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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP Danilo Monteiro de Castro Conflito de Competência em Matéria Tributária A questão posta como um ruído comunicacional MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Danilo Monteiro de Castro

Conflito de Competência em Matéria Tributária

A questão posta como um ruído comunicacional

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

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I

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Danilo Monteiro de Castro

Conflito de Competência em Matéria Tributária

A questão posta como um ruído comunicacional

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de

MESTRE em Direito Tributário, sob a

orientação do Professor Doutor Paulo de

Barros Carvalho.

SÃO PAULO

2013

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II

BANCA EXAMINADORA

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III

Este trabalho é dedicado a minha esposa Roberta

e aos meus filhos Gabriela e Enrico.

Por vocês tento, a cada dia, ser uma pessoa

melhor.

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IV

AGRADECIMENTOS

É preciso agradecer, por primeiro, a quem efetivamente transformou a

minha maneira de enxergar e compreender o mundo, em especial o mundo do

direito. Essa mudança teve início no seu Grupo de Estudos e se fortaleceu ao

longo deste curso de mestrado, realizado sob sua orientação.

Professor Paulo de Barros Carvalho, muito obrigado por todo o

conhecimento transmitido (dentro e fora do direito). Neste trabalho, a fortíssima

influência do seu pensamento é de fácil percepção.

Agradeço também aos Professores Roque Antonio Carrazza, Clarice von

Oertzen de Araújo, Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, Robson Maia Lins,

Charles William McNaughton, Rosana Oleinik e Sandra Lucia Guilardi Ferreira,

pela contribuição latente ao longo das disciplinas que ministraram (os quatro

últimos como assistentes) neste curso de mestrado.

Aos Professores Tácio Lacerda Gama e Fabiana Del Padre Tomé pelas

observações, críticas e sugestões apresentadas durante a Banca de Qualificação.

À Professora Ana Carolina Conte de Carvalho Dias, que me ajudou a

integrar o Grupo de Estudos do Professor Paulo de Barros Carvalho e, portanto,

tornou tudo isso possível.

Ao Coordenador do IBET-Sorocaba, Professor Rodrigo Dalla Pria, pela

oportunidade que me deu de compor o quadro de Professores Seminaristas do

curso de Especialização em Direito Tributário daquela unidade e, principalmente,

pela amizade verdadeira construída em tão pouco tempo. Aos colegas

Professores Jean Simei, Giovani Tomé e Fernando Favacho que me receberam

excepcionalmente bem e muito me auxiliaram.

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V

Por fim, necessário registrar, para agradecer, as amizades sinceras

estabelecidas ao longo deste curso de mestrado, em especial: Sérgio de Araújo

Lopes, Mauritânia Mendonça, Gustavo Almeida e Dias de Souza, Luis Carlos A.

Merçon de Vargas, Carla Sudré, Mauren Gomes Bragança Retto, Emerson

Vioncek, Julio Cesar Covre, Henrique Gouveia da Cunha, Silvia Varella e Claine

Chiesa.

Os nomes acima citados marcaram essa etapa da minha vida. Tenho

certeza que muitos deles estarão presentes em vários outros importantes

momentos, ainda por vir.

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VI

RESUMO

O presente estudo tem por objeto o conflito de competência em matéria

tributária, observado pelo prisma do Direito Comunicacional (a questão posta

como um ruído comunicacional).

Assim, mediante uma investigação hermenêutico-analítica, o sistema

jurídico de direito positivo será analisado e, por conseguinte, interpretado para

que reflexões sobre o tema sejam possíveis pela perspectiva comunicacional do

direito, em linguagem com pretensões científicas.

A perspectiva em questão propicia a afirmação de que conflitos de

competência existem (visão competencial do direito), facilita a identificação do

ruído comunicacional motivador do fenômeno em estudo, enaltece a possibilidade

de minimizar a ocorrência de conflitos via inserção de enunciados prescritivos

infraconstitucionais (regras de competência) e, ainda, conduz a análise à

indicação de como deve dar-se a solução do conflito (processo de derivação), e

por quem.

Palavras chave: Conflito de competência; Competência tributária; Direito

comunicacional; Ruído comunicacional; Visão competencial do direito.

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VII

ABSTRACT

This study aims at the conflict of jurisdiction as to tax matters, observed in

the light of Communication Law (the issue is brought up as a communicational

noise).

Thus, upon a hermeneutic-analytic investigation, the legal system of

positive right in law will be analyzed and, therefore, interpreted, so that reflections

on the theme are possible according to the communicational perspective in law,

and a language with scientific claims.

The perspective in question favors the asserting that jurisdiction conflicts

are observed (jurisdiction view in law), facilitate the identification of communication

noise motivating the phenomenon being studied, enhance the ability to minimize

the manifestation of conflicts by inserting infra-constitutional prescriptive

statements (jurisdiction rules), and also lead to the analysis on how the conflict

should be solved (derivation process), and whom by.

Key-words: Jurisdiction conflict; Tax competence; Communication Law;

Communication noise; Jurisdiction view in law.

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VIII

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1. TEORIA COMUNICACIONAL DO DIREITO (PERSPECTIVA

ESCOLHIDA PARA O ENFRENTAMENTO DA MATÉRIA)

16

1.1. Razões e pretensões destas abordagens iniciais 16

1.2. Conhecimentos prévios ao estudo do direito como um fenômeno

comunicacional

18

1.2.1. Direito e linguagem 19

1.2.2. Giro-linguístico 20

1.3. Definindo certas premissas, fundamentais a este trabalho, pela

perspectiva comunicacional do direito

24

1.3.1. O enunciado prescritivo (unidade mínima - signo - da

linguagem jurídica)

24

1.3.1.1. Abstração lógica da proposição normativa 27

1.3.1.2. Normas abstratas ou concretas, gerais ou individuais 31

1.3.2. Sistema jurídico (composto por enunciados/mensagens) 34

1.3.2.1. Sistema homogêneo 36

1.3.2.2. Sistema autopoiético 38

1.3.2.3. Sistema empírico 39

1.3.3. Positivação e derivação (ciclo comunicacional da

mensagem jurídica)

40

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IX

1.4. A visão comunicacional do direito 43

1.4.1. Direito e comunicação 46

1.4.2. Ruído comunicacional (ponto central da perspectiva eleita) 50

2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA 55

2.1. Definição do termo “competência” 55

2.2. Visão competencial do direito 58

2.3. Norma de competência e norma de conduta 63

2.4. Competência tributária 66

2.4.1. A forma utilizada no texto constitucional pátrio para a

divisão da competência tributária

68

2.4.2. Da competência tributária fruto de certas materialidades

indicadas, direta ou indiretamente, na Constituição Federal

75

2.4.3. É possível falar em rigidez e exaustividade das

demarcações constitucionais atinentes à competência tributária?

79

3. REFLEXÕES SOBRE CONFLITO, E PRIMEIRAS ABORDAGENS

DO PROBLEMA QUANDO DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA

83

3.1. Definição do conceito de conflito 83

3.2. Conflito e as categorias fenomenológicas de Peirce 87

3.3. Conflito de competência gera antinomia em sentido estrito? 93

3.4. Previsibilidade sistêmica do conflito (medidas preventivas) 98

3.5. Dispor sobre conflito de competência versus Dirimir conflito de

competência

99

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X

4. CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA 103

4.1. Delimitação do problema 103

4.2. A questão vista sob o enfoque comunicacional do direito 106

4.3. Conflito vertical e conflito horizontal 113

4.4. Conflito fruto de ruído no antecedente normativo 115

4.4.1. Conflito decorrente do critério material da norma tributária 117

4.4.1.1. ICMS versus ISS 118

4.4.1.2. ISS versus IPI 122

4.4.1.3. IPTU versus ITR 124

4.4.2. Conflito decorrente do critério espacial da norma tributária 126

4.4.2.1. IPTU versus IPTU (perímetros urbanos limítrofes) 127

4.4.2.2. ICMS versus ICMS (em operações triangulares de

importação)

128

4.4.2.3. ISS versus ISS (ainda o problema do

“estabelecimento prestador”)

131

4.4.3. Conflito decorrente do critério temporal da norma tributária 132

4.5. Disposição infraconstitucional tendente a evitar (ou minimizar) tal

espécie de conflito e sua (in)compatibilidade sistêmica

134

5. LEI COMPLEMENTAR TENDENTE A EVITAR CONFLITO DE

COMPETÊNCIA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

140

5.1. Enunciados que buscam evitar conflitos no exercício da

competência e o sistema jurídico positivo

140

5.1.1. Validade e direito 140

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XI

5.1.2. Relação de pertinência do enunciado prescritivo com o

sistema

142

5.1.3. Normas construídas a partir de enunciados prescritivos

inseridos em lei complementar, tendentes a evitar conflito de

competência em matéria tributária

145

5.2. Disposição hierárquica do enunciado prescritivo que versa sobre

conflito de competência em matéria tributária

148

5.2.1. Hierarquia, lei complementar e lei ordinária 152

5.2.2. Enunciado prescritivo que versa sobre conflito de

competência em matéria tributária, e seu grau hierárquico perante os

demais

153

5.3. Como aclarar, via lei infraconstitucional, os pontos de provável

conflito, sem ferir o texto constitucional?

154

5.3.1 Conteúdo do enunciado complementar para a chamada

corrente tricotômica

155

5.3.2 Conteúdo do enunciado complementar para a chamada

corrente dicotômica

158

5.3.3. O conteúdo que deve ser construído em decorrência do

enunciado que dispõe sobre conflito de competência

160

6. DISPOSIÇÕES FINAIS 165

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 173

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12

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem a pretensão de observar a questão do conflito de

competência em matéria tributária pelo prisma comunicacional do direito, isto é,

analisando o direito como um grande fenômeno de comunicação1, necessária a

visualização de todas as mensagens jurídicas pertinentes ao tema (desde a

outorga de competência no altiplano constitucional até a aplicação do tributo

instituído) para identificação das causas do conflito, como atenuá-lo e, até

mesmo, dirimi-lo.

Logo, a expressão “conflito de competência” representa, no presente

estudo, todo o fenômeno comunicacional inerente à competência que, por possuir

ruídos, traz a indesejada consequência de serem inseridos no sistema

enunciados jurídicos antagônicos.

E é preciso ressaltar que o fenômeno comunicacional da competência

tributária, para fins de demarcação e análise do conflito, não se limita aos

comandos normativos de sua outorga, pois também alcança o exercício desta

competência repartida, tanto para instituir o tributo quanto para aplicar a regra que

o instituiu.

Assim, o conflito de competência somente será observado a contento se

analisadas forem todas as mensagens jurídicas que compõem essa comunicação

competencial. Tal fenômeno é composto por, no mínimo, três mensagem

jurídicas: (i) que outorga a competência (no Brasil, tal enunciado encontra-se na

Constituição Federal); (ii) que institui o tributo; e (iii) que aplica o tributo instituído.

1 “...nuestro conocimiento es siempre limitado por ser perspectivista. Sólo conocemos en perspectiva. La perspectiva es nuestro límite y al mismo tiempo nuestra única posibilidad de conocimiento (...) La teoría comunicacional del derecho, como cualquier otra concepción, es asimismo perspectivista. Contempla su materia - el fenômeno jurídico - desde una perspectiva determinada: la comunicación humana.” (ROBLES, Gregório. Perspectivismo Textual y Principio de Relatividad Sistémica en la Teoria Comunicacional del Derecho. In: ROBLES, Gregório e CARVALHO, Paulo de Barros [Orgs.]. Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha. São Paulo : Noeses, 2011, p. 7).

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Analisar a possibilidade sistêmica de inserção de uma quarta mensagem,

entre os enunciados “i” e “ii”, com o ensejo de reduzir eventuais ruídos na outorga

de competência e, por conseguinte, minimizar as chances de conflito, também é

uma das pretensões deste estudo.

Obviamente que a análise das mensagens jurídicas acima indicadas deve

dar-se em harmonia com outros comandos normativos existentes em nosso

sistema jurídico-tributário, mormente de maior grau hierárquico.

Mas qual a razão deste corte metodológico, que alcança mensagens

outras, que não só as chamadas regras de competência (ou de estrutura)?

A resposta é simples: o conflito propriamente dito (antinomia) dar-se-á

nestas outras mensagens jurídicas, de instituição do tributo ou de sua aplicação.

Todavia, a identificação das razões do conflito (ruídos comunicacionais),

necessária à solução do problema, só ocorrerá nas mensagens de competência

(que antecedem aquelas) e, com isso, evidencia-se que somente a verificação

(via processo de derivação) de todo esse fenômeno comunicacional, permitirá: (i)

identificar o conflito; (ii) apontar suas causas (ruídos comunicacionais); (iii)

estabelecer as soluções (qual mensagem deve prevalecer em detrimento às

demais que a ela se contrapõem) e até mesmo (iv) definir, em sendo possível,

como normatizar a questão visando minimizar as chances de novos conflitos.

Nesse contexto, é crível a afirmação de que conflitos de competência

existem, pois tal assertiva enaltece, dentro de todo o fenômeno comunicacional

supracitado, a ação2 de inserir enunciados prescritivos no sistema (visão

competencial do direito), que gera a antinomia.

Resta evidente, então, que a perspectiva aqui é outra, mas isso não

impede provável harmonia entre as construções que serão realizadas adiante

2 “Sin normas, no hay Derecho; pero sin acción, no hay normas.” (ROBLES, Gregório. Teoria Del Derecho: Fundamentos de teoría comunicacional del Derecho. 2ª Ed. Madri : Civitas, 2006, p. 253).

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14

com conclusões outras feitas sobre este mesmo problema, partindo de cortes

metodológicos diversos.

Para o alcance das pretensões já indicadas (observar a questão do conflito

de competência em matéria tributária pelo prisma comunicacional do direito), o

trabalho foi dividido em seis capítulos:

O Primeiro Capítulo tem o condão de contextualizar o problema a ser

enfrentado (conflito de competência em matéria tributária) com a perspectiva

escolhida para tanto (direito como um fenômeno de comunicação). Assim,

premissas importantes e estritamente ligadas a essa visão comunicacional são

analisadas e definidas nesse primeiro momento, propiciando um exame seguro e

coerente do tema escolhido nos Capítulos subsequentes.

O Segundo Capítulo, então, tem por foco a competência tributária,

delimitando primeiramente o alcance semântico do termo “competência”, a visão

competencial do direito (de extrema relevância às pretensões aqui almejadas,

como já asseverado anteriormente) e, também, a classificação das normas como

de competência e de conduta (explicação importantíssima, ante o emprego desta

divisão ao longo de todo o trabalho). Em seguida, o objeto de análise passa a ser

a “competência tributária” propriamente dita, com ênfase na forma utilizada para

sua divisão no texto constitucional brasileiro, abordando as materialidades direta

ou indiretamente eleitas, a rigidez ou não na demarcação e, ainda, a

exaustividade ou não desta separação.

Já no Terceiro Capítulo a pretensão é, partindo das premissas definidas no

Capítulo Primeiro, ligar o Capítulo Segundo ao Quarto e, para tanto, o foco em

exame é o conflito (delimitação e hipóteses de ocorrência). Com isso, questões

de suma importância são enfrentadas, como: coerência argumentativa na

afirmação de ser possível normatizar o conflito (previsibilidade sistêmica do

mesmo); a antinomia oriunda de um conflito de competência, e suas

particularidades (é possível falar em antinomia, em sentido estrito, nessas

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hipóteses?); e, ainda, a diferença em dispor sobre o conflito de competência em

detrimento à ação de dirimi-lo (a quem competem tais atos de fala?).

Assim, no Quarto Capítulo adentra-se efetivamente ao conflito de

competência em matéria tributária, explicitando a análise deste objeto pelo prisma

comunicacional do direito. É aqui, também, que se apresentam algumas

classificações possíveis do conflito de competência em matéria tributária, ainda

sob a mesma perspectiva comunicacional e, principalmente, há uma análise

pragmática da questão, indicando a postura dos Tribunais pátrios no

enfrentamento do assunto. Ao final, dá-se início à questão da possibilidade

sistêmica de dispor sobre o conflito, no escopo de reduzir as chances de ruído no

fenômeno de outorga de competência em matéria tributária.

O Quinto Capítulo, portanto, é destinado ao aprofundamento deste ponto

de como inserir um enunciado prescritivo entre o que outorga a competência e o

que institui o tributo, no intuito de minimizar as possibilidades de conflito,

harmonizando tal construção a questões teóricas mais profundas como validade e

hierarquia, além de contextualizá-las perante as chamadas correntes dicotômica e

tricotômica atinentes as “normas gerais” em matéria tributária.

Por fim, o último Capítulo encerra o trabalho com o apontamento dos

acréscimos que a visão comunicacional do conflito de competência em matéria

tributária podem trazer ao estudo do tema, inclusive pretensas contribuições de

ordem prática inerentes a utilização desta perspectiva na aproximação do objeto

em exame.

Pelo exposto, o que se pretendeu foi analisar o problema por um enfoque

diverso, porém demonstrando sua harmonia a outras construções doutrinárias

que cuidaram do tema, ainda que por perspectivas diferentes, sem fugir da

necessária e constante interpretação do direito positivo pátrio vigente, na busca

de reduzir complexidades e, com isso, trazer uma proposição descritiva, em

linguagem com aspirações científicas, que convença o leitor do raciocínio aqui

construído.

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16

1. TEORIA COMUNICACIONAL DO DIREITO (PERSPECTIVA ESCOLHIDA

PARA O ENFRENTAMENTO DA MATÉRIA)

1.1. Razões e pretensões destas abordagens iniciais

É de crucial importância, às pretensões científicas deste estudo, a

identificação de certos conceitos (premissas) aqui adotados, no intuito de reduzir

falhas na comunicação e, assim, aproximar-se ao máximo da precisão que a

linguagem científica deve ter3.

Por conseguinte, a prévia apresentação destas premissas dá ao leitor a

possibilidade de constatar se há, ou não, coerência na mensagem construída e,

assim, passa a ter parâmetros para analisar se tais pretensões científicas foram

ou não atingidas.

Em contrapartida, é preciso ter cuidado para que estes esclarecimentos

preliminares não ultrapassem as fronteiras demarcadas pelo corte metodológico

feito, desvirtuando o objeto de estudo escolhido.

Sendo assim, no intuito de alcançar um ponto de equilíbrio, deixamos para

esse momento inicial a descrição de premissas de importância macro ao estudo,

ou seja, questões jungidas à Teoria Comunicacional do Direito, já que o conflito

de competência em matéria tributária (objeto do estudo) será observado por tal

perspectiva (ao longo do trabalho, porém, outros conceitos necessários ao bom

entendimento da mensagem posta serão definidos, quer em nota de rodapé quer

durante o próprio discurso).

3 “No caso do direito, a linguagem científica fala a respeito de outra linguagem: a linguagem técnica do direito positivo. Pretende dizer como ela é, investigando-a nas suas dimensões semióticas. Sendo assim, convém ao cientista do direito, na composição de seu discurso indicativo, o uso de palavras emotivamente neutras, que não divirtam a atenção do leitor para fins outros que atendam suas intenções valorativas. E a persuasão há de fazer-se sem qualquer empenho retórico, mas por força da precisão descritiva da linguagem empregada. Bem certo que tudo representa uma procura incessante, a busca de um modelo ideal de Ciência, que por ser ideal o homem jamais alcançará. Principalmente se seu objeto estiver contido na região dos objetos culturais, como o direito.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 60).

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Assim, nesse Primeiro Capítulo, a definição de certas premissas tem o

condão de:

(a) explicar as origens da própria Teoria Comunicacional do Direito, mediante

aproximação do direito com a linguagem; e a importância, a tal construção

teórica, do giro-linguístico na filosofia contemporânea;

(b) contextualizar a Teoria Comunicacional do Direito com outras premissas

relevantes ao estudo, como sistema jurídico e seus elementos (enunciados

prescritivos); abstração lógica de tal proposição normativa e seu valor

cognoscitivo (de suma importância à identificação do ruído comunicacional na

estrutura normativa); classificação do conteúdo destas mensagens jurídicas (que

propiciará a identificação de momentos distintos onde o conflito de competência

pode ocorrer); e, também, como o ciclo comunicacional do direito é construído e

interpretado (positivação e derivação); e, ainda,

(c) externar a própria visão do direito como um ato de comunicação, momento em

que questão de suma importância a este trabalho é abordada, qual seja, o ruído

comunicacional.

Os temas enfrentados nesse Capítulo inaugural, portanto, estão jungidos a

uma destas três pretensões, necessárias à contextualização do problema a ser

enfrentado (conflito de competência em matéria tributária) com a perspectiva

escolhida para tanto (direito como um fenômeno de comunicação).

De início, já se pode afirmar que a Teoria Comunicacional do Direito parte

da hipótese de que direito, antes de tudo, é linguagem e, assim, alcança a

conclusão de que é mediante texto (escrito ou não) que o direito se constitui,

apresentando quem representa a coletividade para manifestar-se em nome do

Estado (agente competente), e efetiva a comunicação entre este e os demais

membros daquela sociedade a respeito das condutas que devem seguir, sob

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pena de intervenção coativa4 (quer no patrimônio quer na própria liberdade de

quem desrespeitar tais comandos).

Gregório Robles5, um dos percursores do estudo do direito sob a ótica

comunicacional, assim manifesta-se: “Mediante o texto jurídico, o grupo humano

(imaginando-se um Estado modelo) se constitui e se revela, comunicando-se com

os membros para exigir-lhes organização e condutas.”

Antes de maiores reflexões sobre a visão comunicacional do direito, é

preciso enaltecer com maior profundidade algumas premissas fundamentais a

esta Teoria. Vejamos:

1.2. Conhecimentos prévios ao estudo do direito como um fenômeno

comunicacional

Se o conflito de competência em matéria tributária será visto, aqui, sob a

ótica comunicacional do direito, de extrema necessidade a apresentação das

origens desta Teoria, isto é, sobre quais fundamentos está ela alicerçada, e que

contexto filosófico motivou a sua construção.

Como já sinalizado alhures, de extrema importância à Teoria

Comunicacional do Direito a aproximação deste com a linguagem, isto é,

entender como se dá essa relação é medida necessária ao conhecimento

daquela Teoria. Vejamos:

4 “Para valer-se da coação, o sujeito do direito reveste-se de capacidade processual, que advém como efeito da incidência de norma processual; do mesmo modo, o sujeito passivo investe-se de capacidade processual para se opor. Ao direito de ação contrapõe-se o direito de defesa. No exercício de um e de outro, os sujeitos dirigem-se ao Estado-juiz, com este constituindo relação...” (VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4ª Ed., São Paulo : RT, 2000, p. 190). 5 ROBLES, Gregório. O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito [tradução Roberto Barbosa Alves]. Barueri : Manole, 2005, p. 28.

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1.2.1. Direito e linguagem

O direito é composto exclusivamente por enunciados qualificados pela

função prescritiva6 que sobre eles predomina. Como afirmado por Lourival

Vilanova7, “se não existir linguagem prescritiva que qualifique deonticamente

certos fatos, inexistirá delito, ou qualquer conduta como proibida, obrigatória ou

permitida.”

Logo, sem linguagem não há direito (no passado tal linguagem do direito

era a falada, hodiernamente predomina a linguagem escrita). É possível,

inclusive, afirmar ser o direito um sistema derivado da linguagem (tanto o sistema

inerente à Ciência do Direito, quanto o sistema de direito posto)8.

O estudo do direito, portanto, exige essa consciência, qual seja, de que o

mesmo pressupõe linguagem, manifesta-se através dela (instrumento necessário

à comunicação do comando normativo aos seus destinatários). Nesse sentido,

Tárek Moysés Moussallem9:

A linguagem é usada para criar normas (em sentido amplo). O legislar (Poder Legislativo), o julgar (Poder Judiciário), o executar (Poder Executivo) e o contratar (particulares) nada mais são do que ações realizadas mediante o proferimento de algumas palavras.

6 “Linguagem prescritiva de condutas presta-se à expedição de ordens, de comandos, de prescrições dirigidas ao comportamento das pessoas. Seu campo é vasto, abrangendo condutas intersubjetivas e intra-subjetivas (...) As ordens não são verdadeiras ou falsas, mas sim válidas ou não-válidas. Estes últimos são os valores lógicos da linguagem prescritiva e sua sintaxe é estudada pela chamada Lógica Deôntica, de que faz parte a Lógica Deôntico-jurídica, cujo objeto é a organização sintática da linguagem do direito positivo.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 41/42). 7 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 220. 8 “...não há igualdade entre os diferentes sistemas de signos e que o sistema semiótico mais importante, a base de todo o restante, é a linguagem: a linguagem é de fato o próprio fundamento da cultura. Em relação à linguagem, todos os outros sistemas de símbolos são acessórios ou derivados.” (JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação [tradução Izidoro Blikstein e José Paulo Paes]. 22ª Ed. São Paulo : Cultrix, 2010, p. 20). 9 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em Matéria Tributária. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2011, p. 65.

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Assim, importante entender a evolução do conceito de linguagem na

filosofia e, por conseguinte, compreender a sua relação com importantes

conceitos como os de verdade e realidade, necessários como conhecimentos

prévios ao estudo do direito como um fenômeno comunicacional.

1.2.2. Giro-linguístico

O estudo da filosofia pode ser superficialmente dividido em três momentos

distintos, porém cronológicos, onde o tratamento dado à linguagem (e,

consequentemente, à realidade) é bem diverso.

O primeiro destes três momentos, qualificado como filosofia do ser, é

atribuído aos trabalhos filosóficos que antecederam Kant10. Neles, a linguagem é

vista como mero instrumento de reprodução do mundo e, por essa razão,

Manfredo Araújo de Oliveira11, ao discorrer sobre Platão (discussão entre

naturalismo e convencionalismo linguístico), afirma:

É possível, portanto, conhecer as coisas sem os nomes. Aqui está a tese fundamental de Platão e de toda filosofia do Ocidente: ele pretende, com essa discussão das diferentes teorias vigentes de seu tempo, mostrar que na linguagem não se atinge a verdadeira realidade (alétheia ton onton) e que o real só é conhecido verdadeiramente em si (aneu ton onomaton) sem palavras, isto é, sem a mediação linguística.

Para a filosofia do ser, portanto, a linguagem não era pressuposto do

conhecimento, pelo contrário, era tão somente uma cópia (reflexo) da realidade.

Logo, para essa tradição filosófica, como bem observa Aurora Tomazini de

Carvalho12, “existia um mundo ‘em si’ refletido pelas palavras (filosofia do ser) ou

10 “Sua obra para a filosofia do conhecimento é considerada como um X, pois todos os filósofos ou se encontram ou partem de Kant. Cronologicamente temos a filosofia do ser, depois de Kant instaura-se a filosofia da consciência e com Wittgenstein a filosofia da linguagem.” (CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-Semântico. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 13, nota de rodapé n. 11). 11 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Ed., São Paulo : Loyola, 2006, p. 22. 12 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-Semântico. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 13.

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conhecido mediante atos de consciência e depois fixado e comunicado aos outros

por meio da linguagem (filosofia da consciência).”

O segundo momento, portanto, denominado filosofia da consciência,

temporalmente recortado entre as obras de Kant e de Wittgenstein13, ainda

mantém a ideia de um mundo em si, mas conhecido através de atos de

consciência (contrapõe-se essa segunda “corrente” filosófica, portanto, ao

entendimento de ser possível o conhecimento do real em si mesmo).

Há, para a filosofia da consciência, um mundo em si, todavia ele

dependerá de determinadas condições humanas para ser conhecido (condições a

priori do conhecimento)14.

Assim, mesmo havendo na obra de Kant (aqui vinculada à filosofia da

consciência) o reconhecimento de um mundo (realidade) independente da

linguagem (a coisa em si), o seu conhecimento está vinculado a condições a priori

inerentes ao ser humano e, com isso, como bem ressalta João Maurício

Adeodato15, “começa a desvendar o preconceito de senso comum que se

esconde por trás das ontologias tradicionais e das crenças em realidades

verdadeiras.”

13 “As obras de Wittgenstein dão ênfase à relação existente entre a linguagem e a realidade, intermediada pelo pensamento. No Tractatus a relação da linguagem com o mundo é representativa, isto é, a linguagem representa o mundo. Em Investigações Filosóficas, Wittgenstein verifica que não existe uma relação única e imutável entre a linguagem e o que ela representa. A relação somente pode ser descoberta através do uso que se faz da linguagem.” (MENDES, Sônia Maria Broglia. A Validade Jurídica Pré e Pós Giro Linguístico. São Paulo : Noeses, 2007. P. 71). 14 “...ter experiência dos eventos externos é indispensável, mas essa experiência será inevitavelmente determinada pelas faculdades internas da própria condição humana; o ser humano jamais pode afirmar algo dos eventos em si mesmos, que Kant chamou a coisa em si (das Ding an sich), pois está condicionado a percebê-los humanamente.” (ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo : Noeses, 2011, p. 129). 15 ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo : Noeses, 2011, p. 130.

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A filosofia da consciência, portanto, propiciou uma das principais

conclusões da chamada filosofia da linguagem (terceira espécie), qual seja,

inexistem “realidades verdadeiras”.

Este terceiro momento filosófico, que efetivamente interessa por refletir

uma de nossas premissas, denomina-se filosofia da linguagem (ou giro-

linguístico), onde este elemento (linguagem) passa a ter papel crucial a toda e

qualquer questão filosófica. Nesse sentido assevera Manfredo Araújo de

Oliveira16:

...é muito importante perceber que a “virada” filosófica na direção da linguagem não significa, apenas, nem em primeiro lugar, a descoberta de um novo campo da realidade a ser trabalhado filosoficamente, mas, antes de tudo, uma virada da própria filosofia, que vem a significar uma mudança na maneira de entender a própria filosofia e na forma de seu procedimento (...) é impossível tratar qualquer questão filosófica sem esclarecer previamente a questão da linguagem. Numa palavra, não existe mundo que não seja exprimível na linguagem. A linguagem é o espaço de expressividade do mundo, a instância de articulação de sua inteligibilidade.

A realidade, portanto, passa a ser um elemento linguístico, posto que para

ter acesso a ela necessário linguagem17. Complementa-se a dita filosofia da

consciência para dizer que tanto a experiência dos eventos externos quanto as

condições a priori do conhecimento só são possíveis (perceptíveis) mediante

linguagem.

O importante é ter em mente que, com a reviravolta linguística, a realidade

passa a depender da linguagem e, por conseguinte, a verdade também, ou seja,

deixam de existir verdades absolutas, já que a realidade é fruto da linguagem.

Esclarecendo esse ponto (de difícil aceitação, mormente por questões culturais

16 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Ed., São Paulo : Loyola, 2006, p. 12/13. 17 “El ‘giro lingüístico’ se convierte entonces en una suerte de constructivismo radical, doctrina según la cual las teorías científicas o los discursos metafísicos no descubren la realidad sino que la crean. ‘No existe una realidad como la que los metafísicos han tenido la esperanza de descubrir’, dirá el francés Jacques Derrida, ni una naturaleza humana, ni una esencia de las cosas, ni siquiera leyes universales que gobiernen los movimientos de los cuerpos o los comportamientos de los hombres: nada de esto existe fuera de las teorias, es decir, de un uso particular de los lenguajes humanos.” (SCAVINO, Dardo. La Filosofia Actual: pensar sin certezas. Buenos Aires : Paidós, 1999, p. 13).

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da nossa sociedade - envolta em bases ontológicas18), afirma Paulo de Barros

Carvalho19:

Atravessamos o tempo do “giro-linguístico”, concepção do mundo que progride, a velas pandas, seja nas declarações estridentes de seus adeptos mais fervorosos, quer no remo surdo das construções implícitas dos autores contemporâneos. A cada dia, com o cruzamento vertiginoso das comunicações, aquilo que fora tido como “verdade” dissolve-se num abrir e fechar de olhos, como se nunca tivesse existido, e emerge nova teoria para proclamar, em alto e bom som, também em nome da “verdade”, o novo estado de coisas que o saber científico anuncia. Em exemplo recentíssimo, temos Plutão, “o novo planeta”, que acaba de ser inapelavelmente desqualificado pelos “avanços” da Astronomia. Pequena substituição na camada de linguagem que outorgava àquela esfera celeste a condição de planeta foi o suficiente para desqualificá-lo, oferecendo à comunidade das Ciências outro panorama do nosso sistema solar. Mas é curioso perceber que enquanto isso, indiferente às linguagens que nós produzimos sobre ele, Plutão continua cumprindo sua trajetória, como se nada houvesse acontecido.

É fundado neste “novel” cenário filosófico que a Teoria Comunicacional do

Direito emerge, observando as relações comunicacionais decorrentes do direito

posto, onde constata-se ser o próprio direito o responsável pela construção de

suas verdades e, por conseguinte, de sua realidade, que pode perfeitamente

chocar-se com verdades e realidades de outros sistemas, inclusive o social.

Estes estudos prévios, da relação do direito com a linguagem, mormente

quando esta é tomada na amplitude consagrada pelo giro-linguístico, são de 18 “Para a filosofia retórica, que parte de uma antropologia carente, a linguagem não é um meio para o mundo real, ela é o único mundo perceptível (...) Em que pese a tradição milenar de ambas, as ontologias têm prevalecido na cultura do Ocidente. Podem-se detectar três regularidades importantes nesse processo. Em primeiro lugar, o predomínio das ontologias tem o poderoso apoio da religião e da ciência: embora por motivos diferentes e até contrárias em diversas características, ambas são avessas ao ceticismo da retórica e sua negação da objetividade do conhecimento. Em segundo lugar, o sucesso do pensamento ontológico pode estar também radicado naquela necessidade atávica do ser humano por segurança, no incômodo da dúvida, na ideia de justiça no campo ético. Em terceiro lugar é importante notar que a defesa de uma verdade é ela própria uma eficiente estratégia retórica para apoiar argumentos, esteja o orador consciente disso ou não: quando o jurista, por exemplo, aponta uma causalidade supostamente verdadeira, na subsunção de determinado caso à lei, passa a se apresentar como ‘cientista’ (ou até sacerdote) e não como defensor de interesses, dogmas, doutrinas.” (ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo : Noeses, 2011, p. 6/7). 19 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria Hermenêutica - O Movimento do “Giro-linguístico” e a Superação dos Métodos Científicos Tradicionais In: ADEODATO, João Maurício. e BITTAR, Eduardo C. B. (Orgs.). Filosofia e Teoria Geral do Direito – Homenagem a Tercio Sampaio Ferraz Junior. São Paulo : Quartier Latin, 2011, p. 978/979.

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extrema necessidade para entender as razões da Teoria Comunicacional do

Direito e, por conseguinte, para compreender como o conflito de competência em

matéria tributária será aqui observado.

1.3. Definindo certas premissas, fundamentais a este trabalho, pela

perspectiva comunicacional do direito

Feitos estes esclarecimentos prévios à própria visão do direito como

comunicação, podemos apresentar outras premissas de suma importância a este

estudo partindo de tal perspectiva comunicacional.

Adentrar ao cerne do problema recortado para análise (conflito de

competência em matéria tributária), sem a fixação destas premissas, impede a

construção de um raciocínio claro e preciso como aqui se pretende.

Exemplificando, como poderemos falar que um enunciado jurídico é

sistemicamente incompatível, por decorrer de um conflito de competência, se não

fixamos a definição aqui empregada de: enunciado jurídico (e, até mesmo, de

norma jurídica); sistema jurídico (e suas complexas peculiaridades); qual

processo deve-se percorrer para o encontro dessa conclusão; etc.

Nesse momento, portanto, a ideia é estabelecer premissas relevantes ao

objeto de estudo (cruciais ao desenvolvimento do raciocínio adiante apresentado),

pelo prisma comunicacional do direito. Vamos a elas:

1.3.1. O enunciado prescritivo (unidade mínima - signo - da linguagem

jurídica)

Partindo da filosofia da linguagem ao estudo do direito, até porque o cerco

inapelável da linguagem alcança (em verdade constitui) toda e qualquer realidade

(inclusive a jurídica), e, ainda, entendendo ser o enunciado prescritivo o foco

científico de abordagem para tais reflexões, esse elemento deve ser encarado

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como o fenômeno linguístico que é, como a unidade mínima (signo) da linguagem

jurídica20.

Assim, se enunciado prescritivo é signo, totalmente compreensível sua

observação através de elementos da Semiótica21 (Ciência dos signos). Sobre

esse tema, dois são os autores considerados percursores desta elevação

científica do estudo do signo, quais sejam, Ferdinand de Saussure e Charles C.

Peirce22.

Peirce, ao contrário de Saussure (que adotava a relação diádica:

significante - modelo geral -; e significado - conteúdos mentais singulares), via o

signo como uma relação triádica entre: signo ou representamen, objeto e

interpretante. Aliás, a nomenclatura dos autores que adotam a relação triádica é

bem variada, sendo certo que muitos preferem as terminologias de Edmund

Husserl: suporte físico, significado e significação.

20 “A norma, sendo a unidade mínima da linguagem jurídica, possui, portanto, o estatuto de signo. Em sua maneira de representar o objeto, seus aspectos evidentes seriam a regulamentação de condutas, o seu poder vinculante, a relação que se estabelece entre antecedente e consequente (homogeneidade sintática) e sobretudo a sua imperatividade.” (ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Fato e Evento Tributário - Uma Análise Semiótica In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Org.). Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro : Forense, 2006, p. 335). 21 “Há algumas décadas usa-se chamar de semiótica a disciplina que se ocupa dos signos, do sentido e da comunicação. Pelos assuntos que trata, possui raízes muito antigas: ocuparam-se com signos e com a linguagem os pré-socráticos, Platão, Aristóteles, os estóicos, Agostinho e a escolástica, além de toda a filosofia moderna, de Descartes em diante. Na Índia, na China, nos mundos judaico e muçulmano, encontram-se reflexões igualmente antigas e ricas de estímulos.” (VOLLI, Ugo. Manual de Semiótica [tradução Silva Debetto C. Reis]. São Paulo : Loyola, 2007, p. 13). 22 “Durante anos, Semiótica, empregada por Charles Sanders Peirce, e Semiologia, utilizada por Ferdinand de Saussure, eram termos usados para designar a teoria geral dos signos. Ambos autores viveram no final do século XIX e início do século XX, portanto, foram contemporâneos. Por outro lado, contudo, não chegaram a manter contato e desenvolveram as respectivas teorias paralelamente. Só com Roman Jakobson, em 1974, em Milão, na abertura do primeiro congresso da Associação Internacional de Estudos Semióticos que se definiu a semiótica como ciência geral dos signos.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 36 - nota de rodapé n. 22).

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Aplicando essa relação triádica ao direito positivo, Aurora Tomazini de

Carvalho23 ensina:

O direito positivo, enquanto corpo de linguagem voltado à região das condutas intersubjetivas, com a finalidade de implementar certos valores almejados pela sociedade, tem como suporte físico os enunciados prescritivos que o compõem materialmente (ex.: artigos, incisos e parágrafos de uma lei). Tais enunciados reportam-se à conduta humana, mais especificamente às relações intersubjetivas, que é seu significado. E, suscitam na mente daqueles que os interpretam a construção de normas jurídicas, que se constituem na sua significação.

A literalidade da lei, portanto, é o suporte físico (ou representamen), a

conduta humana (relação intersubjetiva) é o significado (ou objeto) e, a norma

jurídica (construção de sentido feita pelo intérprete - autêntico24 ou não -, partindo

daquele suporte físico) é a significação (ou interpretante, na terminologia de

Peirce).

Já podemos perceber, então, que o suporte físico (texto da lei) é a forma

com que a mensagem jurídica é transmitida, mas seu conteúdo advém da

respectiva interpretação de tal comando normativo, que muitas vezes exige a

comunhão de vários dispositivos legais para, só então, se alcançar a devida

significação25. Como não há forma sem conteúdo e vice-versa, não há como

trabalhar com um destes elementos sem analisar o outro (apenas num exercício

didático tal segregação é possível).

23 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-Semântico. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 162/163. 24 “A essência da interpretação. Interpretação autêntica e não autêntica (...) existem duas espécies de interpretação que devem ser distinguidas claramente uma da outra: a interpretação do Direito pelo órgão que o aplica, e a interpretação do Direito que não é realizada por um órgão jurídico mas por uma pessoa privada e, especialmente, pela ciência jurídica.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito [tradução João Baptista Machado]. 8ª Ed., São Paulo : Martins Fontes, 2011, p. 387/388). 25 “Uma norma jurídica é um enunciado (um enunciado interpretado, o conteúdo de sentido de um enunciado) proferido - ou seja, publicado ou promulgado - por uma autoridade normativa.” (GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas [tradução Edson Bini]. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 83/84).

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E tal construção de sentido (que é a norma jurídica) deve conter um

mínimo deôntico necessário à função imperativa do direito, de regular condutas

intersubjetivas em obrigatórias, permitidas ou proibidas.

Distinguindo enunciado prescritivo de norma jurídica, Paulo de Barros

Carvalho26, em recente estudo afirma:

...entendi mais recomendável à precisão da linguagem normativa, utilizar a expressão enunciado prescritivo para mencionar a forma escrita consignada no texto, reservando a entidade norma para aludir à construção de sentido que o intérprete elaborou (refiro-me, novamente, ao documento escrito, mas vale para outras linguagens em que o direito se manifeste). Não travamos contacto com as normas pela visão ou por outra intuição sensível, de modo que, se quisermos transmiti-las, deveremos criar formas específicas que, por sua vez, serão objeto de interpretação por quem as recebe.

