concessao de uso X concessao de direito real de uso.pdf

48
CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO E CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA: EFETIVIDADE OU INCOMPATIBILIDADE? Mara Cristina Piolla Hillesheim 1 Guilherme Bove Canassa 2 RESUMO Cuida-se de estudo sobre os dois novos incisos que foram incorporados ao rol dos direitos reais do Código Civil. Tal fato merece atenção, vez que os novos direitos reais são figuras do direito administrativo, seara ligada ao direito público. A discussão que surgiu a partir da Lei 11.481/07, que foi a responsável por tais alterações, deu-se por conta das especialidades que circundam os bens públicos, os quais, inclusive, não são passíveis de aquisição mediante usucapião, porém, por outro lado, o legislador ao transformar as concessões de direito real de uso, e de uso especial para fins de moradia em direitos reais, conferiu segurança aos seus titulares. Por outro lado, as concessões de direito real de uso e de uso especial para fins de moradia, já existiam antes de serem abarcadas pelo direito civil. Não se vislumbra incompatibilidades em tais concessões, pelo contrário, trata-se da aplicação dos princípios constitucionais vigentes, os quais conferem, a todos, o mínimo necessário à vivência digna, marco teórico do atual paradigma do Estado Democrático de Direito, sustentado pela dignidade da pessoa humana. Para tanto, é utilizada a pesquisa exploratória, de modo a se verificar as publicações existentes acerca do tema, bem como a pesquisa de cunho bibliográfico, visando a reunir o material necessário para a abordagem pretendida. Nesta perspectiva, utiliza-se, ainda, o método hipotético-dedutivo, para que, por meio das informações levantadas, possa se verificar a efetividade dos novos direitos reais. Pretende-se, sobretudo, evidenciar a preocupação do Estado em implementar dos direitos consignados na Constituição da República de 1988, por meio das referidas concessões, a fim de se verificar se estas atendem ao princípio da função social. Avalia-se, nessa ótica, se há realmente a busca 1 Professora Orientadora de Monografias e de Iniciação Científica do Curso de Direito da Universidade de Uberaba. 2 Bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba.

Transcript of concessao de uso X concessao de direito real de uso.pdf

  • CONCESSO DE DIREITO REAL DE USO E CONCESSO DE USO ESPECIAL

    PARA FINS DE MORADIA: EFETIVIDADE OU INCOMPATIBILIDADE?

    Mara Cristina Piolla Hillesheim1

    Guilherme Bove Canassa2

    RESUMO

    Cuida-se de estudo sobre os dois novos incisos que foram incorporados ao rol dos

    direitos reais do Cdigo Civil. Tal fato merece ateno, vez que os novos direitos reais so

    figuras do direito administrativo, seara ligada ao direito pblico. A discusso que surgiu a

    partir da Lei 11.481/07, que foi a responsvel por tais alteraes, deu-se por conta das

    especialidades que circundam os bens pblicos, os quais, inclusive, no so passveis de

    aquisio mediante usucapio, porm, por outro lado, o legislador ao transformar as

    concesses de direito real de uso, e de uso especial para fins de moradia em direitos reais,

    conferiu segurana aos seus titulares. Por outro lado, as concesses de direito real de uso e de

    uso especial para fins de moradia, j existiam antes de serem abarcadas pelo direito civil. No

    se vislumbra incompatibilidades em tais concesses, pelo contrrio, trata-se da aplicao dos

    princpios constitucionais vigentes, os quais conferem, a todos, o mnimo necessrio

    vivncia digna, marco terico do atual paradigma do Estado Democrtico de Direito,

    sustentado pela dignidade da pessoa humana. Para tanto, utilizada a pesquisa exploratria,

    de modo a se verificar as publicaes existentes acerca do tema, bem como a pesquisa de

    cunho bibliogrfico, visando a reunir o material necessrio para a abordagem pretendida.

    Nesta perspectiva, utiliza-se, ainda, o mtodo hipottico-dedutivo, para que, por meio das

    informaes levantadas, possa se verificar a efetividade dos novos direitos reais. Pretende-se,

    sobretudo, evidenciar a preocupao do Estado em implementar dos direitos consignados na

    Constituio da Repblica de 1988, por meio das referidas concesses, a fim de se verificar se

    estas atendem ao princpio da funo social. Avalia-se, nessa tica, se h realmente a busca

    1 Professora Orientadora de Monografias e de Iniciao Cientfica do Curso de Direito da Universidade de

    Uberaba. 2 Bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba.

  • por um novo direito, no pautado num conceito de justia distributiva, todavia mais

    humanizado, que reverte benefcios em prol do prprio outorgante do poder estatal, que o

    cidado.

    Palavras-chave: Direitos reais. Direito administrativo. Concesses. Dignidade da pessoa

    humana. Funo social da propriedade.

    1 INTRODUO

    A propriedade, desde seu surgimento, tema conturbado e causa de inmeras

    disputas desde o incio da civilizao, pois motivo das batalhas romanas, que alm do intuito

    territorial, tambm desejavam disseminar a cultura e a religio do imprio.

    No poderia o homem viver merc de tudo, sem ter um espao/lugar para chamar

    de seu. Prprio da natureza humana se apropriar das coisas que so teis boa vivncia. Certo

    que o direito sempre se ocupou da propriedade, cerne dos direitos reais, pois questo

    delicada e que merece tutela.

    O advento da nova ordem constitucional, inaugurado pela Constituio da Repblica

    de 1988, conduziu a nao ptria ao que se denomina Estado Democrtico de Direito,

    sistemtica de organizao estatal pautada na lei e na vontade popular.

    Na atualidade, no mais se visualiza a concepo de propriedade difundida outrora.

    Hodiernamente, constitui direito fundamental, inclusive, consignado no texto constitucional

    vigente, contudo, no se vislumbra tal instituto de modo individual.

    A propriedade no concebida como direito absoluto. Os tempos modernos

    relativizaram os direitos, de tal forma que estes foram incorporando novos conceitos. A

    Constituio da Repblica de 1988 responsvel pela introduo de temticas humanizadas

    no direito brasileiro, ousando para que se firme o paradigma democrtico.

    O direito administrativo, por outro lado, seara recente do direito comparado ao

    direito das coisas, dedica-se ao estudo das relaes do Estado para com os demais, alm da

    gesto do prprio ente estatal e de seus bens.

    Importam ao presente estudo, ambos, direito administrativo e civil, vez que ao

    mencionar as concesses de bens pblicos, estas esto atreladas ao direito administrativo,

    porm tal discusso ainda circunda pelo direito civil em razo da recente insero das

  • concesses de direito real de uso e de uso especial para fins de moradia ao rol dos direitos

    reais.

    Temtica tambm abordada pelo texto constitucional vigente, a Administrao

    Pblica passou a ser motivo de constante preocupao da populao, em razo da ineficincia

    e morosidade do servio pblico, tanto que consignado no artigo 37 da Constituio da

    Repblica de 1988, os princpios que devem nortear o Poder Pblico.

    Procura-se, com este estudo, abordar de forma ampla as questes ligadas aos direitos

    reais, elencados pelo Diploma Civil de 2002, especialmente as concesses de direito real de

    uso e de uso especial para fins de moradia, dois novos incisos incorporados ao artigo 1.225 da

    referida norma, demonstrando que tal incluso deu-se pela preocupao com os princpios

    constitucionais estampados na Lei Maior, para que se realize plenamente o ideal do Estado

    Democrtico.

    Constitui-se esta monografia, em um captulo dedicado evoluo do direito de

    propriedade, relacionando-o com os direitos reais. Em seguida, aborda-se os princpios

    constitucionais pertinentes ao caso em tela, alm das garantias e direitos fundamentais e,

    ainda, na sequncia, h um esboo no que condiz aos princpios da Administrao Pblica,

    tambm constantes na norma constitucional. Por fim, dedica-se espao para a discusso

    pertinente s concesses de direito real de uso e de uso especial para fins de moradia, bem

    como sua efetividade no ordenamento jurdico. Acerca de tais aspectos, este estudo procura

    tecer algumas consideraes.

    2 A PROPRIEDADE E SUA EVOLUO

    Desde os primrdios da histria, o homem sempre se preocupou em justificar sua

    prpria existncia, pensar e a questionar a si prprio. Antes do surgimento da civilizao, o

    homem necessitava, naturalmente, desenvolver algumas tcnicas, como manusear o fogo,

    encontrar abrigo quando das intempries, e o mais indispensvel coletar alimentos.

    Com o passar dos tempos, ao se formarem os grupos, vez que o homem se manteve

    em conjunto, percebeu-se a possibilidade de cultivar aquilo que iriam consumir, oportunidade

    na qual, verificou-se a desnecessidade de continuarem nmades. Ao se estabelecerem num s

    local, constituram-se sedentrios, e sabendo j das ameaas, logicamente passaram a

    melhorar o ambiente de modo que favorecesse a sua moradia. Quando delimitou aquela rea

  • para se estabelecer e l permanecer, neste momento surgiu o que se chamaria de propriedade,

    porm ainda em comum. (FABRI, 2010, p. 24-25).

    Percebe-se que sempre o homem se apropriou daquilo que est em seu entorno, como

    alimentos, o fogo, e at confeccionando suas vestimentas para se proteger do frio.

    Posteriormente, como prprio da evoluo, ao notar que poderia se estabelecer em

    determinado ambiente de modo fixo, apoderou-se de tal espao.

    Vislumbra-se, em primeiro lugar, que pela prpria necessidade, os primitivos se

    tornaram ntimos dos bens indispensveis sobrevivncia, depois ao aprimorarem as

    percepes, fundaram moradia fixa, originando a propriedade imvel, que seria motivo de

    inmeras disputas durante o povoamento do planeta.

    Os romanos, precursores da civilizao moderna, influenciaram de forma

    significativa a concepo de propriedade, especialmente enquanto Justiniano era imperador,

    quando foi publicado o Corpus Iuris Civilis.

    Entende-se que o incio de todo o Direito Civil moderno se deu em Roma.

    Desenvolvendo-se, expandindo fronteiras, e conquistando espaos, os romanos, no decorrer

    do tempo, criaram suas prprias regras no que concerne propriedade, consagradas na

    posteridade por Justiniano.

    Preocupao, alis, j presente na Grcia, por volta de 429-447 a. C., quando se

    procurava assentar acerca da propriedade, pois em A Repblica, Plato busca estabelecer o

    Estado-ideal, concluindo que a Polis (Cidade-Estado organizada), o nico meio de se

    alcanar a justia e paz. (OLIVEIRA; THEODORO, 2004).

    Assim, assenta Silva (2001, p. 255) que:

    Segundo a concepo da poca, a cidade o homem escrito em letras grandes e a

    cidade ideal dessa forma, corresponde ao homem ideal. A construo da cidade

    platnica corresponde a uma relao entre as quatro virtudes da alma (Sabedoria,

    Temperana, Coragem e Justia) e as trs da alma (o apetite, a impetuosidade e a

    racionalidade). Assim, a cidade ideal tambm deveria ter trs classes: os artesos,

    que correspondem ao apetite, os guerreiros, correspondentes impetuosidade e os

    guardies racionalidade.

