo a dinamizao da economia local,
aumento na arrecadao de impostos pelo Municpio
em que ser instalada e abertura de postos de
trabalho.
O grande atrativo aos centros urbanos
faz com que o crescimento se d de forma
desordenada, gerando diversos problemas cuja
soluo passa pela implementao de polticas
pblicas, necessariamente antecedidas de um
planejamento (ARAJO JNIOR, 2008, p. 239).
Constata-se, com clareza, que o modelo econmico
que orienta o escalonamento de interesses no
cenrio nacional, sobrepuja, de maneira macia,
valores sociais, desencadeando um sucedneo de
formas de violncia social, degradao ambiental e
aviltamento ao indivduo, na condio de ser dotado
de dignidade e inmeras potencialidades a serem
desenvolvidas. Todavia, no mais possvel
examinar as propostas de desenvolvimento
econmico desprovida de cautela, dispensando ao
assunto um olhar crtico e alinhado com elementos
slidos de convico, notadamente no que se refere
s consequncias geradas para as populaes
-
31
tradicionais corriqueiramente atingidas e
sacrificadas em nome do desenvolvimento
econmico.
No mais possvel corroborar com a
ideia de desenvolvimento sem
submet-la a uma crtica efetiva,
tanto no que concerne aos seus modos
objetivos de realizao, isto , a
relao entre aqueles residentes nos
locais onde so implantados os
projetos e os implementadores das
redes do campo do desenvolvimento;
quanto no que concerne s
representaes sociais que conformam
o desenvolvimento como um tipo de
ideologia e utopia em constante
expanso, neste sentido um ideal
incontestvel [...] O desenvolvimento ou essa crena da qual no se
consegue fugir -carrega tambm o seu
oposto, as formas de organizao
sociais que, muitas vezes vulnerveis
ao processo, so impactadas durante a
sua expanso. justamente pensando
nos atores sociais (KNOX;
TRIGUERO, 2011, p. 02).
imperioso conferir, a partir de uma
tica alicerada nos conceitos e aportes
proporcionados pela justia ambiental, uma
ressignificao do conceito de desenvolvimento,
alinhando-o diretamente questo ambiental, de
-
32
maneira a superar o aspecto eminentemente
econmico do tema, mas tambm dispensando uma
abordagem socioambiental ao assunto. A
reestruturao da questo resulta de uma
apropriao singular da temtica do meio ambiente
por dinmicas sociopolticas tradicionalmente
envolvidas com a construo da justia social
(ACSELRAD, 2010, p. 108). Salta aos olhos que o
processo de reconstruo de significado est
intimamente atrelado a uma reconstituio dos
espaos em que os embates sociais florescem em
prol da construo de futuros possveis. Justamente,
neste espao a temtica ambiental passa a ganhar
maior visibilidade, encontrado arrimo em assuntos
sociais do emprego e da renda.
Tal fato deriva da premissa que o
acentuado grau de desigualdades e de injustias
socioeconmicas, tal como a substancializada
poltica de omisso e negligencia no atendimento
geral s necessidades das classes populares, a
questo envolvendo discusses acerca da (in)justia
ambiental deve compreender mltiplos aspectos,
dentre os quais as carncias de saneamento
-
33
ambiental no meio urbano, a degradao das terras
usadas para a promoo assentamentos
provenientes da reforma agrria, no meio rural. De
igual modo, imperioso incluir na pauta de
discusso o tema, que tem se tornado recorrente,
das populaes de pequenos e mdios centros
urbanos diretamente afetados pelo recente
fenmeno de industrializao, sendo, por vezes,
objeto da poltica de remoo e reurbanizao. Ora,
crucial reconhecer que os moradores dos subrbios
e periferias urbanas, nas quais os passivos
socioambientais tendem a ser agravados, em razo
do prvio planejamento para dialogar o
desenvolvimento econmico e o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
mister que haja uma ponderaes de
interesses, a fim de promover o desenvolvimento
sustentvel, conversando os interesses econmicos e
a necessidades das populaes afetadas de terem
acesso ao meio ambiente preservado ou, ainda,
minimamente degradado, de modo a
desenvolverem-se, alcanando, em fim ltimo, o
utpico, porm sempre recorrido, conceito
-
34
constitucional de dignidade humana. O sedimento
que estrutura o iderio de desenvolvimento
sustentvel, como Paulo Bessa Antunes (2012, p.
17) anota, busca estabelecer uma conciliao a
conservao dos recursos ambientais e o
desenvolvimento econmico, assegurando-se atingir
patamares mais dignos e humanos para a populao
diretamente afetada pelos passivos socioambientais.
Paulo Affonso Leme Machado destaca, ao
esquadrinhar o conceito de desenvolvimento
sustentvel, que:
O antagonismo dos termos desenvolvimento e sustentabilidade aparece muitas vezes, e no pode ser
escondido e nem objeto de silncio por
parte dos especialistas que atuem no
exame de programas, planos e
projetos de empreendimentos. De
longa data, os aspectos ambientais
foram desatendidos nos processos de
decises, dando-se um peso muito
maior aos aspectos econmicos. A
harmonizao dos interesses em jogo
no pode ser feita so preo da
desvalorizao do meio ambiente ou
da desconsiderao de fatores que
possibilitam o equilbrio ambiental
(MACHADO, 2013, p. 74).
De outro modo, denota-se que o fenmeno
-
35
de industrializao, em especial atividades
mineradoras e petrolferas, nos pequenos e mdios
centros urbanos tem apresentado um discurso
pautado no desenvolvimento. Trata-se, com efeito,
de uma panaceia, na qual a possibilidade de injeo
de capital na realidade local, proveniente da
ampliao do aumento de arrecadao de tributos,
tal como a disfarada promessa de gerao de
postos de emprego e dinamizao da economia, tem
afigurado como importante pilar para o apoio de
tais processos. assim que a fora econmica das
grandes corporaes transformou-se em fora
poltica posto que eles praticamente habilitaram-
se a ditar a configurao das polticas urbanas,
ambientais e sociais (ACSELRAD, 2006, p. 31),
obtendo o elastecimento das normas com o
argumento de sua suposta capacidade de gerar
emprego e receitas pblicas.
