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  • Organizadoras da Coleo Linguagem & Lingustica:Angela Paiva Dionsio

    Maria Auxiliadora BezerraMaria Anglica Furtado da Cunha

    Parecerista Especialista:Maria da Graa Costa Vai (UFMG)Maria Rita Diniz Zozzoli (UFAL)

    Leitores Especialistas:Bruno Alves Pereira (UFRN)

    Edlene da Silva Oliveira (UFCG)Elizabeth Maria da Silva (UFCG)Fabio de Carvalho Arajo (UFRN)Jenifer M. M. de Souza (UFPE)

    Luciana de Santana Fernandes (UFPE)Marlia Cibelli dos Santos (UFPE)Rosemberg de Nascimento (UFPE)

    Ralline de Azevedo Travassos (UFPE)

    A construo da argumentaooral em contexto de ensino

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Ribeiro, Roziane MarinhoA construo da argumentao oral em contexto de ensino /

    Roziane Marinho Ribeiro. -- So Paulo: Cortez, 2009. -- (Coleolinguagem & lingustica)

    Bibliografia.ISBN 978-85-249-1477-5

    1. Argumentao 2. Lingustica aplicada 3. Oralidade 4. Portu-gus - Estudo e ensino 5. Sala de aula - Direo I. Ttulo. 11.Srie.

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Argumentao oral: Estudo e ensino: Educao 370.1407

    Iti!!J!c.oRTEZ~EDITORA

  • Apresentao................................................ 9

    Introduzindo o tema................................... 17

    Captulo 1 A argumentao sob alguns enfoquestericos.................................................. 23

    Captulo 2 A argumentao no contexto das prticassociais... 35

    Captulo 3 Argumentao e ensino: construo eapropriao na sala de aula 55

    Consideraes finais... 105

    Questespara debate 109

    Lendo mais sobre o assunto 111

    Referncias............................................................... 113

    ndice remissivo 119

  • Maria da Graa Costa Va/*

    Maria Rita Oiniz Zozzo/i**

    Para ilustrar a importncia do fenmeno da argumenta-o na comunicao humana, pode-se afirmar que, quando

    * Doutora em Educao, professora pesquisadora da Universidade Federalde Minas Gerais, tem experincia na rea de Educao, com nfase em ensino-aprendizagem. Atua principalmente nos seguintes temas: oralidade e escrita,produo de texto, ensino de escrita, letramento, aquisio da escrita e ensinode lngua materna. autora de vrios trabalhos publicados, tais como livros dealfabetizao e de portugus: Os professores e suas escolhas (co-autoria); Reflexessobre prticas escolares de produo de texto (co-autoria); Padres de escolha delivros e seus condicionantes; Texto, textualidade e textualizao; Alfabetizao eletramento. Atua tambm na coordenao do Programa Nacional de Avaliao doLivro Didtico (PNLD).

    * * Possui graduao em Letras pela Universidade Federal de Alagoas(UFAL, 1973), graduao em Letras - Universit de Franche Comt BesanonjFrana (1974) e doutorado em Linguistique et Enseignement du Franais na mes-ma universidade (1985). Tem estgio ps-doutoral no Departamento de Lingus-tica Aplicada do IEL da Unicamp. Atualmente atua na graduao em Letras e noPrograma de Ps-graduao em Letras e Lingustica da UFAL. Tem experincia narea de Lingustica Aplicada, com nfase em ensino e aprendizagem de lnguas,principalmente nos seguintes temas: leitura, produo, autonomia relativa, lngua

  • um beb chora, mesmo antes de falar, estaria iniciando aaprendizagem de um processo de argumentao que, aolongo de toda a vida, passar a aperfeioar atravs do meiosocial. Aprender a utiliz-Ia em seu discurso, medidaque se d a aquisio da linguagem verbal e no-verbal.Em outras palavras, na convivncia cotidiana, a atividadeargumentativa est sempre presente, e desde muito cedo. Avida em sociedade acarreta inmeras ocasies em que unsprecisam convencer os outros a atender s suas necessidadese interesses, a abraar suas ideias.

    Apesar disso, vale registrar que os diferentes aspectossociais da argumentao s puderam ser contemplados nosestudos da linguagem a partir de teorias que se voltarampara a enunciao e para o discurso. Assim, a LingusticaTextual considera que um dos princpios de textualidade aintencionalidade; a Semntica Argumentativa, outras teoriaspragmticas e muitas vertentes da Anlise do Discurso defen-dem que a argumentatividade o ato de fala fundamental,inevitavelmente presente em toda elocuo. No existiria falaneutra, desinteressada. Mesmo um enunciado singelo e apa-rentemente "sem nenhuma inteno", como, por exemplo, "aporta est aberta", constituiria um ato argumentativo, como qual algum busca convencer o interlocutor a entrar, ou asair, ou a fechar a porta, entre outras possibilidades.

    Embora sejam conhecidos esses aspectos, ainda hoje,por influncia de uma viso centrada na forma, seja para

    contemplar as normas da lngua padro (descrio da gra-mtica normativa), seja para contemplar as normas do sis-tema (descrio de teorias lingusticas formais), os aspectosinteracionais e discursivos ainda so pouco explorados noensino de lnguas, principalmente no que diz respeito modalidade oral.

    Nesse contexto, o trabalho de Roziane Marinho Ribeiroparte de dupla ousadia: acreditar que criana capaz de ar-gumentar e dispor-se a demonstrar que vivel desenvolveressa capacidade em sala de aula, trabalhando com gneros

    orais.Duas concepes arraigadas na escola so a afrontadas

    de uma s vez. A primeira delas a crena de que argumentarconstitui operao mental e lingustica elevada, para a qualapenas os maiores esto preparados. A segunda a de queno preciso, na escola, investir no desenvolvimento daoralidade das crianas, porque, afinal, falar aprende-se emcasa, na rua, na vida ... At h relativamente pouco tempo, aescola queria que os alunos calassem a boca e ouvissem bemquietinhos os conhecimentos transmitidos pelo professor.Paralelamente, considerava-se que a narrao e a descrioeram os nicos tipos textuais adequados capacidade dascrianas at por volta dos 12 anos. S da para a frente quese trabalhava, nas aulas de portugus, a estrutura disserta-tiva, comeando pela dissertao expositiva. A dissertaoargumentativa era focalizada efetivamente, em geral, apenasquando tinha incio a preparao para o vestibular.

    Isso permite defender a ideia de que carecemos de re-flexes sobre como inserir o trabalho com a argumentaono ensino de lngua portuguesa e nesse ponto que se situa

    materna, lngua estrangeira e produo escrita. O projeto de pesquisa que coordena- Autonomia Relativa na Produo de Textos em Diferentes Contextos de Ensino"- financiado por auxlio do CNPq em 2007. Dentre as ltimas produes, publicouo captulo "Produo e autonomia relativa na aprendizagem de lnguas", no livroPesquisa em Lingustica Aplicada organizado por LEFFA.

  • a contribuio do livro A construo da argumentao oralem contexto de ensino.

    No primeiro captulo, "A argumentao sob alguns en-foques tericos", num percurso terico que parte da RetricaClssica, a autora examina as propostas da Nova Retrica dePerelman e 1)rteca (1996), mostrando que esta corrente filo-sfica se diferencia da primeira por se preocupar, sobretudo,com a estrutura da argumentao, enquanto que a primeiraconcentra seu interesse na arte de falar em pblico segundoas leis da lgica. Destaca a grande contribuio da abordagemda Nova Retrica, que abre novas perspectivas ao estudo dotema por definir a argumentao como um ato persuasivo,com o objetivo de provocar ou aumentar a adeso dos in-terlocutores s teses apresentadas. Assim, segundo RozianeRibeiro, a argumentao vista como produto da interaosocial, portanto, oriunda de processos discursivos.

    Na segunda parte desse mesmo captulo, a autoraapresenta as contribuies da Lingustica da Enunciao,atravs de Ducrot (1989), e da Lingustica Textual, com Koch(2000). Apoiada em Bronckart (1999) e nos autores que lheservem de suporte, examina a argumentao na abordagemsociodiscursiva.

    No terceiro captulo, "Argumentao e ensino: constru-o e apropriao na sala de aula", apresenta uma discussoacurada sobre a argumentao nesse contexto, refletindosobre o tratamento didtico que a escola tem dado a essefenmeno e chamando a ateno para a necessidade de pos-turas metodolgicas no apenas voltadas para a adoo deum conhecimento terico atualizado, mas tambm para res-postas significativas aprendizagem do aluno. Para Ribeiro,em vez de tratar o exerccio da argumentao como afronta ordem social da escola, seria necessrio reconhecer os co-nhecimentos que os alunos trazem em sua bagagem cultural,incluindo, ao mesmo tempo, em seus propsitos educativos,o aprimoramento desses saberes institucionalizados.

    Para reforar essa ideia, pode-se afirmar que muitassituaes sociais requerem mais que a habilidade corriquei-ra de manifestar as prprias opinies e necessidades ou deatingir, por meio da linguagem, os objetivos pretendidos.H contextos formais, em que se fala para um pblico des-conhecido - por vezes, at pouco amistoso - sobre temasque extrapolam a vida cotidiana e o senso comum. Nessesmomentos, alm de considerar e monitorar as expectativase disposies da plateia, preciso desenvolver raciocnioscomplexos, bem articulados e consistentes, para conseguirconvencer os interlocutores. E mais: nessas ocasies pbli-cas e formais, em geral, a variedade lingustica esperada a norma urbana de prestgio, com a qual, portanto, deve-seestar familiarizado. Esse tipo de situao no ocorre apenasna vida profissional dos advogados ou na carreira dos can-didatos a cargos eleitorais; ele est presente nas reunies detrabalho de diferentes profisses, nas discusses do sindica-

    No segundo captulo, "Aargumentao no contexto dasprticas sociais", reflete sobre a argumentao como prticasociodiscursiva, focalizando a viso dialgica e a noo degneros do discurso de Bakhtin (1995). Ressalta, tambm,alguns gneros orais argumentativos retomados em suaanlise, como o dilogo argumentativo, o texto de opinio,o debate.

  • to e do condomnio, nas assembleias de trabalhadores, atmesmo nas igrejas.

    Todas essas ponderaes justificam, pois, a ousadia deRoziane Ribeiro. mesmo necessrio que a escola se empe-nhe no desenvolvimento da oralidade dos alunos, visandoa possibilitar-Ihes fluncia e desembarao na linguagemfalada em instncias pblicas, inclusive na variedade pa-dro formal. E preciso tambm proporcionar-Ihes oportu-nidades de aprender, entre outras habilidades lingusticas,a argumentao racional, articulada e consistente, que seformula com base na reflexo sobre um tema e se exercedeliberadamente sobre determinado pblico. Confirmadaa necessidade, fcil concordar com a convenincia de secomear cedo esse trabalho, explorando, desde os primeirosanos escolares, a capacidade argumentativa, digamos, "in-tuitiva" das crianas.

    O valor maior deste livro de Roziane Marinho Ribeiro ,no entanto, demonstrar a viabilidade do investimento escolarna capacidade de argumentao oral dos alunos e fornecerexemplos que comprovam as possibilidades de sucesso dessaempreitada.

