Conceitos de Urbanismo

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1 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DISCIPLINA: Noçoes de Arquitetura Professora: Ninfa de Melo Canedo Texto II – Urbanismo O Urbanismo é considerado como uma ciência que nasceu no final do século XIX, para o estudo, a organização e intervenção no espaço urbano, como prática das transformações necessárias à realidade caótica das condições de habitação e salubridade em que viviam os habitantes de grandes cidades européias, na época da revolução industrial. Entretanto uma maior maturidade teórica só foi alcançada então no final do século XX. Entende-se por urbanismo, o conjunto de regras aplicadas ao melhoramento das edificações, do arruamento, da circulação e do descongestionamento das artérias públicas. É a remodelação, a extensão e o embelezamento de uma cidade, levados a efeito, mediante um estudo metódico da geografia humana e da topografia urbana sem descurar as soluções financeiras". Enquanto que a Arquitetura se renova rapidamente o espaço urbano em si está mais vocacionado para a longa duração. Por isso, os dados que conduzem à tomada de decisão arquitetônica ou urbana ao serem diferentes na sua essência implicam saberes diferentes capazes de organizar e utilizar esses mesmos dados(...) Igualmente devemos referir uma outra diferença que é fundamental. A escala do projeto urbano engloba “o todo”, ao passo que a escala arquitetônica corresponde ao edifício e eventualmente ao seu redor mais próximo. Desenhar o espaço urbano com as ferramentas da arquitetura é produzir um espaço formal desenraizado dos enquadramentos que referimos. O primeiro organiza os espaços arquitetônicos, fixa o lugar e a destinação dos continentes construídos, liga todas as coisas no tempo e no espaço por meio de ma rede de circulações. E outro, o arquiteto, ainda que interessado numa simples habitação e, nesta habitação numa mera cozinha, também constrói continentes, cria espaços, decide sobre circulações. O interessante é que sob uma visão mais ampla deve-se buscar entender o urbanismo como o conjunto de ações voltadas ao planejamento, a gestão da cidade e ao ordenamento do uso e ocupação do solo urbano em várias escalas desde a escala local à regional, porém devendo haver uma abordagem multidisciplinar acerca do território (sob seus aspectos históricos, culturais, econômicos), de maneira transversal e multireferencial, envolvendo várias áreas do conhecimento e, sobretudo as questões políticas, de maneira que se possa alcançar a sustentabilidade sócio-ambiental urbana. Ele passou a ter então, na sua essência, a preocupação com o estudo das relações da cidade com a sociedade que nela vive, e vice–versa e da cidade inserida num contexto regional e global, tendo seu espaço como resultante de transformações sociais, políticas e econômicas do mundo capitalista, inclusive do papel do Estado e de outros agentes que atuam no espaço urbano (as empresas, as instituições e é claro a população)e abrange ainda a questão da sustentabilidade socioambiental. Desse prisma percebe-se então que urbanismo ultrapassou largamente a esfera do ordenamento morfológico, não se limitando a uma simples técnica do engenheiro ou do arquiteto. Ele passaria a abarcar o campo da comunidade, da planificação social, pois a cidade reflete o estado da sociedade e nela é expressa também uma determinada concepção do mundo, devendo basear-se sempre, em primeiro plano, na melhoria das condições de vida aos habitantes da cidade (BONET CORREA, 1989). Um pouco da História do Urbanismo A sociedade em que vivemos tornou-se essencialmente urbana a partir do período do final do séc. XIX, pós revolução industrial, e assim os problemas urbanos começaram a se acentuar, diante do aumento da população nas cidades decorrente do êxodo rural, em busca de oportunidades de trabalho e sem condições dignas de qualidade de vida. A partir daí várias cidades cresceram em tamanho e população e se transformaram em metrópoles, extrapolando seus limites territoriais formando conurbações (várias cidades inter relacionadas num tecido urbano contínuo). Então surgem propostas na tentativa de buscar soluções para estes problemas, com uma pretensão científica, e também se criam modelos de desenvolvimento urbano para as cidades, muitos deles utópicos a fim de se organizar os espaços da cidade, os seus territórios, suas diversas atividades. Neste contexto é que surge o urbanismo.