Neste aspecto, ao suprimir variveis
socioambientais, em especial a remoo de
populaes para comportar a instalao de
empreendimentos industriais, tende a agravar,
ainda mais, o quadro delicado de antagonismos
-
36
sociais, nos quais a vulnerabilidade das populaes
diretamente afetadas agrava o cenrio de injustia
ambiental. A populao, sobretudo aquela colocada
margem da sociedade, constituinte das
comunidades carentes e favelas que materializam
os bolses de pobreza dos centros urbanos,
desconsiderada pela poltica econmica, alicerada
na atrao do capital que, utilizando sua capacidade
de escolher os locais preferenciais para a instalao
de seus investimentos, forando as populaes
diretamente afetadas a conformar-se com os riscos
socioambientais produzidos pelo empreendimento
instalado na proximidade de suas residncias,
alterando, de maneira macia, o cenrio existente.
Tal fato decorre, corriqueiramente, da ausncia das
mencionadas populaes de se retirarem do local ou
so levadas a um deslocamento forado, quando se
encontram instaladas em ambientes favorveis aos
investimentos (FRAGA, 2007, p.08).
A atuao das empresas subsidiada pela
ao do governo, no sentido de apresentar aes e
conjugao esforos para o denominado
desenvolvimento sustentvel, agindo sob o
-
37
argumento do mercado, objetivando promover
ganhos de eficincia e ativar mercados,
ambicionando evitar o desperdcio de matria e
energia. Concretamente, a lgica em destaque no
prospera, mas sim padece diante de um cenrio no
qual, devido industrializao e instalao de
empreendimentos, sem o prvio planejamento, h o
agravamento da injustia ambiental, em especial
em locais nos quais a vulnerabilidade da populao
afetada patente, havendo o claro sacrifcio daquela
em prol do desenvolvimento local. A injustia e a
discriminao, portanto, aparecem na apropriao
elitista do territrio e dos recursos naturais, na
concentrao dos benefcios usufrudos do meio
ambiente e exposio desigual da populao
poluio e aos custos ambientais do
desenvolvimento (ACSELRAD; HERCULANO;
PDUA, 2004, P. 10).
4 A PROEMINNCIA DO RECURSO
ESPECIAL N 1.310.471-SP: DO
RECONHECIMENTO JURISPRUDENCIAL DA
INJUSTIA AMBIENTAL E DO PRINCPIO
-
38
DO IN DBIO PRO SALUTE
Em um primeiro painel, luz da moldura
apresentada at o momento, cuida reconhecer a
proeminncia do Recurso Especial n 1.310.471-SP,
cuja relatoria incumbiu ao Ministro Herman
Benjamin, notadamente por ser o paradigmtico
entendimento que reconhece, expressamente, a
injustia ambiental e o princpio do in dbio pro
salute. Em sua fundamentao, o Ministro, de
maneira expressa, faz aluso expressa a realidade
nacional, sobretudo no que toca a distribuio
discriminatria de riscos ambientais, recaindo sobre
a populao tradicional invisibilizada e inexpressiva
na arena da construo de decises. H que se
apontar que o reconhecimento, por parte do
Superior Tribunal de Justia, do fenmeno
contemporneo da injustia ambiental fortalece,
ainda mais, os debates que orbitam em torno das
populaes sacrificadas institucionalmente em prol
do discurso desenvolvimentista que orienta o
capitalismo predatrio. No mais, oportuno,
tambm, transcrever que:
-
39
O episdio de plumbemia de Bauru
recebeu ampla cobertura e divulgao
nos meios de comunicao local e
nacional, tanto pelo tipo de
contaminante, como por envolver
crianas. Aqui, como a realidade
comum no mundo todo em casos de
graves incidentes de poluio por
resduos txicos ou perigosos, em sua
grande maioria as vtimas so
pessoas humildes, incapazes, pela
baixa instruo, de conhecer e
antecipar riscos associados a metais
pesados e a agentes carcinognicos,
mutagnicos, teratognicos e
ecotxicos. Ademais, prisioneiras da
indigncia social que as aflige, no se
encontram em condies de evitar ou
mitigar a exposio contaminao
letal, mudando a localizao de suas
precrias residncias. Infelizmente, o
Brasil mostra-se prdigo em
distribuio discriminatria de riscos
ambientais. Como se no bastasse a
misria material de bolses urbanos e
rurais da populao, fenmeno que
ainda nos atormenta e envergonha
como nao, aps a Segunda Guerra
Mundial e na esteira do processo de
industrializao que ganhou flego a
partir de ento, agregamos e
impingimos a essa multido de
excludos sociais (= injustia social) a
ndoa de prias ambientais (=
injustia ambiental). Substitumos, ou
sobrepusemos, segregao racial e
social - herana da discriminao das
senzalas, da pobreza da enxada e das
favelas - a segregao pela poluio,
isto , decorrente da geografia da
-
40
contaminao industrial e mineral, do
esgoto a cu aberto e da paisagem
desidratada dos seus atributos de
beleza (BRASIL, 2015a, p. 03).