    Tomando uma classe de 32 crianas do SO ano do En-sino Fundamental, com idades entre 9 e 10 anos, a autoraplanejou e implementou sequncias didticas voltadas parao ensino/aprendizagem de trs gneros argumentativosorais: o dilogo argumentativo, o texto de opinio e o de-bate, trabalhando com os alunos as dimenses discursivase cognitivas envolvidas. O relato dessa pesquisa-ao incluiintervenes voltadas para o domnio do tema a ser discutido,

    para as condies de produo do discurso (os objetivos aserem atingidos, o pblico a ser convencido etc.) e para asoperaes de linguagem adequadas ao xito da atividade. Aaprendizagem obtida ao longo do trabalho e a progresso dosalunos ficam evidentes nos muitos exemplos e nos grficosapresentados.

    Tudo isso tem como base, por um lado, uma fundamenta-o terica consistente e, ao mesmo tempo, exposta em estiloleve e acessvel aos menos familiarizados, e, por outro lado,uma anlise cuidadosa e pertinente, que faz ver ao leitor oselementos importantes a serem considerados num trabalhosimilar em sala de aula.

    Assim, a concluso que este livro deve ser lido - porprofessores de Lngua Portuguesa do Ensino Fundamental,por estudantes de graduao dos cursos de Letras e Pedagogia,por alunos de Especializao, mestrandos e doutorandos. Umlivro com o qual se aprende muito e que ... tem final feliz!

  • Este trabalho surgiu do desejo de pr o ensino da ar-gumentao oral como objeto de discusso, considerando oespao pouco privilegiado que ela ocupa na sala de aula. IIsso porque a insero da argumentao como objeto de es-tudo na escola bsica aparece tardiamente - geralmente nasltimas sries do Ensino Fundamental e no Ensino Mdio,em sua maioria, voltada para os gneros escritos. Esta visoda escola motivada pela crena de que a argumentao sedesenvolve naturalmente e por uma condio de maturaocognitiva.

    Contrariando essa concepo, defendemos a ideia deque as crianas so capazes de argumentar desde muitocedo e que essa capacidade argumentativa se amplia a partirdas suas experincias com prticas discursivas construdassocioculturalmente. Pela interao social que elas mantmcom os outros, adultos ou crianas, revelam ser capazes de

    1. Tambm resultado do trabalho de Mestrado Oralidade e ensino: umaproposta de sequncia didtica envolvendo gneros argumentativos, defendidono Programa de Ps-Graduao em Letras da UFPB, em setembro de 2003, cujapesquisa foi desenvolvida numa turma de 4" srie, correspondente ao 5 ano doEnsino Fundamental, na estrutura atual da Escola Bsica.

  • construir os mais diversos tipos de argumentos, corno o deautoridade, por exemplo. Isto implica, por conseguinte, emacionar a escola, atravs de aes didticas progressivas ousequncias didticas planejadas pelos professores, que pos-sam monitorar o aluno na aquisio do conhecimento sobreos discursos argumentativos e as operaes de linguagemcom as quais estes se relacionam.

    O contedo aqui expresso apresenta-se corno um ins-trumento de reflexo para o ensino de lngua materna e, aomesmo tempo, urna proposta de ao que vislumbra urnatransformao conceitual e metodolgica do professor acercados gneros orais argumentativos de domnio pblico, contri-buindo para instalar nas prticas escolares mudanas quali-tativas no que se refere ao processo ensino/aprendizagem.

    A relevncia dessa proposta pode ser justificada, emprimeiro lugar, pelo fato de contemplar novos encaminha-mentos lingusticos para o ensino da argumentao, tendoem vista que a competncia argumentativa no um produtoinato e sim cultural, corno j foi dito. Face diversidade deeventos comunicativos existentes na sociedade nos quaissomos incitados a argumentar, a escola se defronta com odesafio de ensinar as crianas a argumentarem, de formaque elas se apropriem dos diversos gneros de circulaopblica e possam agir corno hbeis produtoras e consumi-doras do conhecimento letrado, dos saberes determinadosculturalmente.

    Em segundo lugar, essa proposta se justifica por tornara oralidade corno objeto de estudo, urna vez que essa mo-dalidade da lngua tambm pouco explorada nas prticas

    escolares. Mesmo a Lingustica tendo investido prolongadosanos de pesquisas sobre a importncia do estudo da oralidade(desde o incio da dcada de 70), podemos observar que aescola, de urna maneira geral (Educao Infantil, Ensino Fun-damental ou Ensino Mdio), ainda no contempla os gnerosorais corno objeto de ensino-aprendizagem. Os professorescomungam a ideia de que trabalhar a oralidade correspondea um simples exerccio de fala, exemplificado na forma dedilogo ou exposio espontnea. Convm explicitarmos queo fato de os alunos interagirem corno falantes naturais nolhes garante urna eficincia nas produes orais, pois assimcorno os textos escritos, os textos falados de domnio pblicotambm so orientados por convenes formais da lngua,cabendo escola, portanto, o papel de ensin-Ios.

    O propsito de formar alunos crticos que saibam seposicionar e confrontar suas opinies nas mais diversas si-tuaes comunicativas urna importante meta social. Assim, necessrio redefinir o ensino da lngua materna, tornandocorno referncia prticas sociais de linguagem institucionali-zadas, tanto na escrita corno na fala. Pensamos que urgentea insero dos gneros orais argumentativos no trabalho desala de aula, de maneira que seja possvel operar mudanassubstanciais na capacidade argumentativa dos alunos, cum-prindo o propsito anteriormente enunciado.

    Embora saibamos das capacidades lingustico-cogniti-vas das crianas para argumentarem, manifestadas princi-palmente em situaes espontneas do convvio familiar, necessrio ampliar essas capacidades, de modo a favorecero conhecimento e a apropriao de outras formas de argu-mentao mais elaboradas legitimadas pela sociedade. Aqui

  • vale urna redundncia proposital enfatizando que o papelfundamental da escola ensinar sistematicamente os usosque fazemos da lngua em sociedade.

    Desse modo, estarnos propondo pensar a argumentaosob urna perspectiva de linguagem que se fundamenta emmovimentos discursivos sobre os quais os falantes agem econstroem novos discursos. E esses movimentos so intrinseca-mente marcados por urna dialtica que se materializa no dizer(posio social do falante) , na finalidade do dizer e na interaoque se estabelece entre os falantes (enunciador/destinatrio),permeadas por prticas sociais institudas culturalmente.

    Isto no significa negar a dimenso cognitiva queenvolve o processo de argumentao, pois sabemos quea produo e a interpretao de argumentos so artefatoslingusticos tambm de ordem interna, urna vez que asoperaes de linguagem so atividades da cognio. Mas, preciso compreendermos a cognio em sua relao com osocial, relao esta que implica tanto mudanas nas prticasdos indivduos em sociedade, corno nas estruturas mentaisque, sob o efeito de aes inconscientes geridas cultural eideologicamente, so construdas e transformadas ao longodas experincias vividas.

    Nesta breve exposio, procuramos situar o leitor emrelao ao contexto geral da obra. O captulo 1 trata da argu-mentao em seus aspectos tericos. Discorremos sobre duasabordagens de estudo da argumentao: a Nova Retrica e aLingustica. A primeira diz respeito a urna releitura da Retri-ca Clssica e a segunda concentra a sua anlise na SemnticaArgumentativa e nas teorias sociointeracionistas.

    O captulo 2 discute a argumentao numa perspectivasociodiscursiva. Situada num quadro terico sociointera-cionista, essa discusso nos leva a refletir sobre o papel daargumentao no contexto das prticas sociais, assim corno assuas propriedades estruturais e funcionais, enquanto produtodas interaes entre os interlocutores.

    No captulo 3, analisamos o processo de construode argumentos no contexto de sala de aula, focalizando asevidncias argumentativas - que descrevem o processo econstruo e os tipos de argumentos utilizados; as evidn-cias lingustico-discursivas - que interpretam aspectos dalngua presentes nos discursos argumentativos; e as evidn-cias de progresso - que apresentam alguns resultados daaprendizagem dos gneros orais argumentativos. Descriese interpretaes so construdas acerca das produes dealunos referentes a trs gneros orais argumentativos: odilogo argumentativo, o texto de opinio e o debate. Nopretendemos fazer urna anlise exaustiva, nem tampoucodefinitiva, at porque isto seria impossvel. Nossa inteno mostrar os resultados de um estudo investigativo sobre oensino de gneros argumentativos e refletir sobre eles.

    Por ltimo, apresentamos nossas consideraes finais,avaliando e discutindo as possveis contribuies deste tra-balho para a prtica pedaggica do professor. Nossa opopor este estudo foi por acreditarmos que ele nos levaria arespostas significativas sobre a forma corno crianas de 5oano do Ensino Fundamental lidam com os discursos argu-mentativos, de que forma elas produzem esses discursos ecorno se d o processo de evoluo das suas capacidadeslingustico-discursi vas.

  • A argumentao sob alguns enfoques tericos

    A argumentao na perspectiva da nova retrica

    A argumentao, enquanto ato persuasivo, vem sendoestudada pelo homem desde a Antiguidade, inicialmente pelaFilosofia (Retrica Clssica) e at os dias atuais por vriasreas do conhecimento, sobretudo pela Lingustica, quededica um espao considervel s pesquisas voltadas paraos mais diversos aspectos dessa temtica. Esse interesse semanifesta nas vrias tendncias de estudos da linguagem- cognitivas, interacionistas e enunciativas - que atribuem argumentao um papel importante na construo dosdiscursos e na atividade comunicativa em si.

    Na Retrica Clssica a argumentao pode ser vista comouma tcnica pedaggica para dar condies s pessoas deacessarem um conhecimento estabelecido, um procedimentopelo qual se chega ao saber ou ainda um modo de conven-cer algum sobre uma verdade ou uma tomada de deciso.Nesse momento a argumentao atua no campo da lgica,da razo pura, sendo a linguagem entendida apenas como

  • instrumento, como meio para persuadir o auditrio (Gui-mares, 1995). Devemos levar em conta que auditrio estaqui compreendido como o destinatrio a quem se pretendeinfluenciar com a argumentao, definio esta que serampliada em segmentos posteriores deste captulo.

    Com Aristteles, tem incio o estudo sistemtico da es-trutura do pensamento racional, capaz de produzir provasargumentativas, mas importante destacar que ele se limitavaa analisar os meios de prova demonstrativos. Nessa perspecti-va filosfica, a argumentao s tem validade quando con-segue a aceitao universal, ou seja, a adeso do auditrio.A noo de auditrio, nesse paradigma, assume um papelfundamental, pois em funo dele que a argumentao seconcretiza e, no caso da Retrica, ele assumia importnciamaior ainda, uma vez que o objeto de interesse era a arteda oratria, do domnio pblico atravs da fala. Portanto, afala do orador concebida como forma de ao, embora anfase no esteja no que se diz, no conhecimento produzidopor ela e sim na finalidade de persuadir o outro.

    Do ponto de vista terico, o surgimento da Retrica trou-xe grandes contribuies para a Lingustica, pois representaum marco na tradio ocidental no que se refere reflexosobre a linguagem, embora a lngua fosse entendida como uminstrumento de representao e, portanto, exterior aos pro- .cessos argumentativos (Todorov, 1998 apud Faria, 2004).