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DISCIPLINA: Noçoes de Arquitetura Professora: Ninfa de Melo Canedo Texto II – Urbanismo

O Urbanismo é considerado como uma ciência que nasceu no final do século XIX, para o estudo, a organização e intervenção no espaço urbano, como prática das transformações necessárias à realidade caótica das condições de habitação e salubridade em que viviam os habitantes de grandes cidades européias, na época da revolução industrial. Entretanto uma maior maturidade teórica só foi alcançada então no final do século XX. Entende-se por urbanismo, o conjunto de regras aplicadas ao melhoramento das edificações, do arruamento, da circulação e do descongestionamento das artérias públicas. É a remodelação, a extensão e o embelezamento de uma cidade, levados a efeito, mediante um estudo metódico da geografia humana e da topografia urbana sem descurar as soluções financeiras".

Enquanto que a Arquitetura se renova rapidamente o espaço urbano em si está mais vocacionado para a longa duração. Por isso, os dados que conduzem à tomada de decisão arquitetônica ou urbana ao serem diferentes na sua essência implicam saberes diferentes capazes de organizar e utilizar esses mesmos dados(...) Igualmente devemos referir uma outra diferença que é fundamental. A escala do projeto urbano engloba “o todo”, ao passo que a escala arquitetônica corresponde ao edifício e eventualmente ao seu redor mais próximo. Desenhar o espaço urbano com as ferramentas da arquitetura é produzir um espaço formal desenraizado dos enquadramentos que referimos. O primeiro organiza os espaços arquitetônicos, fixa o lugar e a destinação dos continentes construídos, liga todas as coisas no tempo e no espaço por meio de ma rede de circulações. E outro, o arquiteto, ainda que interessado numa simples habitação e, nesta habitação numa mera cozinha, também constrói continentes, cria espaços, decide sobre circulações.

O interessante é que sob uma visão mais ampla deve-se buscar entender o urbanismo como o conjunto de ações voltadas ao planejamento, a gestão da cidade e ao ordenamento do uso e ocupação do solo urbano em várias escalas desde a escala local à regional, porém devendo haver uma abordagem multidisciplinar acerca do território (sob seus aspectos históricos, culturais, econômicos), de maneira transversal e multireferencial, envolvendo várias áreas do conhecimento e, sobretudo as questões políticas, de maneira que se possa alcançar a sustentabilidade sócio-ambiental urbana.

Ele passou a ter então, na sua essência, a preocupação com o estudo das relações da cidade com a sociedade que nela vive, e vice–versa e da cidade inserida num contexto regional e global, tendo seu espaço como resultante de transformações sociais, políticas e econômicas do mundo capitalista, inclusive do papel do Estado e de outros agentes que atuam no espaço urbano (as empresas, as instituições e é claro a população)e abrange ainda a questão da sustentabilidade socioambiental.

Desse prisma percebe-se então que urbanismo ultrapassou largamente a esfera do ordenamento morfológico, não se limitando a uma simples técnica do engenheiro ou do arquiteto. Ele passaria a abarcar o campo da comunidade, da planificação social, pois a cidade reflete o estado da sociedade e nela é expressa também uma determinada concepção do mundo, devendo basear-se sempre, em primeiro plano, na melhoria das condições de vida aos habitantes da cidade (BONET CORREA, 1989).

Um pouco da História do Urbanismo

A sociedade em que vivemos tornou-se essencialmente urbana a partir do período do final do séc. XIX, pós revolução industrial, e assim os problemas urbanos começaram a se acentuar, diante do aumento da população nas cidades decorrente do êxodo rural, em busca de oportunidades de trabalho e sem condições dignas de qualidade de vida. A partir daí várias cidades cresceram em tamanho e população e se transformaram em metrópoles, extrapolando seus limites territoriais formando conurbações (várias cidades inter relacionadas num tecido urbano contínuo). Então surgem propostas na tentativa de buscar soluções para estes problemas, com uma pretensão científica, e também se criam modelos de desenvolvimento urbano para as cidades, muitos deles utópicos a fim de se organizar os espaços da cidade, os seus territórios, suas diversas atividades. Neste contexto é que surge o urbanismo.