Ou seja, o intérprete autêntico (o Juiz, por exemplo) dos enunciados

prescritivos, ao construir a norma jurídica, verterá tal construção em linguagem

(novo enunciado prescritivo - sentença, para mantermos a mesma sequência

exemplificativa). Portanto, a norma jurídica fruto de uma interpretação autêntica,

oriunda de um ou mais enunciados prescritivos, também será, sempre, um

enunciado prescritivo e, assim, a espera de ser interpretada pelo seu receptor,

num ciclo ininterrupto de positivação/derivação (veremos isso com mais detalhes

no item 1.3.3.).

1.3.1.1. Abstração lógica da proposição normativa

O que é possível concluir, das observações anteriores, é que a norma

jurídica27 advém da construção de sentido atribuído a um ou vários enunciados

26 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. 2, São Paulo : Noeses, 2013, p. XVIII/XIX. 27 Importante esclarecer que a expressão “norma jurídica” é (ou foi) utilizada, por muitos autores, em acepção ampla e estrita. Na primeira (acepção ampla) tem tal expressão alcance semântico idêntico ao de enunciado jurídico, enquanto que na segunda (acepção estrita), ocorre a diferenciação que explicitamos (enunciado jurídico como forma e norma jurídica como seu conteúdo). Esse esclarecimento é importante, pois muitos destes autores são aqui citados e, assim, será o contexto empregado em tais trechos doutrinários colacionados que possibilitará identificar qual o sentido pretendido (amplo ou estrito).

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(texto de lei) e, para tanto, é necessário a presença de um mínimo deôntico apto

a predominar a função prescritiva (imperativa) da linguagem do direito posto.

É por necessitar deste mínimo deôntico, que a construção do sentido, na

quase totalidade das vezes, exige a observância de mais de um enunciado

prescritivo.

Sendo assim, por estarmos diante de uma mensagem (no caso, jurídica), é

possível observá-la, tão somente, sob o ângulo sintático (ainda que tal

segregação seja postura exclusivamente didática), ou seja, admissível a

realização de uma abstração lógica28 da proposição normativa.

Nesse momento, é importante esclarecer que tomamos o termo

“proposição normativa”, de acordo com as ressalvas apresentadas por Lourival

Vilanova29, a saber:

...para os fins estritos da análise lógica interessam as estruturas de linguagem mediante as quais se exprimam proposições, isto é, asserções de que algo é algo, de que tal objeto tem a propriedade tal. Estruturas de linguagem expressivas de proposições são suscetíveis de valores (verdade/falsidade), empiricamente verificáveis por qualquer sujeito que se ponha em atitude cognoscente. (...) Mas a proposição apofântica está completa sem o modal. É estrutura sintática completa a fórmula “S é P”. Na proposição normativa ou deôntica, o dever-ser (que se triparte nas modalidades O, P, V, obrigatório, permitido e proibido) é constitutivo da estrutura formal, é o operador específico que conduz à proposição deôntica. Faltando, desfaz-se a estrutura, como se desfaz aquela outra estrutura se suprimirmos o conectivo apofântico é.

28 “…podemos estudar, mediante conceitos, proposições e inferências de segundo grau, aquelas formas vazias (abstraídas) de conteúdo, que serão as formas de primeiro grau. Cumpre notar que dizer que são vazias de conteúdo, não quer dizer que possam ser pensadas sem esse conteúdo, e sim que são pensadas com desprezo ao seu conteúdo, com abstração de seu conteúdo, isto é, neutralizando o conteúdo por não considerá-lo importante para o estudo das formas.” (ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação. 5ª Ed., São Paulo : Quartier Latin, 2011, p. 59). 29 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 3/35.

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A proposição normativa, portanto, é aquela asserção (juízo hipotético

condicional30) suscetível de valores inerentes à Lógica Deôntica (válido/inválido),

afetado por um functor (dever-ser).

Necessário, por ora, os seguintes esclarecimentos: (i) a proposição

normativa será sempre implicacional (seus elementos estão ligados pelo conector

condicional); e (ii) haverá, sempre, dois operadores deônticos (um

interproposicional e outro intraproposicional).

Assim, teremos uma proposição do tipo “se ocorrer a hipótese ‘h’, então

teremos a consequência ‘c’”; ou “h → c”. Interessante que o antecedente é

condição suficiente do consequente, quando conhecer a verdade do primeiro

permite afirmar a verdade do segundo (valência inerente à Lógica Alética -

verdade/falsidade). Em contrapartida, o consequente será condição necessária do

antecedente, quando conhecer sua falsidade nos permitir assegurar a falsidade

daquele31.

Esse juízo implicacional, todavia, não é exclusividade das leis jurídicas,

pelo contrário, pode decorrer de leis da natureza, como ocorre no seguinte

exemplo: “se a fruta se desprende do galho então ela irá ao chão”. Ora, não há

nesse caso qualquer imputação jurídica entre antecedente e consequente, ou 30 “Um enunciado da forma ‘Se p, então q’ - com ‘p’ e ‘q’ enunciados quaisquer. No simbolismo de Russell-Whitehead o condicional é representado pelo símbolo ‘⊃’ (‘p ⊃ q’); no de Hilbert, com o símbolo ‘→’ (‘p → q’); por fim, no simbolismo da escola lógica polonesa, com o símbolo ‘C’ anteposto aos dois enunciados (‘Cpq’). Os enunciados que compõem o condicional são chamados, respectivamente, ‘antecedente’ (‘p’ no nosso exemplo) e ‘consequente’ (‘q’ no nosso exemplo)...” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia [tradução Alfredo Bossi e Ivone Castilho Benedetti]. 5ª Ed., São Paulo : Martins Fontes, 2007, p. 202). 31 “El hecho p es condición suficiente de q cuando conocer la verdade de ‘p’ permite afirmar la verdade de ‘q’. Dado un enunciado condicional que suponhamos verdadero (por ejemplo, ‘si el perro mueve la cola, está contento’), la verdade del antecedente es condición suficiente de la verdade del consecuente: si vemos que la cola se agita, podremos afirmar que su canino propietario está contento (y lo afirmaremos con la misma confianza con que hayamos aceptado la premisa condicional sobre el significado de dicho movimiento). En cambio, el hecho q es condición necesaria de p si conocer la falsedad de ‘q’ nos permite asegurar la falsedad de ‘p’. En el mismo ejemplo, el consecuente resulta condición necesaria del antecedente: si sabemos que el perro no está contento podremos afirmar que no mueve la cola aunque el bicho esté a nuestras espaldas. En efecto, si la moviera estaría contento, y estamos persuadidos de que no lo está.” (ECHAVE, Delia Teresa. URQUIJO, María Eugenia. e GUIBOURG, Ricardo A. Lógica, proposición y norma. Buenos Aires : Astrea, 2008, p. 61).

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seja, havendo aquele ocorrerá este, mas por uma causalidade física (ser), e não

jurídica (dever-ser).

Por essa razão, para diferenciar a causalidade inerente ao juízo

implicacional formalizado, é necessário vincular a proposição normativa a um

modal que expressa a afetação de um dever-ser sobre ela. Por isso, a proposição

normativa pode ser demonstrada, sintaticamente (fórmula proposicional), da

seguinte maneira: “D (h → c)”.

Desformalizando, “deve-ser que ‘h’ implique em ‘c’” (onde “h” é o

antecedente da proposição normativa, “c” o seu consequente e, o “D” o functor

que indica a imputabilidade jurídica existente na proposição).

Este functor é interproposicional, pois motiva a implicação entre “h” e “c”,

mas o mesmo é desprovido de valor (não aparece modalizado). Diferentemente

do functor intraproposicional existente no consequente normativo, que modaliza a

obrigação jurídica existente entre os sujeitos desta relação como obrigatória,

permitida ou proibida. Este também é chamado de “functor deôntico”, enquanto

aquele é denominado “functor-de-functor”32.

Toda e qualquer norma jurídica terá essa estrutura sintática, “D (h → c)”,

podendo variar apenas os elementos necessários à composição do antecedente e

consequente, de acordo com a visão daquele que se propõe a realizar tal análise

lógica da proposição normativa.

Para o presente estudo, nos interessa analisar a estrutura da norma

jurídica que institui o tributo, já que, posteriormente, serão analisados tais critérios

(mormente os que compõem o antecedente) para verificar sua possível ligação

com eventual ruído comunicacional causador de conflito de competência neste

ato de positivação. 32 “Se chamarmos de ‘functor deôntico’ aquele presente na proposição-tese da norma jurídica, seguindo a terminologia de Georges Kalinowski, o primeiro será o ‘functor-de-functor’, uma vez que, inaugurando a relação implicacional, é ponente também do functor intraproposicional.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 124/125).

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A norma jurídica que institui um tributo, também chamada de regra-matriz

(expressão cunhada por Paulo de Barros Carvalho33), tem o antecedente

preenchido pelos elementos (material, espacial e temporal) que um fato deve ter

para qualificar-se como jurídico. No consequente, por sua vez, vislumbra-se os

elementos (quantitativo e pessoal) da relação jurídica (afetada por um dos três

modais deônticos), que acontecerá em havendo a subsunção de um fato à

hipótese do antecedente.

Insista-se, o antecedente possui três critérios: (i) o material (formado por

um verbo e seu complemento, refere-se a um comportamento pessoal); (ii) o

espacial (lugar preciso em que deve acontecer aquela ação denominada de

critério material); e (iii) o temporal (revelador do marco temporal em que deve

acontecer aquela ação denominada de critério material).

Já os critérios que compõem o consequente normativo são: (iv) o pessoal

(indicação dos sujeitos ativo e passivo ligados à relação jurídico-tributária); e (v) o

quantitativo (indicação da base de cálculo e alíquota aptos à composição

valorativa do objeto obrigacional). Com isso, é possível apresentar nova fórmula

proposicional: “D [(cm . ce . ct) → (cp . cq)].”

1.3.1.2. Normas abstratas ou concretas, gerais ou individuais.

A bimembridade da norma jurídica restou evidenciada no item anterior, já

que composta, obrigatoriamente, por um antecedente e um consequente (aquele

33 Clarice von Oertzen de Araujo, ao prefaciar a 5ª edição da obra Teoria da Norma Jurídica, de Paulo de Barros Carvalho, afirma: “Esta obra, produzida nos primeiros anos da década de 1970, foi apresentada por Barros Carvalho à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para a obtenção do título de doutor em direito tributário (...) O arranjo e propósito desta pesquisa refletiu claramente o momento histórico que deu início à concepção do diagrama lógico-semântico denominado “Regra-Matriz de Incidência Tributária” e delineou, desde o momento de sua divulgação, os principais traços do percurso de ideias que sucederiam seus estudos jurídicos no andamento de longa e consistente produção. Ao dispor dos meios oferecidos por seu projeto matricial, o autor procedeu à desarticulação e superveniente reconstrução analítica da norma jurídica tributária.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Jurídica. 5ª Ed., São Paulo : Quartier Latin, 2009).

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implicando este em razão da existência de uma causalidade jurídica). Diante

disso, é possível classificar a norma jurídica de acordo as características destes

elementos que a compõem (sendo certo que tal classificação será empregada,

neste trabalho, com muita frequência).

Sendo assim, o antecedente normativo poderá ser abstrato ou concreto e o

consequente geral ou individual. Logo, compõem o conjunto das normas jurídicas,

por esse prisma classificatório, quatro espécies distintas: (i) abstratas e gerais; (ii)

abstrata e individuais; (iii) concretas e gerais; e (iv) concretas e individuais.

A norma jurídica terá o seu antecedente classificado como abstrato quando

estivermos diante de uma conotação, ou seja, quando a hipótese fáctica34

apresentar os aspectos que um fato social deve ter para, uma vez presentes

(devidamente relatados em linguagem competente) se tornar um fato jurídico. Por

conseguinte, o antecedente será tido por concreto quando se tratar exatamente

daquele relato (denotativo35) que descreve (concretiza) o fato jurídico subsumível

a um antecedente abstrato.

Assim, quando do antecedente tido por abstrato, em que pese o verbo

constante (critério material juntamente com seu complemento) estar no infinitivo

(auferir renda, ser proprietário de imóvel urbano, prestar serviço de qualquer

natureza, etc.), a proposição estará voltada para o futuro. Em contrapartida, o

antecedente tido por concreto volta-se, obrigatoriamente, para o passado (auferiu

renda, prestou serviço, etc.).

34 “Usamos a expressão ‘hipótese fáctica’ para indicar a parte da norma que descreve um possível estado-de-coisas do universo social (o universo físico ingressa nesse universo social por meio de seletores sociais). O termo ‘hipótese’ é um termo sintático: denomina o antecedente de uma relação-de-implicação.” (VILANOVA, Lourival. Analítica do Dever-ser. in: Escritos Jurídicos e Filosóficos. Vol. 2. São Paulo : Axis Mundi e IBET, 2003, p. 67/68). 35 “A pesquisa pela denotação de um conceito seria aquela que busca perceber que elementos se ajustam às palavras. Já aquela que põe no centro dos seus interesses as características do conceito, seria o campo da chamada semiótica conotativa.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 166).

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O consequente é tido por geral quando a mensagem jurídica volta-se a

uma classe indeterminada de sujeitos e, por conseguinte, é denominado de

individual, quando é possível determiná-los. Independentemente da classificação,

se geral ou individual, o consequente volta-se sempre para o futuro.

Exemplificando as quatro espécies de normas, ensina Fabiana Del Padre

Tomé36:

As regras-matrizes de incidência são exemplos de normas gerais e abstratas, enquanto que as sentenças são casos de normas individuais e concretas. Os veículos introdutores são típicas normas gerais e concretas, ao passo que as normas individuais e abstratas podem ser identificadas nos contratos firmados entre pessoas determinadas, objetivando ao cumprimento de prestações se e quando se concretizar uma situação futura.

Essa classificação será de suma importância ao estudo do conflito de

competência em matéria tributária pelo prisma comunicacional do direito, posto

que o recorte metodológico feito para tanto, atinge não só as normas que

outorgam competência (gerais e abstratas) como as que instituem os tributos

(também gerais e abstratas) e que aplicam tais tributos instituídos (individuais e

concretas), sendo certo que em todas elas é possível construir uma nova norma

(geral e concreta), para identificar o respectivo veículo introdutor37.

Explicitado o alcance semântico do termo “norma jurídica”, seus aspectos

lógicos, necessários ao mínimo deôntico para sua imperatividade e, também,

suas espécies ligadas à generalidade ou concretude do comando, em conjunto

com a individualização, ou não, dos partícipes da obrigação jurídica a ela

36 TOMÉ, Fabiana Del Padre. O direito como linguagem criadora da realidade jurídica: A importância das provas no sistema comunicacional do direito. In: ROBLES, Gregório e CARVALHO, Paulo de Barros [Orgs.]. Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha. São Paulo : Noeses, 2011,p. 112 (nota de rodapé n. 19). 37 “Ensina Paulo de Barros Carvalho que as normas andam aos pares. Há as normas introdutoras e as normas introduzidas. As últimas não ingressam no direito, sem as primeiras. A norma introdutora - também chamada de veículo introdutor - apresenta uma estrutura hipotético-condicional deôntica (deve ser que, se a, então b) que exprime, em seu antecedente (a), o fato da consecução de um procedimento e, em seu consequente (b), o dever de se observarem as normas por ela introduzidas, tais como as leis, os contratos, as sentenças, decretos etc.” (MCNAUGHTON, Charles William. Hierarquia e Sistema Tributário. São Paulo : Quartier Latin, 2011, p. 70).

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inerente, passamos a demonstrar como os enunciados prescritivos (forma que

possibilita o aparecimento daquele conteúdo - norma jurídica) se relacionam e,

assim, preenchem o conjunto “sistema jurídico”38. Vejamos:

1.3.2. O Sistema jurídico (composto por enunciados/mensagens)

Nicola Abbagnano39 afirma que a palavra sistema foi utilizada inicialmente

para representar um discurso dedutivamente organizado, que contenha o ideal

sistematizado, com suas razões e provas (como vislumbrou Leibniz), onde suas

partes derivam umas das outras. Em sequência, salienta o mestre italiano que

Kant teve outra noção de sistema, qual seja, unidade do princípio que o

fundamenta.

Assim, é possível afirmar que o conceito de sistema empregado

dependerá, sempre, do princípio (conforme noção kantiana) ou do ideal racional

(nos moldes da lição de Leibniz) invocado pelo exegeta para construí-lo e, com

isso, o sistema torna-se referencial (sistema de referência a um princípio ou a

certos padrões de racionalidade) 40.

38 “Las normas jurídicas lo son por pertenecer a un sistema. No hay normas jurídicas aisladas. De igual forma a como las células no existen aisladas, sino que componen conjuntos, que llamamos organismos; así sucede con las normas. No podemos pensar estas últimas sino en su inserción en el conjunto al que pertenencen.” (ROBLES, Gregório. Teoria Del Derecho: Fundamentos de teoría comunicacional del Derecho. 2ª Ed. Madri : Civitas, 2006, p. 170). 39 “Essa palavra (...) passou a ser usada em filosofia para indicar principalmente um discurso organizado dedutivamente, ou seja, um discurso que constitui um todo cujas partes derivam umas das outras. Leibniz chamava de sistema o repertório de conhecimentos que não se limitasse a ser um simples inventário, mas que contivesse suas razões ou provas e descrevesse o ideal sistemático da seguinte maneira: ‘A ordem científica perfeita é aquela em que as proposições são situadas segundo suas demonstrações mais simples e de maneira que nasçam umas das outras’ (...) Kant subordinou-a a outra condição: a unidade do princípio, que fundamenta o sistema, pois ele entendeu por sistema ‘a unidade de múltiplos conhecimentos, reunidos sob uma única idéia’.” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia [tradução Alfredo Bossi e Ivone Castilho Benedetti]. 5ª Ed., São Paulo : Martins Fontes, 2007, p. 1.076). 40 “Surpreendido em seu significado de base, o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 43).

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Essa referência é o que valida o elemento inserido no sistema, ou seja, é o

que possibilita ou não sua inclusão em determinada classe. Pode um elemento,

assim, pertencer a mais de um sistema (bastando sua subsunção às referências

neles determinadas), bem como, por óbvio, um sistema possuir diferentes

elementos (vinculados entre si em razão do critério referencial).

Por isso é possível definir a Ciência do Direito como um sistema, assim

como o ordenamento jurídico também deve ter tal status (as expressões

“ordenamento jurídico” e “sistema jurídico-positivo” terão aqui o mesmo alcance

semântico, qual seja, conjunto de enunciados jurídicos válidos, em determinado

espaço e tempo, voltados à regulação de condutas intersubjetivas, ainda que

esse seja um tema bastante controvertido41).

Sobre a diferença entre os sistemas, da Ciência do Direito e do direito

posto, Lourival Vilanova42 ensina:

Temos tomado o sistema como forma sintática de união de proposições dentro de um conjunto, quer na Ciência-do-Direito, quer no Direito positivo (...) o sistema que se encontra no Direito positivo é uma imperfeita construção normativa, não uma construção teorética ou epistemológica. A sistematização num código, ou no todo do ordenamento (limite típico-ideal) provém de ato-de-vontade, não de ato-de-conhecimento, para usar terminologia kelseniana.

Uma coisa, portanto, é o sistema de enunciados descritivos que tem por

objeto o direito posto (Ciência do Direito - metalinguagem). Outra é o sistema

41 “...tomaremos as expressões ‘ordenamento jurídico’ e ‘sistema jurídico’ como sinônimos perfeitos. Uma e outra servem para designar um conjunto de normas jurídicas válidas em certas condições de espaço e tempo.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 122). Defendendo a dessemelhança entre “sistema” e “ordenamento”, temos: “O sistema, em seu conjunto, se expressa num texto elaborado paralelo e muito mais complexo e exato que o texto jurídico bruto. O sistema reflete e aperfeiçoa o ordenamento...” (ROBLES, Gregório. O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito [tradução Roberto Barbosa Alves]. Barueri : Manole, 2005, p. 7); e “Emprega-se a expressão ‘sistema do direito positivo’ para se referir ao conjunto de normas estaticamente consideradas. A voz ‘ordenamento jurídico’ é usada no sentido dinâmico ‘de sequência de conjunto de normas’ ou seja, ‘uma ordem jurídica é, de acordo com esta convenção, uma sequência de sistemas normativos’.” (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em Matéria Tributária. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2011, p. 137). 42 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 140/141.

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composto por enunciados prescritivos, voltados à regulação de condutas

intersubjetivas43 (linguagem-objeto daquele outro sistema). Interessante que, em

ambos os casos, estar-se-á diante de enunciados (ora descritivos ora prescritivos)

o que só reforça o caráter comunicacional do direito. Em razão das pretensões

deste trabalho, voltaremos nossa atenção ao sistema jurídico positivo.

1.3.2.1. Sistema homogêneo

O sistema jurídico positivo é composto, insista-se, por enunciados

prescritivos (deônticos), que se relacionam entre si (intertextualidade). Esse

relacionamento normativo pode ser percebido na demonstração de sua validade

(o fundamento de validade de uma mensagem jurídica estará, sempre, em outra –

ainda que hipotética), na inserção de novo enunciado no sistema (ocorrida,

sempre, com espeque em enunciado prescritivo diverso) e, até mesmo, na

eliminação (invalidação) de uma mensagem por outra.

A primeira situação acima citada, comprobatória do relacionamento

existente entre enunciados (fundamento de validade de um comando buscado,

sempre, em outro), é o que torna homogêneo o sistema jurídico de direito posto.

Isso porque, tal situação implica, logicamente44, no fato de todos os elementos do

sistema buscarem um mesmo fundamento de validade (hipoteticamente criado –

axioma – para validar o sistema), o que lhe outorga unidade.

Tal norma hipotética fundamental, defendida por Hans Kelsen45, deve-se a

necessidade metodológica do corte, posto que se um enunciado busca, sempre,

43 “Kelsen, apesar do tão sublinhado normativismo, diz acertadamente que o direito é o sistema de normas que regula a conduta humana, ou a conduta normativamente regulada.” (VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4ª Ed., São Paulo : RT, 2000, p. 111). 44 Se a norma “p” outorga validade a norma “q” e esta, por sua vez, outorga validade a norma “r”, então a norma “p” outorgará validade à norma “r”. Essa é uma das leis da lógica proposicional (tautologia, portanto), denominada “transitividade do condicional”. Nesse sentido ensinam Delia Teresa Echave, María Eugenia Urquijo e Ricardo A. Guibourg: “Transitividad del condicional: [(y ⊃ x) . (x ⊃ y)] ⊃ (y ⊃ z).” (Lógica, proposición y norma. Buenos Aires : Astrea, 2008, p. 91). 45 “...a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser

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fundamento de validade em outro que lhe é superior, essa raciocínio interpretativo

de construção de sentido (derivação - vide item 1.3.3.) dar-se-ia ao infinito sem o

atingimento de uma mensagem jurídica última (pressuposta) validadora de todas

as demais.

É sabido que a utilização desse axioma trouxe críticas à teoria

kelseniana46, mas o fato é que metodologicamente ele possibilita essa

homogeneidade sintática ao sistema jurídico, facilitadora do seu conhecimento

(norma hipotética como referência do sistema, como propriedade do seu

fechamento47).

Sobre a homogeneidade do sistema jurídico, exclusiva ao ângulo sintático,

Paulo de Barros Carvalho48 assevera:

Seu discurso [do legislador] se organiza em sistema e, ainda que as unidades exerçam papéis diferentes na composição interna do conjunto (normas de conduta e normas de estrutura), todas elas exibem idêntica arquitetura formal. Há homogeneidade, mas homogeneidade sob o ângulo puramente sintático, uma vez que nos planos semântico e pragmático o que se dá é um forte grau de heterogeneidade, único meio de que dispõe o legislador para cobrir a imensa e variável gama de situações sobre o que deve incidir a regulação do direito, na pluralidade extensiva e intensiva do real-social.

pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm).” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito [tradução João Baptista Machado]. 8ª Ed., São Paulo : Martins Fontes, 2011, p. 217). 46 Sônia Maria Broglia Mendes, citando outros autores (Martín Diego Farrel e María José Fariñas Dulce), resume as críticas que incidiram sobre a norma fundamental: “Farrell afirma que as críticas a Kelsen poderiam ter sido evitadas se a norma fundamental tivesse sido concedida como um axioma (...) Dulce conduz suas críticas em outro sentido, dizendo que a norma fundamental é supérflua e desnecessária na teoria kelseniana (...) A autora afirma, também, que essa validade deveria ser buscada na última norma jurídico-positiva do sistema, sem se questionar a validade dessa norma, porque isso sempre conduz à busca de um fundamento de validade fora do sistema...” (A Validade Jurídica Pré e Pós Giro Lingüístico. São Paulo : Noeses, 2007, p. 126/127). 47 “...na proposição normativa fundamental, temos o apoio para a propriedade (análoga à propriedade matemática de certas operações em conjuntos) do fechamento.” (VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 126). 48 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 136.

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1.3.2.2. Sistema autopoiético

Além de homogêneo (pelo prisma sintático), o sistema jurídico de

enunciados prescritivos é, também, autopoiético, isto é, “produz sua própria

organização, conservando identidade do sistema e, ao mesmo tempo, fazendo-o

sofrer transformações indispensáveis à sobrevivência.”49

Toda e qualquer inovação ou alteração, portanto, decorre do próprio

sistema jurídico, assim como a identificação e eliminação de enunciados

desarmônicos, também se deve a auto-organização sistêmica do direito. Essa é

uma característica de suma importância ao sistema do direito posto50.

Insista-se, o direito promove as transformações necessárias à sua própria

adaptação ao meio, sem haver direta interação com este e, por via transversa,

sem ser tocado pelo meio (o ser nunca toca o dever-ser, e vice-versa)51. Há

influência do meio nas alterações sistêmicas, mas sempre de forma indireta. Isso

porque, o meio influi no conteúdo das mensagens jurídicas (aspecto semântico e

pragmático), mas a forma com que tal alteração se processará é sempre a

mesma (mediante enunciado prescritivo - homogeneidade sintática).

49 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2008, p. 43. 50 “O direito cria suas próprias realidades, constrói seus próprios conceitos e define-os para sobre eles poder falar com mais precisão. É como um tecido vivo e inteligente, capaz de prontamente absorver novas situações e transformá-las segundo suas categorias operacionais.” (SANTI, Eurico Marcos Diniz de. As Classificações no Sistema Tributário Brasileiro. In: Justiça Tributária. São Paulo : Max Limonad, 1998, p. 134). 51 “...estabelece que a diferença sistema/meio só se realiza e é possível pelo sistema (...) o sistema estabelece seus próprios limites, mediante operações exclusivas, devendo-se unicamente a isso que ele possa ser observado (...) o sistema não pode empregar suas próprias operações para entrar em contato com o meio. Pode-se dizer que este último constituiria a especificidade do conceito de encerramento operativo (...) No plano das operações específicas do sistema, não há nenhum contato com o meio” (LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas: aulas publicadas por Javier Torres Nafarrete [tradução Ana Cristina Arantes Nasser]. 2ª Ed., São Paulo : Vozes, 2010, p. 102/103).

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Demonstrando a importância desta característica do sistema jurídico,

inclusive quando se observa o direito sob o ângulo comunicacional (direito como

texto), afirma Gregório Robles52:

O texto jurídico é um texto aberto. Não é, portanto, uma obra (ainda que seja possível a análise literária ou histórica de uma fração do texto jurídico, como, por exemplo, o código civil). A abertura indica que o texto não surge de uma só vez (como acontece com a novela), mas vai sendo gerado e regenerado progressivamente, como mecanismo autopoiético que é. O ser textual do dirieto é um ser in fieri, nunca terminado, mas em permanente transformação. Regenera-se mediante decisões diárias, que se incorporam em novas leis, em novas normas de vários tipos, em novas sentenças judiciais etc.

1.3.2.3. Sistema empírico

Importante destacar, por fim, o caráter empírico53 do sistema jurídico de

enunciados prescritivos (em detrimento aos sistemas de caráter lógico,

meramente formais – ideais -, como ocorre na Lógica e na Matemática), inerente

à região ôntica a que se destina (regulação de condutas intersubjetivas), onde os

aspectos semântico e pragmático são de extrema relevância.

Nesse sentido manifestou-se Tárek Moysés Moussallem54:

...o direito positivo é um sistema (nomo) empírico e, como tal, faz necessária referência à linguagem da realidade social. Da intersecção entre a linguagem normativa e a linguagem da realidade social resulta a linguagem da factividade jurídica, que ingressa no ordenamento por meio de normas jurídicas (mais precisamente por seu antecedente)...

52 ROBLES, Gregório. O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito [tradução Roberto Barbosa Alves]. Barueri : Manole, 2005, p. 29. 53 Marcelo Neves classifica os sistemas em “reais” e “proposicionais” e, este último, subdivide em “nomológicos” e “nomoempíricos”. O prefixo “nomo” utilizado em tal classificação tem a pretensão de vinculá-los à linguagem, diferenciando-os dos sistemas reais. Por acreditarmos que o alcance da realidade pressupõe linguagem (premissa filosófica inerente ao chamado “giro-linguístico”, como restou abordado alhures), excluímos este prefixo. Sobre o tema, assim posicionou-se Paulo de Barros Carvalho: “Oferecidos esses breves esclarecimentos da classificação exposta por Marcelo Neves, e pondo entre parênteses a gama de possibilidades elucidativas que pode oferecer, verdadeiramente ampla, é preciso acentuar que a subespécie dos sistemas reais não pode ser aceita no âmbito do modelo que venho desenvolvendo, exatamente porque pressupõe objetos da experiência que extrapassam os limites da linguagem.” (Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 46/47). 54 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2006, p. 58.

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O conteúdo empírico, portanto, que alimenta o sistema jurídico é

heterogêneo (semântico e pragmático), afastando-o de sistemas lógicos, neutros

de valor.

Insista-se, essa “alimentação” do sistema jurídico dar-se-á de forma

indireta, ante o fechamento exclusivamente sintático que sobre ele incide

(somente enunciados prescritivos, positivados por autoridade competente,

alimentam o sistema jurídico). O meio provoca alterações no sistema, mas

sempre de forma indireta.

Em síntese, o sistema jurídico de enunciados prescritivos é,

evidentemente, de cunho linguístico podendo, por isso, sofrer abstração lógica

(apta a indicar sua estruturação sintática homogênea, como restou demonstrado

no item 1.3.1.1.). O ponto referencial que traz unidade e fechamento

exclusivamente sintático ao sistema é a norma hipotética fundamental

(axiomática). Por figurar na região ôntica dos objetos culturais e, principalmente,

para atingir seu objetivo de regular condutas intersubjetivas (que também

integram a mesma ontologia regional), o sistema é aberto (heterogêneo) nos

planos semântico e pragmático (sistema empírico). Ademais, por autorregular as

transformações necessárias ao alcance de suas pretensões (inclusão de novas

mensagens jurídicas, exclusão de outras, etc.), o sistema jurídico é também

classificado como autopoiético.

1.3.3. Positivação e derivação (ciclo comunicacional da mensagem jurídica)

Uma vez explicitada as características do sistema jurídico, bem como de

seus elementos (enunciados prescritivos), interessante discorrermos, agora,

sobre os processos inerentes tanto à inserção de novos elementos no sistema

quanto à respectiva conjugação deste com as demais mensagens existentes no

conjunto.

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Já foi anteriormente afirmado que o enunciado prescritivo é fruto de uma

ação (ato de fala) que o insere no sistema (vide item 1.2.1.). Tal enunciado

carrega, direta ou indiretamente, nova disposição (permissiva, impositiva ou

proibitiva) sobre a inserção de novo elemento neste conjunto, fruto da

interpretação daquele primeiro comando. Esse ciclo comunicacional da

mensagem jurídica dispõe de dois fatores cruciais à sua construção,

denominados positivação e derivação.

Sobre o primeiro deles (positivação) discorre Paulo de Barros Carvalho55:

Positivação é sequência de atos ponentes de normas no quadro da dinâmica do sistema. Seu trajeto é uniforme e a direção, sempre descendente (...) iniciando ou prosseguindo ou encerrando a formação de cadeias de enunciados prescritivos (...) abriga, no seu âmbito, intenso exercício dos procedimentos lógico-semânticos relativos à derivação.

Positivação, portanto, é a inserção de elementos no sistema jurídico de

direito positivo, fundados em outros de superior hierarquia, para que as

mensagens de maior grau hierárquico incidam, efetivamente, sobre as condutas

intersubjetivas que pretendem regular.

Ou seja, uma disposição constitucional, por exemplo, depende de outro

enunciado (ou, via de regra, outros enunciados) para efetivamente incidir e,

assim, regular a relação intersubjetiva pretendida56.

Logo, o processo em apreço impõe concretude às mensagens abstratas

(quanto maior o grau hierárquico maior o nível de abstração normativa), pouco

importando a quantidade de enunciados que o sistema exige para que o mais

55 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. 1, São Paulo : Noeses, 2011, p. XIX/XX. 56 “El legislador, al concretizar en la ley la justicia encarnada en los preceptos constitucionales, interpreta la constitución y dota de concreción a sus preceptos. Aunque la ley sigue siendo un tipo de norma que se caracteriza por su generalidad y abstracción, supone un paso ‘hacia abajo’ en el proceso de comunicación normativa, esto es, hacia la realidad de la vida.” (ROBLES, Gregório. La Justicia en los juegos. Revista de Direito Tributário n. 103. São Paulo : Malheiros, 2009, p. 10).

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abstrato fundamente o mais concreto. Nesse sentido Tácio Lacerda Gama57

explica:

...quanto mais geral e abstrata a norma, mais indeterminados são os seus âmbitos de vigência. Como salienta Ulises Schmill, positivar o direito, criando normas mais objetivas a partir de normas superiores mais vagas consiste, justamente, em aumentar a precisão com que se prescreve cada um dos âmbitos de validade de uma norma.

O outro processo, estritamente ligado a este, que não insere elementos no

sistema, mas que verifica se os inseridos ocorreram em harmonia com as demais

mensagens pertencentes ao conjunto, é denominado de derivação.

Sobre ele, novamente nos valemos da lição de Paulo de Barros Carvalho58:

derivação é operação lógico-semântica em que se articula uma unidade normativa a outras que lhe são sobrepostas ou sotopostas na hierarquia do conjunto. Cada impulso de positivação provoca um vínculo de derivação. Com isso, o jurista compõe o cálculo de normas, conjugando-as para agrupá-las, mediante iniciativas de coordenação ou em movimentos ascendentes e descendentes sugestivos de subordinação (...) Propriedade que está presente no processo de derivação é a recuperação do ato de fala intercalar às duas normas (...) No contexto das operações lógico-semânticas que revelam a atividade de derivação há também os relacionamentos oblíquos e até descendentes. Mas, em nenhuma hipótese deparamos com a expedição de normas.

O processo de derivação não introduz enunciado no sistema (essa é

consequência do processo de positivação), todavia é através da derivação que se

constata se a inserção anteriormente feita deu-se conforme determinado pelo

sistema (tanto em face de aspectos materiais quanto formais), fundamentando,

quando necessário, a positivação da respectiva mensagem que reconhece tal

invalidade e, por conseguinte, determina sua exclusão do sistema59.

57 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 60/61. 58 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. 1, São Paulo : Noeses, 2011, p. XIX/XX. 59 “O movimento a que chamamos derivação está integralmente contido no âmbito da interpretação. Esta, porém, é mais abrangente, assumindo a forma de atividade que se propõe atribuir sentido ao texto normativo ou nomear o próprio resultado dessa ordem sequencial (...) No hemisfério das correlações, que tanto favorecem o conhecimento e a absorção das ideias,

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Em suma, o próprio sistema pode definir quantas etapas de positivação

são necessárias para que o maior grau de abstração (texto constitucional)

alcance o nível mais próximo do “mundo do ser” (norma individual e concreta),

cabendo ao agente (intérprete autêntico), também nomeado pelo sistema,

analisar, mediante processo de derivação, se o enunciado construído está, ou

não, em harmonia com as demais regras do sistema (de superior hierarquia ou

não).

Assim, não há razão para limitação, pertinente à quantidade de etapas, do

processo de positivação (o que importa é perceber, mediante derivação, se há

harmonia sistêmica). Essa é uma constatação de extrema importância às

pretensões deste trabalho, já que um de nossos anseios é o estudo da viabilidade

sistêmica de inserção de um enunciado intercalar à mensagem que outorga

competência para instituição de tributos e à mensagem que de fato o institui, para

reduzir ruídos causadores de conflitos.

Ademais, o processo de derivação é fundamental ao entendimento que

aqui será sustentado, de ser o conflito de competência em matéria tributária um

fenômeno comunicacional composto por, pelo menos, três mensagens jurídicas (é

através do processo de derivação - onde há recuperação do ato de fala intercalar

a duas normas - que se identificarão os ruídos comunicacionais causadores dos

conflitos).

1.4. A visão comunicacional do direito

Superadas as duas primeiras abordagens preliminares que se faziam

necessárias, quer para justificar as origens do estudo do direito como um

fenômeno de comunicação (item 1.2.), quer para definir outras premissas

relevantes por esse prisma (item 1.3.), agora é o momento de fixar a própria visão

poderíamos dizer que a derivação está para a interpretação, assim como a positivação está para a aplicação do direito.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. 2, São Paulo : Noeses, 2013, p. XVII/XVIII).

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comunicacional do direito, perspectiva em que o conflito de competência em

matéria tributária será adiante observado.

Ora, se direito é linguagem e, como afirma Roman Jakobson60, “o

instrumento principal da comunicação informativa é a linguagem”, é fácil

vislumbrar o direito como uma das formas de comunicação inerentes a um

macrossistema social, cuja pretensão é influir na adoção de certos

comportamentos, mediante prescrições normativas deonticamente modalizadas61.

Insista-se, é o direito uma forma de comunicar, prescritivamente, como

devem ser determinadas condutas intersubjetivas. Se, portanto, estar-se-á diante

de um fenômeno comunicacional, necessário então analisar o direito também sob

essa ótica. Tal advertência é sabiamente apresentada por Paulo de Barros

Carvalho62:

O direito como sistema de comunicação - cujas unidades são ações comunicativas e, como tais e enquanto tais, devem ser observadas e exploradas - impõe que qualquer iniciativa para intensificar o estudo desses fenômenos leve em conta o conjunto, percorrendo o estudo do emitente, da mensagem, do canal e do receptor; devidamente integrados no processo dialético do acontecimento comunicacional.

O processo de comunicação (transmissão intersubjetiva de uma

mensagem codificada, inclusive jurídica), exige a presença de seis elementos63,

conforme esquema apresentado por Roti Nielba Turin64:

60 JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação [tradução Izidoro Blikstein e José Paulo Paes]. 22ª Ed. São Paulo : Cultrix, 2010, p. 20. 61 “Tudo o que dissemos até agora aplica-se, inteiramente, ao direito, pois este qualifica-se como um subsistema composto por comunicações diferenciadas, também inseridas na rede de comunicações do sistema social. Todavia, o direito apresenta-se como um conjunto comunicacional peculiar e com função específica, sendo inadmissível transitar livremente entre o sistema jurídico e os demais sistemas verificados no interior do macrossistema da sociedade, como o econômico, o político e o religioso” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. O direito como linguagem criadora da realidade jurídica: A importância das provas no sistema comunicacional do direito. In: ROBLES, Gregório e CARVALHO, Paulo de Barros [Orgs.]. Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha. São Paulo : Noeses, 2011,p. 110/111). 62 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 164. 63 Paulo de Barros Carvalho aponta sete elementos, por desmembrar o elemento “contato” em dois (“canal físico” e “conexão psicológica”). Trata-se, todavia, de mera opção classificatória,

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PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

CÓDIGO

EMISSOR --------------- MENSAGEM------------- RECEPTOR

CONTATO

CONTEXTO

O primeiro destes elementos, citado no quadro acima, é o código65. Deve

ele ser entendido como o conjunto de signos (repertório) comum a ambos os

partícipes do ato comunicacional. Tais partícipes são o emissor e receptor da

mensagem66, ou seja, aquele codifica a mensagem (informação que pretende

transmitir), através da escolha de signos pertencentes ao código, para que este a

decodifique (por isso a necessidade de que ambos - emissor e repector -

compartilhem do mesmo código). Temos, ainda, dois elementos, quais sejam,

contato (ou canal) e contexto67. O primeiro diz respeito ao suporte físico em que

harmônica aos seis elementos citados por Roman Jakobson (e Roti Nielba Turin), que já indicava ter, o elemento “contato”, tais características (canal físico e conexão psicológica). Vejamos: “...e, finalmente, um contato, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que capacite ambos a entrar e permanecer em comunicação.” (Linguística e Comunicação [tradução Izidoro Blikstein e José Paulo Paes]. 22ª Ed. São Paulo : Cultrix, 2010, p. 156). 64 TURIN, Roti Nielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo : Annablume, 2007, p. 49. 65 “código ou repertório (comum a ambos): é o conjunto de signos e regras de combinações próprias a um sistema de sinais, conhecido e utilizado por um grupo de indivíduos ou, em outras palavras, é o quadro das regras de formação (morfologia) e de transformação (sintaxe) de signos.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 167). 66 “Eu sou falante da língua portuguesa, assim como vocês. Eu estou fazendo seleções, escolhendo palavras e combinando-as para adequar à informação que quero passar; ao mesmo tempo vocês devem fazer um processo análogo: recebem o que estou dizendo e fazem seleções e combinações e associam com suas vivências, com que já experienciaram, e vão tentando transformar o que estou colocando em informação. Portanto, a operacionalidade mental de ordenação do emissor é análoga à do receptor.” (TURIN, Roti Nielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo : Annablume, 2007, p. 49) 67 “canal (todo suporte material que veicula uma mensagem de um emissor a um receptor através do espaço e do tempo), (...) contexto (conjunto de circunstâncias físicas, sociais e psicológicas que envolvem e determinam o ato de comunicação).” (ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Semiótica do Direito. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 44).