imprescindvel destacar que, na
interpretao conferida pelo Recurso Especial n
1.310.471-SP, o Ministro Relator colocou em
destaque que o processo de agravamento da
injustia ambiental deriva do desenvolvimento
predatrio que tende a utilizar a multido de
excludos sociais como massa populacional a ser,
tradicionalmente, sacrificada em prol dos avanos
econmicos. Assim, no bastasse a condio social j
consolidada, aps a Segunda Guerra Mundial,
ainda consoante o Ministro Relator, foi agravada em
decorrncia dos passivos ambientais que a
populao passou a suportar. Mais que isso, a
deteriorao ambiental, em conjuno com
empreendimentos potencialmente poluidores,
contribuiu, sobremaneira, para o agravamento das
questes vinculadas sade, notadamente em
decorrncia da nocividade e poluio de algumas
atividades desenvolvidas. Portanto, diante da
situao de incertezas, incumbe ao Poder Judicirio
-
41
interpretar in dbio pro salute, priorizando
salvaguardar a sade da populao que pode ser
afetada pelas consequncias dos empreendimentos
implantados, reafirmando, assim, a proeminncia
da vida e da sade como valores que afiguram no
topo dos valores a serem protegidos pelo
ordenamento jurdico. Sobre a temtica esposada, o
Ministro Relator estabeleceu que:
Consequentemente, sob o manto da
razoabilidade, o Judicirio pode - e
por se tratar de sade humana, deve -
adotar referncias mais rigorosas da
Organizao Mundial de Sade -
OMS. Primeiro, porque, muito alm
de ordinrio e fortuito aplicador-cego
de normas regulamentares expedidas
pela Administrao Pblica, nem
sempre isenta na salvaguarda dos
vulnerveis ou imune captura
precisamente por aqueles a quem
incumbiria controlar, o juiz , antes
de tudo, fiscal ltimo da eficcia da
norma constitucional que garante, de
maneira absoluta, a sade como
direito de todos e dever do Estado (art. 196, caput, da Constituio).
Segundo, porque, no campo sanitrio-
ambiental, mais do que em qualquer
outro, imperam desinibidamente o
princpio in dubio pro salute e o
princpio da precauo, ilao lgica
da constatao de que, no topo dos
valores mais preciosos e resguardados
-
42
pelo ordenamento, acham-se a vida e
a sade. Terceiro, porque no universo
dos agentes txicos, carcinognicos,
mutagnicos, teratognicos e
ecotxicos, exatamente pelos riscos
individuais e coletivos a que se
submetem pessoas, geraes futuras e
meio ambiente, o juiz est adstrito
leitura e aplicao rigorosa do axioma
neminem laedere (= na convivncia
civil, e agora tambm na convivncia
planetria, o dever de no causar
dano). Utilizao que opera numa
perspectiva rejuvenescida, muito
alm do campo restrito da
responsabilidade civil clssica - isto ,
de simples obrigao negativa ou de
absteno, e da imposio de reparar
eventuais prejuzos (arts. 186 e 187
do Cdigo Civil). Ao contrrio, com
olhos postos nos riscos e orientado
preventiva ou precautoriamente,
trata-se de esforo destinado a evitar
e mitigar danos, mormente os
coletivos, intergeracionais, e de difcil
identificao, quantificao e
reparao (BRASIL, 2015a, p. 12).
Nesta toada, o Recurso Especial n
1.310.471-SP preponderante para trazer para a
arena dos debates e reflexes, sobretudo no que
concerne judicializao de polticas pblicas, a
injustia ambiental, inclusive estendendo, a partir
de uma tica calcada em tpicos valores de terceira
dimenso dos Direitos Humanos, o dever de no
-
43
causar danos. Isto , incumbe ao Poder Judicirio
analisar concretamente as situaes causadoras do
agravamento e do fortalecimento da injustia
ambiental, ampliando o fosso de antinomias e
disparidades existentes entre a classe social
dominante e as demais classes, objetos corriqueiros
das malficas consequncias das degradaes
ambientais e sociais, expondo, ainda mais, aqueles
que so descritos como vulnerabilizados.
REFERNCIA:
ACSELRAD, Henri. Ambientalizao das lutas sociais o caso do movimento por justia ambiental. Estudos Avanados, So Paulo, v. 24, n. 68, 2010, p. 103-119. Disponvel: . Acesso em 28 jun. 2015. __________________. Territrio, localismo e poltica de escalas. In: _________________; MELLO, Ceclia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves Bezerra (orgs.). Cidade, ambiente e poltica: problematizando a Agenda 21 local. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. __________________; HERCULANO, Selene; PDUA, Jos Augusto (orgs.). Justia Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2004.
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-
48
DESENVOLVIMENTO ECONMICO E O
AGRAVAMENTO DA INJUSTIA
AMBIENTAL: CONTORNOS AO RACISMO
AMBIENTAL NO BRASIL
Resumo: Verifica-se, sobretudo nas ltimas
dcadas, o desenvolvimento de um discurso pautado
na preocupao com o esgotamento e exaurimento
dos recursos naturais, em especial aqueles dotados
de valor econmico, a exemplo da s matrizes
energticas (petrleo). Em um cenrio de
achatamento da populao, sobretudo aquela
considerada como vulnervel, condicionada em
comunidades carentes e bolses de pobreza,
diretamente afetada pelos passivos produzidos,
diante das ambies de desenvolvimento econmico,
constri-se um iderio de justia ambiental,
buscando, a partir de um crescimento que conjugue
anseios econmicos com preservao socioambiental,
-
49
assegurar a conjuno de esforos a fim de minorar
os efeitos a serem suportados. Justamente, nesta
delicada questo, o presente debrua-se em analisar
a questo do racismo ambiental, potencializado pelo
discurso de desenvolvimento econmico que tende a
polarizar a problemtica social, em busca pelo
influxo de capitais na realidade local.
Palavras-chaves: Desenvolvimento Econmico.
Meio Ambiente Urbano. Justia Ambiental. Racismo
Ambiental.
Sumrio: 1 Consideraes Iniciais; 2 O Espao
Urbano em uma Perspectiva Ambiental: A
Ambincia do Homem Contemporneo em Anlise; 3
O Fenmeno da Industrializao como Elemento
Agravador da Injustia Ambiental: O Embate entre o
Desenvolvimento Econmico e o Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado; 4 O Racismo Ambiental
no Territrio Brasileiro: A Injustia Ambiental
agravada em decorrncia das condies sociais; 5
Comentrios Finais
-
50
1 CONSIDERAES INICIAIS
No decorrer das ltimas dcadas, em
especial a partir de 1980, os temas associados
questo ambiental passaram a gozar de maior
destaque no cenrio mundial, devido, em grande
parte, com a confeco de tratados e diplomas
internacionais que enfatizaram a necessidade da
mudana de pensamentos da humanidade,
orientado, maiormente, para a preservao do meio
ambiente. Concomitantemente, verifica-se o
fortalecimento de um discurso participativo de
comunidades e grupamentos sociais tradicionais nos
processos decisrios. Observa-se, desta maneira,
que foi conferido maior destaque ao fato de que a
proeminncia dos temas ambientais foi iada ao
status de problema global, alcanado, em sua
rubrica, no apenas a sociedade civil diretamente
afetada, mas tambm os meios de comunicao e os
governos de diversas reas do planeta. Tal cenrio
facilmente verificvel na conjuno de esforos, por
partes de grande parte dos pases, para minorar os
impactos ambientais decorrentes da emisso de
-
51
poluentes e os adiantados estgios de degradao de
ecossistemas frgeis.