    Na ideia de Plato, no deveriam os guerreiros se preocupar com outras finalidades

    seno a execuo de suas funes, portanto no poderiam adquirir propriedades, Aos artesos

    era conferida a possibilidade de se acumular bens, ou seja, a noo de propriedade era tanto

    atrelada posio social como produo. (OLIVEIRA; THEORORO, 2004).

    Cada poca molda suas prprias normas, que refletem os valores que cada sociedade

    procura preservar. No incio da civilizao, comumente se matava pela conquista do espao.

  • Assim, no foram ainda esquecidas as conquistas romanas, perodo em que se derramou

    sangue com o fim de se expandir a cultura e do domnio de Roma. Todavia, na atualidade,

    com o advento do atual marco terico constitucional, os direitos apesar de serem amplos, no

    so mais absolutos. O Estado o reflexo do povo, que o outorgante do poder estatal, de

    forma que aquele exera suas funes em nome destes.

    Acerca da Teoria do Estado, ensina Brtas (2010, p. 22-23), que:

    Valendo-nos da sempre aplaudida doutrina de Jorge Miranda, devemos considerar

    que, na dinmica estatal, povo deve ser considerado o substrato humano, formador

    da comunidade poltica do Estado, sua razo de ser que o modela em concreto. Em

    razo disto, o territrio do Estado corresponde rea de fixao do povo. Ainda

    segundo o mesmo autor, o Estado resultante da obra de uma coletividade, que h

    de se tornar o povo, da porque o poder poltico se define como poder em relao ao

    povo. Em consequncia, este poder poltico, nos sistemas democrticos, sempre

    exercido, direta ou indiretamente, em nome do povo, por isto mesmo conformado

    pelo modo de ser, de agir e de obedecer do povo e das pessoas que o compem.

    O direito de propriedade, antes absoluto, evoluiu juntamente com os povos e o

    pensamento de cada poca. Tornou-se direito constitucional, consignado inclusive no rol dos

    direitos fundamentais dos cidados.

    O regime jurdico da propriedade tem seu fundamento na Constituio. Esta garante

    o direito de propriedade desde que este atenda sua funo social. [...] no h como

    escapar ao sentido de que s se garante o direito da propriedade que atenda sua

    funo social. [...]

    Esse conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade denota que ela no

    pode mais ser considerada como um direito individual nem como instituio do

    Direito Privado. Por isso, deveria ser prevista apenas como instituio da ordem

    econmica, como instituio de relaes econmicas, como nas Constituies da

    Itlia (art. 42) e de Portugal (art. 62). (SILVA, 2008, p. 270).

    A insero do direito de propriedade na Carta Magna questo que merece ateno,

    vez que to arraigada na mente humana, foi consagrada como um dos principais direitos

    inerentes ao cidado destinatrio da norma.

    Da obra de Moraes (2005, p. 57), extrai-se que:

    O estabelecimento de constituies escritas est diretamente ligado edio de

    declaraes de direitos do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limites

    ao poder poltico, ocorrendo a incorporao de direitos subjetivos do homem em

    normas formalmente bsicas, subtraindo-se seu reconhecimento e garantia

    disponibilidade do legislador ordinrio.

    To natural a apropriao do homem sobre as coisas, tanto mveis como imveis,

    que a propriedade consta como direito inerente a este, inserida na Declarao Universal dos

  • Direitos do Homem, no artigo XVII, donde se recorta que 1. Todo ser humano tem direito

    propriedade, s ou em sociedade com outros. 2. Ningum ser arbitrariamente privado de sua

    propriedade..

    A evoluo do conceito de propriedade se alterou ao perdurar pelos sculos, tanto

    que ao integrar a Declarao dos Direitos do Homem, foi tambm inserida no texto das

    constituies particulares de cada Estado, devido a sua importncia.

    As ocorrncias histricas refletem a natural tendncia do homem de se apropriar das

    coisas, sendo estas mveis ou imveis, definindo assim a propriedade. A propriedade como

    instituto jurdico, objeto de estudo do direito das coisas, ramificao cientfica que se

    destina a pesquisar as relaes do homem com a coisa, daquelas que so passveis de

    apoderao pelo sujeito.

    Cuida-se do mais completo direito real, sendo o centro de todo o direito das coisas. A

    propriedade, devido s vrias influncias sofridas, no possui uma concepo nica, vez que

    os respectivos modelos adotados, determinam seu alcance no ordenamento.

    A palavra oriunda do latim proprietas, ou seja, aquilo que pertence a algum.

    Indica a relao jurdica de apropriao entre a pessoa e algum bem, corpreo ou no. O

    proprietrio o dominus, o senhor da coisa, somente senhor aquele que exerce o domare, ou

    seja, o domnio. Enfim, propriedade o direito conferido pessoa, para que exera sobre

    algum bem, o uso, o gozo, a faculdade de se dispor deste, alm de poder reivindic-lo quando

    necessrio for. (GONALVES, 2009, p. 208).

    Para que o direito de propriedade seja pleno, necessrio que o proprietrio tenha,

    sob seu resguardo, todos os poderes elencados pelo artigo 1.228 do Diploma Civil, tais sejam:

    o uso, que concede ao dono a faculdade de utilizar e se servir da coisa, contudo respeitando os

    limites impostos pela lei; o gozo ou fruio, que compreende a faculdade do proprietrio de

    perceber os frutos advindos do bem que lhe pertence; a disposio ou o direito de dispor,

    tambm ligado ao titular, consiste na possibilidade deste poder transferi-la, ou mesmo dar o

    bem como garantia, e at alien-lo; e o direito de reaver a coisa, quando da posse injusta

    exercita por outrem. O que se consegue por meio da ao reivindicatria, um dos meios de

    proteo da propriedade.

  • 2.1 OS DIREITOS REAIS

    Tarefa rdua definir e/ou limitar a abrangncia dos direitos reais, ou direito das

    coisas como comumente conhecido. A princpio, h que se ressaltar a existncia de duas

    correntes que definem os direitos reais, diferindo-os assim dos direitos pessoais, sendo a

    teoria clssica ou realista, e a monista ou personalista.

    Entendem os adeptos da teoria realista ou clssica que, nos direitos reais apenas

    existe uma relao entre a pessoa (sujeito ativo), a coisa, e a inflexo do sujeito sobre esta. J

    o direito pessoal se distingue por se tratar de uma relao entre pessoas, e no caso, h sempre

    um sujeito ativo, bem como um passivo e a prestao que um deve ao outro. (DINIZ, 2004, p.

    11).

    Por outro lado, compreendem os defensores da teoria monista, que existem trs

    elementos, sendo eles o sujeito ativo, o passivo e a coisa. Sendo que, sujeito ativo o

    proprietrio, o passivo perfaz a coletividade, e a coisa, que o objeto sobre o qual recai o

    direito. (DINIZ, 2004, p. 10-11).

    Tambm ensina Pereira (1999, p. 02-03):

    [...] No direito real existe um sujeito ativo, titular do direito, e h uma relao

    jurdica, que no se estabelece com a coisa, pois esta o objeto do direito, mas tem a

    faculdade de op-la erga omnes, estabelecendo-se desta sorte uma relao jurdica

    em que sujeito ativo o titular do direito real, e sujeito passivo a generalidade

    annima dos indivduos [...] (GRIFO DO AUTOR)

    Sintetizando, pode-se afirmar que a teoria conhecida como monista ou personalista,

    no encontra guarida no direito brasileiro, vez que j formalizado nas bases da teoria

    clssica/realista. No que concerne temtica, expe Diniz (2004, p. 13):

    preciso deixar bem claro que essas teorias monistas no encontram acolhida em

    nosso direito positivo, que consagra a j tradicional distino entre direito real e

    direito pessoal feita pela teoria clssica ou realista; esta caracteriza o direito real

    como uma relao entre o homem e a coisa, que se estabelece diretamente e sem

    intermedirio, contendo, portanto, trs elementos: o sujeito ativo, a coisa e a inflexo

    imediata do sujeito ativo sobre a coisa e o direito pessoal, como uma relao entre

    pessoas abrangendo tanto o sujeito ativo como o passivo e a prestao que ao

    primeiro deve o segundo.

    Ante tais discordncias, no se chegou ainda a um consenso quanto diferena entre

    direitos reais e pessoais. Nesse sentido, pode-se afirmar que os direitos reais possuem

  • caractersticas prprias, que os distinguem dos demais, sendo: eficcia absoluta, inerncia,

    sequela, preferncia, tipicidade, tendncia perpetuidade, determinao e existncia atual da

    coisa, publicidade e aquisio por usucapio.

    2.1.1 Eficcia absoluta

    A eficcia absoluta atribuda aos direitos reais o que se comumente designa de

    oponibilidade erga omnes. Destarte, h um direito absoluto sobre a coisa, no no sentido de

    que este direito no sofre restries de quaisquer naturezas, mas absoluto quanto ao dever de

    respeito das demais pessoas, para com aquele que detm o poderio sobre a coisa. Trata-se da

    impossibilidade de se contrapor ao direito real de algum.

    Estampa Carvalhinho (2005):

    Enquanto nos direitos relativos o sujeito passivo assume uma importncia relevante,

    nos direitos absolutos, ao contrrio, passa a segundo plano. Os direitos relativos se

    assentam sobre uma relao jurdica entre sujeitos determinados, sendo eficazes

    apenas inter partes, ao passo que os direitos reais se dirigem a todos os sujeitos, na

    medida em que podem se fazer valer contra qualquer um, sendo dotados de eficcia

    erga omnes. (GRIFO DO AUTOR)

    Verifica-se que os direitos reais, pela sua prpria natureza e necessidade, so

    oponveis a terceiros, o que garante ao dominus seu direito sobre a coisa.

    2.1.2 Inerncia

    A inerncia advm da prpria oponibilidade erga omnes, vez que tal direito

    acompanha o direito real.

    Pode-se notar que a inerncia caracterstica peculiar dos direitos reais,

    principalmente no que diz respeito aos direitos sobre a coisa alheia, como por exemplo a

    superfcie que, mesmo estando na posse de outrem , parte integrante do direito de

    propriedade. (CARVALHINHO, 2005).

  • 2.1.3 Sequela

    O direito de sequela acompanha o direito real. Est diretamente ligado inerncia e

    oponibilidade erga omnes, entendeu-se que, estando a coisa adentrando esfera jurdica de

    outro, mesmo assim, pode o titular do direito real exercer sua condio.

    Carvalhinho (2005) simplifica:

    A demonstrar melhor a ideia, basta ter em mente um usufruto e um comodato.

