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COMUNICAÇÃO CUIDADOS PALIATIVOS E FAMILIA

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  • Rev. Cinc. Md., Campinas, 17(1):33-42, jan/fev., 2008

    33CUIDADOS PALIATIVOS E FAMLIA

    REVISO

    Cuidados paliativos e famlia

    Paliative care and the family

    Noeli Marchioro Liston Andrade FERREIRA1

    Claudenice Leite Bertoli de SOUZA2

    Zaiana STUCHI2

    R E S U M O

    Foi realizada uma reviso sistemtica e coordenada sobre o tema cuidados paliativose famlia, identificando quais aspectos tm sido desenvolvidos pelos pesquisadores.Os artigos foram analisados segundo os tpicos: compreenso de leitura, busca daidia principal, elaborao de fichamento, crtica bibliogrfica e documentao cientfica.O material selecionado passou pela tcnica de anlise temtica, em suas etapas: pr-anlise, explorao do material com tratamento dos resultados obtidos e interpretao,destacando o propsito das pesquisas. Foram analisados 71 artigos de peridicosnacionais e internacionais. A maioria utiliza a lngua inglesa e teve origem nos EstadosUnidos. A nfase metodolgica adotada na maioria dos trabalhos qualitativa.Constatou-se aumento no nmero de publicaes nos ltimos cinco anos: 43 artigosforam publicados aps 2002. Alguns artigos tratam do cuidador familiar, e outros,das famlias que possuem um membro dedicado aos cuidados paliativos. A anlisetemtica destacou o propsito das pesquisas, que foram agrupadas em categoriastemticas como: influncia dos cuidados paliativos sobre a famlia e/ou cuidadoresfamiliares; experincia do cuidado e bito no domiclio; preocupaes e sentimentosapresentados ao final da vida e interao profissional-famlia-doente em cuidadospaliativos. Na abordagem dos cuidados paliativos o envolvimento da famlia primordial, retomando o sentido de considerar a famlia como unidade do cuidado.

    1 Universidade Federal de So Carlos, Departamento de Enfermagem. Rod. Washington Lus, Km 235, Monjolinho, So Carlos, SP, Brasil.Correspondncia para/Correspondece to: N.M.L.A. FERREIRA. E-mail: .

    2 Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Faculdade de Medicina de Botucatu. Botucatu, SP, Brasil.

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    Particularmente nos diagnsticos de doena fora de possibilidades de cura, a famliaest muito envolvida. A enfermagem precisa atuar no sentido de apoiar o doente e ogrupo familiar, possibilitando minimizar os medos e ansiedades e permitindo adequadaatuao de ambos.

    Termos de indexao: Cuidados paliativos. Enfermagem de famlia. Famlia.

    A B S T R A C T

    A systematic and coordinated bibliographic review was done on the theme palliativecare and the family, identifying which aspects are being developed by researchers.The articles were analyzed according to the topics: reading comprehension, search forthe main idea, devising of records, bibliographic review and scientific documentation.The selected material was submitted to the following stages of thematic analysis: pre-analysis, examination of the material treating the results obtained and interpretingthem and emphasis of research objectives. A total of 71 articles from national andinternational journals were analyzed. Most were in English and originated in theUnited States of America. Most of the article presented a qualitative methodologicalemphasis. The number of publications in the last five years increased: 43 articles havebeen published after 2002. Some articles cover the family caregiver and other articlescover families that have a family member dedicated to providing palliative care. Thematicanalysis pointed out the objective of the studies which were then grouped into thematiccategories such as: influence that palliative care has on family and/or family caregivers;caring experience and death at home; concerns and feelings experienced at the end oflife; and health professional-family-patient interaction in palliative care. When dealingwith palliative care, family involvement is essential and the family needs to be considereda unit. There is much family involvement especially in cases of diseases that cannot becured. Nurses should work to support the patient and family in order to minimize fearsand anxieties and allow their active participation.

    Indexing terms: Hospice care. Family nursing. Family.

    I N T R O D U O

    O cncer, segundo a Organizao Mundialde Sade, continua a ter suas taxas em mortalidadeaumentadas. A previso para 2015 de que ocorramquinze milhes de novos casos anualmente, sendoque nove milhes evoluiro para bito e seis milhesocorrero em pases em desenvolvimento1. Grandeparte desses casos evolui com dor e sofrimento tantopara o doente quanto para seus familiares, uma vezque a teraputica especfica no efetiva2.