Nesse passo, a industrializao de
pequenos e mdios centros urbanos, notadamente
nos pases subdesenvolvidos, encerra a dicotomia do
almejado desenvolvimento econmico, encarado
como o refulgir de uma nova era de prosperidade em
realidades locais estagnadas e desprovidas de
dinamicidade, e a degradao ambiental,
desencadeando verdadeira eco-histeria nas
comunidades e empreendimentos diretamente
afetados. Por vezes, o discurso desenvolvimentista
utilizado na instalao de indstrias objetiva, em
relao populao diretamente afetada, expor to
somente os aspectos positivos da alterao dos
processos ambientais, suprimindo as consequncias,
quando inexistente planejamento prvio,
socioambientais. Diante deste cenrio, o presente, a
partir do referencial adotado, busca conjugar uma
anlise proveniente do entendimento da justia
ambiental, colhendo das discusses propostas por
Henri Acselrad, Selene Herculano e Jos Augusto
de Pdua, sobretudo, no que se refere
-
52
caracterizao de variveis repetidas nos processos
de instalao de empreendimento econmicos, em
especial a populao diretamente afetada.
De igual modo, o presente socorre-se do
aporte doutrinrio apresentado pelo Direito
Ambiental e pelo Direito Urbanstico, calcado nos
conceitos tradicionais e imprescindveis para o
fomento da discusso, utilizando, para tanto, do
discurso apresentado por Paulo Affonso Leme
Machado, Paulo Bessa Antunes Filho, Celso
Antonio Pacheco Fiorillo, Jos Afonso da Silva e
Romeu Thom. Ora, os conflitos socioambientais,
advindos do agravamento da injustia ambiental
experimentada por comunidades, d ensejo
discusso acerca do embate entre os princpios
constitucionais do desenvolvimento econmico e do
meio ambiente ecologicamente equilibrado, ambos
alados condio de elementos para
materializao da dignidade da pessoa humana.
2 O ESPAO URBANO EM UMA
PERSPECTIVA AMBIENTAL: A AMBINCIA
DO HOMEM CONTEMPORNEO EM
-
53
ANLISE
Inicialmente, ao adotar como ponto inicial
de anlise o meio ambiente e sua relao direta com
o homem contemporneo, necessrio faz-se
esquadrinhar a concesso jurdica apresentada pela
Lei N. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (2013), que
dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulao e aplicao, e
d outras providncias. Aludido diploma, ancorado
apenas em uma viso hermtica, concebe o meio
ambiente como um conjunto de condies, leis e
influncias de ordem qumica, fsica e biolgica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas. Nesse primeiro momento, possvel deixar
em clara evidncia que o tema dotado de
complexidade e fragilidade, eis que dialoga uma
sucesso de fatores distintos, os quais so
facilmente distorcidos e deteriorados devido ao
antrpica.
Jos Afonso da Silva (2009, p. 20), ao
traar definio acerca de meio ambiente, descreve-o
como a interao do conjunto de elementos
-
54
naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as
suas formas. Celso Antnio Pacheco Fiorillo (2012,
p. 77), por sua vez, afirma que a concepo
definidora de meio ambiente est pautada em um
iderio jurdico despido de determinao, cabendo,
diante da situao concreta, promover o
preenchimento da lacuna apresentada pelo
dispositivo legal supramencionado. Trata-se, com
efeito, de tema revestido de macia fluidez, eis que o
meio ambiente est diretamente associado ao ser
humano, sofrendo os influxos, modificaes e
impactos por ele proporcionados. No possvel,
ingenuamente, conceber, na contemporaneidade, o
meio ambiente apenas como uma floresta densa ou
ecossistemas com espcies animais e vegetais
prprios de uma determinada regio; ao reverso,
imprescindvel alinhar o entendimento da questo
em debate com os anseios apresentados pela
sociedade contempornea. Nesta linha de exposio,
o Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ao Direta de
Inconstitucionalidade N. 4.029/AM, j salientou,
oportunamente, que:
-
55
[...] o meio ambiente um conceito
hoje geminado com o de sade
pblica, sade de cada indivduo,
sadia qualidade de vida, diz a
Constituio, por isso que estou
falando de sade, e hoje todos ns
sabemos que ele imbricado,
conceitualmente geminado com o
prprio desenvolvimento. Se antes
ns dizamos que o meio ambiente
compatvel com o desenvolvimento,
hoje ns dizemos, a partir da
Constituio, tecnicamente, que no
pode haver desenvolvimento seno
com o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminao do conceito
me parece de rigor tcnico, porque
salta da prpria Constituio Federal.
(BRASIL, 2013b).
Pelo excerto transcrito, denota-se que a
acepo ingnua do meio ambiente, na condio
estrita de apenas condensar recursos naturais, est
superada, em decorrncia da dinamicidade da vida
contempornea, iado condio de tema dotado de
complexidade e integrante do rol de elementos do
desenvolvimento do indivduo. Tal fato decorre,
sobremodo, do processo de constitucionalizao do
meio ambiente no Brasil, concedendo a elevao de
normas e disposies legislativas que visam
-
56
promover a proteo ambiental. Ao lado disso, no
possvel esquecer que os princpios e corolrios que
sustentam a juridicidade do meio ambiente foram
alados a patamar de destaque, passando a integrar
ncleos sensveis, dentre os quais as liberdades
pblicas e os direitos fundamentais. Com o advento
da Constituio da Repblica Federativa do Brasil
de 1988, as normas de proteo ambiental so
aladas categoria de normas constitucionais, com
elaborao de captulo especialmente dedicado
proteo do meio ambiente (THOM, 2012, p. 116).
