Conhecimento e Cidadania - Tecnologia Social e Educação

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    SUM

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    Apresentao

    Introduo

    Tecnologia Social e educao: para alm dos muros da escola

    Relatos de experincias1. Ler e interpretar o mundo: experincias de alfabetizao

    2. Uma nova forma de ensinar matemtica3. Provocar a curiosidade cientfica

    Perspectivas e desafios

    Referncias bibliogrficas

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    APRESENTAO

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    Um dos maiores desafios que se colocam nao brasileira o de universalizaruma educao de qualidade, como poltica de Estado de ao permanente. No se

    trata de construir prdios e cham-los de escolas, mas sim de proporcionar espaosde ensino-aprendizagem em que tanto os educadores quanto os educandos sejamrespeitados integralmente como seres humanos e que isto seja o alicerce de sua for-mao intelectual e de cidadania.

    Para tanto, imprescindvel que a educao tenha como fundamento primeiro o di-logo. Assim, o educador torna-se mestre: tratando ou educando como sujeito, con-duzindo-o no processo em que vai buscar encontrar a si mesmo, desenvolver suas capa-cidades e potencialidades, descobrir seus interesses e olhar com clareza para a realidadeem que vive e compreend-la. Isso possibilitar que ele, educando, enxergue as suas di-ficuldades no como barreiras intransponveis, mas como estmulos para a superao; eas suas necessidades como alimento para a transformao de si e do mundo.

    no respeito e na formao humana de seus cidados, na sua autonomia de sujeitospensantes, crticos, solidrios e livres, que um pas constri a sua soberania. Isso aindamais verdadeiro neste incio de sculo XXI, em que a sociedade da informao se conso-lida e o capital intelectual, entendido como a capacidade de transformar em riqueza o co-nhecimento, torna-se um fator primordial de xito para indivduos, organizaes, em-presas e naes.

    Percebe-se, ento, a importncia que a educao tem para que sejamos capazes de

    mudar nossa posio no concerto das naes, deixando de ser como j fomos sim-ples usurios de tecnologias importadas para nos tornarmos, cada vez mais, produto-res de solues originais, forjadas em resposta s nossas reais necessidades e sintoniza-das com o nosso contexto social, econmico e cultural .

    Este longo caminho, que implica articular uma gama de estratgias para produziruma enorme transformao cientfica e cultural entre ns, j comeou a ser percorri-do, e no algo que possa caber apenas a uma ou outra pessoa ou organizao. Ele dizrespeito ao conjunto da sociedade. No entanto, temos como um dos pontos vulne-rveis a nossa escola pblica, que no tem sido sempre to eficaz em ajudar nossas

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    APRESENTAO

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    crianas a encontrarem seus caminhos, e tambm a aprender a ler, escrever e interpre-tar textos e manejar conceitos bsicos de matemtica, e a contruir solues para osproblemas.

    Assim, est claro que h um caminho imenso a percorrer, e muitas pessoas e insti-tuies tm desenvolvido um trabalho srio nesse sentido. O Instituto de TecnologiaSocial (ITS) recolhe e publica aqui uma pequena contribuio, procurando reforar avisibilidade de experincias que so ao mesmo tempo eficazes, realizadas em um pro-cesso intenso de colaborao entre os diferentes atores sociais e que logram melhorara qualidade da educao pblica. No so "modelos" a serem seguidos; so, sim, expe-rincias que apontam para reais solues e que podem inspirar discusses frutferas e osurgimento de novas tecnologias sociais no campo da educao.

    Nossa inteno fazer que a tecnologia chegue "na ponta". Isto , desejamos que to-das as pessoas, sobretudo aquelas que historicamente vm sendo alijadas do centro dasdecises no processo de desenvolvimento, possam participar do processo de fortaleci-mento de uma inteligncia nacional, que seja amplamente inclusiva. Para tanto, pre-ciso saber ensinar diferente para pessoas diferentes de grupos diferentes.

    Assim, fazemos nossas as palavras do Geempa: aprender formular hipteses. Ouseja, aprender ser interpelado pelo mundo e exercitar o pensamento para compreen-d-lo. E, nesse sentido, ensinar organizar provocaes, estar atento ao processo queo outro percorre e ajud-lo propiciando experincias desafiadoras.

    Boa leitura!

    Irma Passoni, gerente executiva do ITS

    Larcio Gomes Lage, membro do Conselho Deliberativo do IT S

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    INTRODUO

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    Otema deste caderno um permanen-te objeto de reflexo para o Instituto

    de Tecnologia Social (ITS): a educao.Para iniciar nosso caminho, o primei-

    ro passo tentar responder a seguintepergunta: afinal, o que significa educa-o? Damos o nome de educao, porexemplo, transmisso de valores e prti-cas culturais: quando dizemos que umapessoa educada, pois respeita as ou-tras e sabe como se portar em sociedade.Neste caso, a educao diz respeito aoprocesso de socializao, que vivemosdesde o nascimento.

    Entretanto, a educao tambm se refe-re ao desenvolvimento das capacidadeshumanas, ao aprendizado de contedos ehabilidades que podero auxiliar os indiv-duos a compreenderem melhor a si mes-mos, os seus semelhantes e o seu mundo, e

    assim a estar mais bem preparados paraparticipar da construo da sociedade. Aeducao, entendida desta maneira, acon-tece a cada momento da vida quando se

    busca compreender e resolver os proble-mas enfrentados no dia-a-dia , e especifi-camente em processos formalizados deensino e aprendizagem, por exemplo, emcursos, oficinas, palestras etc.

    At agora, no fizemos meno quelaque se tornou o lugar por excelncia daeducao em nossa sociedade: a escola.Mais do que um espao fsico um prdioou uma casa , a escola tem sido o espaoinstitucional ao qual confiamos nossos fi-lhos e filhas, na expectativa de que l elessejam educados. Isto , que sejam forma-dos de modo integral, pelo aprendizadode nossa herana cultural, nossos valores ede conhecimentos fundamentais. Tam-

    bm esperamos que eles sejam colocadosem contato com as artes e os esportes. Emresumo, esperamos que a escola d aosnossos filhos instrumentos para que pos-sam viver felizes em sociedade, alcancemmobilidade social e econmica e conquis-tem condies de vida cada vez melhores.

    No so poucas as expectativas deposi-tadas numa nica instituio. Ainda mais

    num momento em que tanto se fala da cri-se da escola pblica no Brasil, o que acabapondo em xeque a sua legitimidade. Somoslevados a questionar se o modelo de escolaque est implementado realmente capazde dar conta dessas expectativas.

    Acontece que a discusso sobre a esco-la e seus novos desafios muitas vezes pouco qualificada, em especial no que se

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    refere escola pblica: a no ser em traba-lhos acadmicos, difcil encontrar argu-mentos que escapem do senso comum.

    Em geral, o que circula a repetio de cha-ves como o ensino pblico vergonho-so, a educao brasileira est entre aspiores do mundo ou os professores somal qualificados. Ainda que haja algumaverdade nessas afirmaes, no se podeparar a discusso por a sem tentar conhe-cer melhor a realidade da escola brasileira.Seno vamos achar que ela para ns maisum problema do que uma soluo. Obser-vando mais de perto, reconhecemos que,se a escola no consegue cumprir sua mis-so, isso se deve a variveis ligadas a, pelomenos, quatro dimenses: 1) a gesto p-

    blica; 2) a gesto escolar; 3) a formao deprofessores; e4) as mudanas de valores,que introduzem novos desafios escolaenquanto instituio e provocam uma no-va reflexo sobre seu papel.

    A crise tambm um momento emque a possibilidade de superao se apre-senta, abre-se um c ampo propcio dis-cusso dos fundamentos dessa institui-o e mudana estrutural. Nossa aposta de que a escola continua sendo um espa-o privilegiado para a troca de saberes desde que ela seja capaz de se transformar.Em outras palavras, preciso revalorizar aescola como um bem pblico e pensarqual escola queremos. Se uma que bus-que a incluso social e proporcione aos

    alunos aprendizagem, formao huma-nstica e experincia de cidadania, ou, aocontrrio, uma que produza e reproduza aexcluso e a desigualdade de nossa socie-dade. A escola que busca a incluso a-

    quela que encontra em seu caminho aTecnologia Social.

    Tecnologia Social e experinciasem educaoEm 2004, o ITS organizou uma srie dequatro encontros, sendo um sobre Edu-cao. Dois encontros centraram-se nostemas de Desenvolvimento Local, P ar-ticipativo e Sustentvel e AgriculturaFamiliar e o ltimo foi dedicado apre-sentao dos resultados aos atores envol-vidos no processo. Articulados ao projetode Mapeamento Nacional de TecnologiasSociais, os encontros foram um momentode debate pblico de experincias selecio-nadas, no intuito de construir coletiva-mente um conceito de Tecnologia Social.

    No encontro sobre educao, trs expe-rincias foram discutidas: 1) a universali-zao do ensino pela prefeitura de Icapu(CE); 2) o Programa de Educao Rural daONG Movimento de Organizao Comu-nitria (MOC) da Bahia; e 3)a assessoria naavaliao participativa dos Programas deApoio Educao Complementar realiza-da pelo Instituto Fonte, de So Paulo.1 Oobjetivo era o de promover um debate econstruir coletivamente o conceito de TS,2

    o que justificava um escopo amplo, que ul-trapassasse os limites da escola. Da o ttu-lo escolhido naquele momento: Tecnolo-gia Social e Educao: para alm dos muros

    da escola.As discusses sobre a educao possi-

    bilitaram uma reflexo sobre as especifici-dades das cincias humanas e sociais eseus vnculos com a produo tecnolgi-

    1. As experincias, bem como o debate realizado durante o encontro, esto sistematizadas no documento TecnologiaSocial e Educao: para alm dos muros da escola, So Paulo, 9 a 11 de agosto de 2004. Disponvel em: http://www.its-brasil.org.br, Centro Brasileiro de Referncia em Tecnologia Social.2. Para uma descrio da metodologia utilizada no desenvolvimento do conceito de Tecnologia Social, ver: ITS, 2004b.

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    ca. Observou-se, ento, que a dimensopedaggica transversal a todas as prticase experincias em que h produo e apli-

    cao de conhecimento para a transforma-o social.Ainda que todas as experincias esti-

    vessem lidando com educao, o signifi-cado que a palavra assumia concretamen-te nas prticas era muito diverso. Aexperincia de Icapu, por exemplo, per-mitia refletir sobre o processo de envolvi-mento e mobilizao da populao em tor-no de um projeto comum e o aprendizadonele envolvido. Embora o projeto estives-se relacionado ao ensino, a dimenso edu-cativa que se mostrou mais importantenaquele contexto no era o que aconteciaem aulas, mas sim a maneira como umagesto municipal foi capaz de modificar arelao dos cidados com o Estado. Houveum verdadeiro movimento de educaocoletiva para a cidadania e a soluo deproblemas locais (que, alis, depois se des-dobrou em outras iniciativas, em especialde cultura e de desenvolvimento local).

