Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Articulação Comunidade-Escola 1

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CONHECIMENTO E CIDADANIA 6 TECNOLOGIA SOCIAL E ARTICULAÇÃO COMUNIDADE-ESCOLA VOLUME 1 INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL DEZEMBRO 2008

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conhecimento e cidadania 6 tecnologia social e articulao comunidade-escola Volume 1

instituto de tecnologia social dezembro 2008

apresentao 05 introduo 09 uma visita a duas cidades educadoras 17 1. sorocaba: cidade saudvel, cidade educadora 2. a escola integrada de Belo horizonte escola cidad: uma proposta do instituto Paulo Freire 41 Frum de educao da zona leste de so Paulo 55 1. um espao de dilogo para pensar a educao 2. Plano local de desenvolvimento educativo da Zona leste de so Paulo consideraes finais 73 referncias bibliogrficas 79

sumrio

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educao prioridade permanente nas aes do Instituto de Tecnologia Social (ITS Brasil) e est presente em cada atividade que promove, em cada projeto que elabora, em cada publicao que edita. Desde sua fundao, quando seu Conselho Deliberativo tinha como membro o doutor Jorge Nagle, professor, pesquisador em educao, sempre esteve claro para ns o lugar central que a educao tem no desenvolvimento socioeconmico, sobretudo quando este encarado como um caminho para o rompimento com as estruturas que perenizam as desigualdades e injustias sociais. Em seguida, quando organizamos em 2004 os seminrios que reuniram mais de oitenta organizaes para construir o debate e elaborar coletivamente o conceito de tecnologia social. Discutimos uma srie de experincias desenvolvidas no campo da educao, alm de outras nos campos da agricultura familiar, desenvolvimento local participativo e tecnologia assistiva. Estes seminrios evidenciaram novamente que a educao no apenas um campo de conhecimento ou rea de atividade, mas uma dimenso transversal no s tecnologia social, mas vida de cada pessoa, de cada cidado. Vivemos aprendendo, aprendemos porque vivemos, nos transformamos pelo aprendizado enquanto enfrentamos as dificuldades e problemas que esto postos em nossa realidade. A educao, portanto, entendida no como absoro de conhecimentos prontos e vindos de fora, mas como a inveno e re-elaborao constante do mundo, e de si mesmo, que cada um empreende durante toda a sua vida, a mais ativa e mais presente das dimenses que constituem a tecnologia social. por isso que entender o mundo j transform-lo e tambm participar um pouco mais dele. Entender o mundo significa apropriar-se dele, sentir-se dentro dele, mais prximo das coisas e das pessoas. Significa tambm respeitar o mundo e as pessoas, admirar-se de sua grandeza e mistrio, no para cultu-lo, mas para am-lo e construir nele uma existncia ntegra, feliz e sustentvel. A srie de cadernos que inicialmente resultou dos seminrios, e que prossegue com a publicao deste volume, recebeu ento o nome de Conhecimento e Cidadania. Os dois conceitos esto imbricados um no outro: no h cidadania sem conhecimento, sem a construo de uma compreenso da realidade que permita atuar de modo cons-

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ciente e autnomo no espao pblico da sociedade; e o exerccio da cidadania gera sempre novos conhecimentos, que so construdos coletivamente e compartilhados. Todas as aes promovidas pelo ITS Brasil abarcam atividades de formao, em que se criam situaes de intenso aprendizado. Pode-se citar o exemplo de todo o processo de pesquisa popular e implantao do projeto, desenvolvido no bairro de Cidade Ipava (em So Paulo, SP) ou nos bairros de So Sebastio, Itapu e Mestre DArmas (em Braslia, DF) na construo de seus processos de desenvolvimento local participativo, ou mesmo a prpria formao em meio ambiente que integrou este mesmo processo; o amplo processo educativo que ocorre no projeto Po Sol, em parceria com a prefeitura de Osasco (SP), uma padaria modelo que funciona como um espao de aprendizado e exerccio da profisso da confeitaria e padaria e gera oportunidades de trabalho e renda, estimulando tambm os processos de economia solidria; o curso distncia sobre Direitos Humanos e Mediao de Conflitos, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal; ou ainda as vrias aes ligadas tecnologia assistiva, extenso universitria, entre tantas outras. Assim, quando falamos de tecnologia social, surge com toda fora a noo de uma educao sistmica, transversal, presente em cada momento, seja de modo explcito em atividades de educao formal, no-formal e informal, seja implicitamente nos aprendizados que acontecem a cada interao humana. H muito que a ideia de uma nica matriz de conhecimento (a acadmica) tornou-se obsoleta, mas ideologicamente continua-se a preterir as diversas formas de conhecimento presentes na sociedade, e que muitas vezes apresentam as portas de sada para impasses encontrados pela academia. Uma educao sistmica significa tambm a eliminao de certas segmentaes e fronteiras artificiais que em geral apenas fazem a manuteno de velhas estruturas de poder. Por que razo no deveria a escola dialogar com a comunidade de seu entorno? Por que a escola deve ter muros? No estar a uma das razes de a escola brasileira ter sido to pouco eficaz na educao de nossas crianas e jovens e a explicao do porqu da perda do vnculo com a realidade vivida dessas pessoas e do motivo pelo qual o que se procura ensinar so contedos que no lhes dizem respeito? Talvez estes conte-

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dos at lhes digam respeito, mas so sentidos como coisas totalmente desligadas de suas realidades. Ser que isso no ocorre justamente porque ao invs de pontes o que se constri so muros? As crianas, como quaisquer pessoas, s aprendem em contexto. O conhecimento s faz sentido quando inserido num contexto e confrontado com ele. Esta uma das razes da importncia central da articulao entre comunidade e escola, tema deste caderno. Que a escola deixe de ser um lugar de segregao e submisso para ser um lugar de referncia na gerao de esperana e alegrias para a comunidade, que a comunidade se encontre na escola e que esta seja, de fato, parte da comunidade. Este caderno, portanto, mais um passo entre tantos que precisam ser dados na construo de uma educao pblica de qualidade no Brasil. Recolhemos e apresentamos tecnologias sociais de organizao e gesto destinadas articulao comunidade-escola a partir de uma perspectiva territorial dos sistemas de educao formal dos municpios de Sorocaba e Belo Horizonte e daquilo que se poderia chamar de a comunidade escolar da Zona Leste de So Paulo. No prximo volume, a articulao comunidade-escola ser vista por meio de iniciativas que tecem suas redes a partir das unidades escolares, sem necessariamente afetar todo o sistema de um municpio. Estamos prontos para ouvir os comentrios, crticas, opinies e sugestes que possam surgir de sua apreenso desse texto.

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Boa leitura! Irma R. Passoni, gerente-executiva do ITS Brasil

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istoricamente, em diferentes regies brasileiras, organizaes da sociedade civil criaram prticas e metodologias participativas de produo de conhecimento e tecnologias originais, valorizando as capacidades das comunidades e das pessoas para enfrentar os problemas do seu dia-a-dia. No dilogo entre as diferentes reas de conhecimento, freqentemente so descobertos caminhos que as integram e geram diversificadas formas de aprendizado. Em publicaes anteriores, o ITS Brasil procurou abordar algumas dessas experincias, sempre tendo como um dos focos de primordial importncia a dimenso educativa. Com efeito, pode-se tomar como regra o fato de que uma realidade no muda sem produo e difuso de conhecimentos. Se essa mudana acontece do modo como acreditamos ser justo e democrtico, com a incluso de todos os cidados que compem a comunidade em questo, necessariamente h que se dar uma resposta pergunta: qual o caminho mais adequado para que as pessoas, de fato, aprendam, se fortaleam e se tornem cada vez mais ativas nos processos que lhes dizem respeito?

Assim, no importa qual seja o tema abordado (desenvolvimento local participativo, agricultura familiar, alfabetizao, ensino de matemtica e de cincias, tecnologia assistiva, entre outros), a educao sempre participa dos processos que envolvem tecnologia social. Alis, essa uma caracterstica de importncia central. Primeiro, porque a participao sempre traz aprendizados. So situaes novas, novos desafios, que envolvem o dilogo entre pessoas que so diferentes, com diferentes idias e pontos de vista. E esse encontro com a diferena , na realidade, um dado essencial a qualquer processo educativo. Como diz o filsofo da educao Jorge Larrosa(2009,p.), no h formao que no se realize de um encontro com a diferena e a alteridade, com o que no sou eu, com o que no apenas uma repetio ou uma projeo de mim mesmo . Segundo, mas no menos importante, que estamos falando sobre enfrentar problemas concretos, efetivamente vividos pelas pessoas e para os quais no existem solues prontas. Ou seja, preciso inovar, criar solues novas. Para isso, muito importante querer encontrar

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a soluo, sentir profundamente essa necessidade, mas isso est longe de ser suficiente. A sociedade muito complexa, nela se entrecruzam muitas dimenses, as quais envolvem muitas especialidades de conhecimento. Ser capaz de participar na formulao de respostas a esse tipo de problema significa aprender a ouvir diferentes atores da sociedade, aprender a reconhecer problemas que s vezes sequer se sabia de sua existncia... A cada momento, h muito conhecimento envolvido, que precisa ser difundido, recriado coletivamente, adaptado, incorporado, transformado. Toda essa circulao e gerao de conhecimento acontece, nestes projetos, muitas vezes em situaes de educao no-formal ou informal. So oficinas realizadas pontualmente, processos de formao, dinmicas de troca de saberes ou ento saberes aprendidos na prtica, enfrentando os problemas, vencendo dificuldades... No se pode minimizar a importncia de toda essa rede de saberes. Muitas vezes, no entanto, houve e h conflito entre prticas educativas que buscam a autonomia e a participao democrtica das comunidades, elaboradas em situaes educativas novas, e estruturas escolares tradicionais e tradicionalistas, rgidas em demasia, e no adequadas realidade do seu pblico. ainda muito mais comum que as escolas no enxerguem o seu entorno e as pessoas que fazem parte de sua comunidade do que o contrrio. De fato, como coloca Rodrigo Perptuo na entrevista que concedeu neste caderno, no possvel vislumbrar uma sustentabilidade a longo prazo de modos de desenvolvimento que tenham nas pessoas e no conhecimento a sua principal coluna de sustentao sem a fora da educao formal. Sobretudo num momento

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em que a sociedade brasileira busca caminhos para lidar com temas determinantes na conquista de um desenvolvimento que consiga contemplar, sem contradio, os seguintes princpios: n a inovao tecnolgica visando ao desenvolvimento socioeconmico inclusivo e sustentvel e a melhoria da qualidade de vida da populao; n a qualidade e a eficcia da educao bsica de crianas, jovens e adultos; n a garantia dos direitos humanos universais. Felizmente, embora ainda sejam exceo regra, j no so poucos os casos de escolas e sistemas de educao locais que se reinventam em busca de uma nova qualidade. Essa qualidade, que procuramos captar neste caderno, envolve todas as caractersticas metodolgicas de tecnologia social: 1. compromisso efetivo com a transformao social; 2. o ponto de partida so as reais necessidades e demandas da populao; 3. relevncia social; 4. sustentabilidade ambiental; 5. inovao, seja pela introduo de tecnologias j desenvolvidas numa realidade em que so estranhas, seja pela criao ou recriao de tecnologias no prprio processo; 6. organizao e sistematizao; 7. acessibilidade e apropriao pela populao; 8. aprendizados gerados para todos os envolvidos; 9. dilogo entre saberes populares e conhecimento cientfico; 10. difuso dos conhecimentos e tecnologias desenvolvidos; 11. processos participativos de planejamento, acompanhamento e avaliao; 12. fortalecimento do processo democrtico.