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Fase pré-industrial

Entre os séculos XV e XVII, papas, reis, príncipes ou nobres, para simbolizar seu crescente poderio, projetaram a construção de novas cidades ou a reforma urbana de outros centros.

• Richelieu, em que as principais inovações foram a diferenciação dos quarteirões segundo sua utilização comercial ou residencial, a construção de um centro cívico e o tratamento da composição das praças com a criação de perspectivas axiais;

• Versalhes, cujo traçado teve origem nos bosques de caça medievais, que estabeleciam um emaranhado de caminhos em forma de teia de aranha de um modo tal que proporcionava uma boa vista da caça, um modelo seguido por todos os demais príncipes europeus;

• Karlsruhe, cujo plano partiu do princípio da radiação de 12 avenidas que convergem para o palácio real; e São Petersburgo, talvez a mais importante criação urbanística do século XVIII. Seu plano, que reflete a aplicação do desenho de jardins numa estrutura urbana, é um tabuleiro de xadrez, cortado por grandes diagonais.

A reforma de Roma, sede do papado, realizou-se nos pontificados de Sisto IV e Sisto V. Durante décadas foram reconstruídos alguns aquedutos e regularizado o abastecimento de água através de fontes públicas, que se tornaram importantes elementos da estética urbana.

Urbanismo moderno

A partir do séc. XIX surgiram vários modelos de desenvolvimento urbano, em busca de solução para os problemas decorrentes do grande processo de urbanização das cidades européias, na tentativa de se criar a cidade ideal, tidos como teorias, que se tornaram utópicas, a exemplo das idéias de Fourier, com o falanstério ,de Howard que idealizava a Cidade-jardim, e de Tony Garnier, com a teoria da cidade industrial (CHOAY,1965). Naquela época, grandes cidades como Londres e Paris, apresentavam crescimento populacional bastante acelerado, no período da Revolução Industrial, quando grandes contingentes populacionais migravam do campo para a cidade em busca de trabalho, e então se criaram grandes aglomerados populacionais nos quais as pessoas que pertenciam à classe operária viviam em péssimas condições de vida, principalmente de higiene, muitas delas sem ter aonde morar, ou habitando em locais insalubres e desconfortáveis.

O exemplo mais marcante dessa tendência foi a reforma de Paris realizada pelo barão Georges-Eugène Haussmann no segundo império. Nomeado prefeito do departamento de Sena por Napoleão III, Haussmann se encarregou da tarefa de transformar uma Paris ainda medieval em sua estrutura urbana numa cidade moderna. Seu plano, essencialmente um projeto viário radiocêntrico, atendeu a numerosos objetivos. A abertura de novas avenidas, retas e largas, visou ao mesmo tempo a arejar os quarteirões insalubres e facilitar a circulação de tropas, permitindo o transporte rápido da artilharia para qualquer ponto da cidade que ficasse sob a ameaça de algum levante revolucionário. O plano se estruturou basicamente a partir de três obras: a reforma da Cité, o cruzamento viário da cidade e a construção de novos boulevards. Na periferia, construíram-se grandes jardins como o Bois de Boulogne, e os parques Monceau, das Buttes-Chaumont e Montsouris.

A influência do plano Haussmann foi praticamente universal e se traduziu em reformas realizadas não só em diversas cidades da França como em Roma, Viena, Madri, Barcelona, Cidade do México, Chicago, Nova Delhi e outras. No Brasil, Haussmann influiu em vários planos, como o Agache, para o Rio de Janeiro, de 1928; o Prestes Maia-Uchoa Cintra, para São Paulo, de 1930; o Gladosh, para Porto Alegre, de 1939; e o Atílio Correia Lima, para Goiânia, de 1933.