    No podemos esquecer que a poca em que Aristtelesviveu era outra, com valores e demandas sociais completa-mente diferentes do mundo contemporneo, o que talvezexplique as razes da sua escolha pelo estudo da argumen-

    tao focalizada em trs gneros do discurso: o judicirio- utilizado nos tribunais e centrado na defesa ou acusao,o deliberativo - mais usado em assemblia poltica e cen-trado no exemplo e no raciocnio por analogia e o epidtico- que lana mo do recurso do elogio para atingir o seu fim(Faria, 2004).

    Os estudos contemporneos sobre argumentao de-vem tributo especial a Perelman e 'Jyteca (1996), cuja obra,Tratado da argumentao: a nova retrica, prope um novoparadigma filosfico, analisando a argumentao numaperspectiva diferente da antiga retrica de Aristteles, qualfaz uma crtica.

    A crtica desses autores se pauta no fato de que a Re-trica Clssica ou Aristotlica concentrava seus estudos naarte de falar em pblico e que, alm disso, condiciona todaa estrutura da argumentao s leis da lgica.l Para exem-plificar, podemos citar o silogismo clssico "Todo homem mortal. Scrates homem. Portanto, Scrates mortal".Este exemplo corresponde a um tipo de argumento dedutivoque s se torna vlido em funo das verdades apresentadaspelas premissas.

    Nesse caso, o que importa mesmo a relao lgicacom que a premissa maior (verdade universal) se articulacom a premissa menor (verdade particular), conduzindo concluso independentemente do contedo das mesmas. As

    1. Lgica o estudo dos mtodos e princpios usados para distinguir o racio-cnio correto do incorreto. Lgica e raciocnio dedutivo no esto preocupados emexaminar a verdade das premissas em um argumento lgico [... ] a preocupao com o fato de se as premissas envolvem logicamente a concluso (Copi, 1982,p. 19 apud Dias, 1996, p.13).

  • falcias so discursos que comprovam isto, pois elas contmfatos verdadeiros, mas sua forma de apresentao induz aconcluses erradas, como neste exemplo jocoso "As clulasno tm conscincia. O crebro feito de clulas. Portanto,o crebro no tem conscincia". Podemos perceber que a es-trutura de apresentao desse silogismo respeita as regras doraciocnio formal, mas a verdade das premissas no envolvelogicamente a concluso, ou seja, produz uma inverdade.

    A Nova Retrica preocupa-se com a argumentao doponto de vista da linguagem falada e escrita, embora a n-fase seja dada aos textos escritos. Esta abordagem tericaconserva da Retrica Clssica a ideia de auditrio, de ora-dor e de discurso, elementos responsveis pelo movimentoargumentativo, mas seu objeto de estudo , sobretudo, aestrutura da argumentao, sem haver preocupao com asleis da lgica. Portanto, a estrutura do silogismo categricoou aristotlico, em que duas premissas ou supostas verdadesconduzem a uma concluso lgica tirada delas, no satisfazaos interesses desses estudiosos, nem aos nossos.

    Perelman e Tyteca (1996) se opem a este raciocniosilogstico e definem a argumentao como um ato persua-sivo com o objetivo de provocar ou aumentar a adeso dosinterlocutores s teses apresentadas. Assim, a eficcia daargumentao est associada capacidade de aumentar essaintensidade de adeso, desencadeando nos ouvintes a aopretendida ou criando uma predisposio para esta ao, quese manifestar em um momento oportuno.

    Para esses estudiosos, a argumentao se realiza em doissentidos distintos: argumentao persuasiva e argumentao

    convincente. A primeira vlida para um auditrio particulare a segunda est relacionada a um auditrio universal. Aspalavras dos autores confirmam essa distino:

    Propomo-nos chamar de persuasiva a uma argumentaoque pretende valer s para um auditrio particular e chamarconvincente quela que deveria obter a adeso de todo serracional [... ]. , portanto, a natureza do auditrio ao qualalguns argumentos podem ser submetidos com sucesso quedetermina em ampla medida tanto o aspecto que assumiroas argumentaes quanto o carter, o alcance que lhes seroatribudos (Perelman; 1Yteca, 1996, p. 31-33).

    Esta afirmativa nos incita a concluir que a noo de audi-trio, proveniente da antiga Retrica, tambm assume grandeimportncia neste novo modelo de argumentao. Trazendoesta definio de auditrio para o mbito da Lingustica, po-demos dizer que ela corresponde ao interlocutor (individualou coletivo) para o qual dirigimos nossos argumentos.

    Nesse sentido, a relao entre orador e auditrio queconstitui o sentido da argumentao. Isto explica a concepode auditrio vista sob a tica da heterogeneidade, que supe aexistncia de vrios indivduos, pensando de forma diferentee possivelmente chegando tambm a concluses diferentes.Dessa forma, no teramos apenas um auditrio e sim vriosdeles, cada um com suas especificidades, mas, ao mesmotempo, mantendo uma relao de universalidade consigo pr-prio e com os outros. Isto equivale a dizer que no teramostambm uma nica forma de argumentar, considerando quecada auditrio determina interaes e propsitos diferentes, oque implica dizer tambm que uma estrutura argumentativa

  • pode ser aplicada com sucesso numa situao discursiva eem outra pode no demonstrar a mesma eficincia.

    Os autores da Nova Retrica, mencionados anteriormen-te, sugerem a seguinte classificao de auditrio: a) auditriouniversal - aquele constitudo por toda a humanidade; b)auditrio particular - aquele formado no dilogo, pelo in-terlocutor ou interlocutores a quem se dirige e c) auditrioindividual - formado pelo prprio sujeito, quando deliberaas razes dos seus atos.

    rio com o qual se interage e com o objetivo da argumentao.Embora reconhecendo a impreciso das condies em queos fenmenos interativos se desenvolvem, consideram quesejam eles que determinam, em grande parte, a escolha dosargumentos, a amplitude e a ordem da argumentao.

    A argumentao na perspectiva da Lingustica

    Interpretando esta questo, Koch (2000) afirma que umauditrio universal se relaciona ao ato de convencer atravs deum raciocnio estritamente lgico e por meio de provas objeti-vas, a busca pela razo, de carter puramente demonstrativoe atemporal. De outro lado, est o ato de persuadir que se dirigeao auditrio particular atravs de argumentos plausveis ouverossmeis e tem carter ideolgico, subjetivo, temporal, bus-cando atingir a vontade e o sentimento does) interlocutor(es):o primeiro contm em si um movimento que conduz a cer-tezas, ao passo que o segundo busca adeso aos argumentosapresentados, implicando, necessariamente, num processo deconstruo de inferncias por parte do auditrio.

    O que podemos concluir nesta breve discusso sobreos estudos da Nova Retrica que a grande contribuiode Perelman e Tyteca (1996) foi dar incio a uma nova con-cepo de argumentao, como produto da interao social,portanto, oriunda de processos discursivos. Para eles, a maiorriqueza das interaes que se deve levar em conta a forados argumentos conduzida implcita ou explicitamente pelosinterlocutores, constituindo-se em fatores de argumentao. Eessa fora dos argumentos vai variar de acordo com o audit-

    Uma abordagem lingustica de grande repercusso noestudo da argumentao a da semntica argumentativa,que tem como principal representante Oswald Ducrot. Esteterico da enunciao define a argumentao como um atolingustico fundamental, um elemento estruturante do dis-curso. A Semntica Argumentativa postula uma pragmticaintegrada descrio lingustica, em que o semntico, osinttico e o pragmtico se encontram interligados. Para ele,a argumentatividade est inserida na prpria lngua:

    A argumentao pode estar diretamente determinada pelafrase, e no simplesmente pelo fato que o enunciado da fraseveicula. Neste caso, dir-se- que a argumentao est "na ln-gua", "nas frases", que as prprias frases so argumentativas(Ducrot, 1989, p. 18).

    Esta a tese fundamental de Ducrot e, atravs dela,a argumentao passa a ter caractersticas eminentementelingusticas, pertencentes lgica da lngua, que no seconfunde com a lgica clssica. Trata-se da argumentaodentro da lngua, desempenhando um papel central na lin-guagem, tornando-se parte intrnseca dela. Deste modo, os

  • elementos da lngua responsveis pela orientao argumen-tativa, os operadores argumentativos, assumem uma posioprivilegiada em sua teoria, pois so eles que apontam a foraargumentativa dos enunciados.

    Os operadores esto diretamente relacionados aosconceitos de classe argumentativa e escala argumentativa,apresentados por Ducrot (1989). A primeira se define por umconjunto de argumentos que tm a mesma fora argumen-tativa para levar a uma concluso; e a segunda representauma gradao na fora argumentativa dos enunciados parase chegar concluso.

    Koch (2000) apresenta um estudo significativo sobreargumentao e linguagem e prope uma ampla classificaode operadores argumentativos, exemplificada a seguir:

    operadores conclusivos: e, tambm, ainda etc.;

    operadores comparativos: mais que, menos que, to,assim como etc.;

    operadores de refutao: mas, contudo, porm, noentanto, apesar de etc.;

    operadores de coordenao: porque, por isso etc.

    pargrafos, de modo a transform-Ias em texto: a progressodo discurso se faz, exatamente, atravs das articulaes daargumentao [...) a argumentao, ao articular entre si osenunciados, por meio dos operadores argumentativos, es-truturando, assim, o discurso enquanto texto, apresenta-secomo principal fator, no s de coerncia, mas tambm deprogresso, condiesbsicas da existnciade todo e qualquerdiscurso (Koch, 2000, p. 159).2

    [...) a argumentao uma atividade estruturante do discurso,pois ela que marca as possibilidades de sua construo elhe assegura a continuidade. ela a responsvel pelos enca-deamentos discursivos, articulando entre si enunciados ou

    Estas palavras reafirmam a perspectiva de anlise deDucrot (1989) sobre a argumentao como atividade orga-nizadora do discurso, portanto linguisticamente constituda.Nesse sentido, os conectivos, assim como os advrbios e ou-tros elementos da gramtica da lngua funcionam como opera-dores no discurso argumentativo, encadeando e determinandoo valor dos enunciados, comprovando que a prpria lnguatem seus mecanismos para operar argumentativamente.

    Ao admitirmos a existncia desses mecanismos, somoslevados a acreditar tambm que eles so acionados por rela-es argumentativas que se estabelecem entre os interlocuto-res. Quando incitados a apresentarmos razes para explicarou justificar nossos enunciados, acionamos, naturalmente,estes mecanismos atravs dos processos de interao social.Desse modo, nossos enunciados so dotados de intenes ebuscam na prpria lngua recursos que possam concretiz-Ias,ou seja, levar o interlocutor s concluses esperadas.

    luz da abordagem sociodiscursiva, consideramos aargumentao uma atividade interacional que supe ummovimento discursivo de emisso e troca de opinies.

    importante destacar o posicionamento desta autorasobre a funo dos operadores argumentativos, corroboran-do com a perspectiva de estudo de Guimares (1981), quetambm se debrua sobre este aspecto.

