Consumo trabalho final (1)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS PROF. MILTON SANTOS
BACHARELADO INTERDISIPLINAR EM SAÚDE
CARINE TITO, JAMILLE PAMPONET, JUSCILENE MARIA DE JESUS, MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA, NATÁLIA BADIANI E RONALI IRIS S. OLIVEIRA
ASPECTOS SOCIOCULTURAIS ENVOLVIDOS NO CONSUMO DA
CARNE: UMA ANÁLISE SOBRE SEU PROCESSO HISTÓRICO
Salvador, 2012
CARINE TITO, JAMILLE PAMPONET, JUSCILENE MARIA DE JESUS, MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA, NATÁLIA BADIANI E RONALI IRIS S. OLIVEIRA
ASPECTOS SOCIOCULTURAIS ENVOLVIDOS NO CONSUMO DA
CARNE: UMA ANÁLISE SOBRE SEU PROCESSO HISTÓRICO
Trabalho apresentado por alunas do curso Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia – UFBA, para a apreciação do Prof.º Dr. Vilson Caetano Júnior, do componente curricular NUT 177 - Aspectos Socioculturais da alimentação e da nutrição – Turma: 01.
Salvador2012
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 04
2 HISTÓRICO DO CONSUMO DA CARNE
2.1 Pré-História
2.2 Antiguidade
2.3 Idade Média
2.4 Idade Moderna
2.5 Contemporaneidade
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3 CURIOSIDADES
3.1 Alimentação Vegana
3.2 Religião
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5
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
APÊNDICES
6.1 Relatório e cronograma das atividadesda equipe
6.2 Slides da apresentação
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30
33
3
1. INTRODUÇÃO
Atualmente não podemos imaginar uma confraternização sem a presença da carne,
seja ela uma “picanha, linguiça, asinha de frango, coração de galinha, codorna, um delicioso
cardápio de carnes das mais variadas” (BARCELAR, 2011), independente do dia - seja
durante a semana, na sexta-feira, ou ainda, em um fim de semana em um churrasco com os
amigos - sempre temos ela em nossa mesa, para saciar a fome ou pelo puro prazer de sentir o
seu sabor. No entanto, nunca nos perguntamos de onde surgiu e porque consumimos a carne,
porque que temos tanto desejo pelo seu consumo? Se é devido as nossas necessidades
biológicas (para extrair dela proteínas necessárias à manutenção do nosso metabolismo) ou
pela “natureza carnívora do homem primitivo”. Mesmo admitindo a predileção pelo sabor da
carne não devemos deixar de considerar que existem diversos fatores sócios-culturais
envolvidos no seu consumo.
A carne é um alimento que tem relevância social e é tida como o alimento de
grande prestígio no Ocidente (BLEIL, 1998). Sob a ótica biológica corresponde ao tecido
muscular dos diversos tipos de animais, sendo que sua composição química, (carne magra)
apresenta em torno de 75% de água, 21 a 22% de proteína, 1 a 2% de gordura, 1% de minerais
e menos de 1% de carboidratos. Esses elementos são importantes fontes de energia para a
maioria das nossas atividades musculares e metabólicas (ROÇA, s/d).
Além do seu valor nutricional, é um dos principais alimentos envolvidos na economia
mundial, analisando da seguinte forma: “Se pegarmos como exemplo o boi que se aproveita
tudo, (...), desde a carne, couro, ossos, vísceras, gorduras”, caso houvesse paralização do
abate dos bovinos haveria, subsequentemente, paralisação direta de 49 dos mais variados
segmentos industriais” (SILVA e SILVA, 2001).
Se na contemporaneidade não conseguimos imaginar uma grande refeição, um jantar
ou um almoço sem a carne (SILVA e SILVA, 2001), no passado sua presença na alimentação
humana flutuou entre a depreciação e a valorização. No entanto, percebe-se uma redução do
consumo da carne vermelha desde os anos 80, nos países desenvolvidos, principalmente entre
aqueles que são detentores de um maior poder aquisitivo (BLEIL, 1998). Além disso, mesmo
concebendo que a maioria da população mundial consome carne, em pelo menos uma das
suas refeições, existe ainda aqueles que condenam a sua ingestão, como o caso dos
vegetarianos (ou ainda, os veganos), dos adeptos de certos seguimentos religiosos, que
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sacralizam alguns tipos de carne como a vaca para os indianos, havendo também aqueles em
que seu consumo é considerado proibido a exemplo do porco e do camarão para os
adventistas (com consta na bíblia cristã - Levítico 11).
Por identificarmos a carne com um dos principais alimentos presentes nas refeições
das populações – mesmo que de diferentes formas -, atentamos para a importância de se
investigar sobre o tema, notando o seu valor sociocultural, o modo como este foi sendo
modificado ao longo dos anos e a sua atribuição como marcador de diferentes classes sociais.
Assim, por ter se tornado tão presente em nossa sociedade, seja como figurante,
protagonista, ou ainda, como vilã é imprescindível admitir que a carne faz parte do dia-dia de
muitas populações. Destacamos que, ao utilizarmos o termo carne neste trabalho, estamos nos
referindo às carnes vermelhas e brancas, em geral.
Dentro dessa perspectiva, reafirma-se que “como”, “onde” e “com quem comemos”,
são questões construídas culturalmente e socialmente (CARNEIRO, 2003; MONTANARI
2008). Como Montanari (2008) afirma, a “(...) definição do gosto faz parte do patrimônio
cultural da sociedade humana” (p.95). Dessa forma o objetivo aqui proposto é sinalizar a
importância da carne, não apenas como o simples ato de comer, mas de que forma esse
alimento se tornou e modificou a partir de retrocessos e avanços sociais, mostrando sua
relevância nesse processo. Além disso, visa perpassar pelos principais acontecimentos
históricos que fizeram com que o consumo da carne se fixasse entre os “de comeres” da
sociedade e se tornasse um dos principais tipos de alimentos presentes nas refeições, bem
como, tratar sobre o consumo e o não consumo da carne em determinadas religiões e
contextos socioculturais.
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2. HISTÓRICO DO CONSUMO DA CARNE
2.1. PRÉ-HISTÓRIA
Antes de descrever os principais acontecimentos históricos que fizeram com que o
consumo da carne se tornasse um dos principais tipos de alimentos presente em nossa
sociedade, é importante salientar, que é difícil precisar quando cada um dos alimentos passou
a integrar a alimentação humana (FLANTRIN, 1998). O que se pode afirmar é que os
homens sempre foram onívoros e por isso, inclinados a comer vegetais ou animais. Por esse
motivo ele pôde diversificar tanto a sua alimentação como os seus hábitos alimentares
(CARNEIRO, FLANTIN; 1998).
Segundo relatos históricos durante alguns milhões de anos, as frutas, as folhas ou os
grãos pareciam fornecer aos homens pré-histórico as calorias que eles necessitavam. Essa
evidência foi constatada pelas dimensões relativamente pequenas dos territórios explorados e
pelo desgaste característico dos dentes dos fósseis humanos pré-históricos. Estudos
antropológicos mostraram que os hominídeos apresentavam alimentação exclusivamente
herbívora caracterizada pela ingestão de grãos, frutos e raízes. Nesse período, além do
consumo de vegetais, aponta-se que havia a ingestão e pequenos animais, e somente entre os
anos 200.000-40.000 a. C, a caça de portes maiores começou a ser realizada (FREIXA et al,
2009; FLANDRIN, 1998).
Assim, antes mesmo do advento do fogo, o homem já consumia produtos de origem
animal. Apesar dos escassos estudos sobre o consumo da carne na pré-história, pesquisadores
supõem que no paleolítico os nômades participaram ativamente da caça, ainda que se
roubasse a presa de outros predadores. Somente após a domesticação dos animais e com o
estabelecimento da agricultura rudimentar ele começa a ter maior independência na aquisição
dos seus alimentos e a escolher aqueles que seriam consumidos no seu dia-dia. No paleolítico
superior (40.000-10.000 a. C) deu-se a origem da caça especializada, através do abate de
renas, cavalos, bisões, e mamutes (FREIXA et al, 2009; BRAUNE, 2007; CARNEIRO,
2003).