    No caso do MOC, o foco principal soos indivduos que ocupam o papel de edu-cadores (nem sempre so professores,nem atuam na sala de aula) e a produo demateriais didticos enraizados na realida-de local. O Movimento parte do diagns-tico de queprofessores precisam ser for-mados para serem capazes de ensinar, e queos materiais de apoio prtica do ensino

    devem dialogar com a realidade dos edu-candos. A partir da experincia do MOC,que mostra como materiais didticos po-dem ocultar a discriminao ao agricultordo Semi-rido e levar os mais jovens a re-

    jeitarem o modo de vida de seus pais, aeducao revela um pouco de seu poten-cial inclusivo. Os materiais calcados narealidade local propiciam s crianas e jo-

    vens a valorizao de seu modo de vida, aproblematizao de sua condio e a pro-duo do sentimento de pertencimento

    ao mundo.Finalmente, a experincia relatada pe-lo Instituto Fonte mostracomo um proces-so de avaliao aparentemente institu-cional pode se transformar num processoeducativo, em que todos os atores implica-dos tm a chance de se reconhecer e de co-nhecer os contornos de sua interveno. Aavaliao possibilita aprendizagens emdiferentes nveis: institucional, de grupo,individual. E esta perspectiva d educa-o o significado de um processo compar-tilhado de produo de conhecimento, emque os sujeitos tm a oportunidade de seapropriar de sua prtica de uma maneiraorganizada e sistemtica.

    Quando da deciso pela publicao deum Caderno cujo tema Tecnologia So-cial e Educao, optamos por deixar de la-do o escopo amplo que havamos adotadona organizao do encontro e proceder aum recorte diferente. Neste momento,nossa preocupao contribuir ao debateem torno dos problemas bsicos para aeducao brasileira, na certeza de que isso imprescindvel para que o Brasil tenhauma participao soberana na sociedadedo conhecimento. Concentramo-nos emexperincias bem sucedidas em educaofundamental, especialmente no que tan-ge alfabetizao, aos conceitos bsicos da

    matemtica e introduo s cincias, en-tendendo que a maneira pela qual a crian-a adentra estas linguagens estruturantede todos os outros conhecimentos que ve-nha mais tarde a desenvolver em seu per-curso educacional.

    As experincias apresentadas foramselecionadas a partir da realizao de uma

    breve pesquisa, que levou em considera-

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    o o seu tempo de existncia, a qualidadedas sistematizaes realizadas pelas ins-tituies promotoras e a continuidade do

    processo de prtica-reflexo. As descri-es foram feitas tendo como refernciamaterial secundrio publicaes, revis-tas, materiais institucionais, artigos emperidicos ou jornais etc.

    Optamos por selecionar experinciasrealizadas em instituies pblicas. Istose deveu em grande parte ao desafio queest colocado para a sociedade brasileira:por que as crianas, em especial aquelasoriundas de classes populares, tm difi-culdade em aprender? Como elas pode-riam aprender melhor?

    Sendo este o desafio, pareceu-nos queo primeiro passo seria identificar, dentreas escolas e experincias que lidam comeste pblico, aquelas quefogem regra econseguem que suas crianas aprendam.Para alm da escassez de recursos pedag-gicos, para alm de suas condies de vida,enfim, para alm dos fatores que nos leva-riam a achar que essas crianas engrossa-riam as estatsticas da no-aprendizageme da evaso escolar, elas aprendem. Ento,por que aprendem? Em que medida a ex-perincia delas nos sugere caminhos paraque outras crianas aprendam melhor?

    No que se refere alfabetizao, esco-lhemos uma escola pblica cujas notas sedestacaram na avaliao nacional chama-da Prova Brasil. A experincia da escola

    municipal Leonor Mendes de Barros afir-ma a importncia dessa instituio para atransformao da sociedade, permitin-do-nos entender que a prpria escola po-de ser uma tecnologia social. A questo aser discutida quando ou em que condi-es isso acontece.

    J em relao ao ensino da matemtica,apresentaremos a experincia do Grupo

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    de Estudos sobre Educao, Metodologiade Pesquisa e Ao (Geempa). Sediada emPorto Alegre, esta organizao no-go-

    vernamental tem mais de 30 anos de pes-quisa e experincia em diferentes reas daeducao. Suas prticas unem densas pes-quisas aos esforos de traduzi-las emdidticas, numa preocupao constanteem transformar teoria em prtica e vice-versa. Este c aminho percorrido levou proposio de novas formas de ensinarmatemtica. A experincia do G eempanos sugere como um mtodode ensino po-de ser uma tecnologia social.

    Finalmente, no que se refere a expe-rincias que logram provocar a curiosida-de cientfica de crianas, apresentaremos oprojeto ABC na Educao Cientfica Mona Massa, que funciona desde 2001, sobcoordenao da Academia Brasileira deCincias. O projeto, que se inspira numaexperincia francesa, procura criar condi-es para o ensino das cincias nas escolasa partir de aes investigativas dos alunos.O ABC na Educao Cientfica outro ca-so em queo mtodo de ensino desta vez deferramentas de pesquisa pode ser vistocomo uma tecnologia social.

    Comum s trs experincias relatadas o abandono de formas convencionais deensino (encarnadas em cartilhas, exerc-cios repetitivos etc.) e o resgate da educa-o como um processo de dilogo entreprofessor e aluno e dos alunos entre si.

    Alm disso, todas deixam claro que a es-cola pode sim estar integrada vida desuas comunidades e que, por isso mesmo,vale a pena voltar a olh-la com carinho erespeito.

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    PARA ALM DOS MUROSDA ESCOLA

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    Nesta seo, vamos procurar enten-der um pouco melhor as relaes

    entre educao e Tecnologia Social. Afi-nal, o que educao tem a ver com tecno-logia? Ser que estamos falando do usode computadores e cursos de informti-ca nas escolas? Claro que os computado-res e a internet podem ser excelentes fer-ramentas de educao e pesquisa. Em-

    bora pouco difundidos no Brasil, estocada vez mais presentes. importanteque os estudantes tenham acesso e sai-

    bam utilizar os recursos que a tecnologiada informao oferece. Mas tecnologia muito mais do que computadores, so-

    bretudo em educao.O conhecimento aplicado de modo

    consciente e crtico com uma finalidadeprecisa pode ser considerado como tecno-logia. Bem antes de se desenvolverem os

    cdigos de computadores, os diversos po-vos inventaram as lnguas, que so tam-

    bm tecnologias de expresso e comuni-cao. A tecnologia no , portanto, umprivilgio das chamadas cincias duras(como a Qumica, a Fsica, a Biologia), masalgo realizado por pessoas com formaesdiversas para solucionar os problemas queenfrentam no seu dia-a-dia.

    Se repararmos bem, cincia e tecnolo-gia esto presentes em cada momento denossas vidas. A cincia que envolve o es-tudo e a descrio dos fenmenos diz res-peito compreenso que temos das coisasnaturais e humanas. A tecnologia que en-volve tcnicas e mtodos, produtos e pro-cessos , diz respeito aplicao do conhe-cimento na transformao do mundo e dasprprias pessoas. Desenvolvemos conhe-cimento sobre as coisas, e o aplicamos pararesolver problemas, transformar as coisas,realizar tarefas de maneira mais eficaz,mais confortvel ou mais produtiva, e as-sim por diante. Neste caminho, geramosmais conhecimento e descobrimos outrasaplicaes para uma tecnologia que no ti-nham sido previstas no incio.

    Mas quais seriam as tecnologias apli-cadas no campo da educao? Para res-

    ponder essa pergunta, antes necessriosaber quais os fatores essenciais para que aprtica educativa acontea. Ou seja, pre-ciso definir muito bem quais so os pro-

    blemas, para se buscar as solues ade-quadas. O problema central em educao a formao dos cidados para a autono-mia e o convvio democrtico. Quer dizer,a escola e o professor buscam ajudar os ci-

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    dados a serem capazes de cuidar de si edos seus familiares, mas tambm a com-preender seus papis na sociedade e preo-

    cupar-se com as questes pblicas, que osafetam como indivduos e como mem-bros de uma comunidade.

    verdade que nem toda escola e nemtodo professor pensa e age assim. H es-colas que pretendem apenas formar pro-fissionais, pessoas capazes de realizar

    bem seus ofcios, ganhar dinheiro e as-cender socialmente. Mas tambm nestescasos os valores no deixam de estar pre-sentes, mesmo que de maneira no-ex-plcita e, por isso, no crtica.

    Tecnologia em educao diz respeitoao modo como se estrutura a prtica edu-cativa, constituda de palavras e silncios,de gestos e imagens. Como devo me com-portar diante dos alunos? Sero aulas ex-positivas ou atividades em grupo? Elesestaro dispostos lado a lado voltados pa-ra a lousa ou em roda? O que mais ade-quado e eficaz para os temas que devemser abordados? So perguntas que o edu-cador faz para si mesmo. Da decorremmuitas outras escolhas tecnolgicas, co-mo os materiais usados: lousa e giz, carto-linas e canetas, computadores, livros, outo somente palavras, gestos e olhares.

    A questo fundamental ento a efic-cia do ensino. No porque usa recursosque estamos acostumados a considerarcomo de alta tecnologia que uma aula

    ser melhor que outra que se baseie total-mente no contato entre professores e alu-nos. As tecnologias so meios para deter-minados fins. Muitas vezes, no entanto,os meios se sobrepem aos fins, e o senti-do se perde no caminho.

    Assim, podemos afirmar que os mto-dos pedaggicos so tecnologias. Por qu?Porque so ferramentas produzidas a par-

    tir do conhecimento, organizado visando eficincia e eficcia na busca de um deter-minado fim. No caso, trata-se de com-

    preender de que forma fatores como espa-o (salas de aula, laboratrios ou qualqueroutro espao utilizado em prticas educa-tivas), tempo (horrios de trabalho e depausa, de prticas em sala de aula e em pes-quisa e avaliao etc.), linguagem (a ma-neira como professores e alunos tratam-seuns aos outros, as palavras escolhidas parase dar aulas etc.) e as atividades (as etapasde trabalho, os papis exercidos pelos par-ticipantes, aquilo que eles fazem e deixamfazer etc.) impactam sobre os resultadosda relao ensino-aprendizagem. S as-sim ser possvel utiliz-los realmente co-mo ferramentas que tornam mais prov-vel que os objetivos sejam alcanados.