Este caderno procura coletar, organizar e apresentar algumas dessas experincias, de modo a fornecer subsdios a essa discusso. Em nosso horizonte, temos a necessidade de contribuir para a formulao de polticas pblicas de articulao entre escola e comunidade, entendidas como processo, a um s tempo, socioeducativo e cultural. Idealmente, tais polticas devero fomentar a aproximao entre os diferentes atores sociais de uma comunidade, gerando e aplicando tecnologias sociais com vistas ao desenvolvimento sustentvel, fortalecendo o processo democrtico e a incluso social. Estruturas assim pensadas, de modo integrado aos projetos poltico-pedaggicos das escolas, devero favorecer a apropriao local de cincia, tecnologia e inovao para melhor atender s demandas socioeconmicas, educativas e culturais especficas daquele territrio. E tambm auxiliar no combate s disparidades socioeconmicas, educacionais e culturais, com a valorizao das potencialidades e especificidades regionais, por meio do apoio a programas de educao pblica em tempo integral, relacionando desenvolvimento socioprodutivo local com formao geral, cientfica e cultural. No h dvida, a educao assunto que concerne a todos. Esta proposta est, portanto, em perfeita sintonia com a finalidade da Secretaria de Cincia e Tecnologia para a Incluso Social do Ministrio da Cincia e Tecnologia (Secis/MCT), rgo governamental que apoia a elaborao deste caderno:propor polticas, programas, projetos e aes que viabilizem o desenvolvimento econmico, social e regional, e a difuso de conhecimentos e tecnologias apropriadas em comunidades carentes do meio rural e urbano.

Pode-se citar ainda o Plano de Ao 20072010: Cincia, Tecnologia e Inovao para o Desenvolvimento Nacional, que integra o conjunto de aes do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC). Nele, a Secis tem a misso de promover a popularizao e o aperfeioamento do ensino de cincias nas escolas, bem como a produo e a difuso de tecnologias e inovaes para a incluso e o desenvolvimento social, descrita no Eixo estratgico IV Cincia, Tecnologia e Inovao para o Desenvolvimento Social. No plano internacional, deve ser mencionada a iniciativa da Organizao das Naes Unidas denominada Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel, de 2005 a 2014. Diversos pases j esto desenvolvendo seus planos ou estratgias nacionais de educao nesta perspectiva, entre eles a Finlndia, o Japo, a Esccia, a ndia, a Sucia e a Alemanha (Gadotti, 2008).

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algumas perguntas norteadorasA partir dessa introduo, podemos situar nosso universo de investigao com algumas perguntas guia:

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O que preciso garantir para que as pessoas de um territrio se desenvolvam integralmente, fortaleam sua identidade, criem novas possibilidades de ser e, ao mesmo tempo, compreendam e inventem modos de produo que proporcionem a elas e s suas comunidades uma vida digna, com o alimento e a cultura de que todos precisamos? Como fortalecer a escola, plo produtor e irradiador de idias, como espao aberto para as trocas simblicas, um

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frum de discusso da, sobre e para a comunidade, pela e para a cidadania? Como integrar a educao ao trabalho, no s de modo funcional o que faria da escola um centro de treinamento para a realizao de tarefas, aprendizado que logo se tornaria obsoleto em nosso mundo em rpida transformao , mas tambm para formar seres humanos capazes de criar e recriar seu conhecimento, de modo crtico e autnomo, aprendendo a aprender? Como ampliar a conscincia de que o aprendizado de fora da escola to fundamental para a vida em comunidade como os aprendizados de dentro da escola, superando as contradies entre eles? Como realizar o dilogo efetivo entre escola e comunidade, para que ambas sejam transformadas uma pela outra? O que fazer para que a escola participe da vida da comunidade, que seja corresponsvel por seus problemas e suas potencialidades, e para que a comunidade cuide da escola como um bem pblico precioso, lugar especial onde possa haver intercmbio para a produo de novos saberes e a construo de novas realidades?

a escola integrada de Belo horizonte (no alto), a oficina do saber em sorocaba (ao centro) e a Festa da escola cidad (embaixo)

Ao tentar responder a essas perguntas, buscando articular educao formal e desenvolvimento local, define-se um importante campo de ao e discusso. Os sistemas educativo e produtivo esto imbricados, por diversas razes. De um lado, o sistema produtivo local, correspondente s vocaes prprias do territrio, necessita de profissionais qualificados em reas especficas, o que gera a necessidade de centros formadores. Do outro, o conjunto de atividades econmicas da lo-

calidade exerce por si mesmo papel educativo, seja porque as pessoas exercem aquelas atividades e tm muitas oportunidades de aprendizado prtico, seja pela proximidade de tais pessoas (parentes, amigos, vizinhos etc.). O terceiro aspecto que essas duas reas so parte de uma mesma cultura local, que tambm tem papel educativo muito relevante. Os Arranjos Produtivos Locais, por exemplo, j contm elementos de educao, pois as atividades da cadeia produtiva de um setor numa regio exercem presso para a formao de certos profissionais. Se imaginarmos um arranjo similar, mas com nfase na educao os tais "arranjos educativos" mencionados no Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE)] abre-se uma concepo mais abrangente. Mais que a combinao de atividades econmicas, eles seriam se pensarmos do ponto de vista de um projeto de construo da cidadania ambientes de formao integral de cidados, que se educam enquanto estudam, praticam esportes, trabalham, produzem, consomem responsavelmente, divertem-se, criam...

as experincias selecionadas para este cadernoNeste caderno, sero relatadas algumas experincias de articulao entre comunidades e escolas a partir de um ponto de partida territorial, abrangendo seja um municpio seja uma regio de um grande municpio como a cidade de So Paulo. So assim os casos de duas cidades educadoras, Sorocaba e Belo Horizonte a primeira vivendo ainda os primeiros momentos dessa nova postura que consolida o compromisso com a Carta das Cidades Educadoras. J a segunda,

hoje a coordenadora da Rede Territorial Brasileira da Associao Internacional das Cidades Educadoras (Aice), e vem, h muitos anos, desenvolvendo a cultura de participao e da descoberta de oportunidades de educao no convvio dos cidados com sua cidade. A proposta da Escola Cidad, desenvolvida pelo Instituto Paulo Freire, em parceria com algumas secretarias municipais de Educao, articula-se diretamente com a idia de uma cidade que pensada como campo educativo e de participao. tambm o caso do Frum de Educao da Zona Leste de So Paulo, instncia de debates organizada e gerida pela comunidade, que teve como fruto de seu prprio processo a produo de um Plano Local de Desenvolvimento da Educao. Num prximo caderno, que dar continuidade a este, o foco sero iniciativas construdas a partir ou em relao com as unidades escolares. A importncia da apresentao do projeto das cidades educadoras no contexto anunciado reside no fato de tratar-se de uma proposta fundada em valores de cidadania, de construo dialgica de uma comunidade planetria. Est claro, portanto, que os arranjos que integrem educao e produo no devem tornar-se um meio de depredao do meio ambiente local, ampliando atividades econmicas sem a garantia de valores e medidas de sustentabilidade ambiental e qualidade de vida duradoura. Este o risco maior a ser evitado. O ministro da Educao, Fernando Haddad, tem afirmado que o PDE e outros programas de sua pasta foram pensados a partir do conceito de educao sistmica. Isto superaria a infrutfera discusso sobre priorizar a educao bsica ou a superior. No haver qualidade da educao superior sem um bom ensino bsico, que forme

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os alunos para as universidades. Mas no se constri uma educao bsica de qualidade sem educao superior que propicie a formao de excelncia dos educadores.

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muitas vezes h conflito entre prticas educativas que buscam a autonomia e a participao democrtica das comunidades e estruturas escolares tradicionais e tradicionalistas

Pensada de modo sistmico, a educao vista como um processo de interesse primordial para toda a sociedade: deve incluir tambm os pais e mes dos alunos e tambm, por que no, o restante da comunidade, que passar a se interessar e ser corresponsvel pela escola. Essa uma possibilidade que comea a ser debatida de forma mais contnua e sistemtica. A formao dos conselhos de escolas, previsto no PDE, deve fortalecer este caminho. Programas como o Mais Educao, que estimula a interao com as comunidades do entorno da escola oferecendo atividades que complementem o turno escolar no contraturno que completa o horrio integral, tambm apontam neste sentido. E tambm a base do Programa Escola Cidad, desenvolvido pelo Instituto Paulo Freire em parceria com prefeituras. A leitura do mundo, um princpio metodolgico freiriano, tornou-se uma atividade que inclui toda a comunidade

escolar em dilogo com o seu entorno. Outro ponto importante de gesto da Escola Cidad a incluso de prticas formadoras da cidadania e a participao de todos os setores da escola. Os gestores, professores e funcionrios, os pais e mes, tambm os estudantes, mesmo os mais novos, todos participam da construo do Projeto Eco-Poltico-Pedaggico da escola, por meio da representao. Desse modo, torna-se possvel resgatar a escola como referncia local e/ou regional de integrao da vida comunitria, algo que na maioria das vezes se perdeu. A escola passa a ser um espao para discutir a vida da comunidade, e tambm onde a comunidade pode se encontrar para debater o que espera da educao, o que acredita ser preciso aprender em cada momento. O aprendizado est presente em cada um desses momentos e para todos os participantes. De fato, participao redunda em aprendizado, e se a participao efetiva, em um aprendizado de democracia. Por essa razo, a qualidade do processo democrtico depende de fruns de debate, com livre manifestao de ideias e da manuteno de um processo contnuo de formao dos debatedores. Esses debatedores sero, potencialmente, todos os membros da comunidade. Uma experincia digna de nota, neste sentido, o Frum de Educao da Zona Leste da capital paulista. Trata-se de um espao de debate, no deliberativo, que busca a ampliao da compreenso de temas relativos educao. Participam dele pessoas de todas as camadas sociais e profissionais, desde profissionais da educao (como professores e gestores de escolas pblicas) e militantes de partidos polticos at organizaes culturais, alunos, assim como seus pais e mes. O Frum criou um espa-

o aberto de debate, de aprofundamento, autogestionado, sem coordenao ou presidncia, o que esvazia possibilidades de controle poltico. Discutindo os temas educacionais de interesse da comunidade, sem escolhas arbitrrias, procura-se redescobrir o sentido da educao escolar. Existe o desejo de se re-encantar a escola e os conhecimentos nela produzidos. Este re-encantamento tambm buscado pelo MEC, por meio do citado programa Mais Educao, que foi estruturado, segundo Jacqueline Moll, da Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad/ MEC), por meio do desejo e da determinao da imbricao entre o currculo escolar e as polticas pblicas no sentido do re-encantamento do saber escolar. Este , segundo Moll, o principal desafio que se props a atual gesto. Este breve resumo introduz as discusses que sero empreendidas neste caderno. As experincias selecionadas so exemplos de metodologias e/ou prticas de grande densidade no que se refere aos princpios da tecnologia social. Foram criadas de modo participativo, na busca da construo de um mundo sustentvel, aprendente, democrtico e sbio. Entretanto, nunca ser demais demonstrar nossa plena conscincia de que, ao efetuar escolhas, estamos realizando uma grande injustia com todos aqueles que so excludos. Outras tantas experincias de excelncia poderiam, em pleno direito, figurar no lugar destas que aqui apresentamos. Mas no havia outra alternativa a no ser a seleo, assim, contamos com a compreenso de todos e esperamos que apreciem a leitura.

