Compêndio de Ensaios Jurídicos: Justiça Ambiental

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Tauã Lima Verdan Rangel COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS: JUSTIÇA AMBIENTAL

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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Justiça Ambiental, o presente busca estabelecer uma abordagem interdisciplinar sobre conflitos envolvendo populações tradicionalmente vulnerabilizadas.

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  • Tau Lima Verdan Rangel

    COMPNDIO DE ENSAIOS

    JURDICOS: JUSTIA AMBIENTAL

  • COMPNDIO DE ENSAIOS JURDICOS:

    JUSTIA AMBIENTAL

    Capa: Tarsila do Amaral, Morro da Favela, 1924.

    ISBN: 978-1515281382

    Editorao, padronizao e formatao de

    texto

    Tau Lima Verdan Rangel

    Projeto Grfico e capa

    Tau Lima Verdan Rangel

    Contedo, citaes e referncias

    bibliogrficas

    O autor

    de inteira responsabilidade do autor os conceitos

    aqui apresentados. Reproduo dos textos

    autorizada mediante citao da fonte.

  • A P R E S E N T A O

    Tradicionalmente, o Direito reproduzido

    por meio de doutrinas, que constituem o

    pensamento de pessoas reconhecidas pela

    comunidade jurdica em trabalhar,

    academicamente, determinados assuntos. Assim, o

    saber jurdico sempre foi concebido como algo

    dogmtico. possvel, luz da tradicional viso

    empregada, afirmar que o Direito um campo no

    qual no se incluem somente as instituies legais,

    as ordens legais, as decises legais; mas, ainda, so

    computados tudo aquilo que os especialistas em leis

    dizem acerca das mencionadas instituies, ordens e

    decises, materializando, comumente, uma meta

    direito. No Direito, a construo do conhecimento

    advm da interpretao de leis e as pessoas

    autorizadas a interpretar as leis so os juristas.

    Contudo, o alvorecer acadmico que

    presenciado pelos Operadores do Direito, que se

    debruam no desenvolvimento de pesquisas, passa a

    conceber o conhecimento de maneira prtica,

  • utilizando as experincias empricas e o contorno

    regional como elementos indissociveis para a

    compreenso do Direito. Ultrapassa-se a tradicional

    viso do conhecimento jurdico como algo dogmtico,

    buscando conferir molduras acadmicas, por meio

    do emprego de mtodos cientficos. Neste aspecto, o

    Compndio de Ensaios Jurdico objetiva

    disponibilizar para a comunidade interessada uma

    coletnea de trabalhos, reflexes e inquietaes

    produzida durante a formao acadmica do autor.

    Debruando-se especificamente sobre a temtica de

    Justia Ambiental, o presente busca estabelecer

    uma abordagem interdisciplinar sobre conflitos

    envolvendo populaes tradicionalmente

    vulnerabilizadas.

    Boa leitura!

    Tau Lima Verdan Rangel

  • S U M R I O

    A proeminncia do Recurso Especial n 1.310.471-

    SP: Do reconhecimento jurisprudencial da injustia

    ambiental e do princpio do in dubio pro

    salute ..................................................................... 06

    Desenvolvimento econmico e o agravamento da

    injustia ambiental: contornos ao racismo ambiental

    no Brasil ................................................................ 48

    O fenmeno da industrializao como elemento

    agravador da injustia ambiental ........................ 93

    Princpios da Justia Ambiental: breve

    explicitao ............................................................ 142

    Singelos apontamentos ao Manifesto de

    Lanamento da Rede Brasileira de Justia

    Ambiental: breve painel ........................................ 179

  • 6

    A PROEMINNCIA DO RECURSO

    ESPECIAL N 1.310.471-SP: DO

    RECONHECIMENTO JURISPRUDENCIAL

    DA INJUSTIA AMBIENTAL E DO

    PRINCPIO DO IN DBIO PRO SALUTE

    Resumo: No decorrer das ltimas dcadas, em

    especial a partir de 1980, os temas associados

    questo ambiental passaram a gozar de maior

    destaque no cenrio mundial, devido, em grande

    parte, com a confeco de tratados e diplomas

    internacionais que enfatizaram a necessidade da

    mudana de pensamentos da humanidade, orientado,

    maiormente, para a preservao do meio ambiente.

    Concomitantemente, verifica-se o fortalecimento de

    um discurso participativo de comunidades e

    grupamentos sociais tradicionais nos processos

    decisrios. Observa-se, desta maneira, que foi

    conferido maior destaque ao fato de que a

    proeminncia dos temas ambientais foi iada ao

    status de problema global, alcanado, em sua

    rubrica, no apenas a sociedade civil diretamente

    afetada, mas tambm os meios de comunicao e os

  • 7

    governos de diversas reas do planeta. Tal cenrio

    facilmente verificvel na conjuno de esforos, por

    partes de grande parte dos pases, para minorar os

    impactos ambientais decorrentes da emisso de

    poluentes e os adiantados estgios de degradao de

    ecossistemas frgeis. Assim, o presente busca

    estabelecer um singelo exame sobre os princpios da

    justia ambiental e seus reflexos no reconhecimento

    da incidncia desta ramificao em conflitos dotados

    de aspectos plurais.

    Palavras-chaves: Desenvolvimento Econmico.

    Meio Ambiente Urbano. Justia Ambiental.

    Princpios da Justia Ambiental.

    Sumrio: 1 Consideraes Iniciais; 2 O Espao

    Urbano em uma Perspectiva Ambiental: A

    Ambincia do Homem Contemporneo em Anlise; 3

    O Fenmeno da Industrializao como Elemento

    Agravador da Injustia Ambiental: O Embate entre o

    Desenvolvimento Econmico e o Meio Ambiente

    Ecologicamente Equilibrado; 4 A Proeminncia do

    Recurso Especial n 1.310.471-SP: Do

    Reconhecimento Jurisprudencial da Injustia

    Ambiental e do Princpio do In dbio pro salute

  • 8

    1 CONSIDERAES INICIAIS

    No decorrer das ltimas dcadas, em

    especial a partir de 1980, os temas associados

    questo ambiental passaram a gozar de maior

    destaque no cenrio mundial, devido, em grande

    parte, com a confeco de tratados e diplomas

    internacionais que enfatizaram a necessidade da

    mudana de pensamentos da humanidade,

    orientado, maiormente, para a preservao do meio

    ambiente. Concomitantemente, verifica-se o

    fortalecimento de um discurso participativo de

    comunidades e grupamentos sociais tradicionais nos

    processos decisrios. Observa-se, desta maneira,

    que foi conferido maior destaque ao fato de que a

    proeminncia dos temas ambientais foi iada ao

    status de problema global, alcanado, em sua

    rubrica, no apenas a sociedade civil diretamente

    afetada, mas tambm os meios de comunicao e os

    governos de diversas reas do planeta. Tal cenrio

    facilmente verificvel na conjuno de esforos, por

    partes de grande parte dos pases, para minorar os

    impactos ambientais decorrentes da emisso de

  • 9

    poluentes e os adiantados estgios de degradao de

    ecossistemas frgeis.

    Nesse passo, a industrializao de

    pequenos e mdios centros urbanos, notadamente

    nos pases subdesenvolvidos, encerra a dicotomia do

    almejado desenvolvimento econmico, encarado

    como o refulgir de uma nova era de prosperidade em

    realidades locais estagnadas e desprovidas de

    dinamicidade, e a degradao ambiental,

    desencadeando verdadeira eco-histeria nas

    comunidades e empreendimentos diretamente

    afetados. Por vezes, o discurso desenvolvimentista

    utilizado na instalao de indstrias objetiva, em

    relao populao diretamente afetada, expor to

    somente os aspectos positivos da alterao dos

    processos ambientais, suprimindo as consequncias,

    quando inexistente planejamento prvio,

    socioambientais. Diante deste cenrio, o presente, a

    partir do referencial adotado, busca conjugar uma

    anlise proveniente do entendimento da justia

    ambiental, colhendo das discusses propostas por

    Henri Acselrad, Selene Herculano e Jos Augusto

    de Pdua, sobretudo, no que se refere

  • 10

    caracterizao de variveis repetidas nos processos

    de instalao de empreendimento econmicos, em

    especial a populao diretamente afetada.

    De igual modo, o presente socorre-se do

    aporte doutrinrio apresentado pelo Direito

    Ambiental e pelo Direito Urbanstico, calcado nos

    conceitos tradicionais e imprescindveis para o

    fomento da discusso, utilizando, para tanto, do

    discurso apresentado por Paulo Affonso Leme

    Machado, Paulo Bessa Antunes Filho, Celso

    Antonio Pacheco Fiorillo, Jos Afonso da Silva e

    Romeu Thom. Ora, os conflitos socioambientais,

    advindos do agravamento da injustia ambiental

    experimentada por comunidades, d ensejo

    discusso acerca do embate entre os princpios

    constitucionais do desenvolvimento econmico e do

    meio ambiente ecologicamente equilibrado, ambos

    alados condio de elementos para

    materializao da dignidade da pessoa humana.

    2 O ESPAO URBANO EM UMA

    PERSPECTIVA AMBIENTAL: A AMBINCIA

    DO HOMEM CONTEMPORNEO EM

  • 11

    ANLISE

    Inicialmente, ao adotar como ponto inicial

    de anlise o meio ambiente e sua relao direta com

    o homem contemporneo, necessrio faz-se

    esquadrinhar a concesso jurdica apresentada pela

    Lei N. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (2013), que

    dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente,

    seus fins e mecanismos de formulao e aplicao, e

    d outras providncias. Aludido diploma, ancorado

    apenas em uma viso hermtica, concebe o meio

    ambiente como um conjunto de condies, leis e

    influncias de ordem qumica, fsica e biolgica que

    permite, abriga e rege a vida em todas as suas

    formas. Nesse primeiro momento, possvel deixar

    em clara evidncia que o tema dotado de

    complexidade e fragilidade, eis que dialoga uma

    sucesso de fatores distintos, os quais so

    facilmente distorcidos e deteriorados devido ao

    antrpica.