É de suma relevância destacar que uma das etapas essenciais para o desenvolvimento
da gastronomia foi à descoberta do fogo, há mais de 500 mil anos. A partir dai, houve o
advento de diversas técnicas e utensílios, além do descobrimento de especiarias, onde a
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gastronomia evoluiu das mais rústicas técnicas, até obter a configuração atual (BRAUNE,
2007). No entanto, a história da alimentação abrange mais do que a história dos alimentos,
mas também sua produção, distribuição, preparo e consumo, ou, ainda: “O que se come é tão
importante quanto quando se come, onde se come, como se come e com quem se come”
(CARNEIRO, p.2). Partindo desse pressuposto, podemos inferir que o consumo da carne foi
influenciado não somente pelo desenvolvimento das técnicas culinárias, mas principalmente
por diversos aspectos culturais.
Por esse motivo, o cozinhar, na pré-história, foi algo muito além do ato da cocção.
Além de ser nesse período desenvolvidas formas de conservação da caça, pois o homem logo
percebeu que a carne cozida demorava mais para se deteriorar e que se tornava também mais
digestiva (usavam práticas de conservação de alimentos como a defumação e a secagem),
observamos já a presença de comportamentos sociais durante a alimentação, e desde os
primórdios, esse ritual simbólico foi o que sempre distinguiu a alimentação humana dos
animais (FREIXA et al, 2009; FLANDRIN, 1998).
No paleolítico superior estruturou-se uma organização socioeconômica, que reunia
várias famílias, para tocar rebanhos inteiros de grandes animais em direção a armadilhas. Isso
necessariamente implicava uma partilha de carne entre as famílias que tinham contribuído
para a caça, tarefa, sem dúvida, coletiva; em alguns momentos ao menos, depois da caça, por
exemplo, é provável que grandes festas reunissem essas famílias para consumirem juntas
algumas partes da caça abatida (FLANDRIN, 1998).
Comer e beber juntos já servia para fortalecer a amizade entre os iguais. Alguns
alimentos, condimentos e bebidas parecem ter sido indispensáveis nos banquetes
mesopotâmicos, e encontra-se também a maioria deles nas festas de outros povos, em outras
épocas. Em primeiro lugar, a carne fresca: esta poderia ser de carneiro, cordeiro, cervídeos,
aves, ou poderia ser uma simples cabra. Qualquer que seja ela, a carne fresca parece
indispensável ao banquete e essa associação estará presente em todas as épocas e regiões
(FLANDRIN, 1998).
Na culinária, observamos que na pré-história, as receitas eram simples e os cardápios,
repetitivos. A carne era assada sobre brasas, cinzas ou ainda, sobre um espeto improvisado
feito de ossos, sendo que todas essas técnicas tinham como objetivo principal não o de
melhorar o sabor e sim tornar os alimentos mais comestíveis, ou seja, mais fáceis de mastigar
e conservar. Praticamente não havia temperos, e o uso do sal na comida ainda era
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desconhecido. Isso porque durante o paleolítico, o homem não sentia necessidade de buscar
sal em outros alimentos, pois a carne selvagem já continha boa porcentagem de cloreto de
sódio. No Neolítico, no entanto, com o desenvolvimento da agricultura e da criação de
animais, o homem precisou complementar tanto sua alimentação quanto a dos animais que
domesticava (FREIXA et al, 2009; FLANDRIN, 1998).
Nesse período, o clima da Terra se estabilizou e as temperaturas mantiveram-se
parecidas com as da contemporaneidade. Tal evento climático constituiu-se em um marco,
onde o homem passou a buscar vales férteis para se fixar, pois, como dito anteriormente, até
então ele vivia da caça e da coleta. Uma das grandes revoluções ocorridas no que tange a
alimentação humana se deu a partir do momento em que os homens começaram a cultivar
plantas e domesticar animais, controlando, assim, o próprio abastecimento. A domesticação
animal teria início com o fato de os caçadores levarem filhotes de animais selvagens para
conviver com seu grupo (como a ovelha, a cabra, o porco e a vaca). Primeiro, o confinamento
servia como uma reserva de caça. Depois, começaram a abater apenas o que precisavam para
a alimentação, deixando os mais dóceis para o consumo do leite (FREIXA et al, 2009).
Foi no Oriente Médio que o homem, pela primeira vez, começou a desenvolver a
agricultura e a criação de animais, disseminando para outras regiões mediterrâneas, enquanto,
mais ao norte, os produtos da coleta e da caça continuaram predominando até depois da era
cristã, favorecendo, aliás, uma alimentação mais equilibrada, com menos carências. Como o
homem do Neolítico criou raízes e manteve comunidades permanentes, as relações sociais
também se transformaram. A divisão do trabalho entre homens e mulheres tornou-se mais
nítida: os homens se encarregavam da criação de animais, da caça, da pesca e de preservar o
grupo contra os predadores, enquanto as mulheres ficavam encarregadas de cuidar dos filhos,
plantar, colher e preparar os alimentos (FREIXA et al, 2009; FLANDRIN, 1998).
No entanto, no ano de 8.000 a.C, ocorreram mudanças climáticas que repercutiram no
regime de caças (ampliação das possibilidades alimentares). Com o resfriamento do clima
europeu o homem do período mesolítico teve que diversificar a alimentação das zonas
temperadas. Para conseguir uma alimentação suficiente, foi necessário, desde então, empregar
muito mais tempo e esforço do que em épocas anteriores, seja caçando animais pequenos, seja
colhendo grãos silvestres como lentilhas. Por esse motivo, nesse período foi marcada a pesca
e à coleta de frutas e de cereais (FLANDRIN, 1998).
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No período neolítico, a agricultura e a criação de animais constituem-se, dentre outras
formas, como uma garantia contra azares climáticos. Essas duas formas de produção de
alimentos permitem um adensamento da população e fecundidade, aumentando o crescimento
demográfico. Além disso, a agricultura, mesmo nas terras férteis aluviais bem irrigadas do
Egito ou da Mesopotâmia, exige um trabalho mais árduo que as grandes caçadas do
paleolítico superior (FLANDRIN, 1998).
Finalmente, ao contrário dos caçadores-coletores do mesolítico europeu, os
agricultores e criadores reduziram a variedade de sua alimentação, o que se revelou fonte de
carências e, por conseguinte, diminuição da esperança de vida. Com a revolução neolítica
diminui a proporção da carne resultante da caça, e desenvolve a criação dos animais de corte
que conhecemos: bovinos, ovinos, caprinos, suínos (FLANDRIN, 1998).
2.2 ANTIGUIDADE
Na antiguidade, datada aproximadamente entre os séculos VIII a.C. e V d.C., nas
antigas civilizações mediterrâneas, ao contrário do que se observava nos demais períodos
históricos, a carne não era considerada como um bem primordial como os produtos da terra,
como cereais e outros alimentos que serviam para preparação de pães, bolos e “papas”. A
carne assumiu um papel secundário, sendo que na Roma antiga, quase toda carne consumida
pelos homens era proveniente dos sacrifícios. Diferentemente, os Deuses tinham hábitos
carnívoros, Polifemo (um ciclope), por exemplo, filho de Posídon e da ninfa Teosa, se
alimentava exclusivamente de carne e de laticínios, sendo desprezado por este o vinho,
considerado um produto de consumo humano. Essas distinções permaneceram durante a
Antiguidade (FLANDRIN, 1998, 2002)
Durante este período, além da dieta basicamente constituída por grãos, os homens
eram consumidores de peixes, pescavam com redes e arpão, criavam aves para o consumo e
na preparação do alimento secavam e os salgavam, além de fazer a conservação em vasos
próprios. Além disso, apesar de ser condenado o consumo da carne, essas tinham uma grande
importância ideológica, e por isso, esteve no centro do banquete nas refeições das festividades
da época, onde a sua ingestão era “liberada” apenas com a prática do sacrifício, em ocasiões
excepcionais. A caça, assim, escapava a lógica do sacrifício, e por isso era marginalizada pelo
sistema de valores gregos e romanos (FLANDRIN, 1998, 2002).
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Para Flandrin (1998) é na agricultura que há a diferenciação entre o homem
civilizado e homem bárbaro, que se satisfaz em coletar o que encontra na natureza e em caçar.
Os povos que não se dedicam à agricultura, que não comessem pão nem bebessem vinho, são,
por conseguinte, selvagens e bárbaros, que tem como alimento a carne e como bebida, o leite.