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cidade pode ser descrita como o territrio que delimita muitas das mltiplas dimenses que participam da vida de uma pessoa. No apenas por ser uma unidade administrativa do Estado, para a qual se elegem representantes. Para alm do bairro ou zona, onde cada indivduo tem a vivncia de pertencer a uma comunidade, a cidade o espao pelo qual se responsvel e que pode ser vislumbrado como um conjunto com uma identidade. o espao pelo qual eu sou corresponsvel, com pessoas que eu no conheo e, no entanto, sou afetado por elas, tanto quanto elas so por mim afetadas. Esta uma sntese em linhas bastante gerais, que no leva em conta as mltiplas realidades vivenciadas pelas pessoas e as comunidades na descoberta e inveno contnua de suas identidades. Posso me identificar com meu bairro, ou viver numa cidade com a qual no me sinta, no meu cotidiano, identificado. Em todo caso, vivo inserido nos processos que nela acontecem. Ao menos porque o oramento pblico arrecadado em funo da produo e ocupao da cidade ser repartido pelos espaos, instituies e pessoas que compem a sua comunidade.

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A cidade um espao complexo de circulao, onde ocorrem processos de diversas naturezas. Viver numa cidade lidar, de maneira mais ou menos consciente, com tais processos. Estes podem ser restritos rea urbana, nacional ou mesmo globais. Mas o fato que, no cotidiano, sofremos os impactos localmente, e a grande maioria do alcance de nossas aes tem efeito local. a partir destas premissas que a proposta de cidades educadoras ganha especial interesse, na busca do dilogo comunidadeescola para o desenvolvimento integral. Como diz a Carta das Cidades Educadoras (2004, p.145), este tipo de cidade um sistema complexo, em constante evoluo, e pode ter expresses diversas. Porm, sempre dar prioridade ao investimento cultural e formao permanente de sua populao. Afinal, a cidade, grande ou pequena, dispe de incontveis possibilidades educacionais . Uma marca das cidades educadoras, prevista na Carta, a implementao de estratgias de integrao dos vrios aspectos da administrao pblica com o elemento bsico que faz a costura de tudo isso: a vida das pessoas.

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O cidado tem mltiplas necessidades. Ele no um cidado que estuda pela manh e tarde, outro que necessita de atendimento mdico e, noite, um terceiro que sai em busca de lazer. o mesmo cidado. Ele estuda porque saudvel, sabe aproveitar seus momentos de folga porque trabalha, ou estuda, quando necessrio, e assim por diante. E, se isso vlido para os seus direitos, vale tambm para os seus deveres de cidado. Em cada situao respeitamos o prximo. Se vivemos conflitos, buscamos solucion-los preservando a paz e o bem estar coletivo, cuidamos dos espaos pblicos. Na prtica, como sabemos, isso nem sempre acontece. O isolamento dos vrios setores da administrao pblica favorece a viso parcial de algo que na realidade, por bem ou por mal, integrado. Quando uma secretaria de governo se preocupa apenas em realizar suas tarefas, sem atentar para a sua interao com as outras esferas pblicas e privadas da vida na cidade, corre um srio risco de colocar suas atividades, que so meios, frente da sua finalidade ltima, o bem estar pblico. esse respeito, a Carta das Cidades Educadoras (2004, p.150) diz que as intervenes da gesto pblica devero partir de uma viso global da pessoa, de um modelo configurado pelos interesses de cada uma delas e pelo conjunto de direitos que concernem a todos . A participao e o dilogo no acontecem por gerao espontnea, sobretudo quando dcadas de prticas no-democrticas se enraizaram em muitos mbitos de nossas vidas. O dilogo algo inerente e essencial aos seres humanos. Contudo, requer esforo e valores que precisam ser cultivados e redescobertos a cada momento para que no percam

o seu sentido. No estamos falando de ideais, mas dos problemas efetivamente vividos e da maneira mais eficaz e sustentvel de solucion-los. Gadotti e Padilha (2004, p.130) dizem que as cidades educadoras perseguem a utopia das cidades justas, produtivas, democrticas e sustentveis , que so as que conseguem romper com o controle poltico das elites locais e com as formas burocrticas, corruptas e clientelistas de governar (Caccia Bava apud Gadotti & Padilha, 2004, p.130). Elas procuram ser justas. O primeiro princpio com o qual uma cidade que se assume educadora se compromete, o de que todos os [seus] habitantes (...) tero o direito de desfrutar, em condies de liberdade e igualdade, dos meios e oportunidades de formao, entretenimento e desenvolvimento pessoal que a cidade oferece(idem, p.150). Neste sentido, diz o dcimo princpio, as cidades devero se conscientizar dos mecanismos de excluso e marginalidade que as afetam e das modalidades que revisem e desenvolvam as intervenes de compensaes adequadas(idem, p.150). Embora a educao seja entendida em sentido amplo, no se reduzindo formal, a escola tem um papel preponderante na cidade educadora. Como afirmou ao ITS Brasil o secretrio de Relaes Internacionais de Belo Horizonte, Rodrigo Perptuo, no se pode pensar na sustentabilidade a longo prazo de um projeto de cidade educadora sem a fora da educao formal. A escola torna-se uma referncia de formao nos bairros e comunidades, e o sistema educacional uma referncia para outras polticas pblicas. Por essa razo as cidades educadoras tm desenvolvido propostas de escolas mais abertas. O desafio grande.

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O princpio 2 diz que as prefeituras executaro com eficincia o que lhes compete em matria de educao (idem, p.148). Eficincia aqui pode ser entendida, como muitos tm afirmado, no sentido de se ter o foco no aprendizado, no no ensino. A preocupao com a qualidade implica clareza de objetivos; as pessoas tm que aprender para serem capazes de lidar com os desafios que uma sociedade pautada pelo conhecimento impe.

Outra questo fundamental para a cidade educadora, que est diretamente relacionada tecnologia social, o esforo de autoconhecimento, de diagnstico de problemas e de descobrimento das potencialidades e vocaes no prprio territrio. Estes elementos poderiam ser traduzidos por transparncia, no s da gesto das contas pblicas, mas tambm da busca de um conhecimento. A cidade educadora rene uma srie de caractersticas integradas que procuram assegurar a qualidade de vida de modo sustentvel. produto das pessoas e tambm responsvel pelas relaes sociais que se estabelecem no seu mbito. Est em perfeita sintonia com os princpios da tecnologia social, sendo assim uma referncia para o desenvolvimento e implementao de tecnologias de gesto.

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"as cidades educadoras perseguem a utopia das cidades justas, produtivas, democrticas e sustentveis", segundo gadotti e Padilha

interessante observar como os municpios vm integrando a dimenso econmica nos seus projetos de cidade educadora. certo que os princpios da Carta apontam para processos de redistribuio de renda e de oportunidades, e o impacto da educao na economia no mundo atual bastante forte. Mas possvel que a participao nas decises no campo econmico dependa de um processo emancipatrio mais profundo, difcil de ser observado na prtica. Permanece o desafio da participao efetiva dos cidados nos processos decisrios no que diz respeito economia local. Procuramos conhecer mais de perto dois projetos de cidade educadora. Primeiro, o de Sorocaba, que vive sua fase inicial, mas j com uma riqueza enorme de iniciativas e programas em diferentes reas da administrao pblica. A experincia sorocabana abrir um caminho para conhecermos melhor o Programa Escola Cidad do Instituto Paulo Freire. Em segundo, o de Belo Horizonte, cidade que coordena a rede de cidades educadoras no Brasil. Esta tem em sua histria vrias gestes municipais comprometidas com a participao e o dilogo para solucionar problemas e melhorar a qualidade de vida dos seus cidados. Em BH focaremos particularmente a Escola Integrada: programa de escola em tempo integral articulada com a comunidade.

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1. sorocaBa: cidade saudvel, cidade educadoraTalvez o programa mais emblemtico de Sorocaba (SP) como cidade educadora seja a construo de cerca de 77 quilmetros de ciclovias, dos quais 42 quilmetros j esto concludos. A ciclovia uma malha viria que promove um meio de transporte no poluidor, ao mesmo tempo que incentiva as prticas esportivas integradas no cotidiano e identifica os cidados com sua cidade. Quer dizer, tem um grande potencial de fazer bem, no sentido corriqueiro mesmo da expresso: faz bem para o ciclista, faz bem para a cidade e seus cidados (evita a poluio) e faz bem para o relacionamento entre as pessoas e destas com a sua cidade. Assim, os principais objetivos da implantao da ciclovia so os de fomentar polticas pblicas para o uso da bicicleta; usar o ciclismo como meio de incluso social, promover a melhoria da autoestima, da qualidade de vida e do meio em que vivemos; desenvolver atividades educativas relacionadas ao comportamento preventivo do ciclista no trnsito; promover a conscientizao e a valorizao do uso da bicicleta para preservao do meio ambiente; integrar o projeto das ciclovias no contexto urbano promovendo a interligao entre as regies da cidade; proporcionar famlia um ambiente saudvel por meio do ciclismo; criar mecanismos para o desenvolvimento e o incentivo das diversas modalidades esportivas do ciclismo. A ciclovia pode, efetivamente, ter um impacto expressivo no desafogamento virio desta cidade plana, mas que pos-