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a mensagem é transferida (do emissor ao receptor), enquanto o segundo vincula-

se ao meio em que se deu à comunicação (pragmática).

Clarice von Oertzen de Araújo68 traz dois exemplos esclarecedores

atinentes ao destaque destes elementos em todo e qualquer processo

comunicacional (ela, em verdade, destaca um elemento a mais, qual seja, o sinal,

como é possível vislumbrar na transcrição abaixo):

a. uma aula: o emissor é o professor; os destinatários são os alunos; a

mensagem é o próprio conteúdo da aula, o discurso do professor; o código é a língua utilizada pelo professor para se comunicar com os alunos; os sinais são os fonemas da linguagem falada (organizados de modo apto à formação das palavras); o canal é o ar no qual a voz transita e chega aos alunos; e, finalmente, o contexto, é a relação hierárquica entre os comunicadores, do tipo ensinar/aprender professor/aluno que é comum em qualquer tipo de aula;

b. uma carta: o emissor é o seu remetente; o receptor é o seu destinatário; a mensagem é o conteúdo da carta; o código é a língua; o canal é a folha de papel que transporta a mensagem ao seu destinatário, o sinal é o alfabeto fonético que compõe as línguas ocidentais (Marshall Mcluhan 1998:107) na qual a mensagem é escrita; o contexto é a situação que provoca o envio da carta.

Não há dúvida que o mesmo exercício pode ser feito quando da

mensagem jurídica, figurando: (i) o agente competente para inserir enunciado

prescritivo no sistema como emissor; (ii) o destinatário deste comando como

receptor; (iii) o enunciado prescritivo como mensagem (mensagem jurídica); (iv) o

ordenamento jurídico vigente como código; (v) que dar-se-á sempre através de

linguagem escrita - contato; e (vi) inseridas em determinado momento histórico e

cultural - contexto.

1.4.1. Direito e comunicação

O direito, portanto, pode ser visto como um sistema composto por unidades

comunicacionais, onde o estudo de cada um dos aspectos que compõe o

68 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Semiótica do Direito. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 44.

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processo de comunicação se faz necessário. Como bem assevera o jurista

espanhol Gregório Robles69:

O direito não é uma coisa, mas um meio de comunicação social. É um subsistema social cuja função consiste na organização total do sistema social por meio da verbalização das instituições, por meio da expressão linguística dos conteúdos normativos.

O direito, então, pode ser observado como um fato comunicacional ante a

verbalização das instituições e expressão linguística dos conteúdos normativos,

tudo através de enunciados que, direta ou indiretamente, visam dirigir e regular a

conduta humana (imperatividade da mensagem jurídica - reguladora - voltada à

conduta humana - regulada).

Com isso, seu estudo pode ser fracionado (didaticamente) sob as três

dimensões semióticas70, quais sejam, sintática, semântica e pragmática. Foi

exatamente isso que fez Gregório Robles71, denominando-as Teoria formal,

Teoria da dogmática jurídica e Teoria das decisões.

A primeira Teoria (formal) volta-se à sintaxe dos elementos do sistema

jurídico, como se relacionam formalmente, ou seja, analisa a estrutura lógica do

direito. A segunda Teoria (da dogmática jurídica) preocupa-se com os possíveis

significados que as normas jurídicas de um ordenamento podem ter,

principalmente ressaltando a necessidade de tal significado advir da análise do

conjunto normativo que regula o instituto observado (construir um sentido 69 ROBLES, Gregório. O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito [tradução Roberto Barbosa Alves]. Barueri : Manole, 2005, p. 78. 70 “A segmentação do processo semiótico ou da semiose (ação ou efeito gerado pelos signos) em três aspectos ou dimensões que podem ser abstraídos para o propósito de serem estudados separadamente, e a denominação dos planos de investigação em ‘sintático’, ‘semântico’ e ‘pragmático’ foi inicialmente proposta em 1938, por Charles William Morris (1901-1979).” (ARAUJO, Clarice von Oertzen. Incidência Jurídica: teoria e crítica. São Paulo : Noeses, 2011, p. 165). 71 “La teoría comunicacional del derecho divide su tarea en tres grandes capítulos, cada uno de los cuales considera el texto jurídico en una perspectiva diferente. Esos tres niveles de análisis son: la teoría formal, la teoría de las decisiones y la teoría de la dogmática jurídica. Corresponden respectivamente, en una concepción semiótica, a la sintaxis, a la pragmática y a la semântica.” (ROBLES, Gregório. La Justicia en los juegos. Revista de Direito Tributário n. 103. São Paulo : Malheiros, 2009, p. 9).

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normativo partindo, apenas, de um único artigo de lei, provavelmente implicará

em significação conflituosa com outros enunciados pertencentes ao sistema)72. E,

por fim, a terceira Teoria (das decisões) volta-se ao ato de fala que insere os

elementos (mensagens jurídicas) no ordenamento jurídico, ou seja, aprecia a

decisão que antecede a positivação de uma norma jurídica.

Aprofundemos o estudo desta última Teoria (das decisões), onde há

ênfase ao ato de fala do emissor da mensagem jurídica, ponto que deve ser

observado em confronto com o papel do receptor deste processo comunicacional.

Isso porque, sob a ótica do giro-linguístico e demais premissas de cunho

comunicacional que já explicitamos, o sentido da mensagem (norma jurídica) é

construído pelo receptor (autêntico ou não), cabendo ao emissor apenas torcer

para que suas pretensões de significação sejam captadas73, ou seja, dá-se ao

receptor uma importância muito maior em detrimento ao emissor da mensagem,

inclusive jurídica.

Nesse sentido, afirma João Maurício Adeodato74:

Torna-se cada vez mais reconhecido que os textos não são capazes de controlar inequivocamente os conflitos concretos; como cada grupo social e mesmo cada indivíduo veem diversamente o que é correto, as expressões genéricas das leis ordinárias e constituições precisam ser concretizadas, num processo sobre o qual o legislativo que as criou não tem qualquer controle. No Brasil isso é agravado por um legislativo inoperante e um judiciário agressivo, fazendo do decisionismo casuísmo.

72 É bem verdade que a Teoria da dogmática jurídica, cunhada por Gregório Robles, tem pretensões que destoam das premissas adotadas neste estudo, mormente a missão de construir um sistema que reflita e complete o ordenamento (o que se contrapõe à premissa aqui adotada de sinonímia entre os termos “sistema jurídico de enunciados prescritivos” e “ordenamento jurídico”). Vejamos: “La dogmática jurídica tiene como misión construir el sistema que refleja y completa el ordenamiento jurídico.” (La Justicia en los juegos. Revista de Direito Tributário n. 103. São Paulo : Malheiros, 2009, p. 11). Mesmo assim, acreditamos na importância de relatar essas Teorias do jusfilósofo espanhol no intuito de demonstrar sua estreita vinculação a uma concepção semiótica do direito. 73 “O artista é que dá o tiro, mas a trajetória da bala lhe escapa.” (MORAES, Frederico. apud AZEVEDO, Wilton. Ruído Como Linguagem. São Paulo : Dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 1984. p. 144). 74 ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo : Noeses, 2011, p. 57.

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Assim, se é o receptor quem vai construir o sentido da mensagem, qual é,

então, a importância do emissor? Ugo Volli75 esclarece:

...o destinatário acredita descobrir o sentido de alguma coisa, mas na realidade recebe uma comunicação cuidadosamente elaborada por um emissor. De modo geral, é até possível pensar toda a comunicação como uma complexa manipulação do ambiente operada por alguém (o emissor) interessado em fazer com que algum outro (o destinatário) perceba um certo sentido.

É certo que, na sequência, este semiólogo italiano vai discorrer sobre a

importância do receptor (condição necessária à comunicação, em detrimento à

figura do emissor que, para ele, pode inexistir num ato comunicacional76), mas a

questão que se quer aqui frisar é a relevância do agente responsável pela

enunciação77 na comunicação jurídica.

Gregório Robles78 fortalece a importância do emissor na comunicação

jurídica ao afirmar que “a decisão geradora de texto jurídico limita o sentido

deste.” Ora, se o sentido do texto é limitado pela decisão de gerá-lo e, quem dá

75 VOLLI, Ugo. Manual de Semiótica [tradução Silva Debetto C. Reis]. São Paulo : Loyola, 2007, p. 20. 76 “Pode-se facilmente admitir, com efeito, que exista comunicação sem emissor, por exemplo, nos casos em que da leitura de um instrumento científico ou dos sintomas de uma doença ou de outros indícios, isto é, representações importantes do mundo, alguém extraia um sentido (exemplos clássicos de indícios são a fumaça para o fogo, a febre para a doença, a impressão digital para o assassino). Sem recepção, no entanto, não há comunicação eficaz - aliás, não existe o fato comunicação.” (VOLLI, Ugo. Manual de Semiótica [tradução Silva Debetto C. Reis]. São Paulo : Loyola, 2007, p. 21). 77 “O fato produtor de normas é o fato-enunciação, ou seja, a atividade exercida pelo agente competente. Falamos em fato-enunciação porque a atividade de produção normativa é sempre realizada por atos de fala (...) o procedimento (enunciação) é um objeto dinâmico só atingível pela operação de catálise. A aproximação do sujeito cognoscente ao procedimento só é executável pelas marcas da enunciação deixadas no enunciado (fatos enunciativos componentes da enunciação-enunciada) (...) Apesar de parecer paradoxal, o conhecimento do fato produtor (fonte do direito) de enunciados prescritivos (produto) só se torna tangível após a publicação deste último.” (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2006, p. 139/140). 78 ROBLES, Gregório. O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito [tradução Roberto Barbosa Alves]. Barueri : Manole, 2005, p. 18.

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“vida” ao enunciado é o emissor, evidenciado está sua relevância no contexto

comunicacional.

Essa ressalva é de crucial importância para este estudo, pois será

analisada a possibilidade de uma visão competencial do direito, ou seja, uma

análise do sistema sob o ângulo do emissor da mensagem jurídica (aquele sujeito

competente para inserir elementos no conjunto normativo - enunciação), que só

tem sentido se for atribuída alguma importância a este partícipe do processo

comunicacional.

1.4.2. Ruído comunicacional (ponto central da perspectiva eleita)

Outra questão importante para as pretensões deste estudo é entender que

qualquer problema em um dos elementos do processo comunicacional (código,

emissor, mensagem, receptor, contato e contexto) pode impor falhas na

decodificação da mensagem e, por conseguinte, a informação que se pretendia

transmitir acaba sendo destorcida (ou sequer recebida).

Ou seja, se não há a transmissão de uma mensagem codificada de um

sujeito a outro, ou se tal trânsito não se deu da maneira pretendida pelo emissor,

ou ainda em harmonia com o contexto inerente à comunicação, ocorreu uma falha

no processo comunicacional cujas consequências são evidentes.

Sobre o ruído na comunicação, Roti Nielba Turin79 ensina:

Quando não há esse trânsito, quando isso não ocorre, dá-se aquilo que em Teoria de Comunicação denominamos ruído. Ruído é a perda da informação. É a perda de parte da informação ou a não informação por desconhecimento do código, ou por erro de emissão, ou por erro de recepção. Pode haver perda por diferenças de repertório, sendo um muito alto e outro muito baixo, ou então, quando os repertórios são idênticos.

79 TURIN, Roti Nielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo : Annablume, 2007, p. 50.

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O ruído é nítido quando o emissor utiliza um código desconhecido pelo

receptor que, portanto, jamais receberá a mensagem (mensagem transmitida na

língua portuguesa a um índio que, até aquele momento, desconhecia nossa

civilização). O mesmo ocorre se o emitente utiliza de mensagem oral (falada)

quando o receptor tem problemas auditivos (certamente teremos um ruído na

comunicação fruto do canal equivocadamente escolhido80). Haverá, ainda, ruído

comunicacional se a mensagem formulada deu-se em contexto inapropriado

(petição direcionada a um Juiz escrita em linguagem ordinária, repleta de gírias e

abreviações incompatíveis com a formalidade que o contexto exige).

E é evidente que sendo o direito um fenômeno comunicacional, o ruído

também é uma situação que o atinge. Nesse sentido, ensina Tácio Lacerda

Gama81:

...os chamados “ruídos da comunicação” ensejam problemas das mais diversas naturezas no entendimento dos sujeitos de uma conversação qualquer. No plano das linguagens descritivas, próprias da Ciência do Direito, os ‘ruídos da comunicação’ levam a desentendimentos, disputas verbais e incompreensões. Nas linguagens prescritivas os danos não são menores, pois problemas na transmissão de mensagens jurídicas precisas ensejam conflitos de interesse.

O problema atinente ao ruído comunicacional, mormente no direito,

aumenta quando há mais de um receptor e, mesmo inexistindo evidentes vícios

no código, no contato ou no canal, ainda assim nos deparamos com

interpretações distorcidas em face de uma mesma mensagem.

Em situações como esta, podemos acreditar que a mensagem se deu com

tamanha vagueza82 que propiciou a existência de interpretações diametralmente

80 “Quando há interferência num canal de comunicação, há obviamente perturbação no código, descaracterizando-se este de sua função informacional.” (AZEVEDO, Wilton. Ruído Como Linguagem. São Paulo : Dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 1984. p. 31). 81 GAMA, Tácio Lacerda. Sentido, Consistência e Legitimação. In: HARET, Florence e CARNEIRO, Jerson [Orgs.]. Vilém Flusser e Juristas. São Paulo : Noeses, 2009, p. 236. 82 “Hay casos em los que, puestos a decidir si cierto objeto concreto debe incluirse en determinada classe, dudaríamos (...) Esta falta de precisión en el significado (designación) de una palabra se ilama vaguedad: una palabra es vaga en la medida en que hay casos (reales o imaginarios, poco

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opostas, ainda que cientes os receptores da pretensão do emissor (ante os

demais elementos do processo comunicacional). Ou seja, mesmo diante da

possibilidade de se vislumbrar uma construção da mensagem mais harmônica ao

processo de comunicação a ela inerente, é esperado que seus destinatários lutem

pela vitória da interpretação (decodificação) que mais lhes convêm.

O interessante aqui é destacar que a vagueza da mensagem não é, por si

só, a causa do ruído. Pelo contrário, a vagueza é elemento necessário ao

processo de comunicação (grau ótimo de vagueza). Explicitando a necessidade

de um “grau ótimo de vagueza” em todo e qualquer processo comunicacional,

Lauro Frederico Barbosa da Silveira83, citando Charles S. Peirce, afirma:

Diz o texto peirciano, por conseguinte, que para que haja comunicação, é necessário que o signo comporte um grau ótimo de vagueza:

Nenhuma comunicação de uma pessoa a outra pode ser inteiramente definida, isto é, não-vaga. Podemos razoavelmente esperar que os fisiologistas irão encontrar algum dia, meios de comparar as qualidades dos sentimentos de uma pessoa com as de outra, de modo que não seria conveniente insistir em sua presente incompatibilidade como uma fonte inevitável de desentendimento. Mas subsistindo algum grau ou qualquer outra possibilidade de variação contínua, a precisão absoluta é impossível (CP 5.506).

Assim, a tentativa de minimizar o ruído comunicacional (em casos como

este)84 não se vincula à pretensão de eliminar a vagueza da mensagem posta,

pelo contrário, a vagueza é reconhecidamente elemento necessário ao processo

de comunicação.

importa) en los que su aplicabilidad es dudosa...” (GUIBOURG, Ricardo A., GHIGLIANI, Alejandro M. E. e GUARINONI, Ricardo U. Introdución al conocimiento científico. 6ª Ed., Buenos Aires : Eudeba, 1988,p. 47/48). 83 SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. A comunicação de um ponto de vista pragmaticista. In COGNITIO. Revista de Filosofia. Número II, 2001, p. 208. 84 A redundância é um mecanismo apto a minimizar o ruído comunicacional. Nesse sentido é a lição de Isaac Epstein: “A redundância é, por outro lado, um fator capaz de proteger a mensagem contra o ruído, embora onerando a transmissão, uma vez que emprega um número maior de sinais do que o estritamente necessário. A redundância, digamos, é o preço para proteger a mensagem das perturbações do ruído”. (Teoria da Informação. São Paulo : Ática, 1986, p. 21).

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Todavia, se existe um grau ótimo de vagueza, o ruído acontecerá sempre

que este estiver além do ótimo, ou seja, com vagueza superior ao necessário

para que haja a comunicação. Portanto, o que se deve buscar é a redução do

excesso de vagueza (tarefa nada fácil, ante sua inquestionável subjetividade),

não sua eliminação por completo.

Na mesma linha de raciocínio, Manfredo Araújo de Oliveira85, discorrendo

sobre a “segunda fase” de Wittgenstein (atinente a sua obra póstuma

Investigações Filosóficas), afirma:

Esse espaço de vaguidade, essencial aos conceitos da linguagem comum, é o que Waismann chama de “open texture” e Stegmüller de “abertura de conceitos”. Nós, na realidade, podemos apenas, por meio de certas regras, diminuir o campo de vaguidade dos conceitos empíricos (na terminologia de Waismann, em contraposição aos conceitos matemáticos) ou dos conceitos de linguagem comum, mas afastar toda e qualquer vaguidade é impossível, pois isso pressupõe conceitos cuja significação está estabelecida de modo definitivo e não podemos, a priori, estabelecer regras para todos os casos. A possibilidade do aparecimento de casos não previstos está sempre aberta: daí o termo “abertura dos conceitos”. Nossos conceitos são essencialmente abertos por admitirem a possibilidade de aplicação a casos não previstos.

Por todo o exposto, é possível fixar as seguintes premissas: (i) toda

mensagem é vaga (deve conter um grau ótimo de vagueza); (ii) o ruído pode

estar jungido à extrema vagueza de uma mensagem; e (iii) é possível reduzir a

vagueza e, assim, reduzir o ruído. Com isso, se alcança a seguinte conclusão: (iv)

não é possível eliminar a vagueza, nem tampouco o ruído dela decorrente86.

O ruído comunicacional é perspectiva tomada como fundamental para o

estudo, aqui pretendido, do conflito de competência em matéria tributária. Logo,

85 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Ed., São Paulo : Loyola, 2006, p. 131. 86 “...o ruído pode ser contido, delimitado, porém não eliminado de uma mensagem. Em outras palavras, na prática informativa cotidiana é rara a mensagem sem algum tipo de ruído real ou virtual. Pode-se dizer mesmo que o ruído constitui uma espécie de pano de fundo sobre o qual são transmitidas as mensagens.” (COELHO NETTO, J. Teixeira. Semiótica, Informação e Comunicação: diagrama da Teoria do Signo. 3ª Ed. São Paulo : Perspectiva, 1990, p. 138).

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as premissas acima fixadas e, principalmente, as conclusões externadas serão,

nos próximos Capítulos, revisitadas com frequência. Vamos adiante.

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2. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

2.1. Definição do termo “competência”

Como toda e qualquer palavra é vaga (grau ótimo de vagueza - vide item

1.4.2.) e potencialmente ambígua87, o termo competência carrega tais

características. Logo, pode denotar vários significados (como: capacidade;

habilidade; saber; poder; dentre tantos outros) e ser conotado de formas diversas.

Para o presente estudo, o termo competência, quando empregado, visa

significar a existência de um sujeito (pessoa natural ou não) que, por figurar em

determinada posição, tem o poder de inserir enunciados prescritivos no sistema

jurídico posto.

Tal significação, sob a ótica do direito comunicacional, torna-se de fácil

assimilação, já que se o sistema de direito positivo é composto, exclusivamente,

por enunciados prescritivos, competente será aquele sujeito que puder inserir

(enunciar) novos elementos neste conjunto.

E a permissão (Pp), obrigação (Op) ou proibição (Vp) de tal sujeito inserir

novas mensagens no sistema, por óbvio, encontra-se em norma jurídica

construída a partir de outros enunciados prescritivos, de igual ou superior

hierarquia.

Temos, então, a seguinte situação cíclica: (i) norma que outorga

competência (conteúdo construído a partir de um ou mais enunciados existentes

87 “...como la piedra de toque de la vaguedad consiste en imaginar algún caso dudoso y la imaginación es inagotable, veremos que prácticamente todas las palabras son vagas en alguna medida (...) Desde luego, la ambigüedad de una palabra no constituye una vacuna contra la vaguedad, sino que tiende a multiplicarla. Una palabra ambigua puede ser vaga (y generalmente lo es) en cada una de sus distintas acepciones (...) Acabamos de advertir que todas las palabras son vagas y muchas son ambiguas (todas, al menos potencialmente ambiguas).” (GUIBOURG, Ricardo A., GHIGLIANI, Alejandro M. E. e GUARINONI, Ricardo U. Introdución al conocimiento científico. 6ª Ed., Buenos Aires : Eudeba, 1988,p. 48/51). “De toda maneira, vagueza, ambiguidade e porosidade constituem características necessariamente presentes em qualquer forma de comunicação humana, não são defeitos em sua estrutura ou disfunções em seu processamento, ainda que condicionem a imprecisão da linguagem.” (ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo : Noeses, 2011, p. 195).

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no sistema); (ii) agente outorgado; e (iii) enunciado prescritivo oriundo deste

sujeito.

Por exemplo, qualquer indivíduo integrante da nossa sociedade ao tornar-

se pai, passa a ter competência específica em decorrência deste novel status que

adquiriu (pátrio poder). Entretanto, essa competência legalmente prevista

(abstrata) somente se concretizará quando externado tal poder (por exemplo,

através do documento que formaliza a emancipação outorgada ao filho; do

documento que autoriza o filho a deixar o país desacompanhado de seus pais;

etc.).

O mesmo raciocínio (outorga de poder) aplica-se à competência concedida

a sujeitos integrantes da máquina estatal88. Ora, se poder é atributo necessário ao

Estado (este não existe sem aquele) e eventual repartição deste poder, para ser

exercido por órgãos distintos, mas integrantes da mesma estrutura estatal, não

altera tais conclusões, nem desvirtua sua unidade89, vislumbra-se que essa

“divisão” do poder, necessária nas sociedades mais desenvolvidas, é fator

relevante à definição de competência aos entes e órgãos componentes do

Estado. Nesse sentido, manifesta-se Alfredo Augusto Becker90:

Esta parcela de poder que pode ser exercido pelo órgão dentro do campo de sua função, cujos limites foram regrados pelas regras jurídicas que o criaram, é a competência (...) O primeiro órgão (a assembléia constituinte), como se viu, é não-jurídico e tem competência ilimitada. Este primeiro órgão cria outros órgãos; estes, porém de natureza jurídica e, portanto, com competência limitada pelas regras jurídicas que os criaram. Por sua vez, estes órgãos

88 “Para que um órgão atue e, por exemplo, decida, deve existir previamente como órgão, e deve-se especificar sua respectiva competência com antecedência.” (ROBLES, Gregório. As Regras do Direito e as Regras dos Jogos - Ensaio sobre a Teoria Analítica do Direito [tradução Pollyana Mayer]. São Paulo : Noeses, 2011, p. 237). 89 “Não há, nem pode haver, Estado sem poder. Este é o princípio unificador da ordem jurídica e, como tal, evidentemente, é uno. O exercício desse poder pelos órgãos estatais pode ser, todavia, diferentemente estruturado. Tanto pode ser ele concentrado nas mãos de um só órgão, como pode ser dividido e distribuído por vários órgãos (...) A necessidade de prevenir o arbítrio, ressentida onde quer que haja apontado a consciência das individualidades, leva à limitação do poder, de que a divisão do poder é um dos processos técnicos e, historicamente, dos mais eficazes.” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 24ª Ed., São Paulo : Saraiva, 1997, p. 129/130). 90 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª Ed., São Paulo : Noeses e Marcial Pons, 2010, p. 227/228.

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jurídicos de segundo grau criaram, dentro dos limites de suas respectivas competências, outros órgãos jurídicos e assim sucessivamente, estabelecendo-se uma hierarquia de órgãos, em ordem descendente, cada órgão com menor Poder (menor competência) que o anterior, com a juridicidade de sua existência condicionada à competência do órgão anterior e com a juridicidade de seus próprios atos condicionada à sua própria competência.

Note-se que a definição do conceito de competência no direito, partindo da

questão do poder que é inerente ao Estado, serve para demonstrar a existência

de limites ao seu exercício (com exceção do poder constituinte que, na lição de

Becker, tem liberdade ampla - ilimitada).

Versando exatamente sobre tais limites e, principalmente, afirmando não

ser de boa técnica a utilização do termo “poder tributário” como sinônimo de

“competência tributária”, Roque Antonio Carrazza91 ensina:

Em boa técnica, não se deve dizer que as pessoas políticas têm, no Brasil, poder tributário. Poder tributário tinha a Assembléia Nacional Constituinte, que era soberana. Ela, realmente, tudo podia, inclusive em matéria tributária. A partir do momento, porém, em que foi promulgada a Constituição Federal, o poder tributário retornou ao povo (detentor da soberania). O que passou a existir, em seu lugar, foram as competências tributárias, que a mesma Constituição Federal repartiu entre a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal.

Competência advém do poder, mas este termo denota mais do que

aquele92. O poder é ilimitado, enquanto a competência tem a limitação como uma

de suas principais características (diferença específica em detrimento ao gênero -

poder). Assim, cabe a utilização do termo poder como sinônimo de competência

se, e somente se, no contexto da comunicação fique clara essa ressalva. É

assim, portanto, que o termo poder deve ser, a partir de então, interpretado no

presente estudo (como sinônimo de competência, ou seja, como poder limitado).

91 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª Ed., São Paulo : Malheiros, 2004, p. 448. 92 “...o gênero denota mais que a espécie ou é predicado de um número maior de indivíduos. Em contraponto, a espécie deve conotar mais que o gênero, pois, além de conotar todos os atributos que o gênero conota, apresenta um plus de conotação que é, justamente, a diferença ou diferença específica.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 118).

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2.2. Visão competencial do direito

Reduzindo um pouco mais o ângulo de visão deste instituto no Direito93, o

estudo da competência ganha importância impar, pois analisa os poderes

atribuídos ao emissor da mensagem jurídica, ou seja, ao ente competente para

inserir enunciados jurídicos no sistema (Poder Legislativo; Executivo; Judiciário;

e, também, particulares que, com muita frequência, inserem elementos no

sistema jurídico positivo).

Interessante notar que toda e qualquer norma jurídica traz, explícita ou

implicitamente, essa competência, deonticamente modalizada (permitida, proibida

ou obrigatória), para determinado sujeito inserir posterior enunciado no sistema. É

o chamado “ciclo ininterrupto de positivação94 do direito.” Sobre ele, manifestou-

se Aurora Tomazini de Carvalho95:

Neste sentido, temos um ciclo ininterrupto: uma linguagem jurídica é produzida mediante uma série de procedimentos preestabelecidos e realizados pelo homem com base em outra linguagem jurídica que, por sua vez, também foi produzida da mesma forma. (...) E, assim, cronologicamente, o direito vai se movimentando, por meio de atos humanos de aplicação que positivam normas, seguindo sempre o mesmo ciclo: linguagem jurídica, procedimento humano realizado nos moldes prescritos pelo sistema, nova linguagem jurídica.

Importante reiterar que toda norma, ainda que não seja esse seu objeto

imediato, impõe (prescreve) uma conduta de inserção de nova mensagem jurídica

no sistema, que terá seu conteúdo afetado por um dos três modais deônticos

(permitido, obrigatório ou proibido - lei lógica do quarto excluído96).

93 “...as letras maiúsculas indicam a denotação de uma ciência.” (SANTI, Eurico Marcos Diniz de. As Classificações no Sistema Tributário Brasileiro. In: Justiça Tributária. São Paulo : Max Limonad, 1998, p. 125). 94 Sobre positivação, ver item 1.3.3. deste estudo. 95 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-Semântico. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p.445/446. 96 “Os três referidos modais entram nas operações como valores, irredutíveis mas interdefiníveis com ajuda do operador de negação. Assim, poderemos construir uma tábua de operações trivalente. Como, na hipótese tomada, inexiste um quarto modal, teremos uma lei formal deôntica de quarto excluso. Há três modais e somente três.” (VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 43).

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Utilizando como exemplo o campo de competência legislativa para

instituição de tributos, temos: (i) o modal permitido como regra (a ausência de

instituição do imposto sobre grandes fortunas, cuja competência atribuída à União

encontra-se explicitada no texto constitucional, é uma clássica comprovação de

ser tal competência afetada, normalmente, pelo modal permitido), (ii) o modal

obrigatório como exceção às regras “positivas” de competência (a instituição do

ICMS, no acertado entendimento de Paulo de Barros Carvalho97 “não é faculdade

dos Estados e do Distrito Federal: é procedimento regulado com o modal ‘O’

(obrigatório), ao contrário do que sucede com as demais figuras de tributos”); e

(iii) o modal proibido incidindo negativamente na composição de tal competência

(a imunidade, em matéria tributária, é espécie característica de regra de

competência que incide de forma negativa98).

Assim, essa visão competencial do direito não infirma ser a “norma

jurídica”99 o objeto da Ciência do Direito, já que tal conduta humana (de inserir

enunciados prescritivos no sistema) estará obrigatoriamente disposta em texto

normativo pré-existente e, por conseguinte, tal conduta humana passa a ser

epistemologicamente interesse ao Direito. Hans Kelsen100 já tratava deste tema:

Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação - menos evidente - de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou consequência, ou - em outras palavras - na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas.

97 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 222. 98 “As imunidades tributárias são, portanto, matéria pertencente à disciplina constitucional da competência (...) o estabelecimento das imunidades equivale a expressa não-concessão de competências tributárias relativamente a certos objetos e pessoas...” (BARRETO, Aires F. e BARRETO Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 2ª Ed., São Paulo : Dialética, 2001, p. 11/12). 99 Nesse trecho, o termo “norma jurídica” foi utilizado como sinônimo de “enunciado prescritivo”, tão somente para harmonizar o texto ao entendimento kelseniano, sequencialmente colacionado, onde não há tal discrimen. Todavia, é importante reiterar que neste estudo não se adota essa sinonímia, sendo “norma jurídica” a significação (conteúdo) atribuída a um, ou vários, “enunciados prescritivos” (forma), onde deve haver um mínimo deôntico à imputabilidade que lhe é inerente (isso já restou explicitado no item 1.3.1.). 100 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito [tradução João Baptista Machado]. 8ª Ed., São Paulo : Martins Fontes, 2011, p. 387/388.

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Ora, se toda mensagem jurídica é posta (com exceção da norma hipotética

fundamental, que é pressuposta), há uma ação humana (enunciação) obrigatória

à existência do enunciado prescritivo. Todavia, tal conduta humana (realizada de

forma singular ou colegiada) deve estar prevista em norma hierarquicamente

superior, que lhe outorga esse poder (limitado, diga-se).

O fato-enunciação, portanto, é sempre intercalar, já que necessita de

norma jurídica prévia outorgando competência ao emissor da mensagem jurídica

(bem como atribuindo o procedimento que deve observar) e, por conseguinte, de

tal fato origina-se outro enunciado jurídico, fruto da construção de sentido pelo

intérprete autêntico.

Logo, não há dúvida que o fato-enunciação situa-se, inquestionavelmente,

entre duas mensagens jurídicas: a que lhe outorga competência e a decorrente

do procedimento enunciativo. A primeira torna o sujeito da enunciação

competente, enquanto que a segunda é fruto do exercício desta competência101.

Definindo o conceito de competência sob tais premissas, Charles William

MacNaughton102 ensina:

Competência, nesse sentido, é a estrutura jurídica do diálogo, em que se examina o “como” (procedimento) deve ser dito - que está nitidamente ligado ao “por quem”, ou seja, ao emissor da norma - “o que” (matéria) pode ser dito e “para quem” (destinatário) deve ser dito, ou seja, o estudo da norma-signo (veículo introdutor) quanto a seu elemento de primeiridade, secundidade e terceiridade. Teríamos o “como”, ou tipo de veículo introdutor, na qualidade de representamen; “o que” é o objeto; e “para quem”, o possível interpretante. (...) Há nítida relação entre procedimento e enunciador: para cada enunciador distinto há espécies de procedimentos cabíveis; uma das características do procedimento é de exigir uma espécie de enunciador para emitir um ato de vontade para a produção da norma.

101 “...uma coisa é ser sujeito competente. Outra, bem distinta, é exercer a competência de que se é titular. Para ser competente, é necessário ser qualificado, adjetivado pelo direito positivo como tal. Para exercer a competência, é necessário realizar ato, ou conjunto de atos, previstos pelo direito positivo para legitimar a enunciação de novos textos jurídicos.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 68). 102 MCNAUGHTON, Charles William. Hierarquia e Sistema Tributário. São Paulo : Quartier Latin, 2011, p. 105/106.

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Competência, portanto, nos moldes da doutrina acima, é uma questão de

cunho comunicacional, ligada a estrutura da mensagem jurídica. Uma norma de

hierarquia superior prescreve (comunica): o procedimento (“como” deve ser a

mensagem e quem pode emiti-la - “por quem”); o conteúdo (“o que” pode ser

dito); e o destinatário (“para quem”).

Todas estas informações estarão vertidas, explícita ou implicitamente, em

linguagem jurídica (enunciado prescritivo), ou seja, para saber se um enunciado

inserido no sistema deve ser invalidado ou não, necessário verificar se os

requisitos formais e materiais exigidos pela norma jurídica que lhe deu validade

foram cumpridos quando da sua enunciação.

Assim, estudar o direito sob o ângulo competencial é exclusivo exercício de

derivação103, já que todos os atributos da competência (“como” deve ser a

mensagem; “por quem” pode ser expedida; “o que” pode ser regulado; e “para

quem” destina-se a mensagem) estão explícita ou implicitamente contidos na

norma jurídica que a outorga.

Essa reconstrução do ciclo comunicacional inerente à competência,

inclusive, é o caminho que necessariamente deve ser percorrido para solucionar

possíveis conflitos atinentes ao exercício desta competência (tal processo de

derivação é feito, muitas vezes, de maneira inconsciente - sem dúvida que o seu

percurso consciente trará maior aproveitamento às pretensões, prescritivas ou

descritivas, do intérprete).

Além disso, a competência é fator de diferenciação de qual função

linguística deve prevalecer perante um enunciado construído. Isso porque, o

percurso gerador de sentido utilizado pelo intérprete autêntico e pelo não

autêntico sempre será o mesmo. O que determina ser o enunciado daquele

prescritivo e o deste descritivo (crítico-explicativo) é tão somente a questão da

competência que atinge apenas um deles. 103 Sobre derivação, ver item 1.3.3. deste estudo.

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Nesse sentido, brilhante a lição de Riccardo Guastini104:

A prescritividade é uma propriedade não tanto dos enunciados, mas antes de enunciações concretas de enunciados. Prescritivo exatamente não é o enunciado (se não, talvez, por metonímia), mas antes o modo de o usar, ou o ato da linguagem executado mediante o seu proferimento.

O fator de discrimen entre o enunciado construído pelo intérprete autêntico

(onde predomina a função prescritiva) e pelo não autêntico (onde prevalece a

função descritiva) é a competência que aquele possui, nos exatos termos

definidos no item anterior deste estudo (poder de inserir enunciados prescritivos

no sistema jurídico posto). Isso se torna evidente quando tomamos o mesmo

sujeito (pessoa natural) como emissor de tais mensagens (um Ministro do

Supremo Tribunal Federal, no exercício de suas funções - competência - emitirá

enunciados prescritivos; todavia, este mesmo Ministro, ao escrever um texto

doutrinário o fará em linguagem predominantemente descritiva, já que aqui não

exerce a competência que o eleva à condição de Ministro).

Importante, então, fixarmos algumas conclusões aqui atingidas: (i) a visão

competencial do direito tem por foco a ação de inserir enunciados prescritivos no

sistema jurídico posto; (ii) essa conduta (enunciação) possui sempre previsão em

norma jurídica construída em decorrência de enunciados prescritivos já existentes

no sistema, hierarquicamente superiores; e (iii) o processo de derivação, onde se

reconstrói este ciclo de positivação, é crucial à verificação do respeito, ou não, do

ato de enunciação aos comandos normativos que o autorizam (quem pode, como

pode, o que pode e a quem destina-se).

Insista-se, toda norma autoriza (traz a competência para) seu intérprete

autêntico inserir novo enunciado prescritivo no sistema jurídico posto. Todavia,

existem normas cujo objeto imediato é a regulação desta conduta intersubjetiva

104 GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas [tradução Edson Bini]. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 56.

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(de inserção de novas mensagem no sistema)105, enquanto outras regulam tipos

diversos de condutas intersubjetivas, ainda que delas também decorram a

autorização para inserção de posterior enunciado no sistema, nela fundada

(objeto, portanto, mediato). Vejamos:

2.3. Norma de competência e norma de conduta

Seguindo a análise do processo (positivação) de inserção de enunciados

prescritivos (elementos) no sistema (conjunto) jurídico, é possível constatar que

da norma jurídica mais geral e abstrata (conteúdo atribuído a dispositivos

constitucionais) ter-se-á várias outras até o atingimento daquela que, diretamente,

dispõe sobre a conduta intersubjetiva que efetivamente o direito visa regular

(condutas sociais diversas da inserção de enunciados prescritivos no sistema -

meio para aquele fim).

Em face desta situação, a doutrina tem classificado estas últimas (que

versam sobre toda e qualquer conduta intersubjetiva, exceto a enunciação) de

normas de conduta (regras de comportamento), denominando as que lhe

antecedem de normas de competência (regras de estrutura).

Essa classificação é interessante, pois seu critério de pertinencialidade diz

respeito ao conteúdo do antecedente da norma106, ou seja, se os critérios

necessários ao relato de um fato jurídico versam sobre quaisquer condutas

humanas, ontologicamente possíveis, temos a subclasse “norma de conduta”,

com exceção da conduta, também humana (enunciação), relacionada tão

somente à inserção de novas mensagens jurídicas no sistema, que gera a

subclasse “norma de competência” 107.

105 “Elas não regulam o comportamento, mas o modo de regular um comportamento, ou, mais exatamente, o comportamento que elas regulam é o de produzir regras.” (BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico [tradução Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos]. 6ª Ed., Brasília : UNB, 1995, p. 45). 106 Sobre o conteúdo do antecedente da norma, ver item 1.3.1.1. deste estudo. 107 “...ao prescrever a ação de criar outras normas, a hipótese da norma de competência toca no principal ponto da atividade enunciadora de textos: ela indica o verbo. Esse é o elemento central, tanto da hipótese quanto do consequente das normas jurídicas. No antecedente, o verbo descreve

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Os elementos desta classe (de segunda ordem), portanto, são divididos

entre aqueles que tratam, exclusivamente, do processo de positivação (normas

de competência) e aqueles que não tratam (normas de conduta). Isso porque,

toda norma que não versar diretamente sobre a conduta intersubjetiva ligada à

enunciação estará relacionada à conduta de positivação de norma pertinente à

outra subclasse (regra-matriz, por exemplo).

Sobre essa classificação, Paulo de Barros Carvalho108 afirma:

...numa análise mais fina das estruturas normativas, vamos encontrar unidades que têm como objetivo final ferir de modo decisivo os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente como obrigatórios (O), proibidos (V) e permitidos (P), com o que exaurem seus propósitos regulativos. Essas regras, quando satisfeito o direito subjetivo do titular por elas indicado, são terminativas de cadeias de normas. Outras, paralelamente, dispõem também sobre condutas, tendo em vista, contudo, a produção de novas estruturas deôntico-jurídicas. São normas que aparecem como condição sintática para a elaboração de outras regras, a despeito de veicularem comandos disciplinadores que se vertem igualmente sobre os comportamentos intersubjetivos. No primeiro caso, a ordenação final da conduta é o objetivo pronto e imediato. No segundo, seu caráter é mediato, requerendo outra prescrição que podemos dizer ser intercalar, de modo que a derradeira orientação dos comportamentos intersubjetivos ficará a cargo de unidades que serão produzidas sequencialmente.

Importante ter em mente que essa divisão não é motivada pelo fato de ser

a norma de competência fundamento de validade de outras, já que a norma de

conduta também o será. A questão é que, naquelas (normas de competência),

esse é o objetivo central (regular condutas ligadas à positivação) enquanto que

nestas (normas de conduta), a outorga de competência para inserção de novo

enunciado fruto de sua interpretação autêntica é questão secundária (mediata),

em detrimento à regulação de outras condutas intersubjetivas explicitadas no

comando normativo (essa sim questão primária, objeto imediato).

a conduta que precisa ser realizada para a inserção de novas normas no sistema de direito positivo.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 68). 108 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 38.

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Também é necessário ressaltar que ambas as normas (em que pese uma

delas ser denominada “de conduta” ou “de comportamento”) versam sobre

condutas ou comportamentos humanos. A questão é que, a regulação de

condutas intersubjetivas “propriamente ditas” (finalidade do direito) só é disposta

nas normas de conduta (essa é a razão da nomenclatura), enquanto que nas

normas de competência a conduta regrada, também intersubjetiva, é a de

inserção de novos enunciados prescritivos no sistema, até que aquela mensagem

(de conduta) possa ser enunciada (e, com isso, regulada a conduta intersubjetiva

propriamente dita, almejada pelo direito).