    Enquanto ao usufruturio dado exercer seu direito em face de terceiro, que tenha

    adquirido a coisa alienada pelo proprietrio, ao comodatrio s assiste o direito de

    ser indenizado pelo antigo proprietrio, nada podendo exigir em relao ao terceiro

    adquirente. Ao contrrio do usufruto, o comodato no aderiu coisa, no a

    acompanhou na transmisso de sua propriedade e no prevalece diante do novo

    titular desse direito.

    Percebe-se, no contexto, que ao titular do direito real concedido o exerccio de

    direito em face de terceiros, enquanto que, frente a um direito de natureza pessoal (comodato),

    no h a mesma garantia, esclarecendo o sentido da sequela.

    2.1.4 Preferncia

    Trata-se de uma das manifestaes da eficcia absoluta, vez que a oponibilidade erga

    omnes dos direitos reais se sobrepe inclusive ante o surgimento de novo direito real ou

    pessoal posterior sobre o mesmo bem.

    Sobre o tema, leciona Carvalhinho (2005), que:

    Em outras palavras, no confronto entre um direito real de garantia e um direito

    pessoal ou um outro direito real posterior, aplica-se uma conjugao do direito de

    preferncia com a regra da prioridade temporal: prevalece o direito real de garantia

    constitudo a mais tempo. Assim que um crdito garantido por hipoteca inscrita

    anteriormente ao registro de um contrato de promessa de compra e venda no mesmo

    imvel ter prevalncia.

    Vislumbra-se que os direitos reais obedecem cronologia, ou seja, prevalece aquele

    que foi gravado primeiro.

  • 2.1.5 Tipicidade

    A tipicidade diz respeito particularidade inerente ao direito real. Os nicos direitos

    reais existentes so aqueles elencados no artigo 1.225 do Cdigo Civil Brasileiro, perfazendo

    assim, o que se denomina de tipo fechado, ou at numerus clausus.

    Verifica-se, portanto, mais uma diferena entre os direitos reais e os pessoais, vez

    que estes ltimos so de livre acordo entre as partes, ao contrrio dos primeiros, que no

    podem ser convencionados outros, seno aqueles j existentes e previstos na lei.

    (CARVALHINHO, 2005).

    Lembra-se da lio de Diniz (2004, p. 15):

    Eis porque comum falar que no direito real h imposio de tipos, com o que se quer dizer que as partes no podem, por si mesmas, mediante estipulao, criar

    direitos reais com contedo arbitrrio, mas que esto vinculadas aos tipos jurdicos que a norma jurdica colocou sua disposio.

    evidente tal caracterstica nos direitos reais, vez que obedecem a um rol taxativo,

    estampado no Cdigo Civil, no havendo possibilidade de se convencionarem outras espcies

    seno aquelas.

    2.1.6 Tendncia perpetuidade

    Pode-se afirmar que significativa parcela da doutrina repudia este aspecto dos

    direitos reais, porm evidente que estes se constituem estveis e duradouros.

    (CARVALHINHO, 2005).

    Trata-se apenas de uma probabilidade, ou seja, nem sempre os direitos reais se

    prolongaro no tempo, mas comum que ocorra, enquanto que os direitos oriundos das

    obrigaes so, por outro lado, transitrios, nascendo com a obrigao e se exaurindo com o

    cumprimento desta.

  • 2.1.7 Determinao e existncia atual da coisa

    prprio dos direitos reais que sejam constitudos sobre uma coisa certa e

    determinada, particularizada. No h como se gravar um direito real sem individualizar o

    objeto, que tambm condio para que se exera a sequela, que no pode recair sobre uma

    universalidade. (CARVALHINHO, 2005).

    Ressalta-se, ainda, que necessria a existncia atual da coisa, vez que no h como

    se gravar um direito real sobre coisa inexistente.

    2.1.8 Princpio da publicidade

    Tornando os direitos reais ainda mais especiais, pesa sobre estes o princpio da

    publicidade, razo pela qual no se dispensa a publicao de seus atos constitutivos.

    A publicidade alm de conferir segurana, gera a presuno de que toda a sociedade

    tem conhecimento do ato. No ordenamento jurdico brasileiro, principalmente quando se

    refere aos bens imveis, h a necessidade do registro no Cartrio de Registro Imobilirio,

    como preceitua o artigo 1.227 do Cdigo Civil. No caso dos bens mveis, a publicidade se

    alcana com a tradio, que a transferncia da posse. (CARVALHINHO, 2005).

    2.1.9 Aquisio por usucapio

    Os direitos reais so os nicos passveis de se adquirir, mediante usucapio, devido

    ao transcurso do tempo. Exclui-se desses casos, os direitos reais de garantia, os quais no se

    adquirem por usucapio.

    2.2 OS DIREITOS REAIS E SUA CLASSIFICAO

  • Os direitos reais so classificados de formas variadas, porm a que mais interessa a

    este estudo, a que se determina pela extenso dos poderes.

    Ao analisar os direitos reais sob a tica dos poderes inerentes a cada um daqueles

    elencados no artigo 1.225 do Cdigo Civil, infere-se que a propriedade o direito real mais

    completo, vez que rene as faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar, todas atribudas ao

    titular. (DINIZ, 2004, p. 20).

    O direito real de superfcie tem origem no direito romano, e apenas passou a constar

    no direito brasileiro, a partir do Cdigo Civil de 2002. Trata-se da possibilidade de se utilizar

    imvel, seu solo, para se construir ou plantar, ou seja, vem a ser uma espcie de fruio sobre

    a coisa alheia. (DINIZ, 2004, p. 432-437).

    No que concerne aos direitos reais de garantia, estes se restringem a garantir negcio

    jurdico do titular, ficando, portanto, indisponveis, vetando a possibilidade de se dispor do

    bem gravado, na medida do dbito garantido.

    O chamado direito real de aquisio, ou direito do promitente comprador do imvel,

    atinge apenas o direito de disposio, vez que quando o devedor aliena seu bem, o comprador

    (credor do imvel), obriga-se a fazer a escritura pblica. (DINIZ, 2004, p. 20).

    As servides, os direitos reais de uso e habitao, que so gravados sobre o bem

    imvel, so poderes limitados, restringindo-se apenas utilidade da coisa, ao passo que os

    direitos de usufruto e a anticrese possibilitam o uso e gozo de determinado bem. (DINIZ,

    2004, p. 20-21).

    3 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS

    Temtica complexa definir o quem vem a ser princpio. A etimologia da prpria

    palavra revela que o incio, ou seja, o comeo. Na ordem jurdica, os princpios so alicerce

    do sistema, e destes irradiam as demais normas, vez que norteadas por eles.

    Bandeira de Mello (1971, p. 450-451 apud SILVA, 2008, p.91) conceitua princpio

    do seguinte modo:

    Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio

    fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o esprito e

    servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por

    definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e

    lhe d sentido harmnico.

  • A composio de um sistema jurdico d-se por meio das normas, as quais so

    princpios ou regras. Desse modo, os princpios so normas jurdicas subjetivas, que tutelam

    inmeras situaes, de acordo com a interpretao a ele atribuda, obedecendo a uma lgica

    sistemtica.

    Ainda esclarece Bandeira de Mello (1981, p. 284 apud GASPARINI, 2007, p.7):

    Violar um princpio muito mais grave que transgredir uma norma. A desateno ao

    princpio implica ofensa no a um especfico mandamento obrigatrio, mas a todo o

    sistema de comandos. a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade,

    conforme o escalo do princpio violado, porque representa insurgncia contra todo

    o sistema, subverso de seus valores fundamentais, contumlia irremissvel a seu

    arcabouo lgico e corroso de sua estrutura mestra.

    Verifica-se, assim, a importncia dos princpios no ordenamento, pois estes so tidos

    como sustentculos do sistema jurdico. No se trata de uma indicao ou direo a ser

    seguida, mas de lgica sistemtica, a qual no se pode contrariar, sob pena de se contaminar

    toda a ordem estabelecida. H, no princpio, a possibilidade de ampla interpretao, vez que

    norma de mais abstrao, permitindo ao intrprete adequ-lo s situaes fticas.

    Este estudo permeia-se tanto pelo direito civil, como pelo direito administrativo.

    Todavia, antes de se adentrar nos princpios inerentes a cada ramificao envolvida,

    necessrio um esboo tangendo aqueles consignados no texto constitucional, vez que cruciais

    para o bom desenvolvimento da temtica das concesses.

    3.1 PRINCPIOS FUNDAMENTAIS

    Os princpios so as bases de todo o sistema normativo de um determinado pas.

    Contam no texto constitucional, mesmo que implcitos, dividindo-se em polticos e jurdicos.

    (SILVA, 2008, p. 92-93).

    Os polticos so aqueles estampados nos primeiros artigos da Constituio da

    Repblica de 1988 (artigos 1 ao 4), quando se trata da organizao do Estado, sua

    constituio e fundamentos.

  • J os jurdicos so os demais, tambm incorporados no texto da Constituio e que

    comumente delineiam o ordenamento, pois destes decorrem outras normas de carter

    principiolgico, porque so o ncleo do sistema.

    A Constituio da Repblica, de modo harmnico, no estabelece hierarquia entre

    seus princpios, porm alguns so especiais, vez que compem a estrutura e as bases do

    Estado, ou seja, os fundamentais. De tais princpios, interessam a este estudo, em primeiro

    lugar, a explanao acerca do Estado Democrtico de Direito, alm do princpio da dignidade

    da pessoa humana e, ainda, da solidariedade.

    3.1.1 O Estado Democrtico de Direito

    Estampa o primeiro artigo da Constituio da Repblica de 1988: A Repblica

    Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito

    Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito [...], modelando assim, como seria

    regida a nao doravante.

    O Estado Democrtico de Direito instituio permanente e inacabada, garantia

    estampada no texto constitucional e inerente a todos os cidados. Adequado e eficiente,

    conduzido pela prpria vontade do povo, outorgante e destinatrio de todo o sistema.

    Tornou-se frequente a utilizao do termo paradigma, ao se referir ao Estado

    Democrtico de Direito. Contudo, necessrio que se esclarea acerca da terminologia

    adotada, a fim de se aprimorar a concepo do princpio.

    Afirma Brtas (2010, p. 55-56):

    Considera Kuhn que a cuidadosa investigao histrica, acerca de alguma

    especialidade do saber humano, realizada em determinado momento, revela um

    conjunto de ilustraes cientficas quase padronizadas de teorias diferentes, nas suas

    aplicaes conceituais e instrumentais. Esse conjunto de realizaes ou de

    ilustraes constitui o paradigma da comunidade cientfica, tratado nos livros e nas

    conferncias, permitindo aos membros de uma considerada comunidade cientfica

    estud-lo e utiliz-lo, na prtica, o que lhes permite adequada orientao. Para Kuhn,

    abandonar um paradigma deixar de praticar a cincia por ele definida, porque um

    paradigma aquilo que os membros de uma comunidade partilham.

