Consignação em Pagamento - Luiz Guilherme Marinoni

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    1Consignacao em Pagamento

    SUMARlo:1.1 0 direito a consignacao -1.2 As hipoteses legais para a con-signacao - 1.3 A tutela jurisdicional da consignacao: 1.3.1 Legitimidadepara a consignatoria; 1.3.2 Competencia para as acoes de consignacao empagamentoj 1.3.3 Procedimento da consignatoria,

    1.1 0 direitoa consignacaoMencionada pelo art. 334 do CC/2002 brasileiro, a consignacao, consistente

    no deposito judicial ou extrajudicial da coisa devida, tern a mesma forca liberatoriaque 0 pagamento. Em que pese seja 0 pagamento a forma normal de extincao dasobrigacoes, e evidente que havera situacoes em que essa solucao nao sera possivel.Deste modo, sempre que se estiver diante de mora do credor em aceitar 0 cumpri-mento da prestacao (mora accipiendi) ou entao quando for impossfvel 0 pagamentopor motivos nao imputaveis ao devedor, podera este exonerar-se da obrigacao pormeio da consignacao em pagamento.

    A consignacao, a rigor, nao deve ser confundida com 0pagamento, ainda queo texto legal indicado permita essa compreensao. Como esclarece a doutrina, 0paga-mento traduz essencialmente uma transferencia de propriedade da coisa que se pagapara 0credor,' Esse efeito, porem, nao existe na consignacao, Aqui, tem-se apenas 0efei to l iberatorio (identico ao pagamento), sem, porem, que se veja a transferencia aocredor - ao menos de forma necessaria - do bern depositado.

    Resta claro, portanto, que a funcao precipua da consignacao e permitir aodevedor liberar-se da obrigacao, evitando com isso que permanec;:a com 0 encargode responder pelos juros e pelos riscos sobre a coisa, bern como para que possa de-sonerar-se da propria prestacao devida. Em sintese, por meio da consignacao, desdeque feita de forma valida, 0devedor restara desonerado da prestacao assumida, demodo que, ao menos para si, a prestacao nao mais subsiste. Porem, po de ainda per-manecer discutivel a prestacao por parte do outro polo (credor) da obrigacao, seja

    1 R.J . Pothier, T ra ta d o d e l as o b li ga c io n es , p. 359.

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    porque ha duvida sobre quem deve receber, seja porque este se recusa a levan tar 0que fora depositado.

    Infere-se dai que a aceitacao, por parte do credor, nao e elemento necessariopara a existencia do direito a consignacao. Ainda que este nao esteja de acordo, edireito do devedor liberar-se da obrigacao consignando a prestacao devida.

    Ao lado do devedor, podem tambem realizar a consignacao 0terceiro que sejainteressado no pagamento (art. 304 do CC/2002) e ainda 0terceiro nao interessado,desde que este realize aconsignacao em nome e a conta do devedor (art. 304, paragrafounico, do CC/2002). Em vista dis so,resta claro que amedida consignatoria dispensaa demonstracao de "interesse especial" do consignante, bastando que ela seja feitaem nome e a cont~ do devedor da prestacao e que aquele que oferece a prestacao sejacapaz de faze-lo. E evidente que 0terceiro que realiza a consignacao tern, em prin-cipio, direito a ser reembolsado do valor pago (art. 305, caput, do CC/2002) - salvoquando efetive a consignacao com desconhecimento ou com oposicao do devedor, seeste poderia ilidir a acao (art. 306 do CC/2002) - mas, pelo fato de nao sub-rogar-senos direitos do credor (art. 305, caput, infine, do CC/2002), nao se cogita de avaliarpossivel interesse particular do interessado na realizacao do ato.

    Nao inviabiliza a consignacao, por outro lado, amora do proprio devedor. Aindaque este esteja em mora, havera sempre 0 interesse seu em liberar-se da prestacao,seja pelo pagamento da prestacao, seja pela sua consignacao, na forma prevista em lei.Substancialmente, a analise do direito a consignacao exige apenas a avaliacao sobrea manutencao do interesse do credor em receber a prestacao.