    Outra caracterstica de grande impor-tncia das tecnologias sociais que elas seconstroem na interao entre sujeitos.Mas no caso da educao essa dimenso potencializada. Porque as tecnologias deeducao tm na interao entre sujeitossua razo de ser e sua finalidade. No heducao sem o encontro entre pessoas:entre educadores e educandos, os educan-dos entre si, os educadores entre si, entreeducadores e gestores, entre pais e profes-sores etc. Em todos esses momentos deencontro h educao, h ensino-aprendi-zagem, e todos saem transformados.

    O ser humano no nem uma mquina

    nem uma pedra, nem mesmo pode serconsiderado apenas como um organismo

    biolgico. Ele sujeito de si e no pode sertransformado sem transformar o outrotambm. Assim, uma professora pensa asua prtica em funo dos alunos e alunasque de fato tm sob sua superviso. Issosignifica que no s ela que age sobre seuseducandos, eles tambm a transformam,

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    fazem com que ela atue de um modo espe-cfico, que diferente do modo como atua-ria com outros educandos. Como dizia

    Paulo Freire, o educador no fala aos alu-nos, ele fala com os alunos. Mesmo quan-do prope uma aula que j tenha sido dadadezenas de vezes, ser sempre uma expe-rincia nova para a professora ou o profes-sor, que ter que se adaptar queles novosalunos e ao novo contexto.

    A escola, por sua vez, uma tecnologiacriada pela sociedade para suprir a de-manda de dar formao s pessoas queconstituem sua comunidade. constitu-da de gestores (diretores e coordenado-res), professores, alunos, funcionrios deapoio e manuteno, pais e mes de alu-nos, cada qual com sua funo. Essas pes-soas se renem num edifcio que deve serapropriado s atividades desenvolvidasali, como salas de aula, bibliotecas, reasdestinadas recreao e ao esporte, labo-ratrios, escritrios, cozinha e refeitrio,

    banheiros etc. Cada um desses espaosrene uma srie de quesitos, sendo cadaum deles um tipo de tecnologia.

    Finalmente, a escola um lugar ondeaprendemos muito sobre o convvio emsociedade. para muitos a primeira expe-rincia de sociedade, fora da intimidadede seus lares. L, as pessoas tm que inte-ragir com outros cidados, em igualdadede direitos e deveres. ento um espaode confluncias e conflitos, e importan-

    te que seja assim. Uma escola que no despao aos conflitos, reprimindo-os, noforma para a democracia, mas para a obe-dincia e a opresso.

    O contexto brasileiroNo contexto brasileiro, a educao tem si-do uma das principais preocupaes e de-

    mandas sociais nos ltimos 30 anos. Asreivindicaes populares do final dos anos

    70 e incio dos 80 sempre traziam o tema

    para o centro da cena. A educao passavaa ser percebida como um direito social e,sobretudo, como um direito humano. Etambm sempre foi percebida como fatorchave de mobilidade social e promoo deigualdade. H diversos estudos que corre-lacionam educao, mobilidade social e aspossibilidades de superao da pobreza(Barros & Carvalho, 2004; Barros, Hen-riques & Mendona, 2000).

    Aps a Constituio de 1988, foi reali-zado um grande esforo no que se refere universalizao do ensino pblico e erra-dicao do analfabetismo. Porm, a rapi-dez do processo sem que se contassecom recursos institucionais e humanospara tanto acabou por universalizar umservio de m qualidade. E isso nos trouxe situao de termos crianas e jovensmais escolarizados sem que, no entanto,eles encontrassem um ambiente propcio aprendizagem ou capaz de respeitar asespecificidades de sua realidade. A escola,assim, ao invs de incluir, exclui dupla-mente: primeiro, exclui ao oferecer con-tedos e conhecimentos organizados apartir de pressupostos que vo de encon-tro realidade vivida por esta populao.Afinal, diferentes maneiras de experi-mentar o mundo implicam diferentesmaneiras de conhec-lo, interrog-lo, va-

    loriz-lo, e, em conseqncia, deveriamsignificar diferentes contedos e formasde trabalho nas escolas.

    A segunda excluso se d no momentoseguinte, em que as crianas e jovens paraos quais a forma pr-determinada de ensi-nar os contedos no tem sentido come-am a se sentir desanimados por no con-seguirem corresponder expectativa que

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    se tem deles. Com dificuldade de olhar pa-ra sua prpria responsabilidade, a escolalana sobre estes alunos o estigma da inca-

    pacidade de aprender. E a soluo que mui-tos destes alunos encontram abandonareste espao hostil, onde no h troca, di-logo ou o direito de ser reconhecido comosujeito da prpria aprendizagem.

    O desenvolvimento recente das polti-cas de educao vem seguindo o desenvol-vimento das polticas sociais brasileiras,com todas as suas ambigidades e proble-mas. Tendo isso em vista, falaremos breve-mente sobre as polticas sociais no Brasil,na medida em que elas constroem um con-texto que nos ajuda a pr em perspectiva aatual situao do ensino fundamental epreparam nosso olhar para compreender oalcance das boas prticas presentes nas ex-perincias apresentadas na seo seguinte.

    Um primeiro ponto a observar que,de um modo geral, as polticas sociais bra-sileiras padecem de um mesmo mal: asleis que as implementaram so muitoprogressistas no papel, mas no se efeti-vam na realidade.

    Essa distncia entre as leis e a realidadeocorre principalmente devido s caracte-rsticas do Estado poca em que a maiorparte de nossas polticas sociais foram im-plementadas. Durante o perodo da dita-dura militar, a excessiva centralizao dasaes no nvel federal acabou por minar asinstitucionalidades regionais e locais; o

    baixo grau de democratizao das decisesprovocou grandes distores em termosregionais e sociais; os investimentos so-ciais eram realizados ao sabor dos objeti-vos clientelsticos ou da existncia de re-cursos, no havendo portanto previso decontinuidade que possibilitasse a consoli-dao de programas e instituies dedica-das implementao das polticas sociais.

    Um modelo no-democrticode educao pblicaPodemos tomar como exemplo das con-

    seqncias dessa centralizao o cha-mado Movimento Brasileiro de Alfabe-tizao, que ficou conhecido comoMobral. Criado pela lei no 5.379, de 15 dedezembro de 1967, o Mobral consistiaem um projeto de alfabetizao funcio-nal de jovens e adultos. Para realizar estaao, foi criada uma imensa estrutura,composta por uma secretaria executiva(nacional), por coordenaes regionais,estaduais e municipais. Poderia parecerque esta organizao favorecia a descen-tralizao; na prtica, isto no ocorria, namedida em que havia um corpo tcnicomultidisciplinar que era responsvel pe-lo desenho do projeto como um todo,deliberando definies at mesmo me-todolgicas.

    O projeto contava com recursos daUnio, do Fundo Nacional de Desenvol-vimento da Educao, 2% do Imposto deRenda e ainda um percentual da LoteriaEsportiva. Apesar de tantas fontes de fi-nanciamento (nenhuma delas estvel, co-mo se verificou no incio dos anos 80,quando a recesso provocou grandes cor-tes nos recursos e o projeto foi transferidopara uma Fundao), a eficcia do projeto no mnimo duvidosa: jovens e adultos fre-qentavam durante anos as aulas do Mo-

    bral e no aprendiam a ler, a escrever e

    muito menos a compreender o mundo deoutra forma. No toa, houve estigmati-zao de parte da populao que freqen-tava o Mobral. Como se a culpa pela noaprendizagem fosse dos alunos e no domtodo de ensino, muito mais focado emcolocar os indivduos na frma ideolgicada obedincia e sujeio, disseminando -

    bons comportamentos, do que em for-

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    m-los para a compreenso autnoma darealidade.

    Com a mngua dos recursos e a inefi-

    ccia do projeto, ainda se tentou dar um l-timo flego ao Mobral por meio da amplia-o do escopo de suas aes (ProgramaMobral Cultural, Plano de Educao Con-tinuada para Adolescentes e Adultos,Programa de Diversificao Comunitria,entre outros). Por fim, foi passado Fun-dao Educar, pois se tornou invivel doponto de vista econmico e poltico.

    As caractersticas levantadas acima,portanto, levaram situao que reconhe-camos como a realidade dos programas epolticas sociais brasileiros: programasineficazes e ineficientes; superposiesde competncias, rgos responsveis eobjetivos; favorecimento de parcelas dapopulao com mais acesso informa-o; distanciamento entre formuladorese executores de polticas pblicas e os be-neficirios; falta de mecanismos de con-trole e avaliao, abrindo espao parafraudes; descontinuidade dos programassociais e peso desproporcional de inte-resses burocrticos, corporativos e priva-dos nas definies e na dinmica de fun-cionamento da mquina social do Estado(ver Draibe, 1994, p. 296).

    A partir da Constituio de 1988, co-meou um grande esforo de correodas caractersticas listadas acima. Mas atarefa de democratizar as instituies, as

    polticas e programas sociais e a prpriasociedade no simples, de modo quedesde aquela poca estamos vivendo umprocesso de aprendizagem em relaoaos significados que a democracia podeassumir.

    Houve um tempo em que a escola p-blica era reconhecida como o lugar em queera possvel ter acesso a uma educao de

    tima qualidade: s perguntarmos spessoas mais velhas, que estudaram emescolas pblicas at mais ou menos o in-

    cio da dcada de 60, para ouvirmos hist-rias sobre o rigor da escola pblica, as aulasde lnguas (latim e francs) e a migraoenvergonhada dos maus alunos para a es-cola privada para evitar a repetncia. Noentanto, esta educao de qualidade noera acessvel a todos: havia uma seletivida-de injusta, que se expressava tanto nos cri-trios de ingresso quanto por vezes naprpria localizao dos prdios. precisolembrar que foi apenas aps os movimen-tos sociais dos anos 80 que houve o esfor-o de construo de equipamentos pbli-cos nas periferias e locais de urbanizaomais recente.

    A exemplo de outras polticas sociais, osistema educacional brasileiro tambm so-freu conseqncias adversas durante o pe-rodo em que as polticas sociais se expandi-ram: perda de qualidade, insuficincia dasmedidas para corrigir as desigualdades deacesso por estrato de renda e regio do pas,inexistncia de competncias que tornas-sem vivel a ampliao de escala sem perdade qualidade etc. Tambm possvel en-contrar pessoas que assistiram a esta expan-so e que se lembram do truque realizadopara aumentar o nmero de professorescom nvel superior, que possibilitassem aexpanso do ensino mdio: alguns cursos,como Fsica, Matemtica, Letras,

    Geografia, entre outros, foram obrigados acriar cursos de dois anos, especficos para aformao de professores. Alm disso, osprofessores que atuavam nas etapas decisi-vas da infncia (para utilizar a expresso deFranoise Dolto) eram formados por meiode cursos tcnicos profissionalizantes, omagistrio, o que criava a situao de quetais profissionais se lanavam s salas de au-

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    la bastante jovens (com cerca de 18 anos) einexperientes.3

    No toa, durante o perodo militar

    (poca da expanso macia do sistemaeducacional), a populao de maior poderaquisitivo abandonou as escolas pblicas,dirigindo-se para o sistema privado deensino, que comeava a se constituir talcomo hoje o conhecemos.