    Assim, tem-se que a reunio de estudos, pesquisas e trabalhos de natureza cientfica,

    enraizado numa determinada rea, constitui o que se denomina paradigma.

  • Nesse sentido, continua Brtas (2010, p. 57), fazendo referncia a Del Negri (2008,

    p. 27):

    [...] acreditamos que paradigmas do Estado de Direito e do Estado Democrtico de

    Direito devem ser compreendidos como sistemas jurdico-normativos consistentes,

    concebidos e estudados pela teoria do Estado e pela teoria constitucional, no sentido

    tcnico de verdadeiros complexos de ideias, princpios e regras juridicamente

    coordenados, relacionados entre si por conexo lgico-formal, informadores da

    moderna concepo de Estado e reveladores das atuais tendncias cientficas

    observadas na sua caracterizao e estruturao jurdico-constitucional.

    A formao do Estado, nos parmetros do Estado Democrtico de Direito, releva a

    ruptura com os modelos anteriormente adotados, priorizando, assim, como em toda e qualquer

    democracia, a vontade popular.

    Numa democracia h sempre a valorizao da vontade popular, de onde emana o

    poder. O nico poder existente o legitimado pelos cidados, fonte e destino de todo o

    sistema.

    Lembra-se da lio de Del Negri (2008, p. 76-77):

    H ainda quem sustente que democracia o governo do povo, pelo povo e para o povo. uma retrica que nem chega perto da tenso que esta palavra carrega. Discursos como este, disfarados de democracia, logo se transformam na tragdia do

    Holocausto [...] A Constituio Brasileira de 1988 trouxe a democracia de volta, se

    que o Brasil um dia teve democracia estvel e segura. H alguns anos, entretanto,

    estamos sofrendo a falta de implementao das regras do Estado Democrtico de

    Direito, porque a imensa maioria ainda no trabalha indexada a este marco terico.

    A nao ptria, mesmo aps anos de instaurao da nova ordem democrtica, ainda

    no conseguiu se adequar a tal sistema. Cuida-se de questo cultural, pois se nota a ausncia

    de aplicao do que se encontra consignado no texto constitucional.

    Continua Del Negri (2008, p. 76-77):

    Muitos entendem que o eixo da democracia est no voto e faz ramificaes do

    problema pela conexo democracia-voto-cidadania. A partir dessa concluso, dizem

    que a aquisio da cidadania, se d mediante a retirada do ttulo de eleitor. No

    podemos pensar assim. Essas explicaes foram malogradas, pois, ainda, se

    emboscam por trs da complexidade da Teoria da Democracia, que se exerce pelo

    cumprimento da Constituio, a qual um projeto assegurado por lei para ser

    operacionalizado por todos (maiorias e minorias), pois, nas democracias, a maioria

    tem que se preocupar com as minorias, uma vez que a maioria no pode ser

    compreendida to-somente pelo ndice numrico.

    No basta apenas consignar no texto constitucional as diretrizes do Estado, se quando

    da prtica, no so observados. Percebe-se que o marco terico do Estado Democrtico de

  • Direito excede os limites daquilo que se pensa ser o governo das maiorias, muito pelo

    contrrio, h a necessidade de se adequar as minorias e as maiorias, de forma a se estabelecer

    uma vivncia harmnica.

    Na verdade, o paradigma do Estado Democrtico de Direito a evoluo dos antigos

    sistemas, exaustivamente implementados em outras pocas, como o liberalismo e o

    socialismo.

    Nas palavras de Silva (2008, p. 120):

    um tipo de Estado que tende a realizar a sntese do processo contraditrio do

    mundo contemporneo, superando o Estado capitalista para configurar um Estado

    promotor de justia social que o personalismo e o monismo poltico das democracias

    populares sob o influxo do socialismo real no foram capazes de construir.

    Sem delongas, certo que a funo primordial da instituio do Estado Democrtico

    de Direito, sem dvida, a construo de uma sociedade mais justa, digna e consciente. o

    poder do povo, sendo revertido em seu proveito prprio.

    3.1.2 Dignidade da Pessoa Humana

    Pertinente e necessria a discusso da temtica. Hodiernamente, muito se fala no

    direito vida, liberdade, dentre tantos outros indispensveis e inerentes ao homem.

    Contudo, avanou-se no que concerne a esta seara. Que sentido ter a vida do homem se ela

    no for digna? No se pensa apenas no direito vida, mas sim, na vida digna.

    A dignidade prpria dos seres humanos, tanto que a Norma Maior de 1988,

    estabeleceu que: Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel

    dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de

    Direito e tem como fundamentos: I a soberania, II a cidadania, III a dignidade da pessoa

    humana [...].

    Assim assentou Kant (2004, p. 65): No reino dos fins tudo tem um preo ou uma

    dignidade. Quando uma coisa tem um preo, pode-se pr em vez dela qualquer outra como

    equivalente, mas quando uma coisa est acima de todo o preo, e portanto no permite

    equivalente, ento ela tem dignidade.

  • Importncia relevante tem alcanado a dignidade no ordenamento jurdico brasileiro.

    No poderia ser o contrrio, vez que estampada como fundamento deste Estado. O que se

    percebe que em decorrncia dos acrscimos recebidos neste mbito, a dignidade conquistou

    espao, sendo inclusive justificativa para inmeros casos existentes.

    Assim delineou Perlingieri (2007, p. 155):

    [...] onde o objeto de tutela a pessoa, a perspectiva deve mudar; torna-se

    necessidade lgica reconhecer, pela especial natureza do interesse protegido, que

    justamente a pessoa a constituir ao mesmo tempo o sujeito titular do direito e o

    ponto de referncia objetivo da relao. O ser, muito mais importante que o ter na escala de valores, prestigiado pelo ordenamento jurdico, sobretudo no que

    respeita a preservao da dignidade humana.

    Certo que se trilhou caminho tormentoso at os dias atuais, quando j vislumbra a

    extrema valorizao da dignidade humana. O direito antes frio, jamais tutelaria as variadas

    situaes reais que encontram guarida na dignidade humana. Houve, portanto, a necessidade

    imperiosa de se consolidar um direito mais humano e prximo de cada realidade, para que

    este atendesse sua finalidade, minguando os conflitos.

    Encontra-se estampado na lio de Moraes (2005, p. 16):

    A dignidade um valor espiritual e moral inerente pessoa, que se manifesta

    singularmente na autodeterminao consciente e responsvel da prpria vida e que

    traz consigo a pretenso ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se

    um mnimo invulnervel que todo estatuto jurdico deve assegurar, de modo que,

    somente excepcionalmente, possam ser feitas limitaes aos exerccios dos direitos

    fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessria estima que merecem todas

    as pessoas enquanto seres humanos.

    A dignidade um valor que transcende o direito, pois prprio da natureza humana.

    Quando da reestruturao do Estado, que culminou com a nova constituio, houve a

    necessidade de se buscar um direito mais humano. Fenmeno inclusive observado nos pases

    europeus aps a queda dos regimes totalitrios. Ainda se percebe certa resistncia quando se

    fala na dignidade da pessoa humana, pois como princpio amplo e genrico, abarca inmeras

    tutelas, algumas ainda pouco discutidas.

    As prprias origens do sistema romano-germnico, do qual decorre o direito

    brasileiro, so extremamente patrimoniais, o que dificulta, ainda, a difuso de uma concepo

    mais humanizada.

    No h pretenses tendenciosas ao se tutelar a dignidade humana. questo que

    realmente merece amparo, principalmente quando se recorda dos tratamentos degradantes e

  • torturas vividas no perodo ditatorial. Na realidade, protege-se a prpria humanidade existente

    em cada cidado, sem a qual a vida no teria sentido.

    Concluiu Canotilho (1996, p. 363), ao lecionar que existem cinco aspectos que

    constituem a teoria da dignidade humana, tais sejam:

    O primeiro reside na afirmao da integridade fsica e espiritual como dimenso

    irrenuncivel de sua individualidade autonomamente responsvel; o segundo

    componente trata da garantia da identidade e integridade da pessoa pelo livre

    desenvolvimento da personalidade; o terceiro baseia-se na liberao da angstia da

    existncia da pessoa mediante mecanismos de sociabilidade, dentre os quais a

    possibilidade de trabalho e a garantia de condies existenciais mnimas; o quarto

    prescreve a garantia e defesa da autonomia individual atravs da vinculao dos

    poderes pblicos a contedos, formas e procedimentos do Estado de Direito; e o

    quinto se firma na igualdade dos cidados, e se expressa na mesma dignidade social

    e na igualdade de tratamento normativo. (GRIFO DO AUTOR)

    Pode-se notar que o amparo da dignidade to natural como o da vida,

    demonstrando que inerente natureza humana a procura de melhores condies de vivncia,

    assegurando-se a preservao da identidade de cada cidado.

    3.1.3 Solidariedade

    Tambm aspecto relevante, e que merece destaque, a consignao da solidariedade

    como objetivo do Estado brasileiro, tanto que registrado no texto constitucional vigente: Art.

    3. Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: I construir uma

    sociedade livre, justa e solidria. [...].

    essencial que o Estado se preocupe com o desenvolvimento da nao, no s no

    mbito econmico, mas cultural e, principalmente, social. A formao de uma sociedade livre

    a reafirmao do ideal democrtico. Do mesmo modo, a ampliao da justia, todavia no a

    justia social desregrada, como comumente conhecida distributiva, que corrige as

    desigualdades utilizando a funo jurisdicional do Estado.

    A justia um ideal a ser preservado, no apenas atrelado aos rgos estatais e de

    governo, contudo, deve ser implementada em todas as relaes dos cidados, vez que tambm

    dever destes difundi-la.

  • Vivendo os cidados em sociedade, essencial que, principalmente, estes se

    envolvam, comprometendo-se na construo deste ideal de liberdade, justia e

    solidariedade.

    Por outro lado, no se procura desenvolver o princpio da solidariedade, adotanto

    contornos de filantropia, como no passado. Recorda-se da lio de Ehrhardt Jnior (2007):

    Durante todo o sculo XX, a noo de solidariedade social era sempre reduzida

    perspectiva da caridade, do auxlio ao prximo motivado por pura liberalidade,

    aproximando-se, pois, da filantropia. No entanto, no nosso objetivo colaborar

    para manter a noo de solidariedade como um sentimento genrico de fraternidade.

    Infere-se que a solidariedade decorre da boa interpretao do princpio da dignidade

    da pessoa humana. a concepo que se exige para a manuteno da ordem social.

    (EHRHARDT JNIOR, 2007)

    Assentou Avelino (2005, p. 250) que a solidariedade um: [...] Atuar humano, de

    origem no sentimento de semelhana, cuja finalidade objetiva possibilitar a vida em

    sociedade, mediante respeito aos terceiros, tratando-os como se familiares o fossem; e cuja

    finalidade subjetiva se auto-realizar, por meio da ajuda ao prximo..