  • Sendo assim, em vez do silogismo, optamos por umaabordagem terica que compreende o raciocnio argumen-tativo como um conjunto de operaes cognitivas que searticulam linguagem numa realizao discursiva. Emboraestejam descartadas estas regras formais de inferncias paraexplicar como se processa a argumentao, no podemosanular as operaes de raciocnio responsveis pelo movi-mento argumentativo. Bronckart (1999, p. 226) considera queo raciocnio argumentativo implica, necessariamente, umatese defendida sobre um determinado assunto e supostamenteadmitida; a proposio de novos dados a partir dessa tese objeto de um processo de inferncia que direciona para umaconcluso ou nova tese. Este posicionamento exemplificadopelo autor da seguinte maneira: tese: os seres humanos sointeligentes; dados novos: os seres humanos fazem guerra(objeto de inferncia - as guerras so uma idiotice); conclu-so ou nova tese: os seres humanos no so inteligentes.

    De acordo com esta abordagem, o raciocnio argumenta-tivo existe, inicialmente, a partir de uma tese supostamenteadmitida e, sob a sua gide, novos dados sero propostos,acionando processos de inferncia e, consequentemente,orientando para uma concluso ou nova tese. Torna-se ne-cessrio esclarecer que no processo de inferncia que residea fora da concluso. Retomando o exemplo anteriormenteapresentado, podemos dizer que o movimento argumentativoimplica, deste modo, justificar o que resultou de processo deinferncia apresentado ou autorizado pela argumentao "asguerras trazem morte e desolao" ou amenizar, apresentarrestries a tais inferncias "algumas guerras contriburampara as liberdades individuais", provocando, assim, o tipode concluso a ser formulada.

    Apesar de reconhecer a obra de Toulmin (1958) comoum suporte ao seu trabalho, Bronckart (1999) se ope aeste autor cognitivista que coloca o raciocnio cognitivocomo anterior forma de realizao lingustica e propeuma sequncia que traduz em quatro fases uma construoargumentativa - o que ele chama de "semiotizao doraciocnio argumentativo em um segmento de texto":

    fase de premissas (ou dados), constituda de umainformao ou constatao inicial;

    fase de apresentao de argumentos, isto , de elemen-tos que orientam para uma concluso provvel;

    fase de apresentao de contra-argumentos, carac-terizada por uma restrio em relao orientaoargumentativa que pode apoiar ou refutar estes con-tra-argumentos;

    fase de concluso (ou de nova tese), que articula osefeitos dos argumentos e contra-argumentos, gerandoum terceiro posicionamento.

    importante destacar que, na realizao discursiva deuma sequncia argumentativa, estas operaes cognitivasno esto condicionalmente articuladas, ou seja, podemospassar de uma fase outra, deixando implcitas outras fases.No exemplo a seguir, Bronckart (1999, p. 227) demonstraatravs de um texto publicitrio como possvel passar dosargumentos concluso:

    Conforto e segurana mxima, motores potentes, design deponta. So mquinas excepcionais que a Honda prope a voc.Com elas, voc obter uma qualidade de corte e de limpeza

  • perfeita. Comprar um cortador de grama porttil Honda paravoc a garantia de um jardim sempre perfeitamente cuidado,com toda tranquilidade e durante muitos anos (1. Vaudaux,Actualits, janeiro, 1977).

    Atravs deste exemplo, podemos perceber que vriosargumentos sobre a eficincia do cortador de grama estoreunidos e direcionando para a concluso de que, ao com-pr-Io, o consumidor estar fazendo uma boa aquisio.Neste texto no aparecem as fases das premissas nem doscontra-argumentos, revelando que a argumentao, enquantoatividade de linguagem, no segue, necessariamente, umaordem linear. Esta viso pragmtica do discurso apresentadapor Bronckart (op. cit.) tem uma importncia fundamentalneste trabalho, j que a nossa anlise est centrada nos mo-vimentos argumentativos produzidos em sala de aula e naforma como eles so estruturados pelos alunos.

    A argumentao se fundamenta em fatos e valorespessoais, assumindo no cotidiano das prticas sociais delinguagem as mais variadas formas, os gneros textuais.Portanto, a linguagem se constitui num suporte fundamentalpara a sua construo, e, nesta construo, esto subjacen-tes mecanismos da prpria lngua, indicando a sequnciaargumentativa do enunciado que nem sempre se apresentada mesma maneira, nem com os mesmos objetivos.

    A argumentao no contextodas prticas sociais

    Pensar a argumentao como prtica sociodiscursiva

    Nossa abordagem anterior sobre argumentao priorizouuma retomada dos estudos sobre esta temtica. Propomos,agora, uma discusso mais particularizada acerca de questesque esto intrinsecamente ligadas lngua, j que a produode argumentos no cotidiano depende dos usos que fazemosda linguagem.

    Para discutirmos as caractersticas discursivas da ar-gumentao, resolvemos tomar como referncia algunsprincpios lingusticos defendidos por tericos sociointera-cionistas, considerando que a argumentao se materializana linguagem.

    Os estudos bakhtinianos, especialmente aqueles queenvolvem a teoria da enunciao, vieram contribuir parauma nova concepo de linguagem que, ao contrrio doestruturalismo, defende a interao verbal como elementofundamental da lngua. Bakhtin (1995) faz uma crtica tese

  • estruturalista defendida por Saussure de que a fala um atoindividual, isolado do contexto social.

    gumentativa representa a lngua em um contexto socialmentedeterminado, enfatizando-se as condies de produo, re-cepo e circulao do enunciado, o que significa dizer quea situao discursiva e o contexto de produo organizam edirecionam novas estratgias argumentativas por parte dosinterlocutores, agentes dessa interao social.

    Dessa forma, as prticas argumentativas implicam di-menses sociais, cognitivas e lingusticas da ao comunica-tiva e, por seu carter "dialgico", se constituem como umimportante instrumento de construo coletiva. Novamentefomos buscar em Bakhtin (2000, p. 290) o princpio dial-gico, sobre o qual esta interatividade argumentativa podeser compreendida.

    A enunciao enquanto tal um puro produto da interaosocial, quer se trate de um ato de fala determinado pela si-tuao imediata ou pelo contexto mais amplo que constituio conjunto das condies de vida de uma determinada co-munidade lingustica. A enunciao individual (a "parole"),contrariamente teoria do objetivismo abstrato, no demaneira alguma um fato individual que, pela sua indivi-dualidade, no se presta anlise sociolgica. Com efeito,se assim fosse, nem a soma desses atos individuais, nem ascaractersticas abstratas comuns a todos esses atos individuais(as "formas normativamente idnticas") poderiam gerar umproduto social (Bakhtin, 1995, p. 121-122).

    o que podemos ver nesta concepo que a lngua entendida como uma atividade social. Portanto, o processoenunciativo apresenta um carter essencialmente dialgicoe polifnico. A enunciao s se torna possvel a partir deum contexto sociohistrico que determinar as condies deproduo do enunciado e o tipo de interao que se estabeleceentre os interlocutores. Alm disso, ela resultado de vriosdiscursos que se entre cruzam entre a esfera individual e aesfera social. Isso significa dizer que o que ns falamos produto de outras vozes, dos nossos pais, dos nossos amigos,dos autores que lemos, enfim de todos aqueles com os quaisinteragimos linguisticamente.

    Esse carter interativo atribudo linguagem pressupeum movimento argumentativo, gerado pela necessidade queo homem tem de compartilhar suas ideias, de defender suasopinies, nas mais diversas situaes. Nesse sentido, a fala ar-

    De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significao(lingustica) de um discurso adota simultaneamente, paracom este discurso, uma atitude responsiva ativa:! ele con-corda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta,apronta-se para executar etc., e esta atitude do ouvinte estem elaborao constante durante todo o processo de audioe de compreenso desde o incio do discurso, s vezes, j nasprimeiras palavras emitidas pelo locutor.

    A argumentao se materializa, ento, nas diversasprticas sociais, nas mltiplas situaes de comunicaoem que somos levados a argumentar, sejam elas formais ouinformais. atravs dessas prticas sociais que constru-mos, reconstrumos e interagimos com os argumentos dosoutros. Essa interao social marcada fundamentalmente

  • pela argumentatividade, pois todo discurso representa umaao verbal dotada de intencionalidade, tentando influir ocomportamento do outro ou fazer com que ele compartilhealgumas de suas opinies (Koch, 2000).

    "produtos da atividade de linguagem em funcionamento per-manente nas formaes sociais: em funo dos seus objetivos,interesses e questes especficas (... ]" (Bronckart, 1999, p.141). O destaque dado aos gneros como formas estveis deenunciados, inicialmente por Bakhtin e depois por muitosoutros linguistas (Dolz; Schneuwly, 1996; Bronckart, 1999;Marcuschi, 2002), leva constatao de que essa estabilidadeassume uma funo importante nas atividades comunica-tivas, uma vez que ela responsvel pela regularidade dognero, enquanto modelo de texto que ser veiculado pelosgrupos sociais. Por outro lado, vlido salientar que essa es-tabilidade pode ser relativizada, pois os gneros, ao longo dasprticas, vo sofrendo alteraes, assim como novos gnerosvo surgindo em funo de novas demandas sociais.

    Isso significa dizer que os gneros textuais so produtosda coletividade e funcionam como colaboradores na ordena-o e estabilizao das atividades comunicativas cotidianas(Marcuschi, 2002). Podemos exemplificar esta afirmaocom o gnero e-mail, que h bem pouco tempo e por umaexigncia da sociedade informatizada, comeou a fazer parteda nossa comunicao. Portanto, a existncia e a permann-cia de um gnero numa determinada comunidade definidapela esfera sociocultural e pelos parmetros enunciativos- contedo temtico, destinatrio, finalidade.

    Sobre esta plasticidade e dinamicidade dos gneros,Marcuschi (2002, p. 31) apresenta a proposta de configura-o hbrida de alguns gneros, que significa a "mescla degneros em que um gnero assume a funo do outro". A estapossibilidade de hibridizao de gneros esto associados osconceitos de intertextualidade intergneros (um gnero assu-

    Caracterizando alguns gneros orais argumentativos quecirculam dentro e fora da escola

    Ampliando o sentido dialgico e polifnico da ativida-de humana em relao lngua, Bakhtin (1995) redefine alinguagem, em seu carter social. Para ele, cada esfera deutilizao da lngua elabora seus tipos relativamente estveisde enunciados: os gneros do discurso. A singularidade des-te conceito est nos elementos constituintes do enunciado:contedo temtico (aquilo de que se fala), estilo (posioenunciativa do enunciador) e construo composicional (oselementos estruturais do enunciado) que, quando articuladosnuma ao lingustica, definem, atravs do tema, o que dizvel e, pelo estilo e composio, a forma de dizer. Sobregnero e sociedade, Bakhtin (1995, p. 279) se posiciona:

    A riqueza e a variedade dos gneros do discurso so infinitas,pois a variedade virtual da atividade humana inesgotvel, ecada esfera dessa atividade comporta um repertrio de gnerosdo discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se medidaque a prpria esfera se desenvolve e fica mais complexa.

    Tomando como verdade essa afirmativa, podemosdizer que os gneros textuais ou discursivos so produtossociohistricos e, dessa forma, podem ser concebidos como

  • mindo a funo de outro) e heterogeneidade tipolgica (umgnero marcado por vrios tipos). Por exemplo, podemos terno primeiro caso um editorial com funo de carta pessoal e,no segundo, uma carta pessoal com marcas do poema.