Diante do alargamento da concepo do
meio ambiente, salta aos olhos que se encontra
alcanado por tal acepo o espao urbano,
considerado como a ambincia do homem
contemporneo, o qual encerra as manifestaes e
modificaes propiciadas pela coletividade no
habitat em que se encontra inserta. Trata-se,
doutrinariamente, do denominado meio ambiente
artificial ou meio ambiente humano, estando
delimitado espao urbano construdo, consistente no
conjunto de edificaes e congneres, denominado,
dentro desta sistemtica, de espao urbano fechado,
-
57
bem como pelos equipamentos pblicos, nomeados
de espao urbano aberto, como salienta Fiorillo
(2012, p. 79). Extrai-se, desse modo, que o cenrio
contemporneo, refletindo a dinamicidade e
complexidade do ser humano, passa a materializar
verdadeiro habitat para o desenvolvimento do
indivduo. Neste sentido, inclusive, Talden Farias
descreve que:
O meio ambiente artificial o
construdo ou alterado pelo ser
humano, sendo constitudo pelos
edifcios urbanos, que so os espaos
pblicos fechados, e pelos
equipamentos comunitrios, que so
os espaos pblicos abertos, como as
ruas, as praas e as reas verdes.
Embora esteja ligado diretamente ao
conceito de cidade, o conceito de meio
ambiente artificial abarca tambm a
zona rural, referindo-se simplesmente
aos espaos habitveis pelos seres
humanos, visto que neles os espaos
naturais cedem lugar ou se integram
s edificaes urbanas artificiais.
(FARIAS, 2009, p. 07).
possvel, assim, caracterizar o meio
ambiente artificial como fruto da interferncia da
ao humana, ou seja, aquele meio-ambiente
trabalhado, alterado e modificado, em sua
-
58
substncia, pelo homem, um meio-ambiente
artificial (BRITO, 2013). Neste cenrio, o
proeminente instrumento legislativo de tutela do
meio ambiente humano, em um plano genrico, est
assentado na Lei N. 10.257, de 10 de Julho de
2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituio Federal, estabelece diretrizes gerais da
poltica urbana e d outras providncias, conhecido
como Estatuto da Cidade, afixando os
regramentos e princpios influenciadores da
implementao da poltica urbana, de maneira que
a cidade extrapole sua feio de apenas um
grupamento de indivduos em um determinado
local, passando a desempenhar a funo social.
Fiorillo (2012, p. 467), ao tratar da legislao ora
mencionada, evidencia, oportunamente, que aquela
deu relevncia particular, no mbito do
planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art.
4, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como
disciplina do parcelamento, uso e ocupao do
solo.
Com efeito, um dos objetivos da poltica
de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182
-
59
da Constituio Federal, so as funes sociais da
cidade, que se realizam quando se consegue
propiciar ao cidado qualidade de vida, com
concretizao dos direitos fundamentais, e em
consonncia com o que disciplina o artigo 225 da
Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. E as funes
sociais da cidade se concretizam quando o Poder
Pblico consegue dispensar ao cidado o direito
habitao, livre circulao, ao lazer e ao trabalho.
Ora, dado ao contedo pertinente ao meio ambiente
artificial, este em muito se relaciona dinmica das
cidades. Desse modo, no h como desvincul-lo do
conceito de direito sadia qualidade de vida
(FIORILLO, 2012, p. 549), tal como o direito
satisfao dos valores da dignidade humana e da
prpria vida. A questo em discusso j sofreu,
inclusive, construo jurisprudencial, sendo
possvel, apenas a ttulo de ilustrao, transcrever:
[...] Praas, jardins, parques e
bulevares pblicos urbanos
constituem uma das mais expressivas
manifestaes do processo
civilizatrio, porquanto encarnam o
ideal de qualidade de vida da cidade,
-
60
realidade fsico-cultural refinada no
decorrer de longo processo histrico
em que a urbe se viu transformada,
de amontoado catico de pessoas e
construes toscas adensadas, em
ambiente de convivncia que se
pretende banhado pelo saudvel, belo
e aprazvel. 3. Tais espaos pblicos
so, modernamente, objeto de
disciplina pelo planejamento urbano,
nos termos do art. 2, IV, da Lei
10.257/01 (Estatuto da Cidade), e
concorrem, entre seus vrios
benefcios supraindividuais e
intangveis, para dissolver ou
amenizar diferenas que separam os
seres humanos, na esteira da
generosa acessibilidade que lhes
prpria. Por isso mesmo, fortalecem o
sentimento de comunidade, mitigam o
egosmo e o exclusivismo do domnio
privado e viabilizam nobres
aspiraes democrticas, de paridade
e igualdade, j que neles convivem os
multifacetrios matizes da populao:
abertos a todos e compartilhados por
todos, mesmo os "indesejveis", sem
discriminao de classe, raa, gnero,
credo ou moda. 4. Em vez de resduo,
mancha ou zona morta - bolses
vazios e inteis, verdadeiras pedras
no caminho da plena e absoluta
explorabilidade imobiliria, a
estorvarem aquilo que seria o destino
inevitvel do adensamento -, os
espaos pblicos urbanos cumprem,
muito ao contrrio, relevantes funes
de carter social (recreao cultural e
esportiva), poltico (palco de
manifestaes e protestos populares),
esttico (embelezamento da paisagem
-
61
artificial e natural), sanitrio (ilhas
de tranquilidade, de simples
contemplao ou de escape da
algazarra de multides de gente e
veculos) e ecolgico (refgio para a
biodiversidade local). [...]. (Superior
Tribunal de Justia Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator:
Ministro Herman Benjamin/ Julgado
em 15.04.2010/ Publicado no DJe em
08.03.2012) (BRASIL, 2013a).