Cidade linear

O primeiro modelo teórico de plano urbano linear foi elaborado em 1892 pelo espanhol Arturo Soria y Mata. Previa um novo tipo de cidade, para trinta mil habitantes, em que cada função urbana ocuparia uma faixa própria do solo. O projeto se desenvolvia sob a forma de uma espinha central, entrecortada por vias perpendiculares que davam acesso às zonas de habitação e trabalho. Sua principal vantagem é a

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capacidade de admitir uma expansão indefinida, sem que a cidade como um todo seja perturbada. Entre os exemplos de plano linear estão o de 1929 para a então cidade de Stalingrado (atual Volgogrado) e o de 1937 para Londres.

Cidades-jardins. Ebenezer Howard, autor de Garden Cities of Tomorrow (1902; Cidades-jardins de amanhã), formulou o conceito de uma cidade ideal, em cujas características incluiu a existência de um cinturão verde (green belt) em torno da área urbana, para assegurar um máximo de espaços verdes. Howard conseguiu empreender a implantação de duas cidades-jardins: Letchworth, projetada por Raymond Unwin, maior representante do movimento, e Welwyn.

Urbanismo Orgânico

O primeiro grande teórico do Urbanismo orgânico no Reino Unido foi Patrick Geddes, biólogo escocês autor de dois livros clássicos: City Development (1904; Desenvolvimento urbano) e Cities in Evolution (1915; Cidades em evolução). A principal contribuição de Geddes, para quem a cidade funciona como um organismo vivo, foi a ênfase na necessidade de se efetuarem estudos e pesquisas antes da elaboração do plano urbanístico. A maioria dos manuais de Urbanismo adotou praticamente na íntegra o roteiro de pesquisa que sugeriu.

Urbanismo Racionalista

O apogeu do Urbanismo de expressão francesa foi alcançado com a obra teórica do arquiteto Charles Edouard Jeanneret-Gris, dito Le Corbusier. Difundiu suas teorias tanto em livros como em planos urbanísticos, dentre os quais se destacam: Une Ville contemporaine apresentado em 1922 no Salon d'Automne de Paris e concebido para abrigar uma população de três milhões de habitantes; Plan voisin, projeto para renovação e modernização de Paris (1925); O nome de Le Corbusier acha-se relacionado a planos urbanísticos esboçados para várias cidades, entre elas Argel, Rio de Janeiro, São Paulo e Montevidéu. O único plano urbanístico de Le Corbusier efetivamente realizado foi o de Chandigar, capital do estado de Punjab.

Sob a liderança de Le Corbusier, o movimento dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM) reuniu, além de arquitetos e urbanistas europeus como Victor Bourgeois, Walter Gropius, Alvar Aalto, Ludwig Hilberseimer (urbanista do grupo do Bauhaus), Gerrit Thomas Rietveld, José Luis Sert e Cor Van Eesteren, representantes dos Estados Unidos (Richard Joseph Neutra, Paul Lester Wiener), Brasil (Lúcio Costa), Japão (Junzo Sakakura) etc.

Urbanismo nos Estados Unidos

O plano em xadrez foi a forma mais comum de estrutura urbana utilizada pelos colonizadores na América do Norte. No final do século XIX renovou-se o pensamento urbanístico nos Estados Unidos com o sucesso da Feira Mundial da Exposição de Columbia, em Chicago (1893), quando se consolidou o City Beautiful Movement (Movimento da Cidade Bela).

O apogeu desse movimento foi o plano de Daniel Burnhams para Chicago (1909). No tocante ao planejamento metropolitano contemporâneo, destacam-se, nos Estados Unidos, na década de 1960, o plano integrado de Chicago e o plano diretor integrado para o desenvolvimento de Detroit. Na atualidade, o desenvolvimento urbano americano tem-se caracterizado pela ênfase na recuperação dos bairros centrais das grandes cidades, degradados nas últimas décadas do século XX devido ao esvaziamento econômico e concentração de populações mais pobres, e pelo fim da primazia dada no passado aos arranha-céus.

