CONTATO LINGUÍSTICO TIKUNA -PORTUGUÊS NO ALTO …
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
CONTATO LINGUÍSTICO TIKUNA -PORTUGUÊS NO ALTO SOLIMÕES-AMAZONAS:
UM ESTUDO SOBRE A VARIEDADE DE PORTUGUÊS FALADA POR PROFESSORES
TIKUNA
Ligiane Pessoa dos Santos Bonifácio
Rio de Janeiro
2019
Universidade Federal do Rio de Janeiro
CONTATO LINGUÍSTICO TIKUNA-PORTUGUÊS NO ALTO SOLIMÕES-AMAZONAS:
UM ESTUDO SOBRE A VARIEDADE DE PORTUGUÊS FALADA POR PROFESSORES
TIKUNA
Ligiane Pessoa dos Santos Bonifácio
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Linguística da Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Doutora em Linguística.
Orientadora: Profª. Dra. Marília Lopes da Costa Facó Soares
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2019
CIP - Catalogação na Publicação
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidospelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.
B715cBonifácio, Ligiane Pessoa dos Santos Contato linguístico Tikuna -Português no AltoSolimões-Amazonas: um estudo sobre a variedade deportuguês falada por professores Tikuna / LigianePessoa dos Santos Bonifácio. -- Rio de Janeiro,2019. 268 f.
Orientadora: Marília Lopes da Costa Facó Soares . Tese (doutorado) - Universidade Federal do Riode Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de PósGraduação em Linguística, 2019.
1. Contato Linguístico. 2. Sociolinguística. 3.Aquisição de Segunda Língua. 4. Português Tikuna . 5.Variação. I. Soares , Marília Lopes da Costa Facó ,orient. II. Título.
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, por serem exatamente como eu
preciso que sejam para me ajudarem a trilhar
meu caminho evolutivo;
Ao meu marido, por ser meu melhor amigo e
por ser o primeiro a torcer por mim e a ficar
feliz com as minhas conquistas;
Ao povo Magüta (Tikuna), especialmente, aos
professores Tikuna, por serem incansáveis na
busca pela formação e pela construção de uma
escola que atenda aos seus anseios, dentre os
quais está o de preservação de seus costumes e
de sua língua nativa.
Não sou muito... muito bem aceito na fala,
porque tem essa língua que ainda não é cem
por cento, né? Então, eu sei que a
discriminação existe. (L.J.F., professor Tikuna)
AGRADECIMENTOS
Considero a gratidão um dos atos mais nobres que o ser humano pode demonstrar ao
outro, como forma de reconhecer que sem a ajuda recebida, o caminho na jornada terrena seria
mais árduo; por isso, com sentimento de profunda gratidão, agradeço às pessoas que me
ajudaram a trilhar essa parte da minha jornada e às instituições que tornaram possível esse
caminhar.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM, por ter me
concedido apoio financeiro para a realização do estudo durante o curso de doutorado.
À Universidade Federal do Amazonas - UFAM, por ter autorizado o meu afastamento
das atividades que eu exercia no âmbito da instituição para que eu pudesse cursar o doutorado.
À minha orientadora, Marília Facó Soares, por ter me ensinado que fazer pesquisa
junto aos indígenas é, antes de tudo, estar junto deles, ouvi-los, conhecer suas histórias, partilhar
suas dores e alegrias e, a partir disso, registrar, analisar e dar voz àquilo que dizem. Agradeço,
ainda, pela amizade construída nessa empreitada, pelas nossas viagens no Rio Solimões rumo
a São Paulo de Olivença e as nossas idas à aldeia Filadélfia. Agradeço, enfim, por tudo que
compartilhamos e ao seu empenho no estudo da língua Tikuna, que me possibilitou fazer as
análises necessárias nesta pesquisa.