O sacrifício acontecia em uma cerimônia e tinha grande força simbólica, sendo
repleta de valores sociais e religiosos com importantes aspectos na vida civil. Os banquetes só
eram iniciados após o sacrifício cruento (FRANCO, 2001). Os animais antes de serem
sacrificados eram examinados e selecionados para cerimônia e/ou alimentação, assim, só eram
sacrificados os animais saudáveis. O boi, o ganso, o cabrito, a gazela eram cevados quando se
destinavam ao consumo. Nessa época existiam ainda os animais que eram não-comestíveis,
ou seja, era proibido o seu sacrifício. Isso foi estabelecido devido a certas regras que
determinavam que animais domésticos não poderiam ser consumidos. Com isso, o porco
passou a ser destinado ao consumo, enquanto o carneiro e, principalmente, o boi não
poderiam ser mortos, este ultimo, por exemplo, era considerado o “companheiro do trabalho
do homem”, sendo que seu consumo ocorria apenas quando estavam muito velhos e
tornavam-se “bestiae inutiles” (por tradução “besta inútil”) (FLANDRIN, 1998, 2002)
Os ovinos e caprinos eram os principais animais de criação na época grega e romana,
sobretudo por derivarem a lã, o leite e o queijo, portanto mais importante que a carne na
alimentação diária. Os bovinos, extremamente raros, eram utilizados para puxar carroça ou
arados (bois). A proibição da execução do boi era tão severa que o “bovicidio” era equiparado
ao homicídio nas leis atenienses e as punições eram equivalentes. Segundo estudos os achados
arqueológicos, da Grécia antiga e da costa da Itália, revelaram que havia pouco consumo de
bovinos, mesmo assim, nunca estes eram jovens. O sacrifício desses animais ocorria, somente,
em raras circunstâncias (anualmente) e era considerado “traumatizante”. Envolvia ainda um
ritual complexo para purificação desse alimento (FLANDRIN, 1998, 2002).
É importante destacar ainda, que referente a essa época, há relato que os gregos, e
posteriormente, os romanos, consumiam também outros tipos de bovinos como as vacas, o
que era condenado pelos egípcios. Estes as consideravam como animais sagrados, pois foram
consagradas a “Isis”. Independente do animal consumido na Antiguidade havia uma
repugnância, tanto de gregos como romanos, pela carne que não fosse extraída pelo homem,
como por exemplo, dos animais mortos por enfermidade, velhice, ou ainda, por acidentes,
tidos como “carniças não-comestivei (FLANDRIN, 2002).
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Salienta-se que, nessa época, ainda ocorriam sacrifícios sem o consumo da carne. Um
dos exemplos ocorrido na Antiguidade eram os holocaustos que se dedicavam aos heróis, ou,
ainda, em períodos de crise, onde se utilizava as vísceras do animal como “objetos
divinatórios”. Assim, também havia a ingestão de carne sem a prática do sacrifício,
principalmente na época do Império Romano, onde o consumo da carne, progressivamente,
foi se distinguindo entre o abate e o sacrifício, mas, mesmo assim, o consumo da carne de
animal não sacrificado era considerado um ato culpável (FLANDRIN, 2002).
Não somente para o consumo da carne, mas também como importante aspecto
relacionado à expressão da estrutura social, estudos apontam que o sacrifício nessa época
tinha uma grande importância política na sociedade grega, como também na romana. Nesse
período ocorriam sacrifícios em festividades públicas, onde os povos de Atenas poderiam
consumir a carne. Apesar de esses eventos serem extremamente custosos para a referida
localidade, tinham como objetivo reunir os cidadãos para aproximá-los no intuito de se
estabelecer como polis (FLANDRIN, 2002).
Os animais mais sacrificados eram as ovelhas (animais de valor intermediários) e
porcos (menos caros). Em sacrifícios mais grandiosos, havia o holocausto de animais mais
valorizados, como os bois. Esses eram mais caros, porque além de terem maior quantidade de
carne, são capazes de trabalhar em companhia ao homem. A carne proveniente do sacrifício
era, então, partilhada, entre os deuses e os homens. Na Grécia, para os deuses eram reservados
algumas vísceras, a gordura e os ossos. Já na Roma ofereciam um misto de diversas partes do
corpo da vítima. O que fosse para o consumo humano era então dividido pelo grupo
(FLANDRIN, 2002).
Na Antiguidade Clássica, mais precisamente na Grécia, onde houve muita
influência do comportamento alimentar pelos egípcios, um dos pratos apreciados era a tripa,
que era servida nos grandes banquetes, como também o fígado de gansos bem cevados. Os
gregos e, sobretudo, os macedônios eram apreciadores de carne de suíno. Ao Rei Felipe e seu
filho Alexandre o Grande costumavam ser servidos leitõezinhos assados, em bandejas de
ouro. Nos grandes banquetes da Grécia antiga, tempo de Homero se preparava a carne picada,
amassada com especiarias e enrolada em folhas tenras de videira. (ORNELLAS, 2000).
Mais tarde os hebreus seguiram esses mesmos preceitos alimentares que estavam
contidos no “Torah”. Este livro contém regras rígidas em relação ao consumo da carne,
sobretudo em relação aos animais destinados aos sacrifícios. A lei proibia o cozimento do
11
cordeiro no leite da mãe, o consumo do sangue animal, e a ingestão do nervo ciático dos
animais (ORNELLAS, 2000).
Fato importante ocorrido na Antiguidade e que foi difundido ao longo dos anos
foi a recusa de alguns grupos sociais, ou movimentos religiosos, ao consumo de carne, mesmo
essa sendo precedida do sacrifico. Isso porque eles eram contra o ato do derramamento de
sangue desses animais. Esses grupos existiram em toda a Antiguidade, são os vegetarianos
que na época romana se opuseram ao sacrifício cruento, mas esses não foram os responsáveis
pela crise da prática do sacrifício. Isso ocorreu, em especial, pela influência cristã que
reconheceu a morte de Jesus como um ato Salvador. O sacrifício não era condenado pelo fato
de se consumir carne, mas porque eles consideravam que este era dedicado a “seres maus: os
demônios” (FLANDRIN, 2002, p.131). Com isso, houve uma diminuição das vendas de
carne, visto que houve uma interrupção das suas vendas, no entando, essas foram retomadas
posteriormente. Nesse período, veremos o modelo alimentar romano e grego começar a se
degradar com a influencia cristã. Muda assim, acima de tudo, a maneira de conceber o
consumo de carne, sendo que a prática do sacrificio diminue progressivamente, chegando a
desaparecer em alguns locais. A carne vai aos poucos conquistando um papel de destaque no
sistema de valores alimentares, o que abala o prestigio da tríade agrícola trigo-vinho-óleo
(FLANDRIN, 1998).
A cultura cristã, nesse aspecto, coloca em questão a prática do sacrifício - falsas
oferendas feitas a falsos deuses - e passaram a substituir, então, o sacrifício cruento pelo
sacrifício do vegetal, promovendo uma transformação cultural. Nesse momento o pão e vinho
(que simbolizam o corpo e o sangue de Jesus) são sacralizados como símbolos do
cristianismo, reforçando os modelos alimentares romanos e, ao mesmo tempo, devido a sua
dessacralização, a carne se torna um simples alimento (FLANDRIN, 1998).
É importante ainda apontar, que na Antiguidade emergiram certas restrições tanto no
que concerne ao consumo, quanto ao comércio da carne, também influenciados pelo
cristianismo. Começou a haver a classificação de animais impuros, aqueles que não poderiam
ser sacrificados aos deuses e nem consumidos, e os puros. Isso se deu, em especial, à
influência de certas religiões, como, por exemplo, o judaísmo, e, posteriormente, os
muçulmanos que foram considerados como um dos precursores pelo seu controle. A proibição
da carne suína também foi fortalecida por essas religiões que consideravam o porco um
animal impuro, assim como também outros animais, com base em uma citação bíblica que
12
afirma, em Deuteronômio, capitulo 14 (versículos 4 e 5): “Não comereis apesar de ruminarem
ou terem o casco partido em duas unhas distintas: camelo, lebre, coelho, animais que ruminam
mas não têm o casco dividido, são impuros para vós. O porco, que tem casco fendido mas não
rumina, é impuro para vós. Não lhes comereis as carnes nem lhes tocareis os cadáveres”
(SILVA et al,2010).
Além dos rituais e das regras de comensalidade que foram um marco deste período1,
observa-se como a própria alimentação é um elemento constitutivo da identidade humana. A
carne, por exemplo, distinguia a alimentação dos homens das dos deuses e os bárbaros dos
civilizados. A prática do sacrifício fazia o consumo da carne um acontecimento excepcional,
conferindo a esse alimento um valor místico, mantendo-o, ao mesmo tempo, à margem dos
valores “cotidianos” da existência. Somente os romanos consumiam uma grande variedade de
espécies e foram os primeiros a estabelecer a organização do comércio, separando aqueles
reservados para os rituais religiosos. Além disso, instituíram a matança industrial, com o
abastecimento da carne para um maior número de populações. Segundo Silva, et al, (2010),
no que concerne a alimentação da contemporaneidade a nossa organização atual tem origem
na legislação romana.