    Jos Afonso da Silva (2009, p. 20), ao

    traar definio acerca de meio ambiente, descreve-o

    como a interao do conjunto de elementos

  • 12

    naturais, artificiais e culturais que propiciem o

    desenvolvimento equilibrado da vida em todas as

    suas formas. Celso Antnio Pacheco Fiorillo (2012,

    p. 77), por sua vez, afirma que a concepo

    definidora de meio ambiente est pautada em um

    iderio jurdico despido de determinao, cabendo,

    diante da situao concreta, promover o

    preenchimento da lacuna apresentada pelo

    dispositivo legal supramencionado. Trata-se, com

    efeito, de tema revestido de macia fluidez, eis que o

    meio ambiente est diretamente associado ao ser

    humano, sofrendo os influxos, modificaes e

    impactos por ele proporcionados. No possvel,

    ingenuamente, conceber, na contemporaneidade, o

    meio ambiente apenas como uma floresta densa ou

    ecossistemas com espcies animais e vegetais

    prprios de uma determinada regio; ao reverso,

    imprescindvel alinhar o entendimento da questo

    em debate com os anseios apresentados pela

    sociedade contempornea. Nesta linha de exposio,

    o Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ao Direta de

    Inconstitucionalidade N. 4.029/AM, j salientou,

    oportunamente, que:

  • 13

    [...] o meio ambiente um conceito

    hoje geminado com o de sade

    pblica, sade de cada indivduo,

    sadia qualidade de vida, diz a

    Constituio, por isso que estou

    falando de sade, e hoje todos ns

    sabemos que ele imbricado,

    conceitualmente geminado com o

    prprio desenvolvimento. Se antes

    ns dizamos que o meio ambiente

    compatvel com o desenvolvimento,

    hoje ns dizemos, a partir da

    Constituio, tecnicamente, que no

    pode haver desenvolvimento seno

    com o meio ambiente ecologicamente

    equilibrado. A geminao do conceito

    me parece de rigor tcnico, porque

    salta da prpria Constituio Federal.

    (BRASIL, 2015b).

    Pelo excerto transcrito, denota-se que a

    acepo ingnua do meio ambiente, na condio

    estrita de apenas condensar recursos naturais, est

    superada, em decorrncia da dinamicidade da vida

    contempornea, iado condio de tema dotado de

    complexidade e integrante do rol de elementos do

    desenvolvimento do indivduo. Tal fato decorre,

    sobremodo, do processo de constitucionalizao do

    meio ambiente no Brasil, concedendo a elevao de

    normas e disposies legislativas que visam

  • 14

    promover a proteo ambiental. Ao lado disso, no

    possvel esquecer que os princpios e corolrios que

    sustentam a juridicidade do meio ambiente foram

    alados a patamar de destaque, passando a integrar

    ncleos sensveis, dentre os quais as liberdades

    pblicas e os direitos fundamentais. Com o advento

    da Constituio da Repblica Federativa do Brasil

    de 1988, as normas de proteo ambiental so

    aladas categoria de normas constitucionais, com

    elaborao de captulo especialmente dedicado

    proteo do meio ambiente (THOM, 2012, p. 116).

    Diante do alargamento da concepo do

    meio ambiente, salta aos olhos que se encontra

    alcanado por tal acepo o espao urbano,

    considerado como a ambincia do homem

    contemporneo, o qual encerra as manifestaes e

    modificaes propiciadas pela coletividade no

    habitat em que se encontra inserta. Trata-se,

    doutrinariamente, do denominado meio ambiente

    artificial ou meio ambiente humano, estando

    delimitado espao urbano construdo, consistente no

    conjunto de edificaes e congneres, denominado,

    dentro desta sistemtica, de espao urbano fechado,

  • 15

    bem como pelos equipamentos pblicos, nomeados

    de espao urbano aberto, como salienta Fiorillo

    (2012, p. 79). Extrai-se, desse modo, que o cenrio

    contemporneo, refletindo a dinamicidade e

    complexidade do ser humano, passa a materializar

    verdadeiro habitat para o desenvolvimento do

    indivduo. Neste sentido, inclusive, Talden Farias

    descreve que:

    O meio ambiente artificial o

    construdo ou alterado pelo ser

    humano, sendo constitudo pelos

    edifcios urbanos, que so os espaos

    pblicos fechados, e pelos

    equipamentos comunitrios, que so

    os espaos pblicos abertos, como as

    ruas, as praas e as reas verdes.

    Embora esteja ligado diretamente ao

    conceito de cidade, o conceito de meio

    ambiente artificial abarca tambm a

    zona rural, referindo-se simplesmente

    aos espaos habitveis pelos seres

    humanos, visto que neles os espaos

    naturais cedem lugar ou se integram

    s edificaes urbanas artificiais.

    (FARIAS, 2009, p. 07).

    possvel, assim, caracterizar o meio

    ambiente artificial como fruto da interferncia da

    ao humana, ou seja, aquele meio-ambiente

    trabalhado, alterado e modificado, em sua

  • 16

    substncia, pelo homem, um meio-ambiente

    artificial (BRITO, 2013). Neste cenrio, o

    proeminente instrumento legislativo de tutela do

    meio ambiente humano, em um plano genrico, est

    assentado na Lei N. 10.257, de 10 de Julho de

    2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da

    Constituio Federal, estabelece diretrizes gerais da

    poltica urbana e d outras providncias, conhecido

    como Estatuto da Cidade, afixando os

    regramentos e princpios influenciadores da

    implementao da poltica urbana, de maneira que

    a cidade extrapole sua feio de apenas um

    grupamento de indivduos em um determinado

    local, passando a desempenhar a funo social.

    Fiorillo (2012, p. 467), ao tratar da legislao ora

    mencionada, evidencia, oportunamente, que aquela

    deu relevncia particular, no mbito do

    planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art.

    4, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como

    disciplina do parcelamento, uso e ocupao do

    solo.

    Com efeito, um dos objetivos da poltica

    de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182

  • 17

    da Constituio Federal, so as funes sociais da

    cidade, que se realizam quando se consegue

    propiciar ao cidado qualidade de vida, com

    concretizao dos direitos fundamentais, e em

    consonncia com o que disciplina o artigo 225 da

    Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado. E as funes

    sociais da cidade se concretizam quando o Poder

    Pblico consegue dispensar ao cidado o direito

    habitao, livre circulao, ao lazer e ao trabalho.

    Ora, dado ao contedo pertinente ao meio ambiente

    artificial, este em muito se relaciona dinmica das

    cidades. Desse modo, no h como desvincul-lo do

    conceito de direito sadia qualidade de vida

    (FIORILLO, 2012, p. 549), tal como o direito

    satisfao dos valores da dignidade humana e da

    prpria vida. A questo em discusso j sofreu,

    inclusive, construo jurisprudencial, sendo

    possvel, apenas a ttulo de ilustrao, transcrever:

    [...] Praas, jardins, parques e

    bulevares pblicos urbanos

    constituem uma das mais expressivas

    manifestaes do processo

    civilizatrio, porquanto encarnam o

    ideal de qualidade de vida da cidade,

  • 18

    realidade fsico-cultural refinada no

    decorrer de longo processo histrico

    em que a urbe se viu transformada,

    de amontoado catico de pessoas e

    construes toscas adensadas, em

    ambiente de convivncia que se

    pretende banhado pelo saudvel, belo

    e aprazvel. 3. Tais espaos pblicos

    so, modernamente, objeto de

    disciplina pelo planejamento urbano,

    nos termos do art. 2, IV, da Lei

    10.257/01 (Estatuto da Cidade), e

    concorrem, entre seus vrios

    benefcios supraindividuais e

    intangveis, para dissolver ou

    amenizar diferenas que separam os

    seres humanos, na esteira da

    generosa acessibilidade que lhes

    prpria. Por isso mesmo, fortalecem o

    sentimento de comunidade, mitigam o

    egosmo e o exclusivismo do domnio

    privado e viabilizam nobres

    aspiraes democrticas, de paridade

    e igualdade, j que neles convivem os

    multifacetrios matizes da populao:

    abertos a todos e compartilhados por

    todos, mesmo os "indesejveis", sem

    discriminao de classe, raa, gnero,

    credo ou moda. 4. Em vez de resduo,

    mancha ou zona morta - bolses

    vazios e inteis, verdadeiras pedras

    no caminho da plena e absoluta

    explorabilidade imobiliria, a

    estorvarem aquilo que seria o destino

    inevitvel do adensamento -, os

    espaos pblicos urbanos cumprem,

    muito ao contrrio, relevantes funes

    de carter social (recreao cultural e

    esportiva), poltico (palco de

    manifestaes e protestos populares),

    esttico (embelezamento da paisagem

  • 19

    artificial e natural), sanitrio (ilhas

    de tranquilidade, de simples

    contemplao ou de escape da

    algazarra de multides de gente e

    veculos) e ecolgico (refgio para a

    biodiversidade local). [...]. (Superior

    Tribunal de Justia Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator:

    Ministro Herman Benjamin/ Julgado

    em 15.04.2010/ Publicado no DJe em

    08.03.2012) (BRASIL, 2015a).

    O meio ambiente humano passa a ser

    dotado de uma ordem urbanstica, consistente no

    conjunto de normas, dotadas de ordem pblica e de

    interesse social, que passa a regular o uso da

    propriedade urbana em prol da coletividade, da

    segurana, do equilbrio ambiental e do bem-estar

    dos cidados. A ordem urbanstica deve significar a

    institucionalizao do justo na cidade. No uma

    ordem urbanstica como resultado da opresso ou

    da ao corruptora de latifundirios e especuladores

    imobilirios, porque a seria a desordem urbanstica

    gerada pela injustia (MACHADO, 2013, p. 446).

    Nesta perspectiva, est-se diante de um nvel de

    planejamento que objetiva estabelecer patamares

    mnimos de organizao do uso dos diversos

    fragmentos de um determinado recorte espacial,

  • 20

    atentando-se para as potencialidades e capacidades

    inerentes aos sistemas ambientais desse espao,

    sobremodo na ambincia urbana que, devido

    complexidade a populao, apresenta intersees

    peculiares. Ao lado disso, no possvel deixar de

    destacar que os ambientes urbanos tendem a ser

    diretamente influenciados e modificados pela

    realidade social.

    Trata-se de uma significao em busca

    por uma ordem na utilizao do espao sob

    planejamento, de maneira que assegure a

    integridade ambiental, a manuteno dos servios

    ambientais, a reproduo de seus recursos e a

    manuteno dentro de uma trajetria evolutiva

    estvel (o que significa no criar um desequilbrio

    irreversvel que leve degradao da paisagem).