    Entre os muitos aspectos dos gneros do discurso estu-dados por Bakhtin (1995), importante destacar a distinoque ele estabelece entre gneros primrios, como aquelesque se constituem em circunstncias de uma troca verbalespontnea, por exemplo: o dilogo familiar; e os gnerossecundrios, que aparecem em situaes mais complexas e,relativamente, mais evoludas de trocas culturais, artsticas,cientficas e sociopolticas. Explicitando melhor essa dife-rena, pode-se dizer que os gneros secundrios so formasde ao sociocomunicativas materializadas em textos, legi-timados e padronizados por instncias sociais.

    Reinterpretando os pressupostos bakhtinianos, Dolze Schneuwly (1998) consideram que um gnero pode serentendido como um "megainstrumento" que possibilitaeventos comunicativos. O termo "megainstrumento" foi uti-lizado analogamente a uma fbrica, onde instrumentos deproduo trabalham em conjunto para produzirem objetosque vo atender s necessidades da sociedade. Nessa ana-logia, os gneros textuais se constituem em instrumentoslingusticos que vo atender s mais diversas necessidadesde comunicao da sociedade.

    No que concerne prtica de gneros argumentativosque circulam dentro e fora da escola, como prtica socialde linguagem, ressaltamos a proposta dos agrupamentostipolgicos de Dolz e Schneuwly (op. cit.), que se mostram

    como uma possibilidade metodolgica importante para com-preender e distinguir os mais diversos gneros discursivospresentes nas prticas letradas. Interessa-nos aqui o agrupa-mento na ordem do argumentar que traz como componentesos seguintes gneros orais e escritos: dilogo argumentativo,texto de opinio, carta de leitor, debate, carta de reclamao,discurso de defesa (advocacia), resenha crtica, editorial,ensaio etc.

    Estes e outros gneros na ordem do argumentar igual-mente comportam diversas caractersticas, as quais lheconferem essa classificao: ocorrncias de movimentosdiscursivos prprios da argumentao (justificativa/susten-tao, refutao e negociao), presena de operadores argu-mentativos e situao enunciativa marcada pela existnciado outro com quem se deseja argumentar e, possivelmente,sobrepor- se ao seu posicionamento.

    O mais interessante nesta proposta de agrupamento que ela oferece possibilidade ao aluno de conhecer e seapropriar das especificidades tipo lgicas e caractersticasindividuais dos gneros contemplados no estudo. Destaca-remos, a seguir, alguns gneros orais argumentativos sobreos quais nossa anlise posterior versar.

    Classificado na teoria bakhtiniana como um gneroprimrio, o dilogo est inserido no cotidiano das crianas,tanto no mbito familiar como no escolar. Talvez possamosdizer que o dilogo a primeira forma de manifestao da

  • linguagem argumentativa na esfera social, na medida em queos atos discursivos produzidos nessas situaes cotidianasfazem emergir os movimentos argumenta tivos que podem seexpressar atravs de uma tomada de posio, uma refutao,uma solicitao etc.

    Reyzbal (1999) define o dilogo como uma formabipessoal bsica da comunicao humana, uma interaooral entre duas pessoas e, por extenso, entre qualquer n-mero de pessoas (conversao, colquio, mesa-redonda ... ).Este intercmbio verbal requer a participao ativa dosinterlocutores e uma forma lingustica especfica. Para estaautora (1999, p. 20):

    a) uma presena ativa bipolar, que exige, por conseguinte,uma suficiente igualdade entre ambos interlocutores;

    b) uma alternncia nas rplicas e, por conseguinte, um mo-vimento circular e bidirecional;

    c) um intercmbio de informao realizado apenas em parteou no realizado absolutamente;

    d) uma forma lingustica especfica que privilegia determina-das estruturas sintticas;

    e) uma concatenao sinttico-contextual das respostas, pelaqual o discurso apresenta coeso e coerncia interna.

    nisto que se fundamenta o dilogo argumentativo.Este gnero, que estamos considerando como uma variaodo dilogo, fomentado pela atividade lingustico-discursivaque envolve os interlocutores, e a sua importncia incidesobre a capacidade de gerar conflitos, fazendo com que essesinterlocutores busquem novos argumentos para defendersuas ideias. Buscando convencer ou persuadir o outro atra-vs do discurso, o interlocutor sempre estar recorrendoao raciocnio lgico, s evidncias, s emoes, s provas eoutros mecanismos de argumentao, no sentido de validaro discurso prprio.

    Na viso de Bronckart (1999, p. 230), essa formalingustica concretiza-se nos segmentos de discursos inte-rativos organizados em turnos de fala que so diretamenteassumidos pelos agentes-produtores envolvidos na interaoverbal. Para falar desta sequncia dialogal, este autor fazreferncia a Adam (1992), que aponta como condio paraque haja dilogo o engajamento efetivo dos interlocutoresna conversao, de forma que seus enunciados se organizem

    o jogo oral pergunta/resposta uma das primeiras e principaisformas de interao cognitiva, o que ressalta a importnciade ser capaz de compreender adequadamente e de falar, comclareza e preciso, para si mesmo e para os demais - sempretendo em conta que falar no pronunciar palavras, mas'recri-Ias' na construo de cada discurso.

    Esta concepo, da qual desejamos compartilhar, reco-nhece o valor da oralidade como uma modalidade da lngua,portanto, atrelada a um sistema simblico e aos fenmenossociais. Nesse sentido, a recriao do discurso implica,necessariamente, um processo simultneo de produo erecepo de enunciados, mediatizados pela necessidadede formular ou responder, de maneira precisa e coerente,intervenes dialogais. O dilogo como intercmbio orale afetivo requer, de acordo com Titone (1986, p. 70 apudReyzbal, 1999, p. 130):

  • mutuamente, gerando um texto coerente e coproduzido.Descrevendo a composio estrutural deste gnero, Adam(1992 apud Bronckart, 1999, p. 231) prope uma sequnciaorganizada em trs fases:

    fase de abertura - contato inicial dos interlocutoresde acordo com os usos e modelos socioculturais:"- Como vai? - Bem, e voc?";

    A fase transacional implica uma interao verbal entreos interlocutores que, dependendo da finalidade dos seusdiscursos, pode entreter, informar, convencer ou persuadir.Esta a razo pela qual estam os tratando aqui de dilogoargumentativo. Estamos considerando o dilogo que acionae pe em jogo a capacidade argumentativa dos interlocuto-res. Neste caso, torna-se possvel, atravs dele, ir alm dastrocas de turnos, na medida em que cada interlocutor seposiciona, interpreta o posicionamento do outro e constritodo um encadeamento argumentativo em funo do temaou contedo discutido.

    Pode parecer elementar o ensino do dilogo na escola,levando em conta que as crianas j trazem das suas expe-rincias familiares um bom repertrio de conhecimentosacerca das regras de conversao internalizadas de modoespontneo. Entretanto, consideramos que a escola devegarantir ao aluno, alm desses conhecimentos bsicos, aampliao e apropriao de outras competncias lingusticasrelacionadas, principalmente, ao dilogo argumentativo, aotexto de opinio e ao debate, to pouco explorados pelosprofessores.

    fase transacional - construo partilhada do con-tedo temtico atravs da interao verbal: "- Vocviu a EIsa hoje? - No. Quem sou eu!";

    fase de encerramento - concluso da interao ver-bal: "Ento, at logo! - At ... ".

    preciso considerar que cada uma dessas fases contmem si atos discursivos que se realizam em um pedido, umaafirmao, imposio, justificao etc. E aqui se torna impor-tante dizer que a sequncia dialogal poder se apresentar demaneira contnua ou descontnua. Dizendo de outra forma, odilogo pode conter todas as fases organizadas continuamen-te como expusemos acima, mas tambm pode se organizarpassando da fase transacional para a fase de encerramento,sem passar pela fase de abertura, ou mesmo se realizar emapenas uma fase, indicando, portanto, uma descontinuidadeno fluxo da sequncia dialogal. O que vai determinar a rea-lizao destas fases na sequncia dialogal, assim como emoutras sequncias interativas, o grau de aceitao ou con-formidade dos interlocutores s regras sociocomunicativas.Por isso, no podemos esperar dos nossos alunos sempre ummesmo fluxo dialogal, como a escola preconiza.

    Pela sua abrangncia conceitual, digamos, para comear,que o texto de opinio em suas mltiplas variaes umarepresentao lingustica de um ponto de vista ou posiciona-mento pessoal, orientada pela interao discursiva estabele-cida com o interlocutor. Nesse estudo, estamos focalizando,

  • especificamente, o texto de opinio oral- gnero de discursona ordem do argumentar em que o locutor apresenta umposicionamento oral acerca de uma determinada questo,utilizando-se de estratgias argumentativas.

    Os critrios que utilizamos para caracterizar o gne-ro texto de opinio oral foram baseados nos trabalhos deBrakling (2000), Rodrigues (2000) e Souza (2002), queatriburam importncia significativa ao estudo do gneroartigo de opinio. Embora os estudos dessas autoras este-jam voltados para o artigo de opinio pertencente esferajornalstica, foram de grande valia para caracterizarmos otexto de opinio oral, uma vez que h lacunas investigativasem relao a este gnero na modalidade oral. Diante dessefato, estamos tomando como nossa a denominao textode opinio oral e a caracterizao atribuda a esse gnero,resultantes dessa confluncia de leituras.

    O suporte terico que fundamenta essa adaptao aabordagem de Bakhtin (2000) sobre os gneros discursivos.Como j foi afirmado anteriormente, na perspectiva bakhti-niana os gneros so tipos de enunciados relativamenteestveis. Fica evidenciado, portanto, nesta definio que possvel recriar os gneros, considerando que os discursos semoldam em funo das situaes sociais de comunicao, ouseja, so as mais diversas atividades do homem em sociedadeque determinam a criao de novos gneros discursivos paraatender s suas finalidades. Tratando desta questo, Marcuschi(2002, p. 29) apresenta algumas consideraes relevantes:

    So muito mais famlias de textos com uma srie de seme-lhanas. Eles so eventos lingusticos, mas no se definempor caractersticas lingusticas: caracterizam-se, como j disse-mos, enquanto atividades sociodiscursivas. Sendo os gnerosfenmenos sacio-histricos e culturalmente sensveis, no hcomo fazer uma lista fechada de todos os gneros.

    Aliamo-nos a Rodrigues (2000) e tomamos isso comoverdade, defendendo a ideia de que a composio do artigode opinio tem a heterogeneidade como uma de suas carac-tersticas, o que significa dizer que esta composio podeser marcada pela presena de outros gneros, por exemplo,relatos, que funcionam no todo do gnero como estratgiasdiscursivas de sustentao da argumentao. No texto deopinio oral, a situao semelhante; trata-se de um gneroessencialmente opinativo que se insere geralmente na entre-vista, na reportagem, nas enquetes e em outros exemplos dojornalismo falado, impresso e multimdia (veiculado pela in-ternet). Aqui estamos nos referindo s enquetes de rdio e TVque solicitam dos participantes uma resposta acompanhadade uma justificativa. Mas este gnero no aparece somentenestas situaes de produo formal, mas tambm em outrascircunstncias espontneas da conversao, como no bate-papo que pode acontecer em casa, na escola, pela internetou em qualquer outro ambiente de convivncia grupal.