    Nesse contexto, imprescindvel a introduode outras formas de ateno que propiciem ocontrole da dor, o alvio de sintomas e a melhoria daqualidade da vida que resta, bem como ofeream osuporte necessrio tanto para o doente quanto paraa famlia. Esse conjunto de aes recebe adenominao de cuidados paliativos, definidos como

    os cuidados ativos e totais aos pacientes quando adoena no responde mais aos tratamentos curativos.O controle da dor e de outros sintomas (psicolgicos,sociais e espirituais) passa a ser a prioridade, pois oobjetivo alcanar a melhor qualidade de vidapossvel tanto para o doente quanto para sua famlia3.

    Na abordagem dos cuidados paliativos oenvolvimento da famlia primordial, retomando osentido de que esta exerce um importante papel nocrescimento e desenvolvimento dos indivduos e narecuperao da sade. Particularmente, quando umindivduo recebe um diagnstico de que a doenaest fora de possibilidades de cura, sua famlia sofrecom ele e o impacto sempre muito doloroso4. Emconseqncia disso, cada famlia pode manifestarreaes distintas, como negao, reserva oufechamento ao dilogo. Em muitos casos, o grupofamiliar recorre a todos os tratamentos possveis

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    objetivando a cura e submete o doente a sofrimentosdesnecessrios, muitas vezes revelia deste.

    A enfermagem pode atuar no sentido deapoiar o doente e grupo familiar, possibilitandominimizar os medos e ansiedades e colaborando coma adequada participao de ambos no processo.Nesse sentido, o trabalho visou realizar uma revisobibliogrfica sistemtica sobre o tema cuidadopaliativo e famlia, identificando quais aspectos tmsido estudados pelos pesquisadores.

    M T O D O S

    O trabalho utilizou a tcnica de revisobibliogrfica a partir dos descritores preconizados paraas cincias da sade: cuidados paliativos e famlia(em portugus, ingls e espanhol), seguindo oreferencial metodolgico indicado por Salomon. Areviso bibliogrfica um processo que permite arealizao sistematizada e coordenada de umareviso dos dados empricos sobre um tema a partirdas bases de dados disponveis5.

    Foram seguidos os tpicos: compreenso deleitura, busca da idia principal, elaborao defichamento, crtica bibliogrfica e documentaocientfica. Com isso, foram identificados nos artigos:origem, idioma, enfoque metodolgico utilizado,clientela estudada e propsito da pesquisa. O materialselecionado passou pela tcnica de anlise temtica6,em suas etapas: pr-anlise, explorao do materialcom tratamento dos resultados obtidos einterpretao.

    R E S U L T A D O S E D I S C U S S O

    Foram consultadas as bases de dados:MedLine, Blackwell Synergy, Web of Science, Lilacse Bireme. Todos os artigos foram identificadossegundo os descritores definidos. Foram selecionadosaqueles publicados no perodo correspondente aodecnio 1994-2004, escritos em portugus, espanhole ingls, e que contivessem resumo - permitindo umaprimeira anlise. Foram excludos todos os artigosque no se enquadravam nesses critrios.

    Do total de artigos identificados, foramelencados 14 completos e 57 resumos expandidos,totalizando 71 trabalhos. A maioria (63) estavapublicada na lngua inglesa, sete em portugus eum em espanhol. Grande parte deles (27) era oriundados Estados Unidos, nove do Canad, sete do Brasil,seis da Inglaterra, cinco do Japo, trs de Taiwan eos 14 restantes de outros pases da sia e Europa(um de cada local).

    Mais da metade (41 trabalhos) abordavaestudos qualitativos, outros 26 apresentavam estudosquantitativos e os demais estavam indefinidos. Aanlise revelou uma nfase nas publicaes nosltimos cinco anos. Quarenta e trs dos textosencontrados foram publicados aps 2002, indicandoincremento das pesquisas nos ltimos anos. Quantoao pblico estudado, 31 artigos tratavam do cuidadorfamiliar, 25 abordavam as famlias que possuam ummembro em cuidado paliativo, dez estudosenvolviam os doentes e oito artigos tratavam darelao famlia-profissional.

    A anlise temtica focalizou o propsito daspesquisas apresentadas nos textos completos enaqueles resumos expandidos que traziam discussosobre os resultados encontrados, correspondendo a45 textos. Foram agrupados quatro grandes temas:influncia dos cuidados paliativos sobre a famlia e/ou cuidadores familiares; experincia do cuidadopaliativo e bito no domiclio; preocupaes esentimentos apresentados ao final da vida; einterao profissional-famlia em cuidados paliativos.Os contedos sero detalhados a seguir, em cadatema.

