Competências e Aprendizagem Organizacional Na Capacitação e Desenvolvimento Do Empregaod Nas...

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1 MARISA ESTELA KARAM COMPETÊNCIAS E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL NA CAPACITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO EMPREGADO NAS EMPRESAS: UM ESTUDO DE CASO DO BANCO REAL Rio de Janeiro 2009

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COMPETÊNCIAS E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL

Transcript of Competências e Aprendizagem Organizacional Na Capacitação e Desenvolvimento Do Empregaod Nas...

  • 1 MARISA ESTELA KARAM

    COMPETNCIAS E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL NA CAPACITAO E DESENVOLVIMENTO DO EMPREGADO NAS EMPRESAS: UM ESTUDO DE

    CASO DO BANCO REAL

    Rio de Janeiro 2009

  • 2 MARISA ESTELA KARAM

    COMPETNCIAS E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL NA CAPACITAO E DESENVOLVIMENTO DO EMPREGADO NAS EMPRESAS: UM ESTUDO DE

    CASO DO BANCO REAL

    Aprovada em _______ / _______ / 2009 BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________

    Profa. Dra. Isabel de S Affonso da Costa Universidade Estcio de S

    ___________________________________

    Prof. Dr. Jorge Augusto de S Brito e Freitas Universidade Estcio de S

    ____________________________________

    Prof. Dr. Lus Csar Gonalves (EXTERNO) Fundao Getlio Vargas

  • 3

    Dedico este trabalho ao meu marido, companheiro, amigo, Jos Roberto, meu grande amor, pela compreenso, pacincia, apoio e incentivo durante toda esta longa trajetria.

  • 4 AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Roberto e Yara Karam, porque sem eles nada seria possvel.

    Aos meus enteados, Rafael e Fernanda, e as minhas sobrinhas, Vanessa, Marina, Bianca e Raquel, por aguarem em mim a inquietao e a dvida relativa aos caminhos do saber e da educao.

    A minha orientadora, Profa Dra Isabel de S Affonso da Costa, por sua dedicao, respeito, compreenso e estmulo.

    Aos profissionais entrevistados do Banco Real: Renata Bereta, Aline Craveiro, Marcos Andr, Milena e Sonia Galro, que me dispensaram seu tempo e ateno e me possibilitaram a realizao desta pesquisa.

    As minhas scias, urea, Isa e Ana Cludia pela parceria, apoio e compreenso diante do tempo que me fiz ausente.

    A minha equipe de trabalho da Alliage So Paulo pelo comprometimento assumido com o trabalho na minha ausncia.

    A todos os professores e colegas do MADE que contriburam para o desenvolvimento do meu conhecimento.

    A Ana Lucia Simes, secretria do MADE e Margarida Viegas, supervisora do MADE, pela ateno e carinho que sempre me dispensaram.

  • 5 RESUMO

    Este estudo teve por finalidade contribuir para o entendimento de como, hoje, os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional so aplicados nas organizaes, enquanto parte de um conjunto de aes integradas para formao dos profissionais. Mais especificamente, pretendeu explorar as questes relativas elaborao de contedos e aos meios de aplicao desses contedos para formar e preparar profissionais nas organizaes. Sua problematizao caracterizada pelas abordagens tericas sobre os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional. Esses conceitos foram apresentados de acordo com a literatura norte-americana e europia, alm da literatura nacional. Para tal, foi realizado um estudo de caso nico, descritivo e de abordagem qualitativa. Foram realizadas entrevistas em profundidade com profissionais da rea de desenvolvimento humano do Banco Real. A estratgia de tratamento das evidncias foi baseada nas proposies tericas formadas a partir da reviso realizada na literatura sobre o assunto. O encadeamento das evidncias, tcnica de anlise utilizada, levou a concluir que o conceito de competncia e aprendizagem organizacional so conceitos adotados e aplicados no Banco Real, porm esses conceitos e sua forma de aplicao no fazem parte de um conjunto de aes integradas para a formao dos seus profissionais.

    Palavras-chave: competncia, aprendizagem organizacional, gesto de competncias, estratgia organizacional.

  • 6 ABSTRACT

    The objective of this study was to contribute to the understanding of how the concepts of competences and organizational learning are applied in todays organizations, as part of a group of integrated actions, for the education of their professionals. More specifically, it intended to explore the questions related to content development and the means for applying these contents to prepare professionals in organizations. This could be characterized by the theoretical approaches on the concepts of competences and organizational learning. These concepts were presented according to the North American and European literature, besides the Brazilian business. For such, it was made a descriptive qualitative single case study. In depth interviews were carried out with professionals in the human development area of Banco Real. The strategy for treating the evidences was based on the theoretical propositions formed from the revision of the literature on the subject. The chain of evidences, the analysis technique of that was adopted, led to the conclusion that the concepts of competences and organizational learning are adopted and applied at Banco Real, although they are not part of an integrated action plan for the formation of its professionals

    Keywords: competence, organizational learning, competence management, organizational management.

  • 7 SUMRIO

    1 INTRODUO ..................................................................................... 13 1.1 Apresentao inicial ............................................................................. 15

    1.2 Tema .................................................................................................... 15

    1.2.1 Tema especfico ................................................................................... 15

    1.3 Problema .............................................................................................. 15

    1.3.1 Questes Norteadoras ......................................................................... 16

    1.4 Objetivos .............................................................................................. 16 1.4.1 Principal ............................................................................................... 16

    1.4.2 Intermedirios ...................................................................................... 16

    1.5 Suposies ........................................................................................... 17

    1.6 Delimitao do assunto......................................................................... 17

    1.6.1 Temporal .............................................................................................. 17

    1.6.2 Espacial ................................................................................................ 17

    1.6.3 Terica ................................................................................................. 18

    1.7 Relevncia cientfica e social ............................................................... 18

    2 REFERENCIAL TERICO .................................................................. 19 2.1 Competncias: a noo terica ............................................................ 19

    2.2 Gesto de competncia e gesto de pessoas ..................................... 26

    2.3 Competncias e vantagem competitiva ............................................... 30

    2.4 Competncia e as abordagens da escola francesa na perspectiva de Zarifian e Le Boterf........................................................................................

    38

    2.4.1 Competncia e o conceito de representao operatria ..................... 41

    2.4.2 Competncia e a auto-imagem e o metaconhecimento ....................... 42

  • 8 2.4.3 Competncia e o saber agir, querer agir e poder agir ......................... 44

    2.4.4 Competncia e profissionalismo .......................................................... 45

    2.4.5 O modelo de Le Boterf: navegao profissional ................................. 49

    2.5 Da competncia individual a competncia coletiva .............................. 51

    2.6 Competncias gerenciais ..................................................................... 54

    2.7 Aprendizagem organizacional .............................................................. 57

    2.7.1 Aprendizagem e mudana no interior da organizao ......................... 61

    2.8 Aprendizagem organizacional e competncias .................................... 69 3 METODOLOGIA .................................................................................. 79

    3.1 Tipo de pesquisa................................................................................... 79

    3.2 Tipo de estudo...................................................................................... 79

    3.3 Abordagem ........................................................................................... 80

    3.4 Unidade de anlise .............................................................................. 80

    3.5 Estudo de caso nico ........................................................................... 80

    3.6 Mtodo de coleta de dados .................................................................. 82

    3.6.1 Entrevistas ........................................................................................... 82

    3.6.1.1 Escolha dos entrevistados ................................................................... 83

    3.6.1.2 Roteiro da entrevista ............................................................................ 83

    3.6.1.3 Realizao das entrevistas .................................................................. 84

    3.7 Documentao ..................................................................................... 85

    3.7.1 Registro em arquivos ........................................................................... 86

    3.7.2 Artefatos fsicos ................................................................................... 87

    3.8 Tratamento e anlise das evidencias ................................................... 87

    3.8.1 Estratgia geral de anlise ................................................................... 88

    3.8.2 Tratamento dos dados ......................................................................... 88

  • 9 3.8.3 Anlise das evidencias ......................................................................... 89

    3.8.4 Interpretao das evidncias ............................................................... 89

    3.9 Limitaes do mtodo .......................................................................... 89

    4 DESCRIO DO CASO BANCO REAL ............................................. 91 4.1 Institucional .......................................................................................... 91

    4.1.1 O Banco Real e sua histria ................................................................ 91

    4.2 Viso e misso do Banco Real ............................................................ 92

    4.3 Modelo educativo nosso jeito de ser e de fazer e nosso jeito de educar ..................................................................................................

    93

    4.3.1 Modelo educativo nosso jeito de ser e de fazer ................................ 93 4.3.2 Modelo educativo nosso jeito de educar ........................................... 95 4.4 O modelo global de competncias do Banco Real .............................. 97

    4.4.1 Estrutura das competncias do Banco Real ........................................ 98

    4.4.2 As competncias do Banco Real: organizao e descrio ................ 100

    5 RESULTADOS OBTIDOS ................................................................... 106

    5.1 Resultado e anlise das entrevistas .................................................... 106

    6 CONCLUSES.................................................................................... 115 6.1 Recomendaes para estudos futuros ................................................ 119

    REFERNCIAS.................................................................................... 120

  • 10LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1.

    QUADRO 2.

    QUADRO 3.

    QUADRO 4.

    QUADRO 5.

    QUADRO 6.

    QUADRO 7.

    QUADRO 8.

    O PERFIL DO PROFISSIONAL ................................................

    NVEIS DE PROFISSIONALIZAO ......................................... OS FATORES QUE FACILITAM A APRENDIZAGEM...............

    OS OBSTCULOS APRENDIZAGEM DOS GERENTES ...... OS PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO DE

    COMPETNCIAS........................................................................... O PROCESSO DE CONVERSO DO CONHECIMENTO ...........

    AS COMPETNCIAS DO BANCO REAL ..................................... OS QUATROS NVEIS ATRIBUDOS PARA AS COMPETNCIAS ..........................................................................

    22

    47

    68

    69

    71

    72

    98

    99

  • 11LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1.

    FIGURA 2.

    FIGURA 3.

    FIGURA 4. FIGURA 5. FIGURA 6. FIGURA 7.

    FIGURA 8. FIGURA 9.

    FIGURA 10. FIGURA 11.