Às professoras Beatriz Christino e Christina Gomes, pelas questões, sugestões e
comentários suscitados por ocasião do exame de qualificação. Agradeço, em especial, à
professora Beatriz Chirstino, por ter me apresentado, durante as aulas da disciplina Interface II,
textos sobre a variedade de português falada e escrita por indígenas, fato que me fez, na metade
do curso, querer investigar a variedade de português Tikuna. E à professora Christina Gomes,
por ter se disposto a me atender após o exame de qualificação e ter me feito outras questões que
me possibilitaram direcionar algumas de minhas análises.
Às professoras Maria Cecília de Magalhães Mollica, Jaqueline dos Santos Peixoto e
aos professores Carlos Alexandre Victorio Gonçalves e Gean Nunes Damulakis, pela leitura
atenta e cuidadosa do texto da tese que foi submetido à defesa, pelas sugestões valorosas que
fizeram e espero ter contemplado nesta versão do texto.
A Lourdes Cristina Araújo Coimbra, bibliotecária que atua junto ao Centro de
Documentação de Línguas Indígenas (CELIN)/Setor de Linguística/Museu Nacional/UFRJ,
por toda ajuda com o acervo de textos relacionados à língua e ao povo Tikuna.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ, pelo tanto
que ensinaram e me desafiaram a superar a mim mesma. Estendo os agradecimentos aos colegas
e amigos do curso. De uma forma especial, agradeço às amigas Alzira Davel, Caroline Soares,
Celeste Ribeiro, Monique Santos, Poliana Calazans, Wirla Rodrigues e ao amigo Shelton de
Souza, por terem sido os melhores companheiros que eu poderia ter nesse percurso, pela
amizade que construímos, pela parceria, pelas palavras de incentivo e pelo bem querer mútuo.
Aos professores Tikuna que participaram da pesquisa, por terem compartilhado suas
histórias; a alguns deles, por terem aberto as portas de suas casas e permitido que eu fosse além
de uma professora e pesquisadora, mas que compartilhasse um pouco de suas vivências.
Ao meu marido, Luciano Bonifácio, por ter trazido leveza à minha vida há dez anos e,
ao longo desse doutorado, não ter poupado esforços para que eu ficasse bem, mesmo estando
ausente. Por nunca querer cortar minhas asas, mas impulsionar os meus voos; por todo amor,
que se manifesta na forma de zelo, presença mesmo na ausência, companheirismo,
cumplicidade e compreensão. Eu nunca conseguirei agradecê-lo o suficiente pelo tanto que faz
por mim.
À minha mãe, Juraci Pessoa, pelas orações em meu favor, por dedicar a mim tanto
amor, atenção e cuidado sempre. Pelo exemplo de mulher forte e aguerrida, que me estimulou
a sempre lutar para tornar realidade os meus sonhos.
Ao meu pai, Cileno Alves do Santos, por se preocupar com o meu bem-estar, por ter
me proporcionado todas as condições para o deslocamento e suprimentos em São Paulo de
Olivença e nas aldeias de Bom Jardim do Passé e Vendaval. Estendo também o agradecimento
à minha tia Zoraneide dos Santos, por sempre me receber de coração e braços abertos em São
Paulo de Olivença.
À minha irmã, Nígia Pessoa, pelo incentivo constante e ao meu sobrinho, Filipe
Pessoa, por ser luz e alegria na minha vida.
Aos meus amigos mais recentes e aos de longa data, por se preocuparem com meu
equilíbrio emocional, pelas orações e pelas palavras de estímulo. Em especial, ao Matthews
Cirne, que me acompanhou durante todo o percurso.
A Deus, por ter me concedido a oportunidade de reencarnar e, aqui na Terra, buscar
evoluir; por estar comigo em todos os momentos e por me sustentar naqueles em que minhas
forças estavam se esvaindo. À espiritualidade amiga, pelo cuidado e proteção.