    Enfim, a busca pela sustentabilidade na utilizao

    do espao (VICENS, 2012, p. 197). Ultrapassa-se,

    diante do painel pintado, a concepo de que os

    centros urbanos, por sua essncia, so apenas

    aglomerados de indivduos, por vezes, estratificados

    em decorrncia de sua condio social e econmica.

    Absolutamente, ainda que esteja em um plano,

  • 21

    corriqueiramente, terico, possvel observar que a

    preocupao em torno das cidades foi alada

    condio de desenvolvimento de seus integrantes,

    passa a sofrer forte discusso, em especial quando a

    temtica est umbilicalmente atrelada aos

    processos de remoo de comunidades ou, ainda,

    alterao do cenrio tradicional, a fim de comportar

    os empreendimentos industriais.

    3 O FENMENO DA INDUSTRIALIZAO

    COMO ELEMENTO AGRAVADOR DA

    INJUSTIA AMBIENTAL: O EMBATE ENTRE

    O DESENVOLVIMENTO ECONMICO E O

    MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

    EQUILIBRADO

    O modelo de desenvolvimento liberal,

    estruturado no de individualismo econmico e

    mercado, consistindo na confluncia de articulaes

    entre a propriedade privada, iniciativa econmica

    priva e mercada, passa a apresentar, ainda na

    dcada de 1960, os primeiros sinais da problemtica

    socioambiental. Esse modelo de crescimento

  • 22

    orientado por objetivos materiais e econmico

    puramente individualista, regido por regras

    jurdicas de natureza privada, dissociou a natureza

    da economia, alheando desta, os efeitos

    devastadores dos princpios econmicos na

    natureza (FRAGA, 2007, p. 02). Entre o final da

    dcada de 1960 at 1980, o discurso, envolvendo a

    questo ambiental, explicitava a preocupao com o

    esgotamento dos recursos naturais que eram

    dotados de maior interesse econmico, sobretudo no

    que se referia explorao do petrleo. Verifica-se,

    neste primeiro contato, que a questo do meio

    ambiente estava cingida preocupao com a

    sobrevivncia da espcie humana, numa aspecto

    puramente econmico.

    Diante da possibilidade do exaurimento

    dos recursos naturais dotados de aspecto econmico

    relevante, possvel observar uma crise civilizatria

    advinda no apenas da escassez daqueles,

    proporo que so degradados, mas tambm em

    decorrncia do modelo econmico adotado, o qual,

    por seu aspecto, desencadeou um desequilbrio

    ambiental macio colocando em risco a

  • 23

    sobrevivncia da espcie humana, assim como, na

    trilha dos efeitos produzidos, o aumento do

    desemprego pela mecanizao dos meios de

    produo, a misria e a marginalidade social. O

    processo predatrio ambiental potencializa um

    cenrio catico urbano, verificado, sobretudo, nos

    grandes centros, com formao de comunidades

    carentes e favelas, reduto da populao

    marginalizada, constituindo verdadeiro bolso de

    pobreza.

    Conforme Lester R. Brown (1983, p. 05),

    as ameaas civilizao so provocadas pela eroso

    do solo a deteriorao dos sistemas biolgicos e

    esgotamento das reservar petrolferas, alm do

    comprometimento de elementos essenciais

    existncia humana, como, por exemplo, acesso

    gua potvel. Aludidas ameaas desencadeiam

    tenses ambientais que se concretizam em crises

    econmicas, causadas pela dependncia de alguns

    pases dos produtos alimentcios oriundos de outros

    pases, bem como das fontes de energia produzidas

    pelos combustveis fsseis. possvel, neste cenrio,

    verificar que a crise socioambiental, surgida nos

  • 24

    Estados Unidos, a partir da dcada de 1960, devido

    mecanizao dos meios de produo e a

    dependncia de recursos naturais, em especial

    matrizes energticas (petrleo), de outros pases,

    forneceu o insumo carecido para a construo da

    justia ambiental, advinda da criatividade dos

    movimentos sociais forjados pela luta da populao

    afrodescendente que protestava contra a

    discriminao causada pela maior exposio desta

    populao aos lixos qumicos, radioativos e

    indstrias geradoras de poluentes. Selene

    Herculano, ao abordar a definio do tema, coloca

    em destaque:

    Por Justia Ambiental entenda-se o

    conjunto de princpios que asseguram

    que nenhum grupo de pessoas, sejam

    grupos tnicos, raciais ou de classe,

    suporte uma parcela desproporcional

    das consequncias ambientais

    negativas de operaes econmicas,

    de polticas e programas federais,

    estaduais e locais, bem como

    resultantes da ausncia ou omisso de

    tais polticas [...]

    Complementarmente, entende-se por

    Injustia Ambiental o mecanismo pelo

    qual sociedades desiguais destinam a

    maior carga dos danos ambientais do

    desenvolvimento a grupos sociais de

  • 25

    trabalhadores, populaes de baixa

    renda, grupos raciais discriminados,

    populaes marginalizadas e mais

    vulnerveis. (HERCULANO, 2002, p.

    03).

    Pela moldura ofertada pela justia

    ambiental, infere-se que nenhum grupo de pessoas,

    seja em decorrncia de sua condio tnica, raciais

    ou de classe, suporte ma parcela desproporcional de

    degradao do espao coletivo.

    Complementarmente, entende-se por injustia

    ambiental a condio de existncia coletiva prpria

    a sociedade desiguais onde operam mecanismos

    sociopolticos que destinam a maior carga dos danos

    ambientais (ACSELRAD; HERCULANO; PDUA,

    2004, p. 09). Diante do exposto, o termo justia

    ambiental afigura-se como uma definio

    aglutinadora e mobilizadora, eis que permite a

    integrao de dimenses ambiental, social e tica da

    sustentabilidade e do desenvolvimento,

    corriqueiramente dissociados nos discursos e nas

    prticas. Tal conceito contribui para reverter a

    fragmentao e o isolamento de vrios movimentos

    sociais frente ao processo de globalizao e

  • 26

    reestruturao produtiva que provoca perda de

    soberania, desemprego, precarizao do trabalho e

    fragilizao do movimento sindical e social como

    todo (ACSELRAD; HERCULANO, PDUA, 2004,

    p. 18).

    Neste quadrante, mais que uma

    expresso do campo do direito, justia ambiental

    assume verdadeira feio de reflexo, mobilizao e

    bandeira de luta de diversos sujeito e entidades, ais

    como associaes de moradores, sindicatos, grupos

    direta e indiretamente afetados por diversos riscos,

    ambientalistas e cientistas. Joan Martnez Alier

    (2007, p. 35) colocou em destaque que, at muito

    recentemente, a justia ambiental como um

    movimento organizado permaneceu limitado ao seu

    pas de origem, conquanto o ecologismo popular,

    tambm denominado de ecologismo dos pobres,

    constituam denominaes aplicadas a movimentos

    populares caractersticos do Terceiro Mundo que se

    rebela contra os impactos ambientais que ameaam

    a populao mais carente, que constitui a ampla

    maioria do contingente populacional em muitos

    pases. aspecto tradicional dessas movimentaes

  • 27

    populares, a base camponesa cujos campos ou terras

    destinadas para pastos tm sido destrudos pela

    minerao ou pedreiras; movimentos de pescadores

    artesanais contra os barcos de alta tecnologia ou

    outras foram de pesca industrial que impacta

    diretamente o ambiente marinho em que desenvolve

    a atividade; e, ainda, por movimentos contrrios s

    minas e fbricas por parte de comunidades

    diretamente atingidas pela contaminao do ar ou

    que vivem rio abaixo das instalaes industriais

    poluidoras.

    Ao lado disso, em realidades nas quais as

    desigualdades alcanam maior destaque, a exemplo

    do Brasil e seu cenrio social multifacetado, dotado

    de contradies e antagonismos bem peculiares, a

    universalizao da temtica de movimentos

    sustentados pela busca da justia ambiental alcana

    vulto ainda maior, assumindo outras finalidades

    alm das relacionadas essencialmente ao meio

    ambiente, passando a configurar os anseios da

    populao diretamente afetada, revelando-se, por

    vezes, ao pavilho que busca minorar ou contornar

    um histrico de desigualdade e antagonismo que se

  • 28

    arrasta culturalmente. Trata-se, pois, de um

    discurso pautado na denncia de um quadro de

    robusta injustia social, fomentado pela desigual

    distribuio do poder e da riqueza e pela

    apropriao, por parte das classes sociais mais

    abastadas, do territrio e dos recursos naturais,

    renegando, margem da sociedade, grupamentos

    sociais mais carentes, lanando-os em bolses de

    pobreza. imperioso explicitar que os aspectos

    econmicos apresentam-se, no cenrio nacional,

    como a flmula a ser observada, condicionando

    questes socioambientais, dotadas de maior

    densidade, a um patamar secundrio. Selene

    Herculano coloca em destaque que:

    A temtica da Justia Ambiental nos

    interessa em razo das extremas

    desigualdades da sociedade brasileira.

    No Brasil, o pas das grandes

    injustias, o tema da justia

    ambiental ainda incipiente e de

    difcil compreenso, pois a primeira

    suposio de que se trate de alguma

    vara especializada em disputas

    diversas sobre o meio ambiente. Os

    casso de exposio a riscos qumicos

    so pouco conhecidos e divulgados,

    [...], tendendo a se tornarem

    problemas crnicos, sem soluo.

  • 29

    Acrescente-se tambm que, dado o

    nosso amplo leque de agudas

    desigualdades sociais, a exposio

    desigual aos riscos qumicos fica

    aparentemente obscurecida e

    dissimulada pela extrema pobreza e

    pelas pssimas condies gerais de

    vida a ela associadas. Assim,

    ironicamente, as gigantescas

    injustias sociais brasileiras

    encobrem e naturalizam a exposio

    desigual poluio e o nus desigual

    dos custos do desenvolvimento.

    (HERCULANO, 2008, P. 05).