    O sistema pblico de ensino passou aser caracterizado, ento, pela baixa quali-dade da infra-estrutura e da formao dosdocentes, pela dificuldade de responders necessidades das crianas e adolescen-tes, gerando assim altos ndices de repro-vao e repetncia.

    diferena da excluso pela dificulda-de de acesso, a incluso numa escola de mqualidade provocou outros tipos de ex-cluso, como nota Srgio Haddad:

    A expanso da oferta de vagas no Brasil permitiu

    incorporar elevada parcela da populao aos sis-

    temas pblicos de ensino, mas ao mesmo tem-

    po, por no ser acompanhado pela qualidade ne-

    cessria e pela melhoria das condies de vida, li-

    mitou este processo de democratizao ao aces-

    so, produzindo um novo tipo de excluso educa-

    cional, no mais pela ausncia de vagas, mas pe-

    la ausncia de condies para adquirir sua escola-

    rizao e/ou permanecer na escola. O processo

    de expanso da oferta sem compromisso com a

    garantia da qualidade tambm produziu um ele-

    vado nmero de analfabetos funcionais e repro-

    duziu mecanismos de discriminao e excluso.

    (Haddad, 2007, p. 31)

    De fato, diferentes diagnsticos sobrenosso sistema de ensino apontam que,cumprida em grande medida a et apa de

    criao de equipamentos pblicos e va-gas, fa z-se necessrio investir em outrasdimenses do sistema, em especial a qua-lidade do ensino e capacitao dos docen-tes, possibilitando assim o desenvolvi-mento do sistema.

    E realmente temos assistido a esforosem direo melhoria da qualidade de en-sino. Snia Draibe destaca algumas modi-ficaes introduzidas pelo governoFernando Henrique Cardoso, em quatrodimenses distintas:

    n Plano da qualidade e contedos do ensino: as

    medidas principais envolveram, de um lado, o

    reforo e a ampliao dos programas nacionais

    de capacitao docente, sendo a TV Escola o

    principal deles; de outro, a modernizao dos

    contedos do ensino fundamental e mdio foi o

    objetivo da elaborao e da distribuio, a todos

    os professores das redes pblicas, dos Parme-

    tros Curriculares (PCNs).

    n Plano das avaliaes educacionais, em apoio

    s atividades de superviso e monitoramento

    da qualidade do ensino: alm da modernizao

    e da rotinizao da produo de estatsticas

    educacionais, a ao central foi a implantao

    do sistema nacional de avaliaes pedaggicas,

    abrangendo os trs nveis de ensino.

    n Plano do financiamento do ensino funda-

    mental: a medida central foi a reforma do fi-

    nanciamento e da sistemtica de gastos do en-

    sino fundamental, por meio do Fundo de

    Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

    3. Tal modalidade de cursos foi discutida em 1996, quando a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) tornou obrigatrio odiploma em nvel superior para professores que fossem atuar no ensino bsico (lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996,regulamentada pelo decreto no 3.276, de 6 de dezembro de 1999). A transio seria feita num prazo de dez anos, pero-do durante o qual os professores que j estivessem atuando deveriam cursar Pedagogia, mesmo que na modalidade delicenciatura curta. Mas, em 2000, um novo decreto modificou os termos da regulamentao da LDB, substituindo oexclusivamente por preferencialmente, desse modo recuando no propsito de aumentar a qualidade de formaodos educadores que atuam nesta fase (ver decreto n 3.554, de 7 de agosto de 2000).

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    Valorizao do Magistrio (Fundef).

    n Plano da organizao e sistema decisrio: sob

    forte orientao descentralizante, as medidas

    principais envolveram a radical descentraliza-o dos programas federais de apoio ao ensino

    fundamental e, por intermdio do Fundef, de

    estmulo municipalizao daquele nvel de

    governo.

    (Draibe, 2003, p. 78)

    A gesto do presidente Luiz IncioLula da Silva tem se esforado em apro-fundar as modificaes que promovam amelhoria da qualidade de ensino e a cor-reo das distores provocadas pelasdiferentes formas de excluso. Nessesentido, algumas iniciativa s merecemdestaque, dentre as quais o lanamentodo Plano de Desenvolvimento da Edu-cao (PDE), em 2006. O PDE rene a-es importantes que tm em comum oesforo de construo de uma educao

    bsica de qualidade.Uma das aes que gostaramos de

    destacar o Fundo de Manuteno e De-senvolvimento da Educao Bsica e de

    Valorizao do Magistrio (Fundeb). En-quanto o Fundef se restringia ao ensinofundamental regular, o Fundeb visa a to-dos os alunos da educao bsica em dife-rentes modalidades. Haddad explicita demaneira mais clara os significados dessenovo fundo:

    (...) frente ao Fundef, a proposta do Fundeb

    representa um avano inequvoco, pois deve

    estimular a melhora do atendimento na edu-

    cao infantil e educao de jovens e adultos,

    alm de um aumento na participao da

    Unio no total de recursos do f undo, que ho-

    je de nfimos 3% deve subir para 10% do

    total.

    (Haddad, 2007, p.49)

    Embora represente um avano em re-lao ao Fundef, o autor nota que no setrata de medida suficiente para a correo

    das distores e desigualdades (entre re-gies, entre alunos de diferentes nveis derenda etc.). Isso ocorre porque o prpriosistema de financiamento das aes narea de educao acaba por sobrecarregaros mais pobres. Por esta razo que o au-tor sugere que a reviso da forma de finan-ciamento das polticas de educao pode-ria ser um bom ponto de promoo demais eqidade (idem, p. 50).

    Outro ponto de destaque a incorpora-o das avaliaes rotina do sistema p-

    blico, dando a elas publicidade e tomando-as como mote para o monitoramento daeficincia e qualidade do sistema educacio-nal e para a redefinio de critrios de dis-tribuio de recursos. No que se refere aoensino fundamental, o Sistema de Avalia-o da Educao Bsica (Saeb) o respons-vel pela produo de dados. O Sistema constitudo por duas aes diferentes: aAvaliao Nacional do Ensino Bsico(Aneb), uma pesquisa realizada por amos-tragem a cada dois anos e a Avaliao Na-cional do Rendimento Escola (Anresc) mais conhecida como Prova Brasil , de ca-rter universal para a rede pblica e urbanade ensino, tambm realizada a cada doisanos. Para o ensino mdio, foi criado oExame Nacional do Ensino Mdio (Enem),que depende da adeso dos alunos.

    A Prova Brasil obrigatria para todosos alunos da rede pblica de ensino fun-damental. Realizada pela primeira vez em2005, a avaliao acontecer novamenteem 2007.

    Quando da publicao dos resultadosda primeira avaliao, houve muito debatee incmodo, j que a Prova revelou um qua-dro bastante ruim: embora matriculadas

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    nas escolas, embora resistentes evaso es-colar, as crianas freqentadoras das esco-las pblicas brasileiras aprendem pouco. E

    no estamos falando aqui apenas de con-tedos, j que a Prova se preocupa em me-dir habilidades cognitivas, isto , a capaci-dade que as crianas tm de raciocinar, deusar os conceitos que fazem parte do curr-culo para a construo de solues.

    Na avaliao, numa escala que vai de125 a 350, as turmas de 4 srie participan-tes tiveram um desempenho mdio queficou abaixo dos 200 pontos: 172,91 em ln-gua portuguesa e 179,98 em matemtica.Embora no seja tema de nossa reflexo, osresultados obtidos pela 8 srie foram ain-da piores: os estudantes obtiveram notasmuito baixas em mdia, revelando queeles s aprenderam de fato os contedosprevistos para at a 4 srie.

    Os dados produzidos pela avaliao re-foram o que foi dito acima: aps a soluoda questo da expanso do Sistema deEnsino, por meio da construo de escolas,produo de material didtico, capacitaoe contratao de professores etc., faz-seagora necessrio concentrar os investimen-tos na melhoria da qualidade da educaooferecida pela escola pblica brasileira.

    A Prova Brasil, nesse sentido, umpasso importante, pois uma das aesque integram o esforo pela consolidaode uma cultura de avaliao. Mas no umaavaliao estril, que s sirva para o regis-

    tro das informaes ou provocao de de-bates sem conseqncias efetivas. A ava-liao que se deseja implementar aquelaque produz mudanas, que reorienta asaes, que possibilita, enfim, a constru-o de um caminho diferente.

    por esta razo que a Prova Brasil, emconjunto com os ndices de aprovao, re-petncia e evaso de cada escola, compe o

    ndice de Desenvolvimento da EducaoBsica (Ideb). O Ideb um orientador paraas escolas, municpios e estados, traando

    metas para que, a cada dois anos, estas ins-tituies estejam mais perto dos ndicesdas escolas dos pases desenvolvidos.

    Alis, a criao do Ideb um dos prin-cipais pontos do PDE. Este ndice varia dezero a dez e servir de base para aumentaro repasse do governo federal aos munic-pios que tiverem mais necessidade. Noentanto, a necessidade no o nico crit-rio: para receber recursos e assistnciatcnica adicionais, os municpios devemassinar o Compromisso Todos pela Edu-cao. De nada adianta aumentar os re-cursos se no houver capacidade de ges-to municipal para bem empreg-los.Ento, o ndice e o Compromisso procu-ram combinar necessidade e estmulo aodesenvolvimento da gesto pblica, nu-ma interveno que pensa em mdio elongo prazos. A proposta que at 2022,todos os municpios alcancem no mni-mo a nota seis: esta foi a mdia obtida pe-los estudantes de pases desenvolvidosque ficaram entre os 20 mais bem coloca-dos do mundo, e que fazem parte da Or-ganizao para Cooperao e Desenvol-vimento Econmico (OCDE).

    Outro ponto importante do PDE oprojeto de lei j enviado ao CongressoNacional que estabelece um piso salarialnacional para os professores do ensino b-

    sico. O valor ainda no est definido, e preciso que seja condizente com a atualrealidade dos docentes, permitindo-lheslevar uma vida digna e com tempo para de-dicar-se integralmente sua atividade,sem precisar sobrecarregar-se com vriosempregos. Por essa razo, trata-se sem d-vida de uma dimenso importante do de-senvolvimento da educao, a valorizao

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    do magistrio, que deve ser muito bem di-mensionada. Alm disso, a legislao re-fora as aes visadas pelo Fundeb. No

    mesmo sentido de valorizar o professor,h a proposta de formao continuada pa-ra os professores: todos passariam a estarvinculados a uma universidade, a quemcaberia a responsabilidade pela oferta decursos e acompanhamento. A experinciada escola Leonor Mendes de Barros, apre-sentada na prxima seo, demonstra queeste tipo de ao pode de fato melhorar aqualidade do ensino na escola.