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sui dois obstculos que dificultam a circulao, um natural e um artificial: o rio Sorocaba e a linha frrea. Como muitas cidades da regio, Sorocaba cresce em ritmo acelerado e temos que lidar com a idia de que em alguns anos o sistema virio vai ser insuficiente, diagnostica o secretrio municipal da Juventude, Antonio Carlos Bramante, cuja pasta inclui o Pedala Sorocaba, programa que procura incentivar a utilizao das novas vias e das bicicletas. A ciclovia pode ser uma alternativa para solucionar a circulao na cidade. No apenas sobre duas rodas que a prefeitura sorocabana est inovando. O Programa Pedala Sorocaba visa a tornar a bicicleta um meio de transformao cultural atravs do transporte eficaz para o trabalho e lazer na cidade. H um conjunto de programas, inspirados em experincias bem sucedidas em outros municpios brasileiros, como Aracaju e Santos, que interagem entre si das mais diversas maneiras para aproveitar o potencial de aprendizado existente nas ruas da cidade. Praticamente todas as secretarias municipais esto envolvidas nesse grande projeto, que cria a coluna dorsal do programa de governo. Pretende-se tambm construir paraciclos (doze destes j instalados no centro da cidade, com capacidade para doze bicicletas cada) e bicicletrios (com maior capacidade) em pontos estratgicos na cidade, terminais de nibus e ciclovias. A Guarda Municipal de Sorocaba adquiriu 14 bicicletas equipadas e treinou 24 policiais do batalho para utiliz-las da melhor maneira, como transporte eficaz e at mesmo como arma. Eles tero a funo de garantir a segurana nas principais ciclovias e parques da cidade. Todo este equipamento urbano pode servir Educao.

instituto de tecnologia social

Veremos a seguir alguns dos programas que constituem o projeto sorocabano de cidade educadora, procurando compreender como eles interligam a educao com a comunidade, e tambm formas de gerao de trabalho e renda e dinamizao da economia local.

uma sorocaba educadoraEm abril de 2008, durante o X Congresso Internacional de Cidades Educadoras, a prefeitura apresentou o seu conceito de Sorocaba, Cidade Educadora, Cidade Saudvel. Realizado pela primeira vez em uma cidade da Amrica Latina (So Paulo), o Congresso uma iniciativa da Associao Internacional de Cidades Educadoras (Aice). O projeto Bairro Mais Feliz, que abordaremos a seguir, tambm foi selecionado para ser apresentado neste evento.

bairro mais FelizEm dezembro de 2007, a prefeitura de Sorocaba lanou o projeto Bairro Mais Feliz, no Jardim Nova Esperana, uma das regies da cidade de grande vulnerabilidade. Com a participao de oito secretarias municipais que formam o eixo social, o projeto desenvolve mais de 40 aes em benefcio daquela comunidade. O bairro foi escolhido como piloto do projeto, para ser contemplado com atividades como oficinas nas reas de sade, arte, esporte e lazer, educao no-formal e qualificao profissional para gerao de renda, entre outros programas. As aes da prefeitura incluem ainda investimentos na infraestrutura, novos equipamentos pblicos, segurana e recuperao urbanstica daquela regio.

com nfase no desenvolvimento de uma vida saudvel, sorocaba procura renovar a relao do poder pblico com os cidados

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O Bairro Mais Feliz inclui uma rede de iniciativas que buscam transformar a relao com a populao num grande aprendizado de cidadania, ao mesmo tempo em que as aes de gesto pblica so, de fato, efetivadas. Uma delas o programa MetaSorocaba, que visa a inserir o conceito de meta-reciclagem em Nova Esperana. A meta-reciclagem usa a reapropriao de tecnologia objetivando a transformao social. Esse conceito abrange diversas formas de ao: da captao de computadores usados e montagem de laboratrios reciclados usando software livre, at a criao de ambientes de circulao da informao atravs da internet, passando por todo tipo de experimentao e apoio estratgico e operacional projetos socialmente engajados. Participaram do projeto 25 jovens no primeiro grupo, em outubro de 2007. O objetivo do programa realizar oficinas e formar uma comunidade com um grupo de 50 jovens de Nova Esperana, para um amplo processo de incluso digital. Outra iniciativa relevante a Cooperativa de Costura de Sorocaba. Em atuao desde fevereiro de 2008, ela formada por mulheres do bairro e por ex-alunas de um curso promovido pela Secretaria de Relaes do Trabalho (Sert), em parceria com o Servio Social da Indstria (Sesi). Neste caso, a administrao pblica procura facilitar os caminhos de insero no mundo do trabalho acompanhando todo o processo, e dando o apoio necessrio para que essas mulheres consolidem seu aprendizado para tornarem-se autnomas. A cooperativa, que funciona no Instituto Humberto de Campos, trabalhar at o final de 2008 para introduzir sua produo em grandes magazines, sob a

orientao de tcnicos do Sebrae e do Senac. Depois, as costureiras tero acesso a crditos, por intermdio do Banco do Povo, para adquirir suas prprias mquinas. As participantes que deixarem a cooperativa para atuar por conta prpria vo dar lugar a novas costureiras, em um processo que deve se repetir a cada seis meses.

cidade superlimpaO projeto Cidade Superlimpa colocou mais 37 mil novos contineres na cidade, 1.500 lixeiras nas ruas e 50 ecopontos para receber entulho. Foram criadas mais trs cooperativas de catadores de material reciclvel e iniciado um trabalho de roagem e capinagem das praas e ruas, com mo de obra dos egressos das penitencirias, entre outras aes. Um importante desdobramento, lanado recentemente, o programa Escola Superlimpa, desenvolvido nas escolas municipais da cidade. Foram distribudos nessas escolas conjuntos de quatro contineres para receber materiais reciclveis como papel/papelo, metal, plstico e vidro, alm de bombas para receber a doao de leo de cozinha. Os materiais reciclveis sero recolhidos pelas cooperativas de reciclagem e o leo ser encaminhado fbrica de sabo do Iesa.

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a escola em tempo integralO programa Oficina do Saber, da Secretaria da Educao, a soluo encontrada para atender, em perodo integral, 1.040 alunos de terceira e quarta sries de sete escolas do ensino fundamental da cidade. A iniciativa se inspira em projetos como o Cidade Escola, da ONG Aprendiz, de

So Paulo, a Escola Bairro, de Nova Iguau (RJ), e a Escola Integrada, de Belo Horizonte (ver neste caderno, na pgina 28). O programa prev atividades de arte, informtica, aulas de lngua estrangeira, prtica de esportes, brincadeiras, oficinas e aulas ao ar livre em locais prximos s unidades. As aes iro reforar os conceitos de cidadania e ampliar a interao dos participantes com o bairro e a comunidade, afirma a secretria da Educao, Maria Teresinha Del Cstia. Para definir os locais de atividades, a Secretaria da Educao realizou, em conjunto com as escolas, um mapeamento detalhado dos espaos disponveis nas proximidades de cada escola participante do programa. Uma praa, um parque, uma quadra de esportes, a casa paroquial de uma igreja servem de espaos educativos. Vale ressaltar que todas as atividades so coordenadas por um educador comunitrio. Para as atividades educativas fora da escola, so organizados grupos de 25 alunos acompanhados por um monitor. A rede municipal de ensino de Sorocaba tambm conta com o programa Escola Cidad (ver neste caderno, na pgina 38), realizado em parceria com o Instituto Paulo Freire. Trata-se de um amplo programa de estruturao do ensinoaprendizagem, com um importante foco na participao de toda a comunidade escolar (que envolve desde professores, gestores e alunos, at os familiares destes e outras pessoas da comunidade de entorno). Criam-se diversas prticas de integrao comunidade- escola (de inspirao freiriana), como, por exemplo, as festas de "leitura do mundo". So dias em que os estudantes, professores, coordenadores, diretores e pais se renem para conhecer seu bairro, investigar e

tirar questes para o aprendizado a partir de sua realidade vivida. Tambm so desenvolvidas diversas instncias de participao nas decises referentes educao e a sua insero na comunidade de entorno. Desde bem pequenas, as crianas so convidadas a pensar suas necessidades escolares, eleger representantes e propor solues. Alm dos alunos de todas as idades, os pais e mes tambm participam, em fruns e conselhos adequados, assim como os professores e professoras. Todos so, em alguma medida, educadores e educandos, pois todos ensinam uns aos outros e aprendem mutuamente sobre suas realidades vividas, suas necessidades e possveis caminhos para solucion-los, no que cabe ao mbito escolar. Complementando essa integrao das atividades educativas com os bairros, existe o projeto Sabe Tudo, com o objetivo principal de promover a incluso digital. So centros de estudos equipados com 20 computadores que utilizam a internet como ferramenta de pesquisa, ministram cursos de informtica e fornecem comunidade jornais e revistas. A inspirao para esse projeto da Secretaria da Educao, com o apoio da Secretaria de Governo e Planejamento, foi o Farol do Saber, de Curitiba. Os ncleos so construdos em bairros da cidade, em geral, anexos a uma escola. Para o gerenciamento do programa, a prefeitura firmou convnio com a ONG Projeto Prola, responsvel pela mo de obra qualificada, material didtico e aplicao das aulas. O projeto apresenta, tambm, espaos para leitura, disponibilizando jornais e revistas. So 19 centros de incluso digital e social implementados. Mas at o final de 2008, sero 30 unidades em toda a cidade. Os Sabe Tudo j existem em cin-

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co bairros: Ipiranga, Paineiras, Marcelo Augusto, Hungars e Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutrio. Funcionam de segunda a sexta-feira, das 8h s 20h, e aos sbados, das 8h s 13h.