Na Idade Média veremos que a caça, a criação de animais em semiliberdade, a pesca, a
colheita, já não eram mais consideradas atividades desvalorizadas e marginais. Com isso, a
exploração da floresta torna-se uma prática corrente, reconhecida do ponto de vista
econômico. Os bosques já não eram mais símbolos da não-civilização e passam a ser espaços
de produção (FLANDRIN, 1998). Esse fato foi marcante para a consolidação da economia
agrária e possibilitou o estabelecimento do sistema agro-sil-pastoril na alta Idade Média.
2.3. IDADE MÉDIA
1 O marco desse período, com relação aos aspectos socioculturais envolvidos na alimentação humana, se dá com o surgimento de alguns hábitos e costumes (como o de comer três refeições ao dia, o hábito de lavar as mãos em águas perfumadas e fazer uso de guardanapo, como também surge a cultura de fazer refeições ouvindo músicas e cantores) sociais ao redor do alimento. A sociedade grega atribuía muita importância ao ato de comer junto, o comer coletivo. No sistema de valores elaborado pelo mundo grego e romano, o primeiro elemento que distingue o homem civilizado das feras e dos bárbaros é a comensalidade: o homem civilizado come não somente (e menos) por fome, para satisfazer uma necessidade elementar do corpo, mas, também (e, sobretudo) para transformar essa ocasião em um momento de sociabilidade. Como quer que seja, a comensalidade é percebida como um elemento “fundador” da civilização humana em seu processo de criação. As “boas maneiras no banquete” também diferenciavam os homens civilizados dos bárbaros. Comer junto representava a identidade de um grupo (ORNELLAS, 2000).
13
Com a chegada da Idade Média ocorreram mudanças socioculturais que refletiram nos
costumes e na comensalidade das populações. Percebe-se que alguns dos pressupostos que
acompanharam o homem vão se modificando e o consumo da carne vem acompanhando esse
processo. Uma transformação de grande impacto ocorreu entre a Antiguidade tardia à Alta
Idade Média (Séculos V – X). Para isso, é preciso relembrar a Pré-História onde o homem que
comia a carne era considerado um bárbaro que disputava seu alimento com os animais. Os
homens extraiam seus alimentos em sistema de semiliberdade e se baseavam na exploração de
recursos naturais, o que acarretou em uma civilização da carne contra o pão, conhecidos
também como devoradores de carne (ORNELLAS, 2001)
“O pão é o alimento que mais distingue o homem civilizado do primitivo; símbolo de
uma sociedade capaz de criar recursos para sobreviver.” (ORNELLAS, 2001) Pode-se
perceber que essa afirmação expressa por Ornellas (2001), não mais se aplica a realidade
encontrada na Idade Média, que a partir de então começa a conceber uma mudança na
comensalidade da carne em que esse alimento suplanta a imagem do pão, se tornando o
símbolo do guerreiro - identificado mais como uma figura viril do que com a dos camponeses.
Contextualizando com a situação vivida na época está o grande crescimento
demográfico, acrescido de terras que ainda não estavam sendo utilizada para produção de
alimentos e o advento do sistema de produção feudalista. Esse período é marcado pela prática
principalmente do cultivo de cereais e o aumento da agricultura, devido às condições
climáticas favoráveis e a pecuária. Esse quadro trouxe o costume do homem que firmou suas
bases em uma alimentação onívora (FLADRIN, 1998). A alimentação também era marcada
pelos costumes e vivências do território em que pertenciam. Com os conhecimentos
desenvolvidos pelos homens nos plantios e cultivos da terra e dos animais, permitiu-se que o
homem garantisse sua sobrevivência explorando os recursos que estavam ao seu alcance.
Uma nova situação se revela a partir do século XII, conhecida como Plena e Baixa
Idade Média. A população se depara com uma crise nos recursos naturais, nas florestas que
refletiram na produção agrícola, acarretando a escassez de alimentos que deixam populações e
continentes sem alimentação, ficando esse período conhecido como Idade das Trevas.
Concomitantemente a essa realidade também estão presentes as fases de doenças e a que mais
dizimou populações da época, a Peste Negra que iniciada em 1348, que levou ao óbito cerca
1/3 da população européia. Com isso a caça e extração de produtos ficam limitadas,
14
reservados aos senhores, fazendo com a carne progressivamente desaparecesse o cenário
alimentar (FLADRIN, MONTANARI, 1998)
Segundo Ornellas (2000), esse período ocorreu principalmente a partir do ano 1000,
em que se acreditava ser o fim do mundo. As práticas alimentares apoiadas na escassez de
alimentos levaram os povos a retrocederem aos modelos de alimentações primatas,
produzindo seus alimentos, principalmente o pão, com cascalhos, sementes, capim e raízes.
De acordo com a autora, quando se deparavam com algum animal tentavam aproveitá-lo ao
máximo, secando o seu sangue e adicionando pão ao alimento para que o mesmo se tornasse
mais nutritivo e rendesse mais refeições.
Entre meados do século XIV e a primeira metade do século XV presencia-se uma
recuperação da economia, superando a crise ocorrida e a retomada das práticas silvos-pastoris
e, por conseguinte retomando a produção de carne, de forma abundante anunciando
fenômenos como: “(...) anunciam a expansão econômica: pequenos arroteamentos, recuperação da infra-estrutura, crescimento de trocas, cunhagem de moeda. Retomada da vida e da esperança.”. (RIERA-MELIS, 1998)
A carne se fixou entre os “de comeres” da civilização, também mostrando que a
alimentação é uma produção social. Percebe-se que no meio e no término da Idade Média a
carne se revela como um marcador social, isso devido à aristocracia ser designada como a
classe dos comedores de carne, gozando de privilégios alimentares. Esse fato está expresso
nos mercados da época em que as carnes frescas funcionavam como um sinal de identidade
aristocrata, ficando as carnes salgadas para consumo dos camponeses. Vê-se também surgir
com as práticas aristocratas um mercado consumidor das carnes, enquanto os camponeses
ainda se dedicavam a economia de subsistência, baseada em legumes e cereais, como o pão
preto (FLADRIN e MONTANARI, 1998).
Apesar dessa divisão social a carne não deixou de se apresentar na alimentação da
sociedade, com destaque para a carne de carneiro, apreciada na gastronomia urbana em
encontro com a carne de porco mais frequente na cultura rural. Esse modelo de aferro entre os
meios rurais e citadinos se estenderá de forma a generalizar-se na Idade Moderna (FLADRIN
e MONTANARI, 1998; RIERA-MELIS, 1998).
A carne de boi passa a ser mais apreciada, ao contrario do que acontecia com os
romanos que a via apenas como forma de auxilio na agricultura para aragem da terra. O peixe
também ganhou conotação, mesmo sendo menos consumido que a carne vermelha, 15
principalmente por ser considerado um alimento nutritivo, era indicado pelos médicos da
época. Esse consumo também se baseava nos costumes da igreja já que em algumas épocas do
ano o consumo da carne era substituído pelo peixe, como forma de jejum. (RIERA-MELIS,
1998).
2.4. IDADE MODERNA
A cozinha medieval, como já citado anteriormente, tinha no pão um dos alimentos
básicos e a carne era considerada alimento de prestígio e, portanto, mais cara do que grãos e
vegetais. Para a conservação da carne (principalmente a bovina, já que era menos comum do
que a de porco e a de frango), já eram estabelecidas técnicas, como expor qualquer tipo de
alimento ao calor ou ao vento, visando remover toda a umidade e, assim, conservar o
mantimento por mais tempo. O Sol era aproveitado com esse propósito nos lugares quentes –
ou então eram utilizados fornos- e nos lugares frios, a exposição era no vento. (GRUPO
ESCOLAR, 2008-a)
A preocupação em fazer os alimentos durarem mais tempo teve grande aplicabilidade,
quando em meados do século XV, deu-se a passagem econômica, gradativamente, da Idade
Média para a Idade Moderna. O surgimento do capitalismo comercial trouxe mudanças
representativas na estrutura da economia que passava da agricultura medieval ao capitalismo,
representado as bases do Novo Mundo.