    A partir das ponderaes articuladas,

    verifica-se, no territrio nacional, o aparente

    embate entre a busca pelo desenvolvimento

    econmico e o meio ambiente ecologicamente

    equilibrado torna-se palpvel, em especial quando a

    questo orbita em torno dos processos de

    industrializao, notadamente nos pequenos e

    mdios centros urbanos, trazendo consigo a

    promessa de desenvolvimento. Neste aspecto, a

    acepo de desenvolvimento traz consigo um

    carter mtico que povoa o imaginrio comum,

    especialmente quando o foco est assentado na

    alterao da mudana social, decorrente da

    instalao de empreendimentos de mdio e grande

  • 30

    porte, promovendo a dinamizao da economia local,

    aumento na arrecadao de impostos pelo Municpio

    em que ser instalada e abertura de postos de

    trabalho.

    O grande atrativo aos centros urbanos

    faz com que o crescimento se d de forma

    desordenada, gerando diversos problemas cuja

    soluo passa pela implementao de polticas

    pblicas, necessariamente antecedidas de um

    planejamento (ARAJO JNIOR, 2008, p. 239).

    Constata-se, com clareza, que o modelo econmico

    que orienta o escalonamento de interesses no

    cenrio nacional, sobrepuja, de maneira macia,

    valores sociais, desencadeando um sucedneo de

    formas de violncia social, degradao ambiental e

    aviltamento ao indivduo, na condio de ser dotado

    de dignidade e inmeras potencialidades a serem

    desenvolvidas. Todavia, no mais possvel

    examinar as propostas de desenvolvimento

    econmico desprovida de cautela, dispensando ao

    assunto um olhar crtico e alinhado com elementos

    slidos de convico, notadamente no que se refere

    s consequncias geradas para as populaes

  • 31

    tradicionais corriqueiramente atingidas e

    sacrificadas em nome do desenvolvimento

    econmico.

    No mais possvel corroborar com a

    ideia de desenvolvimento sem

    submet-la a uma crtica efetiva,

    tanto no que concerne aos seus modos

    objetivos de realizao, isto , a

    relao entre aqueles residentes nos

    locais onde so implantados os

    projetos e os implementadores das

    redes do campo do desenvolvimento;

    quanto no que concerne s

    representaes sociais que conformam

    o desenvolvimento como um tipo de

    ideologia e utopia em constante

    expanso, neste sentido um ideal

    incontestvel [...] O desenvolvimento ou essa crena da qual no se

    consegue fugir -carrega tambm o seu

    oposto, as formas de organizao

    sociais que, muitas vezes vulnerveis

    ao processo, so impactadas durante a

    sua expanso. justamente pensando

    nos atores sociais (KNOX;

    TRIGUERO, 2011, p. 02).

    imperioso conferir, a partir de uma

    tica alicerada nos conceitos e aportes

    proporcionados pela justia ambiental, uma

    ressignificao do conceito de desenvolvimento,

    alinhando-o diretamente questo ambiental, de

  • 32

    maneira a superar o aspecto eminentemente

    econmico do tema, mas tambm dispensando uma

    abordagem socioambiental ao assunto. A

    reestruturao da questo resulta de uma

    apropriao singular da temtica do meio ambiente

    por dinmicas sociopolticas tradicionalmente

    envolvidas com a construo da justia social

    (ACSELRAD, 2010, p. 108). Salta aos olhos que o

    processo de reconstruo de significado est

    intimamente atrelado a uma reconstituio dos

    espaos em que os embates sociais florescem em

    prol da construo de futuros possveis. Justamente,

    neste espao a temtica ambiental passa a ganhar

    maior visibilidade, encontrado arrimo em assuntos

    sociais do emprego e da renda.

    Tal fato deriva da premissa que o

    acentuado grau de desigualdades e de injustias

    socioeconmicas, tal como a substancializada

    poltica de omisso e negligencia no atendimento

    geral s necessidades das classes populares, a

    questo envolvendo discusses acerca da (in)justia

    ambiental deve compreender mltiplos aspectos,

    dentre os quais as carncias de saneamento

  • 33

    ambiental no meio urbano, a degradao das terras

    usadas para a promoo assentamentos

    provenientes da reforma agrria, no meio rural. De

    igual modo, imperioso incluir na pauta de

    discusso o tema, que tem se tornado recorrente,

    das populaes de pequenos e mdios centros

    urbanos diretamente afetados pelo recente

    fenmeno de industrializao, sendo, por vezes,

    objeto da poltica de remoo e reurbanizao. Ora,

    crucial reconhecer que os moradores dos subrbios

    e periferias urbanas, nas quais os passivos

    socioambientais tendem a ser agravados, em razo

    do prvio planejamento para dialogar o

    desenvolvimento econmico e o direito ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado.

    mister que haja uma ponderaes de

    interesses, a fim de promover o desenvolvimento

    sustentvel, conversando os interesses econmicos e

    a necessidades das populaes afetadas de terem

    acesso ao meio ambiente preservado ou, ainda,

    minimamente degradado, de modo a

    desenvolverem-se, alcanando, em fim ltimo, o

    utpico, porm sempre recorrido, conceito

  • 34

    constitucional de dignidade humana. O sedimento

    que estrutura o iderio de desenvolvimento

    sustentvel, como Paulo Bessa Antunes (2012, p.

    17) anota, busca estabelecer uma conciliao a

    conservao dos recursos ambientais e o

    desenvolvimento econmico, assegurando-se atingir

    patamares mais dignos e humanos para a populao

    diretamente afetada pelos passivos socioambientais.

    Paulo Affonso Leme Machado destaca, ao

    esquadrinhar o conceito de desenvolvimento

    sustentvel, que:

    O antagonismo dos termos desenvolvimento e sustentabilidade aparece muitas vezes, e no pode ser

    escondido e nem objeto de silncio por

    parte dos especialistas que atuem no

    exame de programas, planos e

    projetos de empreendimentos. De

    longa data, os aspectos ambientais

    foram desatendidos nos processos de

    decises, dando-se um peso muito

    maior aos aspectos econmicos. A

    harmonizao dos interesses em jogo

    no pode ser feita so preo da

    desvalorizao do meio ambiente ou

    da desconsiderao de fatores que

    possibilitam o equilbrio ambiental

    (MACHADO, 2013, p. 74).

    De outro modo, denota-se que o fenmeno

  • 35

    de industrializao, em especial atividades

    mineradoras e petrolferas, nos pequenos e mdios

    centros urbanos tem apresentado um discurso

    pautado no desenvolvimento. Trata-se, com efeito,

    de uma panaceia, na qual a possibilidade de injeo

    de capital na realidade local, proveniente da

    ampliao do aumento de arrecadao de tributos,

    tal como a disfarada promessa de gerao de

    postos de emprego e dinamizao da economia, tem

    afigurado como importante pilar para o apoio de

    tais processos. assim que a fora econmica das

    grandes corporaes transformou-se em fora

    poltica posto que eles praticamente habilitaram-

    se a ditar a configurao das polticas urbanas,

    ambientais e sociais (ACSELRAD, 2006, p. 31),

    obtendo o elastecimento das normas com o

    argumento de sua suposta capacidade de gerar

    emprego e receitas pblicas.

    Neste aspecto, ao suprimir variveis

    socioambientais, em especial a remoo de

    populaes para comportar a instalao de

    empreendimentos industriais, tende a agravar,

    ainda mais, o quadro delicado de antagonismos

  • 36

    sociais, nos quais a vulnerabilidade das populaes

    diretamente afetadas agrava o cenrio de injustia

    ambiental. A populao, sobretudo aquela colocada

    margem da sociedade, constituinte das

    comunidades carentes e favelas que materializam

    os bolses de pobreza dos centros urbanos,

    desconsiderada pela poltica econmica, alicerada

    na atrao do capital que, utilizando sua capacidade

    de escolher os locais preferenciais para a instalao

    de seus investimentos, forando as populaes

    diretamente afetadas a conformar-se com os riscos

    socioambientais produzidos pelo empreendimento

    instalado na proximidade de suas residncias,

    alterando, de maneira macia, o cenrio existente.

    Tal fato decorre, corriqueiramente, da ausncia das

    mencionadas populaes de se retirarem do local ou

    so levadas a um deslocamento forado, quando se

    encontram instaladas em ambientes favorveis aos

    investimentos (FRAGA, 2007, p.08).

    A atuao das empresas subsidiada pela

    ao do governo, no sentido de apresentar aes e

    conjugao esforos para o denominado

    desenvolvimento sustentvel, agindo sob o

  • 37

    argumento do mercado, objetivando promover

    ganhos de eficincia e ativar mercados,

    ambicionando evitar o desperdcio de matria e

    energia. Concretamente, a lgica em destaque no

    prospera, mas sim padece diante de um cenrio no

    qual, devido industrializao e instalao de

    empreendimentos, sem o prvio planejamento, h o

    agravamento da injustia ambiental, em especial

    em locais nos quais a vulnerabilidade da populao

    afetada patente, havendo o claro sacrifcio daquela

    em prol do desenvolvimento local. A injustia e a

    discriminao, portanto, aparecem na apropriao

    elitista do territrio e dos recursos naturais, na

    concentrao dos benefcios usufrudos do meio

    ambiente e exposio desigual da populao

    poluio e aos custos ambientais do

    desenvolvimento (ACSELRAD; HERCULANO;

    PDUA, 2004, P. 10).