O problema central, que pode justificar eventual alegação de falta de lógica

à classificação em tela diz respeito à definição do dividido (competência/estrutura

versus conduta/comportamento) que, como acima demonstrado, não guarda

estrita relação com as diferenças justificadoras da classificação (regulação de

conduta intersubjetiva ligadas à enunciação versus regulação de todas as demais

condutas intersubjetivas, exceto às ligadas à enunciação)109. Isso, porém, não

infirma a importância de tal classificação, já consolidada em nossa doutrina há

algumas décadas.

Tácio Lacerda Gama110 aponta os elementos necessários que devem estar

presentes na norma de competência, para que ela tenha o mínimo e irredutível de

manifestação deôntico (necessário à sua incidência/aplicação):

i) qualificação do sujeito que pode criar normas; ii) indicação do processo de criação das normas, sugerindo todos os atos que devem ser preordenados para o alcance desse fim; iii) indicar as coordenadas de espaço em que a ação de criar normas deve se realizar; iv) indicação das condições de tempo em que a ação de criar normas deve ser desempenhada; v) estabelecimento do vínculo que existe entre quem cria a norma e quem deve se sujeitar à norma criada, segundo as condições estabelecidas pelo próprio direito; vi) modalização da conduta de criar outra norma, se obrigatória, permitida ou

109 “...as diferenças para criação das subclasses devem decorrer da definição do dividido, ou seja, as subclasses decorrem das características definitórias (sejam elas intrínsecas ou extrínsecas - como quer HOSPERS) do termo a ser dividido.” (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Classificação dos Tributos: uma visão analítica. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Org.). Tributação e Processo. São Paulo : Noeses, 2007,p. 613). 110 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 49.

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proibida; e vii) estabelecimento da programação material da norma inferior que é feita segundo quatro variáveis – sujeito, espaço, tempo e comportamento.

Para as pretensões deste estudo, a classificação em tela é totalmente

pertinente, não só por revelar a existência de enunciados jurídicos voltados, tão

somente, à autorregulação sistêmica do direito positivo, como principalmente por

exaltar a importância do conteúdo destas mensagens, ditas normas de

competência ou normas de estrutura, cruciais ao objetivo final do processo de

positivação que é a regulação de condutas intersubjetivas diversas da enunciação

(se estas regras de conduta estiverem em desacordo - formal ou material - com

aquelas, de competência, poderão ser invalidadas). Vamos adiante:

2.4. Competência tributária

Até o momento o instituto da competência foi visto como atribuição de

poderes limitados ao emissor do enunciado prescritivo, sendo aclarado que o

enunciador da mensagem jurídica pode ser de quatro classes distintas (em

verdade subclasses, já que todas pertencentes à classe “emissor da mensagem

jurídica”): do Poder Legislativo, do Poder Executivo, do Poder Judiciário e, ainda,

dos particulares:

Emissor da mensagem jurídica

Poder Legislativo Poder Executivo Poder Judiciário Particulares

Quando se fala em competência tributária, todavia, o alcance semântico de

tal expressão passa a limitar-se, tão somente, a uma destas classes, qual seja, do

Poder Legislativo.

Isso advém da premissa de que competência tributária vincula-se à

atribuição de poderes ao emissor da mensagem jurídica para instituir e dispor

sobre tributos. Como a Constituição Federal vigente veda, em seu artigo 150,

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inciso I111, a instituição de tributo formalizada através de outro veículo que não a

lei, somente ao Poder Legislativo é outorgada tal competência.

Importante, porém, aclarar essa redução de sentido ao termo “competência

tributária”, vinculada a apenas uma das subclasses do conjunto “emissor da

mensagem jurídica”, como bem expõe Paulo de Barros Carvalho112:

A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos. Mas essa é apenas uma entre as várias proporções semânticas com que a expressão se manifesta (...) Não podemos deixar de considerar que têm, igualmente, competência tributária o Presidente da República, ao expedir um decreto sobre o IR, ou seu ministro ao editar a correspondente instrução ministerial; o magistrado e o tribunal que vão julgar a causa; o agente da administração encarregado de lavrar o ato de lançamento (...) Todos eles operam revestidos de competência tributária, o que mostra a multiplicidade de traços significativos que a locução está pronta para exibir. Não haveria por que adjudicar o privilégio a qualquer delas, em detrimento das demais. Como sugeriram expoentes do Neopositivismo Lógico, em situações desse jaez cabe-nos tão-somente especificar o sentido em que estamos empregando a dicção, para afastar, por esse modo, as possíveis ambiguidades.

Assim, quando versa sobre competência tributária a doutrina, em sua

maciça maioria, diz respeito ao poder (constitucionalmente limitado) que o

Legislativo possui de instituir e dispor sobre tributos113.

111 Constituição Federal de 1988: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...).” 112 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 214. 113 “‘Competência’, com as acepções encontradas no direito positivo e na doutrina, é termo próprio do vocabulário técnico-jurídico. Quando empregado na Constituição para autorizar as pessoas políticas de direito constitucional interno a legislar sobre matéria tributária, falamos em ‘competência tributária’.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 236). “...competência tributária, que, adiantamos, é a faculdade de editar leis que criem, in abstracto, tributos.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª Ed., São Paulo : Malheiros, 2004, p. 448). “O que quer dizer competência tributária? É a aptidão que as pessoas políticas: União, Estados e Municípios têm para criar e disciplinar tributos. Esta Constituição em seu art. 5º, II, e no art. 150, I, diz que não se pode exigir ou aumentar tributos sem lei. Portanto, a competência tributária é necessariamente uma competência legislativa.” (ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar em Matéria Tributária. Revista de Direito Tributário n.º 48, São Paulo : RT, 1989, p. 89).

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É essa significação que adotaremos114.

2.4.1. A forma utilizada no texto constitucional pátrio para a divisão da

competência tributária

No Brasil, a existência de vasto repertório normativo no texto

constitucional, atinente a matéria tributária, não é exclusividade da Constituição

Federal de 1988. Em análise histórica inerente ao tema, Geraldo Ataliba115 afirma:

1 - O sistema tributário do Império, como o de quase todos os estados unitários, era extremamente singelo e sintético, fundamente marcado por aquela flexibilidade encontradiça na generalidade dos sistemas atuais dos demais países. 2 - Plástico e flexível era, também, o sistema constitucional tributário de 1891, a despeito de datar dai a federação brasileira. Quer dizer: o legislador ordinário dispunha, nesse regime, da mais ampla liberdade para, inclusive, plasmar o sistema tributário nacional. Da flexibilidade do sistema decorria, também, que o legislador estadual participava das mesmas possibilidades, embora em escala menor. 3 - Inaugurou-se, em 1934, com a Constituição social-democrática, a rigidez do sistema constitucional tributário brasileiro, que passa a ser característica nossa. É rígido o sistema erigido em 1934. Desapareceu aquela liberdade do legislador ordinário que, de então em diante, passa a se ver peiado, circunscrito a esferas limitadas e onerado por mil e uma amarras.

Logo, ao contrário de outras Cartas Constitucionais, a brasileira possui

vários dispositivos pertinentes à tributação, mormente relacionados a regras de

outorga de competência para instituição de tributos (tanto de caráter positivo

quanto negativo) 116.

114 Importante citar que muitos autores afirmam ser, a atribuição de competência para instituição de tributos, decorrência do federalismo. Vejamos: “A atribuição de competência tributária, sim, é requisito axiomático da federação, para assegurar independência política.” (DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Discriminação de Competência Impositiva - sua evolução na Federação Brasileira. São Paulo : Tese de doutoramento na Universidade de São Paulo. 1972, p. 15); e “A Constituição instituiu o sistema tributário nacional sob inspiração de várias diretrizes políticas e econômicas, a começar pela da eficácia e preservação do regime federativo.” (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro : Forense, 1970, p. 76). 115 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo : RT, 1968, p. 66. 116 “A Constituição Federal de 88 pode ser definida como uma verdadeira Carta de competências. O legislador constituinte repartiu, de forma minudente, as competências impositivas dos entes tributantes. Vale dizer, definiu o espectro de atuações legiferantes em matéria tributária.” (BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Delimitação da Competência Impositiva. In: SANTI,

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No passado, estas regras de competência eram chamadas regras de

“discriminação de rendas”117.

O legislador constituinte, portanto, apresenta regras positivas inerentes à

competência para instituição de tributos (enunciados de autorização118), bem

como regras negativas (imunidades, por exemplo). Obviamente que outras regras

constitucionais (como os princípios atinentes ao direito tributário) compõem o

cenário de enunciados prescritivos que possibilitarão ao intérprete (autêntico ou

não) construir a norma de competência pertinente a determinado tributo119.

Importante nos atermos, um pouco mais, às regras positivas (enunciados

de autorização) supracitadas. Na grande maioria dos casos, a forma de atribuir

poderes a um ente para instituição de tributos é vinculá-lo, direta ou

indiretamente, a certas materialidades, ou seja, a signos presuntivos de riqueza.

Isso é de fácil verificação no caso dos impostos, já que os artigos 153, 155

e 156 da Constituição Federal de 1988 apresentam explicitamente tais signos

presuntivos de riqueza que cada um destes entes poderá gravar.

Eurico Marcos Diniz. (Org.). Segurança Jurídica na Tributação e Estado de Direito. São Paulo : Noeses, 2005, p. 512). 117 “Diverso, como já ficou indicado, é o conceito de discriminação de rendas. Por tal entende-se a partilha ou distribuição da competência, em matéria tributária, entre as unidades federadas ou mesmo entre as entidades autônomas existentes nos chamados Estados unitários regionais.” (FALCÃO, Amilcar de Araújo. Sistema Tributário Brasileiro - discriminação de rendas. Rio de Janeiro : Financeiras, 1965, p. 27). 118 “Denominamos enunciados de autorização as proposições, enunciadas a partir do direito positivo, que qualificam sujeitos como competentes para instituir tributos sobre certas materialidades ou para criar normas voltadas à consecução de certas finalidades ou, ainda, para gravar materialidades e atingir finalidades, como muito bem explica Paulo Ayres Barreto.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 225). 119 “...no trajeto de construção de sentido das normas tributárias (acepção estrita), os enunciados que versam as competências (normas indiretas de ação, para Gregório Robles Morchón), são decisivos para a estipulação das fronteiras dentro das quais o factum tributário pode acontecer.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 234).

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O mesmo acontece com as taxas e as contribuições de melhoria, ainda

que de forma indireta (indicação indireta da materialidade no texto constitucional).

Nesse sentido, esclarece Tácio Lacerda Gama120:

Nesses casos, porém, a discriminação de materialidades é indireta, pois feita em razão da competência administrativa para prestar o serviço, exercer o poder de polícia ou realizar a obra pública que enseja a valorização da propriedade particular. Por isso, existirá a atribuição de competência tributária na medida em que existir a respectiva competência administrativa.

Assim, podemos afirmar que os impostos, taxas e contribuições de

melhoria são tributos cuja competência restou demarcada no altiplano

constitucional pela indicação, direta ou indireta, de certas materialidades que

podem ser oneradas.

Há, é verdade, uma exceção a tal demarcação com relação aos impostos,

já que o próprio texto constitucional autoriza a União, em determinadas hipóteses

(na iminência ou no caso de guerra externa), instituir tal espécie tributária sobre

materialidades ligadas, precipuamente, a outros entes políticos (artigo 154, II, da

CF/88)121. É a chamada “competência extraordinária” da União.

Tal ente político possui outra exceção a seu favor, agora à própria regra

demarcatória em tela (de atribuição de competência para instituição de impostos

via apresentação de certas materialidades no texto constitucional), já que lhe é

facultado, pelo inciso I do mesmo artigo 154, criar novos impostos (não-

cumulativos), mediante lei complementar, cuja materialidade não se encontra

indicada na Constituição Federal (aqui não há invasão das competências dos

demais entes, mas sim o atingimento de materialidades outras, não listadas nos

120 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 227/228. 121 “Hoje, em obséquio ao rigor das construções dogmáticas, acrescentamos estoutra proposição afirmativa: impostos privativos existem somente os da União. Não parece inteiramente correto aludir-se a impostos privativos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando sabemos que o legislador federal exercita sobre eles sua competência, a título extraordinário, na conformidade do que preceitua o art. 154, II, da Constituição Federal.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 216/217).

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artigos 153, 155 e 156 da Carta Constitucional). É a chamada “competência

residual” da União.

Repise-se, a demarcação do campo competencial para instituição não só

das taxas e das contribuições de melhoria como, principalmente, dos impostos

deu-se na Constituição Federal mediante indicação (direta aqui, indireta lá) de

signos presuntivos de riqueza, ainda que existam exceções a tal regra.

Ocorre, porém, que esta não é a única forma de atribuição de competência

empregada no texto constitucional. Há enunciados prescritivos na Carta Magna

que outorgam competência sem, contudo, explicitar a materialidade da exação.

Nesses casos, ao invés de segregar a competência pela indicação de

signos presuntivos de riqueza (ainda que indiretos), o legislador constitucional

opta pela demarcação do exercício da competência pelo apontamento de certas

finalidades a serem atingidas pela tributação.

Isso se evidencia nos artigos 148 (empréstimo compulsório), 149

(contribuições especiais) e 149-A (contribuição sobre iluminação pública - COSIP)

da Constituição Federal de 1988. Vejamos a redação deste último (trazida pela

Emenda Constitucional n. 39/2002): “Os Municípios e o Distrito Federal poderão

instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de

iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.”

Pergunta-se: qual a materialidade, indicada neste dispositivo, cuja

possibilidade de tributação motiva a segregação desta competência? Não há. A

demarcação de tal outorga de competência aos Municípios e ao Distrito Federal

para instituir tal contribuição dá-se pela exclusiva indicação da finalidade (custeio

do serviço de iluminação pública).

Todavia, não é qualquer materialidade que poderá ser indicada pelo

legislador infraconstitucional para instituição desta exação, ou seja, a harmonia da

mensagem jurídica (regra-matriz) que institui esse tributo com os comandos

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existentes no altiplano constitucional dependerá da presença de outros critérios.

Sobre eles, perfeitas as observações de Paulo Ayres Barreto122:

Naquelas em que não há referência à materialidade na Constituição, impõe-se a análise de eventual supressão de competência alheia, bem como da compatibilidade do fato escolhido para compor o antecedente da norma geral e abstrata tributária e os fins a serem alcançados com a nova incidência. Esse último aspecto já evidencia que, nas contribuições, a aferição da constitucionalidade do tributo instituído requer outros cuidados.

Já citamos, assim, duas formas distintas adotadas pelo legislador

constitucional para repartir a competência tributária (enunciados de autorização),

quais sejam, indicação de certas materialidades a serem gravadas ou

apresentação de determinadas finalidades que a tributação deve atingir.

Há, porém, uma terceira classe que une ambos os critérios acima citados,

isto é, indica signos presuntivos de riqueza juntamente com a determinação da

finalidade a que se destina a tributação. É a combinação destes dois critérios que

possibilita a demarcação competencial123.

O dispositivo que evidencia essa terceira forma de demarcação da

competência é o artigo 195 da Constituição Federal. Nele vislumbra-se tanto a

destinação (financiar a Seguridade Social) quanto os signos presuntivos de

riqueza (tais como: remuneração de funcionários; receita ou faturamento; lucro;

importação de bens ou serviços; dentre outros).

122 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo : Noeses, 2006, p. 150. 123 “Neste caso, a exemplo do que dissemos no parágrafo anterior a qualificação da União para instituir contribuições sobre certa materialidade é vinculada ao atendimento das finalidades que acabamos de relacionar. O não atendimento da finalidade ou da matéria faz com que a norma criada não seja instrumento da União na respectiva área, descumprindo, assim, a norma superior e sujeitando-se à decretação de sua invalidade.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 229). No mesmo sentido: “...nas contribuições, o foco reside na causa para a instituição do tributo, no exame da necessidade e adequação do tributo para o custeio de uma atividade estatal específica. As materialidades, quando referidas, configuram limite adicional a ser respeitado.” (BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Delimitação da Competência Impositiva. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz. (Org.). Segurança Jurídica na Tributação e Estado de Direito. São Paulo : Noeses, 2005, p. 516).

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Demonstrado está, assim, os mecanismos que o legislador constitucional

adotou para positivar enunciados de autorização. Entretanto, as formas ligadas à

finalidade (isolada ou em conjunto com a indicação de certas materialidades)

deram-se de tal forma que o conflito de competência torna-se improvável (e, com

isso, a importância para o presente estudo se reduz). Vejamos:

Com exceção do disposto no supracitado artigo 149-A, bem como no § 1º

do artigo 149, ambos da Constituição Federal, cuja outorga de competência

ligada à fixação de certas finalidades deu-se em prol dos Estados, Municípios e

do Distrito Federal (ou apenas em face destes dois últimos, no caso do art. 149-

A), todas as demais situações onde a demarcação do campo competencial

ocorreu dessa maneira (em conjunto ou não com a indicação de certas

materialidades) concedeu poderes tão somente à União.

Assim, a competência outorgada que se vincula a certa finalidade

explicitada no texto constitucional (com exceção da COSIP e das contribuições

previdenciárias dos servidores públicos estaduais, municipais e do Distrito

Federal) é de improvável geração de conflito, já que apenas uma pessoa política

é eleita como competente para tanto, e é condição necessária ao conflito, como

será visto adiante, pelo menos dois enunciadores.

A situação acima traduz o que muitos denominam de “competência

exclusiva”. Nesse sentido, mais uma vez trazemos à baila as lições de Tácio

Lacerda Gama124:

As competências exclusivas são distribuídas com base na existência ou não de finalidade específica, pouco importando o fato de a hipótese do tributo ser ou não vinculada à atividade estatal, ou de ter sido prevista para a incidência de impostos ou taxas. É com base na finalidade que se autoriza a sua arrecadação. Assim, se atribui exclusivamente aos Municípios a competência para instituir a Contribuição Sobre Iluminação Pública - COSIP (artigo 149); à União a competência para instituir empréstimos compulsórios (artigo 148) e as contribuições especiais (artigos 149, 174, § 4°, 195, 212, § 5°, 239, entre outros).

124 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 232 e 235/236.

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(…) Os tributos de competência exclusiva, por exemplo, cuja instituição visa atingir certas e determinadas finalidades previstas pela Constituição, pelo fato de não terem natureza de impostos, podem ser instituídos para incidir sobre as mesmas materialidades reservadas a esses. (...) Pela circunstância de serem tributos com natureza distinta, não há de se falar em “conflito”.

Insista-se, se somente à União compete instituir empréstimos compulsórios

e contribuições especiais, resta improvável o conflito quando da instituição destes

tributos, bem como quando da sua posterior aplicação (incidência), mormente por

inexistir incompatibilidade sistêmica se um mesmo fato social for duplamente

atingido por um destes tributos, de “competência exclusiva”, em comunhão com

outro de finalidade não determinada na Constituição Federal (imposto, por

exemplo). A proximidade do aspecto material do Imposto sobre a Renda (IRPJ) e

da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) é prova disso.

Para as pretensões deste estudo, portanto, interessa a primeira forma de

repartição anteriormente citada (jungida a certas materialidades), ainda que seja

possível que um mesmo fato social pertença a classes distintas (de signos

presuntivos de riqueza diversos - inclusive que tenham motivado competências

distintas), sem trazer desarmonia sistêmica.

Isto é, pode haver a subsunção de um mesmo fato social a várias

hipóteses tributárias, sem qualquer desrespeito às demais regras do sistema.

Exemplo clássico é a importação de bens industrializados, que pode ser relatado

como fato jurídico tributário pertencente à hipótese do Imposto sobre Importação

(I.I.); do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); do Imposto sobre

Operações de Circulação de Mercadorias (ICMS); da Contribuição para o

Financiamento a Seguridade Social (COFINS - importação); da Contribuição ao

Programa de Integração Social (PIS - importação); dentre outros.

Todavia, neste estudo nossa preocupação volta-se aos casos de

impossibilidade de inclusão de um fato jurídico tributário em mais de um conjunto

(demarcados pelos signos presuntivos de riqueza eleitos pelo legislador

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constitucional125), ou seja, se tal fato tiver a propriedade x (que a inclui no

conjunto X) não pode ter, ao mesmo tempo, a propriedade y (que a inclui no

conjunto Y), já que com ela incompatível126.

2.4.2. Da competência tributária fruto de certas materialidades indicadas,

direta ou indiretamente, na Constituição Federal

Voltemos, então, a analisar àqueles signos presuntivos de riqueza (certas

materialidades) utilizados pelo legislador constituinte para delimitar o campo de

atuação do ente competente para instituição de tributo. Como restou sinalizado no

final do item anterior, podemos demostrar que a repartição de competência em

matéria tributária nada mais é do que uma divisão de classes (tributos de

competência da União; tributos de competência dos Estados; e tributos de

competência dos Municípios) onde, o signo presuntivo de riqueza empregado

serve para delimitar suas fronteiras.

Dentro delas haverá subclasses (na classe “tributos de competência da

União”, por exemplo, teremos as subclasses: do imposto sobre exportação, para

o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; do imposto sobre importação

de produtos estrangeiros; da contribuição social sobre o lucro; dentre tantas

outras), denotadas pela materialidade motivadora da exação (exportação,

importação, lucro).

125 “Há uma relação muito estreita entre ter uma certa propriedade e pertencer a um certo conjunto (e, como você vai ver depois, entre relações em geral e certos tipos de conjuntos). De fato, poderíamos dizer que, grosso modo, uma propriedade determina um conjunto. Tomemos como exemplo a propriedade de ser um professor de matemática. A partir dela, podemos determinar um conjunto P, a saber, o conjunto de todos os elementos x tal que x é um professor de matemática.” (MORTARI, Cezar A. Introdução à Lógica. São Paulo : Unesp, 2001, p. 44). 126 Assim como o ser humano que possui a propriedade “ser do sexo masculino” não pode integrar o conjunto das mulheres, determinados fatos, se qualificados como detentores da propriedade motivadora de um tributo (imóvel urbano, por exemplo) não podem ser, ao mesmo tempo, qualificados com propriedade incompatível com aquela (imóvel rural, mantendo a mesma linha exemplificativa).

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Esclarecedora, nesse sentido, a lição de Tácio Lacerda Gama127:

A prescrição do aspecto material das competências legislativas passa pela indicação de complementos verbais. Esses complementos verbais formam núcleos semânticos que não podem ser desconsiderados por normas inferiores. (...) Assim, à materialidade “renda”, por exemplo, o Código Tributário Nacional vincula o verbo auferir, bem como o verbo “pagar”, nos casos de retenção do imposto sobre a renda na fonte.

Logo, poderão os entes tributantes instituir (via inserção - positivação - de

enunciados prescritivos de conduta no sistema) tributos em face do termo

apontado pelo legislador constituinte para onerar os fatos sociais que a ele se

subsumirem (cada termo disposto nos enunciados constitucionais de repartição

de competência corresponde um tributo - conjunto de tributos formam uma classe

de segunda ordem que refere-se à competência da União, outra dos Estados e,

ainda, outra dos Municípios)128.

A pessoa política competente deverá, ao instituir um tributo, moldar os

critérios que eleger aos dispositivos constitucionais norteadores de tal

competência e, o aplicador desta regra-matriz de incidência tributária, deverá

quadrar o evento tributável aos critérios existentes na hipótese desta norma

jurídica geral e abstrata.

Em suma, a classe competencial existente no texto constitucional deve

conter a classe do tributo instituído pelo legislador infraconstitucional que, por sua

127 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 226/227. 128 “Podemos notar, facilmente, que a partilha, entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, das competências para criar impostos (competências impositivas) foi levada a cabo de acordo com um critério material. O constituinte, neste passo, descreveu objetivamente fatos, que podem ser colocados, pelos legisladores ordinários federal, estaduais, municipais e distrital, nas hipóteses de incidência dos impostos de suas pessoas políticas. Melhor explicitando, os mencionados arts. 147, 153, 154, I, 155 e 156 do Código dos Códigos autorizam cada uma das pessoas políticas a virem a instituir impostos sobre os fatos neles apontados genericamente.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª Ed., São Paulo : Malheiros, 2004, p. 588).

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vez, deve conter a classe dos fatos jurídicos (relato, em linguagem competente,

dos eventos tributáveis) que a ela se subsomem129.

É a totalidade deste ciclo de positivação que corresponde ao corte

metodológico aqui empregado, para observação do fenômeno comunicacional

inerente à competência, com ênfase no conflito que dele pode advir.

E essa visão formal de todo o objeto (fenômeno comunicacional inerente à

competência) possibilita interessantes conclusões a respeito do tema,

facilitadores do enfrentamento da principal questão que é o estudo do conflito de

competência em matéria tributária, ou seja, a visualização do fenômeno pela

Teoria das Classes (ou Lógica dos Predicados) traz importantes ferramentas não

só para demarcação do problema como, principalmente, para o encontro de

possíveis soluções.

Inquestionável, portanto, tratar-se, o ciclo de positivação do direito (que,

como visto no item 2.2., pode ser observado sob um ângulo competencial), de

mero exercício de subsunção de classe130:

C

I

A

Є Є

129 “Cabe lembrar que o conceito de subsunção, largamente empregado na Ciência do Direito, advém do conceito de inclusão entre classes e das correspondentes subclasses. Eis a razão pela qual Paulo de Barros Carvalho precisamente afirma ser a subsunção operação lógica entre conceitos, isto é, entre classes.” (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em Matéria Tributária. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2011, p. 50). 130 “Ali onde houver linguagem, natural ou técnica, científica ou filosófica, haverá, certamente, classes e operações entre classes, com o aparecimento de gêneros, espécies e subespécies (...) frases como ‘o indivíduo x é elemento do conjunto C’, ‘o objeto y pertence à classe K’ ou ‘o domínio D contém como elemento o indivíduo z’, são expressões que denunciam a presença dessa categoria formal que, em linguagem simbólica, escrevemos ‘x Є K’ (‘x está em K’).” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 121).

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Ou

C

A

I

A regra de competência existente no texto constitucional (“C”) deve conter

a regra de conduta (regra-matriz de incidência tributária) que institui o tributo (“I”)

que, por sua vez, deve conter a regra individual e concreta que aplica (“A”), faz

incidir, a regra anterior (geral e abstrata).

Para tanto, a regra de competência (“C”) deve denotar mais elementos que

as regras de conduta (“I”) e aplicação (“A”), enquanto que esta deve conotar mais

que as regras que lhe antecedem, para delas diferir. Vejamos:

i) a norma de competência construída a partir dos enunciados existentes na

Constituição delimita a atuação do legislador infraconstitucional utilizando

termos de acepção ampla, atinentes, tão somente, à materialidade que se

pretende onerar (“produtos industrializados”, por exemplo);

ii) a norma de conduta deverá ir além, trazendo mais elementos abstratos

para possibilitar a aplicação - maior conotação do aspecto material (vincular

tal materialidade a um ou mais verbos - por exemplo, industrializar, importar

ou arrematar produtos industrializados), explicitando, ainda, os outros critérios

da norma (espacial e temporal no antecedente, e pessoal e quantitativo no

consequente); e

iii) em sequência, a norma de aplicação deve ir mais além, relatando o evento

tributável possuidor dos critérios existentes na norma de conduta e, com isso,

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concretizando o fato jurídico tributário, bem como individualizando os sujeitos

da obrigação tributária, tudo mediante maior grau de conotação em seus

enunciados (dado que em determinado local e hora deu-se a saída de

produto industrializado da indústria X, então deve ser obrigatório que esta

entregue à União a quantia relativa a percentual aplicado sobre o valor deste

produto).

Não resta dúvida, portanto, que os enunciados prescritivos existentes no

texto constitucional que trazem signos presuntivos de riqueza específicos para

cada ente tributante, no intuito de delimitar seu campo de atuação (competência

tributária para instituição de tributos) são extremamente vagos (vagueza maior do

que o “grau ótimo” necessário a toda e qualquer comunicação) e, muitas vezes,

ambíguos. Logo, somente o ciclo ininterrupto de positivação do direito poderá

reduzir possíveis ruídos comunicacionais, trazendo segurança a seus operadores.

2.4.3. É possível falar em rigidez e exaustividade das demarcações

constitucionais atinentes à competência tributária?

A doutrina brasileira dita tradicional classifica as demarcações

constitucionais atinentes à competência tributária como rígidas e exaustivas.

A rigidez adviria da dificuldade em alterar a Carta Constitucional pátria,

vedada para determinados dispositivos e dificultada (quorum diferenciado - bem

mais rigoroso) para os demais regramentos constitucionais não relacionados

dentre às chamadas cláusulas pétreas131.

Por esse prisma, nos parece acertada a classificação, já que de fato não

há outorga ao legislador para modificar, com facilidade, dispositivos de cunho

fundamental previstos no texto constitucional. Versando sobre a rigidez do

131 “A Constituição, como dissemos antes, ampliou o núcleo explicitamente imodificável na via da emenda, definindo no art. 60, § 4º, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª Ed., São Paulo : Malheiros, 2010, p. 67).

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sistema constitucional tributário brasileiro, Geraldo Ataliba132 afirmou: “é rígido

aquêle sistema que não dê liberdade ao legislador ordinário para desenhar-lhe

qualquer traço fundamental.”

Ocorre que, esta doutrina tradicional, complementa essa rigidez

(dificuldade em alterar as demarcações constitucionais atinentes à competência

tributária) com outra característica, qual seja, de não caber, ao legislador

infraconstitucional, qualquer disposição pertinente à matéria.

Geraldo Ataliba133, em outro estudo, dispõe:

O regime que está o legislador brasileiro - e qualquer legislador - em matéria tributária é um regime totalmente estabelecido pelo general, que é a Constituição: em tudo, porque o que não está explícito, está implícito (...) O legislador não pode aumentar, diminuir, modificar esses direitos, nem transferir a titularidade desses direitos, nem anular esses direitos e nem reduzir esses direitos. Logo, ele não tem o que fazer.

Assim, tal característica complementar à rigidez, exposta por essa corrente

doutrinária atribui ao “sistema constitucional tributário brasileiro” outro predicado,

qual seja, o da exaustividade, já que afirma que tudo disse, sobre competência

tributária, o legislador constituinte, não restando nada ao legislador

infraconstitucional134.

132 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo : RT, 1968, p. 20. 133 ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar em Matéria Tributária. Revista de Direito Tributário n.º 48, São Paulo : RT, 1989, p. 89. 134 Amilcar de Araújo Falcão não utilizava esse segundo predicado (exaustividade), ao argumento de que, em matéria tributária, o predicado rigidez, teria exatamente aquela significação. Vejamos: “Essas qualificações - rígido e flexível, plástico, ou fluido - foram propostas por James Bryce e são usadas pelos constitucionalistas para distinguir as constituições segundo o processo adotado para sua revisão, reforma ou emenda (...) Não é nêsse sentido específico de direito constitucional que se conceituam os sistemas rígidos e flexíveis de partilha tributária. No particular, interessa saber se a distribuição da competência tributária foi feita separadamente, em termos expressos, unívocos e inconfundíveis, a cada uma das categorias ou ordens de entidades federadas, de modo que para cada uma destas se configure uma área definida e ampla de competência privativa ou exclusiva, abrangedora das respectivas receitas fiscais. No caso afirmativo, a discriminação será rígida; na hipótese contrária, definir-se-á como flexível ou elástica.” (Sistema Tributário Brasileiro - discriminação de rendas. Rio de Janeiro : Financeiras, 1965, p. 23/24).

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Nesse sentido, também é a doutrina de Roque Antonio Carrazza135:

Sublinhamos, a propósito, que a competência tributária, no Brasil, é um tema exclusivamente constitucional. O assunto foi esgotado pelo constituinte. Em vão, pois, buscarmos nas normas infraconstitucionais (que Massimo Severo Giannini chama de “normas subprimárias”), diretrizes a seguir sobre a criação, in abstracto, de tributos. Neste setor, elas, quando muito, explicitam o que, por ventura, se encontra implícito na Constituição. Nada de substancialmente novo lhe podem agregar ou subtrair.

A rigidez, como dito alhures, nos parece ser característica inconteste do

sistema constitucional tributário brasileiro, ante a inquestionável dificuldade de

alteração, em detrimento às demais Cartas Constitucionais existentes no direito

estrangeiro, de seus dispositivos.

Entretanto, não coadunamos com a outra característica supracitada, qual

seja, exaustividade.

É certo que a pretensão do legislador constituinte foi delimitar de forma

precisa e inconteste (exaustiva, portanto) os campos de competência para

instituição de tributos de cada um dos entes autorizados para isso. Mas ele

próprio (legislador constituinte) tinha consciência de tratar-se de atividade

impossível (utópica) e, por essa razão, outorgou ao legislador infraconstitucional

(artigo 146, I, da Constituição Federal de 1988136) esse ônus quando a práxis

jurídica demonstrar a necessidade de sua regulamentação (precisão - via

conotação ou denotação - do campo, material, espacial e/ou temporal, a ser

atingido por determinada exação, e não por outra; ou a ser exigido por

determinado ente tributante, e não por outro).

135 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª Ed., São Paulo : Malheiros, 2004, p. 456. Veremos, mais adiante, que este autor, em que pese partir de tais premissas, atinge conclusões similares às que, aqui, construiremos. 136 Constituição Federal do Brasil de 1988 “Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflito de competência, em matéria tributária, entre União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (...).”

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De duas uma, ou o dispositivo (art. 146, I da CF/88) acima citado não tem

aplicação (sem sentido lógico), ou ele é uma demonstração da inexistência de

exaustividade nas demarcações constitucionais de competência tributária.

Superar esse impasse é um dos objetivos do presente estudo.

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3. REFLEXÕES SOBRE CONFLITO, E PRIMEIRAS ABORDAGENS DO

PROBLEMA QUANDO DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA

3.1. Definição do conceito de conflito

Conflito, segundo Nicola Abbagnano137, significa “contradição, oposição ou

luta de princípios, propostas ou atitudes.” E continua o filósofo italiano “Kant

chamou as antinomias de ‘conflito de teses.’ Hume falara de um conflito entre

razão e o instinto que leva a crer, a razão que põe em dúvida aquilo em que se

crê.”

Partindo da premissa atinente ao giro-linguístico na filosofia hodierna, onde

a realidade (inclusive jurídica) passa a ser um elemento da linguagem (necessário

esta para se ter acesso àquela), não resta dúvida que a definição do conceito de

conflito passa por questões hermenêuticas, aproximando-se à definição de ruído

comunicacional (vide item 1.4.2.).

Nesse sentido é a lição de João Maurício Adeodato138:

Dentre as relações intersubjetivas, uma das mais importantes para o estudo do direito é a de conflito, que ocorre quando os seres humanos divergem sobre os significados de seus relatos sobre os eventos do mundo. Para haver um conflito, então, é preciso que haja pelo menos dois relatos incompatíveis, total ou parcialmente.

O conflito, portanto, é fruto de relatos contraditórios oriundos de um mesmo

evento social. Exemplificando, o relato “o Brasil é, atualmente, uma democracia”

está em confronto com o relato “ainda vivemos, no Brasil, uma ditadura”. Note

que o evento é o mesmo (Brasil nos dias atuais), mas o sentido construído pelos

emissores destes relatos é diametralmente oposto.

137 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia [tradução Alfredo Bossi e Ivone Castilho Benedetti]. 5ª Ed., São Paulo : Martins Fontes, 2007, p. 205. 138 ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo : Noeses, 2011, p. 142.

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Essa construção conflituosa de sentido por enunciadores distintos advém,

muitas vezes, de ruído no processo comunicacional (lembrando que os eventos

do mundo também comunicam, se e somente se, alguém os recepcionar como

mensagem139), apto a proporcionar tal choque de sentido, ainda que o mesmo

advenha, exclusivamente, da tentativa de impor a interpretação (torná-la um

relato vencedor) que mais beneficie o enunciador.

Sempre teremos, então, um relato tido como vencedor (aquele aceito como

“verdadeiro” pela maioria dos integrantes de uma determinada comunidade), mas

essa situação é passageira. Novamente nos valemos das lições de João Maurício

Adeodato140:

Uma sucessão de eventos torna-se um fato histórico por conta do relato vencedor dentre os participantes do discurso. É como uma batalha ou uma eleição: para que haja um resultado é preciso que os participantes (e aqui incluídos candidatos, observadores, guerreiros, votantes, todos os que se manifestem no discurso) entrem em um acordo quanto ao que lhes parece ter “realmente” ocorrido.

Quanto maior a discussão (conflito) em torno de um objeto e,

principalmente, sua verificação na experiência, maiores as chances de se buscar

uma harmonização de sua interpretação. Não que ela será eterna ou imutável,

mas que pelo menos durante certo período, será tido como a construção

verdadeira (o relato vencedor).

Isso é facilmente aplicado à incidência das normas jurídicas, quando

houver conflito sobre a subsunção de determinado fato jurídico aos elementos

abstratamente determinados em norma geral e abstrata, a discussão deste tema

pelos agentes competentes (mormente magistrados) levará a questão a uma

definição interpretativa que, por um certo tempo, perdurará como sendo o relato

139 “Os mesmos indícios que citamos, sem alguém para interpretá-los, são simples fatos do mundo, privados de efeitos comunicativos (...) O universo está cheio de indícios ou sistemas de medidas potenciais, que ninguém jamais descreverá. E vice-versa, talvez cada coisa do mundo pudesse tornar-se significativa se fosse inserida no sistema adequado de perguntas.” (VOLLI, Ugo. Manual de Semiótica [tradução Silva Debetto C. Reis]. São Paulo : Loyola, 2007, p. 21/22). 140 ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo : Noeses, 2011, p. 152.

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vencedor (jurisprudência dominante, por exemplo) e, assim, tomado como

verdadeiro. Entretanto, nada impede que essa convergência à verdade seja,

futuramente, alterada, construindo-se novas verdades, via novos relatos

vencedores.

Insista-se, esse acordo (ou consenso) sobre a verdade é passageiro. Em

exemplo colacionado no primeiro Capítulo deste estudo (item 1.2.2.), citado por

Paulo de Barros Carvalho, demonstrou-se a existência de um conflito sobre o fato

de ser ou não Plutão um planeta. Hoje o relato vencedor é o de que ele não é,

mas perdurou por muito tempo, como vitorioso, aquele outro relato que a este se

opunha.

Sendo assim, poder-se-ia definir o conflito como o produto de um processo

comunicacional com ruídos que, em razão de tal pecha, possibilita a construção

de sentidos (conteúdos) opostos, total ou parcialmente, sendo certo que a

definição de um deles como relato vencedor apenas reprimirá, temporariamente,

o conflito (sempre haverá a possibilidade do seu retorno, inclusive motivando

novas verdades a serem construídas).

Tal definição parte da premissa de que somente haverá o conflito quando a

decodificação feita pelo receptor da mensagem for externada (vertida em

linguagem) e, essa nova mensagem, estiver em confronto com outra proferida por

receptor diverso, daquele primeiro enunciado:

Receptor 1 → mensagem decodificada 1

Emissor → mensagem (com sentidos opostos)

Receptor 2 → mensagem decodificada 2

De fato, se não for externada a decodificação feita pelo receptor e,

principalmente, se não houver relato de outro destinatário em confronto com

aquele, não existirá o conflito (pelo menos dois relatos incompatíveis, total ou

parcialmente).

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Entretanto, as pretensões almejadas no presente estudo, mormente em

razão da perspectiva adotada (vide Capítulo 1), não permitem a limitação do

objeto a tais relatos antagônicos.

Em primeiro lugar, no ciclo ininterrupto da comunicação o produto

confunde-se a todo instante com o processo e, por isso, temerária a vinculação

do conflito tão somente ao produto. Exemplificando: o sujeito A enuncia uma

mensagem B que, decodificada por C é relatada em nova mensagem D que,

então, decodificada por E é, novamente, objeto de relato em linguagem

(mensagem) F que, mais uma vez, será decodificada por alguém num movimento

circular que tende ao infinito.

Tomando todo esse ciclo como um processo, como é possível definir o seu

produto? Obviamente que deverá haver um corte metodológico para o seu

encontro e, assim, dependerá exclusivamente do exegeta a definição do produto.

Em segundo lugar, sob uma visão comunicacional do fenômeno (em

especial do direito), não há essa segregação, ou seja, todo o processo de

comunicação é objeto do estudo e, se dele decorreu interpretações conflitantes,

todo esse processo deve ser analisado para identificar o ruído causador da pecha

em questão.

Insista-se, o “produto” evidencia o conflito, é condição necessária para sua

existência (na ausência de pelo menos dois relatos incompatíveis, total ou

parcialmente, não haveria tal instituto), mas uma vez que ele existe, podemos

“reconstruir” aquele processo de comunicação que o motivou, e identificar

conflitos outros (por exemplo, conflito interpretativo entre os receptores da

mensagem, motivador da decodificação antagônica realizada), além de localizar o

ruído causador do distúrbio hermenêutico, de suma importância à solução da

antinomia.

O ruído ligado à vagueza da mensagem posta (que nos parece ser a forma

mais corriqueira deste problema e, ao mesmo tempo, a mais complexa de

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solucionar), evidencia a impossibilidade de eliminação dessa pecha (vide item

1.4.2.), podendo apenas ser demarcado (contido) por mecanismos também de

cunho comunicacional.

Com isso, a importância do tema aflora, já que o conflito (pelo menos dois

relatos incompatíveis, total ou parcialmente) acaba se tornando situação

corriqueira em todo e qualquer processo comunicacional e, assim, contê-lo

(demarcá-lo), ainda que temporariamente, é tarefa obrigatória, mormente no

direito.