    Influncia do cuidado paliativo sobre afamlia e/ou cuidadores familiares

    O cuidado paliativo domiciliar implica desafiossignificativos, com conseqncias fsicas e psicolgicasconsiderveis para a famlia7. Cuidar de uma pessoacom doena terminal em casa requer equilbriocontnuo entre sobrecarga e capacidade para superar.Se o cuidador ter ou no sucesso em manter omelhor equilbrio depende de vrios fatores

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    relacionados sua vulnerabilidade. A sobrecarga docuidado restringe atividades, traz preocupaes,insegurana e isolamento, e coloca o cuidador dianteda morte e da falta de apoio emocional e prtico.Esses fatores tm potencial para aumentar o riscode cansao e stress8.

    O cuidado domiciliar exclusivo quase sempre solitrio, ficando a cargo de um dos parentes; orestante da famlia ajuda esporadicamente ou nemajuda. H sobrecarga de trabalho, solido esentimento de impotncia diante da dor e dosofrimento do doente sob seus cuidados, gerandodesconforto e tristeza. Tambm pode haver cobranaspor parte dos familiares, da prpria famlia e de simesmo. Os cuidadores vem-se obrigados adesenvolver habilidades e aprender sobremedicamentos, materiais e um arsenal de coisas quenunca imaginariam precisar saber. Quando o doente o cnjuge, a reorganizao torna-se ainda maisdifcil, pois, alm de assumir todo o cuidado, ocuidador precisa manter a estrutura da famlia,incluindo o seu sustento, educao dos filhos e todasas responsabilidades que antes eram divididas. Oscuidadores explicitam seu temor de morrer e deixaro doente sem seus cuidados e sem outra pessoa queassuma essa tarefa9.

    O cansao e a sobrecarga dos cuidadoresfamiliares so considerados fenmenos multidimen-sionais atribudos a causas mltiplas e com efeitonegativo na qualidade de vida dos membros familia-res. Em alguns casos, os familiares dos doentesreferem ao final do tratamento que sentem mais oimpacto do cansao que os doentes10.

    O impacto do sofrimento terminal e seumanejo, sob a tica dos membros da famlia quepresenciam o acontecimento, revelam que de 25%a 85% dos pacientes com doena terminalexperimentam os sintomas associados ao sofrimentodurante as horas ou dias antes de suas mortes, esuas famlias vivenciam com eles todo esse processo.A comunicao destes pacientes com a famlia ficaafetada, pois h uma diminuio da habilidadecomunicativa em conseqncia dos tratamentosutilizados para minimizar os sintomas severos da

    doena, que envolvem o uso de medicamentossedativos11.

    Quando o familiar que est morrendo paiou me, o cuidador considera a tarefa de cuidar maisdifcil, levando ao aparecimento de outrasnecessidades que surgem associadas s necessidadesdesconhecidas do papel de cuidador12. Os cuidadoresneste caso descrevem-se como cuidadores primrios,ou seja, aqueles a quem cabe a responsabilidade docuidado para com seus pais, e apontam muitaspreocupaes sobre sua prpria situao,especialmente no que diz respeito aos problemastemporrios depois da morte do familiar. Tambmdemonstram preocupao diante da poucaexpectativa em relao s fontes de suportedisponveis13.

    Os familiares apontam tambm dificuldadespercebidas no gerenciamento das tarefasrelacionadas aos seguintes aspectos: cuidado direto,tarefas interpessoais e relacionamento interpessoal.As tarefas individuais, identificadas como de extremadificuldade, requerem uma compensao para otempo pessoal, atualizao do conhecimento domecanismo de indenizao e aceitao emocionalda probabilidade de um declnio no curso dadoena14.

    O impacto familiar dos cuidados paliativos nainfncia e adolescncia faz com que ocorra umatendncia do ncleo familiar no sentido de sereservar15, mas o isolamento pode no ser positivopara a sade mental. Algumas condutas deenfrentamento so adotadas pelas famlias, taiscomo: capacidade de escolher suas reaes nomomento de crise da criana com doena terminal;modificao dos valores da famlia; aceitao dosfatos, tornando a situao mais fcil; melhora naqualidade de vida dos membros familiares, tendoem vista que as famlias aprendem a viver cadamomento em sua totalidade e aprendem a aceitar aajuda de outras pessoas. O processo solitrio edoloroso, e caracterizado por crescimento edesenvolvimento ao final dessa trajetria15. O nvelde instruo dos pais parece ter efeito significativona forma de conduzir melhor esse processo16.