    4 A PROEMINNCIA DO RECURSO

    ESPECIAL N 1.310.471-SP: DO

    RECONHECIMENTO JURISPRUDENCIAL DA

    INJUSTIA AMBIENTAL E DO PRINCPIO

  • 38

    DO IN DBIO PRO SALUTE

    Em um primeiro painel, luz da moldura

    apresentada at o momento, cuida reconhecer a

    proeminncia do Recurso Especial n 1.310.471-SP,

    cuja relatoria incumbiu ao Ministro Herman

    Benjamin, notadamente por ser o paradigmtico

    entendimento que reconhece, expressamente, a

    injustia ambiental e o princpio do in dbio pro

    salute. Em sua fundamentao, o Ministro, de

    maneira expressa, faz aluso expressa a realidade

    nacional, sobretudo no que toca a distribuio

    discriminatria de riscos ambientais, recaindo sobre

    a populao tradicional invisibilizada e inexpressiva

    na arena da construo de decises. H que se

    apontar que o reconhecimento, por parte do

    Superior Tribunal de Justia, do fenmeno

    contemporneo da injustia ambiental fortalece,

    ainda mais, os debates que orbitam em torno das

    populaes sacrificadas institucionalmente em prol

    do discurso desenvolvimentista que orienta o

    capitalismo predatrio. No mais, oportuno,

    tambm, transcrever que:

  • 39

    O episdio de plumbemia de Bauru

    recebeu ampla cobertura e divulgao

    nos meios de comunicao local e

    nacional, tanto pelo tipo de

    contaminante, como por envolver

    crianas. Aqui, como a realidade

    comum no mundo todo em casos de

    graves incidentes de poluio por

    resduos txicos ou perigosos, em sua

    grande maioria as vtimas so

    pessoas humildes, incapazes, pela

    baixa instruo, de conhecer e

    antecipar riscos associados a metais

    pesados e a agentes carcinognicos,

    mutagnicos, teratognicos e

    ecotxicos. Ademais, prisioneiras da

    indigncia social que as aflige, no se

    encontram em condies de evitar ou

    mitigar a exposio contaminao

    letal, mudando a localizao de suas

    precrias residncias. Infelizmente, o

    Brasil mostra-se prdigo em

    distribuio discriminatria de riscos

    ambientais. Como se no bastasse a

    misria material de bolses urbanos e

    rurais da populao, fenmeno que

    ainda nos atormenta e envergonha

    como nao, aps a Segunda Guerra

    Mundial e na esteira do processo de

    industrializao que ganhou flego a

    partir de ento, agregamos e

    impingimos a essa multido de

    excludos sociais (= injustia social) a

    ndoa de prias ambientais (=

    injustia ambiental). Substitumos, ou

    sobrepusemos, segregao racial e

    social - herana da discriminao das

    senzalas, da pobreza da enxada e das

    favelas - a segregao pela poluio,

    isto , decorrente da geografia da

  • 40

    contaminao industrial e mineral, do

    esgoto a cu aberto e da paisagem

    desidratada dos seus atributos de

    beleza (BRASIL, 2015a, p. 03).

    imprescindvel destacar que, na

    interpretao conferida pelo Recurso Especial n

    1.310.471-SP, o Ministro Relator colocou em

    destaque que o processo de agravamento da

    injustia ambiental deriva do desenvolvimento

    predatrio que tende a utilizar a multido de

    excludos sociais como massa populacional a ser,

    tradicionalmente, sacrificada em prol dos avanos

    econmicos. Assim, no bastasse a condio social j

    consolidada, aps a Segunda Guerra Mundial,

    ainda consoante o Ministro Relator, foi agravada em

    decorrncia dos passivos ambientais que a

    populao passou a suportar. Mais que isso, a

    deteriorao ambiental, em conjuno com

    empreendimentos potencialmente poluidores,

    contribuiu, sobremaneira, para o agravamento das

    questes vinculadas sade, notadamente em

    decorrncia da nocividade e poluio de algumas

    atividades desenvolvidas. Portanto, diante da

    situao de incertezas, incumbe ao Poder Judicirio

  • 41

    interpretar in dbio pro salute, priorizando

    salvaguardar a sade da populao que pode ser

    afetada pelas consequncias dos empreendimentos

    implantados, reafirmando, assim, a proeminncia

    da vida e da sade como valores que afiguram no

    topo dos valores a serem protegidos pelo

    ordenamento jurdico. Sobre a temtica esposada, o

    Ministro Relator estabeleceu que:

    Consequentemente, sob o manto da

    razoabilidade, o Judicirio pode - e

    por se tratar de sade humana, deve -

    adotar referncias mais rigorosas da

    Organizao Mundial de Sade -

    OMS. Primeiro, porque, muito alm

    de ordinrio e fortuito aplicador-cego

    de normas regulamentares expedidas

    pela Administrao Pblica, nem

    sempre isenta na salvaguarda dos

    vulnerveis ou imune captura

    precisamente por aqueles a quem

    incumbiria controlar, o juiz , antes

    de tudo, fiscal ltimo da eficcia da

    norma constitucional que garante, de

    maneira absoluta, a sade como

    direito de todos e dever do Estado (art. 196, caput, da Constituio).

    Segundo, porque, no campo sanitrio-

    ambiental, mais do que em qualquer

    outro, imperam desinibidamente o

    princpio in dubio pro salute e o

    princpio da precauo, ilao lgica

    da constatao de que, no topo dos

    valores mais preciosos e resguardados

  • 42

    pelo ordenamento, acham-se a vida e

    a sade. Terceiro, porque no universo

    dos agentes txicos, carcinognicos,

    mutagnicos, teratognicos e

    ecotxicos, exatamente pelos riscos

    individuais e coletivos a que se

    submetem pessoas, geraes futuras e

    meio ambiente, o juiz est adstrito

    leitura e aplicao rigorosa do axioma

    neminem laedere (= na convivncia

    civil, e agora tambm na convivncia

    planetria, o dever de no causar

    dano). Utilizao que opera numa

    perspectiva rejuvenescida, muito

    alm do campo restrito da

    responsabilidade civil clssica - isto ,

    de simples obrigao negativa ou de

    absteno, e da imposio de reparar

    eventuais prejuzos (arts. 186 e 187

    do Cdigo Civil). Ao contrrio, com

    olhos postos nos riscos e orientado

    preventiva ou precautoriamente,

    trata-se de esforo destinado a evitar

    e mitigar danos, mormente os

    coletivos, intergeracionais, e de difcil

    identificao, quantificao e

    reparao (BRASIL, 2015a, p. 12).

    Nesta toada, o Recurso Especial n

    1.310.471-SP preponderante para trazer para a

    arena dos debates e reflexes, sobretudo no que

    concerne judicializao de polticas pblicas, a

    injustia ambiental, inclusive estendendo, a partir

    de uma tica calcada em tpicos valores de terceira

    dimenso dos Direitos Humanos, o dever de no

  • 43

    causar danos. Isto , incumbe ao Poder Judicirio

    analisar concretamente as situaes causadoras do

    agravamento e do fortalecimento da injustia

    ambiental, ampliando o fosso de antinomias e

    disparidades existentes entre a classe social

    dominante e as demais classes, objetos corriqueiros

    das malficas consequncias das degradaes

    ambientais e sociais, expondo, ainda mais, aqueles

    que so descritos como vulnerabilizados.

    REFERNCIA:

    ACSELRAD, Henri. Ambientalizao das lutas sociais o caso do movimento por justia ambiental. Estudos Avanados, So Paulo, v. 24, n. 68, 2010, p. 103-119. Disponvel: . Acesso em 28 jun. 2015. __________________. Territrio, localismo e poltica de escalas. In: _________________; MELLO, Ceclia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves Bezerra (orgs.). Cidade, ambiente e poltica: problematizando a Agenda 21 local. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. __________________; HERCULANO, Selene; PDUA, Jos Augusto (orgs.). Justia Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2004.

  • 44

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  • 47

    LIMONAD, Ester (orgs.). Ordenamento Territorial e Ambiental. Niteri: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2012.

  • 48

    DESENVOLVIMENTO ECONMICO E O

    AGRAVAMENTO DA INJUSTIA

    AMBIENTAL: CONTORNOS AO RACISMO

    AMBIENTAL NO BRASIL

    Resumo: Verifica-se, sobretudo nas ltimas

    dcadas, o desenvolvimento de um discurso pautado

    na preocupao com o esgotamento e exaurimento

    dos recursos naturais, em especial aqueles dotados

    de valor econmico, a exemplo da s matrizes

    energticas (petrleo). Em um cenrio de

    achatamento da populao, sobretudo aquela

    considerada como vulnervel, condicionada em

    comunidades carentes e bolses de pobreza,

    diretamente afetada pelos passivos produzidos,

    diante das ambies de desenvolvimento econmico,

    constri-se um iderio de justia ambiental,

    buscando, a partir de um crescimento que conjugue

    anseios econmicos com preservao socioambiental,

  • 49

    assegurar a conjuno de esforos a fim de minorar

    os efeitos a serem suportados. Justamente, nesta

    delicada questo, o presente debrua-se em analisar

    a questo do racismo ambiental, potencializado pelo

    discurso de desenvolvimento econmico que tende a

    polarizar a problemtica social, em busca pelo

    influxo de capitais na realidade local.

    Palavras-chaves: Desenvolvimento Econmico.

    Meio Ambiente Urbano. Justia Ambiental. Racismo

    Ambiental.

    Sumrio: 1 Consideraes Iniciais; 2 O Espao

    Urbano em uma Perspectiva Ambiental: A

    Ambincia do Homem Contemporneo em Anlise; 3

    O Fenmeno da Industrializao como Elemento

    Agravador da Injustia Ambiental: O Embate entre o

    Desenvolvimento Econmico e o Meio Ambiente

    Ecologicamente Equilibrado; 4 O Racismo Ambiental

    no Territrio Brasileiro: A Injustia Ambiental

    agravada em decorrncia das condies sociais; 5

    Comentrios Finais

  • 50

    1 CONSIDERAES INICIAIS

    No decorrer das ltimas dcadas, em

    especial a partir de 1980, os temas associados

    questo ambiental passaram a gozar de maior

    destaque no cenrio mundial, devido, em grande

    parte, com a confeco de tratados e diplomas

    internacionais que enfatizaram a necessidade da

    mudana de pensamentos da humanidade,

    orientado, maiormente, para a preservao do meio

    ambiente. Concomitantemente, verifica-se o

    fortalecimento de um discurso participativo de

    comunidades e grupamentos sociais tradicionais nos

    processos decisrios. Observa-se, desta maneira,

    que foi conferido maior destaque ao fato de que a

    proeminncia dos temas ambientais foi iada ao

    status de problema global, alcanado, em sua

    rubrica, no apenas a sociedade civil diretamente

    afetada, mas tambm os meios de comunicao e os

    governos de diversas reas do planeta. Tal cenrio

    facilmente verificvel na conjuno de esforos, por

    partes de grande parte dos pases, para minorar os

    impactos ambientais decorrentes da emisso de

  • 51

    poluentes e os adiantados estgios de degradao de

    ecossistemas frgeis.