Cidade Moderna X Cidade Tradicional: Movimento e Expansão

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Célia Helena Castro Gonsales

O inchaço populacional da cidade industrial do século XIX e todos os problemas decorrentes desse fato, constituem-se como o impulso de novas idéias para a moderna cidade. A partir da migração campo-cidade de uma população que buscava trabalho e melhores condições de vida, surgem os primeiros bairros operários que em seguida vão apresentar problemas de insalubridade e falta de infra-estrutura. Desde as primeiras propostas revolucionárias elaboradas pelos chamados pré-socialistas da primeira metade do século XIX – Owen, Fourier, Cabet – à Carta de Atenas, existiu uma busca em comum: a de uma cidade que representasse o “espírito da época”, que respondesse às necessidades, mas também aos anseios do homem da era moderna. O resultado físico último é uma cidade que se constitui como um campo livre pontuado por edifícios isolados que leva implícita uma idéia de higiene, salubridade, banho de sol e velocidade.

O século XX acumulou um acervo considerável de planos urbanísticos baseados nesse paradigma. Algumas cidades totalmente novas foram projetadas e construídas, mas a grande parte dos planos teve que se confrontar com a cidade existente, com uma intervenção mais ou menos agressiva, com um diálogo mais ou menos amigável, como proposta de uma cidade moderna sobre a cidade tradicional, como uma proposta de mudança ao lado da cidade existente.

A intervenção do tipo cidade moderna sobre cidade tradicional apresenta 3 nuanças: as propostas conciliadoras, como as de Le Corbusier para Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo e Rio de Janeiro, onde edifícios-autopista são pousados sobre a cidade sem alteração do tecido ou da paisagem natural (fig.1); as propostas implantadas sob uma nova legislação urbanística aplicada sobre tecido tradicional e obrigadas de alguma forma a dialogar com este (2) (fig. 2); e ainda, as conhecidas proposições mais agressivas como o Plan Voison para Paris, também do mestre moderno, que em uma atitude de tábula rasa propõe a destruição do centro medieval de Paris e a construção de um centro comercial e de negócios com torres isoladas (fig. 3).

Figura1 - Estudo de Le Corbusier para São Paulo,

Figura 2 – Simulação de implantação total do Plano Diretor em uma zona de Pelotas. As novas normas urbanísticas são aplicadas sobre a estrutura do quarteirão. Fonte: arquivo do autor

Figura 3 – Le Corbusier, Plano Voison, Paris, 1925.

Porém, na prática, a estrutura física moderna se mostrou mais explicitamente nas propostas para novos pedaços de cidade que respondiam, principalmente, à demanda de habitação decorrente do grande crescimento urbano do século XX. Os novos bairros e conjuntos habitacionais, tendo as Siedlungs como organizações pioneiras, se constituirão como principal posta em cena urbana moderna (fig. 4).

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Figura 4 – Hans Sharoun, Walter Gropius, Hugo Haring, Otto Bartning, Fred Forbat e Paul Rudolf Henning, Siedlung Siemensstadt, Berlim, 1929.

O século XIX é conhecido por uma série de projetos de interferência na cidade que de alguma maneira tentavam lidar com os problemas da nova cidade industrial. Se os utopistas apresentaram propostas de negação da cidade, afastando-se da urbe doente, essas intervenções eram apresentadas sob a forma de propostas “curativas” que enfrentavam as enfermidades da própria cidade.

Os Planos de Haussmann, para Paris e de Cerdà, para Barcelona, são dois conhecidos exemplos com abordagens diferenciadas dentro do que pode ser chamado de planejamento urbano moderno. Haussmann projeta um esquema que abre passo dentro do tecido medieval de Paris (fig. 5). Cerdá propõe um traçado que envolve o casco antigo de Barcelona, mantendo-o praticamente intacto (fig. 6).