Mas se o “produto” é condição necessária a existência do conflito, ou seja,

só aparece quando há concretude de relatos com sentidos opostos (construção

de significações que se repelem), é possível falar em conflito abstrato? Mais

ainda, é possível “normatizar o conflito” para que ele não ocorra?

3.2. Conflito e as categorias fenomenológicas de Peirce

As perguntas que encerram o item anterior, em especial a segunda

formulada, aparentam certa ingenuidade que não deveria justificar maiores

reflexões sobre o tema. Isso porque, o conflito tende a ser um elemento

necessário ao direito141, já que relações intersubjetivas voltam-se ao conflito e,

sendo tais relações objeto do direito, o conflito delas decorrentes também o será.

Não haveria norma secundária se não houvesse o descumprimento de um

comando normativo (a instaurar um conflito), ou seja, inexistiria participação do

Estado-juiz142 sem um conflito apto a motivá-la.

141 “...dado um conflito hipotético e uma decisão hipotética, a questão é determinar suas condições de adequação: as possibilidades de decisões para um possível conflito. Pressupomos aqui o ser humano como um ser dotado de necessidades (comer, viver, vestir-se, morar etc.), que são reveladoras de interesses (bens de consumo, de produção, políticos etc.). Esses interesses, nas interações sociais, ora estão em relação de compatibilidade, ora são incompatíveis, exigindo-se fórmulas capazes de harmonizá-las ou de resolver, autoritariamente, seus conflitos.” (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6ª Ed., São Paulo : Atlas, 2011, p. 66). 142 “...uma regra jurídica completa consta de duas normas. Na norma primária, tem-se o pressuposto fáctico (ou hipótese de incidência) em relação-de-implicação com a consequência: a relação jurídica. Abstratamente, se ocorre o fato F, então A ficará numa relação R com B. Na norma secundária, a hipótese fáctica é a não-observância do dever da parte do sujeito passivo, a

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Logo, “normatizar o conflito” quer nos parecer algo corriqueiro, ainda que

se mantenha a assertiva de ser ele oriundo da concretude enunciativa.

Utilizaremos, então, as categorias cenopitagóricas da fenomenologia de Peirce

para confirmar (ou infirmar) essas assertivas. Vejamos:

Como já asseverado no item 1.3.1., Charles S. Peirce foi um dos

percursores do estudo científico do signo. Entretanto, é importante frisarmos,

aqui, a principal diferença de sua obra com a de Ferdinand de Saussure (outro

percursor desta Ciência): Peirce não se limita à linguagem verbal, para ele todo e

qualquer fenômeno que produza significação é objeto de seu estudo143 e, por

isso, de importância impar o conhecimento de suas categorias fenomenológicas.

Isso porque, tal diferença acima demonstrada, entre a Semiótica de Peirce

e a Semiologia de Saussure também é visível entre suas categorias

fenomenológicas em detrimento à de outros pensadores (como Aristóteles)144.

Peirce constrói suas categorias a partir da relação (articulação e

combinação) dos próprios fenômenos (não necessariamente, insista-se,

formalizados em proposições) e, com isso, pode ampliar o grau de universalidade

de representação do pensamento.

Assim como faz com o signo (relação triádica: interpretamen, objeto e

interpretante), Peirce também divide os fenômenos existentes em três classes

que se inter-relacionam: primeiridade, secundidade e terceiridade.

qual implica o exercício da sanção e da coação (já aqui através de órgão jurisdicional).” (VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4ª Ed., São Paulo : RT, 2000, p. 175). 143 “Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido.” (SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo : Brasiliense, 1983, p. 13.). 144 “Enquanto as categorias aristotélicas derivavam-se da análise do ato predicativo realizado pelo sujeito ao expressar-se num discurso, nele representando a realidade, as categorias propostas por Peirce correspondem aos modos elementares pelos quais se articulam e se combinam os fenômenos que povoam o universo total e irrestrito da experiência.” (SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. Curso de Semiótica Geral. São Paulo : Quartier Latin, 2007, p. 40).

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Em verdade, a última (terceiridade) compõe as anteriores e, a secundidade

compõe a primeiridade, ao ponto de se vislumbrar, na terceiridade, características

(não predominantes) das demais, assim como características de primeiridade

devem aparecer em elementos que compõem a secundidade.

Aplicando os elementos componentes do signo a estas categorias

fenomenológicas teremos o objeto como primeiridade, já que se trata de um “não-

ser”, ou seja, o objeto, isoladamente, não possui significado algum. O objeto,

exclusivamente observado, possui qualidades que motivarão significações

diversas, que somente aparecerão quando da sua substituição por um signo

(“ser”).

O signo (ou interpretamen), portanto, é um “ser” e, assim, pertencente à

secundidade, já que quando reflito sobre determinado objeto em verdade reflito

sobre um signo que substituiu tal fenômeno e, assim, o “ser” (signo) é o objeto de

minhas reflexões, ao passo que o fenômeno que ele representa (substitui) é um

“não ser”, pois necessita daquele para ser pensado145.

Por fim, o interpretante integrará a categoria da terceiridade, por tratar-se

de um “vir-a-ser”, pois ele também será um signo (“ser”) futuro que necessitará de

um novo interpretante, e este por sua vez também tornar-se-á signo, num

processo dinâmico tendente ao inesgotável (digo tendente ao inesgotável, pois

ele pode ser final, quando não mais houver novas possibilidades de

transformações)146. O “vir a ser” advém do signo e do objeto (ambos projetam o

145 “Quando penso, não penso a coisa pensada e sim sua representação. O Objeto, o fenômeno é o mesmo, o que muda é o processo de representação = substituição. Sempre penso substituindo, é um constante processo de transformação, um processo mutante. Compreender é ter consciência de linguagem, é conhecer o processo das representações para poder transformar, ultrapassar limites, controlar os acasos, os imprevistos.”. (TURIN, Roti Nielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo : Annablume, 2007, p. 37). 146 Em se tratando de semiose jurídica, ou de interpretação das leis, o “vir-a-ser” é a construção de sentido que o intérprete (autêntico ou não) faz partindo dos signos (enunciados prescritos) que representam (substituem) seu objeto, qual seja, regulação de condutas intersubjetivas. Essa construção de sentido, insista-se, é denominada de norma jurídica e, para alcançar suas pretensões prescritivas, deve possuir um mínimo deôntico. A semiose jurídica é de fácil percepção, pois quando se trata de intérprete autêntico, sua construção deverá, obrigatoriamente, estar vertida em linguagem escrita (uma sentença, por exemplo) e, assim, tal signo será

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interpretante). Valendo-nos, novamente, das lições de Roti Nielba Turin147, segue

interessante exemplo esclarecedor desta classificação do interpretante como um

“vir-a-ser”:

...o Signo “casa” pode substituir várias ideias do Objeto. Primeiro vamos substituí-lo por abrigo. É nosso abrigo epidérmico. O que temos é uma casa, que nos leva ao Interpretante de proteção, que poderá ser o Signo de um outro Objeto, por exemplo: proteção nos remete à segurança. Objeto: nossa segurança: queremos ter proteção para termos segurança: traz-nos um novo Interpretante: liberdade. Tendo segurança temos liberdade, que pode vir a ser o signo de um novo Objeto, e assim num constante “vir-a-ser”.

Pelas explicações acima, relacionadas aos elementos componentes do

signo, já é possível perceber as características necessárias para o

enquadramento do fenômeno em uma das três categorias cenopitagóricas de

Peirce. Vejamos:

Primeiridade representa a potencialidade do ser, aquilo que é espontâneo,

casual, mera qualidade de sensação. É a base primeira de toda a realidade, o

primeiro contato com ela148. Aqui se tem um qualissigno.

Secundidade, por sua vez, representa a existência ou factualidade. Parte

da primeiridade, mas possui especificidade irredutível em relação àquela, já que

advém da relação (ligação, confronto, negação etc.) de dois elementos, sendo

certo que só há existência quando houver imposição sobre os demais - existo

perante os demais. Aqui se fala em sinsigno.

novamente interpretado, gerando um novo interpretante, até que haja o encerramento, ainda que provisório, dessa semiose (por exemplo, com o posicionamento da mais alta Corte do país). 147 TURIN, Roti Nielba. Aulas: introdução ao estudo das linguagens. São Paulo : Annablume, 2007, p. 38/39. 148 “Em suma, qualquer qualidade de sensação, simples e positiva, preenche a nossa descrição daquilo que é tal como é, absolutamente sem relação com nenhuma outra coisa. ‘Qualidade de sensação’ é a verdadeira representante psíquica da primeira categoria do imediato em sua imediatidade, do presente em sua presentidade.” (PEIRCE, Charles Sanders. Escritos Coligidos [seleção e tradução Armando Mora D’Oliveira e Sergio Pomerangblum]. Vol. XXXVI. São Paulo : Abril Cultural, 1974, p. 24).

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Por fim, terceiridade é a característica do contínuo, do pensamento e da lei.

Supõe a existência das outras duas categorias (primeiridade e secundidade).

Terceiridade é um sinônimo de representação149. Nessa classe aparece o

legissigno.

Mas qual a pertinência em se abordar tais categorias nesse momento?

Basta vislumbrar a assertiva do próprio Charles S. Peirce150 com relação à

secundidade para entender:

A segunda categoria - o traço seguinte a tudo que é presente à consciência - é o elemento de “conflito”. (...) Ora, não há resistência onde não existem conflito e ação de força. Por conflito, explico que entendo a ação mútua de duas coisas sem relação com um terceiro, ou médium, e sem levar em conta qualquer lei da ação. (...) A realidade é aquilo que insiste, nos força a reconhecer um outro diferente do espírito, e nela a Segundidade é predominante. (Recorde-se que antes que a palavra francesa second fosse introduzida no inglês, other era apenas o ordinal numeral correspondente a dois).

Conflito, portanto, é elemento genuinamente inserido na classe

fenomenológica da secundidade e, assim, deve possuir as seguintes

características a ela inerentes: existência ou factualidade; força; poder; relação

entre pares (ação e reação; causa e efeito); mecanicismo; não tem generalidade

(fato individual); predominante na realidade (ser); ligado ao passado.

Partindo dessa premissa, não poderíamos falar em “conflito abstrato”, nem

muito menos regrá-lo (via representação hipotética) e, assim, estar-se-ia

infirmando a assertiva apresentada no início deste item.

Ocorre que um elemento de terceiridade pode degenerar para a

secundidade e, desta para a primeiridade e, assim, além do conflito propriamente

149 “...em nível mais geral, a 1.º corresponde ao acaso, originalidade irresponsável e livre, variação espontânea; a 2.º corresponde à ação e reação dos fatos concretos, existentes e reais, enquanto a 3.º categoria diz respeito à mediação ou processo, crescimento contínuo e devir sempre possível pela aquisição de novos hábitos. O 3.º pressupõe o 2.º e 1.º; o 2.º pressupõe o 1.º; o 1.º é livre.” (SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo : Brasiliense, 1983, p. 39). 150 PEIRCE, Charles Sanders. Escritos Coligidos [seleção e tradução Armando Mora D’Oliveira e Sergio Pomerangblum]. Vol. XXXVI. São Paulo : Abril Cultural, 1974, p. 96.

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dito (secundidade) e possível falar em conflito aparentemente existente

(terceiridade), pois possível sua normatização.

A degeneração das categorias, então, seria a predominância do predicado

da secundidade (Reação) em face de um elemento que, outrora, esteve vinculado

àquele predicado da terceiridade (Representação) e, por óbvio, um predicado de

primeiridade (Qualidade) em face de um elemento que, anteriormente, ligava-se

predominantemente à secundidade ou terceiridade.

Essa degeneração é consequência da presença, não só da

Representação, mas também da Reação e da Qualidade na terceiridade, bem

como da Reação e da Qualidade na Secundidade.

O conflito, portanto, também está presente na terceiridade, já que esta

categoria contém os elementos das duas anteriores, situação que possibilita a

degeneração. Não há, assim, uma redução de predicados (de Reação para

Qualidade, ou de Representação para Reação ou para Qualidade), apenas a

prevalência de um deles num dado momento histórico.

Trazendo essas categorias ao objeto do presente estudo, vemos que os

dispositivos constitucionais que outorgam competência legislativa para instituição

de tributos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios são legissignos, na

medida em que são tipos gerais, que se voltam ao futuro (o “vir a ser”), onde a

continuidade é marca predominante.

Tais legissignos precisam de outros (réplicas151) para ganharem

significação. É exatamente o caso em apreço, ou seja, se não houver a instituição

(individualizada – pelo prisma da generalidade do comando constitucional) do

tributo pelo ente competente, aquele signo geral existente no texto constitucional

não atuará no universo fenomênico.

151 “...a esses sinsignos, Peirce denominará Réplicas dos legissignos, afirmando que esses últimos somente atuarão no universo fenomênico, através dessas réplicas experienciáveis.” (SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. Curso de Semiótica Geral. São Paulo : Quartier Latin, 2007, p. 69).

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Ora, se o conflito é secundidade (sinsigno, portanto), mas este pode figurar

como réplica de um legissigno, possibilitando sua atuação no mundo fenomênico,

então é possível concluir que o conflito também pode ser um legissigno (abstrato),

ainda que dependa da concreção para no universo dos fenômenos agir.

Mais do que isso, é possível representar (regrar) certas relações

intersubjetivas na busca da não ocorrência de conflito interno, ou seja, é

perfeitamente aceitável a existência de um legissigno representando, e

normatizando, um conflito aparentemente possível, na pretensão de evitar sua

ocorrência ou facilitar a solução do conflito (sinsigno) caso ele se instaure (essa

questão será retomada no item 3.4.). Vamos adiante:

3.3. Conflito de competência gera antinomia em sentido estrito?

O conflito, repise-se, é problema de cunho comunicacional inerente a toda

e qualquer realidade, inclusive à realidade jurídica (cerco inapelável da

linguagem).

Ora, se no direito, conforme já exposto linhas atrás, visto sob um ângulo

dinâmico, há um ciclo ininterrupto de positivação, onde um sujeito interpreta o

enunciado que lhe outorga competência (obviamente que em conjunto com outros

enunciados existentes no sistema) para positivar, em linguagem escrita, outro

enunciado prescritivo fruto de tal interpretação, haverá conflito sempre que este

processo comunicacional propiciar a produção, por dois ou mais enunciadores

(que se posicionam no ciclo de positivação como se competentes fossem, ainda

que a competência de um deles exclua a dos demais), de dois ou mais

enunciados prescritivos incompatíveis.

Note-se que a situação acima descrita (conflito de competência) pode ser

cindida em três momentos distintos: (i) o primeiro vincula-se à vagueza (e/ou

ambiguidade) que o(s) enunciado(s) que outorgam competência (suporte físico), a

um, e somente um, agente, possui(em) e pode(m) motivar a interpretação

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conflituosa; (ii) o segundo diz respeito exatamente à interpretação (processo de

enunciação) conflituosa atinente ao destinatário imediato da norma de

competência (visão competencial do direito); e, (iii) o terceiro, relaciona-se à

positivação (produto) desta interpretação, qual seja, normas jurídicas inseridas no

sistema incompatíveis (antinomia).

Uma coisa, portanto, é o suporte físico (texto constitucional) motivador da

interpretação conflitante e, por conseguinte, da antinomia gerada.

Outra coisa é a antinomia entre normas (produto daquela interpretação

conflituosa), que na lição de Maria Helena Diniz152, valendo-se de ensinamentos

de Tércio Sampaio Ferraz Jr., é assim definida:

a antinomia jurídica é “a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado”.

Não há dúvida que a positivação decorrente desta interpretação

conflituosa, por dois ou mais agentes que acreditam ser os destinatários da

norma que lhes outorga competência, implica em antinomia (conflito normativo

oriundo de um processo comunicacional com ruídos), já que em razão disso, ter-

se-á dois ou mais enunciados prescritivos antagônicos inseridos no sistema153.

Para esse tipo de conflito (entre enunciados prescritivos), a doutrina já

definiu alguns critérios de solução. Nesse sentido, Lourival Vilanova154 ensina:

o que a experiência manifesta é a existência de contradições entre as proposições normativas. Contradições entre normas de um mesmo nível, entre leis constitucionais, entre leis ordinárias, entre regulamentos e entre

152 DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 4ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2001, p. 19. 153 “Diz-se que no discurso legislativo há uma ‘antinomia’ quando a uma mesma hipótese são ligadas duas (ou mais) consequências jurídicas incompatíveis entre si.” (GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas [tradução Edson Bini]. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 227). 154 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 156.

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outros atos normativos. Contradições só elimináveis pelo princípio extralógico da norma de nível mais elevado sobre a norma de nível inferior, ou pelo critério, também extralógico, da sucessão temporal (norma de mesmo nível revoga norma anteriormente ditada); da norma geral que admite a contraposição contraditória de uma norma especial, estatuindo para todos os casos compreendidos num conjunto, menos para alguns que se excetuam, mas que pertencem ao conjunto.

Outra coisa, ainda, é o conflito interpretativo (intercalar ao suporte físico,

vago ou ambíguo, e à antinomia) que, uma vez concretizado, gera as normas

incompatíveis no sistema (processo lá, produto cá).

Em brilhante explanação, demonstrando a existência de conflito entre

normas (antinomia) e conflito fruto do procedimento decisório correspondente,

Tercio Sampaio Ferraz Jr.155 assevera:

Em situações sociais pouco complexas, a estrutura é simples, mas o aumento de complexidade traz para o conflito jurídico uma segunda característica: a possibilidade de conflito sobre a própria estrutura, o que significa a possibilidade de escalada conflitual - não só pagar ou não pagar conforme à lei, mas questionar se pagar está ou não conforme à lei, se a lei está ou não conforme aos procedimentos legislativos, se os procedimentos legislativos são ou não constitucionais, se a Constituição é ou não legítima. Nesse quadro, o conflito jurídico exige institucionalização fortalecida ou dupla institucionalização. Ele não é apenas conflito institucionalizado - conforme as normas -, mas também o procedimento decisório correspondente envolve um conflito também institucionalizado: conflito sobre o procedimento de decisão do conflito.

Essa distinção entre (i) suporte físico (uma ou mais normas de

competência) cuja vagueza e/ou ambiguidade fomentam o conflito; (ii)

interpretação conflituosa daquele suporte físico que motiva a enunciação da

mensagem jurídica incompatível com outra (visão competencial do direito); e (iii) a

antinomia fruto desta interpretação destoante (normas incompatíveis inseridas no

sistema) é de extrema relevância ao presente estudo. Vejamos:

Como asseverado linhas acima, o conflito de competência gera antinomia,

já que serão positivados dois ou mais enunciados que se opõem. Todavia, essa é

uma antinomia diferente das demais, pois não é a positivação destes enunciados 155 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6ª Ed., São Paulo : Atlas, 2011, p. 288/289.

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em conflito que motiva a invalidade de um deles, para que o outro subsista no

sistema e possa ser aplicado.

A invalidação daquele enunciado deveria ocorrer independentemente da

existência de outro que a ele se choca. Por isso, no conflito de competência não

haverá uma antinomia em sentido estrito, onde se pressupõe a existência de

normas válidas no sistema em confronto, ou seja, se apenas uma delas existisse,

não haveria questionamento a respeito da sua validade.

Tanto é verdade que os clássicos critérios de solução de antinomia

consagrados na doutrina não trazem resultado quando do conflito de

competência, ou seja, é irrelevante falar em sucessão temporal (não haverá

prevalência do enunciado posterior em detrimento ao anterior, se restar entendido

que o agente competente é o que positivou a mensagem jurídica mais antiga); ou

em hierarquia (não há hierarquia entre normas quando apenas um dos

enunciadores é competente, ou seja, a invalidação decorre da incompetência de

um deles, não de maior grau hierárquico de um perante outro); ou, ainda, em

regra especial em detrimento de regra geral (ambas figuram no mesmo patamar

de especificidade).

O critério da hierarquia até que se aproxima da solução do conflito de

competência, e traz a falsa conclusão de que se estaria diante de uma antinomia

em sentido estrito. Isso porque, ao resolver uma antinomia por esse critério, qual

seja, lei superior derrogando lei inferior, ter-se-á a invalidação desta (inferior)156.

Ocorre que tal invalidação, como já dito alhures, independe da existência

de antinomia, ou seja, se não houvesse o conflito normativo (enunciados

positivados por agentes diversos), ainda assim a mensagem jurídica positivada

156 “...pode-se resolver uma antinomia eliminando uma das normas em conflito: segundo os casos, a cronologicamente sucessiva (lex posterior derogat legi priori), ou a hierarquicamente inferior (lex superior derogat legi inferiori). Num caso, se ‘elimina’ uma norma do ordenamento considerando-a ab-rogada; no outro caso, se a ‘elimina’ considerando-a inválida.” (GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas [tradução Edson Bini]. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 234).

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por agente incompetente deveria ser invalidada e, portanto, irrelevante o critério

de solução de antinomia em questão.

Até porque, insista-se, não há hierarquia nesse estágio do ciclo de

positivação157, pois no conflito de competência em cotejo houve a outorga de

poder (limitado) a apenas um sujeito, ou seja, não prevalecerá o enunciado de

maior grau hierárquico, mas sim o enunciado proferido por aquele que tiver

confirmada sua competência, em detrimento aos demais.

Logo, o conflito produzido (antinomia) é etapa seguinte ao vício que o gera,

qual seja, positivação de enunciado por agente incompetente. Este pode existir

independente daquele, mas a recíproca não é verdadeira, isto é, o conflito

normativo (produto de um processo comunicacional com ruído) pressupõe a

inserção de enunciado prescritivo no sistema por agente incompetente, mas tal

enunciação, por si só, não gera antinomia (conflito normativo).

É por essa razão que não podemos falar, aqui, de antinomia em sentido

estrito, onde é a incompatibilidade entre os enunciados que motiva a invalidação

ou não aplicação de um em detrimento ao outro. No conflito de competência a

invalidação do enunciado advém da incompetência do seu enunciador e, por isso,

não é consequência da antinomia gerada (que, inclusive, pode sequer existir).

Sendo assim, em que pese a consequência gerada pelo conflito de

competência (isto é, enunciados inseridos no sistema em oposição - antinomia

em sentido lato), o problema deve ser resolvido em momento anterior, qual seja,

enunciação (análise do veículo introdutor158 que a ela se reporta), no intuito de

verificar qual destas mensagens jurídicas foi positivada por agente competente, e

157 “...não há, em princípio, supremacia da União sobre os Estados-membros e Municípios, em face dos rígidos critérios constitucionais de repartição de competências. As pessoas político-constitucionais são todas isônomas, porque são todas entidades, criaturas da Constituição. As relações entre as pessoas constitucionais são relações de coordenação e não de subordinação; de justaposição e não de superposição”. (BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo : RT - EDUC, 1997, p. 12). 158 O veículo introdutor (norma geral e concreta) já foi explicitado no item 1.3.1.2.

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quais não foram (chancelando a validade daquela e declarando a invalidade

destas).

3.4. Previsibilidade sistêmica do conflito (medidas preventivas)

A interpretação conflituosa, construída em face das normas que outorgam

competência, que geram antinomias159 (mais de um sujeito julgando-se o

destinatário de tal norma de competência, para posterior inserção de novos

enunciados prescritivos antagônicos no sistema jurídico de direito positivo), em

muitos casos, pode ser evitada.

Isso porque, nos parece ser plenamente válido a inserção de novas

mensagens no sistema, não no intuito de findar o ruído comunicacional que

provoca o conflito interpretativo, mas sim com a pretensão de minimizar a

possibilidade de tal interpretação conflitante se repetir (reduzindo a vagueza dos

enunciados que outorgam competência) ou, em se repetindo, que tal enunciado

prescritivo seja um dos fundamentos da resolução do conflito.

Revisitando os esclarecimentos apontados no item 3.2., o sistema jurídico

positivo pode prever a adoção de medidas preventivas ao conflito interpretativo

(legissignos), no intuito de, com a inserção de novas mensagens jurídicas no

sistema, evitar antinomias (sinsignos) e, por conseguinte, insegurança jurídica.

Ora, se um provável conflito interpretativo, antes de efetivamente

consumado (ou melhor, antes de consumado por certo agente, em confronto com

outros), pode ser aclarado por norma geral e abstrata, indicando, direta ou

indiretamente, quem deve enquadrar-se na qualidade de competente para

continuação do ciclo de positivação atinente àquela matéria, naquele espaço e/ou

naquele tempo, não há dúvida que, tal “certeza”, trará segurança jurídica.

159 O termo antinomia, de agora em diante, quando ligado ao conflito de competência, deve ser entendido como em sentido amplo, em detrimento à antinomia em sentido estrito, conforme classificação apresentada no item anterior.

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Quanto maior o grau de positivação, maior o nível de certeza e, por

conseguinte, de segurança jurídica. Nesse sentido, versando sobre igualdade e

certeza como variáveis da função segurança, Tércio Sampaio Ferraz Jr.160

ensina: a segurança é função de duas variáveis, a certeza e a igualdade, que são valores distintos, podendo ser complementares ou não. Ou seja, do fato de que uma norma se dirija a todos igualmente não decorre que seu conteúdo seja certo e vice-versa. (...) Para a primeira, se o Estado não estabelece, de modo uniforme, os conteúdos, o cidadão não terá certeza e, pois, estará inseguro. Para a segunda, se o cidadão não for tratado com isonomia pela autoridade competente, cujo limite de ação esteja claramente discriminado, estar-se-á gerando insegurança social. (...) às normas gerais (leis complementares) caberá a resolução prévia de conflitos de competência, resultando do sistema assim instaurado a segurança que há de ser o produto da competência sistematicamente discriminada.

Comandos gerais, portanto, podem versar previamente sobre possíveis

conflitos interpretativos atinentes ao exercício da competência. Tal resolução

prévia traz, repise-se, segurança jurídica, pois com ela não só o intérprete

autêntico como, principalmente, o não autêntico (cidadão, por exemplo) tem

ciência (maior grau de certeza) das consequências de seus atos, o que fazer,

como fazer e, mesmo havendo antinomia, que dispositivo seguir.

Em suma, é possível (e totalmente recomendável) a inserção de enunciado

prescritivo intercalar, ao que outorga a competência (texto constitucional) e ao

que institui o tributo, aclarando aquele e evitando excessos neste, ou

possibilitando a resolução de tais excessos (conflitos) com chances maiores de

uniformização.

3.5. Dispor sobre conflito de competência versus Dirimir conflito de

competência

No item anterior, tratamos da possibilidade de inserção de novas

mensagens no sistema (de cunho geral e abstrato), no intuito de dispor sobre 160 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Segurança Jurídica e Normas Gerais Tributárias. Revista de Direito Tributário n.º 17-18, São Paulo : RT, 1981, p. 51, 52 e 54.

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conflito de competência e, com isso, minimizar as chances de antinomia

(positivação, de mais de uma mensagem, fruto deste conflito interpretativo,

oriundo de discriminação vaga e/ou ambígua dos campos competenciais).

Tal enunciado prescritivo, via de regra, terá como sujeito enunciador o

Poder Legislativo e, portanto, não tem o condão de “findar” (resolver) o conflito já

existente, ou possível conflito a se instaurar, mesmo após a positivação desta

mensagem jurídica que tinha a pretensão de evitá-lo.

A norma geral em questão (conteúdo construído a partir do enunciado que

visa reduzir a vagueza do texto constitucional), insista-se, almeja minimizar

conflitos interpretativos (trazer “certeza” e, por conseguinte, maior segurança, aos

utentes do direito). Findá-los é papel exclusivo do Poder Judiciário, já que o

sistema jurídico é o único que tem a característica de impor limites ao conflito161,

mas nunca encerrá-lo do ponto de vista linguístico, ou seja, como ruído

comunicacional (já que ele sempre pode ser revisitado, inclusive pelo Judiciário,

mesmo quando houver pronunciamento de sua Corte de maior grau hierárquico).

Assim, normas de competência construídas em face do texto constitucional

que, por exemplo, outorgam poderes à instituição de tributos, podem ser

fundamento de validade imediato da respectiva norma que, de fato, institui um

específico tributo (regra-matriz de incidência tributária).

Todavia, tais normas de competência de cunho constitucional podem ser

construídas conflituosamente por entes competentes diversos já que, em face de

específico fato social, cada um deles acreditar ser o competente para onerá-lo

quando, apenas um, tem esse poder.

161 “Ao contrário de outros conflitos sociais, como os religiosos, os políticos, os econômicos, os conflitos jurídicos são tratados dentro de uma situação em que eles encontram limites, não podendo ser mais retomados ou levados adiante indefinidamente (ver, por exemplo, a noção de coisa julgada).” (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6ª Ed., São Paulo : Atlas, 2011, p. 289).

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Se considerarmos válida a inserção no sistema, de outro enunciado de

competência (infraconstitucional) aclarando essa específica situação, no intuito de

minimizar tal conflito, a norma de conduta que instituir o tributo terá, agora, seu

fundamento de validade imediato na norma construída em decorrência deste

dispositivo infraconstitucional (e, mediatamente, na norma de competência

constitucional).

Entretanto, seja na primeira situação (fundamento de validade imediato:

norma de competência constitucional), seja na segunda (fundamento de validade

imediato: norma de competência infraconstitucional), sempre haverá a

possibilidade de conflito interpretativo que, efetivamente, somente será dirimido

pelo Poder Judiciário.

Essa ressalva é de extrema relevância, pois se o fundamento de validade

imediato da norma de conduta é uma norma de competência infraconstitucional,

não há que se falar em inconstitucionalidade de tal regra-matriz, mas sim de

ilegalidade e, portanto, incabível questionar a instituição de tal tributo junto à

Corte Constitucional. Nesse sentido esclarece Robson Maia Lins162:

Se ela – Constituição – exigir algum ato normativo, no caso, lei complementar, para que a lei ordinária possa prescrever as condutas de forma específica, então a lei ordinária não é autônoma em relação à lei complementar. Há, nesse caso, posição hierárquica superior da lei complementar em relação à lei ordinária. Se esta disciplinar de forma diferente a matéria tratada pela lei complementar, haverá ilegalidade direta. Inconstitucionalidade poderá existir, mas apenas indiretamente.

Assim, quem põe fim ao conflito de competência (em específica análise do

emissor da mensagem conflituosa - se competente ou não) é o Poder Judiciário.

Dispor sobre conflito possível (ou já verificado em outros casos concretos) visa

evitar tal ruído comunicacional na mensagem jurídica geradora de antinomia, mas

caso não se alcance esse fim, ter-se-á maiores subsídios à resolução do conflito

de forma não destoante entre os vários órgãos e instâncias do Poder Judiciário

162 LINS, Robson Maia. O Supremo Tribunal Federal e norma jurídica: aproximações com o constructivismo lógico-semântico. In: HARET, Florence e CARNEIRO, Jerson [Orgs.]. Vilém Flusser e Juristas. São Paulo : Noeses, 2009, p. 393.

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(chances maiores de uniformização dos enunciados prescritivos positivados por

este Poder).

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4. CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

4.1. Delimitação do problema

A existência ou não de conflito de competência em matéria tributária, como

versado anteriormente, parte da premissa de ser, ou não, exaustiva a

discriminação de competência para instituição de tributos disposta na

Constituição Federal.

Geraldo Ataliba, que defende tal exaustividade, afirma categoricamente163:

Se o sistema é esse: rígido e exaustivo não há possibilidade de conflito de competência. Então, vejam que a primeira proposta do art. 146, é norma geral para dispor sobre conflitos de competência. Mas não é possível conflitos de competência! É lógico que é possível a violação da Constituição; isto existe todos os dias. É óbvio que é possível desacatar a Constituição! Está cheio de decreto-lei especialmente desacatando a Constituição, mas isso é outra coisa: resolve-se pela declaração de inconstitucionalidade. O Judiciário não aplica a lei inconstitucional e está resolvido o problema; não precisa de norma alguma. Já está na Constituição.

É bem verdade, como disposto anteriormente (vide item 3.3.), que antes de

haver uma antinomia fruto de um conflito de competência, há uma norma inserida

no sistema por agente incompetente que, inclusive, independe de tal antinomia

para ser invalidada.

Todavia, isso não infirma a existência do conflito. Insista-se, ele não

decorre obrigatoriamente da positivação por enunciador incompetente, mas

havendo mais de um agente brigando pela validade do enunciado que positivou

(defendendo ser o destinatário de tal norma de competência), então teremos o

conflito.

A discriminação de competência para instituição de tributos, além das

regras de cunho negativo (imunidades) e dos demais princípios inerentes à

matéria, deu-se fortemente através da eleição de signos presuntivos de riqueza 163 ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar em Matéria Tributária. Revista de Direito Tributário n.º 48, São Paulo : RT, 1989, p. 90.

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(atinentes à materialidade da exação) que, com a dinâmica social, acabam por

possuir zonas obscuras no limite demarcatório de seu alcance, onde não se tem

certeza se determinado fato social enquadra-se lá ou cá.

Nesse sentido, perfeita a conclusão de Alberto Macedo164:

A definição exaustiva das competências tributárias no altiplano constitucional, particularmente nos impostos sobre o consumo, é um mito. Isso porque a Constituição de 1988, na outorga das competências tributárias, trabalha com conceitos, que, como veremos a seguir, apresentam certas regiões de penumbra nos limites de suas fronteiras.

Ora, se há tais zonas de penumbra, é evidente que pode haver conflito

interpretativo atinente a tal repartição competencial e, por conseguinte, serem

inseridos no sistema enunciados prescritivos em literal confronto (antinomia), tudo

em razão daquela vagueza (ou ambiguidade) percebida no altiplano

constitucional.

Importante esclarecer que quando se fala em zona de penumbra, ou de

obscuridade, não estamos defendendo, por consequência, a existência de uma

zona cristalina, com sentido pré-concebido (pré-existente), ou seja, que

independeria de interpretação (decodificação) posterior pelo destinatário da

mensagem.

O que se quer enfatizar é que em determinado contexto histórico-cultural, a

mensagem proferida, inclusive a jurídica, terá maior ou menor amplitude de

significações e, por essa razão, pode ter mais ou menos zonas de penumbra,

tudo a depender da construção de sentido feita pelo intérprete, afetada pela

pragmática do momento.

Exemplificando, quando o constituinte, em 1988, imunizou os “livros,

jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”165, não tinha como

164 MACEDO, Alberto. ISS e IPI: A lei complementar e o redesenho das fronteiras competenciais. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Sistema Tributário Brasileiro e a Crise Atual. São Paulo : Noeses, 2009, p. 2.

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regrar, por inexistência de tal fenômeno social, o livro eletrônico e, principalmente,

os materiais necessários à sua existência (note que os materiais necessários à

existência do livro físico foram, explicitamente, inseridos na regra imunizante).

Por isso, estamos diante de um contexto histórico-cultural diverso do

existente em 1988, que pode ou não motivar maiores dúvidas (zonas de

penumbra) quando da interpretação do alcance daquela mensagem jurídica

(imunidade)166.

O que nos parece evidente é que, em determinadas situações (exceção,

portanto), há sim conflito competencial para instituição de tributos (conflito,

portanto, no exercício da competência), já que a vagueza (e, em alguns casos

ambiguidade) dos signos presuntivos de riqueza empregados no texto

constitucional gera essa incerteza que, por conseguinte, possibilita construções

de normas de conduta em conflito de interesses competenciais privativos167.

Destaca-se, então, que o conflito de competência em matéria tributária, em

que pese aflorar com a positivação da regra de conduta, que contrapõe-se a outra

de mesmo nível hierárquico, só que produzida por ente diverso (ambos

acreditando ser o destinatário daquela competência para instituição da exação),

não se limita a esse momento do fenômeno comunicacional do direito.

165 Constituição Federal de 1988: “Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: (...) d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.” 166 “O ponto, muito simplesmente, é o seguinte: quem decide se um caso cai na ‘zona de luz’ ou na ‘zona de penumbra’? Quem traça a fronteira entre as duas áreas? (...) Em síntese, são fruto de decisões interpretativas as próprias fronteiras incertas entre ‘luz’ e ‘penumbra’; em outras palavras, a própria penumbra é o resultado da discricionariedade dos intérpretes.” (GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas [tradução Edson Bini]. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 148/149). 167 “Não se pode negar, todavia, que essa forma de positivar a repartição de competências e, com ela, os princípios vetores da tributação, ensejou a formação de um sistema complexo, analítico e, ainda assim, incapaz de evitar, como veremos adiante, os conflitos de competência.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 207).

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A vagueza (e, repise-se, ambiguidade presente em alguns casos) dos

termos empregados (signos presuntivos de riqueza) é fator crucial ao conflito

interpretativo e, por conseguinte, construção de enunciados prescritivos em

antinomia. O ruído motivador do conflito positivado pode estar em quaisquer dos

elementos do processo comunicacional (código, emissor, mensagem, receptor,

contato e contexto).

Diante disso, parece inquestionável que o problema do conflito de

competência é uma questão de cunho comunicacional (ruído na mensagem

jurídica que prescreve tal comando) e, assim, não vemos como limitar o seu

estudo aos enunciados positivados em confronto. Insista-se, tal positivação é fator

necessário a existência do conflito, mas as causas de sua ocorrência exigem a

verificação (“reconstrução”) de todo o processo comunicacional que precedeu a

inserção de enunciados antagônicos no sistema.

É fato que existem zonas de penumbra entre as classes competenciais

(para instituição de tributos) delimitadas pela Constituição (fruto da vagueza e,

muitas vezes, ambiguidade da forma empregada para tal demarcação pelo

legislador constituinte) e, assim, se as construções enunciativas conflitantes com

as prescrições do sistema (competência privativa sendo exercida por entes

diversos) partem deste suporte físico, quer nos parecer de suma importância a

verificação do conflito também por esse ângulo (mas sem deixar de fora as

demais mensagens jurídicas componentes deste fenômeno comunicacional

inerente à competência).

4.2. A questão vista sob o enfoque comunicacional do direito

Por tudo o que já foi exposto e, principalmente, pela insistente utilização do

termo até aqui, não há dúvida quanto a adoção, no presente estudo, da

expressão “conflito de competência” como sendo a forma correta de definição do

problema em exame.

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Isso se deve, primeiramente, por ser essa nomenclatura fortemente

utilizada pela doutrina e jurisprudência pátrias e, assim, não nos pareceu

conveniente criar nova denominação, mas sim explicitar as razões de sua

utilização e, especialmente, o que se quer dizer quando empregado tal termo168.

Mas a questão central da manutenção desta expressão “conflito de

competência” é que ela está inserida no corte metodológico feito, de ver o direito

como um fenômeno de comunicação, onde não basta a análise das regras de

competência existentes no altiplano constitucional, ou dos enunciados prescritivos

em confronto (antinomia na instituição ou aplicação/incidência da regra matriz), é

preciso um estudo de todo esse ciclo de comunicação atinente a outorga de

competência.

Logo, tanto os comandos normativos de outorga de competência quanto os

relativos ao exercício da mesma (regras de instituição do tributo e de aplicação da

exação instituída) precisam ser analisados como um único fenômeno, para só

então, ser possível: (i) identificar o conflito; (ii) apontar suas causas (ruídos

comunicacionais); (iii) estabelecer as soluções (qual mensagem deve prevalecer

em detrimento às demais que a ela se contrapõem) e até mesmo (iv) definir, em

sendo possível, como normatizar a questão visando minimizar as chances de

novos conflitos.

Isso porque, em que pese a consequência gerada pelo conflito de

competência (enunciados inseridos no sistema em oposição - antinomia em

sentido lato), o problema somente será resolvido via processo de derivação, no

intuito de verificar qual destas mensagens jurídicas foi positivada por agente

competente, e quais não foram (chancelando a validade daquela e declarando a

invalidade destas) e, para tanto, necessário percorrer todo o ciclo de positivação

que antecedeu a antinomia.

168 “...continuo a seguir o conselho de meu falecido mestre A. M. Pechkovsky: ‘Não nos atormentemos com a terminologia’, dizia ele; ‘se você tem um fraco pelos neologismos, empregue-os. Você pode até chamar isso de ‘Ivan Ivanovich’, desde que todos saibamos o que você quer dizer.” (JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação [tradução Izidoro Blikstein e José Paulo Paes]. 22ª Ed. São Paulo : Cultrix, 2010, p. 23).

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108

Assim, nesse contexto, a expressão “conflito de competência” é bem vinda,

pois enaltece a situação intercalar aos enunciados (que outorgam a competência

e que dela decorrem), ou seja, a ação de enunciar (ato de fala)169.

Nesse fenômeno comunicacional jungido à competência em matéria

tributária, portanto, o conflito interpretativo causado por ruídos nas mensagens de

outorga, e que motiva a positivação de enunciados antagônicos, justifica a

expressão “conflito de competência” (visão competencial do direito).

Em suma, o conflito de competência em matéria tributária, para ser

estudado pela perspectiva comunicacional do direito exige análise: dos emissores

das mensagens antagônicas inseridas no sistema jurídico positivo; das normas

jurídicas anteriores que suspostamente os qualificaram como competentes e

determinaram os procedimentos que deviam adotar; do contexto comunicacional

em que estavam inseridos; e, principalmente, dos ruídos existentes em tal

comunicação, motivadores das interpretações destoantes que implicaram na

antinomia supracitada.

Insista-se, ao analisarmos um conflito de competência em matéria tributária

devemos observar os veículos introdutores das normas em confronto,

reconstruindo as suas respectivas enunciações (via processo de derivação) e,

assim, indicando qual deve prevalecer e qual deve ser invalidada.