    Tecnologias educacionaisFinalmente, o PDE previa o lanamentode um edital para a constituio de umGuia de Tecnologias Educacionais, o quefoi realizado em julho de 2007. Os pri-meiros resultados das experincias pr-qualificadas foram divulgados em agostodo mesmo ano. Mas importante desta-car que a resposta ao edital parece ter sidoaqum do esperado, pois h um processode aprendizagem por parte dos educado-res e escolas acerca do que so tecnologiaseducacionais e como participar em editaispblicos que est apenas no incio, de mo-do que as experincias pr-qualificadasforam apresentadas por ONGs, projetosde responsabilidade social de grandesempresas e grandes empresas de educa-o. No segundo semestre de 2007 haver

    o lanamento de um segundo edital.De todo modo, cabe destacar que os ob-

    jetivos do edital e do Guia de TecnologiasEducacionais com as experincias qualifi-cadas so bastante louvveis: aproveitar asmelhores experincias em tecnologiaseducacionais para qualificar a educao b-sica, dando visibilidade a iniciativas quepoderiam ficar restritas a apenas uma co-

    munidade. As tecnologias pr-qualifica-das sero avaliadas e monitoradas peloInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas

    Educacionais (Inep/MEC) e, caso elas sig-nifiquem um impacto positivo nos indica-dores de qualidade da educao, sero cer-tificadas pelo MEC.

    Na concepo do PDE, tecnologiaseducacionais consistem em tcnicas,aparatos, ferramentas e utenslios compotencial de utilizao no desenvolvi-mento e apoio aos processos educacio-nais, seja para realiz-los ou para a melho-ria de sua qualidade (MEC, 2007). Umavez que se entenda que esta melhoria dequalidade significa a busca de uma educa-o inclusiva e democrtica, h sem dvi-da uma proximidade com o conceito detecnologia social, o que j se revela no es-foro de identificar, sistematizar e divul-gar experincias bem sucedidas.

    Resta saber se o Guia de TecnologiasEducacionais lograr realizar esta tarefapor meio de editais, instrumentos uni-versais porm distantes da realidade deprofessores e professoras espalhados pelopas. A estratgia adotada pelo MEC podese mostrar excludente, dando visibilidadeapenas a iniciativas j consolidadas, reali-zadas em ambientes urbanos e constru-das por grandes empresas, ONGs e proje-tos de responsabilidade social, comoprimeiros resultados das tecnologias pr-qualificadas sugerem.

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    RELATOSDE EXPERINCIAS

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    RELATOSDEEXPERINCIAS

    1. LER E INTERPRETARO MUNDO: EXPERINCIAS

    DE ALFABETIZAO

    Localizado na regio do Alto Ribeira,conhecido pela pobreza e pelos con-flitos fundirios, o pequeno municpiode Barra do Chapu (SP) tem o segundopior IDH do estado de So Paulo: 0,646em 2000. Com apenas 4.810 habitantes,conforme dados de 2004, o municpioapresenta srios problemas de infra-es-trutura e saneamento bsico. Por exem-plo: apenas 25% das casas contam com

    banheiros.Apesar de tudo isso, o municpio foi

    destaque aps a divulgao dos resulta-dos da Prova Brasil: os alunos da 4 srieda escola tiraram a quinta melhor nota em

    Lngua Portuguesa. Numa escala que vaide 0 a 500, os alunos obtiveram mdia253,60 o que muito superior mdiaobtida pelos alunos brasileiros, de 172,91 ecompatvel com a mdia obtida por alu-nos em pases desenvolvidos.

    E por ter conseguido fazer com queseus alunos fossem capazes de ler, inter-pretar histrias, identificar os diferentes

    tipos de texto, enfim, por ter possibilita-do que eles tivessem domnio do cdigoescrito (lendo e escrevendo) que selecio-namos a experincia da Escola MunicipalLeonor Mendes de Barros. Isto, num con-texto em que todas as condies sociais eeconmicas tornariam mais provvel quea aprendizagem no acontecesse. Nossoesforo ser o de identificar os fatores quepodem ajudar a explicar seu sucesso, paraque possamos aprender com ela.

    Quando a escola se tornatecnologia socialA Escola Municipal de Ensino Funda-mental Leonor Mendes de Barros trabalhacom turmas de 1 a 4 srie. Em 2005, po-ca em que a Prova Brasil foi aplicada, eram21 4 alunos matriculados e nove professo-

    res (sendo que 89% deles tinham nvel su-perior). A escola conta com oito salas deaula, biblioteca, laboratrio de informti-ca com acesso internet, sala de vdeo eTV, brinquedoteca e rea de lazer.

    Quando a atual diretora da escola as-sumiu, encontrou um quadro de profes-sores que estavam h muito tempo na ins-tituio, mas desmotivados e que

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    faltavam muito. Decidiu ento mobiliz-los, melhorando as condies para o de-senvolvimento do trabalho pedaggico

    (por meio do estmulo formao) ecriando conjuntamente com os professo-res estratgias de premiao dos profis-sionais mais assduos.

    No relato que fazem de sua experin-cia, coordenadores e professores identifi-cam no ano de 2001, com a municipaliza-o do ensino, um marco do incio datransformao. Uma das primeiras aesda Secretaria Municipal de Educao foiunir-se a municpios vizinhos num con-srcio para o estabelecimento de umaparceria com a Universidade Estadual deSo Paulo (Unesp). Por meio do ProjetoPedagogia Cidad, a Universidade passoua oferecer capacitao para o corpo docen-te das escolas. Essa a razo pela qual 89%dos professores tm nvel superior; osque ainda no tm esto em vias de con-cluir o curso.

    A partir desta iniciativa, desdobraram-se muitas outras. A participao dos pro-fessores no Mdulo de Gesto Escola eAvaliao, parte da formao oferecida pe-la Unesp, contribuiu para que os professo-res passassem a realizar planejamentos es-tratgicos, definindo metas como ocombate reprovao (que at 2005 era de20% e hoje est em torno de 5%) ou a redu-o da evaso escolar, que era vista comoconseqncia dos altos ndices de repro-

    vao e hoje est praticamente resolvida.A avaliao foi incorporada como fer-

    ramenta de monitoramento, permitindoacompanhar o aluno e intervir sobre suasituao antes que ela resulte em reprova-o ou evaso: Conseguimos isso orga-nizando muitas atividades de produode texto e aplicando provas bimestrais pa-ra aferir os resultados, explicou Nilva

    Pereira de Oliveira Ribas, coordenadorapedaggica da escola Revista NovaEscola (2007). Menos do que um instru-

    mento para promover ou reter alunos, aavaliao se transformou num instru-mento de diagnstico e de sistematizaodo olhar que se dirige classe.

    Cada classe tem uma pasta, montadapela coordenao pedaggica, em que fi-cam registradas as atividades desenvol-vidas, as produes dos alunos, as difi-culdades, os avanos etc. Nas reunies

    bimestrais, este material o ponto departida para a discusso coletiva de estra-tgias, partilha de experincias, enfim,para a construo de um olhar organiza-do para os percursos de cada grupo.Dessa maneira, os professores tm maissubsdios para perceber o que seus alunossabem e no sabem e de que modo seuprprio trabalho tem interferido ou podeinterferir sobre a situao. Alm disso,esta prtica muito importante para noacomodar o professor que d aula h v-rios anos para a mesma srie numa sensa-o de que j sabe o que fazer: os diagns-ticos e as avaliaes lhe do elementospara enxergar cada classe como um grupoespecfico, com seus saberes, dificulda-des e potencialidades.

    Alm da formao em Pedagogia, fo-ram firmadas parcerias com a FundaoArmando lvares Penteado (Faap) para amontagem do laboratrio de informtica:

    a Fundao doou computadores e treinouos professores. Outra parceria que resul-tou em mais capacitao para os professo-res foi com o Servio Brasileiro de Apoios Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).Os professores so os responsveis porestimular o empreendedorismo entre os

    jovens, no Projeto Jovens Empreendedo-res Primeiros Passos.

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    H ainda outros fatores que contri-buem para o sucesso da Escola. As turmas,por exemplo, no ultrapassam 25 alunos, o

    que permite ao professor conhec-los in-dividualmente. Assim, est apto a atenderprontamente as necessidades pedaggicasde cada um, e intervir logo aos primeirossinais iniciais de que algo no vai bem.4

    Para reforar o vnculo entre professo-res e alunos, o mesmo docente acompa-nha uma classe da 2a 4a srie. Esta estra-tgia faz que o aluno seja acompanhadopor um professor que conhece bem o seuprocesso de aprendizagem. Desde o in-cio do ano, o docente tem muitos elemen-tos para saber quais conhecimentos o alu-no j possui e quais est em vias deadquirir. Isto facilita a criao de oportu-nidades de aprendizagem.

    Outro fator importante que os mate-riais utilizados pelos alunos so produzi-dos pelos prprios professores, a partir deseus diagnsticos de classe. Deste modo, aaula no fica presa ao contedo e ordemdefinida antecipadamente pelo autor deum livro ou cartilha. O material realmentefunciona como apoio s aprendizagens daclasse, pois so coerentes com o olhar que oprofessor dirige em relao a seus alunos.

    Alm da biblioteca, h estantes com li-vros disposio dos alunos na prpriasala de aula. Os professores se preocupamem colocar os alunos em contato com tex-tos de diferentes tipos: livros, gibis, revis-

    tas... Assim eles tm a chance de reconhe-cer que mesmo a linguagem escrita pode

    4. A partir dos dados do Saeb, foram feitos alguns cruzamentos de dados, procurando identificar as variveis-chave dosucesso ou do fracasso. Os resultados apontam que o nmero de alunos em sala de aula interfere menos nos resulta-dos do que se imagina; por outro lado, o aumento da jornada escolar aparece com um fator com peso explicativo impor-tante, segundo o professor Narcio Menezes Filho: Vemos claramente que os melhores alunos no esto nas menoresclasses, mas sim naquelas escolas onde h mais horas de aula, explica. A diferena est nas escolas com at cincohoras dirias e nas que ofereciam mais de cinco horas vrios estados, inclusive So Paulo, tm escolas em tempo inte-gral, onde os estudantes fazem aulas normais em um dos perodos e atividades complementares ou de reforo no outro(http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/260307c.htm, consultado em 20 de junho de 2007).