    Nesse passo, a industrializao de

    pequenos e mdios centros urbanos, notadamente

    nos pases subdesenvolvidos, encerra a dicotomia do

    almejado desenvolvimento econmico, encarado

    como o refulgir de uma nova era de prosperidade em

    realidades locais estagnadas e desprovidas de

    dinamicidade, e a degradao ambiental,

    desencadeando verdadeira eco-histeria nas

    comunidades e empreendimentos diretamente

    afetados. Por vezes, o discurso desenvolvimentista

    utilizado na instalao de indstrias objetiva, em

    relao populao diretamente afetada, expor to

    somente os aspectos positivos da alterao dos

    processos ambientais, suprimindo as consequncias,

    quando inexistente planejamento prvio,

    socioambientais. Diante deste cenrio, o presente, a

    partir do referencial adotado, busca conjugar uma

    anlise proveniente do entendimento da justia

    ambiental, colhendo das discusses propostas por

    Henri Acselrad, Selene Herculano e Jos Augusto

    de Pdua, sobretudo, no que se refere

  • 52

    caracterizao de variveis repetidas nos processos

    de instalao de empreendimento econmicos, em

    especial a populao diretamente afetada.

    De igual modo, o presente socorre-se do

    aporte doutrinrio apresentado pelo Direito

    Ambiental e pelo Direito Urbanstico, calcado nos

    conceitos tradicionais e imprescindveis para o

    fomento da discusso, utilizando, para tanto, do

    discurso apresentado por Paulo Affonso Leme

    Machado, Paulo Bessa Antunes Filho, Celso

    Antonio Pacheco Fiorillo, Jos Afonso da Silva e

    Romeu Thom. Ora, os conflitos socioambientais,

    advindos do agravamento da injustia ambiental

    experimentada por comunidades, d ensejo

    discusso acerca do embate entre os princpios

    constitucionais do desenvolvimento econmico e do

    meio ambiente ecologicamente equilibrado, ambos

    alados condio de elementos para

    materializao da dignidade da pessoa humana.

    2 O ESPAO URBANO EM UMA

    PERSPECTIVA AMBIENTAL: A AMBINCIA

    DO HOMEM CONTEMPORNEO EM

  • 53

    ANLISE

    Inicialmente, ao adotar como ponto inicial

    de anlise o meio ambiente e sua relao direta com

    o homem contemporneo, necessrio faz-se

    esquadrinhar a concesso jurdica apresentada pela

    Lei N. 6.938, de 31 de agosto de 1981 (2013), que

    dispe sobre a Poltica Nacional do Meio Ambiente,

    seus fins e mecanismos de formulao e aplicao, e

    d outras providncias. Aludido diploma, ancorado

    apenas em uma viso hermtica, concebe o meio

    ambiente como um conjunto de condies, leis e

    influncias de ordem qumica, fsica e biolgica que

    permite, abriga e rege a vida em todas as suas

    formas. Nesse primeiro momento, possvel deixar

    em clara evidncia que o tema dotado de

    complexidade e fragilidade, eis que dialoga uma

    sucesso de fatores distintos, os quais so

    facilmente distorcidos e deteriorados devido ao

    antrpica.

    Jos Afonso da Silva (2009, p. 20), ao

    traar definio acerca de meio ambiente, descreve-o

    como a interao do conjunto de elementos

  • 54

    naturais, artificiais e culturais que propiciem o

    desenvolvimento equilibrado da vida em todas as

    suas formas. Celso Antnio Pacheco Fiorillo (2012,

    p. 77), por sua vez, afirma que a concepo

    definidora de meio ambiente est pautada em um

    iderio jurdico despido de determinao, cabendo,

    diante da situao concreta, promover o

    preenchimento da lacuna apresentada pelo

    dispositivo legal supramencionado. Trata-se, com

    efeito, de tema revestido de macia fluidez, eis que o

    meio ambiente est diretamente associado ao ser

    humano, sofrendo os influxos, modificaes e

    impactos por ele proporcionados. No possvel,

    ingenuamente, conceber, na contemporaneidade, o

    meio ambiente apenas como uma floresta densa ou

    ecossistemas com espcies animais e vegetais

    prprios de uma determinada regio; ao reverso,

    imprescindvel alinhar o entendimento da questo

    em debate com os anseios apresentados pela

    sociedade contempornea. Nesta linha de exposio,

    o Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ao Direta de

    Inconstitucionalidade N. 4.029/AM, j salientou,

    oportunamente, que:

  • 55

    [...] o meio ambiente um conceito

    hoje geminado com o de sade

    pblica, sade de cada indivduo,

    sadia qualidade de vida, diz a

    Constituio, por isso que estou

    falando de sade, e hoje todos ns

    sabemos que ele imbricado,

    conceitualmente geminado com o

    prprio desenvolvimento. Se antes

    ns dizamos que o meio ambiente

    compatvel com o desenvolvimento,

    hoje ns dizemos, a partir da

    Constituio, tecnicamente, que no

    pode haver desenvolvimento seno

    com o meio ambiente ecologicamente

    equilibrado. A geminao do conceito

    me parece de rigor tcnico, porque

    salta da prpria Constituio Federal.

    (BRASIL, 2013b).

    Pelo excerto transcrito, denota-se que a

    acepo ingnua do meio ambiente, na condio

    estrita de apenas condensar recursos naturais, est

    superada, em decorrncia da dinamicidade da vida

    contempornea, iado condio de tema dotado de

    complexidade e integrante do rol de elementos do

    desenvolvimento do indivduo. Tal fato decorre,

    sobremodo, do processo de constitucionalizao do

    meio ambiente no Brasil, concedendo a elevao de

    normas e disposies legislativas que visam

  • 56

    promover a proteo ambiental. Ao lado disso, no

    possvel esquecer que os princpios e corolrios que

    sustentam a juridicidade do meio ambiente foram

    alados a patamar de destaque, passando a integrar

    ncleos sensveis, dentre os quais as liberdades

    pblicas e os direitos fundamentais. Com o advento

    da Constituio da Repblica Federativa do Brasil

    de 1988, as normas de proteo ambiental so

    aladas categoria de normas constitucionais, com

    elaborao de captulo especialmente dedicado

    proteo do meio ambiente (THOM, 2012, p. 116).

    Diante do alargamento da concepo do

    meio ambiente, salta aos olhos que se encontra

    alcanado por tal acepo o espao urbano,

    considerado como a ambincia do homem

    contemporneo, o qual encerra as manifestaes e

    modificaes propiciadas pela coletividade no

    habitat em que se encontra inserta. Trata-se,

    doutrinariamente, do denominado meio ambiente

    artificial ou meio ambiente humano, estando

    delimitado espao urbano construdo, consistente no

    conjunto de edificaes e congneres, denominado,

    dentro desta sistemtica, de espao urbano fechado,

  • 57

    bem como pelos equipamentos pblicos, nomeados

    de espao urbano aberto, como salienta Fiorillo

    (2012, p. 79). Extrai-se, desse modo, que o cenrio

    contemporneo, refletindo a dinamicidade e

    complexidade do ser humano, passa a materializar

    verdadeiro habitat para o desenvolvimento do

    indivduo. Neste sentido, inclusive, Talden Farias

    descreve que:

    O meio ambiente artificial o

    construdo ou alterado pelo ser

    humano, sendo constitudo pelos

    edifcios urbanos, que so os espaos

    pblicos fechados, e pelos

    equipamentos comunitrios, que so

    os espaos pblicos abertos, como as

    ruas, as praas e as reas verdes.

    Embora esteja ligado diretamente ao

    conceito de cidade, o conceito de meio

    ambiente artificial abarca tambm a

    zona rural, referindo-se simplesmente

    aos espaos habitveis pelos seres

    humanos, visto que neles os espaos

    naturais cedem lugar ou se integram

    s edificaes urbanas artificiais.

    (FARIAS, 2009, p. 07).

    possvel, assim, caracterizar o meio

    ambiente artificial como fruto da interferncia da

    ao humana, ou seja, aquele meio-ambiente

    trabalhado, alterado e modificado, em sua

  • 58

    substncia, pelo homem, um meio-ambiente

    artificial (BRITO, 2013). Neste cenrio, o

    proeminente instrumento legislativo de tutela do

    meio ambiente humano, em um plano genrico, est

    assentado na Lei N. 10.257, de 10 de Julho de

    2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da

    Constituio Federal, estabelece diretrizes gerais da

    poltica urbana e d outras providncias, conhecido

    como Estatuto da Cidade, afixando os

    regramentos e princpios influenciadores da

    implementao da poltica urbana, de maneira que

    a cidade extrapole sua feio de apenas um

    grupamento de indivduos em um determinado

    local, passando a desempenhar a funo social.

    Fiorillo (2012, p. 467), ao tratar da legislao ora

    mencionada, evidencia, oportunamente, que aquela

    deu relevncia particular, no mbito do

    planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art.

    4, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como

    disciplina do parcelamento, uso e ocupao do

    solo.

    Com efeito, um dos objetivos da poltica

    de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182

  • 59

    da Constituio Federal, so as funes sociais da

    cidade, que se realizam quando se consegue

    propiciar ao cidado qualidade de vida, com

    concretizao dos direitos fundamentais, e em

    consonncia com o que disciplina o artigo 225 da

    Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado. E as funes

    sociais da cidade se concretizam quando o Poder

    Pblico consegue dispensar ao cidado o direito

    habitao, livre circulao, ao lazer e ao trabalho.