Jovens protagonistasO projeto de cidade educadora de Sorocaba reserva um lugar especial ao jovem, para seu potencial criativo, de transformao e de aprendizagem. Um exemplo disso o ComJov Conselho Municipal do Jovem. Criado em 2006, ele inaugurou em Sorocaba uma ponte de integrao entre os jovens e o poder pblico do municpio. A primeira diretoria, com 60 integrantes (titulares, suplentes e remanescentes), foi constituda por sorteio pblico, do qual participaram aproximadamente 700 jovens. A opo deve garantir uma incluso democrtica e capaz de acolher toda a diversidade juvenil. Na gesto da primeira diretoria houve um amadurecimento dos integrantes para o desempenho do papel de conselheiros, especialmente com a realizao da 1 Conferncia Municipal da Juventude, cujo documento final apresentou os anseios dos participantes quanto implementao das polticas pblicas para a juventude. Para o binio 20072008, os conselheiros definiram uma nova forma de constituio do ComJov. Ela tripartite, contando com a participao de representantes de entidades e movimentos sociais, poder pblico e jovens inscritos para um sorteio pblico. Como orientao, todos os conselheiros devero, preferencialmente, estar na faixa etria entre 16 e 29 anos. Uma das polticas discutidas no ComJov a implantao de espaos pblicos destinados juventude. Ela se ini-

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cia com o Territrio Jovem, criado a partir da reforma de uma propriedade municipal no bairro Jardim Ipiranga, em maro de 2006. A concepo desse espao, tambm destinado comunidade, pretende garantir ao jovem um local para o lazer e o estudo informal, com o desenvolvimento de atividades de interesse juvenil. O espao conta com salo, palco e infraestrutura para cursos, mantidos pela Secretaria da Juventude e secretarias municipais, que fazem parte do Comit Intersetorial da Juventude. Mensalmente h atividades que permitem ao jovem desenvolver habilidades artesanais, fsicas, capacidades lingsticas e preparatrias para a gerao de renda. Com freqncia h parcerias com universidades, entidades e voluntrios, o que enriquece o programa desenvolvido. O espao tambm utilizado para a apresentao de bandas e a realizao de eventos festivos para comemorar datas especiais.

o investimento e o crdito nas pessoas so o mais importante

A Secretaria da Juventude (Sejuv) coordena tambm o Grafite Sorocaba, projeto que visa a gerao de renda por meio do desenvolvimento artstico dos grafiteiros. Em 2006, o 1 Encontro do Grafite que reuniu jovens e teve a participao de cem renomados artistas de So Paulo permitiu o mapeamento do grupo de grafiteiros. A partir desse encontro, a Sejuv ofereceu cursos de arte para os jovens aprimorarem suas tcnicas, conhecerem a histria da ar-

te e ampliarem sua viso da arquitetura urbana. Foram realizadas aes coletivas em muros da cidade e a projeo dos grafiteiros foi muito positiva. Empresrios de vrios segmentos solicitaram indicao de jovens para a realizao de grafites em seus estabelecimentos. Outra questo fundamental na vida do jovem que foi abordada a insero no mundo do trabalho. Uma das principais iniciativas da Secretaria da Juventude, o programa Emprego Jovem, busca oferecer a pessoas de 16 a 25 anos a primeira experincia de estgio dentro da estrutura das secretarias municipais. Alm do aprendizado das diversas atividades de cada setor, os jovens passam por um curso de iniciao ao mundo de trabalho e tm reunies semanais com um tutor, que acompanha seu aprendizado e suas atividades durante o estgio, e segue acompanhando o jovem depois, em sua busca por trabalho. As vagas so abertas a estudantes do ensino mdio. H um processo seletivo e uma entrevista com assistentes sociais para constatao da condio socioeconmica das famlias dos candidatos (renda familiar inferior a meio salrio mnimo per capita). A partir de 2006, o Programa Emprego Jovem atendeu cerca de cem jovens, que dele participaram por seis meses, renovveis por mais seis meses. Ao trmino dessa experincia de estgio, muitos jovens tm sido empregados por empresas da cidade. Alm da Secretaria da Juventude, que coordena o projeto, participam as secretarias de Recursos Humanos, Trabalho, Desenvolvimento Econmico e Parcerias. A carga horria diria de quatro horas, com remunerao mensal de R$ 210, mais vale transporte. Outra iniciativa a Incubadora Jovem, que tem como metodologia de trabalho a

intersetorialidade e a ao comunitria. Destina-se a atender a populao juvenil dos bairros mais carentes da cidade. Anualmente, o Comit Intersetorial da Juventude (Cijuv), formado por representantes de doze secretarias municipais, define um conjunto de aes a serem desenvolvidas em um bairro a partir dos interesses apresentados pelos jovens da comunidade. Os atores sociais da localidade so comprometidos com o desenvolvimento das aes, que incluem tambm vrios segmentos da sociedade. Mensalmente h um programa de atividades nas reas de arte, sade, trabalho, esporte etc.

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Aps quase dois anos de adeso Carta das Cidades Educadoras, Sorocaba encontra-se num momento de experimentar e colher os primeiros frutos nesse processo. A grande quantidade de programas, que pode parecer at excessiva, est relacionada com isso. Afinal, eles tm que passar pela prova de sua efetiva aplicao e natural que nem todos sobrevivam e se tornem aquisies permanentes da sociedade sorocabana. H, no entanto, sem dvida, um olhar diferenciado do poder pblico em relao aos cidados, perceptvel em cada programa. As pessoas so vistas no como fonte de problemas, mas sim como aquelas que, como membros de uma comunidade, esto implicadas nos problemas coletivos e que daro a eles uma soluo. O investimento e o crdito nas pessoas so, assim, o mais importante. Crdito, neste caso, quer dizer acreditar que as pessoas so capazes de se transformarem juntas e assim modificarem a sua cidade; o investimento para que isso ocorra deve ser feito em educao.

uma visita a duas cidades educadoras

concluso

entrevista com maria teresinha del cstia, secretria de educao de sorocaBaNo dia 29 de julho de 2008, o ITS Brasil foi a Sorocaba conhecer in loco algumas dimenses do seu projeto de cidade educadora. Um dos principais momentos desta visita foi a entrevista realizada com a secretria de Educao, Maria Teresinha Del Cstia, que explicou como est se construindo o jeito sorocabano de encarar o grande desafio de articular reas e secretarias numa nova relao com os cidados. Embora a secretria afirme que a cidade se encontra no incio da caminhada da descoberta e amplificao das oportunidades educativas que se encontram no dia a dia dos cidados, os primeiros passos j foram dados e se mostram bastante consistentes. Confira os principais trechos.

its brasil em que consiste a ProPosta de cidade educadora de sorocaba? maria teresinha del cistia Vou contar um

pouco da histria. Quando fomos montar o planejamento do governo, a equipe juntamente com o prefeito baseou-se em duas grandes agendas internacionais. Era Sorocaba Cidade Saudvel e Cidade Educadora, entendendo isto como uma experincia da cidade e no s da Secretaria da Educao. Esse o diferencial, enxergar a cidade como um grande espao de aprendizagem. aprender com e na cidade. Fomos conhecer outras experincias, nos filiamos Associao Internacional das Cidades Educadoras. Comeamos tambm um contato com a Unesco, fizemos vrias reunies, um grande trabalho pra que ela desse um suporte a nossa cidade. E tambm com o Instituto Paulo Freire na questo das escolas. So muitos programas de vrias secretarias, que ajudam a comunidade a se integrar com o bairro, a escola com o bairro e com a cidade.its brasil quais secretarias municiPais se enVolVem? del cistia Ns trabalhamos com esta linha do eixo social. So as secretarias da

"o rio sorocaba teve a margem refeita, foi construdo o parque das guas. Foi feito um deck para que os professores possam levar as crianas e dizer: 'este o nosso rio, que ns estamos despoluindo, esta a histria da nossa cidade'"

Educao, da Cultura, da Sade, da Juventude, das Relaes do Trabalho, da Cidadania; a da Comunicao sempre est conosco tambm. E embora no sejam do eixo social, a Infraestrutura sempre nos acompanha, pois as aes envolvem a criao de novos parques, novas praas, caladas ampliadas para que as crianas possam caminhar. Tem tambm a secretaria que cuida do trnsito, que a Urbis. Porque ns temos tambm a questo da Educao para o trnsito. Mas a cidade educadora envolve tambm a Secretaria de Obras, a Secretaria de Urbanismo. Ao fazermos todas essas ciclovias estamos dando acesso s pessoas que no podem andar de nibus, a de carro, pois podem vir de bicicleta para o centro. Temos vrios parques que foram construdos com teatro de arena, para que a comunidade tenha mais um espao educador. O nosso rio Sorocaba teve a margem refeita. Foi construdo o parque das guas. Tambm foi feito um deck para que as crianas possam ir l, para que os professores possam levar uma classe e dizer: este o nosso rio, que ns estamos despoluindo. J est quase 100% despoludo. Esta a histria da nossa

cidade. Os novos espaos esto sendo construdos como espaos educadores.its brasil como a escola est sendo estruturada na PersPectiVa da cidade educadora? del cistia Com o Instituto Paulo Freire,

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ns temos uma parceria h um ano, trabalhando com todas as escolas de ensino fundamental e de educao infantil, em trs grandes eixos: os Projetos Eco-Poltico Pedaggicos; o fortalecimento da gesto democrtica, com a participao dos Conselhos; e tambm o protagonismo infanto-juvenil, que a participao efetiva das crianas. Outro programa que estamos desenvolvendo h um ano, e que tem sido uma experincia maravilhosa, a nossa escola de perodo integral, que chamamos de Oficina do Saber. So oficinas no obrigatrias realizadas no contraturno, para as quais as crianas podem se inscrever. Ns no tnhamos como atender a cidade toda, ento priorizamos aqueles bairros que tm o maior risco social, onde as crianas no tm outra oportunidade. E como feito isso? Aproveitamos os espaos do bairro dentro da linha da cidade educadora. Assim, nos apropriamos

uma visita a duas cidades educadoras

do bairro e usamos seus espaos. Porque se formos esperar pra acontecer uma escola de perodo integral nos moldes tradicionais, vamos dobrar o nosso nmero de salas de aula? No, a nossa idia realmente aproveitar as oportunidades da cidade. Que essas crianas tambm possam ir ao museu, ao teatro e conhecer o roteiro histrico da cidade...its brasil e do Ponto de Vista da incluso digital? del cistia Fizemos tambm um Centro de 28

seja uma incluso cidad, no s uma incluso digital. Ali ns temos os jornais do dia, as revistas da semana e um pequeno acervo de livros que os jovens gostam. O nome Sabe Tudo vem da. um lugar onde eles vo ficar sabendo de tudo.its brasil a escola Passa a ser um Plo de reFerncia do bairro? del cistia Em muitos bairros, o nico espao pblico a escola. Ns temos que garantir a aprendizagem, que o ponto principal da Secretaria da Educao. A escola tem que de cumprir a sua funo primordial, que a educao, no a funo social. Ns temos que disponibilizar este espao, temos que oferecer outras atividades para a comunidade fora do horrio escolar, depois de garantido o horrio formal, garantida essa aprendizagem, garantido que esse aluno vai ter sucesso. A ns criamos essa oportunidade para a comunidade: abrir a escola, utilizar salas, utilizar aos finais de semana. Muitas vezes aquele bairro no tem nenhum outro espao. Como ns poderemos levar o cinema para ele? A Secretaria da Cultura leva filmes. Temos uma atividade em que levamos o caminho que tem a tela de cinema, colocamos cadeiras e distribumos pipocas para o pessoal, apagamos as luzes da praa e passamos o filme. A praa lota. Esta uma atividade da cidade educadora. its brasil e como se articulam essas duas coisas, o currculo Formal das disciPlinas e esse Programa de integrao da escola com a comunidade? del cistia Ns estamos no caminhar.

instituto de tecnologia social

Incluso Digital em algumas escolas. Hoje, temos 19 funcionando e mais dois em construo, que chamamos de Sabe Tudo. Foi a partir daquela experincia de Curitiba, o Farol do Saber. Ns temos 20 equipamentos da mais alta tecnologia, como internet sem fio. Ele construdo no terreno da escola, mas aberto para a comunidade, atende as crianas daquele bairro que, porventura, estejam em outras escolas, estaduais ou at escolas particulares.