    Na escola, "ele assume uma outra dimenso quandoso criadas as condies de produo para que o aluno seposicione discursivamente" (Rodrigues, 2000, p. 217), poisse constitui num importante instrumento de participao doaluno. Alm disso, permite que os alunos possam partilhar co-nhecimentos, opinies e confront-Ias, quando necessrio.

    [... ] os gneros textuais no se caracterizam como formasestruturais estticas e definidas de uma vez por todas. [... ]

  • Vejamos, ento, os elementos discursivos e lingusticosque marcam a configurao composicional do gnero emdiscusso:

    a) sequncia tipolgica: argumentativa;

    b) estratgias discursivas: deliberao, explicao, de-monstrao;

    c) estratgias enunciativas: marcas do autor e do desti-natrio;

    d) estratgia argumentativa: tese, argumentos e con-cluso;

    e) organizao lingustica:

    presena de verbos introdutrios do tipo: eu penso,eu acho;

    discurso quase sempre em primeira pessoa;

    articulao coesiva por operadores argumenta-tivos;

    predominncia de conectivos de encadeamento (emprimeiro lugar, e, depois, em seguida, finalmente,...) e conectivos lgicos (assim, por isso, ...);

    predominncia de oraes afirmativas;

    uso do presente do indicativo, como marcadortemporal.

    o conhecimento dessas caractersticas pelo professorpressupe um trabalho de melhor qualidade no que se refereao domnio do gnero em questo e, consequentemente, pos-sibilitar ao aluno desenvolver sua capacidade de produo eanlise. Afinal, um bom desempenho lingustico-discursivoest relacionado ao domnio e apropriao dos gneros que

    circulam nas diferentes esferas sociais, o que implica, neces-sariamente, apropriar-se dos seus elementos constitutivos:contedo temtico, estilo e construo composicional.

    Para iniciar esta terceira e ltima caracterizao, tomare-mos como referncia a definio de Dolz e Schneuwly (1998,p. 166). Para estes autores sociointeracionistas,

    o debate uma discusso sobre uma questo controversaentre muitos participantes que exprimem suas opinies ouatitudes, tentando modificar as dos outros ou ajustando assuas prprias em vista de construir uma resposta comumpara a questo inicial. 2

    Dessa forma, configura-se num importante instrumentode desenvolvimento da oralidade e das capacidades argu-mentativas.

    possvel debater na escola? Que efeito produzir o tra-balho com debate na escola? Em que medida o debate podeser utilizado como instrumento de ensino e aprendizagem?Encontrarmos respostas eficazes para estas questes impli-ca, necessariamente, uma reflexo sobre a prtica escolar,sobretudo no que diz respeito ao ensino da linguagem oral.A insero deste gnero nessa prtica ainda transparece umsentido rarefeito, as razes recaindo principalmente sobreos aspectos terico-metodolgicos que envolvem a ao doprofessor: formao acadmica deficitria, concepo de

  • lngua apoiada na lingustica tradicional, recursos didticosineficientes, ausncia de formao contnua etc. H comoreverter esta situao? Acreditamos que sim, e vislumbramosa possibilidade de ver os gneros orais, entre eles o debate,assumirem o papel de protagonistas do ensino da lngua, talqual os gneros escritos.

    O debate, enquanto gnero oral argumentativo, marca-do por uma linguagem persuasiva que se prope a convencerou persuadir o outro. Isto significa acionar mecanismos ar-gumentativos que resultam na defesa ou elaborao de umponto de vista, oportunizando aos interlocutores - no caso, os~l~nos - confrontarem suas prprias opinies de maneira jus-tIficada, compreenderem o mecanismo das trocas discursivase aprofundarem suas reflexes acerca de questes discutidas.O debate, segundo Dolz e Schneuwly (1998, p. 27):

    papis sociais), contedo discutvel e objetivo da discusso- sobre o qual este gnero se organiza. Como veremos naclassificao proposta a seguir, a atividade de debater assumediferentes verses, definidas pelas questes e objetivos queas geraram, ou seja, variam em funo de suas finalidades.

    TIPOS DE DEBATE QUESTES NORTEADORAS

    Debate para resolver Problema surgido na classe e/ou na esco-problemas Ia. Ex.: Como utilizar a quadra da escola,

    de forma que todos os alunos tenham omesmo direito de us-Ia?

    Debate de opinio Questo controversa inserida num temaqualquer. Ex.: O homem tem sido capazde conciliar progresso e preservao danatureza?

    Debate deliberativo Pergunta que exige uma resposta consen-sua!. Ex.: De que maneira iremos come-morar nossa despedida de turma?Permite o desenvolvimento de capacidades fundamentais,.

    tanto do ponto de vista lingustico (tcnicas de retomada dod!scurso do outro, marcas de refutao etc.), cognitivo (capa-cIdade crtica) e social (escuta e respeito ao outro), como doponto de vista individual (capacidade de se situar, de tomarposio, construo de identidade).

    Embora consideremos que os tipos de debate apresen-tados partilhem da mesma estrutura composicional, seusobjetivos no so os mesmos, portanto haver diferenas naforma de realizao de cada um deles. O debate para resol-ver problemas busca solues para o problema levantado.O debate de opinio tem como meta confrontar opinies,transformando, se possvel, a posio do outro. O debatedeliberativo, por sua vez, visa uma tomada de deciso emfuno da pergunta enunciada.

    Seja qual for o tipo de debate a ser realizado na escola,para a escolha do tema necessrio considerar quatro dimen-ses (Dolz; Scheneuwly; De Pietro, 2004, p. 262):

    fundamental que os professores reflitam sobre estasquestes, pois, na medida em que o debate desenvolve estascapacidades, promove tambm a insero do aluno no mun-do da cidadania. Alm disso, bloqueia inibies e favorece ainterao entre os participantes.

    Estes autores apontam uma classificao para o debateque se fundamenta num conjunto de fatores articulados- situao social de comunicao (lugar, pessoas envolvidas,

  • dimenso psicolgica: interesse dos alunos;

    dimenso cognitiva: nvel de complexidade compa-tvel com os alunos;

    dimenso social: aprofundamento crtico-social; e

    dimenso didtica: contedo de aprendizagem.

    As atribuies dos componentes do debate (moderador,debatedores e auditrio) tambm marcam papis e funesdiferenciadas na estruturao da discusso. O moderador,responsvel pela organizao da discusso, alm de assumirfunes sociais como abrir e fechar o debate - cumprimen-tando o auditrio, apresentando os debatedores, expondo otema - age como um mediador entre os debatedores e oauditrio, regulando e estruturando a dinmica das trocas;os debatedores se posicionam, apresentam seus argumentosem manifestaes consensuais ou de desacordo e o auditrioquestiona os debatedores, favorecendo a ampliao do debate(De Pietro; rard; Kaneman-Pougatch, 1997).

    Para os autores supracitados (p. 109), o debate assumeum papel muito importante no contexto escolar:

    Por outro lado, sabemos que o debate de opinio vaiexigir muito mais o uso das dimenses cognitiva e social doque os outros apontados, uma vez que requer mais aprofun-damento nas questes relativas ao tema discutido.

    Rosenblat (2000) afirma que o debate s possvel apartir de trs aspectos articulados s situaes de produo:a) o grau de familiaridade com a situao de produo; b) aescolha de temas que trazem em si um contedo polmico(discutvel); e c) o nvel de repertrio do contedo temtico.Assim, os temas escolhidos no podem ser to difceis queos alunos no dominem, nem to fceis que no permitamum avano cognitivo.

    Uma vez admitida a ideia de trabalhar o debate na esco-la, necessrio conhecermos sua dinmica de funcionamen-to, que se d em torno da regulao ou dinmica das trocas(escuta do outro, organizao do discurso e posicionamento);da justificao (sustentao do posicionamento utilizando deargumentos) e da refutao (rplica, contestao), sendo esteltimo o mecanismo fundamental do debate, pois sem eleno h debate. A discordncia se coloca aqui como um deto-nador da discusso, como operao argumentativa capaz deestrutura r as intervenes prprias deste gnero oral pblico,que s poder ocorrer a partir de uma questo polmica quesuscite vrias respostas, opinies diferentes.

    o objetivo do debate proposto em aulas, mais do que a polmi-ca, a construo coletiva de um saber sobre o tema tratado,graas presena de um moderador que permite regular astrocas, a colocao em jogo e em discusso de opinies diver-sas, para que se avalie esse saber comum e se enriqueam ospontos de vista individuais [destaque nosso].

    Esta citao evidencia um aspecto didtico que suscitacomentrios. Quanto situao de produo, o debate deveestar baseado em objetivos precisos e em contedos reais,promovendo, posteriormente, anlises e reflexes sobre oque foi debatido e de que maneira ocorreram os processosde interveno argumentativa, o domnio sobre o tema e ocumprimento das regras do debate. O que temos aqui socondies vlidas para promover competncias nos alunosem situaes de produes futuras.

  • Argumentao e ensino: construoe apropriao na sala de aula

    Conforme j foi dito, o desenvolvimento de habilidadesargumentativas inicia desde muito cedo, quando a crianase apropria da linguagem oral e dos usos que pode fazerdela. na vida cotidiana, interagindo com a famlia, com osamigos e demais pessoas da comunidade que ela comea aconstruir seus primeiros argumentos, bem como a identificarargumentos produzidos pelos outros. Quando uma criana,por volta dos 6-7 anos, recebe uma resposta evasiva de umadulto, do tipo "Porque sim" e ela retruca "Porque sim no resposta", isto revela, embora de forma ainda rudimentar,o conhecimento que ela tem acerca das operaes discursi-vas envolvidas no processo argumentativo. Interpretando oimplcito no seu discurso, podemos dizer que essa crianaentende o porqu do adulto como uma forma de apresentarrazes que a convena de algo.

    medida que vai crescendo, desenvolvendo-se cogni-tivamente e interagindo cada vez mais pela linguagem, acriana vai aprimorando suas habilidades argumentativas.

  • Isso lhe d condies de colocar em prtica operaesdiscursivas tais como: negociar uma deciso dos pais ouuma brincadeira com um colega, justificar sua opinio,contrapor-se a uma posio etc. Ela j se deu conta de que possvel convencer o outro, modificar o posicionamentodo outro em funo do nosso, dependendo do que se diz ecomo se diz.

    Embora essas habilidades argumentativas possam va-riar de criana para criana, dependendo das caractersticasdos grupos sociais a que pertencem, bem como do tipo deinterao que se esta belece entre eles, todas so capazes dedesenvolver tais habilidades em situaes dialogais e so asexperincias com prticas sociais de natureza argumentativaque vo torn-Ia mais competente nesse aspecto.

    Mas essa criana que argumenta e contra-argumentaem situaes espontneas de comunicao carrega consigoe, portanto, leva para escola o seu repertrio de habilidadesargumentativas. Isto nos encaminha a elaborarmos as se-guintes questes: O que a escola faz com essa criana queargumenta? Que atividades so oportunizadas a essa criana,no sentido de aprimorar sua capacidade argumentativa?