    CRCULO VIRTUOSO: ESTRATGIA, COMPETNCIAS ORGANIZACIONAIS E COMPETNCIAS INDIVIDUAIS ... CONFIGURAES ORGANIZACIONAIS DA NOO DE COMPETNCIAS ................................................................ CLASSIFICAO DE COMPETNCIAS ORGANIZACIONAIS EM DIFERENTES NVEIS DE COMPETITIVIDADE A PARTIR DOS RESULTADOS EMPRICOS OBSERVADOS EM EMPRESAS DA REGIO SUL DO BRASIL ......................................................................... SABER AGIR, QUERER AGIR E PODER AGIR ........................ APRENDIZAGEM EM CIRCUITO NICO .................................. APRENDIZAGEM EM CIRCUITO DUPLO ................................. A TEIA DA APRENDIZAGEM: NFASES ADOTADAS NA LITERATURA DE APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL ......... CICLOS PERMANENTES DE APRENDIZAGEM E MUDANA ESTRATGIAS ORGANIZACIONAIS E AES DE TREINAMENTO, DESENVOLVIMENTO E EDUCAO (TD&E) ........................................................................................ NOSSO MODELO ....................................................................... PERFIL DE LIDERANA DO BANCO ........................................

    31

    35

    37 45 60 60

    61 63

    75 94 98

  • 12LISTA DE TABELAS

    TABELA 1. COMPETNCIAS MAIS RELEVANTES POR TIPO DE FUNO E OS NVEIS REQUERIDOS .......................................

    100

  • 131. INTRODUO

    1.1 APRESENTAO INICIAL

    O cenrio atual caracterizado por constantes transformaes, e de acordo com Fleury e Fleury (2006), existem trs ondas de mudanas que se sobrepem nos dias de hoje, gerando um contexto turbulento: a passagem de um regime de mercado vendedor para mercado comprador, a globalizao dos mercados e da produo, e o advento da economia baseada no conhecimento. Fatores que levam a novas formas de se organizar as empresas, tanto no que se refere s estratgias quanto posio ttica adotada pelas mesmas. So fatores que, como consequncia, interferem, tambm, na prpria concepo do trabalho e na sua organizao.

    Nesse novo contexto, o que se pretende que as pessoas deixem de ser mais um elemento na engrenagem produtiva para ser um elemento fundamental do prprio processo de gesto do negcio com objetivo de alcanar maior vantagem competitiva para a organizao em que se encontram inseridas. Assim, o trabalho repetitivo passa a ser substitudo por atividades que exigem do profissional condio para diagnosticar, prevenir, decidir e antecipar-se aos fatos que uma dada situao possa exigir (FLEURY e FLEURY, 2006).

    Considerando o exposto acima, estudos sobre conceitos, abordagens e modelos de gesto de pessoas tm sido foco do interesse tanto acadmico quanto do universo das empresas, com o objetivo de buscar modelos que melhor se apliquem realidade de inovao e flexibilidade que se apresenta s organizaes. Autores como McClelland, na dcada de 70 nos Estados Unidos, Le Boterf e Zarifian, nas dcadas de 80 e 90 na Frana, trouxeram tona o conceito de competncias.

    No incio dos anos 90, Prahalad e Hamel deram uma significativa contribuio quando propuseram o conceito de competncias essenciais. Para os autores, competncia deve ser entendida como a capacidade de combinar, misturar e integrar recursos em produtos e servios (PRAHALAD E HAMEL, [1990], 2005). A

  • 14competitividade de uma organizao seria determinada pela inter-relao dinmica entre as competncias organizacionais e a estratgia competitiva.

    A abordagem sobre aprendizagem organizacional surge tambm como uma perspectiva para as organizaes em resposta s mudanas enfrentadas em cenrios de alta competitividade (BITENCOURT, 2004). Ao se examinar a histria da aprendizagem organizacional, observa-se que especialmente no final dos anos 70, surge uma srie regular de artigos e livros sobre o assunto, entre eles autores como Argyris e Schn (1978) e Duncan e Weiss (1979).

    A nfase dada por Argyris e Schn (1978) na aprendizagem individual em organizaes. Para eles a aprendizagem organizacional o processo pelo qual os membros organizacionais detectam anomalias e as corrigem ao modificar processos e procedimentos que so utilizados na organizao. Duncan e Weiss (1979) definem aprendizagem organizacional como um processo baseado nas relaes existentes entre ao e resultados e o efeito que essas relaes produzem no ambiente organizacional. Para eles os indivduos so os nicos que podem aprender. Porm, devem ser vistos como integrantes de um sistema de aprendizagem, onde compartilham o que aprendido. Pode-se observar que as abordagens, tanto de Argyris e Schn (1978) quanto de Duncan e Weiss (1979), refletem uma preocupao mais normativa e prescritiva aprendizagem organizacional (PRANGE, 2001).

    Com o transcorrer do tempo observou-se o crescente reconhecimento da importncia do processo de aprendizagem e de suas implicaes no contexto do ambiente do trabalho que contribui para a consolidao de um campo de estudo, com interesse para acadmicos, consultores e gestores (BASTOS et al., 2004).

    Para Bitencourt (2004), o que se busca com a aprendizagem organizacional desenvolver a capacidade de aprender continuamente a partir de experincias organizacionais e a traduzir o conhecimento adquirido em prticas que contribuam para um melhor desempenho, dando empresa maior competitividade. Para tanto a participao efetiva das pessoas no processo de aquisio e disseminao do conhecimento essencial. Esse fato est diretamente relacionado questo do desenvolvimento de competncias. Observa-se que apesar da relao existente entre as abordagens (competncia e aprendizagem organizacional), h, ainda, uma carncia no que se refere explicitao dessa relao (BITENCOURT, 2004).

  • 15Diante do exposto, a presente dissertao pretende contribuir para o

    entendimento de como, hoje, os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional so aplicados nas organizaes, enquanto parte de um conjunto de aes integradas para capacitao e desenvolvimento dos profissionais. Mais especificamente, esta dissertao pretendeu explorar as questes relativas elaborao de contedos e aos meios de aplicao desses contedos para formar e preparar profissionais nas organizaes. Sua problematizao ser caracterizada pelas abordagens tericas sobre os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional. Esses conceitos sero apresentados de acordo com a literatura norte-americana e europia, alm da literatura nacional.

    1.2 TEMA

    O tema desta dissertao a inter-relao entre os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional.

    1.2.1 Tema especfico

    O tema especfico trata das questes relativas a inter-relao dos conceitos de competncias e aprendizagem organizacional adotados na aplicao de contedos de aprendizagem para capacitao e desenvolvimento dos empregados no contexto de uma empresa do setor financeiro: o BANCO REAL.

    1.3 PROBLEMA

    Como o Banco Real aplica os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional para elaborar contedos de aprendizagem, destinados a capacitar e desenvolver seus empregados?

  • 16 1.3.1 Questes norteadoras

    Como os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional so aplicados no Banco Real?

    Como o Banco Real elabora os contedos de aprendizagem destinados capacitar seus empregados?

    Como o Banco Real traduz os conhecimentos adquiridos atravs da experincia do empregado em prticas que contribuam para melhorar o desempenho da Empresa?

    Como os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional encontram-se inter-relacionados no Banco Real?

    1.4 OBJETIVOS

    1.4.1 Principal

    Descrever como o Banco Real aplica os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional para elaborar contedos de aprendizagem, destinados a capacitar seus empregados.

    1.4.2 Intermedirios

    Descrever os fatores determinantes, considerados pelo Banco Real, para elaborar contedos especficos para capacitar seus empregados.

    Explicar os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional adotados pelo Banco Real.

    Investigar os principais elementos e prticas de aprendizagem organizacional existentes no Banco Real.

  • 17 Apontar como a identificao de competncia e as prticas de aprendizagem

    organizacional se encontram inter-relacionados no Banco Real.

    1.5 SUPOSIES

    Quanto aplicabilidade dos conceitos de competncias e aprendizagem organizacional, supe-se que ainda no sejam tratados nas empresas, como parte de um conjunto de aes integradas para desenvolver contedos de aprendizagem destinados a capacitao do empregado.

    Outra suposio refere-se possibilidade dos conceitos e abordagens de competncias e aprendizagem organizacional, serem apenas um rtulo mais moderno adotado pelas empresas para gerir uma realidade ainda fundada nos princpios do paradigma funcionalista.

    1.6 DELIMITAO DE ASSUNTO

    1.6.1 Temporal

    A pesquisa pretende descrever e analisar como o Banco Real aplica os conceitos de competncias e aprendizagem organizacional na elaborao de contedos e solues de aprendizagem, no momento atual, mais especificamente no ano de 2008.

    1.6.2 Espacial

    A pesquisa concentra sua ateno em uma organizao do setor de financeiro na sede brasileira, localizada na cidade de So Paulo, o BANCO REAL.

  • 181.6.3 Terica

    A pesquisa concentra-se no estudo das questes relativas aplicao de contedos e solues de aprendizagem destinados capacitao do empregado na empresa, sem incluir outros aspectos da gesto de pessoas.

    1.7 RELEVNCIA

    O presente estudo se prope a entender e identificar quais so as prticas utilizadas por uma empresa para elaborar contedos de aprendizagem com o objetivo de capacitar e desenvolver seus empregados. Buscar, portanto, contribuir com as empresas que necessitam adequar a sua estrutura de capacitao e desenvolvimento baseada no conceito, modelo e prtica de competncia e aprendizagem organizacional.

    Quanto relevncia acadmica sobre o assunto, o estudo poder contribuir para explorar, em termos tericos, as abordagens e os conceitos relativos competncia e aprendizagem organizacional, alm de apresentar se esses conceitos so articulados para gerar contedos de aprendizagem destinados capacitao e desenvolvimento dos empregados e como se d essa articulao.

  • 192. REFERENCIAL TERICO

    2.1 COMPETNCIA: A NOO TERICA

    O tema competncia vem sendo analisado em diversos nveis de entendimento e aplicao. Fleury e Fleury (2001) apresentam uma perspectiva histrica sobre o conceito com o objetivo de recuperar o debate terico a respeito da noo de competncia, explicitando os seus vrios nveis de compreenso, relacionando-o estratgia e aos processos de aprendizagem organizacional. Essa perspectiva apresentada a partir da literatura norte americana e europia.

    Segundo Fleury e Fleury (2001) com McClelland (1973) que se inicia o debate sobre competncia, quando prope testar competncias e no inteligncia. Para McClelland e Spencer (1990, p. 6) o termo competncia " uma caracterstica subjacente a uma pessoa que leva a um desempenho superior na realizao de uma tarefa ou em determinada situao.