"muitas aes ns disponibilizamos tambm para a rede estadual, pois a populao sorocabana, independente de se ela est no servio pblico municipal ou estadual"Alm da internet gratuita, temos curso de formao, nos quais so ministrados cursos de informtica e eles tm tambm lies de cidadania. A idia a de que

passo a passo, no queremos descuidar da questo da aprendizagem. Mas tem uma pessoa que faz isso, que denominamos de educador comunitrio.

its brasil existem muitas Parcerias com o sistema estadual? del cistia A gente tem muito trabalho

com o sistema estadual. Por exemplo, tem esta parceria para o Sabe Tudo, que realiza a incluso digital, disponibilizada para toda a rede estadual. Agora estamos solicitando autorizaes para construir unidades em nove escolas estaduais, nos bairros que no tm escolas municipais. A Secretaria da Educao j aprovou e agora depende da aprovao das instncias estaduais. O municpio vai construir e vai manter. O estado s vai oferecer o terreno. Muitas das aes que fazemos, so disponibilizadas tambm para a rede estadual. Porque temos de melhorar a qualidade de vida da nossa populao, e ela sorocabana, independentemente se est no servio pblico municipal ou estadual.

uma visita a duas cidades educadoras

Ns temos uma parceria com o Projeto Aprendiz tambm, na linha do programa Cidade Escola. Fizemos a formao, a capacitao dos nossos professores e temos esse acompanhamento mensal com eles. A equipe est sempre aqui conosco. Formamos 160 pessoas, que no eram s da Educao. O que eu acho muito bom. Tivemos representantes das Unidades Bsicas de Sade, um de cada uma do bairro, para fazer a integrao da unidade de sade com a escola e com o bairro. Vieram tambm representantes da Secretaria de Esportes, da Secretaria da Juventude. Eles tambm tiveram a formao de educador comunitrio. Temos tambm parceria com o Instituto do Esporte e Educao, que realiza o esporte social. A gente trabalha nos bairros, utiliza a quadra da escola, no s da municipal como da estadual, pois os ncleos so do bairro.

its brasil em que momento dessa caminhada a senhora acha que sorocaba se encontra, como cidade educadora? del cistia Acredito que estamos no incio

e temos muito que andar e aprender. So aes novas, mas j conseguimos avanar em vrios aspectos. Porm, ns temos muito a caminhar. uma mudana de paradigma que estamos construindo juntos.

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2. a escola integrada de Belo horiZonteBelo Horizonte hoje a cidade coordenadora da Rede Territorial Brasileira de Cidades Educadoras. Tal ttulo no decorre de um acaso, mas sim do desenvolvimento de uma cultura da participao no municpio. No h dvida que as sucessivas administraes pblicas, com viso democrtico-popular, garantiram a continuidade e a consolidao de diversos projetos e programas com forte carter participativo e educativo na cidade, em reas to diversas quanto trnsito, coleta de lixo, segurana, educao, habitao e outras. Mas tambm a populao belo-horizontina que, alm de garantir as eleies sucessivas desse projeto, construiu com o poder pblico a sua forma prpria de encarar a relao com as instncias de governo. Neste caderno, vamos abordar apenas o modelo de escola em tempo integral, a Escola Integrada, que vem sendo implementado com grande xito pela prefeitura de BH. Este relato foi construdo a partir de entrevista com o secretrio da Educao de Belo Horizonte, Hugo Vocurca, o secretrio de Relaes Internacionais Rodrigo Perptuo (veja entrevista na pgina 34) e a responsvel pelo programa Escola Integrada, Neusa Macedo. O ITS Brasil tambm realizou visita Escola Municipal Ulysses Guimares, no bairro So Pedro, sendo recebido pela diretora Aparecida Augusta de Oliveira Decat, no dia 12 de agosto de 2008."todo espao da cidade, o salo, de uma igreja, o muro de uma casa, vira espao educativo", diz hugo vocurca (embaixo)

a propostaEm primeiro lugar, sabido que uma das coisas que fazem diferena no aprendizado das crianas o tempo de permanncia na escola. Da a necessidade de dar essa oportunidade a elas. Segundo, o modelo tradicional do menino dentro da escola em horrio integral ainda invivel para o pas, devido a problemas com estrutura fsica e a remunerao dos professores. caro e, por isso, insustentvel oramentariamente. Terceiro, este modelo parte de um pressuposto complicado: retirar o menino da rua ou da comunidade, colocar dentro da escola. No acreditamos que isso d certo de fato. Estes so os trs pontos de partida bsicos apontados pelo secretrio da Educao de Belo Horizonte, Hugo Vocurca, como aqueles que motivaram a criao do formato da Escola Integrada. Partiu-se da experincia do BairroEscola da cidade de Nova Iguau (RJ), onde se viu a possibilidade concreta de fazer um programa de escola em tempo integral, com atividades que fortalecessem o vnculo com a comunidade, e com oramento baixo. Outra referncia foi o Projeto Aprendiz, que acontece no bairro da Vila Madalena, em So Paulo (SP). Foram ento agregados dois fatores. Nova Iguau tem um pouco disso, mas aqui em Belo Horizonte, todos os rgos pblicos tem uma pessoa destacada para o programa Escola Integrada, para resolver os problemas que aparecem. E so muitos. s vezes remover uma lixeira, cortar uma rvore, fazer a sinalizao de ruas, formar agente cultural..., explica Vocurca. O segundo fator a parceria com as universidades, que desenvolvem atividades com estagirios em regime de extenso. As universidades compem

o ProJeto cidade escola aPrendiza associao cidade escola aprendiz uma organizao da sociedade civil de interesse Pblico (osciP) que, desde 1997, experimenta, aplica e dissemina o conceito de educao comunitria. Para isso, o bairro da vila madalena, em so Paulo (sP), onde a organizao est localizada desde a sua fundao, serve como laboratrio pedaggico para as suas aes. nele so desenvolvidas e sistematizadas experincias e programas que ajudam a consolidar a idia de Bairro-escola, no qual criado um amplo espao educativo, estruturado por uma rede que une toda a comunidade, amplia as possibilidades de aprendizagem e melhora a qualidade de vida urbana.

sobre a educao comunitriaa educao comunitria, a educao integral, o conhecimen31 to em rede e o desenvolvimento local constituem a trilha conceitual que levou o aprendiz a elaborar o conceito de Bairroescola. no Bairro-escola, os processos formativos extrapolam o contexto escolar e tomam a cidade. as separaes que cindem o conhecimento entre dimenses acadmica/popular, terica/vivida, racional/afetiva, intelectual/corporal, individual/coletiva so superadas na construo de uma comunidade de aprendizagem. nesta perspectiva, a educao uma responsabilidade compartilhada entre pais, educadores, estudantes e a comunidade e no uma tarefa de especialistas. Para tanto, prope-se a criao de polticas intersetoriais geridas por conselhos de bairro. o desenvolvimento humano integral a principal preocupao da educao comunitria. e a autonomia, portanto, seu meio e fim. a cidade oferece aos aprendizes (estudantes e educadores) uma srie de oportunidades educativas a serem exercitadas face s suas potencialidades, carncias e problemas. o currculo um mapa que orienta as experincias singulares e lhes confere um sentido comum; projetos individuais e coletivos estruturam o desejo de aprender e de intervir na cidade. as relaes temporais e espaciais so construdas pela participao de todos e os conflitos que delas advm so vistos de maneira positiva e geridos de modo democrtico. texto fornecido pelo projeto cidade escola aprendiz e tambm disponvel em http://aprendiz.uol.com.br

uma visita a duas cidades educadoras

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um cardpio de atividades para as escolas, selecionadas conforme suas necessidades, desejos e disponibilidade. Os universitrios tm um dia de formao na prpria universidade. A parceria com as universidades foi uma maneira de qualificar esse atendimento. A principal caracterstica desse formato a utilizao de espaos na cidade. Vocurca afirma que todo espao da cidade, o salo de uma igreja, o muro de uma casa, tudo vira espao educativo. Para buscar esses espaos na comunidade, coordenar os horrios e se responsabilizar pela articulao do programa, cada escola destaca um professor. Ele ser o professor comunitrio. quem fica encarregado de pensar a matriz educativa, conversar com as universidades e buscar espaos. O programa totalmente baseado em adeso. Isso vale tanto para a escola, que deve passar por algumas adaptaes estruturais, principalmente de cantina/ refeitrio e banheiro/vestirios quanto para o aluno e sua famlia. Pois, se no quiserem aderir, a escola oferece o modelo tradicional. A gente procura articular as reas para que as famlias conheam o programa etc. e articular com programas como o Bolsa Famlia..., diz Vocurca. Qualquer instituio, qualquer cidado, pode contribuir. A idia que um artista, um professor, um mdico, pode doar parte do seu tempo para realizar uma atividade na escola. Queremos criar um prmio para as pessoas que ajudem a Escola Integrada. No s o pai que quer saber como vo as notas do filho. Pensamos na responsabilidade da comunidade com a escola. No pensamos em remunerao, apenas o reconhecimento, apresenta Vocurca.

De um total de 170 escolas de ensino fundamental na rede municipal, 53 so integradas. Hoje o programa atende cerca de 15 mil crianas, e a meta chegar a 100 mil, de um total aproximado de 130 mil.

como aconteceO programa conta com o professor comunitrio, pessoa que coordena o trabalho dentro da escola. Quando ela pensa em integrar, precisa pensar nesta pessoa, necessariamente um professor concursado do quadro da escola, mas com um perfil muito especfico. De preferncia deve ser morador, ou j ter relacionamento com a comunidade. A escola deve reunir o seu coletivo de educadores para saber se h, de fato, interesse; e se todos concordam em fazer a passagem para Escola Integrada. Depois rene a comunidade. A partir da, o professor comunitrio comea sua atuao. Ela consiste em buscar espaos na comunidade, entrar em contato com lderes comunitrios e/ ou pessoas representativas da comunidade em busca de apoio e, sobretudo, de espaos para realizar as oficinas. Por esta razo o territrio que d a cara do programa. Depende dos espaos e das pessoas daquela comunidade. Por exemplo, uma escola situada nas proximidades de um parque ter atividades diferenciadas de outra, que no conta com esse tipo de estrutura urbana. O nico professor que lida com os alunos nas atividades especficas do programa, ou seja, nas quatro horas e meia do contraturno, o professor comunitrio. Ele busca os espaos e estabelece as parcerias. O uso dos espaos pode ser sem nus para a prefeitura. Eventualmente acerta-se um valor para ajuda de custo

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que permita cobrir gastos com gua e luz, por exemplo. De posse dessas informaes, o professor comunitrio constri a matriz curricular. Ou seja, a grade de atividades e seus horrios para cada turma. A orientao da Secretaria de Educao a de que a matriz seja construda em conjunto com o coletivo da escola. Segundo Neusa Macedo, responsvel pelo programa Escola Integrada, algumas escolas tm conseguido realizar isso com muito sucesso, outras ainda no. um desafio muito grande para ns, essa integrao de um turno com o outro.