    Ora, dado ao contedo pertinente ao meio ambiente

    artificial, este em muito se relaciona dinmica das

    cidades. Desse modo, no h como desvincul-lo do

    conceito de direito sadia qualidade de vida

    (FIORILLO, 2012, p. 549), tal como o direito

    satisfao dos valores da dignidade humana e da

    prpria vida. A questo em discusso j sofreu,

    inclusive, construo jurisprudencial, sendo

    possvel, apenas a ttulo de ilustrao, transcrever:

    [...] Praas, jardins, parques e

    bulevares pblicos urbanos

    constituem uma das mais expressivas

    manifestaes do processo

    civilizatrio, porquanto encarnam o

    ideal de qualidade de vida da cidade,

  • 60

    realidade fsico-cultural refinada no

    decorrer de longo processo histrico

    em que a urbe se viu transformada,

    de amontoado catico de pessoas e

    construes toscas adensadas, em

    ambiente de convivncia que se

    pretende banhado pelo saudvel, belo

    e aprazvel. 3. Tais espaos pblicos

    so, modernamente, objeto de

    disciplina pelo planejamento urbano,

    nos termos do art. 2, IV, da Lei

    10.257/01 (Estatuto da Cidade), e

    concorrem, entre seus vrios

    benefcios supraindividuais e

    intangveis, para dissolver ou

    amenizar diferenas que separam os

    seres humanos, na esteira da

    generosa acessibilidade que lhes

    prpria. Por isso mesmo, fortalecem o

    sentimento de comunidade, mitigam o

    egosmo e o exclusivismo do domnio

    privado e viabilizam nobres

    aspiraes democrticas, de paridade

    e igualdade, j que neles convivem os

    multifacetrios matizes da populao:

    abertos a todos e compartilhados por

    todos, mesmo os "indesejveis", sem

    discriminao de classe, raa, gnero,

    credo ou moda. 4. Em vez de resduo,

    mancha ou zona morta - bolses

    vazios e inteis, verdadeiras pedras

    no caminho da plena e absoluta

    explorabilidade imobiliria, a

    estorvarem aquilo que seria o destino

    inevitvel do adensamento -, os

    espaos pblicos urbanos cumprem,

    muito ao contrrio, relevantes funes

    de carter social (recreao cultural e

    esportiva), poltico (palco de

    manifestaes e protestos populares),

    esttico (embelezamento da paisagem

  • 61

    artificial e natural), sanitrio (ilhas

    de tranquilidade, de simples

    contemplao ou de escape da

    algazarra de multides de gente e

    veculos) e ecolgico (refgio para a

    biodiversidade local). [...]. (Superior

    Tribunal de Justia Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator:

    Ministro Herman Benjamin/ Julgado

    em 15.04.2010/ Publicado no DJe em

    08.03.2012) (BRASIL, 2013a).

    O meio ambiente humano passa a ser

    dotado de uma ordem urbanstica, consistente no

    conjunto de normas, dotadas de ordem pblica e de

    interesse social, que passa a regular o uso da

    propriedade urbana em prol da coletividade, da

    segurana, do equilbrio ambiental e do bem-estar

    dos cidados. A ordem urbanstica deve significar a

    institucionalizao do justo na cidade. No uma

    ordem urbanstica como resultado da opresso ou

    da ao corruptora de latifundirios e especuladores

    imobilirios, porque a seria a desordem urbanstica

    gerada pela injustia (MACHADO, 2013, p. 446).

    Nesta perspectiva, est-se diante de um nvel de

    planejamento que objetiva estabelecer patamares

    mnimos de organizao do uso dos diversos

    fragmentos de um determinado recorte espacial,

  • 62

    atentando-se para as potencialidades e capacidades

    inerentes aos sistemas ambientais desse espao,

    sobremodo na ambincia urbana que, devido

    complexidade a populao, apresenta intersees

    peculiares. Ao lado disso, no possvel deixar de

    destacar que os ambiente urbanos tendem a ser

    diretamente influenciados e modificados pela

    realidade social.

    Trata-se de uma significao em busca

    por uma ordem na utilizao do espao sob

    planejamento, de maneira que assegure a

    integridade ambiental, a manuteno dos servios

    ambientais, a reproduo de seus recursos e a

    manuteno dentro de uma trajetria evolutiva

    estvel (o que significa no criar um desequilbrio

    irreversvel que leve degradao da paisagem).

    Enfim, a busca pela sustentabilidade na utilizao

    do espao (VICENS, 2012, p. 197). Ultrapassa-se,

    diante do painel pintado, a concepo de que os

    centros urbanos, por sua essncia, so apenas

    aglomerados de indivduos, por vezes, estratificados

    em decorrncia de sua condio social e econmica.

    Absolutamente, ainda que esteja em um plano,

  • 63

    corriqueiramente, terico, possvel observar que a

    preocupao em torno das cidades foi alada

    condio de desenvolvimento de seus integrantes,

    passa a sofrer forte discusso, em especial quando a

    temtica est umbilicalmente atrelada aos

    processos de remoo de comunidades ou, ainda,

    alterao do cenrio tradicional, a fim de comportar

    os empreendimentos industriais.

    3 O FENMENO DA INDUSTRIALIZAO

    COMO ELEMENTO AGRAVADOR DA

    INJUSTIA AMBIENTAL: O EMBATE ENTRE

    O DESENVOLVIMENTO ECONMICO E O

    MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

    EQUILIBRADO

    O modelo de desenvolvimento liberal,

    estruturado no de individualismo econmico e

    mercado, consistindo na confluncia de articulaes

    entre a propriedade privada, iniciativa econmica

    priva e mercada, passa a apresentar, ainda na

    dcada de 1960, os primeiros sinais da problemtica

    socioambiental. Esse modelo de crescimento

  • 64

    orientado por objetivos materiais e econmico

    puramente individualista, regido por regras

    jurdicas de natureza privada, dissociou a natureza

    da economia, alheando desta, os efeitos

    devastadores dos princpios econmicos na

    natureza (FRAGA, 2007, p. 02). Entre o final da

    dcada de 1960 at 1980, o discurso, envolvendo a

    questo ambiental, explicitava a preocupao com o

    esgotamento dos recursos naturais que eram

    dotados de maior interesse econmico, sobretudo no

    que se referia explorao do petrleo. Verifica-se,

    neste primeiro contato, que a questo do meio

    ambiente estava cingida preocupao com a

    sobrevivncia da espcie humana, numa aspecto

    puramente econmico.

    Diante da possibilidade do exaurimento

    dos recursos naturais dotados de aspecto econmico

    relevante, possvel observar uma crise civilizatria

    advinda no apenas da escassez daqueles,

    proporo que so degradados, mas tambm em

    decorrncia do modelo econmico adotado, o qual,

    por seu aspecto, desencadeou um desequilbrio

    ambiental macio colocando em risco a

  • 65

    sobrevivncia da espcie humana, assim como, na

    trilha dos efeitos produzidos, o aumento do

    desemprego pela mecanizao dos meios de

    produo, a misria e a marginalidade social. O

    processo predatrio ambiental potencializa um

    cenrio catico urbano, verificado, sobretudo, nos

    grandes centros, com formao de comunidades

    carentes e favelas, reduto da populao

    marginalizada, constituindo verdadeiro bolso de

    pobreza.

    Conforme Lester R. Brown (1983, p. 05),

    as ameaas civilizao so provocadas pela eroso

    do solo a deteriorao dos sistemas biolgicos e

    esgotamento das reservar petrolferas, alm do

    comprometimento de elementos essenciais

    existncia humana, como, por exemplo, acesso

    gua potvel. Aludidas ameaas desencadeiam

    tenses ambientais que se concretizam em crises

    econmicas, causadas pela dependncia de alguns

    pases dos produtos alimentcios oriundos de outros

    pases, bem como das fontes de energia produzidas

    pelos combustveis fsseis. possvel, neste cenrio,

    verificar que a crise socioambiental, surgida nos

  • 66

    Estados Unidos, a partir da dcada de 1960, devido

    mecanizao dos meios de produo e a

    dependncia de recursos naturais, em especial

    matrizes energticas (petrleo), de outros pases,

    forneceu o insumo carecido para a construo da

    justia ambiental, advinda da criatividade dos

    movimentos sociais forjados pela luta da populao

    afrodescendente que protestava contra a

    discriminao causada pela maior exposio desta

    populao aos lixos qumicos, radioativos e

    indstrias geradoras de poluentes. Selene

    Herculano, ao abordar a definio do tema, coloca

    em destaque:

    Por Justia Ambiental entenda-se o

    conjunto de princpios que asseguram

    que nenhum grupo de pessoas, sejam

    grupos tnicos, raciais ou de classe,

    suporte uma parcela desproporcional

    das consequncias ambientais

    negativas de operaes econmicas,

    de polticas e programas federais,

    estaduais e locais, bem como

    resultantes da ausncia ou omisso de

    tais polticas [...]

    Complementarmente, entende-se por

    Injustia Ambiental o mecanismo pelo

    qual sociedades desiguais destinam a

    maior carga dos danos ambientais do

    desenvolvimento a grupos sociais de

  • 67

    trabalhadores, populaes de baixa

    renda, grupos raciais discriminados,

    populaes marginalizadas e mais

    vulnerveis. (HERCULANO, 2002, p.

    03).

    Pela moldura ofertada pela justia

    ambiental, infere-se que nenhum grupo de pessoas,

    seja em decorrncia de sua condio tnica, raciais

    ou de classe, suporte ma parcela desproporcional de

    degradao do espao coletivo.

    Complementarmente, entende-se por injustia

    ambiental a condio de existncia coletiva prpria

    a sociedade desiguais onde operam mecanismos

    sociopolticos que destinam a maior carga dos danos

    ambientais (ACSELRAD; HERCULANO; PDUA,

    2004, p. 09). Diante do exposto, o termo justia

    ambiental afigura-se como uma definio

    aglutinadora e mobilizadora, eis que permite a

    integrao de dimenses ambiental, social e tica da

    sustentabilidade e do desenvolvimento,

    corriqueiramente dissociados nos discursos e nas

    prticas. Tal conceito contribui para reverter a

    fragmentao e o isolamento de vrios movimentos

    sociais frente ao processo de globalizao e

  • 68

    reestruturao produtiva que provoca perda de

    soberania, desemprego, precarizao do trabalho e

    fragilizao do movimento sindical e social como

    todo (ACSELRAD; HERCULANO, PDUA, 2004,

    p. 18).

    Neste quadrante, mais que uma

    expresso do campo do direito, justia ambiental

    assume verdadeira feio de reflexo, mobilizao e

    bandeira de luta de diversos sujeito e entidades, ais

    como associaes de moradores, sindicatos, grupos

    direta e indiretamente afetados por diversos riscos,

    ambientalistas e cientistas. Joan Martnez Alier

    (2007, p. 35) colocou em destaque que, at muito

    recentemente, a justia ambiental como um

    movimento organizado permaneceu limitado ao seu

    pas de origem, conquanto o ecologismo popular,

    tambm denominado de ecologismo dos pobres,

    constituam denominaes aplicadas a movimentos

    populares caractersticos do Terceiro Mundo que se

    rebela contra os impactos ambientais que ameaam

    a populao mais carente, que constitui a ampla

    maioria do contingente populacional em muitos

    pases. aspecto tradicional dessas movimentaes

  • 69

    populares, a base camponesa cujos campos ou terras

    destinadas para pastos tm sido destrudos pela

    minerao ou pedreiras; movimentos de pescadores

    artesanais contra os barcos de alta tecnologia ou

    outras foram de pesca industrial que impacta

    diretamente o ambiente marinho em que desenvolve

    a atividade; e, ainda, por movimentos contrrios s

    minas e fbricas por parte de comunidades

    diretamente atingidas pela contaminao do ar ou

    que vivem rio abaixo das instalaes industriais

    poluidoras.