    Boyatzis (1982), reanalisando dados de estudos desenvolvidos sobre competncias gerenciais, identificou um conjunto de caractersticas e traos que definem um desempenho superior. Tanto os trabalhos de McClelland quanto os de Boyatzis influenciaram fortemente a literatura norte-americana a respeito do tema, o que pode ser constatado no trabalho de Spencer e Spencer (1993).

    Na perspectiva norte-americana, o conceito de competncias percebido como estoques de recursos que o indivduo detm. O conceito pensado como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, considerado em funo do alto desempenho. Embora essa perspectiva tenha como foco de anlise o indivduo, a maioria dos autores norte-americanos mostra a importncia de se alinhar as competncias s necessidades estabelecidas pelos cargos, ou posies existentes na organizao. De acordo com a anlise de Fleury e Fleury (2001, p. 185) sobre a posio norte-americana, a gesto por competncia apenas um rtulo mais moderno para administrar uma realidade organizacional ainda fundada nos princpios do taylorismo-fordismo.

    Ainda com base em Fleury e Fleury (2001), o debate francs sobre competncias nasce nos anos 70, do questionamento sobre o conceito de

  • 20qualificao e do processo de formao profissional, principalmente a formao tcnica. Os franceses, insatisfeitos com o descompasso observado entre a formao educacional e as necessidades do mundo do trabalho, procuravam aproximar o ensino das necessidades das empresas, com o objetivo de aumentar a capacitao dos trabalhadores e, consequentemente, suas chances de se empregarem. Nessa poca, a busca era estabelecer a relao entre competncias e os saberes, ou seja, os conhecimentos adquiridos com a formao educacional e experincias adquiridas com o trabalho. Quando o conceito de competncia migra do campo educacional para outras reas, como o campo das relaes trabalhistas, com o objetivo de se avaliarem as qualificaes necessrias ao posto de trabalho, nasce o inventrio de competncias, ou seja, uma lista das qualificaes necessrias para a realizao de determinado trabalho.

    Porm, nos anos 80 e 90, de acordo com Kergoat (2005), que a discusso sobre a noo de competncias tem sua maior expresso na Frana: nos anos 80 em documentos oficiais sobre o sistema educacional; e nos anos 90, no contexto da empresa. A crise do emprego; a procura de novos modelos de produo; a diminuio do grau de sindicalizao, assim como a institucionalizao da formao contnua e a questo da qualidade da educao, se tornam s razes da discusso da noo de competncias. A idia de que a transmisso dos conhecimentos no mais monoplio do ensino oficial leva criao de estgios em empresas, de bacharelados profissionais alm das formaes alternativas, fato observado na introduo da aprendizagem em grandes empresas. Desta forma o termo competncia passa a ter a preferncia em lugar das noes de qualificao no mundo do trabalho e dos saberes disciplinares (conjunto de conhecimentos construdos ou em construo) no campo da educao.

    Tal observao pode ser verificada pela obra de Zarifian (2001), que, nos anos 90, traz para a literatura francesa o conceito de competncia que procurava ir alm do conceito de qualificao. O autor foca trs mudanas de conceitos no mundo do trabalho, que justificam a emergncia do modelo de competncias para a gesto das organizaes. Para Zarifian, as trs mutaes so:

    Evento: alguma coisa que sobrevm de maneira parcialmente imprevista, no programada, mas de importncia para o sucesso da atividade produtiva. em torno desses eventos que se recolocam as intervenes humanas mais complexas e mais importantes (ZARIFIAN, 2001, p. 41).

  • 21 Comunicao: comunicar , principalmente, construir um entendimento

    recproco e bases de compromisso que sero a garantia do sucesso das aes desenvolvidas em conjunto; [...] entender os problemas e as obrigaes dos outros; [...] entender a si mesmo; [...] compartilhar normas mnimas de justia e reconhecer o direito de cada um ter acesso informao que conta para o exerccio de seu trabalho profissional (ZARIFIAN, 2001, p. 45- 46).

    Servio: o que efetivamente proporcionado a um cliente-usurio, aquilo que realmente modifica seu estado ou sua atividade e, logo, indiretamente, aquilo que transforma seu modo de vida. o que justifica a sobrevivncia de uma organizao e, consequentemente, o emprego dos que a trabalham (ZARIFIAN, 2001, p. 50).

    Fleury e Fleury (2001) apontam, que no Brasil, este debate emerge na discusso acadmica, fundamentado inicialmente na literatura norte-americana, a competncia como input, algo que o indivduo possui. E depois com a introduo dos autores franceses como Le Boterf e Zarifian e os autores ingleses como Jacques (1990) e seus seguidores, que contribuem para o enriquecimento conceitual e emprico, gerando novas perspectivas e enfoques.

    Zarifian (2001) considera o conceito de competncia como o entendimento prtico que se apoia em conhecimentos adquiridos e que se transformam. Para ele, quanto maior for a adversidade das situaes, mais intensamente os conhecimentos sero modificados.

    Le Boterf (2003) apresenta o conceito de competncia como um saber agir responsvel que reconhecido pelos outros. Envolve saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades, num contexto profissional. Assim, o tema competncia abordado no apenas como um estoque de conhecimentos tericos e empricos detido pelo indivduo e limitado tarefa.

    Para o autor, o aumento da complexidade nas situaes de trabalho acarreta consequncias prticas no perfil profissional. O que se pede que se saiba administrar tal complexidade. Por exemplo: "[...] no se pede mais ao operador que faa concertos, mas que saiba administrar panes, acontecimentos, contingncias e processos. [...] ele deve criar, reconstruir e inovar" (Le BOTERF, 2003, p. 37).

    Le Boterf (2003) distingue as noes de complexidade e de dificuldade. Para ele:

    a complexidade remete s caractersticas objetivas de uma situao ou de um problema. O nvel de complexidade se impe aos sujeitos. A dificuldade se refere s capacidades do sujeito para enfrentar uma situao, que estar relacionada com os recursos de que dispe um sujeito e com sua capacidade de mobiliz-los em aes pertinentes. (Le BOTERF, 2003, p. 38).

  • 22Assim, de acordo com o autor, cabe ao profissional "saber administrar".

    Esse "saber" apresentado como: Saber agir com pertinncia; Saber mobilizar saberes e conhecimentos em um contexto

    profissional; Saber integrar ou combinar saberes mltiplos e heterogneos; Saber transpor; Saber aprender e aprender a aprender; Saber envolver-se. Os saberes encontram-se demonstrados no quadro 01, que prope um

    resumo das principais caractersticas do profissional que sabe administrar uma situao profissional complexa: Quadro 01: O perfil do profissional

    Saber agir e reagir com pertinncia

    Saber o que fazer; saber ir alm do prescrito; saber escolher na urgncia; saber arbitrar, negociar, decidir; saber encadear aes de acordo com uma finalidade.

    Saber combinar recursos e mobiliz-los

    em um contexto

    Saber construir competncias a partir de recursos; saber tirar partido no somente de seus recursos incorporados, mas tambm dos recursos do seu meio.

    O profissional: aquele que

    sabe administrar uma

    situao complexa

    Saber transpor

    Saber memorizar mltiplas situaes e solues; saber distanciar-se, funcionar em dupla direo; saber utilizar seus metaconhecimentos para modelizar; saber determinar e interpretar indicadores de contexto; saber criar as condies de transponibilidade com o auxlio de recursos transferveis.

    Saber aprender e aprender a aprender

    Saber tirar as lies da experincia; saber transformar sua ao em experincia; saber descrever como se aprende; saber agir em circuito duplo de aprendizagem.

    Saber envolver-se

    Saber envolver sua subjetividade; saber assumir riscos; saber empreender; tica profissional.

    Fonte: Le Boterf, 2003, p.92

  • 23J Fleury e Fleury (2001) definem competncias como:

    [...] um saber agir responsvel e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades, que agreguem valor econmico organizao e valor social ao indivduo (FLEURY e FLEURY, 2001, p.188).

    Desta forma, os autores, rebatem a discusso das competncias do indivduo para as competncias das organizaes, e propem a noo da empresa como carteira de competncias. Esse aspecto do conceito de competncia de Fleury e Fleury baseado em Prahalad e Hamel (2005): as competncias devem responder a trs critrios: oferecer reais benefcios aos consumidores, ser difcil de imitar e prover acesso a diferentes mercados.

    Dutra (2002) faz uma anlise sobre o conceito a partir da concepo dos autores McClelland, Boyatzis, Parry, LeBoterf e Zarifian, e agrega ao conceito a capacidade de entrega da pessoa, sem deixar de considerar o conjunto de qualificaes que esta possui. O termo entrega adotado pelo autor implica um saber agir responsvel e reconhecido, que gera resultados e, consequentemente, agrega valor para a organizao. O autor observa que as pessoas podem efetuar a mesma entrega de formas diferentes. Enquanto uma pessoa entrega o que a empresa necessita utilizando sua qualificao de relacionamento, mesmo que sua capacidade tcnica seja mediana, outra pessoa pode fazer a mesma entrega utilizando sua qualificao tcnica, embora sua qualificao na relao interpessoal seja mdia. Observa-se que a diferena do modo de entregas estabelecida pelo autor consiste no grau de proficincia que cada pessoa apresenta em relao a competncias diferentes: enquanto uma pessoa apresenta a competncia de relacionamento com maior destaque a outra pessoa apresenta a competncia conhecimento tcnico.

    O conceito de competncia pode ser atribudo a diferentes atores: de um lado a organizao, que possui um conjunto de competncias que pode ser definido como as caractersticas de seu patrimnio de conhecimentos que lhe conferem vantagens competitivas no contexto onde se insere; e de outro lado a capacidade da pessoa de agregar valor ao patrimnio de conhecimentos da organizao (DUTRA, 2002, p.22-23).

    Esse autor conclui explicando que quando se coloca a organizao e pessoas lado a lado, verifica-se um processo contnuo de troca de competncias:

  • 24[...] a organizao transfere seu patrimnio de conhecimentos para as pessoas, enriquecendo-as e preparando-as para enfrentar novas situaes profissionais e pessoais, quer na organizao, quer fora dela. As pessoas, ao desenvolverem sua capacidade individual, transferem para a organizao seu aprendizado, capacitando a organizao para enfrentar novos desafios. Esse processo, que natural em qualquer comunidade, pode ser gerenciado e potencializado com efeitos benficos para a organizao e para as pessoas (DUTRA, 2002, p. 23).