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    A doena no envolve s a pessoa doente,mas todo o grupo familiar. O doente passa a ser ofoco de ateno e o familiar eleito cuidador temque abdicar de algumas rotinas no seu modo de vidapara poder se dedicar ao cuidado. Para cuidar deum membro com doena terminal, a famliadesenvolve vrias formas de apoio e ajuda, criandonovas formas de funcionamento. medida quecuida, o familiar apresenta seus prprios sentimentos,sendo esta uma maneira de interpretar a situao.Dentre as alteraes significativas que os familiaresrealizam em suas vidas, assumir papis de ajuda nogrupo familiar uma delas. A disposio da famliaem oferecer cuidado neste momento crtico mostraao doente que no est sozinho para enfrentar asdificuldades e evidencia que a vontade de dar apoioleva os familiares a adotarem para si papis antesnunca desempenhados, visando atender snecessidades do doente e, assim, melhorar aqualidade da vida que lhe resta17.

    Um aspecto relevante nessa fase de crise temsido a assistncia espiritual. As famlias experienciamnecessidades de otimismo, esperana e gratido; deoferecer e receber amor, rever convices, encontrarum significado para a vida e para as necessidadesrelacionadas religiosidade e preparao para amorte7. Como fora propulsora para o cuidado aofinal da vida no domiclio tem sido apontada a fem Deus9.

    Essas constataes indicam que os cuidadoresfamiliares de doentes terminais precisam de maissuporte e informao dos profissionais da rea dasade12, pois exercer o papel de cuidador pode afetarnegativamente a qualidade de suas vidas, j quepassam por muitos sofrimentos18. Uma maior ofertade suporte para cuidadores familiares beneficiar odoente, os prprios cuidadores e a equipe de sade19.

    Experincia do cuidado paliativo e bito nodomiclio

    Doentes, famlias e profissionais esto cadavez mais envolvidos com decises em direo melhora de sintomas, provimento de cuidados de

    sade e definies sobre a vida e a morte. Essasdecises podem ser complexas e, por causa delas,os participantes podem vivenciar situaes difceis,freqentemente com sofrimento e dor.

    O manejo de sintomas no domiclio representaum grande desafio para doentes, famlias eprofissionais. Os programas de cuidados domiciliarespreocupam-se em capacitar familiares no manejodas mltiplas demandas20-22.

    No caso de cnceres, a dor tem sido osintoma mais recorrente. As percepes da dor entredoentes terminais e membros da famlia e orelacionamento entre essas percepes e fatorespsicolgicos indicam que muitos familiares sabem aintensidade, qualidade ou o padro da dor dosdoentes, e tm tendncia a superestimar asestratgias usadas por eles para lidar com a dor23.

    No caso de mulheres com cncer uterino emfase final surge, alm da dor, constipao edepresso. O tratamento farmacolgico com morfinaoral oferece boa resposta analgsica, mas algumasnecessitam de tratamento oncolgico paliativo comocirurgia, quimioterapia e radioterapia para o controledos sintomas. Esses sintomas podem ser aliviadosno ambiente domiciliar, melhorando a qualidade devida, desde que se conciliem tratamento mdico,apoio psicossocial e familiar24.

    H indcios de que doentes em fase finalatendidos em domiclio necessitam de mais morfinado que doentes internados em hospitais, porqueocorrem mudanas rpidas no estado de sade dodoente. A visita de enfermeiros para proporcionarcuidado e confirmar os desejos do paciente e famlia,no entanto, diminui a sobrecarga e a ansiedade docuidador e colabora para tornar menos desgastantesos ltimos momentos que o doente e sua famliapassam juntos25.

    Por esses e outros fatores, levar um doenteem fase final para morrer em casa uma decisodifcil, porque as necessidades do cuidadotransformam o cotidiano da famlia, envolvem muitasatividades de ordem prtica como a adaptao dacasa e dos utenslios, alm da modificao dehorrios e rotinas9. A manuteno de uma estruturade cuidado acarreta custos elevados e, s vezes, por

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    um tempo prolongado. O relacionamento familiarque, antes do diagnstico da doena, caracteriza-sepela confiana entre seus membros, com o avanoda mesma pode se transformar e passar a serpermeado pela dependncia e pelo apego,principalmente do doente para com o cuidador9.