A princípio, o sistema capitalista estabeleceu um salário aos novos comerciantes que
se formavam e, desse modo, começou a haver intensificação nas atividades comerciais. O
desenvolvimento das navegações, então, se dá de modo a fortalecer as rotas marítimas e
comerciais abertas na Idade Média (GRUPO ESCOLAR, 2008-b).
No final do século XV, o método de conservação da carne ampliou-se, para abastecer
as tripulações em alto-mar e para transportar quantidades de peixe (CARNEIRO, 2003). Com
os descobrimentos marítimos, inicia-se a época das Grandes Navegações, na qual, a carne
ainda era vista como um bem precioso, assim como as especiarias que vinham da China e
Índia. Durante as longas viagens, os alimentos eram poucos e controlados para que não
acabassem, antes que se chegasse ao destino – o pão, no entanto, era o único que havia em
abundância. Portanto, as especiarias, além de ter valor comercial, tinham enorme utilidade
para disfarçar o sabor da carne, que era salgada, decorrente do processo de conservação. A
16
pimenta era um dos condimentos mais utilizados, uma vez que, as carnes nem sempre eram
bem armazenadas e conservadas e, por vezes, eram usadas para que seu sabor característico
camuflasse o gosto e cheiro de carne apodrecida (RAMOS, 2004).
Em 1492, com a descoberta da América, surgiram novas fontes de alimentação,
decorrentes da expansão do comércio internacional. Inglaterra, França e Portugal tornaram-se
poderosos e passaram a estabelecer o comércio, baseado na moeda e no crédito, substituindo o
antigo sistema de permuta medieval (ORNELLAS, 2001).
Posteriormente, a Reforma Protestante, revolução religiosa iniciada no começo do
século XVI, se constituiu de uma renovação moral e, por conseguinte, os hábitos alimentares
também sofreram com as ideias reformadoras, de modo que, passava a se pregar a moderação
(ORNELLAS, 2001).
A Itália, nessa época, tinha uma culinária que variava de acordo com a província.
Eram consumidos pratos de polenta, elaborados com carne de vaca ou caça, salsicha e queijo
combinados com massas e sopas, aves e vitela eram preparados à moda vianense, além de
pescados, presuntos de Parma e mortadela (ORNELLAS, 2001).
Já os ingleses possuíam notória preferência pela carne podendo se comprovar pela
citação do francês Constable, ao falar da batalha de Angicourt: “Deem-lhes grandes porções
de carne, ferro e aço, eles comerão como lobos e lutarão como demônios”. Na Inglaterra, era
apreciado ainda o preparo de aves de caça e, em especial, o lombo assado de vaca que foi
incluído na Ordem dos Cavalheiros do Rei Charles II (1960-1985) da Inglaterra. Foi naquele
tempo, século XVII que o sabor e odor desagradável da carne eram disfarçados com as
especiarias. Há ênfase também no método de conservação usado: a defumação (aplicada em
produtos populares na época, como bacon e bacalhau pequeno) (ORNELLAS, 2001).
Ornellas (2001) ainda discorre sobre o tempo em que o pagamento de aluguel podia
ser feito através de aves domésticas, mel, sal, etc., porém, quase não se usava vegetais. É
citado, também o hábito entre os italianos de se usar um pequeno garfo para espetar a carne,
sendo regra de boa educação. Na culinária inglesa sobressai a simplicidade e a sobriedade das
preparações básicas, sendo a carne assada sem tempero e os vegetais aferventados na água
com pouco sal.
2.5. CONTEMPORANEIDADE 17
A partir desse apanhado histórico e da reflexão aqui feita sobre o consumo da
carne através dos tempos, junto a diversas culturas, além dos valores destinados a carne, neste
tópico pretende-se abordar sobre consumo da carne nos dias atuais. Para isso, é preciso
destacar a relevância da influência das transformações globais decisivas para a modificação
dos padrões de alimentação da população. Um dos fatores que levaram a essas transformações
foram os períodos de guerra. Além de provocar carências e fomes, promoveu mudanças de
hábitos alimentares bem como o surgimento de novos tipos de alimentos para suprir as
necessidades dos soldados (CARNEIRO, 2003).
Fatores marcantes deste período foram a Primeira Revolução industrial, ocorrida
no final do século XVIII e a Segunda Revolução Industrial ocorrida na segunda metade do
século XIX. Estes marcos trouxeram consigo técnicas de conservação dos alimentos, e
consequentemente, facilitaram os modos de armazenamento e transporte dos alimentos assim
como a manipulação e processamento da carne de consumo. De tal forma, os alimentos
industrializados fizeram parte de mudanças nos hábitos alimentares. Alimentos comprados
prontos - ou praticamente prontos - para o consumo, como enlatados, congelados, pré-
cozidos, alimentos pré-temperados, molhos prontos, dentre outros, são exemplos de alimentos
inventados pela indústria, como afirma BLEIL (1998). Sob este contexto, a influência da
industrialização na alimentação se destacou com o surgimento do difundido “fast-food”2
(comida rápida), que representa também um novo modo de se consumir a carne na sociedade
atual.
O fast-food caracteriza-se principalmente, pela rapidez, como o próprio nome já diz.
Percebemos que “(...) este sistema buscou solucionar o problema das grandes cidades no que
se refere à alimentação no período de trabalho” (BLEIL, 1998, p.12). E na sociedade atual,
globalizada e industrializada, necessita-se de praticidade, não tendo muito tempo para se
dedicar a refeição, predominando, assim, a cultura do hambúrguer, da pizza e do frango frito,
que atendem a estas necessidades, sendo consumidos fora de casa, muitas vezes através de
Drive-in, onde se tem a comodidade de comprar e consumir a refeição sem precisar sair do
2 No final da década de 40, nos Estados Unidos da América, surgiram as redes “fast-food”, como criaram e denominaram os irmãos Richard e Maurice McDonald. Estas redes fundamentam-se na substituição de carboidratos complexos por carboidratos simples, na sua maioria são utilizados derivados do milho, e na expansão da dieta carnívora, no uso, por exemplo do hambúrguer, que é originário do bife tártaro de carne crua. Estas redes deram velocidade ao seu negócio, acabando com o atendimento personalizado onde clientes poderiam palpitar sobre o seu pedido. (BLEIL, 1998)
18
carro e sem sociabilizar com outras pessoas. Atualmente, observamos que o fast-food não só
diz respeito a refeições consumidas no McDonald’s, mas também a alimentos que sejam
preparados e consumidos de forma rápida como pizzas, batata frita, pastéis, sanduíches, entre
outros lanches rápidos. Além disso, esses alimentos são preparados segundo critérios de
facilidade e rapidez na sua utilização (BLEIL, 1998).
Desta maneira, na contemporaneidade, é possível constatar como a indústria, tendo
diferentes motivações, foi decisiva para as mudanças na alimentação dos dias atuais. A
industrialização da produção e distribuição dos alimentos é um exemplo deste contexto.
(CARNEIRO, 2003).
A comercialização da carne, atualmente, influenciada pela industrialização, foi
desenvolvida e ampliada. Desta forma, é possível se comercializar este alimento fresco,
resfriado, congelado, seco, inteiro, subdividido, maturado3, processado, condimentado
(SILVA e SILVA, 2010) e em embalagens fechadas a vácuos, por exemplo, sendo que, seus
diversos modos de ‘disposição’ a população, são determinados por cada um desses
procedimentos (nuggets de frango, hambúrguer, sardinha em lata, etc).
Dentro desta perspectiva, observa-se o modelo alimentar dos EUA. Estudos
comprovam que uma a cada três crianças americanas, comem algum tipo de fast-food, todos
os dias (POLLAN, 2006). A substituição do carboidrato complexo com os amidos, por
carboidrato simples, como açúcar e gorduras, além da expansão da dieta carnívora,
simbolizada pela expansão das redes de fast-food, são características deste novo modelo
alimentar de consumo da carne inclusive. Assim como houve benefícios, muitos malefícios
também surgiram, como a contaminação ambiental com embalagens, garrafas plásticas, o uso
de aditivos químicos, a padronização dos gostos alimentares, dentre outros (CARNEIRO,
2003).