RESUMO
Esta tese apresenta resultados de uma pesquisa, por meio da qual objetivou-se registrar, analisar
e caracterizar a variedade de português de contato falada por professores da educação básica,
pertencentes à etnia Tikuna, moradores de comunidades do município de São Paulo de
Olivença, na mesorregião do Alto Rio Solimões, no Amazonas. Por meio do registro, da análise
e da caracterização do Português Tikuna, buscou-se, também, identificar o estágio aquisitivo e
os graus de fluência desses professores no que diz respeito ao português falado por eles como
segunda língua. Para alcançar os objetivos, foram analisados dados de fala de vinte e três (23)
professores da educação básica. Dezenove (19) deles estão em processo de formação
universitária, cursando Pedagogia Intercultural Indígena na Universidade do Estado do
Amazonas, três (3) são professores da educação básica que se tornaram estudantes de pós-
graduação e um (01) é professor da educação básica da comunidade de Vendaval, graduado
pelo programa do Terceiro Grau Indígena da Organização Geral dos Professores Tikuna
Bilíngues – OGPTB. Na análise, partimos da seleção de fenômenos linguísticos que englobam
aspectos fonético-fonológicos e morfossintáticos dessa variedade, investigando possíveis
condicionamentos das variações em jogo, tais como: a) presença de traços particulares
relacionados a mecanismos de transferência da L1 para L2 nesse processo de aquisição da
segunda língua, b) replicação de condicionamentos conforme os falantes nativos do Português
Brasileiro, c) apresentação de alguma semelhança com outras variedades de português indígena
do Brasil. Adotamos, como basilares para a fundamentação teórica de nossa pesquisa, os
pressupostos do Contato Linguístico e da Sociolinguística, a partir de trabalhos como o de
Weinreich (1953), Thomason e Kaufman (1988), Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]),
Winford (2003), Thomason (2001), Matras (1998, 2009), dentre outros, por nos possibilitarem
analisar efeitos do contato linguístico na variedade de português falada pelos professores
Tikuna que elencam nosso estudo, principalmente no que se refere à aquisição de segunda
língua, ao bilinguismo e à variação. De forma mais específica, em nossa análise, com relação à
investigação sobre identidade e usos linguísticos relacionados ao contato, lançamos mão de
autores cujos trabalhos contêm discussões que, podendo ser levadas a cenários com encontros
de culturas e/ou de línguas, são proveitosos para a nossa investigação, como, por exemplo, além
dos já citados anteriormente, Fishman (1967,1975), Labov (2008 [1972b]), Tabouret-Keller
(1998), Appel & Muysken (2005), entre outros. Naquilo que envolve especificamente a língua
Tikuna no quadro do presente estudo, recorremos a trabalhos voltados para a análise dessa
língua tal como é falada no Brasil: Soares (1984, 1986, 1991, 1992a, 1992b, 1994, 1995, 1997,
2000a, 2000b, 2005a, 2005b, 2017). Já no que diz respeito aos temas da identidade e do uso
linguístico, acrescidos das questões relativas à variação existente no português brasileiro,
especificamente nas variedades faladas por indígenas, valemo-nos de estudos como os de:
Emmerich (1984), Mollica (1997), Paiva (1997), Christino & Lima e Silva (2012), Amado
(2015), Braggio (2015), entre outros. Assim sendo, ao lado do método etnográfico, seguimos
procedimentos adotados em pesquisas sociolinguísticas, com especial atenção à
representatividade da amostra, à identificação e ao agrupamento de fatores sociais que
caracterizam os participantes e se relacionam a fenômenos linguísticos por eles manifestos. Os
resultados apontam que o contato com falantes nativos de PB tem culminado em uma variedade
do Português Tikuna que, dentre outros fatores, apresenta: 1. transferência da L1 nos níveis
estudados; 2. replicação de condicionamentos conforme falantes nativos do PB ; 3. semelhança
com outras variedades indígenas de PB. Os dados que evidenciam a presença de elementos
particulares da língua Tikuna na variedade de português usada por esses professores constituem
um elemento significativo na caracterização do Português Tikuna. Cabe, ainda, dizer que os
fatores socioculturais, relacionados à dinâmica do contato linguístico, à identidade e aos usos
linguísticos repercutem na variedade do português falado pelo grupo investigado e determinam
o continuum linguístico que se estabeleceu a partir dos diferentes estágios e fluências dos
professores participantes de nosso estudo.