    Assume, desse modo, particular interesse no caso em questao a diferenca entreo inadimplemento (absolute) e amora na prestacao. Havendo mora (inadimplementorelativo) no cumprimento da obrigacao, tem-se situacao em que 0 adimplernentoainda e possivel- seja porque e faticamente viavel, seja porque ainda ha interesse docredor em receber aprestacao - de modo que sera sempre possivel purgar amora, pormeio da consignacao do valor originalmente devido, acrescido dos prejuizos decor-rentes, dos juros e correcao monetaria e dos honorarios advocaticios (art. 395, caput,do CC/2002). Por outro lado, diante do inadimplemento absoluto, ou seja, quandoo fato nao puder mais ser prestado ou quando nao houver mais interesse do credorem recebe-Io, ha 0direito do credor de enjeitar aprestacao, de modo que a obrigacaoresolve-se em perdas e danos (art. 395, paragrafo unico, do CC/2002), nao havendomais cabimento em se pensar em direito a consignacao. Cabe salientar, no particular,que 0direito do credor a rejeitar a prestacao existe apenas nos casos mencionados, enao quando houver diminuicao na utilidade da prestacao.!

    A faculdade de consignar a prestacao depende, outrossim, do preenchimentodas mesmas formas exigidas para 0pagamento (art. 336 do CC/2002). Dessa maneira,para gerar 0efeito semelhante ao pagamento, e preciso que a consignacao seja feita a

    2 C Ago stin ho A lv im , Da inexecucdo d a s o b ri ga roe s e s ua s c o ns eq id n ci as , P : 1 59.

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    CONSIGNA

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    a prestacao por ele devida; dai decorre que tambem pode consignar a prestacao,exigindo, entretanto, que a contraprestacao tambem seja realizada para a completaextincao da obriga

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    da consignacao, e necessario reexaminar a regra processual, sob pena de mutilar-seo direito material.1.3.1 Legitim idade para a consigna toria

    A legitimidade ativa para a consignacao sera sempre outorgada ao devedorou a qualquer terceiro (interessado ou nao), Na verdade, mesmo os terceiros naointeressados tern direito a consignacao, ja que tambem podem efetuar 0pagamentoda prestacao ao credor (art. 304 do CC/2002). Com efeito, na diccao do art. 304,paragrafo unico, do CC12002, 0terceiro nao interessado tern direito a realizar 0pa-gamento, desde que 0 faca em nome e a conta do devedor. Assim, se estes terceiros(interessados ou nao) tern 0direito de efetuar 0pagamento da prestacao, afortioritern tambern 0direito de realizar a consignacao da prestacao devida, a :fimde liberaro devedor dos onus da mora.

    Diante disso, pouco espas:o tera 0magistrado para examinar possivel "ilegi-timidade ativa" na acao consignatoria. Porque essedireito e dado a qualquer pessoa- devedor, terceiro interessado ou terceiro nao interessado - aunica questao que podeser posta diz respeito a discussao sobre se 0terceiro nao interessado que se apresentarealiza a consignacao em nome e a conta do devedor. Desde que veri:ficada essa con-dicao, tera legitimidade para a causa. Para tanto, assim, sera necessario que 0terceirodesinteressado ajuize a demanda em n om e d o d eved or, na condicao de legitim adoextraordinario (art. 6.0 do CPC), sendo-lhe vedado demandar em nome proprio. 10

    Bastard, de todo modo, que 0autor s e a firm e d e ve d or o u t er ce ir opara que tenhalegitimidade para a demanda consignatoria, Isto porque a avaliacao concreta de talcondicao e questao do direito material que, portanto, extrapola os limites da analisedas condicoes da acao.Ja no polo passivo da demanda devera :figurar0credor conhecido, aquele que sea:firme credor ou ainda, se ele e desconhecido, 0credor incerto, a ser citado por edital.Em havendo concurso de supostos credores (art. 335, IV, do CC/2002), todos ospretendentes deverao :figurar como litisconsortes passivos necessaries na demanda.1.3.2 Competencia para as acoes d e consignacao em pagamen to

    Segundo 0art. 891, caput , do CPC, aconsignacao deve ser requerida no lugar dopagamento. A regra, na verdade, repete 0comando inserto no art. 337 do CC/2002,que trata de problema de direito material, consistente no lugar em que se deva realizaro cumprimento das obrigacoes.

