concussão x versus corrupção passiva

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Concussão e corrupção passiva Outro exemplo, para a aplicação da teoria do dialogo das fontes são os crimes de concussão e corrupção passiva. Embora no caso, temos dois normas especificas, cada uma regulamenta uma conduta diferente, percebe-se, que sem dialogo dos fontes, há desproporcionalidade. O crime de Concussão é tipificado no Art. 316 do Código Penal: Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa. O Crime de Corrupção passiva é prevista no Art. 317 do Código Penal: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi- la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003) Ou seja, se o funcionário público exige a vantagem, ou seja, usa uma pressão irresistível no pedido, a pena máxima é menor, de que se o funcionário público pede com cortesia a vantagem indevida. Na concussão a vitima cede por temer represálias, enquanto na corrupção passiva a vitima paga por que quer a vantagem, não por medo, como na concussão. Ou seja, não há dúvida que a concussão é muito mais grave de a corrupção passiva. Embora tecnicamente não tenha no caso conflito de regras, porque ambas as regras descrevem condutas diferentes, é desproporcional, que a conduta mais grave tenha punição menor de que a conduta menos grave. Portanto, pode se usar o dialogo das

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Concussão e corrupção passiva

Outro exemplo, para a aplicação da teoria do dialogo das fontes são os crimes de concussão e corrupção passiva. Embora no caso, temos dois normas especificas, cada uma regulamenta uma conduta diferente, percebe-se, que sem dialogo dos fontes, há desproporcionalidade. 

O crime de Concussão é tipificado no Art. 316 do Código Penal: 

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

O Crime de Corrupção passiva é prevista no Art. 317 do Código Penal: 

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

Ou seja, se o funcionário público exige a vantagem, ou seja, usa uma pressão irresistível no pedido, a pena máxima é menor, de que se o funcionário público pede com cortesia a vantagem indevida. Na concussão a vitima cede por temer represálias, enquanto na corrupção passiva a vitima paga por que quer a vantagem, não por medo, como na concussão. Ou seja, não há dúvida que a concussão é muito mais grave de a corrupção passiva. 

Embora tecnicamente não tenha no caso conflito de regras, porque ambas as regras descrevem condutas diferentes, é desproporcional, que a conduta mais grave tenha punição menor de que a conduta menos grave. Portanto, pode se usar o dialogo das fontes, para pedir que a punição em caso de corrupção passiva na modalidade solicitar vantagem, seja adequada a punição a concussão, conduta mais grave, mas com pena menor. 

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A idéia principal deste artigo, não é de pura e simplesmente tecer críticas à voracidade legiferante de nossos legisladores, mas sim a de pluralizar o debate acerca da aplicação do Princípio da Proporcionalidade e Razoabilidade ao intérprete da norma (juízes, promotores e advogados), quando o Congressista olvidar-se da limitação Constitucional do ius puniendi.

E para explicitar o aqui narrado, surge a Lei 10.763/2003(em vigor desde 12.11.2003), que alterou o preceito secundário (pena) dos artigos 317 e 333 do Código Penal, corrupção passiva e ativa respectivamente. Entretanto para a perfeita compreensão do tema em análise faz-se necessário alusão à cominação inserida no artigo 316 do diploma repressivo (Concussão), cuja pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos acrescido de multa.

O núcleo principal do tipo é a conduta praticada por funcionário público, mesmo que ainda não tenha assumido o cargo, porém desde que aja em razão dele, de EXIGIR indevida vantagem mesmo que para terceiro, sendo uma forma especial de extorsão praticada pelo agente, onde o mesmo faz prevalecer sua posição funcional em detrimento da Administração Pública e do particular lesado.

Pelo verbo do tipo denota-se que o infrator não pede, nem solicita mas sim EXIGE do particular, a indevida vantagem

Retornando à alteração mencionada temos que houve um aumento de pena às condutas de Corrupção Passiva e Ativa, sendo as penas dessas condutas, POTENCIALMENTE menos lesivas, elevadas para 2 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão mais multa, inviabilizando eventual aplicação da Suspensão Condicional do Processo ( art. 89 da Lei 9.099/95)

Analisando os tipos penais (cujo preceitos secundários foram alterados), vê-se que a conduta principal do crime de Corrupção Passiva ( CP 317), é a do verbo SOLICITAR ou RECEBER vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem, situação essa aplicável ao funcionário público ainda que fora da função, ao passo que na Corrupção Ativa o particular em especial ( vez que o funcionário público pode ser sujeito ativo desde que não aja nessa qualidade), OFERECE ou faz PROMESSA de vantagem indevida a funcionário público, com intuito de obter a prática, omissão ou atraso de ato de ofício.