O meio ambiente humano passa a ser
dotado de uma ordem urbanstica, consistente no
conjunto de normas, dotadas de ordem pblica e de
interesse social, que passa a regular o uso da
propriedade urbana em prol da coletividade, da
segurana, do equilbrio ambiental e do bem-estar
dos cidados. A ordem urbanstica deve significar a
institucionalizao do justo na cidade. No uma
ordem urbanstica como resultado da opresso ou
da ao corruptora de latifundirios e especuladores
imobilirios, porque a seria a desordem urbanstica
gerada pela injustia (MACHADO, 2013, p. 446).
Nesta perspectiva, est-se diante de um nvel de
planejamento que objetiva estabelecer patamares
mnimos de organizao do uso dos diversos
fragmentos de um determinado recorte espacial,
-
62
atentando-se para as potencialidades e capacidades
inerentes aos sistemas ambientais desse espao,
sobremodo na ambincia urbana que, devido
complexidade a populao, apresenta intersees
peculiares. Ao lado disso, no possvel deixar de
destacar que os ambiente urbanos tendem a ser
diretamente influenciados e modificados pela
realidade social.
Trata-se de uma significao em busca
por uma ordem na utilizao do espao sob
planejamento, de maneira que assegure a
integridade ambiental, a manuteno dos servios
ambientais, a reproduo de seus recursos e a
manuteno dentro de uma trajetria evolutiva
estvel (o que significa no criar um desequilbrio
irreversvel que leve degradao da paisagem).
Enfim, a busca pela sustentabilidade na utilizao
do espao (VICENS, 2012, p. 197). Ultrapassa-se,
diante do painel pintado, a concepo de que os
centros urbanos, por sua essncia, so apenas
aglomerados de indivduos, por vezes, estratificados
em decorrncia de sua condio social e econmica.
Absolutamente, ainda que esteja em um plano,
-
63
corriqueiramente, terico, possvel observar que a
preocupao em torno das cidades foi alada
condio de desenvolvimento de seus integrantes,
passa a sofrer forte discusso, em especial quando a
temtica est umbilicalmente atrelada aos
processos de remoo de comunidades ou, ainda,
alterao do cenrio tradicional, a fim de comportar
os empreendimentos industriais.
3 O FENMENO DA INDUSTRIALIZAO
COMO ELEMENTO AGRAVADOR DA
INJUSTIA AMBIENTAL: O EMBATE ENTRE
O DESENVOLVIMENTO ECONMICO E O
MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO
O modelo de desenvolvimento liberal,
estruturado no de individualismo econmico e
mercado, consistindo na confluncia de articulaes
entre a propriedade privada, iniciativa econmica
priva e mercada, passa a apresentar, ainda na
dcada de 1960, os primeiros sinais da problemtica
socioambiental. Esse modelo de crescimento
-
64
orientado por objetivos materiais e econmico
puramente individualista, regido por regras
jurdicas de natureza privada, dissociou a natureza
da economia, alheando desta, os efeitos
devastadores dos princpios econmicos na
natureza (FRAGA, 2007, p. 02). Entre o final da
dcada de 1960 at 1980, o discurso, envolvendo a
questo ambiental, explicitava a preocupao com o
esgotamento dos recursos naturais que eram
dotados de maior interesse econmico, sobretudo no
que se referia explorao do petrleo. Verifica-se,
neste primeiro contato, que a questo do meio
ambiente estava cingida preocupao com a
sobrevivncia da espcie humana, numa aspecto
puramente econmico.
Diante da possibilidade do exaurimento
dos recursos naturais dotados de aspecto econmico
relevante, possvel observar uma crise civilizatria
advinda no apenas da escassez daqueles,
proporo que so degradados, mas tambm em
decorrncia do modelo econmico adotado, o qual,
por seu aspecto, desencadeou um desequilbrio
ambiental macio colocando em risco a
-
65
sobrevivncia da espcie humana, assim como, na
trilha dos efeitos produzidos, o aumento do
desemprego pela mecanizao dos meios de
produo, a misria e a marginalidade social. O
processo predatrio ambiental potencializa um
cenrio catico urbano, verificado, sobretudo, nos
grandes centros, com formao de comunidades
carentes e favelas, reduto da populao
marginalizada, constituindo verdadeiro bolso de
pobreza.
Conforme Lester R. Brown (1983, p. 05),
as ameaas civilizao so provocadas pela eroso
do solo a deteriorao dos sistemas biolgicos e
esgotamento das reservar petrolferas, alm do
comprometimento de elementos essenciais
existncia humana, como, por exemplo, acesso
gua potvel. Aludidas ameaas desencadeiam
tenses ambientais que se concretizam em crises
econmicas, causadas pela dependncia de alguns
pases dos produtos alimentcios oriundos de outros
pases, bem como das fontes de energia produzidas
pelos combustveis fsseis. possvel, neste cenrio,
verificar que a crise socioambiental, surgida nos
-
66
Estados Unidos, a partir da dcada de 1960, devido
mecanizao dos meios de produo e a
dependncia de recursos naturais, em especial
matrizes energticas (petrleo), de outros pases,
forneceu o insumo carecido para a construo da
justia ambiental, advinda da criatividade dos
movimentos sociais forjados pela luta da populao
afrodescendente que protestava contra a
discriminao causada pela maior exposio desta
populao aos lixos qumicos, radioativos e
indstrias geradoras de poluentes. Selene
Herculano, ao abordar a definio do tema, coloca
em destaque:
Por Justia Ambiental entenda-se o
conjunto de princpios que asseguram
que nenhum grupo de pessoas, sejam
grupos tnicos, raciais ou de classe,
suporte uma parcela desproporcional
das consequncias ambientais
negativas de operaes econmicas,
de polticas e programas federais,
estaduais e locais, bem como
resultantes da ausncia ou omisso de
tais polticas [...]