De tal forma, destaca-se que, ao observar estas modificações sobre o consumo da
carne este apanhado histórico aqui feito, percebe-se como a cultura muda, se atualiza e junto
com ela, as mudanças na cultura alimentar contemporânea, se adaptam aos novos contextos
3 A maturação da carne consiste em um processo enzimático que, após o abate – onde há um enrijecimento/contração do músculo do animal -, busca-se manter a carne ‘fresca’ em uma temperatura superior ao ponto de congelamento (1,5º C), o que torna a carne mais macia, sendo que essa mudança na manipulação da carne que percute no seu valor econômico, repassado a população. Além disso, no contexto atual, vale lembrar também da importância econômica desse alimento. O estudo de Silva e Silva (2010) afirma que se o abate de bovinos for paralisado haverá uma interrupção direta de quarenta e nove dos diversos segmentos industriais derivados da carne.
19
desta vida. Em geral, nos dias atuais, observa-se que os alimentos são ingeridos de forma mais
rápida, ‘atendendo’ a nossas respectivas disponibilidades de tempo para dedicar a refeição.
Ao abordarmos a alimentação contemporânea, faz-se uma relação com o documentário
“Super Size-Me” (A Dieta do Palhaço). Neste documentário, o jornalista Spurlock4 mostra um
novo ‘gênero’ de alimento, e como afirma POLLAN (2006), neste novo contexto de cadeia
alimentar, as comidas e as carnes, são tão processadas que parecem ser puro produto cultural e
não natural (vindo de plantas e animais), como os nuggets de frango e os hambúrgueres, por
exemplo. Com o pouco tempo disponível para se alimentar, com os preços mais “em conta”,
além das diversas estratégias de propaganda, os alimentos fast-food – incluindo as novas
formas facilitadoras de ‘ofertarem/disponibilizarem’ a carne para consumo -, passam a ser
característica de destaque da alimentação contemporânea e industrializada.
Contudo, consequências negativas dessa industrialização começaram a ser
denunciadas. Vegetarianos, trouxeram reflexões relacionadas aos animais e as instabilidades
da sociedade industrial ecologicamente destruidora, onde 2/3 da produção de grãos da
agricultura mais produtiva do planeta é destinada ao gado, sendo que este se tornou
transmissor de doença como a ‘vaca louca’ na Europa, onde a ração deste gado era feito de
carcaça (tornando herbívoros em carnívoros) (CARNEIRO, 2003). Este gado vivenciava um
confinamento intenso além de ser submetido a dietas com hormônios e antibióticos. Como a
industrialização facilitou a produção para distribuição dessa carne, muitas pessoas foram
contaminadas.
SILVA E SILVA (2010) afirmam, que o ser humano que inicialmente era apenas
vegetariano aprendeu com os animais carnívoros a consumir essa proteína. Com a
manipulação do fogo, o homem modificou e ampliou a forma de consumi-la, além de
desenvolver técnicas de higiene e conservação. Desta maneira a carne tornou-se um elemento
4 Spurlock, no documentário citado, faz uma dieta a base de Mc Donald’s, durante 30 dias. Nesta experiência documentada, ele mostra como a adoção desse hábito, de se alimentar apenas de fast-food, afeta precisamente o
seu estado de saúde, contudo, são fortemente divulgados via publicidade, que grandes empresas de alimentos rápidos. Observamos também, como a proximidade e facilidade de acesso faz com que as pessoas consumam esse tipo de alimento. Lembramos assim, o antropólogo materialista utilitário Marvin Harris, citado por MONTANARI (2008), que faz uma consideração sobre as escolhas alimentares dos sujeitos, afirmando que estas são determinadas por um cálculo (mais ou menos consciente), onde se faz uma avaliação da relação: benefício prático e custos. Considera que os hábitos alimentares são determinados pela facilidade de encontrar o produto/alimento. Neste caso, o documentário mostra como nos EUA, é fato e caracteriza a cultura alimentar, por contar diversos fatores do contexto da sociedade contemporaneidade, como necessidade de se ganhar tempo para se desenvolver diversas atividades, diminuindo o tempo das refeições, e consequentemente, o tipo de refeição. E assim, o modo de se consumir a carne também muda.
20
de destaque dentro da dieta do ser humano estruturando assim, uma cadeia produtiva de
criação, abate e comercialização.
Desta maneira, fica nítido como a carne tem, e de certa forma, sempre terá um papel
importante na alimentação das pessoas seja pelos aspectos nutricionais, econômicos, culturais,
religiosos, pelo simples prazer que as pessoas têm de saboreá-la, ou até mesmo, pela escolha
da não inclusão desta e de seus derivados na alimentação. Dando continuidade a estas
questões, veremos a seguir em algumas considerações e curiosidade sobre o consumo – e o
não consumo – da carne.
3. CURIOSIDADES SOBRE O CONSUMO DA CARNE
3.1. ALIMENTAÇÃO VEGANA
21
Ao observar o fato do ser humano poder diversificar intensamente sua alimentação,
tendo hábitos alimentares consideravelmente diferenciados, destacamos como a carne, que
pode ser considerada uma iguaria para muitos povos, ao mesmo tempo, pode ser motivo de
exclusão na dieta alimentar de outros grupos, tendo esta prática diversos motivos, valores e
significados culturalmente construídos. Observamos, também, como os critérios de inclusão
de determinados alimentos variam com o tempo e espaço. Destaca-se, assim, o modo como
MONTANARI (2008) observa o caráter de o gosto alimentar como um produto cultural e
social, onde o cérebro, e não a língua é o ‘órgão do gosto’, sendo este culturalmente e
socialmente constituído a partir de critérios de valorização distintos. Desse modo, é
importante perceber como o alimento – ou melhor, a carne, que está sendo aqui trabalhada –
pode ser vista como um instrumento de distinção entre grupos. Sob esta perspectiva, destaca-
se como curiosidade um desses grupos neste trabalho, por ser observado a importância de se
conhecer alguns aspectos e extremos no consumo e do não consumo da carne e seus
derivados, que é o caso dos veganos, além dos seus princípios e valores.
O grupo que adota a alimentação vegana, corresponde a uma das vertentes da
alimentação vegetariana, que pode ser escolhida/optada, principalmente, por razões éticas, de
saúde, econômicas e/ou religiosas. Estudos explicam que alimentação vegetariana pode ser,
basicamente, subdividida em tipos como: ovo-lacto vegetarianos, lacto vegetarianos, ovo
vegetarianos e os veganos. Os ovo-lacto vegetarianos, são aqueles que não comem nenhum
tipo de carne - vermelha ou branca -, mas consomem ovos, leites, dentre outros derivados da
carne, além dos alimentos de origem vegetal; os lacto vegetarianos, consomem leites,
produtos lácteos e alimentos de origem vegetal, contudo, excluem o consumo de ovos e
carnes de sua alimentação e os ovo vegetarianos excluem as carnes, leites e derivados de sua
alimentação, porém, incluem ovos e alimentos de origem vegetal. Já o grupo dos veganos,
corresponde a uma subclassificação mais extrema. Estes não consomem nenhum tipo de carne
e nenhum tipo de derivado animal, apenas alimentos originados do meio vegetal. Alguns
autores tratam que em 1944, na Inglaterra, fundou-se a primeira sociedade vegan, sendo este
termo utilizado para se distinguir dos vegetarianos, que se alimentam, de alguma forma, de
derivados de animal5.
Ainda sobre a sociedade Britânica vegana, pode-se ressaltar a afirmação dos mesmos
sobre essa dieta alimentar: "É uma forma de vida que exclui todas as formas de exploração e
5 Ver mais em: < http://www.vidavegetariana.com/vegetarianismo/filosofia.htm>.22
crueldade contra o reino animal. Inclui o respeito por todas as formas de vida. Isto se aplica
no uso da prática de viver somente de produtos derivados do mundo vegetal".
Desta forma, a prática vegan vai além da dieta alimentar, constituindo uma filosofia de
vida. Os que aderem a essa prática não utilizam produtos derivados de animais como: lã,
couro, peles, roupas, móveis, artesanatos, sabões ou cosméticos que contenha produtos de
origem animal, travesseiro de penas etc. Estes também não pescam, não caçam, não aprovam
o confinamento de animais nos circos, zoológicos, rodeios e/ou touradas. Atenta-se, também,
ao fato dos vegans não se submeterem a vacinação ou soro desenvolvido de animais, ou
drogas que foram testadas cruelmente em animais6.