Figura 5 – Georges Eugène Haussmann, Plano de Paris, 1851-1870.

Figura 6 – Ildefonso Cerdà, Plano de Barcelona, 1859.

O desenvolvimento das cidades se dá, ao longo da história ocidental, a partir da sobreposição de diferentes conceitos, da justaposição de sucessivos pedaços de cidade, de diferenciados tecidos. As intervenções globais ou apenas pontuais possuem sempre a função explicita de sanar problemas especificamente urbanos e o propósito, muitas vezes velado, de atender a questões político-ideológicas.

Entre 1851 e 1870, uma série de circunstâncias favoráveis, entre elas a existência da lei sobre a expropriação de 1840 e da lei sanitária de 1850, permitem a Georges Eugène Haussmann, prefeito de Paris e circunvizinhanças, realizar um grande programa de transformações no espaço urbano de Paris. Haussmann considera parte das intervenções precedentes pontuadas por grandiosos complexos monumentais, entre os que predominavam as praças dos séculos XVII e XVIII, conjunto dos Inválidos e a seqüência monumental, única no mundo, do conjunto Ilha da Cité, Louvre, Tulleries, Champs Elysées e l’Etoile, que constituía uma grandiosa diretriz urbana. A partir daí, a abertura de ruas que cortam em todos os sentidos o organismo medieval e prolongam-se até a periferia, a instalação de novos serviços primários – o aqueduto, o esgoto, a iluminação a gás, a rede de transportes públicos com os ônibus puxados a cavalo – e a inclusão no corpo da cidade dos parques públicos Bois de Boulogne a oeste e o Bois de Vincennes a leste constituem-se como as principais realizações (7) (fig. 7).

Figura 7 – Georges Eugène Haussmann, Plano para Paris, 1851-1870. Plano indicando as novas ruas, os novos bairros e os dois grandes parques Bois de Boulogne e Bois de Vincennes.

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As perspectivas com longas fugas de avenidas com edifícios monumentais como pano de fundo– com precedentes na história como já havíamos destacado em relação aos planos dessa época – assim como a regularidade e uniformidade da arquitetura das fachadas nas praças e nas ruas mais importantes, dão ao plano uma estruturação imponente, espetacular, atitude que correspondia, como chama a atenção Benjamim, à tendência que se observava continuamente no século XIX de enobrecer necessidades técnicas com finalidades artísticas (8).

O plano para Barcelona do engenheiro espanhol Ildefonso Cerdà, aprovado inicialmente em 1859, apresenta uma intervenção completamente diferente. Os dois traçados urbanísticos básicos na época, a quadrícula e o radial – neste caso o segundo subordinado ao primeiro – eram sintetizados em um grande retângulo de sessenta por vinte módulos, localizado no espaço livre deixado entre a cidade medieval amuralhada e os povoados vizinhos e cortado por duas diagonais (fig. 6).

Como um dos primeiros tratadistas de arquitetura e urbanismo a reivindicar a salubridade das habitações de maneira radical e efetiva como a condição primeira a satisfazer na criação da nova cidade, Cerdá considerava a moradia como suporte fundamental da qualidade de vida. Emprega grande esforço na formulação das “ilhas tipo” e, a partir do reconhecimento da quadrícula como o traçado que reúne tanto vantagens de ordem circulatória, topológica, construtiva, jurídica como urbanística, chega ao módulo quadrado de 113 metros de lado com um chanfro de 20 metros como o mais adequado.

Ao compreender a necessidade de compactação da cidade industrial, abre mão de qualquer exemplo de habitação unifamiliar com jardim, ideais no seu pensamento, mas procura manter o máximo de qualidade ambiental propondo ilhas abertas com dois blocos – três e até quatro blocos na versão de 1863 (fig. 8).

Figura 8 – Ildefonso Cerdà, Plano para Barcelona, 1859. Ilha-tipo.