Palavras-chave: Contato Linguístico; Sociolinguística; Aquisição de Segunda Língua;
Português Tikuna; Variação.
ABSTRACT
This doctoral thesis presents the results of a research, that aimed to record, analyze and
differentiate the Portuguese variety of contact spoken by teachers from elementary education,
belonging to Tikuna ethnicity, residents of certain areas in the city of São Paulo de Olivença,
in the mesoregion of Alto Rio Solimões, in Amazonas state. Through the registration, analysis
and characterization of Tikuna Portuguese, it was also searched to identify the acquisition stage
and the degrees of fluency of Portuguese spoken language as a second language by these
teachers. To reach the objectives, it was analyzed speech data from of twenty-three (23) teachers
from elementary education. Nineteen (19) of them are in process of university undergraduation,
attending Indigenous Intercultural Pedagogy at the State University of Amazonas; three (3) are
teachers from elementary education who have become Phd students; and one (1) is a teacher of
elementary education of the community of Vendaval who has a degree from the Third
Indigenous Degree of the General Organization of Professors Tikuna Bilinguals – OGPTB. In
the analysis, we start with the selection of linguistic phenomena that encompass phonological-
phonological and morphosyntactic aspects of this variety, investigating whether these speakers:
a) present specific features related to the transfer mechanisms of L1 to L2 in this process of
acquisition of the second language, b) replicate conditioning according to the native speakers
of Brazilian Portuguese, c) present some similarity with other varieties of indigenous
Portuguese in Brazil. We adopted, as basis for the theoretical assumption of our research, the
assumptions of Language contact and Sociolinguistic, based on works such as as Weinreich
(1953), Thomason and Kaufman (1988), Weinreich, Labov and Herzog (2006 [1968]), Winford
(2003), Thomason (2001), Matras (1998, 2009), among others, for enabling us to analyze the
effects of the language contact in the variety of Portuguese spoken by the Tikuna teachers that
list our study, mainly regarding the acquisition of second language, bilingualism and variation.
More specifically, in our analysis, in relation to research on identity and linguistic uses related
to contact, we use authors, whose works contain discussions, that can be taken to scenarios with
cultural and / or language encounters that are useful for our investigation, as, for example, in
addition to those already mentioned above, Fishman (1967,1975), Labov (2008 [1972b]),
Tabouret-Keller (1998),Appel & Muysken (2005), among others. In what specifically involves
the Tikuna language in the present study, we turn to studies aimed at the analysis of this
language as it is spoken in Brazil: Soares (1984, 1986, 1991, 1992a, 1992b, 1994, 1995, 1997,
2000a, 2000b, 2005a, 2005b, 2017). Regarding the themes of identity and linguistic use, plus
questions related to the variation in Brazilian Portuguese, specifically in the varieties spoken
by indigenous people, we use studies such as Emmerich (1984), Mollica (1997), Paiva (1997),
Christino & Lima e Silva (2012), Amado (2015), Braggio (2015), among others. Thus, along
with the ethnographic method, we follow procedures adopted in sociolinguistic research, with
special attention to the representativeness of the sample, to the identification and grouping of
social factors that characterize the participants and are related to linguistic phenomena that they
manifest. The results indicate that the contact with native speakers of PB has culminated in a
variety of indigenous Portuguese Tikuna that, among other factors, presents: 1. L1 transfer in
the studied levels; 2. replication of PB native speaker conditioning; 3. similarity with other
indigenous PB varieties. The data that evidence the presence of specific elements of the Tikuna
language in the variety of Portuguese used by these teachers constitute a significant element in
the characterization of Tikuna Portuguese. It should also be said that sociocultural factors,
related to the dynamics of language contact, identity and linguistic uses, have repercussions on
the variety of spoken Portuguese by the investigated group and determine the linguistic
continuum that was established from the different stages and fluences of the teachers
participating in our study.