    Verifica-se que a solidariedade, aps impregnada na Lei Maior de 1988, passou a ser

    levada em conta, inclusive no direito civil patrimonialista. Contudo, resta frisar que um

    instituto voltado boa vivncia, na qual compete a uns cooperarem com os outros,

    diminuindo, assim, as desigualdades, mas de forma natural, e no distributiva. A

    solidariedade deve ser desenvolvida at que faa parte dos valores da sociedade, e de cada um

    dos cidados que integram esta.

    3.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Os direitos fundamentais esto diretamente ligados s Declaraes de Direitos do

    Homem. Aps a consignao de tais direitos nestas declaraes, passou-se a considerar a

    necessidade das constituies, e nelas mencion-los.

    Importante o que frisa Silva (2008, p. 175):

    A ampliao e transformao dos direitos fundamentais do homem no envolver

    histrico dificulta definir-lhes um conceito sinttico e preciso. Aumenta essa

  • dificuldade e a circunstncia de se empregarem vrias expresses para design-los,

    tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos

    individuais, direitos pblicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades

    pblicas e direitos fundamentais do homem. (GRIFO DO AUTOR)

    Percebe-se, quando da anlise do texto das constituies, que os direitos consignados

    como fundamentais esto intimamente ligados vida, liberdade, igualdade, ou seja,

    refletem aquilo que prprio da natureza humana, bens que merecem tutela, aos quais no se

    pode renunciar.

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 estampa em seu quinto

    artigo, os direitos fundamentais, tanto individuais como coletivos. Vrios os direitos arrolados

    como fundamentais, porm importam a este estudo apenas dois incisos.

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

    garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade

    do direito vida, liberdade, igualdade, segurana, e propriedade, nos termos

    seguintes:

    XXII garantido o direito de propriedade; XXIII a propriedade atender sua funo social;

    A priori, frisar-se- a propriedade como direito fundamental apenas, vez que j

    explanado o assunto de modo exaustivo em captulo anterior. A posteriori, desenvolver-se- a

    temtica da funo social da propriedade, to essencial para a abordagem pretendida sobre as

    concesses.

    3.2.2 A propriedade como direito fundamental

    Tema j exposto neste estudo. Porm, obedecendo lgica estabelecida para esta

    anlise, oportuno o aprofundamento no que condiz ao direito fundamental de propriedade,

    consignado na Carta Magna de 1988, tanto no caput do artigo 5, como expresso tambm em

    seu inciso XXII.

    Pode-se observar que a propriedade, no mais abarca a ideia de um direito absoluto,

    pois deixou de ser compreendida como um direito natural.

    [...] o carter absoluto do direito de propriedade, na concepo da Declarao dos

    Direitos do Homem e do Cidado de 1789 (segundo a qual seu exerccio no estaria

    limitado seno na medida em que ficasse assegurado aos demais indivduos o

    exerccio de seus direitos), foi sendo superado pela evoluo, desde a aplicao da

  • teoria do abuso do direito, do sistema de limitaes negativas e depois tambm de

    imposies positivas, deveres e nus, at chegar-se concepo de propriedade

    como funo social [...] (SILVA, 2008, p. 272).

    Ntido que a propriedade no perfaz direito absoluto como outrora. Hodiernamente,

    h o instituto da funo social, que ganhou fora com a evoluo, porm no maior tambm

    que a titularidade imbuda no senhor da coisa.

    Ainda se extrai de Silva (2008, p. 272), que:

    Essa evoluo implicou tambm a superao da concepo da propriedade como

    direito natural, pois no se h de confundir a faculdade que tem todo indivduo de

    chegar a ser sujeito desse direito, que potencial, com o direito de propriedade sobre

    um bem, que s existe enquanto atribudo positivamente a uma pessoa, e sempre

    direito atual, cuja caracterstica a faculdade de usar, gozar e dispor dos bens,

    fixada em lei. (GRIFO DO AUTOR)

    Depreende-se que a propriedade, mesmo sendo o direito real por excelncia, sofre

    restries, ainda que consignada com status de direito fundamental. Tal direito, apenas, tem

    este aspecto, por conta da ordem econmica vigente, contrria aos ideais puramente

    socialistas, aproximando-se da defesa da propriedade privada.

    Por outro lado, o prprio texto constitucional, defensor da propriedade privada, no

    abarca tal posio de forma extrema. A limitao a este direito consta tambm da referida

    norma, vez que registrada a necessidade de se atender funo social.

    3.2.2 A funo social da propriedade

    A Repblica Federativa do Brasil um Estado Democrtico, banindo, assim, os

    ideais comunistas extremos. Por outro lado, ao se firmar adotando a democracia como base,

    h que se promover os valores sociais, de forma gradual, para que o desenvolvimento alcance

    todos os patamares da sociedade.

    No se trata de o Estado promover a desregrada justia social, vez que, neste caso,

    estaria pecando pelos excessos, ao interferir na economia, de forma a favorecer as classes

    carentes. Todavia, num paradigma democrtico, cabe tambm aos entes estatais a criao de

    polticas pblicas para que se formem cidados conscientes e preparados.

    O que se percebe que o instituto da funo social da propriedade procura estender a

    efetividade do bem que sofreu a apropriao. Deve-se atentar para o fato de que no basta

  • apenas reunir as faculdades atribudas ao dominus, h, na atualidade, que se dar fim ao bem,

    de forma a benefici-lo em seu favor e dos demais.

    Riccitelli (2005) assenta que:

    Restou destarte, evidente a preocupao do legislador constitucional confirmada

    pelo correspondente legislador codificador do novo Cdigo Civil de 2002, em, por

    um lado afirmar a funo social da propriedade como um direito fundamental, uma

    clusula ptrea, por outro demonstrar o cuidado em no interferir no anterior e

    secular direito de propriedade. Nesse diapaso, a previso legal constitucional, sobre

    o direito de propriedade, disposta juntamente com os direitos vida, liberdade e

    igualdade, presentes, j no caput do art. 5 do Cdigo Supremo vigente, em franca

    consonncia com os incisos XXII e XXIII do mesmo artigo, no garante direito

    ilimitado ao proprietrio para usar, gozar e dispor da coisa, previsto pelo art. 1.228

    do novo Cdigo Civil. [...] apesar de exercer papel limitador, em virtude da

    necessidade de atender o interesse coletivo sobre o direito propriedade,

    considerado erga omnes, no deve a funo social exced-lo.

    Entende-se, destarte, que o direito de propriedade tambm no pode ser menor que a

    funo social, ambos devem se manter harmonicamente, de forma a no se oporem.

    Concepo j superada de que a funo social se sobrepe ao direito imbudo no proprietrio.

    Extrai-se da lio de Silva (2008, p. 284) que:

    Mas certo que o princpio da funo social no autoriza a suprimir, por via

    legislativa, a instituio da propriedade privada. Contudo, parece-nos que pode

    fundamentar at mesmo a socializao de algum tipo de propriedade, onde

    precisamente isso se torne necessrio realizao do princpio, que se pe acima do

    interesse individual.

    Ante tal posicionamento, ntido que pacfica a posio da doutrina quanto ao tema.

    No se vislumbra a socializao desregrada, ou mesmo a sobreposio das vontades, vez que

    se estaria numa verdadeira guerra de todos contra todos. O princpio da funo social

    apenas atua quando de sua necessidade, para a resoluo de conflitos em que figuram a

    vontade do particular proprietrio confrontando com a coletividade.

    Silva (2008, p. 284) ensina ainda que:

    Por isso que se conclui que o direito de propriedade (dos meios de produo

    especialmente) no pode mais ser tido como um direito individual. A insero do

    princpio da funo social, sem impedir a existncia da instituio, modifica sua

    natureza, pelo que, como j dissemos, deveria ser prevista apenas como instituio

    do direito econmico.

    A crtica do autor oportuna, ao passo que esclarece que pertence tal questo ao

    direito que regula a atividade econmica. A funo social instituto necessrio ao

  • desenvolvimento, porm tm recebido interpretaes tendenciosas, contrariando, assim, a

    natureza do princpio.

    Sem delongas, a funo social, consignada como direito fundamental, deve ser

    levada em conta como tal, contudo no se sobrepe ao direito de senhorio sobre a coisa.

    Trata-se de questo de boa hermenutica jurdica, da utilizao de tal instituto quando

    necessrio para a resoluo do conflito, para que no se viole o tambm direito fundamental

    de outrem.

    4 PRINCPIOS DA ADMINISTRAO PBLICA

    A temtica proposta e discutida neste estudo est ladeada por duas searas distintas: o

    direito civil, naturalmente patrimonial/privado, e o direito administrativo, atrelado por sua

    prpria natureza ao direito pblico.

    Quando da promulgao da Constituio da Repblica de 1988, pensou-se num

    conceito de justia amplo, que buscasse a minimizao dos conflitos e desvios de conduta. A

    administrao pblica regida de forma especial, pois no se trata apenas da gesto do Estado

    e seus rgos, mas do dever de boa prestao que este tem para com o povo. O texto

    constitucional abarcou, portanto, alguns princpios que devem orientar a conduo da gesto

    pblica.

    No apenas aqueles descritos no artigo 37 da Constituio da Repblica, mas a

    doutrina j entende que outros princpios devem nortear a consecuo dos trabalhos da

    Administrao Pblica.

    Nesse sentido, estampou Carvalho Filho (2010, p. 21):

    A Constituio vigente, ao contrrio das anteriores, dedicou um captulo

    Administrao Pblica (Captulo VII do Ttulo III) e, no art. 37, deixou expressos os

    princpios a serem observados por todas as pessoas administrativas de qualquer dos

    entes federativos. Convencionamos denomin-los de princpios expressos

    exatamente pela meno constitucional.

    Revelam eles as diretrizes fundamentais da Administrao, de modo que s se

    poder considerar vlida a conduta administrativa se estiver compatvel com eles.

    Os princpios expressam as bases, os caminhos que devem ser seguidos, que se no

    observados, tornam o ato invlido. So eles: legalidade, impessoalidade, moralidade,

  • publicidade, e eficincia. Alm de outros no expressos, mas que a doutrina e a jurisprudncia

    se encarregaram de desenvolver.

    4.1 PRINCPIO DA LEGALIDADE

    Norte no apenas do direito administrativo, mas de todo o ordenamento jurdico

    brasileiro. Por se declarar como sendo um Estado Democrtico de Direito, este princpio a

    base por excelncia de todo o sistema, vez que ningum est acima da lei ou isento de cumpri-

    la.