Complementarmente, entende-se por
Injustia Ambiental o mecanismo pelo
qual sociedades desiguais destinam a
maior carga dos danos ambientais do
desenvolvimento a grupos sociais de
-
67
trabalhadores, populaes de baixa
renda, grupos raciais discriminados,
populaes marginalizadas e mais
vulnerveis. (HERCULANO, 2002, p.
03).
Pela moldura ofertada pela justia
ambiental, infere-se que nenhum grupo de pessoas,
seja em decorrncia de sua condio tnica, raciais
ou de classe, suporte ma parcela desproporcional de
degradao do espao coletivo.
Complementarmente, entende-se por injustia
ambiental a condio de existncia coletiva prpria
a sociedade desiguais onde operam mecanismos
sociopolticos que destinam a maior carga dos danos
ambientais (ACSELRAD; HERCULANO; PDUA,
2004, p. 09). Diante do exposto, o termo justia
ambiental afigura-se como uma definio
aglutinadora e mobilizadora, eis que permite a
integrao de dimenses ambiental, social e tica da
sustentabilidade e do desenvolvimento,
corriqueiramente dissociados nos discursos e nas
prticas. Tal conceito contribui para reverter a
fragmentao e o isolamento de vrios movimentos
sociais frente ao processo de globalizao e
-
68
reestruturao produtiva que provoca perda de
soberania, desemprego, precarizao do trabalho e
fragilizao do movimento sindical e social como
todo (ACSELRAD; HERCULANO, PDUA, 2004,
p. 18).
Neste quadrante, mais que uma
expresso do campo do direito, justia ambiental
assume verdadeira feio de reflexo, mobilizao e
bandeira de luta de diversos sujeito e entidades, ais
como associaes de moradores, sindicatos, grupos
direta e indiretamente afetados por diversos riscos,
ambientalistas e cientistas. Joan Martnez Alier
(2007, p. 35) colocou em destaque que, at muito
recentemente, a justia ambiental como um
movimento organizado permaneceu limitado ao seu
pas de origem, conquanto o ecologismo popular,
tambm denominado de ecologismo dos pobres,
constituam denominaes aplicadas a movimentos
populares caractersticos do Terceiro Mundo que se
rebela contra os impactos ambientais que ameaam
a populao mais carente, que constitui a ampla
maioria do contingente populacional em muitos
pases. aspecto tradicional dessas movimentaes
-
69
populares, a base camponesa cujos campos ou terras
destinadas para pastos tm sido destrudos pela
minerao ou pedreiras; movimentos de pescadores
artesanais contra os barcos de alta tecnologia ou
outras foram de pesca industrial que impacta
diretamente o ambiente marinho em que desenvolve
a atividade; e, ainda, por movimentos contrrios s
minas e fbricas por parte de comunidades
diretamente atingidas pela contaminao do ar ou
que vivem rio abaixo das instalaes industriais
poluidoras.
Ao lado disso, em realidades nas quais as
desigualdades alcanam maior destaque, a exemplo
do Brasil e seu cenrio social multifacetado, dotado
de contradies e antagonismos bem peculiares, a
universalizao da temtica de movimentos
sustentados pela busca da justia ambiental alcana
vulto ainda maior, assumindo outras finalidades
alm das relacionadas essencialmente ao meio
ambiente, passando a configurar os anseios da
populao diretamente afetada, revelando-se, por
vezes, ao pavilho que busca minorar ou contornar
um histrico de desigualdade e antagonismo que se
-
70
arrasta culturalmente. Trata-se, pois, de um
discurso pautado na denncia de um quadro de
robusta injustia social, fomentado pela desigual
distribuio do poder e da riqueza e pela
apropriao, por parte das classes sociais mais
abastadas, do territrio e dos recursos naturais,
renegando, margem da sociedade, grupamentos
sociais mais carentes, lanando-os em bolses de
pobreza. imperioso explicitar que os aspectos
econmicos apresentam-se, no cenrio nacional,
como a flmula a ser observada, condicionando
questes socioambientais, dotadas de maior
densidade, a um patamar secundrio. Selene
Herculano coloca em destaque que:
A temtica da Justia Ambiental nos
interessa em razo das extremas
desigualdades da sociedade brasileira.
No Brasil, o pas das grandes
injustias, o tema da justia
ambiental ainda incipiente e de
difcil compreenso, pois a primeira
suposio de que se trate de alguma
vara especializada em disputas
diversas sobre o meio ambiente. Os
casso de exposio a riscos qumicos
so pouco conhecidos e divulgados,
[...], tendendo a se tornarem
problemas crnicos, sem soluo.
-
71
Acrescente-se tambm que, dado o
nosso amplo leque de agudas
desigualdades sociais, a exposio
desigual aos riscos qumicos fica
aparentemente obscurecida e
dissimulada pela extrema pobreza e
pelas pssimas condies gerais de
vida a ela associadas. Assim,
ironicamente, as gigantescas
injustias sociais brasileiras
encobrem e naturalizam a exposio
desigual poluio e o nus desigual
dos custos do desenvolvimento.
(HERCULANO, 2008, P. 05).
A partir das ponderaes articuladas,
verifica-se, no territrio nacional, o aparente
embate entre a busca pelo desenvolvimento
econmico e o meio ambiente ecologicamente
equilibrado torna-se palpvel, em especial quando a
questo orbita em torno dos processos de
industrializao, notadamente nos pequenos e
mdios centros urbanos, trazendo consigo a
promessa de desenvolvimento. Neste aspecto, a
acepo de desenvolvimento traz consigo um
carter mtico que povoa o imaginrio comum,
especialmente quando o foco est assentado na
alterao da mudana social, decorrente da
instalao de empreendimentos de mdio e grande
-
72
porte, promovendo a dinamizao da economia local,
aumento na arrecadao de impostos pelo Municpio
em que ser instalada e abertura de postos de
trabalho.
O grande atrativo aos centros urbanos
faz com que o crescimento se d de forma
desordenada, gerando diversos problemas cuja
soluo passa pela implementao de polticas
pblicas, necessariamente antecedidas de um
planejamento (ARAJO JNIOR, 2008, p. 239).