    Barbosa (2003) tambm contribuiu para a discusso de competncias partindo de trs dimenses que defende serem interconectadas e indissociveis. A primeira dimenso, de natureza histrica, situa o contexto produtivo, em que as tendncias contemporneas de maximizao do resultado por parte das organizaes, aliadas intensificao do trabalho, conduzem a um patamar que tem na adoo do conceito de competncias um mecanismo de entendimento.

    Na segunda dimenso, de natureza conceitual, o autor demonstra a existncia de diferentes definies e entendimentos para o termo competncias, dentro de uma abordagem descritiva e comparativa. Para ele, a existncia de diferentes definies e entendimentos sugere elementos para reflexo, particularmente, quanto aplicabilidade do conceito de competncia no contexto das organizaes.

    Na terceira dimenso, o autor analisa a prtica das competncias em organizaes brasileiras. Dentro dessa dimenso foram pesquisadas empresas que adotam o modelo de competncias. A anlise do autor conclui que o modelo de competncias desenvolvido de acordo com as particularidades de cada empresa estudada, o que garante o fortalecimento de uma capacitao baseada nas particularidades e especificidades de cada experincia, fato que, primeira vista, parece bvio, mas que provoca a perda de unidade conceitual e, consequentemente, impede a construo de um modelo de competncias que contribua para o campo do trabalho. Esse fato sugere uma reflexo sobre a eventual utilizao dos modelos de competncias como ferramentas que no atuam com o objetivo de facilitar a insero do indivduo no espao produtivo e organizacional. Por fim, Barbosa (2003) levanta a discusso sobre a articulao de polticas pblicas de educao e trabalho como pontos de referncias s prticas organizacionais.

    Barbosa e Rodrigues (2006) observam que diversos so os significados atribudos na literatura sobre o conceito de competncias. Alegam que, num esforo de recenseamento sobre o significado do conceito, observado que o emprego do

  • 25termo com nada menos que duas dezenas de diferentes conotaes e nfases. Os autores, na realizao do balano desse extenso rol de significados, associam o conceito a aspectos mltiplos e variados do mundo do trabalho, da educao, da gerncia e da gesto de pessoas.

    O conceito de competncia, conforme descrito acima, apresenta uma diversidade conceitual, leva a multiplicidade de abordagens e perspectivas, as quais apontam que o atual estado da arte do conceito competncia:

    [...] evidencia que a noo de competncia ainda encontra-se em construo e tem sido amplamente submetida a uma ao operacional no mbito das empresas, com diferentes resultados e impactos. E com uma gama variada de interpretaes quanto ao seu escopo. [...] avanos efetivos nessa rea que ultrapassem as fronteiras dos estudos em seus campos originais somente sero possveis com a disponibilidade de mtodos, tcnicas e ferramentas apropriadas (BARBOSA e RODRIGUES, 2006, p. 28-29).

    Garcia e Vieira (2004) abordam o tema competncia a partir da perspectiva das mudanas no sistema de gesto de pessoas em organizaes, guiadas pela gesto do conhecimento e competncias. Os autores descrevem e analisam as novas formas e os novos contedos dos processos de seleo e formao dos trabalhadores, em uma organizao do setor automotivo que investe no desenvolvimento das habilidades e dos conhecimentos dos profissionais, a fim de mant-los articulados com as mais recentes inovaes microeletrnicas.

    Observam que no h unanimidade quanto definio de competncias, o termo utilizado com diversos sentidos em diferentes contextos. Destacam duas linhas principais, ambas europias: a escola francesa, com nfase na vinculao entre trabalho e educao, considerando que as competncias so resultados da educao sistemtica; e a escola anglo-sax, em que define competncia tomando como referncia o mercado de trabalho. A nfase desta escola est relacionada aos fatores ou aspectos ligados descrio de desempenhos requeridos pelas organizaes produtivas. nfase tambm observada na escola norte-americana.

    Nas observaes de Garcia e Viera (2004), os modelos de gesto de competncias introduzidos no Brasil, desde os anos 90, nem sempre apresentam resultados positivos. Para eles, as organizaes demoram a conseguir estabelecer uma administrao profissionalizada a respeito capaz de investir na aplicao do potencial humano, pois muitas vezes focam exageradamente a reduo de custos.

  • 26As consequncias so pessoas subaproveitadas e submetidas a injustias salariais. Sendo assim, eles recomendam que:

    [...] preciso atentar para a totalidade humana. Uma perspectiva reducionista da gesto de pessoas na gesto de competncias corre o risco de dar prioridade ao atendimento dos interesses e necessidades empresariais, podendo, pois, se tornar instrumentalizante e tecnicista. (GARCIA e VIEIRA, 2004, p. 8)

    2.2 GESTO DE COMPETNCIA E GESTO DE PESSOAS

    Considerando as abordagens apresentadas sobre a noo terica das competncias percebe-se que essas demonstram um vnculo forte com a gesto de pessoas. Desta forma pretende-se, na presente seo, explicitar alguns dos significados associados ao conceito e modelo de gesto de competncias aos aspectos da gesto de pessoas.

    Santos (2001) apresenta consideraes sobre o surgimento e as perspectivas para insero da gesto de competncias na gesto de recursos humanos (GRH). Abaixo algumas das suas concluses sobre o modelo de competncias:

    a gesto de competncias refora as perspectivas da atual GRH, trazendo propostas tericas revolucionrias, porm ainda sem consenso efetivo;

    o carter holstico do conceito de competncias leva em conta a psicologia e o indivduo em seu todo, beneficiando, assim, as estratgias de GRH adotadas, principalmente as relacionadas com seleo de pessoal, formao, avaliao do desempenho e a remunerao no trabalho;

    para conceituar competncias necessrio pressuposto terico-metodolgico que torne funcional ou operativa sua significao;

    para a determinao de competncias, das caractersticas ou dimenses compreendidas por elas, faz-se necessrio a interveno de especialistas com prvia formao na gesto de competncias.

    A partir de diagnstico e trabalhos de consultoria realizados, Fleury e Fleury (2001) observam mudanas nas prticas de gesto de pessoas,

  • 27principalmente com a disseminao de novos conceitos, como o de competncias, alm das novas tendncias como, por exemplo, a nfase dada a novos desenhos organizacionais, que propiciam maior integrao e comunicao. Os autores citam, ainda, outros aspectos que denotam tais mudanas entre eles: a valorizao de competncias direcionadas inovao de produtos, processos e servios; uma atuao mais relevante de Recursos Humanos na definio das estratgias do negcio e no estabelecimento de polticas e prticas mais modernas e aderentes ao processo de atrair, reter e desenvolver as pessoas. Outro fato observado pelos autores diz respeito ao deslocamento do foco de anlise de gesto do cargo para o indivduo.

    Para esses autores, a tendncia s mudanas nas prticas de gesto de pessoas tem sido verificada no s em empresas norte-americanas e europias, mas tambm nas empresas brasileiras. Os autores ressaltam que:

    [...] nos tradicionais processos de recrutamento e seleo, novos instrumentos, novas tcnicas vm sendo empregados, visando identificar pessoas com potencial de crescimento, flexibilidade para enfrentar incidentes crticos e as novas demandas da empresa, pensamento estratgico. Os processos de treinamento e desenvolvimento assumem novos contornos, criando-se, inclusive em algumas empresas o conceito de universidade corporativa; o ponto chave desse conceito que todo o processo de desenvolvimento das pessoas deve estar alinhado definio das estratgias de negcio e competncias essenciais da organizao. E, por fim, em termos do sistema de remunerao, algumas empresas comeam a desenvolver modelos prprios, estabelecendo os nveis de competncias e a compensao condizente com cada nvel (FLEURY e FLEURY, 2001, p.65).

    Kilimnik et al. (2004) investigam sobre o tema considerando o aspecto da modernidade organizacional, trabalham a partir das observaes realizadas em uma pesquisa com ps-graduandos e ps-graduados sobre a percepo do grau de modernidade das polticas de gesto das organizaes em que atuam.

    Como abordagem terica, adotam as referncias de Eboli (1996) sobre modernidade organizacional e Sant`Anna (2002) sobre competncias. No estudo constatam a fraca correlao do conjunto de competncias avaliadas com o grau de modernidade organizacional do ponto de vista dos participantes da pesquisa, o que indica que a exigncia por profissionais dotados de competncias cada vez mais abrangentes no tem sido acompanhada por uma modernidade de polticas e prticas organizacionais.

  • 28Outro aspecto observado pelos autores sobre o estudo e que confirma o

    acima citado, diz respeito questo das configuraes organizacionais com traos de centralizao e tradicionalismo, quando do estabelecimento de climas internos favorveis ao processo de aprendizagem contnuo, bem como do estabelecimento de ambientes que facilitem o trabalho em equipe e encorajem iniciativas de ao e deciso. Esse aspecto e o baixo grau de modernidade verificado junto dimenso poltica de gesto de pessoas vo ao encontro das teses defendidas em que a modernizao em voga no pas compreende um processo que, ainda hoje, pode ser definido como de modernizao conservadora (KILIMNIK et al., 2004, p. 20).

    Kilimnik et al. (2005) apresentam um outro estudo de diagnstico comparativo, em que abordam a questo da modernidade organizacional relacionada s competncias individuais e satisfao no trabalho. As concluses dos autores sobre o estudo, basicamente, so semelhantes ao estudo anterior realizado em 2004. Porm, vale citar a observao desse estudo realizado em 2005, a respeito da consistncia entre a demanda das organizaes por um amplo leque de competncias em grau mais elevado do que o constatado em relao modernidade de polticas e prticas de gesto adotadas. Os autores, nesta ltima pesquisa, constatam que se encontram mais presentes s ocorrncias de movimentos favorveis ao desenvolvimento de climas organizacionais, que estimulem importantes aspectos da modernidade, tais como o trabalho em equipe e a iniciativa de ao e deciso. A expectativa dos autores que esses movimentos resultem em massa crtica indispensvel a um salto qualitativo na direo de uma efetiva modernidade organizacional, capaz de propiciar ambientes de trabalho mais satisfatrios para um maior nmero de trabalhadores.