Keywords: Language Contact; Sociolinguistic; Second Language Acquisition; Indigenous
Portuguese Tikuna; Variation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 20
CAPÍTULO 1 - O POVO TIKUNA ................................................................................ 28
1.1 ASPECTOS HISTÓRICO-SOCIAIS ...................................................................................... 29
1.2 IDENTIFICAÇÃO CLÂNICA DOS PARTICIPANTES ....................................................... 34
1.3 CONTATO PORTUGUÊS-TIKUNA NO ALTO SOLIMÕES - BRASIL ............................ 40
CAPÍTULO 2 - CONTATO LINGUÍSTICO, AQUISIÇÃO E VARIAÇÃO ............ 44
2.1. O CONTATO LINGUÍSTICO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................... 44
2.2 O CONTATO LINGUÍSTICO E A AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA EM
DIFERENTES PERSPECTIVAS ................................................................................................. 48
2.2.1 O processo de aquisição de segunda língua e suas implicações nas ações realizadas pelo
aprendiz ..................................................................................................................................... 49
2.2.2 O papel da idade no processo de aquisição de segunda língua ........................................ 52
2.2.3 Bilinguismo ...................................................................................................................... 54
2.2.4 Pidgins e línguas crioulas: efeitos do contato linguístico ................................................ 58
2.3 A VARIAÇÃO E MUDANÇA COMO EFEITO DO CONTATO LINGUÍSTICO .............. 61
CAPÍTULO 3 - O CONTATO LINGUÍSTICO E VARIEDADES DO PORTUGUÊS
INDÍGENA DO BRASIL ................................................................................................. 65
CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA ................................................................................. 72
4.1 A PESQUISA DE CAMPO: DA LOCALIDADE SELECIONADA À GERAÇÃO DE
DADOS ......................................................................................................................................... 72
4.2 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................ 76
4.3 O PERFIL DOS PARTICIPANTES E VARIÁVEIS SELECIONADAS .............................. 78
CAPÍTULO 5 - IDENTIDADE E USOS LINGUÍSTICOS .......................................... 85
5.1 SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA DOS PARTICIPANTES .............................................. 85
5.1.1 A situação sociolinguística das aldeias Vendaval e Bom Jardim do Passé: um olhar
etnográfico ................................................................................................................................. 93
5.2 ATITUDES E USOS LINGUÍSTICOS .................................................................................. 99
5.2.1 Atitudes linguísticas ......................................................................................................... 99
5.2.2 Usos linguísticos e domínios sociais .............................................................................. 102
5.2.3 Usos linguísticos em atividades e em localidade ........................................................... 106
5.3 REDES DE INTERAÇÕES LINGUÍSTICAS ...................................................................... 109
5.4 DESLOCAMENTOS, ESCOLARIDADE E USOS LINGUÍSTICOS ................................ 112
CAPÍTULO 6 - SOBRE A LÍNGUA TIKUNA ........................................................... 122
6.1 CARACTERIZAÇÃO FONÉTICO- FONOLÓGICA DA LÍNGUA TIKUNA .................. 125
6.1.1 A sílaba em Tikuna ........................................................................................................ 130
6.1.1.1. As margens da sílaba .............................................................................................. 131
6.1.1.2 O centro da sílaba .................................................................................................... 133
6.1.1.3 A oclusão glotal e seu papel na sílaba ..................................................................... 145
6.1.1.4 Os Tons em Tikuna ................................................................................................. 154
6.2 ASPECTOS DA MORFOLOGIA E DA SINTAXE DA LÍNGUA TIKUNA ..................... 162
6.2.1 Ordem de palavras .......................................................................................................... 166
6.2.1.1 A ordem SOV .......................................................................................................... 166
6.2.1.2 A ordem SVO .......................................................................................................... 169
6.2.1.3 A ordem OVS .......................................................................................................... 170