    Ao lado disso, em realidades nas quais as

    desigualdades alcanam maior destaque, a exemplo

    do Brasil e seu cenrio social multifacetado, dotado

    de contradies e antagonismos bem peculiares, a

    universalizao da temtica de movimentos

    sustentados pela busca da justia ambiental alcana

    vulto ainda maior, assumindo outras finalidades

    alm das relacionadas essencialmente ao meio

    ambiente, passando a configurar os anseios da

    populao diretamente afetada, revelando-se, por

    vezes, ao pavilho que busca minorar ou contornar

    um histrico de desigualdade e antagonismo que se

  • 70

    arrasta culturalmente. Trata-se, pois, de um

    discurso pautado na denncia de um quadro de

    robusta injustia social, fomentado pela desigual

    distribuio do poder e da riqueza e pela

    apropriao, por parte das classes sociais mais

    abastadas, do territrio e dos recursos naturais,

    renegando, margem da sociedade, grupamentos

    sociais mais carentes, lanando-os em bolses de

    pobreza. imperioso explicitar que os aspectos

    econmicos apresentam-se, no cenrio nacional,

    como a flmula a ser observada, condicionando

    questes socioambientais, dotadas de maior

    densidade, a um patamar secundrio. Selene

    Herculano coloca em destaque que:

    A temtica da Justia Ambiental nos

    interessa em razo das extremas

    desigualdades da sociedade brasileira.

    No Brasil, o pas das grandes

    injustias, o tema da justia

    ambiental ainda incipiente e de

    difcil compreenso, pois a primeira

    suposio de que se trate de alguma

    vara especializada em disputas

    diversas sobre o meio ambiente. Os

    casso de exposio a riscos qumicos

    so pouco conhecidos e divulgados,

    [...], tendendo a se tornarem

    problemas crnicos, sem soluo.

  • 71

    Acrescente-se tambm que, dado o

    nosso amplo leque de agudas

    desigualdades sociais, a exposio

    desigual aos riscos qumicos fica

    aparentemente obscurecida e

    dissimulada pela extrema pobreza e

    pelas pssimas condies gerais de

    vida a ela associadas. Assim,

    ironicamente, as gigantescas

    injustias sociais brasileiras

    encobrem e naturalizam a exposio

    desigual poluio e o nus desigual

    dos custos do desenvolvimento.

    (HERCULANO, 2008, P. 05).

    A partir das ponderaes articuladas,

    verifica-se, no territrio nacional, o aparente

    embate entre a busca pelo desenvolvimento

    econmico e o meio ambiente ecologicamente

    equilibrado torna-se palpvel, em especial quando a

    questo orbita em torno dos processos de

    industrializao, notadamente nos pequenos e

    mdios centros urbanos, trazendo consigo a

    promessa de desenvolvimento. Neste aspecto, a

    acepo de desenvolvimento traz consigo um

    carter mtico que povoa o imaginrio comum,

    especialmente quando o foco est assentado na

    alterao da mudana social, decorrente da

    instalao de empreendimentos de mdio e grande

  • 72

    porte, promovendo a dinamizao da economia local,

    aumento na arrecadao de impostos pelo Municpio

    em que ser instalada e abertura de postos de

    trabalho.

    O grande atrativo aos centros urbanos

    faz com que o crescimento se d de forma

    desordenada, gerando diversos problemas cuja

    soluo passa pela implementao de polticas

    pblicas, necessariamente antecedidas de um

    planejamento (ARAJO JNIOR, 2008, p. 239).

    Constata-se, com clareza, que o modelo econmico

    que orienta o escalonamento de interesses no

    cenrio nacional, sobrepuja, de maneira macia,

    valores sociais, desencadeando um sucedneo de

    formas de violncia social, degradao ambiental e

    aviltamento ao indivduo, na condio de ser dotado

    de dignidade e inmeras potencialidades a serem

    desenvolvidas. Todavia, no mais possvel

    examinar as propostas de desenvolvimento

    econmico desprovida de cautela, dispensando ao

    assunto um olhar crtico e alinhado com elementos

    slidos de convico, notadamente no que se refere

    s consequncias geradas para as populaes

  • 73

    tradicionais corriqueiramente atingidas e

    sacrificadas em nome do desenvolvimento

    econmico.

    No mais possvel corroborar com a

    ideia de desenvolvimento sem

    submet-la a uma crtica efetiva,

    tanto no que concerne aos seus modos

    objetivos de realizao, isto , a

    relao entre aqueles residentes nos

    locais onde so implantados os

    projetos e os implementadores das

    redes do campo do desenvolvimento;

    quanto no que concerne s

    representaes sociais que conformam

    o desenvolvimento como um tipo de

    ideologia e utopia em constante

    expanso, neste sentido um ideal

    incontestvel [...] O desenvolvimento ou essa crena da qual no se

    consegue fugir -carrega tambm o seu

    oposto, as formas de organizao

    sociais que, muitas vezes vulnerveis

    ao processo, so impactadas durante a

    sua expanso. justamente pensando

    nos atores sociais (KNOX;

    TRIGUERO, 2011, p. 02).

    imperioso conferir, a partir de uma

    tica alicerada nos conceitos e aportes

    proporcionados pela justia ambiental, uma

    ressignificao do conceito de desenvolvimento,

    alinhando-o diretamente questo ambiental, de

  • 74

    maneira a superar o aspecto eminentemente

    econmico do tema, mas tambm dispensando uma

    abordagem socioambiental ao assunto. A

    reestruturao da questo resulta de uma

    apropriao singular da temtica do meio ambiente

    por dinmicas sociopolticas tradicionalmente

    envolvidas com a construo da justia social

    (ACSELRAD, 2010, p. 108). Salta aos olhos que o

    processo de reconstruo de significado est

    intimamente atrelado a uma reconstituio dos

    espaos em que os embates sociais florescem em

    prol da construo de futuros possveis. Justamente,

    neste espao a temtica ambiental passa a ganhar

    maior visibilidade, encontrado arrimo em assuntos

    sociais do emprego e da renda.

    Tal fato deriva da premissa que o

    acentuado grau de desigualdades e de injustias

    socioeconmicas, tal como a substancializada

    poltica de omisso e negligencia no atendimento

    geral s necessidades das classes populares, a

    questo envolvendo discusses acerca da (in)justia

    ambiental deve compreender mltiplos aspectos,

    dentre os quais as carncias de saneamento

  • 75

    ambiental no meio urbano, a degradao das terras

    usadas para a promoo assentamentos

    provenientes da reforma agrria, no meio rural. De

    igual modo, imperioso incluir na pauta de

    discusso o tema, que tem se tornado recorrente,

    das populaes de pequenos e mdios centros

    urbanos diretamente afetados pelo recente

    fenmeno de industrializao, sendo, por vezes,

    objeto da poltica de remoo e reurbanizao. Ora,

    crucial reconhecer que os moradores dos subrbios

    e periferias urbanas, nas quais os passivos

    socioambientais tendem a ser agravados, em razo

    do prvio planejamento para dialogar o

    desenvolvimento econmico e o direito ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado.

    mister que haja uma ponderaes de

    interesses, a fim de promover o desenvolvimento

    sustentvel, conversando os interesses econmicos e

    a necessidades das populaes afetadas de terem

    acesso ao meio ambiente preservado ou, ainda,

    minimamente degradado, de modo a

    desenvolverem-se, alcanando, em fim ltimo, o

    utpico, porm sempre recorrido, conceito

  • 76

    constitucional de dignidade humana. O sedimento

    que estrutura o iderio de desenvolvimento

    sustentvel, como Paulo Bessa Antunes (2012, p.

    17) anota, busca estabelecer uma conciliao a

    conservao dos recursos ambientais e o

    desenvolvimento econmico, assegurando-se atingir

    patamares mais dignos e humanos para a populao

    diretamente afetada pelos passivos socioambientais.

    Paulo Affonso Leme Machado destaca, ao

    esquadrinhar o conceito de desenvolvimento

    sustentvel, que:

    O antagonismo dos termos desenvolvimento e sustentabilidade aparece muitas vezes, e no pode ser

    escondido e nem objeto de silncio por

    parte dos especialistas que atuem no

    exame de programas, planos e

    projetos de empreendimentos. De

    longa data, os aspectos ambientais

    foram desatendidos nos processos de

    decises, dando-se um peso muito

    maior aos aspectos econmicos. A

    harmonizao dos interesses em jogo

    no pode ser feita so preo da

    desvalorizao do meio ambiente ou

    da desconsiderao de fatores que

    possibilitam o equilbrio ambiental

    (MACHADO, 2013, p. 74).

    De outro modo, denota-se que o fenmeno

  • 77

    de industrializao, em especial atividades

    mineradoras e petrolferas, nos pequenos e mdios

    centros urbanos tem apresentado um discurso

    pautado no desenvolvimento. Trata-se, com efeito,

    de uma panaceia, na qual a possibilidade de injeo

    de capital na realidade local, proveniente da

    ampliao do aumento de arrecadao de tributos,

    tal como a disfarada promessa de gerao de

    postos de emprego e dinamizao da economia, tem

    afigurado como importante pilar para o apoio de

    tais processos. assim que a fora econmica das

    grandes corporaes transformou-se em fora

    poltica posto que eles praticamente habilitaram-

    se a ditar a configurao das polticas urbanas,

    ambientais e sociais (ACSELRAD, 2006, p. 31),

    obtendo o elastecimento das normas com o

    argumento de sua suposta capacidade de gerar

    emprego e receitas pblicas.

    Neste aspecto, ao suprimir variveis

    socioambientais, em especial a remoo de

    populaes para comportar a instalao de

    empreendimentos industriais, tende a agravar,