    Deluiz (2001) apresenta que a adoo do modelo das competncias no campo do trabalho est estruturada baseada nas caractersticas de flexibilidade; transferibilidade; polivalncia e empregabilidade. E enfatiza que, para o capital, a gesto por competncias implica ter trabalhadores flexveis para lidar com as mudanas no processo produtivo, enfrentar imprevistos (incidentes/eventos) e passveis de serem transferidos de uma funo a outra dentro da empresa requerendo-se, para tanto, a polivalncia e a constante atualizao de suas competncias, o que, de acordo com essa autora, d ao trabalhador a medida correta de sua empregabilidade. Contudo, salienta que as possibilidades de construo de competncias de ampliao dos nveis de qualificao; de real

  • 29autonomia de concepo e deciso; de participao e de exerccio da subjetividade e da intersubjetividade no trabalho, no esto dadas no modelo de gesto por competncias. Essa autora afirma ainda, que as competncias dos trabalhadores estaro condicionadas pelas relaes de fora e poder estabelecidas entre o capital, por meio das estratgias da gerncia de controle da mo-de-obra e extrao da mais-valia. A forma como a lgica das competncias vai se implantar nos espaos de trabalho depender da capacidade de os trabalhadores, atravs de sua organizao e mobilizao, instituir mecanismos que garantam a materializao de seus interesses.

    Tanto Fischer (1998) quanto Kilimnik e Sant Anna (2006) apontam que em pesquisa realizada com profissionais da rea de recursos humanos e estudos de casos em empresas brasileiras se constataram movimentos de mudana nas polticas e prticas de gesto de pessoas, principalmente nos processos de captao, desenvolvimento e remunerao, como a procura por profissionais de elevado nvel educacional; a introduo de prticas organizacionais estimuladoras ao autodesenvolvimento; e a busca de novos mecanismos de remunerao varivel e remunerao por competncias.

    Contudo Kilimnik e Sant Anna (2006) observam que pesquisadores como Fleury e Fleury, Fischer e Dutra revelam-se cautelosos em relao possibilidade de generalizao das transformaes observadas em gesto de pessoas, considerando o universo de organizaes brasileiras, as quais, em sua grande maioria, ainda se defrontam com modelos tradicionais de gesto. Isso pode ser observado em pesquisa realizada por Kilimnik (2000), que constatou que em 79% das organizaes-alvo do estudo, prevaleciam modelos tradicionais de gesto de recursos humanos. Porm, vale ressaltar que essa autora, em anlise mais detalhada dos dados, observa que parte significativa dessas empresas j iniciavam uma configurao mais intermediria, na qual so incorporados alguns traos de modernidade. No entanto, a questo :

    [...] se esses resultados espelham uma fase de transio que culminar com uma configurao, de fato, mais moderna ou se esse deslocamento representa apenas uma soluo intermediria que visa preservar vantagens dos modelos tradicionais, minimizando, porm, ameaas a mudanas mais radicais (KILIMNIK, 2000, p. 89).

    Eboli (2001) aponta que mudanas significativas sero necessrias no comportamento das organizaes para que ocorra um salto na direo da

  • 30modernidade da gesto de recursos humanos. Para isso ser necessrio que estruturas verticalizadas e centralizadas cedam espao estruturas horizontais e descentralizadas. A rgida diviso entre trabalho mental e manual dever ser eliminada, tarefas fragmentadas e padronizadas devero tornar-se integrais e complexas, o que exigir em todos os nveis da organizao, pessoas com capacidade de pensar e executar mltiplas tarefas. Alm do fato da essencialidade do alinhamento entre competncias empresariais e humanas, o que pressupe mudanas profundas na estrutura; nos sistemas, em especial nos sistemas de comunicao e tomada de deciso; nas polticas e prticas de gesto de pessoas, mas principalmente, na mentalidade, nos valores e na cultura organizacionais.

    2.3 COMPETNCIA E VANTAGEM COMPETITIVA

    Fleury e Fleury (2004) apresentam a abordagem sobre o crculo virtuoso e a relao entre competncias organizacionais e estratgias competitivas nas empresas, explicando como essa abordagem contribui para a construo de um modelo que relaciona competncias e estratgia organizacional, conforme ilustrado na figura 01. Tal modelo apresenta a dinmica entre os diversos nveis de competncias que se formam na organizao e que podem ser explicados da seguinte maneira:

    [...] em um nvel mais geral as competncias organizacionais, que se formam nas unidades e funes; destas, algumas so consideradas competncias essenciais e so bsicas quando da elaborao da estratgia competitiva; as competncias essenciais produzem atributos que constituem as competncias distintivas percebidas pelos clientes. Essas competncias so formadas a partir da combinao de recursos da organizao e de competncias individuais [...] a aprendizagem, intrnseca a esse processo, cria novas competncias individuais em um crculo virtuoso (FLEURY e FLEURY, 2004, p. 49).

  • 31Fig. 01 Crculo Virtuoso: Estratgia, competncias organizacionais e competncias individuais

    Fonte: Fleury e Fleury, 2004, p. 50

    Assim, com base, ainda, nas abordagens de recursos da firma, das competncias essenciais de Prahalad e Hamel e da estratgia competitiva de Porter, Fleury e Fleury (2004) avanam na discusso conceitual sobre competncias essenciais, organizacionais e individuais, todas relacionadas definio de estratgia organizacional.

    Fleury e Silva (2005) apresentam o conceito de capacidades dinmicas elaborado por Teece, Pisano e Shuen (1997), que se referem s capacidades de alto nvel que tm efeito especfico de reorganizar as competncias mais rotineiras de uma organizao. Tal abordagem privilegia o desenvolvimento de capacidades de gesto e combinaes de habilidades funcionais e tcnicas difceis de imitar. O termo dinmicas refere-se capacidade de renovar competncias em consonncia com as alteraes do ambiente de negcios. O termo capacidades enfatiza o papel-chave da gesto estratgica, qual seja, o de adaptar, integrar e reconfigurar apropriadamente as competncias pessoais especficas (skills), os recursos e as competncias funcionais internas e externas da organizao, de forma a atingir os resultados desejados.

    Ainda, na esfera da competncia como geradora de vantagem competitiva, Fowler et al. (2002) apresentam um mtodo que possibilita empresa identificar e avaliar suas competncias, alm de promover a conscientizao e incentivar discusses a respeito. De acordo com esses autores, o mesmo estudo fornece diretrizes com o objetivo de auxiliar os executivos e gerentes de nvel intermedirio a utilizar competncias como ferramentas na gerao de lucro e vantagem competitiva.

    Estratgia

    Aprendizagem

    Competncias essenciais e

    Competncias organizacionais

    Aprendizagem

    Competncias individuais

  • 32Antes de apresentar resumidamente o mtodo, vale apontar que os

    autores afirmam que as competncias combinam conhecimento e habilidade; representam tanto a base de conhecimentos tcitos quanto o conjunto de habilidades, necessrios para a realizao de aes produtivas (FOWLER et al., 2002, p. 37).

    O mtodo desenvolvido por esses autores sugere quatro aspectos: o carter tcito, a robustez, a fixao e o consenso, para auxiliar a determinar o valor de uma competncia como fonte de vantagem competitiva sustentvel, a saber:

    carter tcito: reflete at que ponto uma competncia est baseada em um conhecimento que resiste codificao e divulgao;

    robustez: caracteriza a suscetibilidade de uma competncia s mudanas no ambiente;

    fixao: relativa a impossibilidade da competncia ser transferida para outra empresa;

    consenso: reflete o entendimento compartilhado ou as percepes comuns dentro de um grupo.

    Alegam, ainda, que, ao analisar esses aspectos, os gerentes podem obter uma viso adequada da fora das competncias existentes na empresa e identificar pontos de vulnerabilidade dessas competncias. Outro aspecto apontado diz respeito essencialidade da perspectiva do gerente de nvel intermedirio. Justificam esse aspecto alegando que as experincias desses gerentes, em decises relacionadas implementao e seus resultados, constituem excelente base para a avaliao das competncias.

    Leite e Porsse (2003) apresentam suas consideraes a partir da teoria da competio baseada em competncias, que prope combinar duas perspectivas da teoria estratgica: a escola de posicionamento estratgico e a teoria baseada em recursos. Esta ltima reconhece os nveis de incertezas que envolvem a mudana estratgica, assim como a importncia dos processos de criao de conhecimento e aprendizagem organizacional. Os autores sugerem uma proposta pedaggica construtivista, com foco na andragogia, para a eficcia dos processos de criao de conhecimento e da aprendizagem organizacional. A idia central do estudo associar os conceitos de criao de conhecimento e aprendizagem organizacional para a conquista da vantagem competitiva.

  • 33Carvalho e Rabechini (2003) tratam do tema competncia sob o ponto de

    vista do perfil de profissionais em equipes de projeto, considerando a importncia dos projetos para a viabilizao de negcios para as empresas que buscam uma vantagem competitiva pela inovao. Desta forma, os autores justificam que gerar competncias na formao de equipes de trabalho de fundamental importncia, alm da questo de administrar mltiplas funes em diferentes perspectivas.

    A anlise de Carvalho e Rabechini (2003) pauta-se nos aspectos relacionados formao de competncias em equipes de projetos, levando em conta duas orientaes: na tarefa focada em resultado e nas pessoas; para tanto, analisaram esses dois clusters de indicadores (tarefas e pessoas), balizados pelo ciclo de maturidade organizacional dos projetos.

    As concluses dos autores acerca do estudo so: indicadores mais fortemente percebidos, do lado pessoal, so os que

    se referem motivao da equipe em buscar resultados e o empenho em fazer interface externa com a corporao e os interessados (stakeholders);

    indicadores menos relevantes, do lado das tarefas, referem-se ao objetivo e resultado claro que o projeto deve atingir.

    Esses autores, ao comparar os indicadores de tarefa com os de carter pessoal, constatam que as equipes, embora se motivem em buscar resultados, tornam essa busca ineficaz, em funo da falta de visibilidade dos objetivos relativos ao projeto. Tal descompasso compromete a motivao das equipes, bem como a eficcia dos projetos.

    Outra constatao referente s questes ligadas eficincia nos projetos que no apresentaram bom desempenho, em especial, as relacionadas aos custos e prazos, e as relativas elaborao de tendncias e cenrios. De acordo, ainda, com esses autores, isso ocorre em funo de no existir uma preocupao sistemtica com o planejamento e controle, tpicos das fases mais avanadas do modelo de maturidade organizacional dos projetos. Junto com este fato, destacam a tmida preocupao com a formao de competncias em gesto de projetos e com o autodesenvolvimento, aliados falta de integrao interna, itens necessrios para se atingir o ciclo de maturidade organizacional dos mesmos.