Cerdà escreverá mais tarde em sua Teoría General de la Urbanización, publicada em 1867, “a urbanização reside tão somente na associação do repouso e do movimento” (9). A presença dos dois conceitos diretores, a “habitação” e a “circulação”, que hoje mais do que nunca continuam sendo os dois pólos operacionais do urbanismo estão presentes, no plano de Barcelona no cuidado com a habitação e no projeto cuidadoso de uma rua realmente racional, com 20 metros de largura e separação entre os meios de locomoção

Ao contrário de Paris, a trama ortogonal, homogênea e igualitária não caracteriza uma Barcelona monumental, mas ambos planos dão corpo às palavras de ordem do desenho urbano no final do século XIX e começo do XX: saneamento e embelezamento.

O sacrifício da vizinhança à avenida de tráfego – herança do período barroco – perdurou ininterruptamente durante o século XIX. As rotatórias, propostas para Londres em 1666, para os planos de Paris do século XVIII e depois popularizadas em todo o mundo, reforçam a característica crescente da rua como um espaço de passagem e o decréscimo de sua importância como espaço para se estar ou habitar. Na cidade moderna do século XX a inexorabilidade do destino da rua é confirmada quando as rotatórias são substituídas pelas passagens em nível. Em Alexandria talvez já estivesse traçado esse destino social, mas essencialmente funcional da rua.

Os elementos, traçado e rua, foram os componentes fundamentais dos planos e intervenções urbanas que viemos analisando – estivemos até aqui quase que somente falando de traçados e ruas. Mas a ruptura radical que ocorre na cidade do século XX já não permite que uma análise nesses termos continue.

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Na cidade tradicional, rua e edifício são entidades inseparáveis. A arquitetura conforma a rua, a forma da arquitetura é a forma da cidade. Na cidade oitocentista, o traçado viário se estabelece como um sistema autônomo, como uma instalação prévia à produção dos edifícios. Mas ainda assim os edifícios construídos – a posteriori – confirmam o traçado e concretizam o tecido.

Os urbanistas do século XIX em geral, recorriam ao traçado reticular com inclusão de diagonais. O traçado xadrez, (fig. 7) que resulta de uma divisão racional do solo e que remonta aos assentamentos urbanos mais antigos, tornou-se o esquema básico da maioria das cidades, prometendo não apenas ordem e clareza, mas também igualdade na distribuição da propriedade. Por outro lado, as diagonais tinham como referência tanto as cidades poligonais fortificadas surgidas a partir de 1500, com ruas que irradiavam do centro para as portas localizadas nos lados do polígono (fig. 8).

Figura 7 - P. C. L’Enfant. Plano de Washington, 1795

Figura 8 – Scamozzi, Fortaleza de Palmanova, 1593.

Porém, se a organização formal tinha seus precedentes na história, já a partir da segunda metade do século XVIII, o conceito de intervenção no espaço da cidade havia sido completamente modificado. O pensamento ilustrado havia delineado, pela primeira vez, o conteúdo da urbanística segundo uma concepção que, a partir da insistente tentativa de coordenar todos os conhecimentos do saber em uma visão geral, em uma consciência sintética do universal, englobava os aspectos multiformes da vida social, nascendo assim, uma concepção unitária da estrutura da cidade.

A cidade radiante incentiva a promenade por toda a cidade, não na rua, mas no parque sem fim. É a cidade das vias de trânsito rápido mas também de longos passeios a pé. As conseqüências são conhecidas, qualquer resquício de intimidade jamais é recuperado.

São esses novos conceitos que permeiam os variados tipos de intervenção na cidade existente do século XX, apresentados no começo deste texto. No plano de Le Corbusier para o Rio ou São Paulo e para Paris, nos Planos Diretores implantados a partir dos anos 50 no Brasil, nas Siedlungs alemãs e nos novos bairros, em todos eles está presente esse desejo de desmaterialização da cidade. Essa idéia de distância, de separação, de solidão.

Figura 9 – Le Corbusier, Ville Contemporaine, 1922