    O leitor pode estar se perguntando do outro lado: Por queensinar a argumentar na escola, se essa criana j demonstratantas habilidades? Esta pergunta pode nos conduzir a mlti-plas respostas, mas concentremos nossa discusso sobre doisfatores essenciais: um de natureza sociopoltica e outro nombito da linguagem. O primeiro refere-se necessidade deimplantarmos na escola prticas sociais que permitam aosalunos o exerccio real da cidadania, que vai alm da famlia,

    vivenciado em "pequenas aes" como ouvir os argumentosdo outro e, a partir da, poder refletir e se posicionar, opinarsobre o que ouviu, refutar, justificar opinies.

    E o segundo diz respeito s possibilidades de desenvol-vimento das capacidades lingustico-discursivas dos alunoscomo resultado de um trabalho sistematizado, contemplandoos vrios gneros argumentativos que circulam socialmente.De um modo geral, as crianas dominam as regras de produ-o dos gneros argumentativos primrios, como o dilogo,mas os gneros de domnio pblico como o debate, o textode opinio, a resenha e outros so, geralmente, estranhos aoconhecimento delas.

    No podemos negar a evoluo da escola no que dizrespeito s novas concepes de ensino/aprendizagem,principalmente com as contribuies das abordagensconstrutivistas e do sociointeracionismo, mas ela ainda selimita transmisso de conhecimentos, s competnciasdisciplinares, geralmente desvinculadas das prticas sociais.Atualmente, tem se discutido bastante sobre a importncia dacidadania, da formao tica dos indivduos e do pensamen-to crtico e, nesse sentido, o trabalho com a argumentaoseria um grande aliado, mas o que podemos perceber queesta parceria necessria ainda no se concretizou, em suaplenitude.

    Para que isso acontea, necessrio no somente quea escola reconhea capacidades argumentativas que os alu-nos trazem em sua bagagem cultural, mas inclua em seuspropsitos educativos o aprimoramento dessas capacidades.No nos surpreende o fato de que crianas muito pequenas j

  • constroem bons argumentos nas mais diversas situaes, noentanto importante que elas tenham acesso a outras formasde argumentao que circulam em situaes formais e esse o papel da escola, ensin-Ias a argumentar em situaesformais e informais. Em situaes orais ou escritas, somosimpelidos, a todo momento, a manifestarmos posiciona-mentos, fazendo valer nosso direito, nossa razo, seja parasermos beneficiados de alguma forma, seja pelo simplesfato de vencermos a opinio de outro. Argumenta-se paraconseguir a adeso do outro, para obter uma autorizao,para conseguir um emprego, para escapar de uma sano,para ganhar uma eleio, para desfazer um equvoco, paraconfrontar conhecimentos, para estar em evidncia e tantasoutras razes oriundas das prticas sociais.

    Tais consideraes induzem formulao de um segundoquestionamento: Quando a escola ir se comprometer com oensino da argumentao a partir dessas prticas de referncia?Se, de um lado, temos um grupo de professores investindono trabalho com a argumentao como um importante com-ponente no ensino de lngua, de outro, temos uma maioriapensando na argumentao como uma mera atividade intelec-tual baseada nos princpios da lgica formal e desenvolvidanaturalmente nos indivduos, que, portanto, prescinde deensino. Por mais escandaloso que nos parea, este mesmogrupo ainda v a argumentao como uma afronta ordemsocial da escola, aos limites preestabelecidos na formaocrtica dos alunos. Os ideais de formao de cidados crticosparecem estar presentes somente no plano organizacionaldos projetos poltico-pedaggicos, pois a escola, infelizmente,ainda no se aventurou a tir-l os do papel.

    A sequncia didtica como ferramenta de ensino

    Repensar a natureza didtica do ensino da lngua uma necessidade cada vez mais urgente. Mais do que uminvestimento de mtodos e tecnologias, trata-se de refletirsobre as dimenses didtico-pedaggicas dessa prtica,que integram tanto os dispositivos, como os procedimentosusados na transmisso de conhecimentos, articulados pelascondies e relaes socialmente determinadas entre profes-sores e aprendizes.

    Nesse item procuramos evidenciar algumas questessobre esse processo de transposio didtica, que carrega,em sua complexidade, incertezas e desafios no que se refere incorporao progressiva pelos alunos dos saberes cultu-ralmente institucionalizados pela escola. O que sabemos,ao certo, que os grandes eixos tericos sobre os quais re-pousam, hoje, os estudos de didtica da lngua representamum forte impulso na busca de novas perspectivas de ensino.Mas tambm sabemos dos mltiplos desafios que incidemsobre essa prtica, dificultando ou impossibilitando o fazersignificativo em sala de aula: formao acadmica deficitriae concepo de lngua dos professores apoiada no ensinotradicional, ineficincia ou ausncia de formao profissionalcontinuada, prtica escolar sedimentada na dicotomia entreteoria e prtica, entre outros.

    Parece-nos importante destacar a complexidade dessarelao teoria-prtica, implicitamente marcada, na ao di-dtica do professor. "A prtica pela prtica e o emprego detcnicas sem a devida reflexo podem reforar a iluso deque h uma prtica sem teoria ou uma teoria desvinculada

  • da prtica" (Pimenta e Lima, 2004, p. 37). O resultado dessaconcepo, ainda assumida por muitos professores, denotaa necessidade de refletirmos de maneira mais aprofundadasobre novas e eficazes posturas metodolgicas que se caracte-rizem no somente como inovaes no ensino, mas tambmcomo respostas significativas aprendizagem do aluno. Nessesentido, h uma urgncia na (re)significao das prticasdidticas pelos professores, e isso s ser possvel a partir dacompreenso da teoria, da prtica em si e da relao que seestabelece entre ambas, vislumbrando uma mudana dessamesma prtica.

    Diante dessa discusso, cabe-nos perguntar: Qual opapel da sequncia didtica como ferramenta de ensino? Asequncia didtica se constitui num importante dispositivodidtico para alcanar um objetivo determinado, mobilizandouma ou mais capacidades dos alunos, o planejamento siste-mtico de procedimentos/atividades e possveis estratgiasde interveno na realidade observada/vivida. Mas, em queconsiste o diferencial dessa proposta didtica? Por mais bviaque parea ser, essa proposta carrega em si um arcabouoterico-metodolgico que foge de qualquer obviedade. Umasequncia didtica tem validade pedaggica, sobretudo,pelo seu carter globalizadorl e, ao contrrio das atividadesisoladas, desencadeia todo um processo de ensino-aprendi-zagem, no qual se entrecruzam elementos sociocognitivosdo ensinar e do aprender.

    preciso atentar para o fato de que uma sequnciadidtica no corresponde a uma simples justaposio de ta-refas, mas de toda uma rede de aes procedimentais, cujasatividades se apresentam articuladas de forma contnua,progressiva e diversificada. Para Sacristn (2000, p .. 21~)~"uma sequncia de tarefas, enquanto se repete, constltmraum ambiente escolar prolongado, configurar uma metodo-logia que, por sua regularidade, desencadear certos efeitospermanentes".

    Estas proposies so suficientemente coerentes nosentido de que nos permitem pensar sobre a necessidade demobilizar situaes de prtica de ensino e de uso da lnguana esfera escolar que estejam em conexo com situaes reaisde comunicao. Nesse sentido, os estudos sobre letramentotm contribudo de maneira considervel, pois se apresentamcomo um suporte terico-metodolgico capaz de redimensio-nar o trabalho com as prticas de linguagem na escola.

    Tomando os gneros orais argumentativos como objetoda nossa discusso, o que nos interessa, nesse momento, formular questionamentos acerca do tratamento didtico quea escola tem dado a esse fato lingustico: Como a escola temtrabalhado com os gneros orais argumentativos que circulamem nossa sociedade? Quais as estratgias didticas utilizadaspelos professores? As prticas escolares tm nos mostradouma opo didtica ainda voltada apenas explorao dosaspectos ensinveis dos gneros, tornando-os desprovidos desua real funcionalidade, que a comunicao. Alm disso,so prticas realizadas esporadicamente, na maioria das ve-zes, como pretexto para ensinar outros contedos.

    1. o termo "globalizador" est sendo utilizado aqui na perspectiva de Zabala(2002), como processo de ensino fundamentado em princpios de integrao esequenciao dos contedos estudados.

  • o que a escola pode e deve fazer, segundo Dolz eSch~euwly (1998), ensinar sistematicamente. Do pontode vIsta do ensino da linguagem, para estes autores, umaestratgia eficaz a sequncia didtica - sequncia de m-dulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorarum~ determinada prtica de linguagem. Isto correspondea dIzer que se as especificidades dessas prticas estiverembem articuladas, enquanto objetos ensinveis: capacidadesde linguagem dos alunos e estratgias de ensino propostaspela sequncia didtica, estaro sendo garantidas a estesaprendizes a apropriao e reconstruo das prticas delinguagem.

    Para estes autores uma sequncia didtica deve contem-plar estratgias de ao que tornem possveis o controle eacompanhamento das aprendizagens dos alunos atravs dacombinao da escolha dos gneros e das situaes comunica-tivas a s~rem estudados com as capacidades de linguagem dosalunos. E preciso, inclusive, dar tempo suficiente para permitiras aprendizagens e escolher os momentos de interao entreos alunos. Trata-se, sobretudo, de definir todo o percurso darel~o ensino-aprendizagem, do momento inicial, das etapasde Interveno e da avaliao dos resultados obtidos.

    Didaticamente o trabalho desses pesquisadores nosoferece grande contribuio, pois o enfoque progressivo esequencial que dado ao ensino dos gneros aponta outroscaminhos que vo de encontro ao ensino tradicional. Proporuma sequncia didtica progressiva significa ter como metaprincipal um ensino-aprendizagem baseado na construogra~ual e sistemtica do conhecimento que parte de situaesreaIS e significativas para o aluno e o professor.

    Mas preciso considerar as preocupaes de Schneuwlye Dolz (2004, p. 75) em relao ao perigo da excessiva dida-tizao que pode ser gerada no processo de ensino:

    Na sua misso de ensinar os alunos a escrever, a ler e a falar,a escola, forosamente, sempre trabalhou com os gneros,pois toda forma de comunicao, portanto tambm aquelacentrada na aprendizagem, cristaliza-se em formas de lin-guagens especficas. A particularidade da situao escolarreside no fato de que torna a realidade bastante complexa:h um desdobramento que se opera, em que o gnero no mais um instrumento de comunicao somente, mas aomesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem [... ]. Nodesdobramento mencionado, produzida uma inverso emque a comunicao desaparece quase totalmente em prol daobjetivao e o gnero torna-se uma pura forma lingusticacujo objetivo seu domnio.

    Isto requer interpretar com cuidado a sequncia didtica,pois, ao mesmo tempo em que ela permite aos professoresintervir junto aos alunos, percebendo as suas capacidadesiniciais, elaborando estratgias adequadas para produzirnovos conhecimentos e avaliando as transformaes produ-zidas, pode tambm gerar um distanciamento do uso realda linguagem, quando vista s no plano da transmisso deconhecimentos.

    fundamental lembrarmos que o ensino dos gnerosorais no se esgota na utilizao de recursos metodolgicos,considerando que a operacionalizao de uma sequncia di-dtica se d em funo de parmetros sociais e contextuais,portanto marca da por elementos culturais e interacionais.Assim, h necessidade de serem vistos alguns aspectos im-

  • prescindveis, como o papel social dos falantes na atividade,a finalidade da atividade, as relaes entre os interlocutores(enunciador / destinatrio), a funo e o uso dos gneros nasociedade. So esses parmetros, aliados s atividades delinguagem e gesto delas em sala de aula, que tornam asequncia didtica um importante instrumento no exercciode anlise e produo dos gneros orais como prticas so-ciocomunicativas.

    de gneros orais argumentativos e contou com a participaode 32 alunos, na faixa etria entre 9-10 anos, pertencentes auma escola da rede privada.