  • 34Bitencourt e Moura (2006) apresentam uma anlise sobre as articulaes

    entre as estratgias e o desenvolvimento de competncias gerenciais, verificando como ocorre a aprendizagem organizacional. Entendem que o fato da empresa estabelecer aes estratgicas em funo das suas competncias transforma essa prtica em fora motriz da gesto organizacional. Segundo as autoras a questo estratgica est diretamente vinculada ao diagnstico das competncias da empresa, tendo desdobramento na gesto dos processos internos (BITENCOURT e MOURA, 2006, p. 2). Para elas, a estratgia se v condicionada pela dependncia de trajetria na medida em que a tecnologia, a aprendizagem e as experincias so prprias de cada empresa.

    Marcondes e Pires (2004) abordam a questo sob competncias essenciais como elemento fundamental na busca pela melhoria da competitividade no setor bancrio. Os autores apresentam as seguintes constataes:

    o conhecimento no objeto de gesto e a nfase dada manipulao de dados sobre os clientes, sem considerarem as oportunidades efetivas de aprendizado;

    a inovao no se configura como essencial para a sobrevivncia dos bancos estudados, pois no vista como vantagem competitiva sustentvel, considerando que as prticas de imitao so corriqueiras;

    as competncias essenciais so um conceito claro para os executivos entrevistados, mas eles no tm clareza quanto a como conect-las com as competncias individuais, alm do que so favorveis mais sua aquisio externa do que ao desenvolvimento delas internamente.

    Ruas (2005) aborda, a questo da gesto por competncias como contribuio estratgia das organizaes e observa que, na instncia corporativa e sob a forma de competncia coletiva, a competncia organizacional associada aos elementos da estratgia competitiva da organizao: viso, misso e inteno estratgica, conforme ilustrado na figura 02. O autor coloca que a noo de competncia organizacional muito menos difundida e conhecida do que a dimenso individual de competncia e que aquela noo passou a ser mais explorada a partir da difuso do conceito de core competence abordado por

  • 35Prahalad e Hamel nos anos 90, em que representa uma espcie de contraponto s ideais que sustentam o planejamento estratgico com base no posicionamento no ambiente.

    No entendimento de Ruas (2005), Prahalad e Hamel defendem a perspectiva de que a concepo de uma estratgia competitiva no pode prescindir da anlise das capacidades dinmicas internas organizao. Entendem que as capacidades dinmicas internas organizao podem constituir a base de ao estratgica externa.

    Fig. 02 Configuraes organizacionais da noo de competncias

    Fonte: Ruas, 2005, p. 45

    a partir dessa lgica que Prahalad e Hamel (1990) desenvolvem o conceito de core competence, construdo com base na observao das experincias e desempenhos excepcionais de algumas empresas poca (Sony, Fedex, Cannon, Honda, Wal Mart). De acordo com Ruas (2005) esse conceito expresso como o: conjunto de habilidades e tecnologias que resultam por aportar um diferencial fundamental para a competitividade da empresa (RUAS, 2005, p. 43). A partir de sua difuso, o conceito de core competence passa a constituir a principal referncia da noo de competncia no mbito das organizaes. O autor completa seu raciocnio alegando, que a core competence : [...] um tipo especfico de

    Competncias Individuais/ gerenciais

    Competncias funcionais

    (grupos/reas)

    Misso

    Viso

    Inteno estratgica

  • 36competncia organizacional bastante raro e que propicia um amplo diferencial competitivo (RUAS, 2005, p. 43).

    O conceito de core competence aporta um instrumental bastante oportuno para o caso das empresas que pretendem fortalecer sua competitividade por meio do desenvolvimento de certas capacidades ou competncias e refora a idia de que o desempenho eficaz depende de capacidades/competncias consistentes e presentes no mbito da organizao (RUAS, 2005). Desta forma, o autor, refora o conceito de Prahalad e Hamel, que para se constituir em core competence, uma competncia organizacional deve satisfazer a trs critrios de validao:

    deve contribuir decisivamente para o valor agregado aos produtos e servios que so percebidos pelos clientes da empresa, seja em termos de preo, qualidade, disponibilidade ou ainda seletividade;

    deve oferecer acesso potencial a uma ampla variedade de mercados, negcios e produtos;

    finalmente, deve ser de difcil imitao, o que prorrogaria a vantagem da empresa por um tempo maior (RUAS, 2005, p. 43).

    Contudo Ruas (2005) observa que, quando se trata de aplicar essa noo de forma mais abrangente, ou seja aplicando-a em ambientes menos extraordinrios do que os empregados por Prahalad e Hamel, as coisas no se constituem da forma como esses autores propem. Em suas observaes empricas, Ruas (2005) aponta, que a validao das core competences entre as empresas, denominadas por ele, de empresas comuns, torna-se um processo bastante problemtico, j que no se conseguiu em nenhum caso validar os trs critrios simultaneamente, em especial o terceiro. Por outro lado, o autor apresenta, que essas empresas tm sobrevivido de forma consistente em mercados instveis, e que as capacidades internas de algumas delas conduziram at mesmo gerao de diferenciaes importantes no mbito de mercados regionais ou nacionais. Desta forma, o desdobramento do conceito de core competence para o de competncia organizacional, considerado por Ruas como um conceito menos excludente, permitiu ao autor identificar, entre as empresas, competncias que podem ser classificadas como do tipo organizacional, pois transitam por todas as reas da empresa e contribuem, significativamente para a sobrevivncia, ou mesmo, para a diferenciao dessas empresas em seus mercados de atuao.

    Ruas (2005) apresenta, ainda, como resultado da sua pesquisa, a configurao dos nveis das competncias organizacionais, diferenciando-as em competncias organizacionais bsicas; competncias organizacionais seletivas e

  • 37competncias organizacionais essenciais (core competence), conforme demonstrado na figura 03. O autor observa tambm que esses nveis no significam um processo evolutivo no qual, de um tipo de competncia menos consistente se evolui necessariamente para outra mais consistente; ao contrrio, a relao entre elas tem mo dupla, o que significa que uma competncia organizacional seletiva pode vir a perder essa condio e tornar-se bsica em virtude das mudanas ocorridas no mercado ou das alteraes na prpria gesto interna da competncia em questo. O mesmo pode acontecer com uma competncia organizacional seletiva que passa a essencial. Segundo o autor, essa tipologia de competncias organizacionais serve para se avaliar o nvel de contribuio da competncia em questo para a competitividade da empresa, o que significa que uma mesma empresa pode apresentar simultaneamente esses trs tipos de competncias organizacionais.

    Fig. 03 Classificao de competncias organizacionais em diferentes nveis de competitividade a partir dos resultados empricos observados em empresas da regio Sul do Brasil

    Fonte: Ruas, 2005, p. 46

    Ruas (2005) ao fazer a anlise da dimenso individual das competncias aborda, que o deslocamento do eixo da competncia do cargo para o indivduo envolve em uma nova forma de manusear o conceito. Assim, observa o autor, o

    Competncias organizacionais

    bsicas:

    Contribuem decisivamente

    para a sobrevivncia da organizao no

    mdio prazo

    Competncias organizacionais

    seletivas:

    Diferenciam a organizao no

    espao de competio onde

    ela atua, contribuindo para uma posio de

    liderana, ou quase, nesse

    mercado.

    Competncias organizacionais essenciais - core

    competence: Diferenciam a

    organizao no espao de competio

    internacional, contribuindo para uma posio de

    pioneirismo nesse mercado.

    Excepcionais

    Sobrevivncia Diferenciadoras

  • 38significado de competncias adquiriu uma vida prpria no sentido de ser flexvel, dinmico e em constante transformao (RUAS, 2005, p. 169).

    Para o autor a apresentao da noo de competncias individuais a base da discusso sobre as competncias organizacionais. Embora a literatura identifique uma diviso clara entre a perspectiva individual e a perspectiva organizacional, percebe-se que as descobertas de uma perspectiva logo so apropriadas para o avano nas descobertas de outra. Assim, a noo de evento, de entrega e de complexidade, j definidas anteriormente no item 2.1, tornaram-se referncias bsicas, que explicam a transio de estoque de competncias para a de mobilizao de recursos, e, desta forma, apresentam-se como elementos que fundamentam a noo de competncias nas duas perspectivas.

    2.4 COMPETNCIA E AS ABORDAGENS DA ESCOLA FRANCESA NA PERSPECTIVA DE ZARIFIAN E LE BOTERF

    Zarifian (2001) estrutura sua abordagem sobre o comportamento aberto inovao a partir de trs lgicas, a saber: a da competncia; a de servio ou valor e a da ocupao, essa ltima no sentido da funo exercida pelo profissional no mbito da organizao e atrelada ao cargo; portanto, utiliza essa lgica para demonstrar a sua contraposio lgica da competncia.

    De acordo com esse autor, uma das asseres fortes da lgica da competncia que a mobilizao de competncias na atividade profissional geradora de valor econmico para a empresa e de valor social para a pessoa. O que diferencia a competncia de um trabalhador taylorizado que ela expressa uma autonomia de ao do indivduo, que pode acontecer em uma equipe de trabalho ou em uma rede de trabalho, que se engaja subjetiva e voluntariamente em virtude de suas iniciativas, na melhoria do valor produzido. O autor alega, ainda, que esse engajamento poder se manifestar em virtude da reatividade s demandas dos clientes, considerando a sensibilidade da pessoa em relao emergncia de novas necessidades em termos da melhoria do servio prestado.

    O autor considera que a lgica de servio se apoia em usos reais e, desta forma, confere poder de avaliao ao ofertante do servio. O que significa dizer que

  • 39esse poder atribui ao ofertante, no apenas condies sobre a capacidade de oferta, de inveno de solues inditas diante de diversas utilizaes possveis do servio, mas tambm o poder sobre a avaliao dessas utilizaes. Assim o autor conclui que:

    autonomia, de um lado, oferta de servio, do outro lado, so os dois plos que permitem articular mobilizao de competncias e produo de valor para clientes-usurios de maneira que rompe com a produo taylorista (ZARIFIAN, 2001, p. 98).

    Para Zarifian (2001), quanto mais simples, flexvel, inovador e em conexo direta com as tendncias emergentes se der o funcionamento de uma organizao, mais facilmente as oportunidades de valor podero ser percebidas e assim distinguir determinada organizao de outras.