Vejamos o esquema abaixo (simplista, já que abstrai, metodologicamente,

os demais enunciados prescritivos existentes no sistema que, obviamente,

influem na construção de qualquer sentido - norma jurídica), do ciclo de

positivação atinente à instituição do tributo e posterior aplicação deste comando,

que exige no mínimo três enunciados prescritivos, para posteriormente

169 “Al fin y al cabo, los actos no son sino una forma más del lenguaje. La acción humana es la forma genuina de comunicación. También es certo que el linguaje sólo tiene lugar mediante actos, que son los actos de habla.” (ROBLES, Gregório. Teoria Del Derecho: Fundamentos de teoría comunicacional del Derecho. 2ª Ed. Madri : Civitas, 2006, p. 268).

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explicitarmos a “visão competencial do direito” (processo de derivação)

necessário ao estudo do conflito de competência:

Etapa 1

Sujeito A (emissor)

Legislador Constitucional → mensagem jurídica

(outorga de competência) → Sujeito B (receptor)

Legislador Infraconstitucional

Etapa 2

Sujeito B (emissor)

Legislador Infraconstitucional → mensagem jurídica

(instituição do tributo) → Sujeito C (receptor)

Agente fiscal / contribuinte

Etapa 3

Sujeito C (emissor)

Agente fiscal / contribuinte → mensagem jurídica

(aplicação da regra anterior) → Receptores

Ente arrecadador / contribuinte

O processo comunicacional acima descrito demonstra como uma norma de

maior abstração (fruto de sentido atribuído ao texto constitucional) alcança o

objeto central do direito que é a regulação de condutas intersubjetivas,

devidamente concretizadas e individualizadas. No caso, é preciso no mínimo três

etapas de positivação para, só então, ser possível a construção de norma jurídica

individual e concreta (interpretação da mensagem positivada na etapa 3).

Havendo um ruído comunicacional na Etapa 1, poderá haver a inserção de

enunciados antagônicos nas duas próximas Etapas (2 e 3), ou somente na

Etapa 3.

Isto é, se houver na instituição do tributo (Etapa 2) dois ou mais sujeitos

definindo os critérios do antecedente normativo de forma similar (trazendo conflito

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quer no critério material; quer no espacial; quer, ainda, no temporal), tais regras

de conduta (que possibilitam a construção de normas gerais e abstratas) trarão

antinomia por serem incompatíveis e, quando da sua aplicação/incidência (Etapa

3), por óbvio se manterá tal confronto normativo, já que nessa etapa de

positivação, haverá o relato de um evento que deve subsumir-se aos critérios que

compõem o antecedente da regra-matriz do tributo e, assim, um mesmo fato

social será juridicizado por agentes diversos (como já evidencia a norma geral e

abstrata - Etapa 2), ora gerando uma relação tributária ora gerando outra, com o

mesmo sujeito passivo mas com sujeitos ativos diversos.

Na hipótese acima, portanto, sempre que houver aplicação destas normas

gerais e abstratas em conflito, também haverá confronto nas normas individuais e

concretas fruto daquela incidência. Isso é de fácil entendimento já que, como

demonstrado no item 2.4.2., o fato jurídico relatado na norma individual e concreta

deve pertencer à classe dos elementos que se subsomem ao antecedente da

norma geral e abstrata e, assim, se tal conjunto conflita com outro (outra norma

geral e abstrata), o confronto entre elementos destas classes também é

esperado.

Mas essa situação (conflito nas Etapas 2 e 3) não é a de maior ocorrência

prática. O que se observa com frequência é a inserção de enunciados prescritivos

em confronto tão somente na Etapa 3, ou seja, a vagueza existente no texto

constitucional permanece na instituição do tributo (Etapa 2) e, assim, será na

aplicação/incidência da regra-matriz (Etapa 3) que ocorrerá a produção da

antinomia.

Isso acontece, pois a norma de competência construída a partir dos

enunciados existentes na Constituição delimita a atuação do legislador

infraconstitucional utilizando termos de acepção ampla, atinentes, via de regra, à

materialidade que se pretende onerar, por exemplo, compete ao Ente X instituir

imposto sobre o signo presuntivo de riqueza q, e ao Ente Y instituir imposto sobre

o signo presuntivo de riqueza p.

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Em sequência, partindo de tais outorgas de competência, estes respectivos

entes tributantes ao instituírem tais tributos devem ir além, positivando

informações necessárias à construção de norma de conduta (regra-matriz de tais

exações), onde será possível identificar os critérios material, espacial, temporal

(no antecedente), pessoal e quantitativo (no consequente). Mesmo assim, a

inexistência de antinomia (em sentido lato) é corriqueira aqui, já que não há

choque entre os critérios da hipótese de tais normas gerais e abstratas, pois

visam regular fatos distintos (q lá, p cá).

É na aplicação destas normas gerais e abstratas que normalmente há a

positivação de enunciados antagônicos, pois a vagueza nas mensagens jurídicas

que lhe antecedem (Etapas 1 e 2) permite isso.

Para facilitar a visualização deste fenômeno, vamos a sua abstração lógica:

Etapa 2:

(i) Norma geral e abstrata (Ente X): “D (q → a)”; e

(ii) Norma geral e abstrata (Ente Y): “D(p → b)”.

Etapa 3:

(iii) Partindo da premissa (r Є q), norma individual e concreta (Ente X): “D (r → a)”; e

(iv) Partindo da premissa (r Є p), norma individual e concreta (Ente Y): “D (r → b)”.

Desformalizando, (i) o Ente X positivou enunciado onde apresentou os

requisitos necessários para que se ocorrida determinada situação (q), houvesse o

nascimento de uma obrigação tributária (a), ou seja, “ante o fato q deve ser a

consequência jurídica a”; (ii) no mesmo norte, o Ente Y positivou enunciado onde

externou os requisitos necessários para que se ocorrida determinada situação (p),

houvesse o nascimento de outra obrigação tributária (b), isto é, “ante o fato p

deve ser a consequência jurídica b”; (iii) ocorre que o fato social r, ante a extrema

vagueza dos termos q e p pode ser interpretado como pertencente a quaisquer

destas classes (“r Є q” ou “r Є p”) e, por isso, (iv) a criação de enunciados

antagônicos se faz presente, pois o agente fiscal ligado à pessoa política X pode

enunciar a seguinte mensagem jurídica: “ante o fato r, já ocorrido em determinado

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espaço e tempo, deve ser a obrigação tributária a”. Da mesma forma que o

agente fiscal jungido à pessoa jurídica Y poderá inserir enunciado prescritivo no

sistema com a seguinte sintaxe: “ante o mesmo fato r, ocorrido no mesmo espaço

e tempo, deve ser a obrigação tributária b”.

Ora, se não estamos diante de competência que pode ser exercida de

maneira cumulada, evidenciado está o conflito quando o mesmo fato jurídico gera

obrigações tributárias diversas.

Importante esclarecer, nesse momento, que mesmo nessa situação

(antinomia formada tão somente na Etapa 3, onde o enunciador não integra o

Poder Legislativo) ainda é possível falar em conflito de competência em matéria

tributária, nos moldes da definição deste termo “competência”, adotada

anteriormente (item 2.4. - poder, constitucionalmente limitado, que o Legislativo

possui de instituir e dispor sobre tributos), pois a análise está em todo o processo

comunicacional, mormente nos enunciados anteriores (Etapas 1 e 2 - onde os

enunciadores integram o Poder Legislativo) que possibilitaram tal inserção de

normas antagônicas.

Isso porque, para invalidar um destes enunciados (situação necessária em

decorrência do conflito de competência), o intérprete autêntico deverá verificar a

harmonia existente entre os enunciados positivados na Etapa 3 com os que lhe

“deram” validade (Etapas 1 e 2), ou seja, é a análise dos enunciados positivados

pelo Legislativo que fundamentará a invalidação de um dos enunciados

positivados pelo Executivo ou pelo particular (Etapa 3).

Insista-se, estudar o direito sob o ângulo competencial é exclusivo

exercício de derivação, já que todos os atributos da competência (“como” deve

ser a mensagem; “por quem” pode ser expedida; “o que” pode ser regulado; e

“para quem” destina-se a mensagem) estão explícita ou implicitamente contidos

na norma jurídica que “outorga” validade. Por isso mantivemos a expressão

“conflito de competência em matéria tributária” (por enaltecer o conflito

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interpretativo jungido ao exercício da competência, reconstruído, ainda que

parcialmente, pelo processo de derivação).

A derivação, portanto, é percurso necessário ao interprete autêntico para

reconstrução das enunciações destas mensagens jurídicas, permitindo a

identificação do ruído e solução do conflito, mantendo a validade daquele

enunciado inserido por agente competente, e ceifando a dos demais, com o

reconhecimento da incompetência dos agentes que as positivaram.

4.3. Conflito vertical e conflito horizontal

O conflito de competência pode ser classificado como vertical ou

horizontal, dependendo dos entes tributantes envolvidos. Chama-se conflito

horizontal quando o confronto apresenta-se entre pessoas políticas da mesma

faixa divisória, e vertical quando de faixas divisórias diversas. Expliquemos

melhor:

O legislador constituinte outorgou competência para instituição de tributos

à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essa afirmação poderia levar a

falsa conclusão de que teríamos, então, quatro faixas distintas de outorgas de

competência.

Isso é falso, pois a outorga de competência ao Distrito Federal para

instituição de tributos, concedida pela Constituição de 1988, não trouxe nova faixa

de tributação, pelo contrário, no intuito de dar autonomia político-financeira ao

Distrito Federal (ampliando sua condição de mera sede administrativa da União),

possibilitou que este ente pertencesse tanto a classe dos Estados quanto à classe

dos Municípios, tributando os mesmos fatos sociais que aqueles podem onerar.

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Nesse sentido é a lição de Roque Antonio Carrazza170, que indica os

enunciados prescritivos dispostos na Constituição que levam a construção dessa

significação:

Realmente, em matéria tributária, a Câmara Legislativa do Distrito Federal tem competência para criar, in abstracto, os tributos estaduais e municipais, em face do que preceituam o § 1º do art. 32, o art. 147, in fine, e o art. 155 e incisos e parágrafos, todos da Lei das Leis.

O Distrito Federal, portanto, é elemento que pertence a duas classes

competenciais, quais sejam, Estados e Municípios e, assim, podemos afirmar a

existência de apenas três faixas de competências, sendo certo que duas delas

compõem o Distrito Federal.

Há, então, três classes distintas e, com isso, sempre que o conflito de

competência ocorrer entre pessoas políticas pertencentes a tais classes diversas,

estar-se-á diante de um conflito vertical. Insista-se, quando houver conflito entre

as faixas União e Estado, União e Município, ou Estado e Município, presentes

estarão os critérios classificatórios do conflito vertical171.

Em contrapartida, sempre que o conflito ocorrer entre pessoas políticas da

mesma faixa competencial (Estado versus Estado; Município versus Município),

dá-se o chamado conflito horizontal. Sua ocorrência é reconhecida por Luis

Eduardo Schoueri172:

Os exemplos até agora citados de conflitos de competência se inserem na categoria dos conflitos verticais, i.e., conflito entre União, Estados e Municípios. Não se deve deixar de lado a possibilidade de o conflito dar-se horizontalmente (conflito entre Estados ou entre Municípios)...

170 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª Ed., São Paulo : Malheiros, 2004, p. 174. 171 “Mais nova ainda é a discussão sobre o que podemos denominar de guerra fiscal vertical, na qual não há disputa acerca do mesmo tributo por ente federal do mesmo status (ISS x ISS ou ICMS x ICMS), mas disputa por tributos diversos e por entes federativos de diferentes status (ICMS x ISS).” (CANADO, Vanessa Rahal. Competência Tributária dos Municípios: da ausência de Autonomia Financeira à Guerra Fiscal Horizontal e Vertical. In: COSTA, Alcides Jorge. SCHOUERI, Luís Eduardo. BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. e ZILVETI, Fernando Aurelio. (Orgs.). Direito Tributário Atual n. 24. São Paulo : IBDT e Dialética, 2010, p. 581). 172 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo : Saraiva, 2011., p. 257.

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Algumas conclusões já podem ser extraídas dessa classificação: (i) o

conflito vertical ocorre entre as classes indicadas e, como temos três delas, serão

três as possibilidades desse tipo de conflito; (ii) como a faixa de competência

Estados compõe o Distrito Federal, assim como este também é elemento da faixa

Municípios, não haverá conflito vertical, entre Estados e Municípios, quando o

enunciador for o Distrito Federal em ambos os casos (ainda que ele pertença a

ambas as classes, o conflito pressupõe enunciadores diversos); (iii) o conflito

horizontal, por sua vez, ocorre internamente, ou seja, é percebido no interior de

cada conjunto e, por isso: (iii.1) apenas teremos conflito horizontal nas duas

últimas classes, já que somente nestas há mais de um elemento (Estados;

Municípios); e, por decorrência lógica, (iii.2) não há conflito horizontal quando a

União figurar entre os entes em confronto (se presente a União no conflito, então

deve ter-se conflito vertical).

Afora a classificação acima, o conflito pode ser demarcado em face à

verificação do elemento componente do antecedente normativo que o gera.

Vejamos:

4.4. Conflito fruto de ruído no antecedente normativo

Como explicitado no item 2.4.1., enfatizando os enunciados de autorização

(que em conjuntos com as imunidades, princípios e outros comandos

constitucionais compõe as mensagem jurídicas que possibilitam a construção das

normas de competência que outorgam poderes para a instituição de tributos), o

legislador constitucional brasileiro realizou a repartição das competências para

instituição de tributos através de três mecanismos diversos, quais sejam:

indicação de certas materialidades a serem gravadas; apresentação de

determinadas finalidades que a tributação deve atingir; e um terceiro caminho,

onde há a junção dos mecanismos anteriores (indicação de signos presuntivos de

riqueza juntamente com a determinação da finalidade a que se destina a

tributação).

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Como também já asseverado alhures (mesmo item 2.4.1.), destas três

formas de demarcação do campo competencial, é a primeira (identificação, direta

ou indireta, de signos presuntivos de riqueza) a que mais nos interessa, já que

nas demais o conflito de competência é de ocorrência menos provável, pois na

outorga de competência via atribuição de finalidades à tributação, o ente político

contemplado é, via de regra, a União e, portanto, minimizada as possibilidades de

conflito por tratar-se de outorga exclusiva de competência.

Na atribuição de competência decorrente da indicação de signos

presuntivos de riqueza, sem qualquer vinculação do produto arrecadado a

determinada finalidade (que representam as espécies tributárias impostos, taxas

e contribuição de melhoria), porém, a outorga deu-se a entes tributantes diversos

(União, Estados e Municípios) e, assim, possibilitou-se a ocorrência de conflitos

tanto verticais quanto horizontais.

Interessante que dos critérios que devem compor o antecedente normativo,

apenas o material é explicitado no texto constitucional, com a extrema vagueza

própria das mensagens mais abstratas e gerais do ordenamento. Não há,

portanto, detalhamento no altiplano constitucional dos critérios espacial e

temporal.

Isso não quer dizer que eles não sejam identificáveis (demarcáveis) nas

normas jurídicas construídas dos enunciados constitucionais. Tanto o são que

podem motivar o conflito de competência nas Etapas 2 e 3, ou somente na

Etapa 3 (vide raciocínio desenvolvido no item 4.2.).

Tácio Lacerda Gama173, em que pese não explicitar o conflito pelo prisma

temporal (até porque essa é de fato uma situação de difícil ocorrência), dispõe

sobre a vinculação dos critérios material e espacial aos conflitos:

173 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 237.

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A instauração de conflito de incidência envolvendo tributos de competência privativa, por sua vez, exige mais atenção. Basicamente, esses conflitos decorrem da forma como se interpretam os critérios material e espacial das normas tributárias: i. quando o conflito é de natureza material, surgem dúvidas sobre o tipo de comportamento que desencadeia a incidência do tributo; e ii. quando o conflito é sobre o critério espacial, não se sabe ao certo onde se reputa ocorrido o fato tributário.

Verifiquemos, então, o conflito de competência em matéria tributária

oriundo de ruído comunicacional existente na definição de cada um destes

critérios: material, espacial e temporal.

4.4.1. Conflito decorrente do critério material da norma tributária

Do que já restou exposto até o presente momento, é possível constatar

que o ruído comunicacional que dificulta a demarcação do critério material da

mensagem jurídica que outorga competência (tanto para instituir o tributo quanto

para aplicar sua regra-matriz), possibilita o enquadramento de certo fato social em

mais de um conjunto competencial, ou seja, resta dúvida se tal comportamento

motiva a incidência do tributo x ou y, já que não se tem a exata definição de como

qualificar aquele comportamento (se subsumível aos predicados comuns do

conjunto x ou do conjunto y).

Insista-se, ante a vagueza extrema dos signos presuntivos de riqueza

empregados na Constituição Federal, fica indefinida, em muitas hipóteses, se

determinado comportamento social deve ser juridicizado como fato tributário de

uma ou de outra exação.

Compete-nos, então, demonstrar a ocorrência do conflito fruto deste ruído

no critério material da exação o que, desde já, evidenciará a importância de um

enunciado intercalar (à mensagem constitucional de outorga de competência e ao

comando que institui o tributo) tendente a reduzir a vagueza motivadora da

antinomia. Vejamos alguns exemplos:

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4.4.1.1. ICMS versus ISS

Local de grande ocorrência de conflito é a linha fronteiriça que separa o

critério material do Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e

Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS)

e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

Isso porque, não é incomum a existência de atividades onde a prestação

do serviço depende do emprego de determinada mercadoria (que acaba também

sendo “fornecida”); assim como a recíproca é totalmente verdadeira (entrega de

mercadoria com a realização de determinados “serviços”); e, pior, situações

extremas onde não é possível precisar, com facilidade, que tributo deve gravar tal

atividade (se o ICMS ou o ISS).

Nesse sentido, Luís Eduardo Schoueri174 afirma:

Outro exemplo, é o já clássico conflito entre o ISS, de competência municipal, e o ICMS, instituídos pelos estados. Tratando-se de dois tipos, o constituinte tinha em mente um conjunto de características para cada um dos impostos que lhe permitia divisar duas realidades econômicas que - enquanto tipos - não se confundiam. A prática do imposto revelaria, entretanto, que grande parte das operações relativas à prestação de serviços envolveria, em maior ou menor grau, uma operação relativa à circulação de mercadorias.

O conflito de competência em questão restou evidenciado em diversos

comportamentos sociais, que exigiram uma definição do Judiciário. Vejamos

alguns exemplos: atividade de manipulação de fórmulas farmacêuticas175;

174 SCHOUERI, Luis Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Sistema Tributário Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. São Paulo : Noeses, 2012, p. 695. 175 "Os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116/03 como serviços sujeitos à incidência do ISSQN. Assim, a partir da vigência dessa Lei, o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, por constituir operação mista que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não está sujeita a ICMS, mas a ISSQN" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.158.069/PE. Ministro Relator Benedito Gonçalves. Dje 03/05/2010).

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composição gráfica personalizada176; software de prateleira e software

encomendado177; industrialização por encomenda178; dentre tantas outras.

O interessante aqui é notar o critério usualmente adotado pelo Poder

Judiciário, em especial pelo Superior Tribunal de Justiça, para dirimir o conflito

vertical supracitado, curvando-se à solução indicada em lei infraconstitucional

(regra de estrutura).

Em julgado da Primeira Turma daquela Corte Superior, assim manifestou-

se o Ministro Teori Albino Zavascki179:

De tudo se colhe, em suma, o seguinte: (a) sobre operações “puras” de circulação de mercadorias e sobre os serviços previstos no inciso II, do art. 155 da CF (transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações) incide ICMS; (b) sobre as operações “puras” de prestação de serviços previstos na lista de que trata a LC 116/03 incide ISSQN; (c) e sobre operações mistas, incidirá o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incidirá ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista.

Não há dúvida, portanto, que o critério adotado, via de regra, pelo Superior

Tribunal de Justiça para solução do conflito funda-se na Lei Complementar

116/2003, que versa sobre o ISS (indica, dentre várias outras coisas, quais

176 "as operações de composição gráfica, como no caso de impressos personalizados e sob encomenda, são de natureza mista, sendo que os serviços a elas agregados estão incluídos na Lista Anexa ao Decreto-Lei 406/68 (item 77) e à LC 116/03 (item 13.05). Consequentemente, tais operações estão sujeitas à incidência de ISSQN (e não de ICMS)". Incidência da Súmula 156 do STJ.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 103.409/RS. Ministro Relator Humberto Martins. Dje 26/04/2012). 177 “...distinção, para efeitos tributários, entre um exemplar standard de programa de computador, também chamado ‘de prateleira’, e o licenciamento ou cessão do direito de uso de software. A produção em massa para comercialização e a revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Recurso Extraordinário n. 199.464/SP. Ministro Relator Ilmar Galvão. DJ 30/04/1999). 178 “As Turmas de Direito Público do STJ possuem precedentes no sentido de que a ‘industrialização por encomenda’ caracteriza prestação de serviço sujeita à incidência do ISS, e não do ICMS...” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 1.369.818/PR. Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima. Dje 11/03/2013). 179 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Recurso Especial n. 881.035/RS. Ministro Relator Teori Albino Zavascki. Dje 26/03/2008.

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serviços podem ser gravados por esse imposto) e, também, traz disposições

tendentes a minimizar a vagueza (ruído comunicacional) motivadora do conflito

vertical em exame (vide, em especial, o disposto no § 2º, de seu artigo 1º180).

Insistimos na ressalva de que esse critério é o usualmente adotado pelo

Superior Tribunal de Justiça, pois existem exceções. Em recente julgado, esta

mesma Corte Superior deixou de aplicar o critério em tela, mesmo estando o

serviço prestado explicitado na lista anexa à Lei Complementar 116/2003, ao

argumento de que o Tribunal de origem adotou o princípio da preponderância (no

caso, entendeu-se que a atividade de transporte interestadual e intermunicipal se

sobrepunha à prestação de serviços descrita no subitem 26.01), e que revisitá-lo

implicaria em reanálise fática.

Interessante é que nesse precedente, onde não há aplicação do critério

acima previsto na legislação complementar, a pretensão do recorrente era

exatamente a de sua observância, o que restou afastado, à unanimidade, pela

Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos trechos do relatório e

voto do Ministro Humberto Martins181, relator deste julgado:

Aduz o agravante que a análise do recurso especial prescinde de análise de prova já que resta apenas saber em que consistem os serviços prestados pela agravada e se eles se enquadram nas atividades previstas no subitem 26.01 da lista de serviços sujeita à incidência do ISS (...) Da análise das razões do acórdão recorrido, conclui-se que o Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas e probatórias da causa, ao negar provimento à apelação, (...) concluiu que a atividade de transporte interestadual e intermunicipal de valores se sobrepõe à prestação de serviços a ele inerentes ou dele decorrentes, dando-se assim a incidência do ICMS. (...) Infere-se, pois, que o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de origem guardou observância ao princípio da preponderância, pelo qual, naquelas

180 Lei Complementar n. 116/2003: “Art. 1º - (...) § 2º - Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadoria.” 181 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.375.282/MG. Ministro Relator Humberto Martins. Dje 28/05/2013.

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atividades tidas como mistas, a definição acerca da incidência do ICMS ou do ISS é pautada pela percepção da preponderância de um sobre o outro. (...) Logo, observado que a questão gravita em torno do princípio da preponderância, em face das provas coligidas no presente feito. Neste panorama, para dirimir a contenda, seria necessário o reexame do conjunto probatório, o que é inviável neste conduto recursal, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ.

Não há dúvida que, aqui, o critério utilizado foi outro, qual seja, de

preponderância do serviço de transporte interestadual e/ou intermunicipal em

detrimento à prestação de serviços de transporte de valores (subitem 26.01 da

lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003).

Quando se fala em preponderância, quer dizer que a situação fática se

encaixava em ambas as hipóteses (tanto de incidência do ICMS quanto do ISS) e,

assim, se utilizado fosse o critério anterior (da Lei Complementar), deveria ter

prevalecido a incidência do ISS (havendo conflito e estando o serviço listado na

Lei Complementar, incide o imposto municipal em detrimento ao estadual, que só

prevalecerá se inexistir, na situação de conflito, disposição do serviço em tal lista

anexa).

Em que pese a situação excepcional do caso analisado, onde não há

operação mista (a discussão aqui é saber qual a característica do serviço

prestado - se de transporte interestadual e/ou municipal, gravado pelo ICMS; ou

da atividade descrita no subitem 26.01, gravado pelo ISS), o fato é que o

precedente em tela deixa de aplicar a solução, para conflito de competência,

indicada no § 2º do artigo 1º da Lei Complementar n. 116/2003 (se no conflito

houver subsunção do fato tributável à serviço listado em tal Lei Complementar,

deve prevalecer a incidência do ISS) e isso, por si só, gera inquestionável

insegurança jurídica, pois o critério da preponderância é deveras subjetivo (no

caso em apreço, melhor seria afastar a subsunção do fato à hipótese do subitem

26.01, do que alegar esse princípio da preponderância para justificar a incidência

do ICMS).

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O conflito vertical de competência relacionado ao ISS e ao ICMS é um dos

principais problemas que o nosso sistema jurídico-tributário possui, basta ver a

imensidão de dúvidas e incertezas que ele propicia182.

4.4.1.2. ISS versus IPI

Situação muito similar à descrita no item anterior ocorre entre as fronteiras

do ISS e do IPI. Sobre a dificuldade na delimitação destes campos competenciais,

Cléio Chiesa183 explica:

Distinguir as situações passíveis de serem tributadas por meio do ISS das que autorizam a tributação por meio do IPI nem sempre é uma tarefa muito fácil, eis que na industrialização também há, num dado sentido, serviço. Isso acaba muitas vezes dificultando o trabalho dos operadores do Direito.

Partindo da premissa, já definida em nossos Tribunais184, de

impossibilidade de incidência concomitante destas exações sobre um mesmo fato

182 “O ISS, justamente por conter inúmeros fatos geradores, espraiados na lista anexa à LC 116/03, enseja uma série de problemas que estão longe de obter consenso nos contenciosos administrativos, na jurisprudência e na prática fiscal. Discute-se: (i) a natureza jurídica da lista, se é exemplificativa ou exaustiva; (ii) há grandes dúvidas sobre a presença de atividades na lista que não são serviços, como o item 15.03 que se refere à locação de bens; (iii) há sólida divergência na doutrina sobre a validade dos itens que não se prestam a resolver conflitos de competência ex vi do art. 146 da CF; (iv) inesgotáveis dúvidas, ainda não superadas, sobre os conflitos entre o ICMS e o ISS no caso de prestação de serviços com utilização e aplicação de bens. Neste sentido, é forte a posição da doutrina abalizada que afirma que o fato gerador do ICMS ‘não é simples saída da mercadoria’, mas as operações jurídicas, os negócios jurídicos, tratando-se, portanto, ICMS e ISS de fatos geradores distintos, ainda que presentes no mesmo negócio comercial. Longe de alcançar consenso também é (v) a interpretação do art. 155, parágrafo 2º, inciso IX, alínea b, da CF (...) Enfim, o que não falta no ISS e, especialmente, na sua relação com o ICMS, são dúvidas e incertezas.” (SANTI, Eurico Marcos Diniz de. ISS versus ICMS na Prestação de Serviços. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. (Org.). Revista Dialética de Direito Tributário n.° 186. São Paulo : Dialética, 2011, p. 25/26). 183 CHIESA, Clélio. Industrialização sob Encomenda: Incidência de ISS, IPI, ICMS ou nenhum desses Impostos? In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Org.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. Vol. 9. São Paulo : Dialética, 2005, p. 60/61. 184 “O aspecto material da hipótese de incidência do ISS não se confunde com a materialidade do IPI e do ICMS. Isto porque: (i) excetuando as prestações de serviços de comunicação e de transporte interestadual e intermunicipal, o ICMS incide sobre operação mercantil (circulação de mercadoria), que se traduz numa ‘obrigação de dar’ (artigo 155, II, da CF/88), na qual o interesse do credor encarta, preponderantemente, a entrega de um bem, pouco importando a atividade desenvolvida pelo devedor para proceder à tradição; e (ii) na tributação pelo IPI, a obrigação tributária consiste num ‘dar um produto industrializado’ pelo próprio realizador da operação jurídica.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Recurso Especial n. 888.852/ES. Ministro Relator Luiz Fux. Dje 01/12/2008).

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social, em certo espaço e tempo, a definição de uma atividade como subsumível

à hipótese tributária do IPI impõe obrigatoriamente a sua exclusão da hipótese

tributária do ISS, e vice-versa.

Portanto, havendo controvérsia sobre tratar-se, determinado

comportamento, de uma prestação de serviço ou de uma industrialização, a

solução de tal conflito implicará na invalidação de um dos enunciados positivados.

Foi o que o Superior Tribunal de Justiça fez quando da apreciação da

atividade de confecção de cartões magnéticos, caracterizando-o como prestação

de serviços e, assim, chancelando a validade da incidência do ISS e, por

conseguinte, afastando a do IPI185.

A principal situação motivadora deste conflito vertical dá-se na chamada

“industrialização por encomenda”, onde tem prevalecido no Superior Tribunal de

Justiça o entendimento de que havendo serviços personalizados, então se

configura a incidência do ISS em detrimento ao do IPI186.

Mas mesmo nessa específica hipótese, o assunto não é pacífico, pois

ainda que haja uma personificação do trabalho solicitado, o mesmo pode compor

uma cadeia produtiva, e ser feito em larga escala (por exemplo: fabricação, sob

encomenda, da roda de um carro) e, assim, forçosa a sua classificação como

mera prestação de serviço (prevalência de uma obrigação de fazer em detrimento

a uma obrigação de dar).

185 “O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que em casos como o dos autos, de empresa que produz cartões magnéticos personalizados, não há incidência de IPI. Aplicação, in casu, da Súmula 156/STJ: "a prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 966.184/RJ. Ministro Relator Herman Benjamin. Dje 18/12/2008). 186 “Os conflitos envolvendo a conceituação jurídica de serviço e de industrialização com posterior venda e seus respectivos reflexos tributários têm sido equivocadamente resolvidos à luz da singela constatação sobre a existência ou não de serviços personalizados, extrapolando os limites traçados pelas hipóteses de incidência elencadas na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03 (LC n. 116/2003).” (FOSSATI, Gustavo. O Conflito entre o ISS, o ICMS e o IPI - o Caso da Encomenda de Móveis em Mármore ou Granito. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. (Org.). Revista Dialética de Direito Tributário n.° 187. São Paulo : Dialética, 2011, p. 82).

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O Supremo Tribunal Federal deferiu Medida Cautelar em sede de Ação

Direta de Inconstitucionalidade para “reconhecer que o ISS não incide sobre

operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à

integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização...”187

Resta evidenciado, então, que o critério utilizado pelo Superior Tribunal de

Justiça (havendo serviço personalizado, prevalece o ISS em detrimento ao IPI)

nem sempre é aceito, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal ao afastar

o imposto municipal, mesmo em se tratando de industrialização por encomenda,

das hipóteses de integração ou utilização direta do produto encomendado em

processo subsequente de industrialização.

Todo esse cenário mostra a dificuldade em solucionar estes conflitos, que

muitas vezes não encontram a devida luz na legislação complementar ou, pior, às

vezes o caminho indicado na regra infraconstitucional é afastado por se contrapor

aos contornos competenciais dispostos na Constituição.

4.4.1.3. IPTU versus ITR

Deixamos esse conflito por último, pois em que pese aparentar, numa

primeira análise, tratar-se de conflito fruto exclusivo de ruído no critério material, a

análise do critério espacial também se faz necessária, ou seja, o ruído nesse

conflito não é de fácil isolamento a apenas um dos critérios do antecedente

normativo da regra-matriz de incidência de tais exações188.

187 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.389/DF. Ministro Relator Joaquim Barbosa. DJe 24/05/2011. 188 “As ponderações inscritas nos itens anteriores já anunciaram que o equacionamento de qualquer questão que envolva conflito de competência entre União (ITR) e Municípios (IPTU) supõe reflexão firme a propósito dos critérios material e espacial das regras-matrizes desses impostos. Eis o motivo pelo qual, por abstração lógica, separamos o ‘fato-conduta’ eleito no antecedente da norma, sem o desvincular, porém, de suas coordenadas de espaço.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. 2, São Paulo : Noeses, 2013, p. 299/300).

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Não se pode atribuir o ruído, tão somente, à dificuldade em qualificar o fato

como propriedade urbana ou propriedade rural (partindo da premissa que os

critérios materiais em questão são: ser proprietário de imóvel urbano ou ser

proprietário de imóvel rural). Isso porque, em que pese o imóvel possuir

características de rural (critério material), ele pode situar-se em zona urbana

(critério espacial), e vice-versa, e com isso, o critério espacial passa a ser

relevante na solução de eventual conflito.

Frise-se que o critério espacial do imposto municipal (sobre propriedade

territorial urbana - IPTU) é “perímetro urbano do município”, ao passo que o

critério espacial do imposto federal (sobre propriedade territorial rural - ITR) é

“zona rural do território nacional”.

A possibilidade de conflito de competência em face destas exações não é

de difícil ocorrência, já que uma propriedade então rural, com o crescimento das

zonas urbanas pode passar a ter elementos característicos de uma propriedade

urbana (escola próxima, acesso a transporte urbano, pavimentação etc.), sem

perder outros inerentes à propriedade rural (pequena produção agrícola, criação

de animais etc.).

O problema se coloca, então, na definição das regras de solução de tal

conflito, situação cambiante em nossa doutrina. Luís Eduardo Schoueri189, por

exemplo, visualiza o conflito como decorrente de um problema no critério

espacial, sendo este o ponto de solução do conflito:

...Código Tributário Nacional, o qual, enquanto lei complementar, apresenta a localização do imóvel fora ou dentro da zona urbana, como critério de discriminação (arts. 29 e 32). Dada, ainda, a fluidez da expressão “zona urbana”, o legislador complementar se vê forçado a detalhar-lhe as características, apresentando, no § 1º do artigo 32, um conceito para aquela expressão, a partir da presença de pelo menos dois melhoramentos públicos ali indicados.

189 SCHOUERI, Luis Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Sistema Tributário Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. São Paulo : Noeses, 2012, p. 695.

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Paulo de Barros Carvalho190, por sua vez, pondera a existência de vários

critérios para solucionar o ruído comunicacional gerador do conflito, dando

prioridade ao critério material (destinação do imóvel) como discrimen:

...a identificação da natureza rural ou urbana de determinado imóvel, para fins de incidência do ITR ou do IPTU, depende da conjugação de três critérios: (i) geográfico, com base na localização; (ii) melhoramentos, sendo necessária a existência de benfeitorias urbanas para que se possa exigir o IPTU; e (iii) destinação dada ao imóvel; lembrando que nenhum desses critérios basta por si só, devendo ser considerados em conjunto e não isoladamente. A localização, nesta medida, não é o único critério para fins de identificação do tipo de imóvel tratado, mas prevalece na falta de comprovação do destino dado ao imóvel. Se, porém, comprovar-se que a destinação é rural, pouco importa a localização do imóvel, incidindo o imposto da União.

Por estar o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça191 ligado a

esta última corrente doutrinária, onde o critério material é o que deve prevalecer

na solução do conflito, o inserimos aqui (como “Conflito decorrente do critério

material da norma tributária”), sem deixar de reconhecer a importância, ainda que

secundária, do critério espacial na solução do conflito.

4.4.2. Conflito decorrente do critério espacial da norma tributária

Aqui, é a existência de ruído comunicacional atinente ao critério espacial

que motiva o conflito de competência em matéria tributária.

Importante asseverar, de início, que o critério espacial da hipótese

tributária trata-se do lugar preciso em que deve acontecer aquela ação

denominada de critério material (núcleo da hipótese), constituída por um verbo e

seu complemento.

190 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. 2, São Paulo : Noeses, 2013, p. 309/310. 191 “A jurisprudência dessa Corte Superior é no sentido de que incide o ITR e, não, o IPTU sobre imóveis nos quais são comprovadamente utilizados em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, ainda que localizados em áreas consideradas urbanas por legislação municipal.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 80.947/ES. Ministro Relator Mauro Campbell Marques. Dje 08/03/2012).

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Em alguns tributos há estrita relação entre esse critério espacial da

hipótese de incidência e a própria eficácia territorial do enunciado que possibilita a

construção de sua regra-matriz. Em outros, porém, tal critério encontra-se

regulado a específicas localidades, como no Imposto de Importação (tributo

federal), onde o critério espacial da hipótese de incidência é definido em

específicos recintos alfandegários, ainda que sua lei de instituição tenha eficácia

em todo o território nacional192.

Vejamos alguns exemplos de conflito motivado pelo ruído comunicacional

neste critério espacial:

4.4.2.1. IPTU versus IPTU (perímetros urbanos limítrofes)

Exemplo clássico de ruído comunicacional inerente ao critério espacial diz

respeito ao IPTU de imóveis localizados na divisa de municípios (divisa de seus

respectivos perímetros urbanos), ou seja, resta dúvida na aplicação (incidência)

da regra-matriz se presente ou não tal critério obrigatório do antecedente

normativo.

É evidente que um trabalho pericial no local atestará, por exemplo, em qual

município se encontra o imóvel (ou em qual deles está a maior parte do imóvel),

mas essa situação muito provavelmente só acontecerá após instaurado o conflito

(dupla incidência do mesmo imposto, sobre o mesmo fato, no mesmo tempo, ao

argumento de localizar-se em distintos municípios)193.

192 “A análise da regra-matriz de incidência do IPTU mostra o desencontro, com precisão geométrica. O tributo grava, privativamente, os imóveis localizados dentro do perímetro urbano do Município. Inobstante isso, a lei municipal efunde sua eficácia por toda a extensão do território correspondente, atingindo as zonas rurais, excluídas do impacto tributário.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 259). 193 “Alega a apelante, Municipalidade de Arujá, a competência para tributar o imóvel, pois o próprio contribuinte afirma que o imóvel estaria situado no Município Apelante (...) A realização de perícia, com o levantamento topográfico é imprescindível para se verificar no território de qual dos municípios está o imóvel do autor.” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Décima Quarta Câmara de Direito Público. Apelação n. 0000105-03.2004.8.26.0045. Desembargador Relator Rodolfo César Milano. Data do Julgamento 04/10/2012).

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Esse é um nítido caso de conflito de competência em matéria tributária

fruto de ruído comunicacional decorrente de vagueza muito próximo de seu grau

ótimo, ou seja, somente instaurado o conflito se atingirá tal grau ótimo (via

decisão judicial definindo a questão no caso concreto) e, por conseguinte, findar-

se-á o conflito (extrema dificuldade, aqui, de dispor previamente sobre o conflito,

no intuito de evitá-lo).

4.4.2.2. ICMS versus ICMS (em operações triangulares de importação)

A incidência do ICMS em operações de importação advém de regra

existente no próprio texto constitucional, sendo certo que a definição do Estado

competente também encontra previsão na Carta Magna, isto é, será competente

“o Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário

da mercadoria, bem ou serviço” (artigo 155, § 2°, inciso IX, alínea “a”, da CF/88).

Pelo trecho acima transcrito da mensagem constitucional já se evidenciam

algumas possibilidades de conflito ante a vagueza na definição do critério

espacial, quais sejam, o que se deve entender por domicílio para o encontro

deste aspecto territorial? E por estabelecimento? E na existência de um

destinatário da mercadoria com domicílio e estabelecimento em lugares diversos,

qual deve prevalecer?

Sem adentrar nestas questões menores, mas definindo com precisão o

momento espacial do antecedente normativo do ICMS na importação, Roque

Antonio Carrazza194 ensina:

No caso, porém, da operação mercantil haver ocorrido no exterior (ou, na atécnica dicção constitucional, haver se iniciado no exterior), inverte-se a diretriz: o ICMS é devido onde se dá a “entrada”, no estabelecimento do importador, das mercadorias vindas do exterior, independentemente de quem seja o destinatário final da operação subsequente (agora com as mercadorias já nacionalizadas).

194 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª Ed. São Paulo : Malheiros, 2012, p. 66.

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O Estado competente, portanto, será aquele onde se localiza o

estabelecimento do importador, pouco importando a localização onde se deu a

entrada física da mercadoria no território nacional (porto, aeroporto, etc.), bem

como a existência de operações subsequentes.

A questão motivadora de conflito que ora se apresenta, entretanto, é mais

complexa e, por isso, traz a incerteza no aspecto espacial da exação, a ensejar o

confronto entre Estados.

Isso porque, ao invés de uma usual operação de importação (bilateral -

entre exportador e importador), tem-se uma relação triangular que gera

questionamentos quanto à figura do importador e, por conseguinte, da localização

de seu estabelecimento a definir o Estado competente para tributar tal operação.

A importação triangular supracitada é devidamente regulada (autorizada), e

ocorre em duas distintas modalidades: importação por encomenda; e importação

por conta e ordem de terceiro.

Em ambas, repise-se, ao invés de uma relação bilateral entre A

(exportador) e B (importador), para posterior revenda interna deste a C, já há

desde o início a participação dos três, quer através de uma prévia encomenda por

C (importação por encomenda) quer através do pagamento da importação

diretamente de C ao exportador A, figurando B apenas como operacionalizador

desta relação internacional, por ter a expertise do negócio (importação por conta

e ordem de terceiro).

Evidenciado está o conflito oriundo da dúvida decorrente do critério

espacial do ICMS importação, já que ligada ao termo vago “estabelecimento do

importador”195.