    Percebe-se que h uma peculiaridade no que condiz legalidade no direito

    administrativo. Ningum obrigado a fazer ou deixar de fazer algo seno em virtude de lei,

    o que estampa a Constituio Federal de 1988, ou seja, a lei que norteia os cidados. Por

    outro lado, o que se chama de legalidade estrita que prevalece quando se refere

    Administrao Pblica. Significa dizer que o gestor pblico ou a prpria administrao,

    apenas, pode praticar os atos, ou fazer aquilo que est expressamente previsto em lei. Se

    determinada situao no se encontra prevista em lei, tal ato no pode ser praticado pela

    administrao.

    Na lio de Carvalho Filho (2010, p. 22), encontra-se que:

    extremamente importante o efeito do princpio da legalidade no que diz respeito

    aos direitos dos indivduos. Na verdade, o princpio se reflete na consequncia de

    que a prpria garantia desses direitos depende de sua existncia, autorizando-se

    ento os indivduos verificao do confronto entre a atividade administrativa e a

    lei. Uma concluso inarredvel: havendo dissonncia entre a conduta e a lei,

    dever aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.

    Ntido est que nada se sobrepe lei. A Administrao Pblica deve a ela se

    submeter, para que no se torne evidente a ilegalidade, de modo que a conduta daqueles que

    agem em nome da Administrao, deve refletir o seu comando.

    Enfatiza-se, aqui, a noo de legalidade, no direito administrativo, de Bandeira de

    Mello (1995, p. 52):

    Ao contrrio dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei no probe, a

    Administrao s pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde,

    administrar prover aos interesses pblicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o

  • na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo

    suas disposies.

    Depreende-se que a legalidade o cerne da Administrao Pblica, portanto o estrito

    cumprimento do que prev a lei crucial. Ao se administrar aquilo que pblico, deve-se

    preservar os interesses de uma coletividade e no de alguns apenas, por conta disso que h

    essa especialidade quando se refere gesto pblica.

    4.2 PRINCPIO DA IMPESSOALIDADE

    A impessoalidade deve ser uma marca da Administrao Pblica. Entende-se que

    impessoal aquilo que no de nenhuma pessoa em especial, que no est favorecendo

    ningum. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 22).

    No raramente este princpio comparado ao comando de igualdade, tambm

    expresso no texto constitucional (artigo 5, caput, CR/88). Encarregou-se a Lei Maior de

    abarcar de forma clara, que perante a lei todos so iguais e sem distino, sendo que ningum

    est imune a sofrer as devidas penalidades se infringir norma existente. O princpio em

    questo possui raiz neste fundamento constitucional de igualdade.

    Ao se mencionar que a Administrao Pblica deve atender impessoalidade,

    lembra-se da isonomia, bem como do interesse pblico, que se sobrepe ao dos particulares.

    Preconiza Bandeira de Mello (1995, p. 58):

    [...] a Administrao tem que tratar a todos os administrados sem discriminaes,

    benficas ou detrimentosas. Nem favoritismos nem perseguies so tolerveis.

    Simpatias ou animosidades pessoais, polticas ou ideolgicas no podem interferir

    na atuao administrativa e muito menos interesses sectrios, de faces ou grupos

    de qualquer espcie. O princpio em causa no seno o prprio princpio da

    igualdade ou isonomia.

    Assim, depreende-se que tal princpio tambm indispensvel para a boa atuao da

    Administrao Pblica, que deve reverter seus esforos em razo da coletividade, no de

    apenas uns e outros.

    H registros de entendimentos diversos acerca da teoria da impessoalidade no direito

    administrativo, inclusive, menciona-se que sua inobservncia acarretaria o chamado desvio

    de finalidade, vez que ao contrrio de se vislumbrar os interesses pblicos, estaria a

  • Administrao patrocinando vontades individuais, colocando-se, assim, distante do

    comportamento esperado daqueles que agem em nome do povo. (CARVALHO FILHO, 2010,

    p. 23).

    4.3 PRINCPIO DA MORALIDADE

    O termo que denomina tal princpio extenso e merece aprofundamento. A moral

    um conceito subjetivo, individual, porm convenientemente consignado de forma a ser

    sustentculo da Administrao Pblica.

    Em primeiro lugar, pode-se inferir que, embora se tratando de temtica complexa,

    vez que conceito extremamente subjetivo, no difcil se distinguir quando um ato revestido

    de moralidade e quando no . Trata-se da percepo de honestidade que cada um possui, que

    qualquer homem mdio pode notar.

    Leciona Hauriou (1926, p. 197 apud MEIRELLES, 1995, p. 83-84):

    [...] o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve,

    necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, no

    poder desprezar o elemento tico de sua conduta. Assim, no ter que decidir

    somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente,

    o oportuno e o inoportuno, mas tambm entre o honesto e o desonesto. Por

    consideraes de Direito e de moral, o ato administrativo no ter que obedecer

    somente lei jurdica, mas tambm lei tica da prpria instituio, porque nem

    tudo que legal honesto [...]

    No apenas a lei expressamente trazida nos cdigos deve ser o norte, mas tambm a

    Administrao Pblica deve ser regida de acordo com os princpios ticos e morais, para que

    no haja vcios que possam tornar nulos os atos praticados.

    certo que a Administrao Pblica detm o mnus de gerir as coisas pblicas em

    prol do povo, no qual reside o dever de administrar com moralidade.

    Brando (1942, p. 45 apud MEIRELLES, 1995, p. 84) frisou que:

    [...] a atividade dos administradores, alm de traduzir a vontade de obter o mximo

    de eficincia administrativa, ter ainda de corresponder vontade constante de viver

    honestamente, de no prejudicar outrem e de dar a cada um o que lhe pertence princpios de direito natural j lapidarmente formulados pelos jurisconsultos

    romanos. luz dessas idias, tanto infringe a moralidade administrativa o

    administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos como

    aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional,

  • invade a esfera reservada a outras funes, ou procura obter mera vantagem para o

    patrimnio confiado sua guarda.

    Extrai-se que a noo de bom administrador est intimamente imbuda no contorno

    da moralidade. No apenas obedincia s normas escritas, peculiaridade do direito

    administrativo, todavia o zelo pelos interesses pblicos deve estar presente de forma irrestrita

    naqueles que agem em nome da Administrao Pblica.

    4.4 PRINCPIO DA PUBLICIDADE

    Ampla a ateno que o constituinte dedicou causa pblica, tanto que como j

    frisado, elencou vrios princpios para que sejam norteadores da Administrao Pblica.

    Dentre estes, a publicidade consta no artigo 37, caput da Carta Magna de 1988.

    O princpio da publicidade, como todos os demais j desenvolvidos, encontra-se

    ancorado no ideal de preservao do interesse pblico. No h que se atender a um ou outro,

    mas a todos e ao mesmo tempo.

    A publicidade estampada como princpio inerente consecuo das atividades da

    Administrao Pblica, abarca a ideia de que os atos praticados em nome desta devem ser

    divulgados de forma ampla, conferindo, assim, segurana e legitimidade. Trata-se de

    transparncia, pois como se age em nome do povo, exige-se um maior zelo e cuidado.

    Carvalho Filho (2010, p. 28) assentou que:

    para se observar esse princpio que os atos administrativos so publicados em

    rgos de imprensa ou afixados em determinado local das reparties

    administrativas. O que importa, com efeito, dar a eles a maior publicidade, porque

    somente em rarssimas hipteses se admite o sigilo da Administrao.

    A publicao dos atos praticados pelos agentes pblicos gera sentimento de

    transparncia, o que se tornou essencial, vez que a populao no deve ficar merc daquilo

    que acontece. Ainda se ressalta que a publicidade meio de se tornar vlido um ato para que,

    posteriormente, no possa este ser questionado, sob a alegao de ter se consumado s

    escondidas.

    H meios de se invocar a publicidade, como lembra Carvalho Filho (2010, p. 28):

  • O direito de petio, pelo qual os indivduos podem dirigir-se aos rgos

    administrativos para formular qualquer tipo de postulao (art. 5, XXXIV, a, CF); e as certides, que, expedidas por tais rgos, registram a verdade de fato

    administrativos, cuja publicidade permite aos administrados a defesa de seus direitos

    ou o esclarecimento de certas situaes (art. 5, XXXIV, b, CF).

    Os instrumentos descritos contribuem com a busca de informao e, caso negado o

    acesso ao que se procura, h ainda a possibilidade do habeas data (artigo 5, LXXII, CR/88).

    Depreende-se que a exigncia da publicidade aos atos administrativos no apenas se limitam

    mera formalidade, contudo propiciam segurana jurdica aos cidados no presentes quando

    so consumados.

    Lecionou Meirelles (1995, p. 88):

    Os atos e contratos administrativos que omitirem ou desatenderem publicidade

    necessria no s deixam de produzir seus regulares efeitos como se expem a

    invalidao por falta desse requisito de eficcia e moralidade. E sem publicao no

    fluem os prazos para impugnao administrativa ou anulao judicial, quer o de

    decadncia para impetrao de mandado de segurana [...] que os de prescrio da

    ao cabvel.

    Visualiza-se que os atos administrativos, para que produzam seus efeitos, devem

    atender publicidade, pois se trata de questo ligada moralidade. Outrossim, ainda a

    formalidade da publicao marco para que se possa contar os prazos para quem queira

    questionar tal ato.

    4.5 PRINCPIO DA EFICINCIA

    Recente a incluso da eficincia no rol dos princpios elencados no artigo 37 da

    Constituio da Repblica de 1988, vez que trazida com a emenda constitucional 19/1998.

    Ante os inmeros problemas existentes na Administrao Pblica, buscou-se com a reforma

    do Estado a dinamizao dos servios, para uma melhor prestao aos cidados.

    Anotou Carvalho Filho (2010, p. 31-32) que:

    No difcil perceber que a insero desse princpio revela o descontentamento da

    sociedade diante de sua impotncia para lutar contra a deficiente prestao de tantos

    servios pblicos, que incontveis prejuzos j causou aos usurios. De fato, sendo

    tais servios prestados pelo Estado ou por delegados seus, sempre ficaram

    inacessveis para os usurios os meios efetivos para assegurar seus direitos. Os

  • poucos meios existentes se revelaram insuficientes ou incuos para sanar as

    irregularidades cometidas pelo Poder Pblico na execuo desses servios.

    certo que a sociedade j se encontra desacreditada quanto prestao dos servios

    pblicos, principalmente os pertinentes sade e educao. Tamanho o descontentamento,

    que se multiplicam aos milhares os hospitais e escolares privados, apesar de ser funo

    primordial do Estado assegurar sade e educao todos.

    Por outro lado, percebe-se que nos ltimos anos o Estado tem se preocupado com a

    prestao do servio pblico, vez que inmeras mudanas ocorreram de forma a pressionar os

    serventurios da Administrao Pblica a trabalhar tanto em prol desta como do prprio povo

    insatisfeito.

    Nesse sentido, recorda-se da lio de Carvalho Filho (2010, p. 32):

    O ncleo do princpio a procura de produtividade e economicidade e, o que mais

    importante, a exigncia de reduzir os desperdcios de dinheiro pblico, o que impe

    a execuo dos servios pblicos com presteza, perfeio e rendimento funcional.