Abordando razões de saúde para adoção desta dieta, Vegana (2008), retrata que dietas
que incluem comidas de origem animal e derivados possuem efeitos colaterais, aumentando o
risco/probabilidade de ter prejuízos à saúde do indivíduo e do ambiente. Além da devastação
ambiental, causado pela cultivação exagerada e despreocupada com o meio ambiente, a autora
afirma que a carne e seus derivados são alimentos vindos da dor, banhados de substâncias do
estresse (catecolamina7) por conta do abate de da exploração do animal. Assim, ao se ingerir
este tipo de alimento, o ser humano, além de acidificar o sangue, está ingerindo também,
substâncias que são tóxicas e trazem prejuízos a saúde, desgastando o metabolismo do ser
humano. A autora afirma ainda que a carne interfere negativamente na produção de
substâncias que participam do funcionamento cerebral (neurotransmissores).
Portanto, pode-se observar que os grupos dos vegans não constituem uma religião.
Contudo, é importante ressaltar que o consumo e o não consumo da carne, em diferentes
contextos como em religiões, pode estar relacionado a crenças, dentre outras questões, como
se pode ver a seguir.
3.2. RELIGIÕES
Sabemos que os hábitos, costumes e predileções alimentares não são somente frutos da
subjetividade, da identidade individual. Ao contrário disso, ela sofre influência de diversos
fatores, como as vivências pessoais que são adquiridas ao longo dos anos, estando essas
6 Ver mais em: < http://www.vidavegetariana.com/vegetarianismo/filosofia.htm>.
7 Exemplos da catecolamina: adrenalina, noradrenalina e dopamina.23
relacionadas à cultura, a condição social, como também as experiências repassadas pela
família e ainda, sofre a influência das doutrinas religiosas (LIMA et al, 2009).
Não obstante, segundo Carneiro (2003, p.119)As regras alimentares servem como rituais instauradores de disciplinas, de técnicas de autocontrole que vigiam a mais insidiosa, diuturna e permanente tentação. Domá-la é domar a si mesmo, daí a importância da técnica religiosa dos jejuns, cujo resultado também permite a obtenção de estados de consciência alterada propícios ao êxtase. As regras disciplinares sobre alimentação podem ser anti-hedonistas, evitando o prazer produzido pelo alimento tornando-o o mais insípido possível, ou podem ser pragmáticas, ao evitar alimentos que sejam demasiadamente ‘quentes’ ou ‘passionais’. Os herbários medievais identificavam em diversos alimentos, tais como as cenouras ou alcachofras, fontes de excitação sexual. As regras budistas eliminam até mesmo a cebola, a cebolinha e o alho, por considerarem que essas inflamam as paixões.
Por esse motivo, o consumo de alimentos também tem a sua simbologia no sagrado. É
possível perceber que em algumas civilizações, o alimento é tido como um dos primeiros
deuses ou tem um deus tutelar, exemplo disso se encontra no México, onde os cogumelos
alucinógenos, do gênero Psilocybe, são sagrados e chamados de “carne de deus”. O
cristianismo se utiliza na sua liturgia do pão e do vinho como simbologia ao corpo e sangue
de Jesus Cristo, sendo assim, a alimentação, muitas vezes, um fator de distinção entre as
religiões dos povos (CARNEIRO, 2003).
Atualmente, as principais religiões e livros sagrados assimilaram os costumes e
crenças dos povos antigos, principalmente com relação ao preparo e consumo da carne. Em
algumas sociedades, tais hábitos se concretizaram como verdadeiros preceitos alimentares.
Nesse sentido, destacaremos algumas religiões que ainda utilizam o sacrifício de animais, que
proíbem o consumo da carne, como também, abordaremos sobre a restrição desse alimento
em jejuns e determinadas datas.
Na sociedade ocidental o sacrifício de animais é vista como um ato cruel, uma prática
de feitiçaria e por isso, condenada. No entanto, aqueles que “demonizam” o sacrifício de
animais em seitas religiosas esquecem de que muitas vezes o sofrimento sentido pelo animal
pode ser igual ou similar a sofrida nos abatedouros, para o nosso consumo diário. Além disso,
pelo seu preconceito, muitos desconsideram que todas as religiões, ao longo do seu período
histórico, praticaram sacrifícios animais, ou ainda, humanos. Justamente por esse motivo, tais
práticas não devem ser inferiorizadas ou discriminadas, mas devem ser respeitadas e
entendidas como fruto de um processo de construção social que é importante na identidade
cultural de cada sociedade.
24
Segundo Greif (2007) o sacrifício é tido como uma “ prática de oferecer alimento, ou a
vida de animais ou pessoas, às divindades, como forma de culto”. O termo também pode estar
relacionado a “aproximação”, uma vez que o devoto estabelece uma ligação com o seu Deus,
por meio dessa prática.
Dentre as religiões que ainda praticam o sacrifício, destacam-se as de origem islâmica
e africanas. No Islã o sacrifício dos animais (camelo, cabrito, carneiros, ovelha, dentre outros)
devem seguir os preceitos de Surata Al-Hajj8. No livro do Al-Corão, explica-se que a
importância do sacrifício para Deus não está na carne ou no sangue do animal, mas sim na fé
e devoção de quem o pratica. O sacrifício deve seguir um ritual especifico, sendo precedido
de orações, onde deve-se cortar a jugular e ,posteriormente, drenar o sangue. Além disso,
para a carne ser considerada própria ao consumo, o animal não pode ser abatido por
marretadas, eletrochoques ou ainda ser perfurado. A carne proveniente do sacrifício é
partilhada, sendo que uma parte é destinada a família, outra aos amigos e ainda, um terço aos
pobres (GRIF, 2007).
Aqui no Brasil, as práticas sacrificiais provenientes das religiões de origem africana,
da América do Sul e do Caribe permaneceram, desde o período colonial. O candomblé é uma
delas, onde o sacrifício é realizado pelo Babalorixá ou Yalorixá, juntamente com Axogun,
considerado o “mão-de-faca” (sua presença é fundamental para aceitação por parte do Órixa
do sacrifício9). O rito é iniciado com um sacrifício, geralmente de uma galinha, que é
oferecido, primeiramente, a Exu (considerado o orixá da comunicação). Após, é concedida a
oferenda ao Orixá que o devoto quer contatar, sendo que para este, sempre é oferecido um
animal quadrúpede (devendo ser respeitado o animal correspondente para cada Orixá)
(GREIF, 2009).
Assim como nas religiões islâmicas, após o animal ser abatido e oferecido, é
posteriormente consumido pelos praticantes do ritual. Além disso, quase todo o animal é
aproveitado no candomblé, sendo que até o couro é utilizado para confecção de instrumentos
de sons. Nessa religião, o sangue é uma energia vital, e, associado às vísceras dos animais,
produz o axé (essa energia elementar) (GREIF, 2009).
8 Corresponde a um capítulo do Al-Corão que trata da peregrinação a Mecca
9 Ver mais em: <http://ocandomble.wordpress.com/2008/05/28/sacrificio/>25
Não podemos deixar de citar, também, aquelas religiões nas quais o consumo da carne,
ou da carne de um determinado animal, é proibido. No budismo, por exemplo, religião oficial
do Japão, durante 10 séculos não era admitido maus tratos aos animais e por isso, os budistas
são vegetarianos. Os monges são ensinados a amar e respeitar qualquer forma e espécie
animal, sendo até considerado um pecado beber água onde estivessem presentes larvas, pois
estas também possuem vida. Somente após o século XVI que a carne foi sendo aos poucos
introduzida na alimentação dos japoneses (COSTA, 2011).
No Hinduísmo, não se admite o consumo da carne de vaca (que é consagrada a Siva) e
da serpente (consagrada a Vishnu). A primeira é considera por essa religião como um símbolo
de riqueza e, por isso, são intocáveis. A vaca também é venerada porque os camponeses
conviviam com as vacas, consideradas dóceis e amorosas com a prole. Esses animais
forneciam além do leite, o esterco “importante combustível e insubstituível fertilizante na
época”. Esse animal é tão importante para a religião que no Vedas é escrito em um dos seus
trechos que “a vaca é minha mãe e o touro é meu senhor” (COSTA, 2011). Complementando,
Beltrame e Morando 2008 afirmam que os hindus não consomem carnes de animais por
acreditarem que animais mortos são como os cadáveres de um humano morto e que ao
consumir essa carne ingerirá todos os rancores, angústias, sentimentos ruins que o animal
sentiu na hora do abate.
Os Judeus, antigamente eram proibidos de comer animais híbridos, como moluscos,
anfíbios, peixes com pele, animais carnívoros, etc., porém com o Novo Testamento passou-se
a aceitar toda forma de alimentação, exceto o sangue, e houve a sacralidade do pão, vinho e
óleo (CARNEIRO, 2003). Dentre as leis Judaicas, observa-se também a proibição de se
causar dor em qualquer ser vivo, assim como no Islamismo, que pregam o respeito aos
animais como criaturas divinas.