Neusa identifica a prtica de reunies de todo o coletivo de educadores que atua com as crianas, desde os agentes culturais at os professores das reas, como a principal caracterstica das escolas mais bem sucedidas na integrao dos dois turnos. A h mais intercmbio e a construo da matriz mais coletiva, avalia. Em outras escolas, h uma maior lentido para se assimilar esse elemento novo na vida escolar, que o professor comunitrio. A construo do dilogo entre esses dois nveis um dos focos do trabalho da equipe de coordenao em suas visitas s escolas.

uma visita a duas cidades educadoras

das 170 escolas de ensino fundamental na rede municipal, 53 so integradas. hoje o programa atende cerca de 15 mil crianas, e a meta chegar a 100 mil.

Uma estratgia-chave na integrao entre os dois turnos a parceria com o Inhotim, instituto de arte contempornea localizado na cidade de Brumadinho, interior de Minas Gerais. A parceria foi feita mediante convnio, visando a motivar e estimular a ampliao dos conhecimentos no contato com o meio ambiente e pela integrao da arte com a natureza. Promovem-se aes de formao dos professores comunitrios, monitores, agentes culturais e alunos, tendo o acervo artstico e botnico do Inhotim como agente de incluso e valorizao da identidade cultural. O convnio atender 12 mil alunos de escolas integradas e seus educadores. Duas vezes por semana, s teras e quartas feiras, grupos de duzentos alunos, organizados por ciclos de formao e acompanhados de seus educadores, visitam o Inhotim. Os educadores so tanto os professores do horrio regular/parcial quanto os agentes culturais, estagirios das universidades e professores comunitrios. Todos eles passam o dia no instituto. Enquanto os alunos participam de visitas monitoradas, a equipe de educadores das escolas passa por formao, com o objetivo de desenvolver, coletivamente, projetos nas reas de arte ou meio ambiente. Desta forma, possvel promover a integrao dos turnos em algumas escolas. Neusa Macedo conta que, para 2009, esto sendo concebidas outras atividades a serem realizadas no mbito da escola, tais como a efetivao da construo das matrizes curriculares pelo coletivo de educadores que atuam com os alunos e com os prprios alunos.

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a construo da matriz curricularAs instituies de ensino superior parceiras da Escola Integrada colocam as atividades disposio do programa. Assim se elabora um cardpio de atividades para as escolas. H, por exemplo, dez universidades conveniadas, que definem quais oficinas podero ser oferecidas por seus alunos, em regime de extenso universitria. As oficinas abordam os temas mais diversos, desde higiene pessoal e cuidados com o corpo at robtica, fsica, msica, atividades esportivas, e assim por diante. Ao todo, so mais de duzentas oficinas disponibilizadas. Diante desse cardpio de ofertas, as escolas selecionam as atividades que desejam trazer para seus alunos. Outra figura que atua nas escolas o agente cultural, com perfil definido por algumas diretrizes. Em geral, ele deve ter completado o ensino mdio. Alm disso recomenda-se que ele participe de algum movimento cultural na cidade e que tenha alguma experincia anterior de trabalho com jovens. Neusa Macedo conta que j havia uma experincia muito grande com esses agentes culturais. Alguns deles atuam na escola h muito tempo, por meio do programa Escola Aberta e de projetos pedaggicos das escolas. Isso j possibilita a sua contratao. So pessoas que de certa forma, j estavam na escola. O programa apenas potencializa isso, Acreditamos que esse saber social deve estar presente na escola, junto da cultura acadmica. So nove horas dirias de atividade. Metade com o turno regular, com aulas da escola, e as outras quatro horas e meia so da jornada complementar especfica da Escola Integrada. Destas, trs horas so ocupadas com oficinas, orga-

nizadas pelo professor comunitrio na matriz curricular a partir das atividades oferecidas pelos agentes culturais e pelos universitrios; uma hora e meia gasta com a mobilidade, o almoo, descanso e, eventualmente, banho. O estagirio da universidade tem uma bolsa-estgio. Sua jornada, que pode ir de 20 a 30 horas, divididas entre o trabalho com os alunos, um tempo com o professor comunitrio e um tempo com o seu coordenador na universidade.

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relatrio de avaliao do ideb mostrou um desempenho de aprendizagem das escolas integradas 15% superior em relao s demais, segundo neusa macedoOs agentes culturais tm uma jornada de 20 a 40 horas, incluindo um tempo com o professor comunitrio e um tempo maior com os alunos. Eles passam por formao coordenada pela prpria Secretaria de Educao, em conjunto com a Secretaria Municipal de Cultura. A formao inclui um perodo de discusses e palestras sobre temas levantados pelos prprios agentes, como adolescncia, infncia, relaes tnico-raciais, entre outros, e um perodo de oficinas temticas que so uma qualificao da prprias prticas deles na escola que envolve artesanato, dana, msica, letramento, novas mdias, variando de acordo com a rea de interesse e as oficinas do agente.

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As escolas tm autonomia financeira por meio das caixas escolares. No caso da Escola Integrada, depositada uma verba na caixa escolar que o diretor pode operar conforme as necessidades. A escola pede a verba que ela prpria gerencia, para compra de materiais e o pagamento dos agentes culturais e das bolsas dos universitrios. Ainda no possvel chegar a um veredito final sobre o impacto deste programa no desempenho dos alunos. Ou seja, no apenas os ganhos em sade, higiene e bem estar, mas principalmente no aprendizado das disciplinas do turno regular. Este, no entanto, permanece como o objetivo central do programa, segundo Hugo Vocurca: Todo o esforo, se no redundar na melhora do aprendizado, ser deficiente. Segundo Neusa Macedo, o relatrio mais recente divulgando o resultado das avaliaes do ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (Ideb) mostrou um desempenho de aprendizagem das escolas integradas 15% superior em relao s demais, o que j um ganho bastante significativo.

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entrevista com rodrigo PerPtuo, secretrio de relaes internacionais de Belo horiZonteA entrevista a seguir com o secretrio adjunto de Relaes Internacionais de Belo Horizonte, Rodrigo Perptuo, teve como tema principal o projeto belo-horizontino de cidade educadora. Perptuo recebeu o ITS Brasil no dia 12 agosto de 2008, no gabinete do secretrio de Educao, Hugo Vocurca, que tambm estava presente. A simplicidade e o bom humor com que ambos se dispuseram a discutir temas ligados administrao pblica de BH traduziram o esprito do que seja uma cidade educadora. Para colocar em palavras, o essencial construir a relao entre a prefeitura e a populao com base na discusso franca dos problemas e na busca dialogada por solues, procurando no aprendizado coletivo os elementos que daro a sustentabilidade aos caminhos escolhidos. Confira os principais trechos.

its brasil qual o lugar da escola integrada na estratgia de belo horizonte como cidade educadora? rodrigo PerPtuo Existe em Belo Horizon-

te um esforo para se resgatar a escola como referncia da comunidade, referncia para a famlia, para outras instituies, clubes, igrejas, empresas, entidades de classe. Resgatar a escola como referncia de educao, pois muitas vezes isso est perdido. O conceito de cidade educadora mais amplo que isso. A Escola Integrada se identifica com esse conceito ao permitir a realizao de atividades fora da escola, permitir a interao da escola com a cidade e que o aluno tenha outras oportunidades no seu processo de formao. No possvel construir um conceito de Cidade Educadora, implementado de maneira ampla, sem a fora da educao formal.its brasil essa integrao, Vnculo com a comunidade, enVolVe uma questo Forte de cidadania. mas existem Programas de Formao Para a cidadania, Para a ParticiPao? PerPtuo Eu diria que, para ter condies

de colocar um programa da envergadura da Escola Integrada na cidade, tem que se criar o ambiente para isso. Belo Hori-

"belo horizonte tem dezesseis anos de governo democrtico-popular, um governo que prega e exercita prticas democrtico-populares e por isso tem credibilidade para dialogar com a comunidade"

zonte tem dezesseis anos de governo democrtico-popular, um governo que prega e exercita prticas democrticopopulares, como o Oramento Participativo, uma prtica inspiradora. Outras cidades do mundo desejam saber como que a gente faz esse trabalho. O governo tem credibilidade para dialogar com a comunidade, neste caso a partir da escola. O programa da Escola Integrada mantm, atravs da Secretria Municipal de Educao (Smed), em parceria com as regionais, um Frum que envolve toda a comunidade em dilogo peridico. Participam todos os representantes das instituies parceiras, de outras entidades, inclusive a polcia, o corpo de bombeiros e as famlias. O dilogo acontece s vezes na escola, s vezes na regional da prefeitura. Apesar de no ser um processo de educao formal, isso tudo vai criando o ambiente para a construo da cidadania, e a entram as outras componentes da Cidade Educadora. Por exemplo, existe o programa permanente da educao para o trnsito. A BH Trans tem o programa Eu respeito. O programa da superintendncia de limpeza urbana, o BH Cidade Limpa, cria a

conscientizao dos espaos pblicos; a a Escola Integrada tem funo importante de sentimento de apropriao. A famlia, quando a criana comea a usar o parque para entender as cincias, o que a natureza, o meio ambiente, passa a zelar por aquele espao. O programa de recuperao urbana, chamado Nascentes, recupera crregos, faz uma proteo e o deixa aberto para a comunidade. Espera-se que ela no volte a poluir o crrego. O programa Sade da Famlia em Belo Horizonte referncia e o BH Cidadania trabalha a famlia de uma forma mais ampla. Tem o Pr-Morar, o Ps-Morar quando uma famlia deslocada, ela educada pra morar num condomnio e conviver com seus vizinhos de forma harmnica. O programa s abandona este processo depois de um ano. Existe um conjunto de atividades e programas do municpio que se somam e que do a BH condies de ser a cidade coordenadora da Associao Internacional de Cidades Educadoras no Brasil.its brasil como isso se construiu ao longo desses dezesseis anos? PerPtuo Aqui, ningum enxerga a cidade como um organograma fragmentado.