    Para que doentes terminais possam sertransferidos de unidades hospitalares para falecer emcasa sem cuidados de ventilao e de terapiamedicamentosa vasopressora, precisam ser sedadoscom morfina intravenosa e, quando a morte noocorrer imediatamente, com morfina subcutnea. Sea morte demorar mais de duas horas, precisa haveracompanhamento de enfermeiras e do mdico dafamlia. As famlias que passaram por essaexperincia consideraram-na positiva26.

    Doentes que escolhem morrer em suas casas,onde eles podem ser cuidados pelas famlias e/ouamigos, muitas vezes sofrem de dor severa e seuscuidadores sofrem com eles, pois nem sempre huma poltica nacional ou institucional de alvio dador ou cuidado no final da vida: muitas vezes o nicoconforto o espiritual27.

    Dadas as inmeras dificuldades, as instituiescontinuam sendo o lugar preferido pelos doentes parapassar os ltimos dias de vida, devido facilidadede recursos para o cuidado informal, cuidados como corpo, experincias de servios e perspectivasexistenciais28. Mesmo assim, familiares cuidadoresqueixam-se de que seus doentes com dor ou dispniano recebem tratamento adequado e que acomunicao mdica inadequada nos servios decuidados terminais29.

    No caso de crianas em fase final, alguns paisdecidem lev-las para casa porque o cuidado nohospital no est mais sendo considerado benfico:as crianas desejam ficar em casa e os pais queremque toda a famlia fique junta. Nesse caso, a famliaapresenta sentimentos de desamparo, medo epreocupao de difcil manejo30.

    Nesse contexto do cuidado domiciliar, sabe-se que tanto profissionais como familiares de doentesem cuidados paliativos precisam receber suportepsicolgico e emocional para enfrentar o sofrimento

    e a morte, pois h necessidade de um preparo tantotcnico quanto emocional para essa categoria decuidado31.

    Preocupaes e sentimentos apresentados aofinal da vida

    Familiares que vivenciam uma doenaterminal com perda de um ente querido atribuemdiversos significados s experincias de dor,sofrimento e morte. No parece haver evidnciasde que o cuidado domiciliar tenha impacto naconseqncia da perda. No entanto, percepessobre inadequado suporte terminal oferecido ao entequerido e presena de altos nveis de sintomasseveros podem colaborar para uma respostainadequada ao luto. Ao que parece, os cuidadoresque presenciam a morte no domiclio obtm umamelhora na resposta perda, assim como umamelhora fsica no perodo ps-luto, em comparaoaos cuidadores que perdem seus familiares nohospital32.

    H evidncia de que alguns doentes comcncer em fase final preocupam-se em manter ocontrole da dor, viver uma vida normal, esperar pelamelhora da condio fsica e ter seus familiaresprximos, representando categorias de superao emanifestao de sentimentos de luta e esperanadiante da doena33. Outros doentes em cuidadospaliativos preocupam-se com os fatores isolamento,preparo da famlia e conflitos relacionais; perda docontrole (fsico e cognitivo) sobre o futuro; sentir-seum fardo para os outros; perceber as perdas (dacontinuidade, das funes, das atividades agradveis,de tomar conta de si mesmo); falha no cumprimentode seus deveres; esperana/desespero e aceitao/preparao34. A principal preocupao continua sendocom o processo de morrer35.

    Do ponto de vista dos familiares queperderam um membro, as preocupaes dos doentesmais percebidas ao final da vida foram: perdas dasfunes relacionadas ao prprio corpo; medo de setornar dependente e uma sobrecarga para a famlia,alm de sintomas de estresse fsico e psicolgico com

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    muito sofrimento suplantando as preocupaes coma qualidade de vida36. Particularmente as esposasdescreveram sentimentos de desamparo, medo einjustia quando presenciavam seus entes queridossentindo dor. Quando a dor era controlada, as esposasexperimentavam sentimentos de paz e relaxamentoe sentiam que isto significava o retorno para suasvelhas rotinas, porque seus maridos estavam maisconfortveis37.

    No caso de familiares de crianas com cnceravanado ocorrem crenas e expectativas sobre aexperincia dos sintomas, incluindo um curto perodode dor para um longo perodo de ganho. Toda abase para as crenas e expectativas deve-se experincia com o sofrimento. As crianas convivemcom sintomas severos diariamente e tm poucaexperincia de alvio. Embora os sintomas do cncerresultem em sofrimento tanto para as crianas quantopara as famlias, eles so aceitos como parte integralda superao da doena, e o alvio completo nunca esperado38.