    Includo em mandamento constitucional, o princpio pelo menos prev para o futuro

    maior oportunidade para os indivduos exercerem sua real cidadania contra tantas

    falhas e omisses do Estado.

    Assim, tornou-se a eficincia base da Administrao Pblica, podendo qualquer um

    do povo questionar e exigir a boa prestao do servio, vez que dever do Estado execut-los

    com presteza e qualidade.

    No se pode deixar de registrar que tal princpio mencionado no texto da

    Constituio reflete um avano, no apenas legislativo, mas da prpria conscincia popular. A

    preocupao no que condiz s condutas da Administrao Pblica passou a integrar a vida dos

    cidados, pois entenderam que a fiscalizao dos atos funo de todos.

    Como princpio recente que , muito se tem a fazer no que se refere eficincia,

    contudo, no se deixa de registrar a importante evoluo com sua consignao na Lei,

    configurando marco da reforma do Estado no Brasil.

    4.6 PRINCPIOS RECONHECIDOS

  • Alm dos princpios consignados no caput do artigo 37 da Constituio da

    Repblica, doutrina e jurisprudncia se encarregaram de desenvolver outros que

    necessariamente devem se atrelar Administrao Pblica.

    H vrias vertentes doutrinrias, que elencam vrios princpios tidos como

    importantes na atuao da Administrao, todavia, prefere-se seguir linha mais categrica e

    conservadora neste aspecto, englobando apenas aqueles mais usualmente difundidos, tais

    sejam: a supremacia do interesse pblico, autotutela, indisponibilidade, continuidade dos

    servios pblicos, segurana jurdica, precauo, razoabilidade e proporcionalidade.

    Muitos dos princpios mencionados j so amplamente explanados no direito, vez

    que em sua maioria so genricos, ou seja, devem estar presentes em quase todas as searas

    jurdicas e no apenas no que diz respeito ao direito administrativo.

    O princpio da supremacia do interesse pblico j assunto lapidado no direito como

    um todo. Sabe-se que no se pode renunciar ao bem de uma coletividade em prol do benefcio

    de um ou poucos. Ainda tal princpio refora o ideal do interesse pblico presente do direito

    administrativo. evidente que os particulares possuem direitos fundamentais assegurados,

    porm o interesse coletivo se sobrepe quando em conflito com o interesse individual.

    (CARVALHO FILHO, 2010, p. 35).

    A autotutela da Administrao Pblica algo incomum, principalmente na seara

    judiciria quando os atos dependem de provocao para que ocorram. O poder pblico, como

    corolrio da legalidade, deve atender, de forma irrestrita lei e, por conta disso, quando

    verificado algum vcio ou defeito, deve de ofcio reformar os atos para torn-los vlidos e

    perfeitos. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 36).

    No que condiz ao princpio da indisponibilidade, constitui semelhana com a

    supremacia do interesse pblico, vez que os agentes da Administrao Pblica devem ter em

    mente que os interesses preservados no pertencem ao Poder Pblico e sim coletividade.

    Quanto indisponibilidade, frisou Carvalho Filho (2010, p. 37) que:

    A Administrao no tem a livre disposio dos bens e interesses pblicos, porque

    atua em nome de terceiros. Por essa razo que os bens pblicos s podem ser

    alienados na forma em que a lei dispuser. Da mesma forma, os contratos

    administrativos reclamam, como regra, que se realize licitao para encontrar quem

    possa executar obras e servios de modo mais vantajoso para a Administrao.

    Frisou-se que a Administrao no titular, e sim o prprio povo, em nome do qual

    se gere a mquina administrativa, portanto, ntida a importncia de se preservar ao mximo

    aquilo que de todos.

  • A continuidade dos servios pblicos vislumbrada pela prpria necessidade que

    todos possuem em recorrer aos servios prestados pelo Estado, caracterizando-os como

    contnuos. H excees como quando da necessidade de se interromper para realizao de

    melhorias. Muitos destes servios, exclusivos do Estado, so repassados a terceiros, e

    prestados pelas empresas concessionrias, que possuem condies mais adequadas para a

    realizao da atividade. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 38).

    Nesse mesmo sentido, tem-se o princpio da segurana jurdica, que confere aos

    particulares maior confiana quanto s condutas da Administrao. questo ligada ordem

    democrtica, de que os cidados jamais devem se surpreender com a mudana repentina de

    conduta por parte do Estado. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 40-41).

    Seguindo linha semelhante, o princpio da precauo tendncia moderna que se

    desenvolveu e j faz parte das condutas em muitas reas. Trata-se de agir de modo preventivo,

    evitando os desgastes posteriores. questo de ordem natural, executar as aes pertinentes

    Administrao de modo a se evitar transtornos futuros. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 42).

    Razoabilidade termo que remete noo de razovel, comedido. Assenta-se este

    princpio na legalidade e na finalidade, de modo que a Administrao deve atender aos

    interesses pautados na lei, contudo deve observar se tal ato razovel e necessrio, a fim de

    no buscar resultados a qualquer custo. A observncia da razoabilidade essencial para que

    no se tornem invlidas as condutas, ou seja, deve se concentrar-se na licitude. (CARVALHO

    FILHO, 2010, p. 42-43).

    O princpio da proporcionalidade aspecto j assentado no direito e utilizado

    amplamente em toda a cincia jurdica. Cuida-se do poder em excesso que se encontra na

    Administrao Pblica, que deve usar de forma comedida os meios disponveis para resoluo

    dos problemas e situaes sem exageros. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 44-45).

    de certa forma um controle imposto Administrao Pblica que, frente s

    variadas situaes existentes, poderia se extraviar de suas finalidades.

    5 AS CONCESSES E SUA EFETIVIDADE

    Esgotadas as consideraes acerca do regime jurdico da propriedade, dos princpios

    constitucionais, bem como dos atrelados Administrao Pblica, torna-se iminente a

    necessidade da apresentao da temtica proposta para este estudo.

  • Antes de se adentrar no que diz respeito s concesses de direito real de uso e de uso

    especial para fins de moradia, h que se discorrer sobre os bens pblicos e suas peculiaridades

    para melhor compreenso do tema.

    5.1 BENS PBLICOS

    Os bens pblicos encontram-se capitulados no Cdigo Civil vigente, o que se denota

    do artigo 98: So pblicos os bens do domnio nacional pertencentes s pessoas jurdicas de

    direito pblico interno; todos os outros so particulares, seja qual for a pessoa a que

    pertencerem.

    Em consonncia com a definio esboada na lei, leciona Carvalho Filho (2010, p.

    1.237):

    [...] podemos, ento, conceituar os bens pblicos como todos aqueles que, de

    qualquer natureza e a qualquer ttulo, pertenam s pessoas jurdicas de direito

    pblico, sejam elas federativas, como a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os

    Municpios, sejam da Administrao descentralizada como as autarquias, nestas

    incluindo-se as fundaes de direito pblico e as associaes pblicas.

    Nesse sentido, certo que os bens pblicos esto relacionados s pessoas jurdicas de

    direito pblico, tambm elencadas de forma taxativa no artigo 41 do Cdigo Civil. Percebe-se

    que se trata de um conceito amplo, no apenas inerente aos imveis, tanto que se frisa de

    qualquer natureza, ou seja, mveis, imveis, corpreos ou no, bem como a expresso a

    qualquer ttulo, que exprime a noo de que h bens de propriedade do prprio Estado, bem

    como aqueles comuns do povo, mas tambm submetidos administrao estatal, todos

    subordinados do poder pblico. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 1.237-1.238).

    Depreende-se que o vocbulo bem pblico possui duas concepes distintas. A

    primeira entendida como bem que de propriedade das pessoas jurdicas de direito pblico

    (Unio, Estados, Municpios e Distrito Federal) e, a segunda, que diz respeito ao bem que

    utilizado por toda a coletividade, sendo assim, pblico.

    H vrias classificaes no que se refere aos bens pblicos. Segundo Gasparini

    (2007, p. 813), a definio mais pertinente a que se d conforme a destinao do bem, tais

    sejam: os de uso comum do povo, que so os rios, ruas, praas; os de uso especial, que

    compreendem terrenos e edifcios relacionados administrao tanto federal, municipal,

  • estadual, e at mesmo das autarquias; e, por ltimo dos bens dominicais, que renem o

    patrimnio pessoal das entidades, inclusive com direito real.

    5.1.1 Uso dos bens pblicos

    J frisado a ambgua noo de bem pblico, que tanto pode compreender aqueles dos

    quais so titulares as pessoas jurdicas de direito pblico, bem como os de uso comum do

    povo, pode-se, de tal noo inferir que os bens podem ser tanto utilizados pelas pessoas

    jurdicas de direito pblico, que esto diretamente ligadas Administrao, quanto pelo povo,

    que se vale dos inmeros espaos pblicos no cotidiano.

    certo que o uso comum, exercido por qualquer do povo, inclusive simultaneamente

    por vrias pessoas, no necessita de qualquer autorizao especial, como uma permisso, ou

    at concesso, desde que utilizado conforme a legislao vigente e pertinente.

    Nesse sentido, assim assentou Gasparini (2007, p. 856):

    Essencialmente, o uso comum marcado pela liberdade da utilizao, pela igualdade

    de todos os usurios, e por estar limitado no tempo. Para o uso comum, pois, no se

    exige qualquer outorga administrativa (concesso, permisso, autorizao). Alm de

    livre, esse uso quase sempre gracioso, e, em relao a ele, todos os utentes

    encontram-se na mesma situao de igualdade, tratados, portanto, sem preferncia

    ou favor. Ademais, uso exercitado sem quaisquer termos ou limites prefixados.

    Vale dizer: ser sempre possvel enquanto a Administrao Pblica no der ao bem

    outra destinao desconforme com o uso de todos.

    possvel perceber que a concepo do uso comum, encontra-se revestida pelo

    princpio da impessoalidade, uma vez que todos os usurios, desde que obedeam os

    parmetros fixados em lei, so livres e iguais enquanto se valem da coisa ou do bem.

    O artigo 99 do Cdigo Civil vigente encarregou-se de elencar e especificar os bens

    pblicos conforme a destinao. Alm da utilizao comum, ou seja, que pode ser efetivada

    por todos, h a possibilidade da utilizao privativa do bem que pertence s entidades da

    Administrao Pblica. Trata-se do que se denomina trespasse do uso, ou seja, a

    administrao concede o uso de determinado bem pblico, para que este possa ser utilizado

    por uma pessoa ou um grupo restrito, desde que seja do interesse pblico, no se desvie da

    destinao do bem, nem ocorra a alienao desde e, ainda, se cumpram os requisitos

    estabelecidos para tal uso. (GASPARINI, 2007, p. 857).