Constata-se, com clareza, que o modelo econmico
que orienta o escalonamento de interesses no
cenrio nacional, sobrepuja, de maneira macia,
valores sociais, desencadeando um sucedneo de
formas de violncia social, degradao ambiental e
aviltamento ao indivduo, na condio de ser dotado
de dignidade e inmeras potencialidades a serem
desenvolvidas. Todavia, no mais possvel
examinar as propostas de desenvolvimento
econmico desprovida de cautela, dispensando ao
assunto um olhar crtico e alinhado com elementos
slidos de convico, notadamente no que se refere
s consequncias geradas para as populaes
-
73
tradicionais corriqueiramente atingidas e
sacrificadas em nome do desenvolvimento
econmico.
No mais possvel corroborar com a
ideia de desenvolvimento sem
submet-la a uma crtica efetiva,
tanto no que concerne aos seus modos
objetivos de realizao, isto , a
relao entre aqueles residentes nos
locais onde so implantados os
projetos e os implementadores das
redes do campo do desenvolvimento;
quanto no que concerne s
representaes sociais que conformam
o desenvolvimento como um tipo de
ideologia e utopia em constante
expanso, neste sentido um ideal
incontestvel [...] O desenvolvimento ou essa crena da qual no se
consegue fugir -carrega tambm o seu
oposto, as formas de organizao
sociais que, muitas vezes vulnerveis
ao processo, so impactadas durante a
sua expanso. justamente pensando
nos atores sociais (KNOX;
TRIGUERO, 2011, p. 02).
imperioso conferir, a partir de uma
tica alicerada nos conceitos e aportes
proporcionados pela justia ambiental, uma
ressignificao do conceito de desenvolvimento,
alinhando-o diretamente questo ambiental, de
-
74
maneira a superar o aspecto eminentemente
econmico do tema, mas tambm dispensando uma
abordagem socioambiental ao assunto. A
reestruturao da questo resulta de uma
apropriao singular da temtica do meio ambiente
por dinmicas sociopolticas tradicionalmente
envolvidas com a construo da justia social
(ACSELRAD, 2010, p. 108). Salta aos olhos que o
processo de reconstruo de significado est
intimamente atrelado a uma reconstituio dos
espaos em que os embates sociais florescem em
prol da construo de futuros possveis. Justamente,
neste espao a temtica ambiental passa a ganhar
maior visibilidade, encontrado arrimo em assuntos
sociais do emprego e da renda.
Tal fato deriva da premissa que o
acentuado grau de desigualdades e de injustias
socioeconmicas, tal como a substancializada
poltica de omisso e negligencia no atendimento
geral s necessidades das classes populares, a
questo envolvendo discusses acerca da (in)justia
ambiental deve compreender mltiplos aspectos,
dentre os quais as carncias de saneamento
-
75
ambiental no meio urbano, a degradao das terras
usadas para a promoo assentamentos
provenientes da reforma agrria, no meio rural. De
igual modo, imperioso incluir na pauta de
discusso o tema, que tem se tornado recorrente,
das populaes de pequenos e mdios centros
urbanos diretamente afetados pelo recente
fenmeno de industrializao, sendo, por vezes,
objeto da poltica de remoo e reurbanizao. Ora,
crucial reconhecer que os moradores dos subrbios
e periferias urbanas, nas quais os passivos
socioambientais tendem a ser agravados, em razo
do prvio planejamento para dialogar o
desenvolvimento econmico e o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
mister que haja uma ponderaes de
interesses, a fim de promover o desenvolvimento
sustentvel, conversando os interesses econmicos e
a necessidades das populaes afetadas de terem
acesso ao meio ambiente preservado ou, ainda,
minimamente degradado, de modo a
desenvolverem-se, alcanando, em fim ltimo, o
utpico, porm sempre recorrido, conceito
-
76
constitucional de dignidade humana. O sedimento
que estrutura o iderio de desenvolvimento
sustentvel, como Paulo Bessa Antunes (2012, p.
17) anota, busca estabelecer uma conciliao a
conservao dos recursos ambientais e o
desenvolvimento econmico, assegurando-se atingir
patamares mais dignos e humanos para a populao
diretamente afetada pelos passivos socioambientais.
Paulo Affonso Leme Machado destaca, ao
esquadrinhar o conceito de desenvolvimento
sustentvel, que:
O antagonismo dos termos desenvolvimento e sustentabilidade aparece muitas vezes, e no pode ser
escondido e nem objeto de silncio por
parte dos especialistas que atuem no
exame de programas, planos e
projetos de empreendimentos. De
longa data, os aspectos ambientais
foram desatendidos nos processos de
decises, dando-se um peso muito
maior aos aspectos econmicos. A
harmonizao dos interesses em jogo
no pode ser feita so preo da
desvalorizao do meio ambiente ou
da desconsiderao de fatores que
possibilitam o equilbrio ambiental
(MACHADO, 2013, p. 74).
De outro modo, denota-se que o fenmeno
-
77
de industrializao, em especial atividades
mineradoras e petrolferas, nos pequenos e mdios
centros urbanos tem apresentado um discurso
pautado no desenvolvimento. Trata-se, com efeito,
de uma panaceia, na qual a possibilidade de injeo
de capital na realidade local, proveniente da
ampliao do aumento de arrecadao de tributos,
tal como a disfarada promessa de gerao de
postos de emprego e dinamizao da economia, tem
afigurado como importante pilar para o apoio de
tais processos. assim que a fora econmica das
grandes corporaes transformou-se em fora
poltica posto que eles praticamente habilitaram-
se a ditar a configurao das polticas urbanas,
ambientais e sociais (ACSELRAD, 2006, p. 31),
obtendo o elastecimento das normas com o
argumento de sua suposta capacidade de gerar
emprego e receitas pblicas.
Neste aspecto, ao suprimir variveis
socioambientais, em especial a remoo de
populaes para comportar a instalao de
empreendimentos industriais, tende a agravar,