    Muitos mdicos vem os doentes portadoresde cncer em fase terminal com um misto decompaixo e desapontamento, esquecendo-se deque os limites do cuidar so mais amplos que os decurar. Quando no h mais cura, a dor e o sofrimentopodem ser aliviados e as necessidades bsicas dehigiene, nutrio e conforto podem ser atendidas,ajudando o doente a no perder sua dignidade comopessoa39.

    Embora seja necessrio valorizar o aspectodo cuidar quando o curar no mais possvel40, hmuita dificuldade para que esse cuidado ocorra. Hdeficincia de recursos humanos e materiais e faltade preparo da equipe multiprofissional no aspectotcnico para lidar com a ansiedade e reaes prpriasdo doente e famlia, bem como despreparo tcnicopara realizar os procedimentos que amenizam osofrimento41.

    Interao profissional famlia em cuidadospaliativos

    H duas crenas que podem dar suporte paraas enfermeiras domiciliares em direo ao cuidado

    paliativo domiciliar: famlias so recursos e famliasso sofridas. O sofrimento da famlia sempre reconhecido e valorizado. As famlias podem ser umrecurso para o paciente, para os outros membrosfamiliares, como tambm para as prpriasenfermeiras domiciliares. Elas so recursos para opaciente tanto na prtica quanto emocionalmente,por estarem presentes e poderem ouvir. Por estaremabertas comunicao com os outros membrosfamiliares, enfermeiras tambm so consideradasfonte de apoio42.

    A famlia utiliza um programa de cuidadospaliativos domiciliares devido s poucas chances desobrevivncia do doente, melhor forma de realizaro desejo do lugar de morte preferido por ele, aosnveis mais altos de dependncia funcional e necessidade do uso de cuidados de emergnciadurante os ltimos dias de vida43. Os membrosfamiliares percebem que o cuidado terminal melhoranos ltimos meses de vida do doente, aprimorandoa qualidade do cuidado para os sintomas fsicos epara as necessidades emocionais44. Os doentes quepossuem um tempo de sobrevivncia maior do queseis meses parecem ser mais beneficiados com essesprogramas, j que permanecem mais tempo emcontato com a equipe e podem ser preparados paraas dificuldades fsicas e psicolgicas que viro com aterminalidade45.

    Alm disso, a famlia espera dos programasde cuidados paliativos habilidades profissionais,confiana nos membros da equipe e a segurana docuidado. Muitas vezes, a satisfao com as aesdos profissionais de sade so consideradas elevadasnas dimenses do profissionalismo, habilidadesprofissionais, confiana e amizade46. Outras vezes,as necessidades de informao e suporte no soadequadas para a satisfao familiar, e h evidnciasde estresse prolongado e morbidade psicolgica nafamlia47.

    A enfermagem familiar visa auxiliar a famliaa se adaptar para suportar o estresse de cuidar deum paciente com doena terminal avanada47, e oaspecto espiritual no deve ser esquecido48. Osprogramas educacionais domiciliares para cuidadores

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    familiares so sempre bem vindos49,50. No entanto, necessrio ouvir as experincias dos doentes, famliase cuidadores como uma base para desenvolverintervenes e linhas de direo para os servios51.

    C O N S I D E R A E S F I N A I S

    A tcnica de reviso bibliogrfica a partir dedescritores preconizados para as cincias da sade(no caso, cuidados paliativos e famlia) associada anlise temtica permitiu identificar o propsito daspesquisas publicadas no decnio 1994-2004.

    Os trabalhos demonstram que a famlia utilizaum programa de cuidados paliativos domiciliares parasatisfazer o desejo do doente de ficar em casa etambm devido aos nveis altos de dependnciafuncional e necessidade do uso de cuidados deemergncia durante os ltimos dias de vida. Essaopo, no entanto, traz muitas influncias fsicas epsicolgicas para a famlia e os cuidadores familiares,j que a sobrecarga do cuidado restringe as atividadesdos membros familiares, trazendo preocupaes,inseguranas e isolamento. O doente passa a ser ofoco de ateno e o cuidador familiar apresenta maisfatores de risco para o cansao e o estresse dianteda morte e da falta de apoio emocional e prticopara o cuidado domiciliar. Nesse sentido, emboratodo o grupo familiar reconhea os benefcios dapermanncia do doente junto famlia, as instituiescontinuam sendo o lugar preferido pelos doentes efamiliares para os ltimos dias de vida.

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    Recebido em: 25/8/2006Verso final reapresentada em: 9/1/2007

    Aprovado em: 8/5/2007