    Nada mais natural que a consignacao deva ser oferecida no local designado- pela lei ou pelo contrato - para 0cumprimento normal da obrigacao. Por isso, derro-

    10 Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, CMigo de ProcessoCiv il , p. 817, nota 8.

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    CONSIGNAC;Ao EM PAGAMENTO

    ga -s e aqui 0re gim e g era l d a competencia, d iscip lin ad o pe lo a rt. 9 4 e ss. d o C PC . D essaf orma, v ar ia ra em p rin cip io 0 foro em que se dev e ajuizar a consign at6 ria con form ese trate de divida qu esiv el ou portavel, T ra tan do -se d e dfv ida qu esiv el, a as:a o se raaju iz ad a, e m re gra, n o fo ro d o dom ic ilio do d ev ed or. J an os c aso s d e div ida po rtav el,a dem an da de ve ra se r proposta, e m principio, n o dom icilio do cre dor. O utrossim ,em se tratan do de div ida con siste nte n a en tre ga de be m im 6 ve l, a con signacao de veocorrer no lugar da situacao do bem (art. 328 do CCI2002).

    Por fim , nao se pode esquecer da hip6tese em que 0 loc al d esig nad o pa ra 0p ag ame n to se to rn ou in ac essiv el, d e d ific il a ce sso o u p erig o s o (a rt. 3 35 , III, infine, doCCI2002). N ess e caso, po rque 0lo ca l d o p ag amen to e sta inv ia biliz ad o, a compe te n ciada acao podera se r livre me nte escolh ida pelo dev edor, desde qu e nao h aja prejuizoao cre dor (art. 32 9 do CCI2002).

    D e to d o m odo, trata-se de com petencia territorial e , portanto, relativa. A ocontrario do que pode su ge rir a re dacao pere mptoria do art. 89 1, caput, do CPC, naohial i p re v is ao in af as ta ve l p ela von ta de d as p ar te s. P o rq ue 0te xto se re f ere , c omo d ito ,a t ema d e d ire ito ma te ria l (d e c ara te r d isp on iv el) e e v id en te q ue , a ce ita ndo 0credor 0l oca l e s col hi do pa ra 0p ag ame n to - a in da q ue n ao se ja a qu ele o rig in alm e nte d esig na dopara tan to - ine xiste obstacu lo qu e se possa opor a liberacao do dev edor. E m contad is so, se 0 c re do r n ao o pu se r e xc ec ao d e in compe te nc ia a dem an da proposta em localdistinto daque le que fora de term inado com o local do pagam ento, deve-se ter porp ro rrog ad a a compe te nc ia e ad eq ua do 0 f or o p ar a 0ju lgam en to da ca usa.

    D e ou tro lad o, 0lu ga r d o p ag ame nto p re va le ce , p ara a a ca o c on sig na t6 ria , so bree v en tu al f or o d e e le ic ao p re se n te no con tr ato .'! E que 0 foro de e le icao poss ive lmen t ee sta be le cid o s e p r es ta p ar a a s a coe s comuns, p ro po sta s a re sp eito d e litig io s d ecor re n te sd o con tr ato . Todavia , 0fo ro p ara a a s:ao c on sig na t6 ria, com o su blin had o ac im a , te masse nto em qu esta o de dire ito m a te rial, a sab er, 0 loca ldes ignado para 0 c um prim en to d aobrigafiio. D ia nte d is so , e e vid en te qu e a v on tad e das pa rte s - ao e le ge r d ete rm in ad olocal para 0 cumprim e nto da o brig ac ao - d ev e p re vale ce r, p ara a aca o co nsig nat6 ria ,em r ela cao a vontade das partes para a solucao de ou tros litigios que possam surgir.