Apenas por meio de uma simples leitura, qualquer pessoa ( menos o legislador!), percebe prima facie, que  é penalmente mais grave a conduta do particular que, ad exemplum, OFERECE determinada vantagem ilícita a um fiscal alfandegário, do que a do Delegado de Polícia que EXIGE indevida

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vantagem para não proceder a lavratura de auto de prisão em flagrante pelo crime de homicídio qualificado.

Ora, simplesmente não há a menor proporção na relação delito/pena ao crimes enunciados alhures, não há razão para punir com maior severidade quem pratica conduta de menor lesividade, em relação ao agente pratica uma conduta mais reprovável pela sociedade.

Em fragmento doutrinário ensina Luiz Flávio Gomes que o Princípio da Proporcionalidade deve ser respeitado pelo legislador, e caso assim não aconteça o Juiz ( livre do positivismo jurídico), DEVE no processo em que atuar declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do preceito sancionador, vez que há desproporção na imposição de pena, faltando o indispensável equilíbrio na medida aflitiva, ou seja os bens em conflito devem ser confrontados passo a passo.

Para o ilustrado jurista " Tanto o legislador como o juiz acham-se limitados pelo princípio da proporcionalidade. E sempre que o legislador não cumpre o princípio, deve o juiz fazer os devidos ajustes", e prossegue seu escólio, aduzindo a seguinte situação: " Pena de seis anos para um beijo lascivo ( CP, art. 214): cuida-se de pena totalmente desproporcional. cabe ao juiz refutar sua aplicação. A solução melhor, para o caso, é a aplicação da pena anterior à lei dos crimes hediondos para o caso do beijo".(Direito Penal, Parte Geral, Ed. RT, 2003, p.115)

Este Princípio que ganha força a cada dia, é plenamente aplicado por aqueles que se miram nos princípios de garantia assegurados na Constituição, in casu, o do Devido Processo Legal, e que é constatado em decisão da Apelação Criminal nº 416725-7, do egrégio Tribunal de Alçada de Minas Gerais, cuja relatoria coube ao brilhante juiz Alexandre Victor de Carvalho, onde é aplicado o aludido princípio acerca de um crime de apropriação indébita, cujo agente antes de iniciada a ação penal restituiu integralmente o valor, narrando a decisão que houve a extinção da punibilidade, vez que é cabível a restituição nos crimes de apropriação indébita previdenciária, cuja lesão é maior do que a da apropriação indébita comum, e sentencia:  " O tratamento penal diferenciado para idênticas circunstâncias determinado pela lei é ofensa ao princípio da proporcionalidade". Assim, podemos trazer a seguinte ilação: se é aplicável em casos semelhantes, perfeitamente é cabível ao caso ora analisado em que as conduta SOLICITAR  e OFERECER é tratada de maneira mais severa daquele que EXIGE  indevida vantagem. Arrematando com precisão,  o magistrado proclama: " O advento de uma nova constituição enseja sempre um exame acerca da recepção ou não da norma hierarquicamente inferior, devendo ser afastada a sua aplicação quando reconhecidamente viole os novos preceitos insertos na Carta Superveniente".

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Gilmar Ferreira Mendes, Ministro da Excelsa Corte Constitucional tece os seguintes comentários sobre a relevância da hermenêutica do Princípio da Proporcionalidade:  "Por outro lado, afirma-se de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade ( inexigibilidade), inadequação ( falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito ( desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido). Vê-se que o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso é plenamente compatível com a ordem constitucional brasileira".( Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos, ed. Saraiva, p. 396).

Entretanto, como deve agir o julgador ao deparar-se com uma Denúncia de, verbi gratia, Corrupção Passiva?  Pensamos que, deve abrir vista ao representante ministerial, para que o mesmo analise eventual Suspensão Condicional do Processo ( art. 89 da Lei 9.099/95), vez que o preceito secundário está contaminado pelo vício de inconstitucionalidade, devendo aplicar-se as penas anteriores à reforma legal, pois se um lado falta razão, proporção e critérios, do outro lado ( o lado obscuro do poder), sobra falta de bom-senso.

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