Nas religiões Islâmica e Judaica há a proibição do consumo do porco. Segundo o
cap.11 do Levitico, da Bíblia, o consumo do suíno é vetado pois “apesar de ter o casco
fendido, partido em duas unhas, não rumina”, como o boi, por exemplo. Observa-se que esse
hábito os protegeu de se contaminarem com a Trichinella spiralis transmitida pelo porco10.
No cristianismo não há restrição alimentar, com exceção da ‘Semana Santa’, onde os
fiéis não devem consumir carne como forma de penitência e conversão. No Budismo, o jejum
10 Ver mais em: http://stravaganzastravaganza.blogspot.com.br/2011/02/alimentacao-carne-e-as-religioes.html26
é uma prática comum, seus adeptos não devem consumir nenhum tipo de carne no dia da
oração.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando todo o processo histórico envolvido no consumo da carne podemos
perceber que existem diversos fatores que fizeram com que esse insumo se tornasse tão
presente no nosso cotidiano. Além do fator biológico, pela necessidade de extração de
27
proteínas, observamos características culturais ocorridas ao longo dos anos que se
expressaram nos hábitos alimentares da atualidade.
Como alguns estudos afirmam, constatamos também com este trabalho que a comida é
uma maneira de comunicação, onde o ser humano manifesta de certa forma, sua visão de
mundo. A escolha do que comer demonstra, muitas vezes, a que grupo social, étnico ou
cultural, se pertence (como os vegans aqui tratados). Portanto, ressaltamos que a alimentação
participa, de forma relevante, da cultura de diferentes grupos.
Nesse contexto, foi de importante percepção a maneira como a presença da carne foi
concebida em diferentes momentos, acompanhando mudanças socioculturais existentes,
igualmente se revelando reflexo dos costumes, tradições de um povo. Isso porque, não é
possível falar de um alimento, assim como falar da carne, sem levar em consideração os
povos e as culturas nas quais ela estava imersa. Além disso, na cultura dos povos, percebemos
o quanto a religião influencia no consumo ou não da carne.
Não obstante a carne também acompanhou o desenvolvimento humano, como se pôde
perceber através da pré-história em que à medida que o homem foi se desenvolvendo, criando
e recriando maneiras de se estabelecer, e principalmente de sobreviver, a carne esteve
presente, sendo um alimento que se desenvolveu através da descoberta do fogo e de seu
aprimoramento. Na antiguidade a carne tinha grande força simbólica, com suas práticas
sacrificais e seu consumo problemático, com a ascensão do cristianismo essa prática acaba
sendo abolida e seu consumo passa a assumir uma nova importância na dieta alimentar e, a
partir de então, passou a caracterizar uma especificidade da culinária, de modo que esta se
constitui, de acordo com suas particularidades, a depender da sociedade, da época e do local.
Sua presença também esteve nos retrocessos da humanidade, como na Idade Média
com as grandes doenças que devastaram sociedades, mas resurgiu não só com prestigio, mas
também como marcador social, ao evidenciar diferenças na posição aristocratas e
camponesas.
Na atualidade a carne tem se moldado às novas invenções, ao estilo de vida que requer
a cada dia mais flexibilidade e rapidez. Percebe-se, então, que se tornou um insumo fixo no
prato não só dos brasileiros, mas a nível mundial, adotando novas características, novos
gostos, sabores e se reinventando, em muitos casos, tornando-se até artigo de luxo nos
principais pratos de quem a consome e a aprecia. Porém, pode-se constatar que o processo de
industrialização, que engloba a carne como alimento e a modifica de acordo com as
28
necessidades do mercado, exerceu forte influência nos hábitos alimentares envolvendo a
carne. Com isso, pode se perceber o quanto a carne vem acompanhando as mudanças
socioculturais e, por conseguinte, econômicas da sociedade atual, de modo que se adaptou aos
novos costumes alimentares.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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29
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CANDOMBLÉ, O mundo dos Orixás. Publicado em maio de 2008. Disponível no site: http://ocandomble.wordpress.com/2008/05/28/sacrificio/> Acesso em: 28 de junho de 2012.
LIMA, Maria de Fátima EM; LIMA-FILHO, Dario O. Prática Alimentar e as Religiões: Comportamento Funcionalista versus Hedônico. Espacios. Espacios. Vol. 30 (4) 2009. Pág. 6.
MEZOMO, Iracema F. e Barros. Os serviços de alimentação: planejamento e administração. 1ª ed. Editora Manole Ltda. SP.
MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. São Paulo: editora SENAC São Paulo, 2008. 207 p.
NUTRIÇÃO e alimentos. Disponível em: <http://www.vegetarianos.com.br/alimentos.html>. Acesso em: 20/05/2012
ORNELLAS, Lieselotte Hoeschi. A alimentação através dos tempos. 2ª Ed. – Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2000. 307p.: Il.
POLLAN, Michael. A refeição fast-food. Em: O dilema do onívoro. Editora Intrínseca. 2006.
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30
FLANDRIN, Jean-Louis e MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 2002 p. 121-123.
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SILVA, Ezequiel; SILVA, Weverton. O histórico do consumo de carne e suas preparações [Monografia]. Universidade Estadual de Goiás. Caldas Novas -Goiás. 2010. Disponível em: <http://www.cdn.ueg.br/arquivos/caldas_novas/conteudoN/530/monografia-carnes.pdf>. Acesso em: 20/05/2012.
SPURLOCK, Morgan. Super Size Me – A dieta do palhaço. EUA. 2004. [Documentário – Vídeo] 98min. Color. Son.
VEGANA, Anja. Remédio gostoso. Salvador: Vento Leste, 2008. 244 p.: Il.
VIDA vegetariana. Vegetarianismo. Disponível em: <http://www.vidavegetariana.com/vegetarianismo/quadro.htm>. Acesso em: 20/05/2012
a) GRUPO Escolar. Disponível em: http://www.grupoescolar.com/pesquisa/historia-da-conservacao-dos-alimentos.html. Acesso em 15/06/2012.
b) GRUPO Escolar. Capitalismo. Disponível em: http://www.grupoescolar.com/pesquisa/capitalismo.html. Acesso em: 20/06/2012.
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COSTA, Leopoldo. A ALIMENTAÇÃO, A CARNE E AS RELIGIÕES. Disponível em: http://stravaganzastravaganza.blogspot.com.br/2011/02/alimentacao-carne-e-as-religioes.html. Acesso em: 19/06/2012
6. APÊNDICES
6.1 Relatório e cronograma das atividades da equipe
ATIVIDADES Carine Jamille Juscilene
Maria
Maria da
Conceição
Natália Ronali
Iris
31
Construção dos resumos dos
conteúdos a serem trabalhadosX X X X X X
Entrega dos resumos na data
combinada (06/05)X X X X Entregue
na data
29/05
X
Participação na construção da
atividade: Justificativa,
Bibliografia e Histórico (16/05)
X X X X X X
Presença na apresentação da
prévia do trabalho apresentado
em sala (16/05)
X X X X X X
Construção e envio dos tópicos
dos conteúdos a serem
apresentados
(compartilhados entre o grupo
na data previamente
combinada)
X Enviado
posterior a
data por
conta da
greve dos
rodoviário
s,
ocasionan
do
fechament
o da
biblioteca.
X Enviado
posterior a
data por
motivo de
luto.
Enviado
posterior a
data por
conta da
greve dos
rodoviário
s,
ocasionan
do
fechament
o da
biblioteca.
X
Construção dos Slides
(envio dos tópicos)X X X X X X
REUNIÕES Carine Jamille Juscilene
Maria
Maria da
Conceição
Natália Ronali
Iris
Reunião para divisão dos textos
da construção do histórico do
tema (25/04)
X X X X X X
32
Reunião para preenchimento
parcial do relatório das
atividades realizadas (23/05)
X X X X X X
Reunião para desenvolvimento
do trabalho escrito (30/05)X X X X X X
Reunião para modificação do
trabalho escrito e inicio da
construção dos slides
(18/06)
X X X X X X
Reunião para finalização do
trabalho escrito e finalização
dos slides (11/07)
X X Ausência
por motivos
pessoais –
Única
responsável
pela
residência
em reforma.
X X X
Reunião para organizar o
material da apresentação
(19/09)
X X X X X X
6.2 Slides da apresentação
33