    E xc ep cion a-se d esse rac io cin io a c on sig na cao fu nd ad a n a L ei d e L oc aco es. Eq ue , c on fo rm e p re ve 0art. 5 8, II, da L ei 8.245/1991, a compe te nc ia pa ra e sta as:a o e ado "lu ga r da situ acao do im 6 ve l, salv o se o utro h ou ve r sido e le ito n o co ntra to ". N esteca so , p or h av er e sp ec ific a p re visao em se ntid o con trario , h a de se e nte nde r q ue 0forod e e le ic ao p re va le ce s ob re 0 lo ca l e le ito p ar a 0 c ump rim e nto d a p re sta ca o.1.3.3 Procedimento da consignatoria

    Em todo p ro ce ss o con sig na t6 rio , s er ao r es pe ita do s, em linhas g er ais , o s c rite rio sfu ndam en tals trazidos pelo art. 890 e ss. d o C PC . D esse m odo, n ao h av en do prev isao

    11 Antonio Carlos Marcato, Proc ed imen t o s e spe c ia i s, P: 79.

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    52 PROCEDIMENTOS ESPECIAlS PREVISTOS NO CPC

    expressa em sentido distinto, deve-se observar a disciplina ali contida, ainda que setrate de medida regulada por lei especial.1.3.3.1 Afase extrajudicialQuando a consignacao tratar de prestacao consistente em dinheiro, podera 0

    interessado optar pelo deposito extrajudicial da importancia devida, ate como for-ma de evitar a necessidade da demanda judicial (art. 890, 1.0, do CPC). Trata-sede faculdade dada ao interessado, e nao de obrigacao, de modo que, entendendo amedida como imitil, inadequada ou inviavel, pode 0 interessado optar diretamentepelo ajuizamento da acao respectiva.

    De outro lado, e certo que somente prestacoes pecuniarias podem utilizar-sedesta via consignatoria. Em se tratando de outra especie de prestacao, devera eIa serdepositada em jufzo, na competente acao judicial.

    De todo modo, 0deposito extrajudicial da quantia devida gera os mesmosefeitos do deposito judicial. Vale dizer que esse deposito - assim como 0depositojudicial- tern 0efeito de eliminar ou de impedir a incidencia dos efeitos da mora.Por isso, efetivado 0deposito, 0devedor nao mais estara sujeito aos juros de mora oua eventuais prejuizos decorrentes do retardamento no adimplemento da prestacao.Note-se que esse efeito in de pe nd e d a acei tacdo do credor .0deposito da quantia devidaja e suficiente para enseja-lo, independentemente da conduta do credor.

    Para que 0 deposito gere 0 efeito em questao, todavia, e necessario que eIeseja integral, e que observe, em relacao as pessoas, ao objeto, ao modo e ao tempo,todos os requisitos que seriam exigiveis para a efetivacao do pagamento (art. 336 doCCI2002). Se 0deposito for parcial, os efeitos da mora somente sao evitados ate 0limite da quanti a consignada.F

    Neste caso,0deposito devera serfeito em estabeIecimento of ic ia l (onde houver) ,no local do pagamento.P seja peIo devedor ou por terceiro, em conta com correcaomonetaria. Deste deposito devera ser cientificado 0 credor, por carta com aviso derecebimento, para que possa, no prazo de dez dias, manifestar seu aceite ou recusaem levantar a importancia consignada. Compete ao credor, entao, manifestar ex-pressamente sua recusa em receber 0valor depositado, sob pena de, diante de seu

    12 V.g.,ST],AgRgnoAgl.041.570IDF,3.aT.,rel.Min.MassamiUyeda,Dje30.09.2008;ST], REsp 663.051/RS, 3.a T., rel.pi acordao Min. Nancy Andrighi, DjUOl.02.2008, p. 474.

    13 Por local do pagamento deve-se entender a comarca ou a c tr cu nsc ri cd o ju di ci ar ia d opagamen to , segundo Marcato, e nao 0municipio do pagamento ( Pr o ce d im e nt os e sp e ci ai s cit., p.75). Isto porque pode ocorrer, porvezes, que no municipio designado nao exista estabelecimentobancario oficial, mas apenas particular (ou, eventualmente, sequer particular). Certamente, po-rem, na sede da comarca hayed estabelecimento que cumpra com a previsao legal, devendo aliser feito 0 deposito - ate porque, em caso de consignacao judicial, e precisamente nesta sede quea consignacao sera realizada.

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