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Vila ViVa o vila viva um projeto de interveno urbanstica realizado no aglomerado da serra, rea de favelas de Belo horizonte. sua principal caracterstica, que faz dele uma tecnologia social complexa e eficaz, a de integrar reestruturao urbanstico-ambiental os processos sociais que ocorrem ali. o aglomerado da serra uma rea de encosta, com locais expostos a riscos como desabamentos, entre outros. resduos slidos e esgotos eram jogados nos cursos dgua que seccionam as escarpas, cujas matas ciliares estavam bastante degradadas. Foi feito um Plano global especfico (realizado pela urbel, empresa municipal de urbanizao em Bh, junto com a comunidade), identificando-se a carncia de 13.500 domiclios para cerca de 50 mil habitantes. outra deficincia era a educao infantil e fundamental. a principal ao de re-estruturao do virio a abertura da avenida do cardoso, que ligar o bairro ao centro de Bh como um fator essencial para mudar a relao favela-cidade. a antiga favela deixa de ser considerada um local inacessvel, um gueto, os nibus e automveis passam a chegar at o corao do bairro e outros servios pblicos, como coleta de lixo, tornam-se possveis. concorre tambm a urbanizao dos becos e a construo de unidades habitacionais, que suavizam ou eliminam o contraste da paisagem. uma marca do projeto a construo de edifcios de quatro andares, com dois apartamentos por andar (ver foto na pgina ao lado). o programa Pr-morar prepara as pessoas para o convvio em um condomnio e o Ps-morar acompanha a superao de conflitos at um ano aps a mudana. cada etapa realizada com um programa de acompanhamento social. Parte da mo de obra recrutada e capacitada na prpria comunidade. Formam-se pedreiros, carpinteiros, eletricistas etc., que aps concludos os trabalhos tero mais chances de insero no mercado de trabalho. o uniforme da obra confeccionado por mulheres organizadas em cooperativas de costura, que tambm recebem formao. estas aes so integradas com uma intensa interveno ambiental, com a remoo de famlias das margens dos cursos dgua, 100% de captao de esgotos, recuperao das matas ciliares e a criao de reas de lazer e esportes nos locais. os programas incluem a educao sanitria e ambiental, tanto com crianas que frequentam as novas unidades escolares quanto com o restante da comunidade.

BH tem vrias dimenses e a gente procura resolver de maneira integrada. Muitas vezes as pessoas vm aqui buscando uma resposta, como faz isso, como faz aquilo. Ns dizemos como fizemos, compartilhamos o problema, sentamos com os atores ali, discutimos at chegar a uma soluo, as pessoas saem daqui um pouco frustradas. Mas isso a essncia da cidade educadora, a cidade que busca as suas origens, as suas razes, o seu local, e aponta para o futuro.its brasil como que essa cultura da ParticiPao Funciona Para Pensar o desenVolVimento econmico da cidade? PerPtuo A prefeitura no trabalha de for-

ma isolada, chamamos isso de gesto compartilhada. Compartilhamos nossa gesto com o governo do estado e o governo federal. Ao criar na cidade uma possibilidade de reduo das desigualdades, uma perspectiva de formao ao longo da vida dos cidados, ao readequar estruturas urbanas da cidade, ao requalificar a cidade, se quiser resumir assim, se est dando um sinal para o setor privado de que aqui um bom lugar para se investir. De fato, nos jornais da semana passada podese ver que BH foi a cidade que mais gerou emprego dentre as capitais brasileiras.its brasil o senhor Poderia Falar um Pouco sobre um Processo de re-estruturao urbana como o Vila ViVa? como a escola ParticiPa? PerPtuo Aquela regio est passando

por um processo de melhoria, ela no tinha uma escola, no tinha escola infantil. Existem a dois aspectos. Primeiro, a credibilidade do poder pblico para fazer uma interveno urbana junto da comunidade, ouvindo a comunidade. Es-

tou falando de Oramento Participativo tambm, que uma componente importante, mas a prpria obra como um todo precisa ser debatida e pactuada com a comunidade, mesmo no sendo recursos do Oramento Participativo. O Vila Viva um modelo de urbanizao de favelas no Brasil todo. Qual a tecnologia que inspira outras cidades a vir em aqui beber da nossa fonte? a construo, o processo de urbanizao em si? No, isso todo mundo faz. O difcil articular todo o processo urbano com os processos sociais. Isso sim a nossa tecnologia. E esse dilogo com a comunidade no uma coisa que se faz da noite pro dia, ele tem que ser construdo permanentemente, pois muito frgil, muito fcil de perder. Tem de envolver todos os atores que participam no s da obra, mas que esto presentes na comunidade. O Vila Viva busca empregar boa parte da mo de obra da populao local, capacita essas pessoas pra que possam encontrar emprego em outros lugares aps o trmino da obra, e organizam as esposas desses trabalhadores, e em cooperativas para a produo de uniformes usados na obra. Qualquer interveno gera um desconforto. Mesmo quando melhora a vida das pessoas, necessrio construir esse argumento com elas, envolv-las nisso, seno elas resistem. O diferencial da prefeitura de Belo Horizonte em relao a outras a capacidade de dilogo. A a escola vem cumprir seu papel. Sem a escola, no h perspectiva de futuro para esse processo. uma cultura de participao que se dissemina na cidade.

escola cidad: uma ProPosta do instituto Paulo Freire

oacir Gadotti e Paulo Roberto Padilha (2004, p.121-2), diretores do Instituto Paulo Freire, explicam queA relao entre escola cidad e cidade educadora encontra-se na prpria origem etimolgica das palavras cidade e cidado. Ambas derivam da mesma palavra latina civis, cidado, membro livre de uma cidade a que pertence por origem ou adoo, portanto sujeito de um lugar, aquele que se apropriou de um espao, de um lugar. Assim, cidade (civitas) uma comunidade poltica cujos membros, os cidados, se autogovernam, e cidado a pessoa que goza do direito de cidade. Cidade, cidado, cidadania referem-se a uma certa concepo da vida das pessoas, daquelas que vivem de forma civilizada (de civilitas, afabilidade, bondade, cortesia), participando de um mesmo territrio, autogovernando-se, construindo uma civilizao.

m

A Escola Cidad aquela que se assume como um centro de direitos e de deveres. O que a caracteriza a formao para a cidadania. (...) Ela cidad na medida mesma em que se exercita na construo da cidadania de quem usa o seu espao. (...). uma escola de produo comum do saber e da liberdade. uma escola que vive a experincia tensa da democracia.

interessante introduzir a discusso sobre a escola cidad aps termos relatado algumas experincias de cidades educadoras, a partir da origem das palavras que esto em jogo. De um lado, a escola cidad aquela que se volta cidade, ou seja, ao espao pblico em que as pessoas constroem vidas em comunidade. De outro, a cidade educadora aquela que assume a conscincia e a responsa-

O Instituto Paulo Freire vem desenvolvendo parceria com trs administraes municipais para a implementao de uma proposta freiriana de educao cidad: em Osasco, na Regio Metropolitana de So Paulo (SP), em Sorocaba (ver neste caderno), no interior do estado de So Paulo, e em Nova Iguau, na Baixada Fluminense, estado do Rio de Janeiro.

escola cidad instituto Paulo Freire

bilidade sobre os processos formadores presentes na vida do municpio, transformando-os em seus principais instrumentos de gesto pblica, que, nesse caso, necessariamente participativa. Da que em ambos os casos esteja previsto um processo de aprendizado para e pela cidadania, para e pela participao. Os autores citam a definio que o prprio Paulo Freire (apud Gadotti & Padilha, 2004, p.123) deu para a escola cidad:

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conversa com educadores do iPFEste dilogo com alguns dos coordenadores do Programa Escola Cidad aconteceu no dia 28 de julho de 2008, na sede do Instituto Paulo Freire, no bairro da Lapa, em So Paulo. Nosso principal tema foi a experincia de Sorocaba, mas vrias ideias de alcance mais geral foram trazidas para a conversa, alm das possveis conexes dessa proposta de escola com o desenvolvimento local. Participaram Francisco Pini, da coordenadoria da Educao Cidad; Eliseu Muniz dos Santos, responsvel pelo projeto em Sorocaba; Alcir Caria, responsvel pela formao dos gestores educacionais; Silvia Carvalho, responsvel pelo protagonismo infanto-juvenil; e Juliana Fonseca O. Neri, responsvel pela formao dos Conselhos de Escola.

its brasil quais so os Fundamentos da escola cidad? alcir caria Os fundamentos da escola ci-

na foto acima, a atual equipe do projeto escola cidad em sorocaba: alcir caria, alessandra santos, Francisco Pini, eliseu muniz, danila garrido Pereira e Juliana Fonseca o. neri

dad a partir do que dizem Moacir Gadotti, Paulo Roberto Padilha, Paulo Freire, Jos Eustquio Romo so os seguintes: 1. seu financiamento viabilizado pelo Estado (o que j indica um recorte poltico-ideolgico claro); 2. a destinao pblica; 3. a gesto democrtica. A temos uma questo histrica: o fato de voc ter uma rede estatal de ensino no quer dizer que ela seja pblica. Na verdade, quem define o currculo dessas escolas so os especialistas em educao que esto a servio do Estado, quem define o cotidiano daquele espao so os trabalhadores da educao. A populao fica ausente deste processo. Por isso a escola cidad prope um rompimento histrico, permitir que o arranjo escolar se d na esfera pblica. No h nada, em matria de educao, que a populao no possa discutir, debater, conversar, modificar, desde o processo de elaborao do Plano Municipal de Educao uma experincia muito bonita que a gente est vivendo hoje em Osasco, com a populao totalmente apta e qualificada para definir as

"a escola cidad, como uma expresso da cidade educadora, caminha no sentido de fortalecer os espaos de participao, de aprendizagem da comunidade"

suas prioridades , at discutir a lei que organiza os conselhos de escolas, que tambm so conselhos gestores e que a legislao permite que sejam elaborados . Francisco Pini Gostaria de enfatizar um fundamento da educao popular, Esse exerccio para e pela cidadania, requer um novo ordenamento de escola. Da forma como estava concebida, a escola no permitia que os saberes populares adentrassem o currculo. Partir do conhecimento do educando, do conhecimento j estruturado, no era parte constitutiva do processo de ensino-aprendizagem. Na escola cidad, parte-se do conhecimento do educando para construir com ele o conhecimento. Isso uma mudana central, porque voc educa para e pela cidadania, e voc se constri sujeito do processo. Alunos e professores ensinam e aprendem. um fundamento que no se pode deixar de mencionar. A escola cidad nasce justamente da crtica do modelo elitista de educao das dcadas de 80 e 90. No prprio projeto da Constituinte no Brasil se discutia, por meio dos educadores populares, que concepo de escola era essa, pblica, gratuita e financiada pelo Estado.

its brasil de que modo esses saberes PoPulares so incorPorados ao currculo escolar? caria Quando voc fala em educao po-

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pular e como ela afeta o currculo da escola regular, entra um importante processo metodolgico, o processo de leitura do mundo, uma concepo freiriana que ressignifica verticalmente a natureza do currculo da escola. Na escola cidad, direito de todas as crianas aprenderem tudo o que puderem aprender de matemtica, cincias, geografia, lngua portuguesa, ou seja, ns no podemos roubar delas o acesso a esses conhecimentos estruturados historicamente. Mas, na escola cidad tampouco podemos roubar o direito das pessoas aprenderem a ler o mundo, ou seja, discutir a realidade por elas vivida. Em que medida o currculo escolar permite que se discuta a razo pela qual h dez anos aquele esgoto que passa na rua debaixo da escola ainda est a cu aberto? Discutir por que ainda existe uma massa de trabalhadores informais naquela regio? A leitura do mundo um direito das pessoas