195 Não se pode olvidar que a dúvida quanto ao importador é tema ligado ao critério material e, portanto, não estamos diante de um ruído comunicacional jungido, tão somente, ao critério espacial. A questão, portanto, exige a análise de ambos os critérios (material e espacial).

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Interessante que na operação usual (bilateral com posterior revenda

interna), não há dúvida que o ICMS importação compete ao Estado onde se

localiza o estabelecimento do importador (B, no exemplo acima).

Será, então, que a mera encomenda prévia da importação é medida

suficiente para alterar o ente competente para instituir e cobrar o ICMS

importação? Isto é, deixaria de ser o Estado onde se situa o estabelecimento de

B, e passaria a ser o Estado onde se localiza C? E em havendo o pagamento

antecipado da importação por C (importação por sua conta e ordem), nesse caso

alterar-se-ia o ente competente?

Roque Antonio Carrazza196 entende que em ambos os casos (importação

por conta e ordem de terceiro e importação por encomenda) há alteração do

critério espacial:

Temos para nós que é irrelevante, para fins de incidência de ICMS, que as importações sejam feitas por conta e ordem ou por encomenda de terceiro. Sempre a incidência dar-se-á na Unidade Federada onde se dá a entrada física da mercadoria no estabelecimento importador. (...) Dito de outro modo, quando a operação de importação for realizada por terceiro (que não o destinatário final), o local da ocorrência do fato imponível do ICMS não se altera, pouco importando se ela se deu “por conta e ordem” ou “por encomenda”. Tal local - que marcará a incidência do tributo - é o do ingresso físico no estabelecimento do terceiro importador.

Para Paulo de Barros Carvalho197, porém, apenas na importação por conta

e ordem haveria tal mudança (por aproximar-se, a triangular importação por

encomenda da bilateral importação por conta própria, não haveria aqui alteração

do critério espacial, somente na conta e ordem):

Na importação “por conta e ordem de terceiro”, a empresa interessada em adquirir determinado bem do exterior contrata uma prestadora de serviços, para que esta, na qualidade de importadora por conta e ordem, utilizando recursos originários da contratante, providencie, entre outros, o despacho de importação da mercadoria em nome da empresa adquirente.

196 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16ª Ed. São Paulo : Malheiros, 2012, p. 83. 197 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. 2, São Paulo : Noeses, 2013, p. 175 e 177.

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(...) Nesse caso, o importador atua como mero prestador de serviço, a fim de promover o despacho aduaneiro das mercadorias adquiridas por outrem (...) Nota-se que, conquanto a pessoa encarregada da operação “por conta e ordem de terceiros” figure como importadora, esta não detém a propriedade dos bens importados, que é transferida diretamente ao comprador brasileiro. (...) Na importação por encomenda, quem realiza o negócio jurídico de importação é a própria trading. A empresa que encomenda a mercadoria figura como mera adquirente de operação de compra e venda implementada no mercado interno. Nota-se que essa disciplina normativa, ao reconhecer a possibilidade de importações por encomenda, atribui-lhes efeitos fiscais semelhantes aos aplicáveis às importações por conta própria.

Com relação à importação por conta e ordem de terceiro, a jurisprudência

está em harmonia com os entendimentos doutrinários acima198. Quanto à

importação por encomenda, ainda não se tem um posicionamento a respeito da

matéria em Tribunal Superior.

4.4.2.3. ISS versus ISS (ainda o problema do “estabelecimento prestador”)

Aqui perdura há muito tempo um problema de exclusivo ruído

comunicacional no critério espacial do antecedente normativo, relativo ao local

onde deve ser considerada ocorrida a prestação do serviço para fins de incidência

do ISS (qual seja, local do estabelecimento prestador).

Afirmando exatamente as altas chances de conflito nesse ponto, temos a

lição de Aires F. Barreto199:

...há um sem-número de prestadores de serviço (pessoas físicas ou jurídicas) estabelecidos ou domiciliados em um Município, que prestam serviço em outro. Isto enseja a legítima questão: quem pode tributar tais prestações? O Município em que estas se dão ou aquele em que estabelecido ou domiciliado o prestador? Eis aí uma nítida área de atrito, que pode ensejar conflitos de competência de leis tributárias municipais, cuja solução não pode ficar a cargo dos próprios interessados, nem ser deixada ao sabor de soluções eventuais, episódicas e provavelmente variadas, a serem dadas pela jurisprudência.

198 “Fica descaracterizada a alegada importação por conta e ordem de terceiro, uma vez que, nessa hipótese, o terceiro é quem seria o contribuinte do ICMS e real destinatário da mercadoria.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso Especial n. 1.134.256/ES. Ministra Relatora Eliana Calmon. Dje 02/12/2009). 199 BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. 3ª Ed., São Paulo : Dialética, 2009, p. 317/318.

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A Lei Complementar 116/2003 visou findar exatamente esse ponto,

impondo ao local onde ocorreu a prestação do serviço (sinônimo de

estabelecimento prestador) o critério espacial.

Mas isso não impede o conflito. Tomemos como exemplo a prestação de

serviços advocatícios. Onde ele ocorre? No escritório do advogado (localizado no

Município A) ou no Fórum (localizado no Município B), ou seja, seu

estabelecimento deve ser configurado lá ou cá? É evidente a existência de

atividades em ambos os locais, mas é preciso evitar a incerteza e, portanto, um

deles deve prevalecer.

O Superior Tribunal de Justiça, em análise a incidência do ISS sobre o

arrendamento mercantil financeiro, exarou manifestação sintetizando seu

entendimento a respeito do assunto, cambiando sua conclusão se o caso foi

atingido pelo Decreto Lei n. 406/68 ou pela Lei Complementar n. 116/2003200,

mas deixando evidente que a concretude do caso analisado é crucial à solução

desse conflito (verificação - caso a caso - do efetivo local da prestação do

serviço).

4.4.3. Conflito decorrente do critério temporal da norma tributária

Aqui a chance de ocorrência de conflito é bem reduzida. Isso porque, de

difícil visualização o conflito de competência oriundo de ruído comunicacional no

critério temporal, isto é, dois ou mais entes tributantes gravando o mesmo fato

social, sob a mesma delimitação espacial, em razão de confusão por questões

exclusivas de tempo.

200 “A Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 08/2008, firmou a compreensão no sentido de que: "(b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento - núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo". (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.341.068/RS. Ministro Relator Sérgio Kukina. Dje 19/04/2013).

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Como, porém, concordamos com a possibilidade de serem realizadas

alterações, mediante Emenda Constitucional, nas faixas de competência

dispostas no texto constitucional201, essa situação pode trazer o ruído em tela

(este é logicamente possível).

Insista-se, se num determinado momento temporal certa materialidade

indicada para segregar a competência tributária a uma pessoa política é,

posteriormente, transferida a outra, pode haver algum ruído comunicacional que

permita que, em determinado momento, tanto o antigo quanto o novo acreditem

serem competentes para gravar o mesmo fato social.

Exemplificando, se o ICMS deixar de ser um imposto de competência

estadual e passar a ser de competência da União, sem qualquer alteração nos

seus critérios espacial e material, pode haver ruído tão somente no aspecto

temporal a motivar conflito de competência.

Se não houver a exata definição temporal do término da competência de

um e início da de outro, o ruído e o consequente conflito podem existir. As

chances são reduzidas, pois a vigência do novo cenário legislativo já traz um

marco temporal muito claro de quando a norma de competência anterior deixa de

existir para fatos futuros, e de quando a norma de competência posterior passa a

poder incidir sobre tais futuros fatos.

Mas essa correlação entre critério temporal da hipótese normativa e

vigência do enunciado prescritivo no tempo nem sempre ocorre202.

201 “a alterabilidade está ínsita no quadro das prerrogativas de reforma constitucional e a experiência brasileira tem sido rica em exemplos dessa natureza.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 219). “O que as pessoas políticas podem fazer, sim, é utilizar, em toda a latitude, as competências tributárias que receberam da Constituição. Só ela, porém, é que, eventualmente, pode ampliá-las (ou restringi-las). Esta é, pois, uma matéria sob reserva de emenda constitucional.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª Ed., São Paulo : Malheiros, 2004, p. 610). 202 “...o âmbito eficacial da lei no tempo está para o critério temporal das hipóteses tributárias, assim como o grau de eficácia territorial da lei está para o critério de espaço dos supostos das

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4.5. Disposição infraconstitucional tendente a evitar (ou minimizar) tal

espécie de conflito e sua (in)compatibilidade sistêmica

A repartição da competência para instituição de tributos foi, no sistema

jurídico pátrio, definida em regras dispostas no texto constitucional e, por ser a

Constituição brasileira classificada como rígida (ante a dificuldade de sua

alteração) a primeira conclusão que se alcança é a de que não deveríamos

encontrar outros textos normativos entre este comando de competência

(constitucional) e o comando de conduta (instituidor do tributo), pelo menos no

que diz respeito a tal repartição (definição) de competência (exaustividade do

texto constitucional relativo à matéria, decorrente de sua rigidez).

Em face do raciocínio acima, uma vez provocado sobre a competência, ou

não, de um determinado ente tributante para instituição de uma exação, caberia

ao Poder Judiciário verificar (via processo de derivação) se a norma de conduta

introduzida invadira ou não competência tributária de outrem e, para isso, o único

suporte físico que poderia valer-se, além da regra de conduta, seria a Carta

constitucional.

Ocorre que o mesmo texto constitucional possui enunciado prescritivo no

sentido de que “cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de

competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios” (artigo 146, inciso I, da Constituição Federal de 1988).

A existência desta prescrição na própria Carta Magna motiva construção

distinta da anteriormente apresentada, qual seja, em alguns casos (onde o

legislador complementar antever a possibilidade de conflito atinente à

competência para instituição de tributos), poderá inserir mensagem no sistema (a

figurar entre a regra constitucional e o enunciado instituidor do tributo) trazendo

maior precisão (via conotação ou denotação) do que a existente na norma que a

normas fiscais.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 261).

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fundamenta (construída em face do texto constitucional), minimizando a

possibilidade de cobrança de tributos sobre um mesmo fato social, por entes

tributantes distintos, quando tal cumulação não for autorizada pelo sistema.

Ora, se o sistema jurídico de enunciados prescritivos é autopoiético (e, por

isso, produz sua própria organização), não há razão para interpretação diversa do

reconhecimento sistêmico de que a repartição, no altiplano constitucional, de

competência para instituição de tributos, em determinados casos, deu-se sem a

precisão necessária (grau de vagueza que supera o ótimo) e, por isso, concedida

autorização ao legislador complementar (infraconstitucional) para produção de

enunciados cuja conotação ou denotação, do campo material, espacial ou

temporal da exação permitida no texto constitucional, reduza as chances de um

mesmo fato social ser relatado como distintos fatos jurídicos, ou como fato

jurídico ocorrido em distintos lugares, ou ainda, em momento diversos,

obviamente que por entes tributantes também distintos.

Por esta nova construção, uma vez provocado sobre a competência, ou

não, de um determinado ente tributante para instituição de uma exação, o Poder

Judiciário terá maior suporte físico de análise para constatação (processo de

derivação) da harmonia sistêmica entre a norma de conduta e as demais normas

de competência (oriundas tanto do texto constitucional quanto de lei

complementar) que a fundamentam, para, então, introduzir nova mensagem no

sistema (processo de positivação), reforçando a validade ou declarando a

invalidade de tal norma de conduta.

Deverá este intérprete autêntico utilizar o campo material, espacial ou

temporal conotado ou denotado pela lei complementar (maior precisão) para o

atingimento de suas conclusões.

No item anterior (4.4.), onde foram apresentados casos reais de conflitos

de competência, restou demonstrada a importância desse enunciado intercalar

para a respectiva solução do problema.

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Evidentemente que a doutrina brasileira, como já demonstrado alhures,

possui entendimentos totalmente diferentes a respeito do tema, sendo certo que

importantes juristas pátrios não concordam com este raciocínio.

Geraldo Ataliba203, mais uma vez invocado (defensor da exaustividade da

demarcação constitucional e impossibilidade de lei complementar dispor sobre

competência sem ferir tais regras superiores), afirma que:

a lei complementar pode dar normas adjetivas, normas processuais. Como é que se escritura, como é que se registra, mas direito substancial já está no próprio texto da Constituição. Qualquer lei que venha, e mesmo complementar, mexer com isso vai aumentar ou diminuir o direito do fisco ou o direito do contribuinte e, portanto, estará alterando o conteúdo e alcance do próprio preceito constitucional.

Se inexistisse o disposto no artigo 146, inciso I, da Constituição Federal, a

doutrina acima seria inquestionável, cabendo tão somente ao Poder Judiciário

findar os conflitos de competência existentes, em face do termo vago empregado

pelo legislador constituinte.

Entretanto, se há regra no sistema autorizando a inserção de outra apta a

reduzir tal vagueza, ou seja, aclarar aquela zona de penumbra existente nas

fronteiras da definição a ser construída perante o termo constitucionalmente

empregado (renda, receita bruta, veículo automotor, dentre tantos outros), dando

ao julgador maiores elementos para a construção de sua decisão (norma, via de

regra, individual e concreta), não vemos porque não aceitar tal norma intercalar, a

figurar entre a de competência, construída a partir do texto constitucional, e a de

conduta, fruto da produção enunciativa do ente tributante.

Isso não significa, todavia, defender a obrigatoriedade da presença dessa

norma intercalar em face de toda e qualquer instituição de tributo (norma de

conduta), ou seja, que compete tão somente à lei complementar definir os

conceitos de tributo e, por conseguinte, a solução de conflitos de competência

adviria exclusivamente da interpretação deste comando infraconstitucional. 203 ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar em Matéria Tributária. Revista de Direito Tributário n.º 48, São Paulo : RT, 1989, p. 90.

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É esse o sentido defendido por Luis Eduardo Schoueri204, como segue:

o constituinte de 1988 não tinha a ilusão de que aquele elenco apresentasse limites rígidos. Ao contrário, sabia que se tratava de expressões fluidas, que por vezes implicariam uma interpenetração, possibilitando, até mesmo, o nascimento de conflitos de competência (...) Em conclusão, temos que para a solução dos conflitos de competência e do campo de competência residual, encontramos na lei complementar – e não na Constituição – os conceitos de cada imposto.

A norma intercalar anteriormente citada tem lugar somente nos casos onde

o fato social que se pretende onerar (cujos critérios de sua individualização

encontram-se disposto no antecedente da regra-matriz) figurar naquela zona

cinzenta, motivando um aclaramento (aperfeiçoamento) do alcance do conceito a

ser produzido em razão do termo disposto no texto constitucional.

Todavia, em não existindo tal enunciado intercalar, o Judiciário terá que

solucionar o conflito normativo (“antinomia”) instaurado partindo exclusivamente

da Carta Constitucional (a instituição da lei complementar dispondo sobre conflito

de competência é, via de regra, permissão - e não obrigação - concedida ao

legislador). Na sua presença, o julgador terá mais elementos para construção de

seu enunciado; na sua ausência, terá ele que dirimir o conflito partindo, tão

somente, do texto constitucional.

Ademais, enquanto o contexto histórico-cultural não exigir essa maior

delimitação das demarcações da competência para instituição de tributos

outorgada pelo texto constitucional, desnecessária sua existência, sem que isso

imponha máculas ao ciclo ininterrupto de positivação.

Portanto, a norma (construída a partir de uma lei complementar) que

dispuser sobre conflito de competência é excepcional. Via de regra, a subsunção

deve dar-se diretamente, dos aspectos, material, espacial e temporal, existentes

204 SCHOUERI, Luis Eduardo. Discriminação de Competências e Competência Residual. In: SCHOUERI, Luis Eduardo. e ZILVETI, Fernando Aurelio (Orgs.). Direito Tributário – Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo : Dialética, 1998, p. 112 e 115.

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na norma de conduta às características delimitadoras do campo competencial

(classe) apontadas no texto constitucional.

Nesse sentido é a lição de Paulo de Barros Carvalho205:

Não obstante essa pormenorizada distribuição das competências entre as pessoas políticas, há campos de incidência tributária que ensejam dúvidas sobre o ente constitucionalmente autorizado a exigir tributos com relação a determinados fatos, em razão, como bem anota Sacha Calmon Navarro Coelho, da “insuficiência intelectiva dos relatos constitucionais pelas pessoas políticas destinatárias das regras de competência, relativamente aos fatos geradores de seus tributos”. Por esse motivo, preocupado em manter o esquema federativo e a autonomia dos Municípios, o constituinte atribuiu à lei complementar de servir de veículo introdutor de normas destinadas a prevenir conflitos e, consequentemente, invasões de competência (art. 146, I, da Carta Magna). A legislação complementar cumpre, assim, em termos tributários, relevante papel de mecanismo de ajuste, calibrando a produção legislativa ordinária em sintonia com os mandamentos supremos da Constituição da República.

A norma intercalar em apreço tem a pretensão, tão somente, de minimizar

eventuais conflitos, ou seja, nortear não só os julgadores (intérpretes autênticos)

como os demais integrantes da sociedade (intérpretes “comuns”), reduzindo a

incerteza (em razão da vagueza e, em alguns casos, ambiguidade) a respeito das

normas que regulam, coercitivamente, suas condutas206.

O enunciado disposto no artigo 146, inciso I, da Constituição Federal é,

portanto, um avanço existente em nosso ordenamento jurídico, pois reconhece a

dinamicidade social e, por conseguinte, do direito (que precisa acompanhá-la) e,

com isso, faculta ao próprio Legislativo adequar o sistema (com a inserção de

novos enunciados de competência, gerais e abstratos) a tais novidades sociais,

evitando que todo litígio a respeito deste tema fique exclusivamente voltado à

205 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 383/384. 206 “A obscuridade e a confusão geram incertezas no direito, abrindo portas à discricionariedade e, porque não dizer, ao arbítrio (...) A certeza do direito, como expressão de segurança jurídica, serve à previsibilidade sobre as condutas do Estado na regular positivação do direito. Deveras, tal previsibilidade da ação estatal somente poderá ser atendida se houver coerência material das normas aplicáveis, em compatibilidade vertical com as de superior hierarquia.” (TÔRRES, Heleno Taveira. A Hipótese do ICMS sobre Operações Mercantis na Constituição e a Solução de Conflitos Normativos. In: SCHOUERI, Luis Eduardo (Org.). Direito Tributário – Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo : Quartier Latin, 2008, p. 324/325).

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construção de sentido (interpretação) fundada tão somente nos termos dispostos

na Constituição Federal de 1988 (cuja vagueza em determinados casos traz

amplitude deveras perigosa à subsunção a ser, invalidada ou chancelada, pelo

Judiciário).

Assim, enunciado prescritivo tendente a minimizar conflito de competência

em matéria tributária tem o exclusivo condão de detalhar a competência

outorgada no texto constitucional, reduzindo sua vagueza e, por conseguinte, os

ruídos dela decorrentes provocadores (ou possíveis provocadores) da positivação

de enunciados, por entes diversos, quando apenas um deles poderia exercer tal

ato de fala (enunciação).

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5. LEI COMPLEMENTAR TENDENTE A EVITAR CONFLITO DE

COMPETÊNCIA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

5.1. Enunciados que buscam evitar conflitos no exercício da competência e

o sistema jurídico positivo

Como exaustivamente demonstrado no Capítulo anterior (em especial no

item 4.5.), o enunciado prescritivo infraconstitucional em busca de reduzir ruídos

no processo comunicacional de outorga de competência para instituição de

tributos é totalmente harmônico aos demais elementos que compõe o sistema

jurídico posto.

Independentemente dessa harmonia, o enunciado que realizar esse papel

no ciclo ininterrupto de positivação será um elemento pertencente ao sistema

jurídico e, portanto, válido.

Assim, compete-nos, nesse momento, tecer maiores esclarecimentos

nesse sentido, em sintonia com a definição de sistema jurídico, já apresentada

anteriormente (vide item 1.3.2) e, com isso, fortalecendo tal assertiva (de ser

válido enunciado prescritivo tendente a evitar conflito de competência em matéria

tributária).

5.1.1. Validade e direito

Analisar validade no direito corresponde a verificar as diversas teorias

sobre o próprio direito (tema vinculado, assim, às teorias atinentes ao direito).

Sobre estas principais teorias (que, por conseguinte, trazem visões distintas de

validade), Florence Haret207 observa:

207 HARET, Florence. Conceitos de Validade nos diferentes “direitos”: Evolução significativa desse instituto do Jusnaturalismo à Teoria comunicacional. In: ROBLES, Gregório e CARVALHO, Paulo de Barros [Orgs.]. Teoria Comunicacional do Direito: Diálogo entre Brasil e Espanha. São Paulo : Noeses, 2011,p. 606.

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Nesse embate entre teorias sobre o direito – que o explicam assim como delimitam os conceitos a ele subjacentes – podemos observar três predominantes. A primeira é a filosófica, originária de um ponto de vista jusnaturalista do ordenamento, assumindo validade por virtude ou justiça. A segunda, já sob o ângulo positivista, é a sociológica, tendo por validade o fato social relevante juridicamente. A terceira (...) também positivista, é a normativa, que, como o próprio nome já identifica, trata a validade como norma.

O conceito de validade aqui adotado, harmônico ao referencial sistêmico

invocado no Capítulo 1 (item 1.3.2.), será normativista (validade como norma),

não rejeitando, com isso, os demais ângulos de visão, já que são apenas recortes

distintos do mesmo objeto, ou seja, são proposições cabíveis em face ao sistema

de referência empregado.

Assim, validade é termo ligado à função prescritiva da linguagem (atinente

ao enunciado normativo), pois válido ou não válido são os valores lógicos

inerentes à sua estrutura sintática (Lógica Deôntica). Ao contrário, a linguagem da

Ciência do Direito (linguagem que tem por objeto o direito positivo –

metalinguagem, portanto) é descritiva e, por isso, seus valores lógicos são

verdadeiro ou falso (Lógica Alética ou Apofântica)208.

É irrelevante para a proposição prescritiva, portanto, os conceitos de

verdadeiro ou falso (tal verificação empírica, de coincidência, com o “mundo do

ser” é equivocada). Assim, se o enunciado prescritivo estipula um dever-ser

ontologicamente impossível ou necessário, por exemplo, “é proibido dormir” ou “é

necessário respirar”, tais disposições prescritivas serão um sem-sentido (já que

estes enunciados nunca serão aplicados e, assim, a norma construída jamais

alcançará seu objetivo, qual seja, regular condutas humanas), mas isso em nada

afetará seu valor de verdade (ou valência), qual seja, válido ou inválido209.

208 “As proposições modais aléticas sobre proposições deônticas podem ser verdadeiras ou falsas, enquanto que as proposições deônticas mesmas, são válidas ou não-válidas: aquelas pertencem à lógica apofântica; estas, à lógica deôntica.” (VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 36). 209 “...os modos normativos diferem dos modos digamos fácticos, para isolarmos um dos ângulos abordados por Von Wright. No âmbito da teoria pura do direito: do ser não provém o dever-ser; do meramente factual não provém o normativo, porque as modalidades são irredutíveis, muito embora na composição do fato objetivo de cultura, que é o direito, haja inter-relacionalidade entre

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A dúvida, então, é saber o que torna uma mensagem jurídica válida. Para

elucidá-la, valemo-nos, mais uma vez, da lição de Paulo de Barros Carvalho210:

A validade não deve ser tida como predicado monádico, como propriedade ou como atributo que qualifica a norma jurídica. Tem status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa, considerada na sua inteireza lógico-sintática e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma “n” é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema “S”. Ser norma é pertencer ao sistema.

5.1.2. Relação de pertinência do enunciado prescritivo com o sistema

A validade, portanto, é a relação de pertinência do enunciado prescritivo

com o sistema, ou como prefere Robson Maia Lins211, é “o vínculo que une a

norma ao sistema, tornando-a jurídica.”

Em âmbito jurídico, portanto, validade é relação (inerente à lógica dos

predicados poliádicos ou teoria das relações) entre enunciado prescritivo e

sistema, vinculados pela pertinencialidade212.

Assim, o controle sistêmico de produção de novos enunciados prescritivos

(que traz implícito essa pertinência) limita-se à definição dos sujeitos aptos à

realização do fato-enunciação. Não há, todavia, controle sobre este ato (de

produção normativa), o que justifica o entendimento de ser a validade normativa

os modos. Se for factualmente necessário, ou factualmente impossível uma conduta ou um fato, resultará num sem-sentido estatuir proposição normativa contraposta ao curso natural das coisas.” (VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 56). 210 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 52. 211 LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária – Decadência e Prescrição. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 73. 212 “A validade fulgura aqui como relação cujos termos seriam norma e sistema, tendo entre eles o functor poliádico ‘pertence’. Em linguagem simbólica da teoria das classes, ficaria ‘(<<Op>> Є Cnα)’, em que se lê: a norma que obriga a conduta ‘p’ pertence ao sistema do direito positivo (Cnα ou SDP1).” (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em Matéria Tributária. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2011, p. 146).

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sempre presumida, isto é, uma vez produzido por sujeito autorizado, o enunciado

prescritivo passa a ter validade (passa a pertencer ao sistema jurídico-positivo).

Perfeito o esclarecimento de Tárek Moysés Moussallem213 a esse respeito:

...direito positivo não regula sua criação, mas controla, sim, a regularidade das normas produzidas. Entre regular a produção normativa e controlar a regularidade das normas produzidas, tem-se longitude considerável. A norma, pelo simples fato de ser norma jurídica, já é válida, já pertence ao sistema do direito positivo (...) O ato de produção normativa não é valido ou inválido, é feliz ou infeliz. A enunciação-enunciada e os enunciados-enunciados (por consequência, as normas jurídicas) é que são susceptíveis de ser invalidados. A infelicidade da enunciação, para ser hábil a invalidar a norma por ela originada, deve ser agasalhada em outro enunciado.

Aqui se evidencia, mais uma vez, a importância do enunciador no ciclo

comunicacional do direito e, por conseguinte, a relevância de uma análise desse

fenômeno com ênfase em tal partícipe da comunicação jurídica (visão

competencial do direito - vide item 2.2.).

É plenamente possível, portanto, termos elementos no sistema em

desarmonia com as normas jurídicas que justificaram (autorizaram) sua inserção,

ou seja, o fundamento de validade de um enunciado (buscado, sempre, em

norma construída a partir de enunciado hierarquicamente superior) que justifica a

sua introdução no sistema não impõe invalidade automática em caso de

descumprimento, formal ou material. Será sempre necessária a introdução de

novo enunciado prescritivo, reconhecedor destes vícios para, só então, a

mensagem jurídica deixar de ser válida e, por conseguinte, não mais pertencer ao

sistema jurídico.

A validade, vista exclusivamente sob o ângulo sintático, proporciona o

entendimento da relação de pertinencialidade existente entre enunciado e

213 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em Matéria Tributária. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2011, p. 149.

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sistema. O enfoque semântico e pragmático, porém, estão ligados aos processos

(derivação para posterior positivação) de invalidação da mensagem jurídica214.

O fundamento de validade do enunciado prescritivo, buscado em outro que

lhe é superior (onde vislumbra-se os contornos formais e materiais que o

enunciado introduzido deve ter) é crucial não só para a constatação da

pertinencialidade supracitada como, também, ao processo necessário a sua

invalidação.

No primeiro caso (pertinência), a busca de validade em elemento sistêmico

superior impõe que todos eles têm validade em face à regra pressuposta, ou seja,

perante a “norma hipotética fundamental” (para ser válido um enunciado precisa

pertencer ao sistema e, por isso, é seu fundamento maior de validade a

Grundnorm citada por Kelsen)215.

Na segunda situação (invalidação), o fundamento de validade é crucial ao

processo de derivação que verificará se a norma introduzida está ou não em

harmonia com a norma introdutora (bem como com as demais normas do

214 “A validade estática (...) proporciona visão privilegiada do campo sintático do sistema jurídico (relacionamento vertical e horizontal entre as normas jurídicas). Por isso a nossa afirmação de que o jurídico da norma é dado pela sua validade. Já a validade dinâmica, enquanto processo de invalidação de normas, pode ser melhor analisada nos campos da semântica e da pragmática da produção normativa (...) Dessarte, no que pertine ao órgão produtor de normas jurídicas, é possível aferir a validade sintática, o que ocorre na dinâmica da produção normativa. Mas, a bem da coerência, somente outra autoridade competente pode emitir outra norma, de revisão sistêmica ou de paralisação da eficácia, apta a impedir a aplicação da RMIT [regra-matriz de incidência tributária]. É imposição do sistema que somente outro enunciado cujo enunciado-enunciado preveja a retirada da vigência, a paralisação da eficácia técnica, ou a expulsão da RMIT (invalidade) do sistema possa, de alguma forma, mexer nas normas jurídicas.” (LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária – Decadência e Prescrição. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 73/74 e 77). 215 “O sistema consta de proposições normativas; uma proposição normativa tem sua origem (reason of validity) em outra proposição normativa; uma proposição normativa só pertence ao sistema se podemos reconduzí-la à proposição fundamental do sistema. Cada norma provém de outra norma e cada norma dá lugar, ao se aplicar à realidade, a outra norma. O método de construção de proposições normativas está estipulado por outras normas.” (VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 126).

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sistema) e, em caso positivo, a sanção será a sua retirada (invalidade/nulidade)

do sistema216.

5.1.3. Normas construídas a partir de enunciados prescritivos inseridos em

lei complementar, tendentes a evitar conflito de competência em matéria

tributária

O enunciado prescritivo inserido no sistema, tendente a evitar conflitos

inerentes à instituição de tributos, possuirá, sempre, fundamento de validade no

texto constitucional, em específico no artigo 146, inciso I, da Carta Magna.

Outros dispositivos constitucionais também refletem, em situações

específicas, a autorização genericamente disposta no artigo 146. São eles o

artigo 155, § 2º, XII217, o inciso III do caput do artigo 156, bem como seu § 3º218

do texto constitucional.

216 “...norma de competência secundária ou sancionatória, àquela norma que prescreve uma reação negativa em face do exercício irregular da competência (...) Essas normas têm uma enunciação específica, assim como uma peculiar relação jurídica, cujo objeto é a invalidade da norma produzida por exercício irregular da competência.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 95). 217 Constituição Federal de 1988: “Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (...) § 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XII - cabe à lei complementar: a) definir seus contribuintes; b) dispor sobre substituição tributária; c) disciplinar o regime de compensação do imposto; d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações, relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços; e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, a; f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados; h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.” 218 Constituição Federal de 1988: “Art. 156 - Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

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Assim, deverá ser introduzido no ordenamento jurídico através de lei

complementar (requisito formal) e, ainda, deverá trazer maior precisão (via

conotação ou denotação), em relação a existente no texto constitucional, dos

critérios de separação de competência em matéria tributária (requisito material).

O fato de ser, o enunciado em questão, introduzido por outro veículo

normativo (que não o exigido constitucionalmente, qual seja, lei complementar) ou

trazer em seu conteúdo conotação ou denotação que ultrapasse os limites

impostos na Constituição, não o torna, por si só, “inválido”.219

Todavia, tal constatação (feita por sujeito autorizado pelo sistema para

tanto – Poder Judiciário), via processo de derivação, será crucial para o

reconhecimento do vício em questão (formal, material ou ambos) e, consequente,

inserção no sistema (processo de positivação) de novo enunciado invalidando-o.

O fundamento de validade da mensagem jurídica visando minimizar

conflitos de competência em matéria tributária será sempre constitucional (em

específico, o artigo 146, inciso I da Constituição Federal), mas por ser o

enunciado sempre presumidamente válido, o desrespeito, pela mensagem

introduzida, aos requisitos, formais e materiais, do comando introdutor somente

implicará na sua invalidação se reconhecida por agente autorizado pelo sistema

(...) III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar; (...) § 3º - Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior; III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou revogados." 219 “...dizer que uma norma jurídica é inválida seria uma contradição em termos, pois o jurídico da norma lhe é fornecido pela sua validade. Pela mesma razão, é tautológica a expressão ‘norma jurídica válida’. Sem validade não há norma jurídica e, por conseguinte, não há direito positivo.” (LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária – Decadência e Prescrição. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 75/76).

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para tanto (Poder Judiciário, via de regra, ou, excepcionalmente, Poder

Legislativo220).

Diante de tudo que foi dito antes, podemos atingir algumas conclusões:

Os enunciados existentes no texto constitucional atinentes à repartição de

competência para instituição de tributos são regras de estrutura (permitem a

construção de normas de competência - conteúdo aqui, forma lá).

Tais normas de competência, via de regra, conotam com precisão os

campos material, espacial e temporal passíveis de motivar a instituição de tributos

pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios e, nestes casos, a norma de

conduta construída a partir dos enunciados que positivaram tal instituição (regra-

matriz de incidência tributária) terá como fundamento de validade aquela norma

de competência decorrente da Constituição Federal.

Há, entretanto, exceções à regra supracitada e, assim, existem situações

em que a repartição de competência feita pelo legislador constitucional carece da

necessária precisão apta a minimizar conflitos entre os entes tributantes (essa

precisão está ligada ao contexto histórico-cultural em que ocorre o processo

comunicacional da mensagem jurídica).

Ciente disso, de que os fatos sociais (axiologicamente recortados por

serem indicadores de riqueza) poderiam proporcionar conflitos de competência

em certo contexto histórico-cultural (em razão da proximidade material de tributos

distintos; da dificuldade na definição espacial; ou por questões temporais), o

próprio legislador constituinte outorgou ao legislador infraconstitucional

220 Incluímos o Poder Legislativo como agente autorizado ao reconhecimento da invalidação do enunciado prescritivo, pois o fundamento de uma revogação pode ser o descompasso do enunciado com o comando invocado como sendo o fundamento de sua validade. Todavia, essa não é a função primordial da revogação. Sobre os objetivos da revogação, assim manifestou-se Tarék Moysés Moussallem: “...a revogação não visa ao controle da regularidade das normas produzidas, mas apenas a mudança de regulamentação de determinada conduta (mesmo que seja para o permitido negativamente), sem que ingresse no âmbito de a enunciação ter ocorrido conforme ou não as regras de produção normativa.” (Revogação em Matéria Tributária. 2ª Ed., São Paulo : Noeses, 2011, p. 245).

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(complementar) o ônus de minimizar tal situação, inserindo no sistema

enunciados prescritivos que apontem precisão maior em tal repartição.

Nestes casos, a norma de conduta que instituir a exação (regra-matriz de

incidência) terá como fundamento de validade imediato esta norma de

competência infraconstitucional (fundamento de validade tão somente mediato

será a norma de competência constitucional).

Essa ressalva, como já explicitado anteriormente, é de extrema relevância,

pois se o fundamento de validade imediato da norma de conduta é uma norma de

competência infraconstitucional, não há que se falar em inconstitucionalidade de

tal regra-matriz.

Ademais, a questão atinente à invalidade ou não do enunciado prescritivo,

ante eventual desrespeito formal ou material com a mensagem jurídica que lhe

fundamenta, traz à tona a necessidade de aprofundar o estudo da hierarquia no

direito e, assim, posicionar o enunciado em exame em relação aos demais

existentes no sistema.

5.2. Disposição hierárquica do enunciado prescritivo que versa sobre

conflito de competência em matéria tributária

O estudo da hierarquia no direito posto, após análise da validade normativa

e sistema jurídico de enunciados prescritivos (vide item 1.3.2.), tem o condão de

chancelar as conclusões anteriormente atingidas e, além disso, reforçá-las diante

de construções feitas a partir deste outro ângulo de visão do objeto (muito

próximo dos ângulos supracitados, mas com peculiaridades próprias).

Falamos em sistema jurídico de enunciados prescritivos como o conjunto

de mensagens jurídicas existentes em determinado espaço e tempo. Tal sistema

se autorregula, fazendo surgir novos elementos (enunciados), bem como

excluindo outros.

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Assim, para tornar-se elemento do conjunto é preciso que este novo

enunciado seja fruto de enunciação proferida por sujeito credenciado para tanto

pelo sistema221, e mais, para manter sua validade tal enunciação deve ter

ocorrido em harmonia com os requisitos formais (enunciação-enunciada) e

materiais (enunciado-enunciado), sob pena de poder ser invalidada por outro

sujeito credenciado pelo sistema.

Ora, se falamos em uma classe (sistema), composta por elementos

(enunciados prescritivos), que se autorregula, é preciso definição de quais

elementos prevalecem em detrimento de outros, ou seja, por que o sentido

atribuído a uma mensagem jurídica M’’ pode ter fundamento de validade na

mensagem M’, mas não pode ter em face à mensagem M’’’? Ou, por que na

construção de sentido, é preciso dar prevalência ao disposto no enunciado E’ em

detrimento à disposição existente no enunciado E’’? Essas perguntas somente

serão solucionadas se os elementos (enunciados prescritivos) forem organizados

no interior do conjunto de forma hierarquizada, ainda que tal diferenciação seja

axiomática.

Sobre o tema, Paulo de Barros Carvalho222 explica:

Sem hierarquia não há sistema de direito, pois ninguém poderia apontar o fundamento de validade das unidades componentes, não se sabendo qual deva prevalecer. Uma regra há de ter, para desfrutar de juridicidade, seu fundamento em outra que lhe seja superior (...) Daí ser possível afirmar, peremptoriamente, que o princípio da hierarquia é um axioma (...) Hierarquia tem de existir sempre, de uma forma ou de outra, onde houver direito positivo.

A hierarquia, portanto, está intimamente ligada à questão do fundamento

de validade de uma norma, ou seja, seu fundamento (que também é uma norma)

221 “...princípio da presunção da validade das normas jurídicas: é válida toda norma posta por órgão credenciado pelo sistema, independentemente do procedimento de sua produção. Este princípio – como justifica Ghigliani – ‘que se aplica a todas as normas e não só aos atos legislativos, é fundamental para a manutenção da ordem jurídica, porque fatalmente se cairia no caos se os indivíduos pudessem rebelar-se contra as leis cada vez que em sua opinião se opusessem a normas constitucionais.” (SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. São Paulo : Max Limonad, 1996, p. 71). 222 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 219/220.

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será sempre hierarquicamente superior, até atingirmos a norma hipotética

fundamental, que possui o maior grau hierárquico dentre as normas.

Charles William McNaughton223 faz excelentes reflexões sobre hierarquia e

linguagem do direito (mundo de signos), situação que facilita a definição de

hierarquia como um axioma e, também, propicia sua conscientização como tal,

mormente na perspectiva aqui eleita de ver o direito como um fenômeno

comunicacional:

Por conta desse diálogo que se trava entre o passado e futuro, a língua do direito requer do enunciador um esforço de motivação, intrinsecamente ligado à noção de hierarquia. Tenhamos por motivação, nesse contexto, o esforço de se responder ao passado, tendo por intuito uma aceitabilidade no futuro. (...) Por esse viés, a linguagem “competente” é a que exprime uma língua do direito; e exprimir uma língua do direito é participar de um diálogo iniciado por normas de hierarquia privilegiada à espera de outros enunciados habilitados para julgá-lo.

Vendo o direito como um ciclo ininterrupto de positivação, é fácil entender

esse diálogo entre passado e futuro, onde o comando pretérito tem posição

hierárquica mais privilegiada, já que fundamenta enunciado posteriormente

inserido no sistema, e este aguarda uma aceitabilidade futura, que pode motivar a

sua invalidação se não alcançada.

Note-se que não há um comando normativo estipulando a hierarquia entre

os elementos deste sistema jurídico positivo, ou seja, o seu reconhecimento é

axiomático, fruto da necessidade de se observar as limitações formais e materiais

impostas na norma que outorga competência ao enunciador.

Assim, a norma construída a partir do texto constitucional será sempre

hierarquicamente superior às normas advinda de formas infraconstitucionais,

veiculadas quer por lei complementar quer por lei ordinária e, estas, por sua vez,

223 MCNAUGHTON, Charles William. Hierarquia e Sistema Tributário. São Paulo : Quartier Latin, 2011, p. 41 e 44.

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serão superiores às chamadas normas individuais e concretas224

(aplicação/incidência das normas gerais e abstratas, dentre elas as normas de

conduta) que figuram na base da pirâmide, onde há a efetiva descrição

(concreção) de um fato jurídico, bem como a prescrição de uma relação jurídica

(fato relacional) cujos sujeitos-de-direito restam devidamente identificados.

Logo, a hierarquia demonstrada acima decorre da relação existente entre

enunciados prescritivos (e, por conseguinte, entre o conteúdo a eles atribuído -

normas jurídicas), um sendo fundamento de validade do outro (relação inerente à

origem, nascimento, do enunciado).

Entretanto, a relação hierárquica entre enunciados prescritivos também

pode ser constatada na outra ponta desta autorregulação, qual seja, de

modificação ou extinção de uma mensagem jurídica por outra, somente sendo

possível se a mensagem modificada, ou extinta, for de igual ou inferior hierarquia

que a mensagem modificadora ou extintiva225.