    Esta sequncia didtica, como podemos perceber, priori-za trs fases importantes: o estudo inicial, que se revela emum importante recurso para acionar o repertrio de conhe-cimento dos alunos acerca dos gneros em estudo; o estudopara aprofundamento, que se constitui em um momentoimportante na apropriao e produo dos gneros e a ltimafase, estudo para reviso, que responsvel pela reflexo ereformulao das produes.

    Corno se v nas atividades que compem a sequncia,o estudo dos trs gneros obedeceu a um ciclo comum, queia da aquisio de informaes sobre as temticas escolhi-das at a produo e/ou reelaborao do gnero, exceto odebate, que se diferenciou quanto diversidade de ternas e forma de introduzir o estudo. Nesta etapa do trabalho ascrianas j demonstravam um melhor desempenho nas ha-bilidades argumentativas, bem como no reconhecimento dosgneros, propiciando atividades mais aprofundadas e comtemas variados. preciso dizer que esta proposta no foi anica responsvel pela ma estria argumentativa dos alunos,mas foi urna ferramenta importante no desenvolvimento dassuas potencialidades.

    Para a escola na qual vivenciamos tal proposta foi,sem dvida, uma experincia enriquecedora, considerandoos resultados alcanados com alunos e a socializao dotrabalho junto a outros professores, com os quais tivemos aoportunidade de refletir sobre o percurso e o alcance finaldeste projeto de ao didtica.

    No podemos esquecer tambm as dificuldades quecircundam o trabalho com a oralidade. Um dos grandesdesafios que a escola enfrenta no ensino dos gneros orais organizar um acervo de textos a serem utilizados comoobjeto de estudo pelos alunos, uma vez que nosso sistemade ensino no prioriza registros da oralidade. Diferente dorepertrio de textos escritos que os professores tm sempreem mos, os registros de textos orais so bem mais raros, ano ser quando o prprio professor se lana no desafio defaz-los e, dependendo da situao, ele ainda precisa venceros obstculos tecnolgicos e/ou financeiros que envolvemuma produo dessa natureza. Isto s refora a necessidadede mudarmos essa situao, afinal o trabalho com gnerosorais, a exemplo do debate, exige o exerccio de escuta ereescuta precedendo anlise.

    O quadro a seguir apresenta uma proposta geral desequncia didtica progressiva, organizada nos moldes deBrakling (2000), Schneuwly e Dolz (2004), com o propsitode trabalhar gneros dentro da ordem tipolgica argumentati-va. Esta experincia foi realizada na pesquisa j mencionadaem nota introdutria (1), cujo trabalho de investigao obje-tivou a aplicao de uma proposta de ensino/aprendizagem

  • Quadro 1Sequncia didtica para o ensino de generos oraIS argumentativos

    SEQUNCIA DIDTICA GNEROS ESTUDADOS

    DILOGO ARGUMENTATIVO TEXTO DE OPINIO

    Estudo Inicial: levanta- Oficina de Conhecimentos a partir da

    DEBATE

    mento das caractersticas temtica lixo: diviso da turma em gru-Oficina de conhecimentos: levantamento Oficina de escuta 1: observao e escuta

    discursivas do gnerode hipteses sobre as caractersticas do

    pos, utilizando textos e propostas de ati- texto de opinio e discusso em torno dade um debate, em vdeo, sobre tratamento

    vidades diferenciadas para explorao te~tica Criana tambm opina;de lixo (Projeto educativo da TV Escola/

    do assunto;MEC);

    apresentaes dos grupos, socializandoleitura de artigos de opinio retirados da anlise e discusso sobre os tipos de argu-Folhinha de S. Paulo, confrontando as

    o conhecimento adquirido a partir das hipteses levantadas;mentos apresentados no debate

    atividades realizadas; escuta de textos de opinio gravados pe-oficina de escuta 2: observao'e escuta

    produo de um dilogo entre os alunos los alunos durante o recreio da escolade dois debates: um acerca do desequil-

    sobre a visita feita por eles ao Lixo da anlise de textos de opinio inseridos :mbrio ecolgico e desenvolvimento urbano

    cidade. outros gneros tais como: entrevistas,(Programa deTV gravado/Rede Cultura);e o outro, um debate poltico (Programa

    reportagens e enquetes. de TV gravado);comparao dos dois debates observadosquanto aos mecanismos de sustentaoe refutao;caracterizao e definio do gnero de-bate a partir das atividades vivenciadasanteriormente;estudo da tipologia do debate.

    Estudo para Aprofunda- Escuta de dilogos produzidos em sala eAtividade de comparao entre textos de

    Preparao para o primeiro debate reali-

    mento: reflexo metalin- em outras turmas para perceber indica-opinio: orais e escritos;

    zado pelos alunos: delimitao do tema,

    gustica, formulao de tivos de argumentao;Caracterizao do gnero: funo co-

    definio de papis (moderador, deba-

    conceitos e produo dos comparao entre o dilogo simples e omunicativa, elementos estruturais, uso

    tedores e auditrio) e elaborao prvia

    gnerosdilogo que apresenta argumentao; social;

    dos argumentos;

    anlise de sequncias dialogais argu-retomada do estudo inicial da sequncia,

    realizao e avaliao do debate, organi-

    mentativas;fazendo uma comparao com as caracte- zado entre os dois grupos de alunos que

    elaborao do conceito de dilogo ar- rsticas do dilogo argumentativo;disputavam numa eleio, os cargos de

    gumentativo e levantamento das suasproduo de textos de opinio: orais e representantes da turma;

    caractersticas;escritos, a partir de uma situao real (a

    anlise dos argumentos utilizados pelos

    identificao de operadores argumen-reforma da escola), tendo como elemen-

    participantes do debate, identificando

    tativos.tos motivadores: a planta baixa dessa

    sustentaes, refutaes e negociaes;

    reforma e o folder de divulgao da escolaoficinas de conhecimentos para aprofun-

    para o ano seguinte.damento das temticas que seriam explo-radas no segundo e no terceiro debate;preparao, realizao e avaliao dosegundo debate: Opapel do homem entreo progresso e a preservao da natureza,seguindo os passos do primeiro;anlise das estratgias utilizadas pelo

    mediador;preparao, realizao e avaliao do ter-ceiro debate: ndios: perda de identidadeou transformao cultural?

    Estudo para Reviso: anli- Produo de dilogos argumentativosLeitura na sala dos textos produzidos

    Anlise final do trabalho comparando os

    se e reelaborao das pro- fomentados pela professora, a partir depelos alunos;

    trs gneros argumentativos trabalhados

    duessituaes vividas na escola. Ex.: O uso

    reelaborao de alguns textos orais e es- em sala de aula.

    de bola na rea de recreao; anlise ecritos produzidos; publicao no site da

    reelaborao de alguns dilogos argu- escola de algumas dessas produes.

    mentativos.

  • Uma experincia com sequncia didtica no ensino degneros orais argumentativos

    3 - Professora: No tem como eles sobreviverem? Como?

    4 - Nelson: Tem sim!

    S - Caio: Assim, no tem dinheiro pra comprar comida, a nolixo, eles vo juntar plstico.

    6 - Professora: Complete Nelson!

    7 - Nelson: No, porque eles, tipo porque eles no querem,porque eles tinham cesta bsica todo ms, a parece que elesgostam de viver no lixo, pra poder no ter o que fazerem(...) parece.

    8 - Professora: E eles s precisam de casa para viver? Hein,gente?

    9 - Alunos: No!

    10 - Nelson: Mas eles ganham cesta bsica.

    11 - Yasmin: , mas no todo mundo que ganha cestabsica.

    12 - Nelson: Ah! Ento (...)

    13 - Professora: Diga, diga Victor.

    14 - Victor: Eu acho que porque eles num querem, porqueeles pegam destroem as casas, vendem os mveis e a comidaeles comem, depois eles voltam pro lixo, porque eles noquerem mesmo.

    IS - Professora: Voc concorda, Artur, com o que Victor estdizendo?

    16 - Artur: Concordo.

    17 - Professora: Voc acha que eles tm casas e eles no vomorar nessas casas porque no querem?

    18 - Artur: Algum, alguns sim, porque tem gente que temoportunidade de trabalhar, de fazer tudo que seria bom pravida dele, de trabalhar, de ganhar dinheiro, deixa de t mo-rando numa casa, com tudo, no tudo como todos ns aquitemos de tudo, mas, pelo menos teria o bsico deles, no, eles

    o processo de construo dos argumentoso processo de construo de argumentos corresponde

    a um momento valioso no processo de interlocuo, poisrepresenta o marco operatrio na atividade argumentativa. a partir desse momento que se desencadeia todo o processointerativo entre os interlocutores, impulsionando e gerandonovos argumentos.

    Consideramos a existncia de pelo menos trs fatoresfundamentais no processo de construo da argumentao: ocontexto de produo, o conhecimento que o indivduo temdo assunto e as estratgias mediadoras ou gerenciamento dainterao entre locutor e interlocutor. Vejamos, no Exemplo1, turnos2 2, 7, 14, 18, 20, 22, 24 e 26, como os alunos seapoiam no conhecimento que tm para construrem seusargumentos em relao ao cotidiano das pessoas que vivemda catao de lixo, temtica discutida em uma das fases dasequncia didtica apresentada.

    Exemplo 1

    Dilogo argumentativo produzido pelos alunos aps a visitaao Lixo da cidade

    1 - Professora: (...) Por que tem pessoas vivendo neste local?

    2 - Caio: Porque a prefeitura construiu casas, mas eles noquerem a casa, porque no tem de que sobreviverem, a nolixo (...)

  • querem morar no Lixo, porque j moravam, j tm amigose tudo.

    19 - Professora: E vocs acham que as pessoas que moraml, que esto vivendo l naquele lugar porque eles gostaml daquele lixo?

    20 - Renato: No, porque eles no conseguem nada na rua,a vo pro lixo, l (. ..) arranjam comida.

    21 - Professora: E essa comida que eles arranjam uma comidaassim ... saudvel, uma comida boa? E eles vivem l s prapegar comida? s pra isso? Diga Marcelo.

    22 - Marcelo: Eu acho que os avs deles, os ancestrais, asgeraes antigas j moravam l.

    23 - Professora: Ser que por isso? Voc concorda Ingrid,com o que Marcelo disse?

    24 - Ingrid: No, eu discordo, porque eles to ali no porqueeles querem, porque uma necessidade que eles tm, elesto ali pra morar, a Prefeitura deu as casas, mas eles noaceitaram por qu? Porque eles vivem ali ... como eles vivem?Eles separam o lixo pra vender e eles ganham o dinheiro delescom isso e, se eles fossem pra casa que a Prefeitura deu elesno iam ter isso que eles tm agora, a eles comem comidasestra