    UM OLHAR TERICOPesquisas mostram que, na origem do fracasso escolar,muitas vezes est a falta de familiaridade com o cdigo es-

    crito, que permitiria s crianas chegar escola aos seisanos de idade j tendo percorrido um longo caminho dehipteses para interpret-lo. Mas os mtodos de alfabeti-zao mais utilizados foram pensados para crianas fami-liarizadas com a leitura e a escrita, sendo ineficaz para agrande maioria das nossas crianas que freqentam esco-las pblicas. Assim, preciso oportunizar a elas experin-cias que lhes permitam percorrer as hipteses explicativasat chegarem concluso pouco bvia de que a rela-o entre som e representao nem sempre direta.A criana se interessa por ler e escrever quando percebeque ali est uma ferramenta que pode lhe interessar: parase comunicar, para pertencer a um grupo, para ter acessoa informaes, para no depender de algum que lhe leiaas histrias de que mais gosta... Se no h desejo, o inte-resse da criana outro: passar de ano, agradar a profes-sora, evitar a bronca que sucede o erro...De modo geral, nosso sistema escolar est voltado para oacerto para ir bem em uma matria, o aluno precisaaprender a responder conforme o que lhe perguntam. E aque est a armadilha: o aluno deixa de orientar seu pensa-mento em direo compreenso do problema que temdiante de si para orientar seu pensamento na direo daresposta que imagina ser a que se espera dele. Nesse pro-cesso, ele fica com medo de errar, pois o erro vai revelar

    que ele ainda no aprendeu a responder conforme as ex-pectativas do outro (o professor, a escola).Associado ao medo de errar, um mtodo que sugere umarelao equivocada identificao som/sinal grfico pa-ra depois punir o aluno por no conseguir se descolar des-sa primeira hiptese no mnimo torturante! O aluno deixade poder pensar livremente, para pensar tendo como refe-rncia as expectativas que o professor tem dele e assimresponde conforme a regra aprendida e no conforme ashipteses que poderiam lev-lo soluo do enigma. Noh hipteses a serem formuladas, mas um esforo imensoem compreender o modelo que deve ser aplicado e quepermitir no errar.

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    se transformar dependendo do contexto.Essa ao amplia o repertrio dos alunos eos instiga a conhecer os diferentes objeti-

    vos de cada estilo literrio.Finalmente, o envolvimento dos paisno acompanhamento dos alunos se mos-tra um fator fundamental para o sucessodos esforos da Escola. Segundo IvoneSantos, supervisora de Educao de Barrado Chapu, a comunicao com os pais constante, realizada principalmente pormeio de bilhetes (j que os alunos vm dezonas rurais). As reunies de pais so lo-tadas, demonstrando o interesse e o com-promisso que eles tm com o processo deaprendizagem de seus filhos.

    Podemos perceber que as solues en-contradas pela escola esto longe de seconstituir em ovos de Colombo. Trata-se de se considerar a escola como um con-

    junto complexo e integrado de elementos,todos eles fundamentais, e de coloc-lospara agir um a favor do outro, numa siner-gia positiva. Assim, busca-se melhorar aorganizao da escola pela articulao en-tre ferramentas de gesto eficientes (plane-

    jamento, avaliao, monitoramento), mo-tivao dos professores e ampliao deconhecimentos que possam ser a base desua prtica, criao de um ambiente favor-vel aprendizagem, confiana na capacida-de do aluno aprender e envolvimento dospais e de parceiros (como universidades,organizaes no-governamentais etc.).

    Embora simples, essas solues noso fceis de implementar. Tomemos co-mo exemplo a questo do planejamento:ainda que a diretoria e a coordenao peda-ggica desejassem implementar um pla-nejamento de tipo estratgico (uma ferra-menta que em geral causa arrepios aosprofissionais da educao), foi o fato dosdocentes estarem sendo formados pelo

    Nesse sentido, a escola Leonor Mendes de Barros exem-plar. Alm da confiana absoluta na capacidade dos alunos

    de aprender, os diagnsticos peridicos sugerem que o er-ro encontra a um outro significado, sendo visto como indi-cador do processo de cada aluno, orientando a intervenodo professor. As mudanas na sala de aula, com a coloca-o de estantes nas quais esto dispostos livros, revistas eoutros materiais, so exemplos de construo de um am-biente alfabetizador, que demarca para as crianas um ter-ritrio diferente do espao da casa, e lhes permite experi-mentar a leitura de diferentes maneiras.

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    RELATOSDEEXPERINCIAS

    projeto Pedagogia Cidad, no Mdulo deAvaliao e Gesto, que permitiu que oplanejamento acontecesse. Em outras pa-

    lavras, os docentes incorporaram a ferra-menta sua prtica, reconhecendo em quemedida ela poderia ser til sua ao.

    Nesse caso, houve sincronia entre apostura da direo, da coordenao e dosdocentes. Mas sabemos que quando no hesta sincronia, uma ao coletiva como umplanejamento simplesmente no acontece e, se acontece, vira um documento de ga-veta e no um instrumento de gesto. Aefetividade do planejamento no caso daEscola Leonor Mendes de Barros foi poss-vel porque todos os atores compartilha-vam de uma atitude positiva em relao aele, envolvendo-se em sua realizao.

    Como afirmamos no incio dessa se-o, a experincia da Leonor Mendes deBarros nos oferece muitos elementos pa-ra pensar como boas prticas de gestopodem resultar em melhorias no desem-penho dos alunos de classes populares naescola. A experincia mostra que poss-vel, sim, que a escola seja um instrumen-to de mobilidade social, na medida emque intervm realmente sobre a realidadedos alunos.

    2. UMA NOVA FORMADE ENSINAR MATEMTICA

    Uma histria de inquietaoe pesquisaO Grupo de Estudos sobre Educao,Metodologia de Pesquisa e Ao (Geempa) uma organizao no-governamentalfundada em 1970, em Porto Alegre (RS).Seus objetivos, na poca, consistiam eminvestir em pesquisas e aes voltadas es-pecificamente ao ensino da matemtica.Por isso o seu primeiro nome foi Grupo deEstudos sobre o Ensino da Matemtica dePorto Alegre.

    O grupo partia de uma perspectiva te-rica bastante clara: o desenvolvimento dainteligncia tal como pensado nos estudospiagetianos. Desde o incio se mostrava,portanto, o compromisso do Geempacom o desenvolvimento de pesquisascientificamente embasadas que contri-

    bussem para iluminar as relaes de ensi-no-aprendizagem, tendo como uma desuas estratgias as classes experimentais.

    O compromisso fundamental da ins-tituio com as classes populares.Podemos mesmo dizer que o ponto departida para todos os estudos e pesquisasrealizados a pergunta:por que as crian-as das classes populares no aprendem?

    Ao longo de sua histria, as aes de-senvolvidas pelo Geempa foram se am-

    pliando: boletins informativos, encon-tros entre pesquisadores, publicaes,

    jornadas de estudos, palestras, seminriose cursos de formao faziam da sede doGeempa um foco de irradiao de novas ecriativas linhas de pesquisa e investigaosobre o processo de ensino-aprendiza-gem, nos moldes dos grandes centros deestudos internacionais (Geempa, 2007).

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    Em 1983, o Geempa assumiu o nomeatual, refletindo a ampliao do escopo desua atuao: alm da matemtica, os estu-

    dos e pesquisas realizados pelo Geempamostram seu potencial de contribuiopara todas as outras disciplinas da educa-o. nessa poca que o grupo assume co-mo lemas S ensina quem aprende, re-ferindo-se ao trabalho que desenvolvem

    junto aos professores, e Todos podemaprender, numa explcita convico deque, se os alunos das escolas pblicas noaprendiam, os fatores explicativos se en-contravam nos mtodos de ensino e noem alguma incapacidade nata.

    Em 1984, por exemplo, surge o pri-meiro Curso de Especializao sobre Al-fabetizao em Classes Populares, emPorto Alegre, e em 1985 forma-se a pri-meira turma de professores alfabetizado-res capacitados na metodologia geempia-na. Nos anos seguintes, o curso seriadisseminado para diversas cidades do es-tado e do pas. A formao de professoresse tornaria uma das aes principais doGeempa ao longo dos anos, na medida emque esta uma poderosa ferramenta tantode multiplicao das teorias e prticas re-conhecidas como eficazes para possibili-tar a aprendizagem dos alunos das classespopulares quanto de transformao darealidade das salas de aula.

    Os anos 80 tambm foram caracteri-zados pela ampliao do escopo terico

    que embasava as aes do Geempa que atento tinham como referncia principalos estudos de Jean Piaget, Emlia Ferreiroe Paulo Freire. Nos anos 90, seguindo ocaminho percorrido por muitas ONGs, oGeempa estabeleceu uma parceria prof-cua com a Secretaria Municipal de Edu-cao de Porto Alegre (Smed-POA).Quem estava f rente da Smed-POA na

    ocasio era a Prof. Dr. Esther PillarGrossi, que tambm coordenadora depesquisa do Geempa. Ela lanara o desafio

    de implantar uma proposta construtivis-ta na s escolas municipais. A instituioatuou principalmente na formao deprofessores. Entre 1991 e 1993, uma parce-ria entre o Geempa, a UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ea Pontifcia Universidade Catlica do RioGrande do Sul (PUC-RS) resultou noprojeto de formao de alfabetizadoresVanguardas Pedaggicas, alfabetizaoconstrutivista e na publicao dos Ca-dernos das Vanguardas Pedaggicas (quesistematizavam as aprendizagens realiza-das ao longo dos trs anos de durao doprojeto). Segundo a instituio:

    Encerrada esta etapa, o Geempa retorna ao n-

    cleo de suas reflexes e prossegue na realiza-

    o de suas pesquisas nas reas de artes, mate-

    mtica, estudos sociais, em classes experi-

    mentais, alm de promover novos cursos de

    especializao sobre os fundamentos tericos

    e prticos da didtica e pedagogia geempianas,

    seminrios sobre educao infantil e jornadas

    de estudos sobre interlocuo cientfica. Entre

    a equipe de pesquisa permanecia a incmoda

    interrogao em torno dos limites do constru-

    tivismo piagetiano para a construo de uma

    proposta didtica de ensino-aprendizagem. A

    experincia de envolvimento com o processo

    de generalizao de uma proposta construti-

    vista no mbito de redes formais de ensino re-

    sultou em uma nova etapa de reflexes para a

    equipe de pesquisa do Geempa.