Das assertivas acima conclui-se ser pré-requisito ao processo de

derivação, estritamente ligado ao processo de positivação e, por isso, crucial a

autopoiesis do sistema jurídico-positivo (e, por conseguinte, à relação de

pertinência entre enunciado prescritivo e sistema que implica sua validade -

somente mensagem positivada torna-se jurídica e, portanto, válida), o

conhecimento prévio da hierarquia de seus elementos, posto que sem ele jamais

224 “...a posição que uma norma ocupa na escala do sistema é relativa. Pode ser, a um tempo, uma sobrenorma e uma norma-objeto. Essa relatividade está expressa nos conceitos de criação e de aplicação: criar uma norma N’’ é aplicar a norma N’; criar a norma N’ é aplicar a norma No. A norma No, que funciona como a última no regresso ascendente, é a norma fundamental, que não provém de outra norma, que é norma de construção, sem ser aplicação. O outro limite extremo encontra-se no ato final de execução da consequência jurídica, que não dá margem a nenhuma outra norma. O dever-ser alcançou, então, o último grau de concrescência, com a determinação individualizada do pressuposto e da consequência.” (VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4ª Ed., São Paulo : Noeses, 2010, p. 127). 225 “...um enunciado somente se modifica ou se extingue por obra de outro enunciado, sendo que, nos confins do direito, o enunciado que modifica ou que extingue terá de ser igual ou superior hierarquia (...) A solução é iterativa. Um enunciado jurídico-prescritivo somente poderá ser alterado ou extinto por força de outro enunciado jurídico-prescritivo de mesma ou de superior hierarquia. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 135).

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seria possível a construção de sentido (norma jurídica) nos moldes (valores)

almejados por uma sociedade.

5.2.1. Hierarquia, lei complementar e lei ordinária

Ponto muito controvertido na doutrina brasileira é a existência ou não de

hierarquia entre lei complementar e lei ordinária e, em caso positivo, se há ou não

limites para tal hierarquia. Pelo que já foi afirmado anteriormente, resta evidente

que em alguns casos a lei complementar será fundamento de validade da lei

ordinária e, portanto, em tais situações, dúvida não há de ser a primeira

hierarquicamente superior à segunda.

A corrente doutrinária que tem prevalecido (acolhida pela Corte

Constitucional brasileira) é no sentido de que a lei complementar só será

hierarquicamente superior à lei ordinária quando: (i) respeitar os requisitos

formais de inserção deste enunciado no sistema (quorum qualificado para sua

votação no Congresso Nacional); e, também, (ii) versar sobre matéria

constitucionalmente reservada a este tipo de veículo normativo.

Não basta, portanto, ter os requisitos formais, para ser hierarquicamente

superior à lei ordinária, a lei complementar deve tratar de assunto que lhe foi

reservado pelo legislador constituinte.

Nesse sentido é a lição de José Souto Maior Borges226:

226 BORGES, José Souto Maior. Hierarquia e Sintaxe Constitucional da Lei Complementar Tributária. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. (Org.). Revista Dialética de Direito Tributário n.° 150. São Paulo : Dialética, 2008, p. 73. Em sentido oposto é o estudo de Charles William McNaughton: “Não há dúvida, portanto, que em matérias da denominada ‘reserva à lei complementar’ resta consagrada proteção às minorias e um privilégio ao princípio da conciliação ao se proibir o trato de normas de quóruns menos expressivos para aprovação dessas normas. Agora, o que precisamos ponderar, nesse ponto, é se prevalece essa significação da força da norma introduzida por Lei Complementar para as matérias de competência comum, ou seja, destinadas, genericamente, à lei. Em suma: o legislador infraconstitucional pode criar novas matérias que se sujeitam ao princípio da conciliação? Estamos convencidos, em que pese a maciça opinião doutrinária em sentido contrário, após essa reflexão sobre a relação do princípio democrático com a estrutura hierarquizada do sistema, de que existe, sim, essa possibilidade.” (Hierarquia e Sistema Tributário. São Paulo : Quartier Latin, 2011, p. 397/398).

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A competência da lei complementar somente se estrutura, na CF, pela conjugação das matérias que lhe são reservadas, mais o procedimento especial de elaboração (...) Se não estão presentes os dois requisitos (matéria e forma), o suporte fáctico não se realizará. É dizê-lo insuficiente (...) Se a lei foi aprovada pelo Congresso Nacional com o quorum especial do art. 69 no âmbito das leis ordinárias federais, lei federal continuará ela sendo. O suporte fáctico é em tal hipótese excessivo (ou formalizando: A>B). Se editada no âmbito da competência material de lei complementar sem o quorum, o suporte fáctico será insuficiente (A<B)...

Dúvida não há, portanto, que enunciado prescritivo inserido no sistema (via

lei complementar), que diga respeito à matéria reservada na Constituição Federal

a tal veículo normativo, será hierarquicamente superior a enunciado inserido por

lei ordinária.

Assim, como a questão de fundo neste Capítulo é a norma tendente a

minimizar conflito de competência para instituição de tributos e, tal matéria foi

reservada, na Constituição Federal, ao legislador complementar, inquestionável

sua superior hierarquia em detrimento à lei ordinária, mormente que traga a forma

onde se construa o conteúdo norma de conduta (regra-matriz) do tributo,

conotado ou denotado com maior precisão em tal lei complementar.

5.2.2. Enunciado prescritivo que versa sobre conflito de competência em

matéria tributária, e seu grau hierárquico perante os demais

O enunciado prescritivo que trouxer maior precisão objetivando afastar

vagueza existente no texto constitucional relativo à determinada repartição da

competência para instituição de tributos, deve ser veiculado por lei complementar.

Assim, supridos os requisitos formal (quorum qualificado) e material

(assunto reservado, no texto constitucional, ao legislador complementar) a

mensagem jurídica tendente a evitar conflitos de competência em matéria

tributária será hierarquicamente inferior ao texto constitucional (e à norma

hipotética fundamental), mas hierarquicamente superior ou de mesmo nível

hierárquico que todos os demais elementos (enunciados prescritivos) do sistema.

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Dito de outra forma, a mensagem jurídica (veiculada em lei complementar)

que dispuser sobre conflito de competência em matéria tributária somente poderá

ser invalidada se reconhecida, em processo devidamente regulamentado pelo

sistema (processo judicial) e por autoridade competente para tanto (competência

também atribuída pelo próprio sistema), a existência de confronto de tal

enunciado com outro(s) disposto(s) na Constituição Federal (mormente os que lhe

servirem de fundamento de validade).

O Poder Judiciário, portanto, quando provocado para manifestar-se sobre a

constitucionalidade de uma norma (construída a partir de enunciado veiculado por

lei complementar) que disponha sobre conflito de competência em matéria

tributária deverá averiguar se a pretensão de reduzir a vagueza dos termos

empregados no texto constitucional deu-se, ou não, a contento, ou seja, se logrou

êxito na pretensão de dimensionar, com maior precisão, os signos de riqueza

destacados na Carta Constitucional ou se extrapolou tal delimitação

constitucional.

Assim, o legislador complementar não poderá, por óbvio, sob a justificativa

de trazer maior precisão aos termos dispostos no texto constitucional, distorcer

(ultrapassar) os limites ali existentes, pois se trata de uma relação entre

enunciados prescritivos de diferentes hierarquias e, por isso, o inferior jamais

poderá desrespeitar o superior que o fundamenta.

5.3. Como aclarar, via lei infraconstitucional, os pontos de provável conflito,

sem ferir o texto constitucional?

Antes de adentrarmos no conteúdo destes enunciados que buscam aclarar

pontos de provável conflito de competência, é importante relembrar que existem

três correntes doutrinárias distintas a respeito do tema.

A primeira defende a exaustividade do texto constitucional no trato da

matéria de competência para instituição de tributos e, por isso, entende que a lei

complementar não poderia versar sobre o tema (havendo problemas

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interpretativos jungidos à repartição de competências, caberá tão somente ao

Poder Judiciário dispor e dirimir sobre o caso)227. Essa corrente não se amolda às

premissas e conclusões já versadas ao longo deste estudo restando, portanto,

superada.

As duas outras posições doutrinárias enxergam a lei complementar como

uma importante ferramenta, todavia divergem quanto a sua função (amplitude

desta função) e, tal confronto de ideias advém da premissa que adotam quanto a

extensão do termo “normas gerais em matéria tributária”, reservada exatamente

ao legislador complementar na Constituição Federal. Vejamos:

5.3.1. Conteúdo do enunciado complementar para a chamada corrente

tricotômica

A segunda corrente doutrinária, já apresentada ao longo deste trabalho,

entende que o conceito dos tributos deve estar expresso na legislação

complementar, já que o texto constitucional tão somente apresenta tipos e, assim,

o exercício da competência outorgada deveria valer-se, em todos os casos,

diretamente do disposto nesta mensagem infraconstitucional e, apenas

indiretamente dos enunciados constitucionais.

Nesse sentido, assevera Luís Eduardo Schoueri228:

Tendo em vista a fluidez do arranjo constitucional, as denominações constitucionais de competência tributária incluem-se na categoria de tipos, não de conceitos. É, pois, na lei complementar que aquelas mesmas figuras ganham os contornos rígidos de conceitos. À lei complementar cabe definir cada um dos impostos, dispondo sobre sua hipótese, base de cálculo e contribuinte. Fazendo-o, o legislador complementar dispõe sobre conflitos de

227 “...a norma geral e abstrata que venha dispor sobre conflitos de competência apenas reproduzirá, sem qualquer inovação, a demarcação constitucional dessa atividade legislativa de criação (abstrata) de tributos, o que é desnecessário face ao disciplinamento exaustivo levado à efeito pela Constituição.” (ABREU, Cláudio de. Conflitos de Competência em Matéria Tributária. São Paulo : Dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 1999. p. 162). 228 SCHOUERI, Luis Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Sistema Tributário Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. São Paulo : Noeses, 2012, p. 701.

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competência e assegura que duas pessoas jurídicas de direito público não atinjam uma única manifestação de capacidade contributiva.

Esse raciocínio está ligado à chamada corrente tricotômica229 que atribui à

lei complementar, em matéria tributária, três distintas funções: (i) apresentar

“normas gerais”; (ii) dispor sobre conflito de competência; e (iii) regular limitações

ao pode de tributar.

Partindo dessa premissa (tricotomia das “normas gerais” em matéria

tributária), as construções tecidas pela doutrina acima colacionada podem

alcançar a amplitude em tela, já que a disposição complementar tem essa função

(não só dispor sobre conflito de competência como, também, versar sobre

“normas gerais”).

Para a chamada corrente tricotômica, portanto, “normas gerais” não se

limitam às disposições infraconstitucionais sobre conflitos de competência e sobre

limitações constitucionais ao poder de tributar (aquela não é o gênero destas), ou

seja, além de tais disposições há algo mais que o legislador complementar pode

versar.

É nesse “algo mais”, inerente à corrente tricotômica, que se funda o

entendimento de que o conceito do tributo está, sempre, na norma

infraconstitucional, já que autorizado o legislador complementar a definir critérios

dos tributos, de competência de quaisquer dos entes tributantes.

Alcides Jorge Costa230, em recente trabalho, externa o entendimento da

corrente tricotômica a qual se filia:

229 A filiação de Luís Eduardo Schoueri a tal corrente doutrinária é evidente: “É, pois, da própria dicção constitucional a leitura de que existe, sim, um papel para as normas gerais em matéria de legislação tributária, que não se confunde com as questões de conflito de competência ou de regular limitações ao poder de tributar”. (SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 72). 230 COSTA, Alcides Jorge. Normas gerais como instrumentos de uniformização do Direito tributário. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Sistema Tributário Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. São Paulo : Noeses, 2012, p. 11/12.

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O texto da atual Constituição, como o art. 18, § 1º, da Constituição de 1967 (mesmo considerada a Emenda Constitucional n. 1/69, que praticamente era outra Constituição) deixa claro, claríssimo diria, que normas que dispõem sobre conflitos de competência e normas que regulam as limitações constitucionais ao poder de tributar não são normas gerais, dado que o conteúdo destas está expresso no art. 146, III. (…) Sem embargo dessa posição, uma parte da doutrina ainda sustenta que leis complementares cujo conteúdo sejam normas gerais deve limitar-se a regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e a dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária. É a chamada corrente dicotômica, que continua a defender seu ponto de vista mesmo depois de a Constituição de 1988, art. 146, ter eliminado qualquer dúvida a respeito. Para chegar a esta conclusão, basta ler-lhe o texto.

Como visto, hodiernamente o principal argumento desta corrente

tricotômica é a redação do artigo 146 da Constituição Federal de 1988 que

segregou, em três incisos, as possíveis materialidades da lei complementar, quais

sejam: dispor sobre conflitos de competência (inciso I); regular as limitações

constitucionais ao poder de tributar (inciso II); e estabelecer “normas gerais” em

matéria tributária (inciso III).

Considerando exclusivamente este suporte físico (ou seja, sem influência

de outros enunciados constitucionais na construção do sentido), parece

inquestionável a prevalência da corrente tricotômica.

Todavia, por todas as premissas apresentadas no início deste estudo, o

conteúdo atribuído a determinado enunciado não pode colocá-lo em choque com

outros existentes no sistema de igual ou superior hierarquia (sob pena de sua

invalidação por agente competente), ou seja, o percurso gerador de sentido deve

moldar a construção do conteúdo para que haja harmonia sistêmica, isto é, que

valores consagrados no altiplano constitucional sejam respeitados, inclusive em

interpretação de dispositivos da própria Constituição Federal231.

231 “...conhecer o direito é, em última análise, compreendê-lo, interpretá-lo, construindo o conteúdo, o sentido e o alcance da comunicação legislada. Tal empresa, contudo, nada tem de singela. Requer o envolvimento do exegeta com as proporções inteiras do todo sistemático, incursionando pelos escalões mais altos e de lá regressando com os vetores axiológicos ditados por juízos que chamamos de ‘princípios’.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 3ª Ed., São Paulo : Noeses, 2009, p. 184).

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É verdade que a corrente tricotômica defende tal harmonia sistêmica, mas

para isso tem de partir da premissa de que não há autonomia entre os entes

tributantes, ou seja, que há uma desigualdade entre as pessoas políticas

capacitadas para instituir tributos (concluindo, então, pela possibilidade de uma lei

editada pelo Poder Legislativo da União versar sobre aspectos constitutivos de

tributos de competência de outros entes tributantes - Estados e Municípios - por

tratar-se de “normas gerais”).

Exatamente nesse sentido é a afirmação de Alcides Jorge Costa232:

Parece-me que a concepção dicotômica funda-se, em última análise, na percepção de que a tricotômica atingiria o princípio federativo e, por isso, seria inaceitável. (...) não é suficiente dizer, com base no art. 18 da CF, que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são autônomos. É preciso examinar o que diz a Constituição nos demais dispositivos para se saber qual a extensão da autonomia. (…) E neste, no campo tributário, a autonomia é limitada.

Por não concordar com essa premissa (de existência de autonomia

limitada aos Estados e Municípios, sem ferir o pacto federativo), mantem-se viva

a corrente dicotômica, que embasa aquele outro entendimento doutrinário, de que

a disposição em legislação complementar sobre competência tributária é exceção

(somente presente para minimizar possíveis conflitos e regular as limitações

constitucionais ao poder de tributar).

5.3.2. Conteúdo do enunciado complementar para a chamada corrente

dicotômica

A corrente dicotômica, portanto, concorda com a pertinência da inserção de

um enunciado intercalar àquele de maior grau hierárquico (constitucional, que

outorga competência) e ao que institui o tributo. Todavia, apresenta uma redução

no campo de atuação deste enunciado intercalar, qual seja, tão somente dispor

232 COSTA, Alcides Jorge. Normas gerais como instrumentos de uniformização do Direito tributário. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Sistema Tributário Nacional e a Estabilidade da Federação Brasileira. São Paulo : Noeses, 2012, p. 15/16.

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sobre conflito de competência e regular as limitações constitucionais ao poder de

tributar.

Isso porque, entendem os defensores desta corrente dicotômica que a

autorização de inserção de “normas gerais” pelo legislador complementar (Poder

Legislativo da União, frise-se) implicaria em violação ao pacto federativo233, já que

traria uma invasão, pela União, na disposição de matérias reservadas a outros

entes políticos quando da repartição constitucional da competência.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho234 critica a corrente tricotômica:

...na medida em que fosse permitida à legislação complementar produzir, indiscriminadamente, regras jurídicas que penetrassem o recinto das competências outorgadas aos Estados-Membros, ainda que sob o pretexto de fazê-lo mediante normas gerais, estar-se-ia trincando o postulado federativo, encarnado, juridicamente, na autonomia recíproca da União e dos Estados, sob o pálio da Constituição. Ao mesmo tempo, se tais preceitos, protegidos pela capa da generalidade, pudessem invadir as prerrogativas constitucionais de que usufruem os Municípios, sem limitações determinadas, precisas e antecipadamente conhecidas, teríamos inevitável esvaziamento do princípio que assegurava autonomia àquelas pessoas políticas.

Exatamente na pretensão de afastar essas indeterminações existentes no

termo “normas gerais em matéria tributária” que a corrente dicotômica apresentou

(limitou, definiu) o seu alcance, qual seja, dispor sobre conflito de competência

em matéria tributária e regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Isso porque, inserir outro elemento neste conjunto, totalmente indefinido,

só traria incerteza e insegurança que, fatalmente, implicaria em desrespeito ao

pacto federativo e a autonomia dos Municípios.

233 “O que o caracteriza é, exatamente, a conjugação, em um só Estado soberano, de entidades autônomas, titulares de competências próprias para autodeterminar-se, sem sofrerem, em princípio, a injunção do govêrno central.” (FALCÃO, Amilcar de Araújo. Sistema Tributário Brasileiro - discriminação de rendas. Rio de Janeiro : Financeiras, 1965, p. 16). 234 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 199/200.

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E como esses valores ainda se encontram, explícita e implicitamente, na

Constituição Federal de 1988, não é a mera redação de um de seus dispositivos

(artigo 146) que infirmará a construção harmoniosa feita pela chamada corrente

dicotômica. Até porque, a própria rigidez do texto constitucional restaria

fragilizada nessa situação, se o legislador complementar de fato puder dispor,

livremente, dos assuntos listados nas alíneas “a” e “b” do inciso III do dispositivo

constitucional em cotejo235.

Nesse sentido, aliás, brilhante a observação de Paulo de Barros

Carvalho236 que, mais uma vez, merece transcrição:

Eis aí o aplicador do direito novamente atônito! Pensará: como é excêntrico o legislador da Constituição! Demora-se por delinear, pleno de cuidados, as faixas de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e, de entremeio, torna tudo aquilo supérfluo, na medida em que põe nas mãos do legislador complementar a iniciativa de regrar os mesmos assuntos, fazendo-o pelo gênero ou por algumas espécies que lhe aprove consignar, esquecendo-se de que as eleitas, como as demais espécies, estão contidas no conjunto que representa o gênero.

Para haver um controle sistêmico do que pode e do que não pode versar o

legislador complementar em matéria tributária é que a corrente dicotômica limitou

o alcance interpretativo do termo “normas gerais em matéria tributária” que, em

nosso sentir, é o mais adequado, por enaltecer a igualdade entre as pessoas

políticas no exercício da competência para instituição de tributos.

5.3.3. O conteúdo que deve ser construído em decorrência do enunciado

que dispõe sobre conflito de competência

Por todo o exposto, resta claro que há conflitos de competência para

instituição de tributos no sistema jurídico positivo pátrio e que, por uma opção 235 Constituição Federal de 1988: “Art. 146 - Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (...).” 236 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2004, p. 203.

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política (em prol da segurança jurídica)237 do legislador constituinte, poderá o

legislador infraconstitucional dispor sobre o tema no intuito de minimizar a sua

ocorrência.

Note-se que, tal disposição intercalar (ao enunciado constitucional de

competência e ao enunciado infraconstitucional de conduta) também é um

enunciado de competência que, por essa razão, terá seu conteúdo classificado

como geral e abstrato.

Assim, deve trazer elementos aclaradores tão somente daquela zona de

penumbra citada alhures, onde não há certeza (segurança) quanto ao

enquadramento de um fato social em uma ou outra classe competencial238.

Quando versamos sobre classes cujos conteúdos não podem repetir-se

(operação de diferença entre conjuntos)239, essa zona de penumbra se intensifica,

pois ou o elemento pertence a um ou a outro conjunto e, a forma de definição 237 “O assunto tem, pois, uma relevância que ultrapassa a querela formalista, pois segurança jurídica, como se viu, é também um assunto de natureza política. Neste sentido quer-nos parecer que, dentro da realidade brasileira atual, a qual, de um lado, sofre sempre as consequências dos personalismos e individualismos próprios de sua cultura, de outro, as tentações de um autoritarismo tutelar que mal se disfarça, a necessidade e a importância de normas gerais tributárias para a segurança jurídica devem, prima facie, ser sublinhadas. Eliminá-las é um risco muito grande, que nos obrigaria a acreditar numa ordem espontânea, capaz de, por si só, responder às exigências da justiça, o que, certamente, não é de se aceitar, sobretudo se olharmos nossa tradição. Por sua vez, acreditar também que sua presença, no sistema tributário, seja, por si só, garantia de segurança, é também uma ingenuidade que se deve evitar.” (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Segurança Jurídica e Normas Gerais Tributárias. Revista de Direito Tributário n.º 17-18, São Paulo : RT, 1981, p. 56). 238 “A regra é a franca utilização das competências constitucionais pelas entidades políticas portadoras de autonomia. Quando, porém, qualquer daquelas diretrizes da Lei Maior estiver na iminência de ser violada, pelo exercício regular da atividade legiferante das pessoas políticas, podendo configurar-se conflito jurídico no campo das produções normativas, ingressa a lei complementar colocando no ordenamento ‘normas gerais de direito tributário’, atuando na regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar e regendo matérias que, a juízo do constituinte, parecem suscitar maior vigilância, estando por merecer, por isso, cuidados especiais”. (CARVALHO, Paulo de Barros. A Concessão de Isenções, Incentivos ou Benefícios Fiscais no Âmbito do ICMS. In. CARVALHO, Paulo de Barros. e MARTINS, Ives Granda da Silva. (Orgs.). Guerra Fiscal: Reflexões sobre a concessão de Benefícios no Âmbito do ICMS. São Paulo : Noeses, 2012, p. 51). 239 “Além das operações de união, intersecção e complemento, temos ainda a diferença entre conjuntos, que representamos por A - B. Um elemento x pertence ao conjunto A - B se x pertence a A, mas não a B. Podemos definir isto da seguinte maneira: A - B = df {x│x Є A e x Є B}.” (MORTARI, Cezar, A. Introdução à Lógica. São Paulo : Unesp, 2001, p. 48).

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(escolha) de qual classe incluir aquele elemento é, na maioria das vezes, de

extrema complexidade e, principalmente, dependente do critério escolhido pelo

agente classificador.

Assim, outorgar ao legislador complementar o poder (limitado, lembre-se)

de realizar essa classificação, exclusiva aos elementos situados naquela zona de

penumbra (conflito interpretativo atinente a qual classe competencial ele deve

subsumir-se - que varia de acordo com o contexto histórico-cultural em que

ocorrido o processo comunicacional), é dar-lhe autorização para escolha da

classificação que melhor lhe aprouver, harmônica (por óbvio) aos demais

regramentos existentes em nosso sistema (sem, portanto, adentrar em temas

onde inexistir obscuridade na repartição constitucional, bem como sem trazer

classificação destoante com a classe competencial escolhida).

Roque Antonio Carrazza possui artigo intitulado “Impossibilidade de

conflitos de competência no Sistema Tributário Brasileiro”. Uma analise menos

atenta de tal estudo, mormente porque parte de premissas como “inexistência de

conflito de competência no Sistema Tributário Brasileiro”, bem como

“exaustividade no trato da matéria pelo legislador constituinte”, pode levar a

conclusão de sua incompatibilidade com o trabalho aqui desenvolvido.

Todavia, foi nesta obra que encontramos uma das melhores afirmações

atinentes ao campo de atuação da lei complementar para dispor sobre conflito de

competência em matéria tributária. Ensina, quanto a isso, Roque Antonio

Carrazza240:

É certo que a esta lei complementar não é dado redesenhar as competências tributárias outorgadas às pessoas político-constitucionais. Tem, todavia, a importante função de remarcar as linhas, por vezes tênues, que separam os campos tributários da União, de cada um dos Estados-membros, de cada um dos Municípios e do Distrito Federal. Realmente, embora a Carta Magna tenha tido extremo cuidado ao distribuir e delimitar as competências tributárias das pessoas políticas, o fato é que nela há pontos que podem suscitar insuficiências intelectivas. É aí que há espaço

240 CARRAZZA, Roque Antonio. Impossibilidade de conflitos de competência no Sistema Tributário Brasileiro. In: SOUZA, Priscila de. (Org.). Direito Tributário e os Conceitos de Direito Privado. São Paulo : Noeses, 2010, p. 1.141.

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para que a lei complementar explicite os relatos constitucionais, prevenindo conflitos e, assim, evitando invasões de competência tributária.

E como remarcar essas linhas (torná-las mais claras), sem reduzir ou

expandir tais fronteiras? A própria doutrina acima dá a resposta: o espaço para

que a lei complementar explicite os relatos constitucionais é, exclusivamente,

aquele onde há pontos que podem suscitar insuficiências intelectivas (e tais

pontos, como já dito alhures, dependerão do contexto histórico-cultural em que

analisado esse processo comunicacional no direito).

Logo, se é necessário remarcar (aclarar) a repartição constitucionalmente

feita, não há como falar em redução ou expansão de tal obscura demarcação.

Haverá excesso por parte do legislador infraconstitucional, se adentrar em campo

fora daquela zona de penumbra (e, nesse caso, caberá ao Judiciário retirar tal

enunciado - lei complementar - do sistema).

Havendo, portanto, tal enunciado (lei complementar) e, mesmo assim,

existir conflito de competência (“antinomia” entre mensagens jurídicas, oriundas

de entes diversos, instituidoras / aplicadoras de tributos sob um mesmo fato

social, quando tal campo tributável é de cunho privativo), deverá o intérprete

autêntico utilizar o campo material, espacial ou temporal conotado ou denotado

pela lei complementar (maior precisão) para o atingimento de suas conclusões, só

o afastando se, justificadamente, entender que a lei complementar distorceu os

campos, material, espacial e temporal, existentes (explícita ou implicitamente) no

texto constitucional (ou seja, que a conotação ou denotação apresentada na lei

complementar, ao invés de trazer maior precisão, ultrapassou os limites

existentes no texto constitucional)241.

Assim, mensagem jurídica introduzida para evitar conflitos de competência

atinente à instituição de tributos somente estará em desarmonia com o sistema 241 “O que não se admite, por ser ingênuo e ineficaz, é ignorar os diálogos mantidos entre norma superior e inferior. Apenas na situação de se configurar incompatibilidade entre esses dois planos de sentido é que deve prevalecer o produzido por autoridade superior.” (GAMA, Tácio Lacerda. Sentido, Consistência e Legitimação. In: HARET, Florence e CARNEIRO, Jerson [Orgs.]. Vilém Flusser e Juristas. São Paulo : Noeses, 2009, p. 236).

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jurídico-positivo brasileiro se (i) enunciada por agente incompetente (cabe, tão

somente, ao legislador complementar tal conduta); ou (ii) materialmente em

confronto com o texto constitucional (ao invés de trazer conotação ou denotação

mais precisa que a existente na Carta Constitucional, impor-lhe contradição).

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6. DISPOSIÇÕES FINAIS

É utópico pensar em repartição de competência para instituição de tributos

que não motive conflito, quer entre os entes tributantes apenas (quando tal

conflito não trouxer reflexos ao patrimônio dos contribuintes) quer entre tais entes

e contribuintes (tendo seu patrimônio mais ou menos onerado em decorrência do

conflito).

Tal utopia é consequência do fato de que as disputas por competência

tributária (assim como toda e qualquer disputa atinente ao direito) são

exclusivamente de cunho linguístico242, ou seja, decorrentes da construção de

sentido e, por conseguinte, alcance dos termos utilizados pelo legislador

constitucional para delimitação dos poderes (de União, Estados, Distrito Federal e

Municípios) na instituição de tributos.

A contribuição que este estudo pretendeu trazer foi demonstrar que a

visualização do problema pelo prisma comunicacional do direito pode ser uma

interessante ferramenta, pois amplia o ângulo de visão e, com isso, permite maior

clareza na identificação do conflito, suas causas e, principalmente, encontro da

melhor solução para dirimi-lo.

Isto é, a análise de todo o fenômeno comunicacional de outorga de

competência tributária, que não se limita às chamadas regras de estrutura, mas

também observa regras de comportamento (em especial as que instituem tributos

e que aplicam tais tributos instituídos), permite:

(i) demarcar o conflito normativo gerado nestas regras de comportamento

(antinomia em sentido amplo);

242 “Todos estos problemas son insolubles (...) porque su solución no depende de la realidade ni de la naturaleza sino de ciertas decisiones classificatorias y lingüísticas.” (GUIBOURG, Ricardo A., GHIGLIANI, Alejandro M. E. e GUARINONI, Ricardo U. Introdución al conocimiento científico. 6ª Ed., Buenos Aires : Eudeba, 1988,p. 40).

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(ii) identificar o ruído comunicacional existente nas regras de estrutura (ruídos

nos critérios material, espacial e/ou temporal) que motivam o conflito

interpretativo gerado em mais de um agente enunciador (visão competencial

do direito); e

(iii), por conseguinte, facilita o encontro da melhor solução a este problema.

Essa reconstrução da situação “ii”, partindo da “i”, é crucial ao atingimento

da situação “iii”. Tal processo de derivação, como já dito alhures, muitas vezes é

feito de maneira inconsciente pelo intérprete, autêntico ou não, mas sem sobra de

dúvidas que o seu percurso consciente traz maior embasamento e solidez às

construções, prescritivas lá descritivas cá.

Quando há enunciado intercalar (veiculado por lei complementar) à

mensagem constitucional de outorga de competência e ao enunciado prescritivo

que institui o tributo, a importância desta visão comunicacional do direito no

enfrentamento da matéria aumenta consideravelmente.

Isso ocorre porque além de propiciar a melhor solução ao problema, esse

recorte mais amplo do objeto em exame permite, também, identificar a quem

compete dirimir o problema, e como.

Em certos casos, portanto, deverá o Poder Judiciário analisar se existe, ou

não, mensagem (veiculada por lei complementar) reduzindo eventuais

complexidades na delimitação desta classe competencial para, em caso positivo,

realizar o cotejo da regra de conduta em detrimento deste enunciado inserido no

sistema para minimizar conflitos de competência (o cotejo desta regra de

estrutura com a regra, também de estrutura, existente no texto constitucional é

situação outra, que poderá atingir a regra de conduta, mas apenas de forma

indireta).

E isso porque assim estipula o próprio sistema jurídico pátrio (conforme

enunciado explícito nesse sentido existente no texto constitucional - artigo 146,

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inciso I), ou seja, o legislador constituinte anteviu essa situação e, ciente de que

quanto maior a vagueza maior a amplitude interpretativa cabível (a ser exercida

tão somente pelo Poder Judiciário), determinou a inserção, nesses casos, de

outra norma no sistema (via lei complementar), redutora de tal imprecisão para,

com isso, ainda que perdure o conflito fruto de ruídos nesse processo

comunicacional do direito, dar ao julgador condições para que sua decisão

(norma individual e concreta) tenha poucas chances de destoar das demais

proferidas em outras esferas judicantes com situação similar para apreciar,

trazendo harmonia ao sistema e, principalmente, segurança jurídica.

Logo, não há dúvida que a pretensão do legislador constituinte foi delimitar

de forma precisa e inconteste os campos de competência para instituição de

tributos de cada um dos entes autorizados para isso. Mas ele próprio (legislador

constituinte) tinha consciência de tratar-se de atividade impossível (utópica) e, por

essa razão, outorgou ao legislador infraconstitucional (via lei complementar) esse

ônus quando a praxe jurídica demonstrar a necessidade de sua regulamentação

(precisão - via conotação ou denotação - do campo, material, espacial ou

temporal, a ser atingido por determinada exação, e não por outra; ou a ser exigido

por determinado ente tributante, e não por outro).

Em outras palavras, no sistema jurídico brasileiro poderá o legislador

complementar reduzir vaguezas existentes na repartição de competência feita no

texto constitucional, deixando desde já os destinatários da regra (participantes e

observadores ou intérpretes autênticos e não autênticos) informados a respeito de

como determinada situação deverá ser tratada do ponto de vista tributário e isso,

por si só, impõe segurança (previsibilidade) jurídica ao sistema.

Tudo isso porque repartição de competência em matéria tributária nada

mais é do que uma divisão de classes (tributos de competência da União; tributos

de competência dos Estados; e tributos de competência dos Municípios).

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Ora, se classificar é demarcar os limites que isolam o campo de irradiação

semântica de um conceito243, não há dúvida de que existirá nas fronteiras desta

ideia uma zona cinzenta onde não haverá certeza (aceitação social, mutável em

razão do contexto histórico-cultural) a respeito da inclusão, ou não, de

determinados elementos nesse conjunto (ausência da clareza necessária à

verificação da existência das características indispensáveis à subsunção).

É sobre essa zona de penumbra, por expressa determinação da

Constituição Federal, que deve versar a norma que dispuser sobre conflito de

competência em matéria tributária, sem ultrapassar ou distorcer os limites do

conjunto dispostos no texto constitucional.

Logo, se houver norma intercalar ao enunciado constitucional de outorga

de competência e à regra de instituição do tributo, o processo de derivação

realizado deverá sempre considerá-lo, ainda que para reduzir ou rechaçar seu

campo de incidência, se o interprete autêntico tiver esse poder.

Note-se que a menção a poderes do intérprete autêntico já sinaliza que

haverá limites de como o conflito poderá ser dirimido, a depender da Corte que o

enfrenta. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, não deve ignorar a

disposição infraconstitucional tendente a evitar conflito de competência, nem

muito menos rechaçá-la ao argumento de ser inconstitucional.

Ou seja, além de encontrar o ruído comunicacional motivador do conflito, o

processo de derivação indicará qual é o fundamento de validade imediato

(constitucional ou infraconstitucional) das normas em confronto (obviamente que,

ao solucionar o conflito, uma destas normas terá essa validade confirmada e as

demais não). Sendo o fundamento imediato uma norma infraconstitucional, ela

jamais poderá ser ignorada na solução do conflito.

243 E, aqui, nos valemos da lição de Tácio Lacerda Gama onde: “...termo é o suporte físico, o significante, a partir do qual se constrói uma significação acerca de um significado. Esta significação é o conceito, a idéia suscitada pelo contato com o termo, e que pode, por sua vez, ser conotativa ou denotativa.” (GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo : Noeses, 2009, p. 165).

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Exemplificando, o Superior Tribunal de Justiça não deveria adotar o

princípio da preponderância (como fez no julgamento do Agravo Regimental no

Recurso Especial n. 1.375.282/MG - mencionado no item 4.4.1.1.), quando da

solução de conflito vertical de competência, fruto de ruído no critério material das

hipóteses de incidência do ISS e do ICMS, ante a existência de regra

infraconstitucional, veiculada por lei complementar, trazendo mecanismo diverso

para a resolução do problema (em especial o § 2º, do artigo 1º, da Lei

Complementar n. 116/2003).

O princípio da preponderância, supracitado, é um critério de solução que

se funda, exclusivamente, nos comandos constitucionais, isto é, o fato jurídico

tributado pode figurar como elemento de ambas as classes (serviços de qualquer

natureza; ou circulação de mercadorias / serviços de transporte interestadual,

intermunicipal ou de comunicação), todavia, prepondera em tal fato mais

características de uma destas classes, razão porque a vinculo a uma e, por

conseguinte, a desvinculo da outra.

Todavia, o critério de solução de conflito em casos como esse, indicado na

legislação complementar, é outro e, portanto, se o Superior Tribunal de Justiça

não tem competência típica para declarar inconstitucional determinada norma,

jamais poderia solucionar um conflito de competência sem observar a regra

infraconstitucional positivada exclusivamente para essa situação.

Nem o Supremo Tribunal Federal deve realizar esse processo de derivação

sem observância da regra infraconstitucional tendente a evitar conflito de

competência. É certo que a Corte Constitucional tem poder para invalidá-la, ou

interpretá-la “conforme” a Constituição Federal244, mas em qualquer situação,

deve posicionar-se sobre esse comando normativo.

244 “Há hipóteses, contudo, em que pelo menos uma das normas jurídicas construídas a partir da lei (ou ato normativo) arguida de inconstitucional está em consonância com o ordenamento jurídico. Assim, se das interpretações cabíveis na ‘moldura’ da norma, uma delas estiver em consonância com a Constituição, o STF prescreve aquela significação como possível de ser aplicada pelos órgãos competentes e, portanto, válida. Na mesma linha, se, dentre as várias interpretações possíveis, somente uma não guarda consonância com a Constituição, será esta

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Foi o que fez no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 4.389/DF245 (mencionado no item 4.4.1.2.), onde

analisando exatamente um conflito de competência entre ISS de um lado e ICMS

e IPI de outro, interpretou o § 2º, do artigo 1º, da Lei Complementar n. 116/2003

“conforme” a Constituição Federal:

...concede-se medida cautelar para interpretar o art. 1º, caput e § 2º, da Lei Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa, para reconhecer que o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS.

Note-se que a solução do conflito acabou sendo pelo princípio da

preponderância (no caso, entendeu a Suprema Corte que há mais elementos de

circulação de mercadorias e/ou de industrialização, do que de prestação dos

serviços descritos no subitem 13.05), todavia, necessária foi a menção, ainda que

para afastar seus efeitos no caso concreto, da regra infraconstitucional que trazia

critério diverso para a solução do conflito.

Insista-se, não rechaçou o critério de solução disposto no § 2º, do artigo 1º

da Lei Complementar n. 116/2003, mas entendeu que para aquele específico

conflito, aplicá-lo traria desrespeito a comandos constitucionais, em especial aos

signos presuntivos de riqueza eleitos para demarcar a competência dos

Municípios na instituição do ISS, dos Estados na instituição do ICMS e da União

na instituição do IPI.

Em outro caso, o Supremo Tribunal Federal ao realizar o processo de

derivação supracitado, no intuito de reconstrução do procedimento

declarada constitucional e as outras inconstitucionais. Na primeira hipótese, temos o emprego da técnica de interpretação conforme a Constituição; na segunda, a técnica empregada é a da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade (do texto).” (LINS, Robson Maia. O Supremo Tribunal Federal e norma jurídica: aproximações com o constructivismo lógico-semântico. In: HARET, Florence e CARNEIRO, Jerson [Orgs.]. Vilém Flusser e Juristas. São Paulo : Noeses, 2009, p. 385). 245 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.389/DF. Ministro Relator Joaquim Barbosa. DJe 24/05/2011.

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comunicacional inerente à outorga de competência para instituição de tributo,

concluiu pela impossibilidade de tal instituição enquanto inexistente norma

infraconstitucional (veiculada por lei complementar) minimizando provável conflito

horizontal de competência entre os Estados. Vejamos o voto do Ministro Octavio

Gallotti246:

O disposto no § 3º do art. 24 da Constituição não pode, portanto, significar a abolição da lei complementar necessária à dirimência de conflitos de competência entre Unidades da Federação. O âmbito do dispositivo está limitado, logicamente, às situações de alcance simplesmente isolado ou local, como também indica a expressão literal da norma, em sua parte final, quando se declara destinada a atender os Estados “em suas peculiaridades”, sem se mostrar, assim, pertinente ao trato da matéria tributária que haverá, fatalmente, de compreender o inter-relacionamento de mais de um Estado. (...) Note-se que, para tornar viável a cobrança do ICMS, o § 8º, do citado art. 34 do ADCT, autorizou o suprimento da falta de lei complementar pela celebração de convênio, o que, não tendo sido previsto em relação ao adicional estadual do imposto sobre a renda, serve para corroborar a impossibilidade de exigência deste último, sem a lei complementar determinada pelo art. 146 da Constituição Federal.

A exação motivadora desse julgado, qual seja, adicional estadual do

imposto sobre a renda, não mais possui previsão em nossa Carta Constitucional,

mas o exemplo é de suma importância, ainda que de extremo caráter

excepcional.

Nesse julgado, insista-se, em excepcionalíssima situação, o Supremo

Tribunal Federal reconhece a necessidade de ser fundamento de validade da

norma de conduta (regra matriz de incidência tributária) a norma de competência

versada em comando infraconstitucional, ante a provável ocorrência de ruído no

critério espacial desta exação, invalidando-a pela inexistência de “lei

complementar necessária à dirimência de conflitos de competência”.

Aqui, o processo de derivação foi mais além, indicando a necessidade de

regra intercalar ao comando constitucional de outorga de competência e à regra-

246 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Recurso Extraordinário n. 136.215-4/RJ. Ministro Relator Octavio Gallotti. DJ 16/04/1993.

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matriz de instituição do tributo, sob pela de invalidade (inconstitucionalidade)

desta.

E não há dúvida que somente a Corte Constitucional poderia externar tal

prévia solução de conflito (prévia porque se deu a invalidação da norma

instituidora do tributo, não por estar em conflito com outra, mas por ser a

antinomia consequência certa, isto é, provável).

Os exemplos acima apresentados demonstram a necessidade de

verificação de todas as normas pertinentes à outorga de competência, dentre elas

as decorrentes do seu uso, não só para o encontro da melhor solução ao

problema como, também, para entender os limites sistêmicos desta solução, a

depender da Corte instada a se manifestar.

Por todo o exposto, evidenciada está a importância de se observar todo o

fenômeno comunicacional atinente à outorga de competência para instituição de

tributos, com ênfase no conflito interpretativo que permite a mais de um

enunciador lutar pelo reconhecimento sistêmico de ser o destinatário exclusivo

desta competência, para o enfrentamento do problema.

Essa ferramenta, de ver o conflito de competência em matéria tributária

pelo prisma comunicacional do direito, também permite identificar os limites

decisórios para a resolução do conflito, mormente quando houver norma

intercalar (lei complementar) às regras de estrutura de cunho constitucional e às

regras de comportamento que instituem a exação.

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