    A reflexo sobre a relao entre competncias e criao de valor leva, de acordo com o autor, a avanar uma caracterstica central em relao competncia, que denominada por ele plasticidade das competncias. O autor entende por plasticidade das competncias a capacidade de se reformular em funo de oportunidades e de mudanas de situao profissional.

    Alega, ainda, que exatamente nesse aspecto que a lgica da competncia se afasta da lgica da ocupao em sua definio tradicional. Para o autor, enquanto que a ocupao no sentido tradicional sustentada por regras internas, difceis de serem modificadas, concebidas em um ambiente de mercado relativamente fechado, com ofertas de produtos estveis e dependentes do saber-fazer acumulado no decorrer de sua histria; a competncia distingue-se por sua capacidade de se recompor em funo de situaes novas; portanto, uma abordagem aberta da ocupao.

    Para ele a plasticidade pode ser desenvolvida apoiada em conhecimentos profundos relativos a reas tcnicas especficas, que exigem slidas capacidades de aprendizagem e de generalizao e em um comportamento aberto inovao. Assim, uma das caractersticas essenciais das competncias abertas sua sensibilidade s variaes de demanda dos clientes e ou s possibilidades das variaes tcnicas, que, em determinado momento, podem, ainda, no terem expresses significativas, mas que podero ter desenvolvimentos expressivos em um futuro prximo. Utiliza, como exemplo, as modificaes no modo de vida de uma populao que, em determinado momento, no tomaram visibilidade significativa,

  • 40mas que podem se desenvolver rapidamente, e, assim, ao ter clara essa percepo, a organizao poder antecipar-se a atender uma demanda que, ainda, no estava manifestada, fato esse, que possibilitar organizao destacar-se em seu mercado de atuao.

    Para Zarifian (2001, p. 101) as competncias esto, simultaneamente, a montante e a jusante desses movimentos de valorizao, e explica:

    a montante por sua sensibilidade, por sua plasticidade, sua abertura previso.

    a justante pela rapidez em se adaptar a uma situao nova, a fazer face a ela (ZARIFIAN, 2001, p. 101).

    Le Boterf (2003) apresenta que uma das caractersticas esperadas do profissional : saber mobilizar e combinar, de modo pertinente, um conjunto de recursos para administrar uma situao complexa (p.133). De acordo com o autor, para que isto ocorra so necessrios dois elementos-chave, as representaes operatrias das situaes ou dos problemas a tratar e a imagem que o profissional tem de si mesmo. Este ltimo elemento implica o profissional usar o conhecimento que ele tem do que sabe e saber fazer, definido pelo autor como os metaconhecimentos. Porm, para elaborar competncias pertinentes a partir dos recursos disponveis, o profissional no pode somente saber e querer agir, necessrio que ele possa agir.

    Vale aqui explicitar o entendimento do autor sobre recursos. Para ele, o profissional dispe de uma dupla instrumentalizao, a qual domina. Essa instrumentalizao constituda por recursos pessoais, que so os saberes, o saber-fazer, as aptides ou qualidades adquiridas por experincias. A outra instrumentalizao constituda por recursos do meio, que so as mquinas, as instalaes materiais, as informaes e as redes relacionais. Conclui que, embora a competncia se baseie na faculdade de usar essa dupla instrumentalizao, no se confunde com ela. A competncia a faculdade de usar essa instrumentalizao de maneira pertinente (LE BOTERF, 2003, p.93).

    Considerando que diversos so os conceitos que se interligam ao conceito de competncia de Le Boterf e dada a complexidade desses conceitos, a forma como so abordados pelo autor, e, ainda, a estreita ligao com o tema da presente pesquisa, percebeu-se a necessidade de se explicitar melhor alguns dos aspectos conceituais, que sero explorados nos prximos subitens. Nesses subitens, ser

  • 41apresentada a relao entre o conceito de competncia e os conceitos de: representao operatria; autoimagem; metaconhecimento; profissionalismo; bem como o modelo de formao e desenvolvimento de competncias proposto e denominado pelo autor de navegao profissional.

    2.4.1 Competncia e o conceito de representao operatria

    Para o autor, representao operatria significa elaborar uma representao funcional da situao e das prticas profissionais nas quais os profissionais devem intervir. O carter funcional da representao feita pelo profissional essencial, pois se trata da representao particular a respeito de um problema e de uma escolha de esquemas de ao para resolv-lo, o que significa dizer que a representao no visa nem exaustividade e nem mesmo exatido. Assim, a representao sempre uma reinterpretao, uma reconstruo do meio ou do estmulo. Para o autor, saber agir: mais saber escolher uma conduta e uma estratgia do que se moldar a uma resposta comportamental. O profissional, como todo sujeito, reage representao que tem de um estmulo, e no ao prprio estmulo (LE BOTERF, 2003, p. 134).

    Le Boterf (2003) considera, ainda, que as representaes operatrias podem tomar a forma de mapas cognitivos, ou seja, so esquemas que compreendem os conceitos e as relaes que os unem a um objetivo particular. Os conceitos podem ser considerados como variveis suscetveis a assumirem diferentes valores. As relaes estabelecidas entre os conceitos so relaes de causalidade, relaes de meios/fim, relaes condicionais.

    Outro aspecto importante sobre a representao operatria, de acordo com Le Boterf (2003), que esta constitui para o profissional um meio de agir sobre o seu prprio pensamento, representando-o e objetivando-o. Assim, o profissional pode ser visto como produtor de suas prprias competncias, uma vez que a representao funcional, vista pelo autor como verdadeiro teatro de operaes mentais, permite ao profissional exteriorizar o que se sabe e o que se sabe fazer, tomar conscincia disso e, consequentemente, criar, modificar ou fazer progredir o saber que possui e o saber-fazer.

  • 42Outra atribuio dada por Le Boterf (2003) em relao representao

    operatria que esta encontra-se no cerne dos processos de resoluo de problemas, fato que pode ser observado considerando quatro funes principais demonstradas por ele:

    funo cognitiva: representar para si uma situao para compreend-la. um mapa de navegao que permite representar para si, de maneira familiar, fenmenos no-familiares. A representao permite ganhar em inteligibilidade da situao. Ela organiza uma grande quantidade de informaes para culminar na configurao de um problema.

    funo previsional: antecipar a evoluo das variveis da situao e as consequncias das hipteses de ao. uma ferramenta de prognstico.

    funo decisional: identificar as decises a serem tomadas. funo narrativa: dotar-se de uma representao desejvel da situao

    (LE BOTERF, 2003, p. 144).

    O autor diz, que compreender um problema ou uma situao nem sempre construir uma representao apropriada desse problema, mas muitas vezes, tambm modificar a forma de enxerg-lo, ou seja, modificar as representaes constitudas anteriormente, alm do fato de enriquecer, simplificar e situar essas representaes em nveis pertinentes de abstrao.

    Portanto, o que se conclui que a competncia pode ser tambm construda a partir da orientao e das condies de mobilizao relativas aos conhecimentos j constitudos, que podem ser reconstitudos considerando a necessidade de resolver problemas, dadas as situaes apresentadas no decorrer da vivncia do profissional; porm, vale ressaltar que h a necessidade de abertura por parte do profissional para que isso ocorra.

    2.4.2 Competncia, autoimagem e metaconhecimento

    De acordo com Le Boterf (2003), no apenas em funo de uma representao operatria que o profissional mobiliza seus recursos, mas tambm em funo da representao que tem de si mesmo, da forma como se aprecia e se autoavalia. A boa representao que o profissional tem de si mesmo importante para que possa antecipar como capaz de se comportar ou reagir em determinada situao. Uma imagem negativa de si ou mesmo a falta de confiana se tornam fonte de inibio, de desvalorizao e, consequentemente, de incompetncia.

  • 43Para Lvy-Leboyer (1993) a autoimagem uma imagem construda ao

    longo das vivncias do indivduo. A sntese de experincias passadas estruturada a partir do sistema de valores do indivduo e de seu meio de pertena. A autoimagem dinmica, uma vez que se modifica a partir de novas situaes vivenciadas.

    em funo da imagem construda a partir das experincias pessoais, que o indivduo busca suas motivaes e encontra disposio para se envolver em projetos ou atividades. em virtude da variedade dos contextos situacionais encontrados que o indivduo mobilizar as diversas faces de sua identidade profissional. Porm, a imagem dos prprios recursos no intervm na realizao de todos os conhecimentos ou capacidades. Ao se tratar de saber-fazer rotineiro, ela no entra em jogo. Diante de qualquer nova atividade de estudo e de resoluo de problemas, a imagem que o indivduo tem de si mesmo que desempenhar um papel importante, indicando o que o mesmo acredita poder resolver e o custo pessoal que ter na resoluo de problemas (LE BOTERF, 2003).

    Le Boterf (2003) afirma, ainda, que a autoimagem igualmente modelada pela relao estabelecida entre o indivduo e os outros que se encontram sua volta. O potencial de um indivduo no o que ele capaz de fazer em um dado momento, mas o que os outros esperam que ele possa fazer. E explica, que:

    [...] educabilidade ou o potencial de aprendizagem depende tanto da expectativa dos outros quanto do prprio indivduo. A qualidade da relao com o outro est no cerne do potencial da aprendizagem cognitiva. O desenvolvimento do potencial do profissional no mensurvel por um estoque de capacidades preexistentes e que conviria realizar; antes, o resultado de uma relao feita de confiana e de expectativa (LE BOTERF, 2003, p.151).

    Explicitando a relao da autoimagem com os metaconhecimentos, Le Boterf (2003) apresenta, que os metaconhecimentos so definidos como os conhecimentos que o indivduo tem de seus prprios conhecimentos e capacidades. o conhecimento que ele tem do que sabe fazer. So esses metaconhecimentos que permitem ao profissional gerir, controlar e supervisionar a aplicao de seus prprios saberes. O metaconhecimento permite a orientao autnoma da ao e da aprendizagem, a passagem da percepo a apercepo, isto , ao conhecimento de seu prprio funcionamento cognitivo. E conclu que se os metaconhecimentos permitem ao sujeito descrever o saber-fazer operacionalizado, a metacognio que lhe dar a possibilidade de descrever como fazer para descrever esse saber-fazer.

  • 44Para o autor esse novo distanciamento que ser o fundamento dos processos que permitem aprender a aprender.