    (Geempa, 2007)

    No final da dcada de 90, o Geempa selana a um novo desafio: o Projeto Ler eEscrever de Verdade. Em parceria com a

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    RELATOSDEEXPERINCIAS

    ONG Themis, o projeto teve como obje-tivo alfabetizar mil mulheres ao longo detrs meses. Bem sucedido, tornou-se re-

    ferncia nacional para a alfabetizao dejovens e adultos.Ainda nesse perodo, os pesquisado-

    res do Geempa percebem que seria neces-srio ampliar realmente o escopo das refe-rncias tericas, a fim de responder deforma mais consistente aos desafios pro-postos pela situao de no-aprendiza-gem dos alunos de classes populares. Apartir da que se passa a utilizar o termops-construtivista para caracterizar as re-ferncias que orientam as pesquisas eaes do Geempa.

    O Geempa advogaria, a partir deste momento,

    uma redefinio da escola em suas bases e es-

    tratgias didticas e pedaggicas. (...) a base da

    produo do conhecimento no espao escolar

    reside na compreenso do ensino como um ca-

    minho de duas mos. Em uma delas, esto as

    atividades didticas preparadas pelo professor.

    Na outra, esto os esquemas de pensamento

    dos alunos, ou seja, as hipteses que eles fazem

    no rumo dos conceitos em pauta (...). No cora-

    o do desdobramento de tais idias do cons-

    trutivismo ps-piagetiano, o Geempa reco-

    nhecia, junto com Grard Vergnaud, a didtica

    como um novo ramo do conhecimento, capaz

    de dar conta do trnsito entre quem no sabe

    algo e passa a sab-lo; um processo sutil e com-

    plexo. Por essas razes, a capacitao dos pro-

    fessores retornava ao centro das atenes e in-

    tervenes do Geempa, uma vez que nela resi-

    dia a exigncia basilar para que a escola viesse a

    se tornar a sede do prazer de aprender e ensinar

    e, assim, um campo frtil ao conhecimento.

    (Geempa, 2007)

    Atualmente, alm das pesquisas quecontinua a desenvolver, o Geempa se de-

    dica a trabalhar com a formao de profes-sores para a alfabetizao e o ensino damatemtica e a disseminar a metodologia

    geempiana ps-construtivista por meiode assessorias a gestores pblicos. Estasaes acontecem tambm em outros pa-ses, como a Colmbia, onde se realizouum projeto piloto visando implantaoda metodologia geempiana nas escolaspblicas de educao infantil.

    Inovao no ensino-aprendizagemAbrimos um espao amplo para a apre-sentao do histrico do Geempa porqueele j d notcia de algumas caractersticasque tambm so desejveis nos professo-res: a inquietude e a no acomodao, porexemplo, que possibilitaram que oGeempa percebesse na realidade a neces-sidade de pesquisar mais sobre as relaesde ensino-aprendizagem, ampliando acompreenso sobre tais questes. Os 36anos de experincia da organizao leva-ram-na a apostar suas fichas na formaodos professores, no reconhecimento deque, para mudar o quadro atual da educa-o no pas, fundamental que tenhamosprofessores bem formados, capazes de fa-zer mais do que repetir mtodos e mode-los em sala de aula, culpando os alunospor no aprenderem.

    O Geempa parte de uma demanda so-cial bastante concreta: por que as crianas

    das classes populares no aprendem a lere escrever, a calcular etc.?

    A primeira observao realizada peloGrupo foi a de que um dos fatores quecontribuem para a no-aprendizagem dascrianas de classes populares a forma deorganizao do currculo que deveriamaprender, alm da prpria forma de ensi-nar. Os saberes contidos nos currculos

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    DETECNOLOGIASOCIAL

    estavam organizados: 1) de modo a res-ponder s necessidades de alunos cujomeio social j os familiariza com uma s-

    rie de conhecimentos antes do ingressona escola ou durante a pr-escola; e 2) ossaberes eram organizados do ponto devista de quem tem uma viso do todo, eento decompe este todo em pequenaspartes (para facilitar a aprendizagem)que dificilmente chegam a fazer sentidopara os alunos, j que nessa decomposioesteriliza-se o conhecimento, retira-sesua vida e, desse modo, o prprio signifi-cado do conhecimento esvaziado.

    Vamos dar um exemplo bastante con-creto, inspirado nas observaes geempia-nas. Uma criana com menos de seis anosenfrenta muito mais problemas relativos diviso do que soma. Se uma criana ga-nha mais uma bala, nenhuma tenso podeadvir desse fato. Mas quando se pede queela divida a bala com o irmo ou o colega,por exemplo, esta realmente uma opera-o que a mobiliza, que aprovoca.

    Portanto, propiciar situaes artifi-ciais para trabalhar determinadas ques-tes, ainda que de forma ldica ou viven-cial, no suficiente para superar o fato deque no se est lidando com o conheci-mento que as crianas reconhecem comosendo o que lhes falta. E s a falta que po-de acender o desejo, implicar o aluno noesforo de tecer hipteses, mobilizar-separa compreender.

    Chamamos ateno para isto porquemuitas vezes se prope o ensino da mate-mtica sob a forma de brincadeiras e jogos,acreditando-se que seja suficiente paramelhorar a aprendizagem. Nessas propos-tas falta, muitas vezes, a compreenso deque a criana pensa de forma indutiva. Ouseja, no basta jogar uma vez, ela precisa

    jogar inmeras vezes, realizar a mesma

    atividade ou variaes at esgotar as suaspossibilidades. Assim que constri seusconhecimentos. Trata-se de uma expe-

    rincia na acepo que ela costuma ter emcincia: a criana precisa se sentir livre pa-ra testar hipteses, fazer observaes, er-rar, coisas que em geral no so permitidasquando simplesmente se insere um jo-go no territrio de uma sala de aula, emque as relaes entre professor e alunoscerceiam toda a imaginao. nesse senti-do que os jogos e as atividades ldicas cor-rem o risco de ser artificiais.

    Muito diferente o sentido dos jogos eatividades num contexto como o delimi-tado pela teoria da sala de aula geempiana,em que desde o incio h espao para astrocas, o erro, a tessitura conjunta de hi-pteses. Nesse contexto, os alunos sabemque o jogo no um momento de pausadas atividades srias da escola e sim umdesafio ao seu pensamento.

    Para facilitar a compreenso de comotodas as observaes expostas acima po-dem mudar a prtica pedaggica, apre-sentaremos uma das propostas geempia-nas para modificar o ensino damatemtica. Trata-se do ensino do siste-ma de numerao.

    Comecemos pelo incio, entendendoo que numerao:

    Numerao o estudo de como utilizar um

    mnimo de palavras e de smbolos para repre-

    sentar os nmeros que so infinitos. Este estu-

    do nos leva considerao de um conjunto de

    smbolos e um conjunto de regras que permi-

    tem representar qualquer nmero. O nosso

    sistema de numerao adota o princpio do va-

    lor posicional, isto , que todo algarismo escri-

    to esquerda de outro representa a unidade X

    vezes maiores do as deste outro e possui o

    smbolo 0 para identificar ordens vazias, sen-

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    RELATOSDEEXPERINCIAS

    do ordens as posies ocupadas pelos nme-

    ros. Usamos normalmente os nmeros repre-

    sentados com estas regras, em que o X vale 10,

    isto , o sistema decimal.(Grossi, 2006a, p.15)

    Cabe aqui chamar a ateno para um as-pecto. A despeito de todo material cons-trudo para trabalhar o sistema de nume-rao concretamente, podemos perceberque h uma precisa compreenso tericado que significa, do ponto de vista da cin-cia matemtica, tal sistema. Portanto, aclareza na proposio pedaggica vemtanto de uma boa formao na rea que seest a ensinar quanto da referncia a umconjunto de teorias do conhecimento quecontribui para a deciso de como organi-

    zar provocaes que possibilitem aosaprendentes se apropriar do conceito.

    A proposta do Geempa para o ensinodo sistema de numerao nas primeirassries a de possibilitar que os alunos ex-perimentem diferentes bases de numera-o, para que possam compreender o quesignifica a base dez.

    Essa estratgia inverte a lgica do ensi-no da matemtica em geral, em que a con-tagem precede a compreenso do sistema.No toa que as crianas tm tantas difi-culdades com a realizao das operaesde soma, subtrao, diviso e multiplica-o, apesar de todos os truques que setenta ensinar a elas, tais como o vai um

    na diviso ou empresta na adio de n-meros com mais de dois algarismos! provvel que no sejam as operaes ma-temticas que elas no compreendem, esim a representao destas operaes emum sistema de numerao.

    Da a observao do Geempa de que ascrianas a quem se possibilitou a expe-rincia de representar bases diferentes

    compreendem muito mais fcil e rapida-mente as tcnicas de operao.

    As hipteses que as crianas percor-

    rem para a compreenso do sistema de nu-merao so as seguintes (podendo ocor-rer em ordem diversa da apresentada):

    nReconhecimento ou descoberta das

    vrias bases;

    nReconhecimento ou descoberta das

    diferentes potncias (agrupamentos

    ou ordens) numa base;

    nGeneralizao das bases e das potncias;

    nNecessidade de denominar as ordens

    (potncias);

    nCodificao e decodificao de numerais;

    nNmero e tipo de algarismos usados em

    cada base;

    nTroca de base;

    nSeriao de numerais.

    (Grossi, 2006a, p.16-7)

    Como se v, trata-se de compreensesque pareceriam muito complexas a crian-as de sete ou oito anos. Mas que elasaprendem sem grandes sustos se lhes fo-rem oferecidas provocaes suficiente-mente desafiadoras e estimulantes.

    Um outro achado importante doGeempa reconhecer que a matemtica fazuso de palavras que tm conotao dife-rente no cotidiano. Por exemplo, conjunto,grupo, anel, corpo, entre outras (Geempa,2006a, p.10). Assim, uma das tarefas do

    professor no ensino da matemtica utili-zar estas palavras em um contexto preciso,que remeta ao conceito matemtico e quefamiliarize a criana com este uso menoscomum. A criana vai aprendendo destaforma as implicaes do conceito, de modoque quando uma atividade matemtica lhe apresentada, ela j sabe (ainda que esteconhecimento no tenha sido explicita-

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    DETECNOLOGIASOCIAL

    mente nomeado) do que se trata. Cria-se,assim, uma espcie de ambiente de ensinoda matemtica, que lembra a criao de um

    ambiente alfabetizador.

    De saquinhos com feijess bases numricasEm que consiste a experimentao de

    bases diferentes? So atividades propos-tas aos alunos que provocam seu pensa-mento.

    Vamos tomar como exemplo a ativida-de com os saquinhos. So saquinhosno-transparentes, em seis diferentes ta-manhos e cores e com um fecho. Pode-setrabalhar com qualquer objeto pequeno,por exemplo, feijes. importante obser-var que o primeiro saquinho deve ser ca-paz de conter de dez a 12 dos objetos pe-quenos; o segundo saquinho deve sercapaz de conter de dez a 12 dos saquinhospequenos que contm de dez a 12 feijes, eassim por diante.