  • Ensina Gasparini (2007, p. 857) que:

    Tal uso , desse modo, incompatvel com qualquer outro que lhe seja simultneo.

    Essa a orientao, desde que a utilizao satisfaa a um interesse pblico, no

    desvirtue a destinao, no importe em alienao e sejam atendidos, previamente, os

    requisitos legais para esse uso. o que se depreende do regime jurdico que marca

    os bens pblicos e das regras que ensejam o trespasse do uso. [...]

    Tal utilizao pode ser outorgada tanto a pessoa fsica como jurdica e esta, pblica

    ou privada. Ademais, pode ser trespassado de modo oneroso ou gratuito, conforme

    dispuser a legislao pertinente.

    Cabe, ainda, ressaltar, no que condiz ao uso de modo privativo, que cada localidade,

    como estados e municpios, estabelea leis prprias, devendo o usurio submeter-se, de modo

    irrestrito, a tais normas, sob pena de lhe ser cancelada a permisso.

    As concesses de direito real de uso e de uso especial para fins de moradia so meios

    de uso privativo dos bens pblicos, contudo, h diferenas notveis que circundam ambas as

    espcies de utilizao, como bem estampa Carvalho Filho (2010, p. 1.266-1.267):

    Uso especial a forma de utilizao de bens pblicos em que o indivduo se sujeita a

    regras especficas e o consentimento estatal, ou se submete incidncia da obrigao

    de pagar pelo uso. O sentido do uso especial rigorosamente o inverso do

    significado do uso comum. Enquanto este indiscriminado e gratuito, aquele no

    apresenta essas caractersticas.

    As concesses especiais para moradia representam de forma caractersticas as

    utilizaes denominadas de uso especial. Constituindo, como j frisado, meio de utilizao

    privativa de bens pblicos, possuem peculiaridades, o que se extrai de Carvalho Filho (2010,

    p. 1.267):

    Tanto os bens de uso comum como os de uso especial podem estar sujeitos a uso

    especial remunerado. O pagamento de pedgio em estradas rodovirias e em pontes

    e viadutos um exemplo de uso especial de bem de uso comum do povo. [...]

    Mas o uso especial tambm se caracteriza quando o bem o pblico objeto de uso

    privativo por algum administrado. [...]

    Alinhemos, ento, os aspectos que marcam o uso especial dos bens pblicos: a) a

    exclusividade do uso aos que pagam a remunerao ou aos que recebem

    consentimento estatal para uso; b) a onerosidade, nos casos de uso especial

    remunerado; c) a privatividade, nos casos de uso especial de uso privativo; e d) a

    inexistncia de compatibilidade estrita, em certos casos, entre o uso e o fim a que se

    destina o bem.

    Percebe-se que h tanto a possibilidade de utilizao especial do bem pblico de

    forma gratuita, como tambm onerosa, sendo que de acordo com o contrato firmado, pode

    ainda ser de uso especial privativo, destinando a coisa para o seu fim.

  • Por outro lado, as concesses tambm assumem posio que se enquadram na

    utilizao privativa dos bens pblicos. Quando se concede o uso de determinado bem

    pertencente Administrao Pblica a algum administrado, no basta apenas verificar que se

    trata de utilizao privativa, pois desta espcie contratual, nascem outras como: a permisso,

    autorizao, ou concesso de uso, sendo que esta ltima possui caractersticas peculiares.

    Realizadas as consideraes necessrias, passa-se a analisar os institutos da

    concesso de direito real de uso e de uso especial para fins de moradia, novos direitos reais,

    inclusos no artigo 1.225 do Diploma Civil Brasileiro.

    5.2 CONCESSO DE DIREITO REAL DE USO

    Assentou Carvalho Filho (2010, p. 1.280), no que diz respeito s concesses de

    direito real de uso:

    [...] o contrato administrativo pelo qual o Poder Pblico confere ao particular o

    direito real resolvel de uso de terreno pblico ou sobre o espao areo que o

    recobre, para os fins que, prvia e determinadamente, o justificaram. Essa forma de

    concesso regulada expressamente pelo Decreto-lei n 271, de 28/2/1967.

    Instituda tal modalidade de concesso, o legislador entendeu necessria a ampliao

    do conceito atribudo a este instituto jurdico, tanto que foi alterada pela Lei 11.481/2007,

    quando tambm restou inclusa no artigo 1.225 do Cdigo Civil e tornou-se direito real sobre

    coisa alheia.

    Consta do artigo 7 do Decreto-lei 271/67 alterado pela Lei 11.481/07:

    instituda a concesso de uso, de terrenos pblicos ou particulares, remunerada ou

    gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolvel, para fins

    especficos de regularizao fundiria de interesse social, urbanizao,

    industrializao, edificao, cultivo da terra, aproveitamento sustentvel das vrzeas,

    preservao das comunidades tradicionais e seus meios de subsistncia, ou outras

    modalidades de interesse social de reas comuns urbanas.

    No difcil perceber que tal modalidade de concesso, vigente desde 1967, surgiu

    da preocupao de se distribuir espao. O Poder Pblico, como proibido de distribuir

    propriedades de forma indiscriminada, buscou meio de melhorar a ocupao dos solos

    urbanos, atendendo aos comandos constitucionais da funo social.

  • perceptvel que foi criada com carter predominantemente social, ao passo que as

    alteraes trazidas pela Lei 11.481/07, inclusive mencionam a preocupao de se atender

    funo social, tanto que se extrai de Carvalho Filho (2010, p. 1.281):

    O dispositivo passou a contemplar, entre os objetivos do instituto, a regularizao

    fundiria, o aproveitamento sustentvel das vrzeas e a preservao das

    comunidades tradicionais e seus meios de subsistncia. Trata-se, como fcil

    observar, de finalidades de carter eminentemente social. Na verdade, j poderiam

    ser concebidas como inclusas na expresso final do dispositivo outra utilizao de interesse social [...] (GRIFO DO AUTOR)

    Nota-se que h o interesse por parte do Estado de ceder os bens que no esto sendo

    utilizados, de forma a melhorar a distribuio de espao. O legislador, ao instituir a concesso

    de direito real de uso, disps tambm, acerca da transferncia inter vivos ou causa mortis, o

    que comum quando se refere aos direitos reais sobre coisa alheia.

    Ressalta-se, ainda, o que leciona Bandeira de Mello (1995, p. 473):

    Desde logo diverge da simples concesso de uso pelo fato de que, ao contrrio

    daquela na qual apenas se compe um direito de natureza obrigacional (isto , pessoal) instaura um direito real. Possui, ento, como caractersticas inerentes sua imediata adeso coisa e o

    chamado direito de sequela, que enseja a persecuo do bem. exclusivo, vale

    dizer, sobre o bem em que recai no incidir outro direito da mesma espcie, e

    protegido por ao real, graas ao que prevalece contra qualquer que detenha a coisa. (GRIFO DO AUTOR)

    Uma das peculiaridades dessa modalidade de concesso a natureza real do direito,

    revelando-se diferente da pura concesso de uso. O direito, alm de ser real, ou seja, no se

    utiliza das aes comuns de cunho contratual, mas das reais, ainda oponvel erga omnes, de

    modo que no se pode questionar a posse do senhor, a no ser que seja injusta.

    Lembra Gasparini (2007, p. 860) que instituto que no se aplica a imveis

    construdos e a bens mveis.. Assim, depreende-se que apenas se pode conceder uso gravado

    com direito real a particulares de terrenos sem benfeitorias pertencentes Administrao

    Pblica, sendo que no se utiliza tal mecanismo para bens mveis ou com construo.

    certo que o mecanismo imbudo na concesso de direito real de uso mais

    vantajoso para o Poder Pblico, do que a doao ou venda, visto que no se estaria

    consumindo com o patrimnio do Estado. Porm, como no obrigatrio, ainda usado de

    forma tmida pelos entes estatais.

    Preconizou Gasparini (2007, p. 860), que:

  • Se utilizada, sobre evitar dilapidao do patrimnio pblico, seria um instrumento

    auxiliar muito importante na implantao de distritos industriais e de programas

    habitacionais de interesse social. Para o atendimento de programas habitacionais de

    interesse social, a Lei federal m. 8.666/93 dispensa realizao de licitao para essas

    outorgas (art. 17, I, f). Tambm no ser exigida a licitao se a outorga desse

    direito tiver como beneficirio outro rgo ou entidade da Administrao Pblica

    (art. 17, 2).

    No resta dvida acerca do contexto social presente nessas concesses. Trata-se de

    benefcio para muitos administrados, vez que o gravame real carrega consigo certa segurana

    jurdica. Contudo, h, ainda, que se observar as normas especficas relacionadas licitao,

    inerentes aos contratos firmados com a Administrao Pblica, o quais so estabelecidos por

    prazo determinado ou no.

    5.3 CONCESSO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA

    Trata-se de recente instituto surgido com a Medida Provisria n. 2.220/01. Foi criado

    no intuito de se melhorar a ocupao de imveis pblicos, vez que estes no so passveis de

    usucapio (artigo 183, 3 da CR/88) e h a necessidade de se promover polticas

    concernentes ao direito moradia, estampado no texto constitucional.

    Embora a usucapio de bens pblicos seja vetada pela prpria norma constitucional,

    como j mencionado, inegvel que ambos os institutos so semelhantes, como preceitua

    Carvalho Filho (2010, p. 1.284):

    Desse modo, pode dizer-se que o direito propriedade, no usucapio, e o direito ao

    uso de imvel pblico, na concesso de uso especial, retratam direitos-meio para o

    exerccio do direito-fim este o direito moradia, verdadeiro pano de fundo daqueles outros direitos. Este aspecto no deve ser esquecido na medida em que o

    Estatuto da Cidade inclui o direito moradia como um dos fatores que marcam as

    cidades sustentveis. (GRIFO DO AUTOR)

    A principal crtica existente concentra-se neste aspecto, ante a impossibilidade de se

    adquirir tais bens por meio da usucapio e a permissibilidade de destin-los aos particulares,

    inclusive com gravame de direito real. (MATHIAS. DANELUZZI, 2007)

    inquestionvel a boa inteno do poder pblico em reverter o uso de bens inteis,

    para se atender o direito moradia. Contudo, h requisitos a serem preenchidos para que

  • algum possa se tornar titular de tal direito. Carvalho Filho (2010, p. 1.284) elenca os

    requisitos para a concesso de uso especial para fins de moradia:

    a) posse por cinco anos at 30 de junho de 2001; b) posse ininterrupta e pacfica

    (sem oposio); c) imvel urbano pblico de at duzentos e cinquenta metros

    quadrados; d) uso do terreno para fins de moradia do possuidor ou de sua famlia; e

    e) no ter o possuidor a propriedade de outro imvel urbano ou rural (art. 1).

    No h dvida que o parmetro utilizado para tal instituto foi a da usucapio, tanto

    que transparecem as semelhanas entre ambos os institutos, como j exposto anteriormente.