    2.4.3 Competncia e o saber agir, querer agir e poder agir

    Outro aspecto abordado por Le Boterf (2003), que tanto o profissionalismo quanto a competncia no resultam apenas de um saber agir, mas tambm de querer e poder agir. Explica que o saber agir pode ser desenvolvido atravs da formao, que ser enriquecida em saberes e saber-fazer. atravs do treinamento, que ocorrer a consolidao para mobilizar, combinar e transpor saberes, pois constituem situaes de formao que treinam para a construo de competncias. A implantao e o funcionamento do que o autor chama de curvas de aprendizagem que desenvolvero no profissional a capacidade de se distanciar e funcionar, no que atribui de pista dupla, ou seja, metaconhecimentos e metacognio. J em relao construo de representaes operatrias, alega que estas sero responsveis pela orientao seleo e combinao dos recursos mobilizados para as competncias. Conclui que a passagem para situaes profissionalizantes, que permitir adquirir saberes e saber-fazer e dar a oportunidade ao indivduo de construir competncias.

    Quanto ao querer agir, Le Boterf (2003) prope que ser encorajado por desafios claros e compartilhados, por uma autoimagem congruente e positiva que incitar a mobilizao para a construo das competncias em um percurso de profissionalizao, como tambm por um contexto de reconhecimento e de confiana, que facilitar ao profissional assumir riscos. Afirma que a empresa, para desenvolver inovao, deve saber criar espaos de autonomia e de tolerncia, nos quais a criatividade possa exercer-se e o controle no seja onipresente. Recomenda que necessrio avaliar a lgica do controle e o medo que ele acarreta. O autor afirma que reduzir a avaliao das competncias a um controle exclusivamente externo da hierarquia um erro de gerenciamento, uma vez que isso s desencoraja as iniciativas, as atitudes de assumir riscos, bem como o apoio e a cooperao entre as pessoas. Conclui que o querer agir implica a existncia de um contexto incitativo,

  • 45que dar uma valncia forte ao desenvolvimento das competncias e do profissionalismo.

    No que diz respeito ao poder agir, Le Boterf (2003) diz que s ser possvel caso exista um contexto acolhedor e facilitador, que fornecer os meios apropriados criao das competncias, pois para ele, a organizao e competncias no so dissociadas. Alm do contexto facilitador so necessrias atribuies que reconheam e deem liberdade para a criao de competncias, pois a capacidade para agir supe a autoridade para agir (LE BOTERF, 2003, p.161). Completa seu pensamento sobre o poder agir, dizendo que ele tambm se manifesta atravs das redes relacionais de informaes, que possibilitam ao profissional ampliar seus recursos por meio de contatos, condio facilitadora para construir tanto as competncias quanto o seu profissionalismo. A figura 04 demonstra que o profissionalismo e as competncias encontram-se estruturados por meio do saber agir, do querer agir e do poder agir.

    Fig. 04 Saber agir, querer agir e poder agir

    Fonte: Le Boterf, 2003, p. 161

    2.4.4 Competncia e profissionalismo

    Recursos Treinamento na combinao de recursos

    Situaes variadas de aprendizagem Curvas de aprendizagem, retornos de experincias

    Conhecimento de seus recursos Situaes profissionalizantes Representaes pertinentes

    Profissionalismo / competncias

    Ter sentido Autoimagem

    Reconhecimento Confiana

    Contexto incitativo

    Contexto facilitador Meios

    Atribuies Redes de recursos

    Organizao do trabalho

    Saber agir

    Querer agir Poder agir

  • 46Le Boterf (2003, p. 161) diz que o profissionalismo no um estado

    estvel, construdo progressivamente ao longo da experincia. o conjunto dos saberes e das competncias validadas. Estabelece que h trs nveis ou estgios que caracterizam a totalidade do profissionalismo de uma pessoa e no apenas o nvel atribudo a esta ou aquela competncia particular. Denomina cada um desses nveis como: principiante; domnio profissional e especializao, conforme ilustrados no quadro 02.

    Le Boterf (2003) afirma que o profissionalismo s pode ser desenvolvido e adquirido se as pessoas se envolverem em projetos de aquisio e de desenvolvimento de competncias. O profissionalismo resulta de um investimento pessoal em processo de aprendizagem, citando Carl Rogers, que j em 1969 insistia sobre a necessidade de instituir a aprendizagem experiencial e significativa. Para o autor, a construo de competncias necessita de uma forte implicao do sujeito e de um envolvimento que supe certa tenacidade.

    Afirma, ainda, que o aprendizado se d de diversas formas, atravs da participao em um projeto especial; realizando uma misso particular; mudando de funo; transferindo seu saber ou, ainda, redigindo um artigo profissional. As prprias situaes de trabalho podem ser abordadas de tal forma que se tornem oportunidades de profissionalizao (LE BOTERF, 2003).

    O autor diz que a falta de conscincia sobre a amplitude dessa condio de aprendizagem representa ao mesmo tempo o retorno do sujeito aprendiz e a implantao de uma ecologia organizacional favorvel aprendizagem e existncia de um novo modelo de gerenciamento fundado mais na pilotagem do que no controle. Os termos pilotagem e controle, atribudos por Le Boterf para representar o modelo proposto de profissionalismo, esto associados por analogia aos procedimentos e nomenclaturas utilizados na navegao area. A nfase desse modelo, segundo o autor, se encontra na passagem da engenharia da formao, ao que ele prope chamar de navegao profissional.

  • 47Quadro 02: Nveis de profissionalizao

    Nveis

    Procedimento/ Modo de interveno

    Contextua- lizao dos

    saberes

    Meta- conhecimentos

    Gesto do tempo

    Grau de autonomia

    Autoimagem

    Fiabili-dade

    Espe

    cial

    iza

    o

    - Reage de modo intuitivo e global; sem se referir explicitamente s regras da profisso; v diretamente o que preciso fazer; no calcula sua resposta; sabe enfrentar de maneira imediata os acontecimentos; age de maneira espontnea; sabe pular as etapas de um procedimento, fazer suposies; grande capacidade de intuio e de insight. - No recorre aos procedimentos, s regras e mtodos habituais seno em situao inabitual de ruptura ou alterada. - Confia mais nas abordagens de estrutura do que na busca dos detalhes; grande capacidade de reconhecimento das formas. - Aplica estratgias mais globais do que analticas; viso sinttica. - Separa o essencial do acessrio; economiza informaes. - Antecipa a partir de sinais fracos (estmulos pouco perceptveis). - Sabe pronunciar-se em uma conjuntura.

    - Muito contextuali- zado.

    - Rapidamen-te mobilizado.

    - Refere-se a uma heurstica (que leva a uma tipologia de problemas ou de situaes). - Organiza seus conhecimentos a partir de esquemas, de modelos de teorias de ao. - Organiza seus conhecimentos em blocos ligados entre si e fceis de mobilizar. - Sabe desenvolver metaconhecimentos que lhe permitem saber como melhor questionar seus saberes. - Conhece as utilizaes mltiplas dos recursos (saberes, capacidades) que possui. - Fontes automatismos e saber-fazer incorporados. - Capacidade para saber o momento certo de operacionalizar seus conhecimentos.

    - Pode agir bem depressa, mas sabe escolher os ritmos adequados.

    - No somente reage, mas antecipa.

    - Imediata-mente operatrio.

    - Rapidez de execuo.

    - Facilidade

    - Total: pode fixar seus limites.

    - Sabe dar novas interpreta- es s regras.

    - Capaci-dade para criar suas prprias regras.

    - Abandono das regras de treinamento.

    - Assume riscos a ttulo pessoal.

    - Muito congru-ente.

    - Co-nhece os pontos fortes e os limites de especia- lizao.

    - Confi- ana em si, sente-se vontade, firmeza.

    - Sabe administrar sua imagem.

    - Grande regulari-dade de compe- tncia.

    Fonte: Le Boterf, 2003, p. 162 continua

  • 48Quadro 02: Nveis de profissionalizao continuao

    Nveis

    Procedimento/ Modo de interveno

    Contextua- lizao dos

    saberes

    Meta- conhecimentos

    Gesto do tempo

    Grau de autonomia

    Autoimagem

    Fiabili-dade

    Do

    mn

    io pr

    ofis

    sio

    nal

    - Estratgia de estudo e de resoluo de problemas. - Sabe decidir o que deve fazer para alcanar um objetivo. - Sabe tomar decises sensatas em funo de um diagnstico e de um objetivo. - Viso global e coerente das situaes - Confiana limitada na intuio; confia nos mtodos de anlise. - adapta as regras a um contexto.

    - Contextuali- zados.

    - Bom conhecimento de seus saberes, capacidades e competncias.

    - Autonomia - Sabe interpretar as regras. - Simplifica- o ou abandono progressivo das regras de treinamento.

    - Confi-ana em suas capaci-dades e conheci- mentos adquiri- dos.

    - Fiabili-dade.

    Prin

    cip

    ian

    te

    - Viso parcial de uma situao. - Dificuldade para distinguir o essencial do acessrio; perde-se em detalhes de um enunciado, ou de um problema. - Triagem deficiente das informaes. - Funciona por tentativas e erros. - Progresso progressiva e analtica. - Pouco ou nenhum recurso intuio. - Forte referncia a regras e procedimentos gerais independentemente do contexto.

    - Gerais e pouco contextuali-zados.

    - Conhece mal suas potenciali-dades e as utilizaes possveis de seus recursos; nem sempre sabe para que podem servir seus conhecimentos. - Organiza seus conhecimentos mais em funo do enunciado de um problema do que de esquemas memorizados. - Saberes fragmentados. - No sai da estrutura superficial dos problemas. - Capacidade reduzida para utilizar seus conhecimentos em tempo oportuno.

    - Pequena autonomia. - Aplicao das regras formais. - Grande utilizao das regras de treinamento.

    - Pouco confivel com xitos pontuais.

    Fonte: Le Boterf, 2003, p. 163

  • 492.4.5 O modelo de Le Boterf: navegao profissional

    O modelo apresentado por Le Boterf (2003) composto pelos seguintes componentes:

    as metas de profissionalizao: um rumo a perseguir fazer avaliaes: a prtica dos balanos de posicionamento o mapa das oportunidades: o espao de profissionalizao

    representado a elaborao e a pilotagem dos projetos um itinerrio negociado o dirio de bordo: relatos e portflio as condies favorveis de navegao: o esquema diretor as condies favorveis de navegao: o esquema diretor para o