    Quando da introduo dos saquinhosem sala de aula, preciso deixar as crian-as reconhecerem e descobrirem os sa-quinhos, e as observaes desse primeirocontato devem ser anotadas pelo profes-sor, que pode lanar perguntas estimula-doras tais como: Tu j viste quantos sa-quinhos recebeste? E quantos tipos desaquinho h? Qual o maior? E o menorzi-nho?. Segundo Esther Grossi, estes so

    incentivos memorizao da ordem dostamanhos de saquinhos associados a co-res diferentes (Grossi, 2006a, p. 31).Passado este momento de reconheci-mento, pode-se propor alguns jogos es-truturados, em que o professor distribuiuma certa quantidade de feijes e entocoloca regras para uso dos saquinhos, porexemplo:

    Vocs so empregados da seco de empacota-

    mento de uma fbrica. (Talvez haja necessidade

    de conversar com os alunos, se j entraram em

    alguma fbrica, se j viram como ela funcionaetc.) O chefe da seco determina que seis fei-

    jes devem ir dentro de um saquinho pequeno.

    (Grossi, 2006a, p.33)

    Todos realizam a tarefa , observam oque aconteceu se sobraram feijes, se fi-caram saquinhos vazios etc. importanteque os alunos possam discutir soluespara estas questes por exemplo, conti-nuar o trabalho em classe em vez de sub-grupos, garantindo que se chegue a com-pletar alguns saquinhos dos maiores etc.

    Aps alguns jogos, pode-se introduziralgumas fichas para registro das rodadas.Alm disso, pode-se ir variando as bases eo nmero de feijes disponveis a cadavez. Isso importante para possibilitar ageneralizao da compreenso do que uma base.

    Quando esta compreenso alcanadapela sala, pode-se comear a propor repre-sentaes numricas para os sacos corres-pondentes. E, uma vez fixada a simboliza-o, pode-se inverter a ordem da atividade:a partir da simbolizao, os alunos devemensacar as quantidades descritas.

    importante observar que esta ativi-dade no a nica a ser trabalhada com osalunos, isto , no ela que por si s ir le-var compreenso do sistema de numera-

    o. Aps os jogos com saquinhos, porexemplo, pode-se trabalhar os blocosaritmticos multibases um material fei-to em madeira, sendo o exemplo na basedez chamado de material dourado. Hainda, na proposta do Geempa, jogos dedados e cartas que contribuem para queeste conhecimento seja alcanado e tam-

    bm atividades que, fazendo referncia s

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    RELATOSDEEXPERINCIAS

    experincias, lanam aos alunos desafiosdiferentes dos enfrentados concreta-mente, com o apoio dos materiais.

    Antes de encerrarmos a descrio des-ta experincia, gostaramos apenas de co-mentar brevemente uma das ferramentas disposio do professor, elaboradas peloGeempa: trata-se de alguns testes/ativi-dades que podem ser propostos pelo pro-fessor ao aluno, num momento de con-versa individual que, na metodologiageempiana, recebe o nome de aula-en-trevista. Esta conversa tem como objeti-vo realizar um dia gnstico do nvel emque o aluno se encontra em relao aos es-quemas operatrios envolvidos em de-terminada aprendizagem.

    Prope-se criana um problema ma-temtico qualquer. Ora, quando propo-mos um problema criana, ela dar algu-ma resposta, que reveladora do processode pensamento que a levou a constru-la.

    O que ocorre que tais processos noso nicos e pessoais: h estudos na reada psicognese do conhecimento quecontribuem para identificar algumas eta-pas e hipteses comuns que a criana per-corre em sua experimentao do mundoat chegar aprendizagem. Acima, porexemplo, descrevemos os momentos ne-cessrios compreenso do sistema denumerao. A aula-entrevista ajuda oprofessor a identificar em qual etapa seusalunos se encontram e a organizar provo-

    caes que os ajudem a pr em questo oconhecimento que tm at ento.

    Entre os materiais produzidos peloGeempa, h algumas atividades que po-dem ser realizadas durante a aula-entrevis-ta e que ajudam a orientar o professor nessedilogo. As atividades so cientificamentefundamentadas, sendo fruto de estudos,observaes e experincias. Esta estratgia

    bastante interessante tambm porqueconsiste num dos raros momentos de trocaindividual entre professor e aluno.

    Muito ainda haveria a ser dito acerca daexperincia do Geempa, por exemplo, al-guns aspectos de sua teoria de sala de aula,com conseqncias inclusive sobre a ma-neira de dispor as cadeiras no espao dasala e na forma de compor os subgruposde trabalho. Entretanto, centramos nossaexposio nos aspectos presentes naconstruo de uma nova proposta de en-sino da matemtica, reveladores das ca-ractersticas de Tecnologia Social presen-tes na experincia.

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    INSTITUTO

    DETECNOLOGIASOCIAL

    guns dos grandes temas abordados agua, a energia, o tempo, a eletricidade,entre outros. Aps a capacitao, os pro-

    fessores passam a integrar uma rede detroca de experincias e so acompanha-dos pela instituio-plo localmente res-ponsvel pelo programa.

    Aos plos e centros de difuso cabe noapenas a formao de professores, mastambm a pesquisa e a coordenao da pro-duo de materiais e kits para a realizaodas experincias e o acompanhamento daimplementao do projeto em sala de aula.

    Na descrio desta experincia, nospreocuparemos menos com a exposioda estrutura institucional que lhe d sus-tentao e mais com a apresentao dametodologia que desenvolveu: esta se ca-racteriza como uma verdadeira tecnolo-gia social, que traduz em prticas e instru-mentos cotidianos os elementos-chavepara a formao de cidados hbeis na for-mulao de problemas, competentes paraa investigao e capazes de dilogo e trocade conhecimentos com outros cidados.Nosso foco estar, portanto, no que acon-tece dentro das salas de aula.

    Caractersticas geraisDe um modo geral, nos estudos peda-

    ggicos o interesse em compreender o en-sino e a aprendizagem das cincias temcomo alvo os alunos da 6 9 sries do en-

    sino fundamental e os alunos do ensinomdio. Este recorte parece pressupor queo estudo das cincias e a experimentaoso coisas para crianas mais velhas e ado-lescentes, que j estejam de posse dos ins-trumentos bsicos da leitura, escrita e

    3. PROVOCAR ACURIOSIDADE CIENTFICA

    O projeto ABC na Educao Cientficafunciona no Brasil desde 2001. Fruto deuma parceria entre as academias deCincias francesa e brasileira, o projetotem como objetivo o desenvolvimento doensino experimental nas sries iniciais (1 a

    4 srie) e, primeiramente, foi implemen-tado em escolas municipais e estaduais doRio de Janeiro, na Regio Metropolitanade So Paulo e em So Carlos (SP), pormeio de parcerias locais com universida-des e centros de pesquisa.5

    Atualmente, os plos de implemen-tao e difuso do projeto so: EstaoCincia (USP, So Paulo), Centro deDivulgao Cientfica e Cultural (-CDCC/USP, So Carlos), Secretaria Mu-nicipal de Educao de So Paulo, Fun-dao Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz,Rio de Janeiro), Museu Vivo de Cincia eTecnologia de Campina Grande (PB),Ncleo de Cincias da UniversidadeFederal do Esprito Santo, Curso dePedagogia do Centro Universitrio de

    Jaragu do Sul (SC), entre outros. O mo-delo de funcionamento define que osplos so os responsveis pela imple-mentao do projeto junto s secretariasmunicipais e estaduais de Educao.

    Como funciona o projetoOs professores interessados em modifi-car sua forma de ensinar se colocam comovoluntrios para fa zer parte do projeto.Ento eles so capacitados pelos profis-sionais dos plos na metodologia e em al-

    5. Do lado brasileiro estavam envolvidos: a Estao Cincia/Universidade de So Paulo, o Centro de DivulgaoCientfica e Cultural da USP (CDCC) em So Carlos, a Fundao Osvaldo Cruz e quatro Secretarias de Educao, dentreas quais a Secretaria Municipal de Educao de So Paulo.

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    operaes matemticas (da, inclusive, oalto grau de formalismo e abstrao dosconhecimentos que fazem parte do curr-

    culo destas disciplinas).Nessa realidade, os experimentos soutilizados como simples ilustrao deconceitos como se o professor anun-ciasse a verdade e depois possibilitasseexperimentos que reforassem o quoverdadeira ela ! Ora, experimentos quetm por objetivo apenas a ilustrao vocontra a prpria idia de experincia, poisexperimentar significa ensaiar, tentar eerrar, construir hipteses e test-las... Hao e um sujeito desta ao. Por isso, aoexperimentar, o sujeito experimentadorse v implicado nos resultados.

    Mas quando o experimento merailustrao, no h espao para questiona-mentos, hipteses ou dilogo: a anuncia-o antecipada da verdade pelo professoracaba por minar a curiosidade dos alunos,dificultando que se disponham a obser-var qualquer coisa que possa contradizeraquilo que foi estabelecido. Disto resultao descolamento das cincias em relao realidade, alm de revelar-se uma concep-o de que os alunos so aqueles que nosabem, a quem os professores devem ilu-minar com seus saberes.

    A proposta do Mo na Massa de traba-lhar uma nova maneira de ensinar cinciasna educao infantil e nas primeiras sriesdo ensino fundamental contribui para

    afirmar estas pequenas crianas como se-res de curiosidade e de conhecimento.Parte-se do reconhecimento de que, paraentender os conceitos e operaes dascincias, menos do que qualquer habilida-de inata, necessrio ter sido educado pa-ra a investigao: aprende-se a pesquisarda mesma maneira que se aprende a ler, aescrever e a realizar operaes matemti-

    A ORIGEM DO ABC NA EDUCAO CIENTFICAA idia original do projeto data do incio dos anos 1990, nosEstados Unidos, quando o fsico Leon Lederman (Nobel deFsica) prope a criao de um programa de ensino decincias chamado Hands On, com o objetivo de articular aexperimentao cientfica e a linguagem oral e escrita. Oprograma se direcionava s crianas de cinco a 12 anos.Em 1995, o fsico francs Georges Charpak (tambm ganha-dor do Prmio Nobel de Fsica) entra em contato com o pro-jeto. Levando em conta a semelhante necessidade em seupas de repensar as metodologias para o ensino de cinciae tecnologia, une-se Academia Francesa de Cincias pa-ra implementar o projeto em escolas, sob o nome de Lamain la Pte (literalmente, mo na massa).A despeito de a idia ter surgido primeiramente nosEstados Unidos, foi a experincia francesa que tomo