6.2.2 Sobre as noções de aspecto e tempo ............................................................................... 171
6.2.2.1 As noções de Aspecto e Tempo na Sintaxe da língua Tikuna ............................... 172
6.2.2.2 A categoria funcional pequeno verbo (ou v-zinho) e a projeção Aspecto .............. 173
6.2.2.4 Sobre a projeção Aspecto ........................................................................................ 177
6.2.2.5 Nota sobre o Tempo em Tikuna .............................................................................. 179
6. 3 A ESTRUTURA DA LÍNGUA TIKUNA E A VARIDADE DO PORTUGUÊS TIKUNA186
CAPÍTULO 7 - ASPECTOS DA VARIABILIDADE LINGUÍSTICA DO
PORTUGUÊS TIKUNA ................................................................................................ 188
7.1 VARIAÇÃO NO ÂMBITO FONÉTICO-FONOLÓGICO .................................................. 189
7.1.1 Tendência à inexistência de contraste fonológico no âmbito das consoantes contínuas
coronais ................................................................................................................................... 191
7.1.2 Palatalização Fonemas Africados .................................................................................. 194
7.1.3 Supressão de Segmento (Travamento de Sílaba) ........................................................... 195
7.1.4 Aférese ........................................................................................................................... 197
7.1.5 Rotacismo ....................................................................................................................... 198
7.1.6 Lambdacismo ................................................................................................................. 199
7.1.7 Epêntese ......................................................................................................................... 199
7.1.8 Africação ........................................................................................................................ 200
7.1.9 Flutuação quanto à altura das vogais .............................................................................. 201
7.1.10 Fricativização de oclusivas (Bilabial e Velar) .............................................................. 205
7.1.11 Redução de Ditongo (Monotongação) ......................................................................... 206
7.1.12 Ditongação (ou Iotização) .......................................................................................... 207
7.1.13 Nasalização de Vogal ................................................................................................... 208
7.2 VARIAÇÃO NO ÂMBITO MORFOSSINTÁTICO ............................................................ 210
7.2.1 Variação na marcação da flexão de número nos sintagmas nominais ............................ 211
7.2.2 Flutuação com ausência da marcação da flexão de gênero no sintagma nominal ......... 213
7.2.3 Variação na concordância verbal ................................................................................... 215
7.2.4 Não marcação/distinção de tempo na forma verbal ...................................................... 217
7.2.5 Omissão ou uso inadequado de preposições ................................................................. 219
7.2.6 Ordem Sintática – SVO e Variações .............................................................................. 220
7.2.7 Criação de flexão com acréscimo de – s ........................................................................ 221
7.2.8 Não uso do verbo ........................................................................................................... 221
7.3 O CONTINUUM................................................................................................................... 222
7.4 ANÁLISE DE FATORES LINGUÍSTICOS E SOCIAIS QUE CONDICIONAM
FENÔMENOS FONÉTICO-FONOLÓGICOS E MORFOSSINTÁTICOS NO PORTUGUÊS
TIKUNA ..................................................................................................................................... 228
7.4.1 A variação de /s/ em posição de onset ............................................................................ 228
7.4.2 A variação na concordância de primeira pessoa verbal .................................................. 234
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 242
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 249
ANEXO A- FICHA PARA CONTROLE DE DADOS ............................................... 261
ANEXO B - QUESTIONÁRIO SOCIOLINGUÍSTICO ............................................ 265
ANEXO C- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........... 268
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa das cidades do Alto Solimões e principais aldeias Tikuna…………................28
Figura 2: Localização das Terras Indígenas Tikuna no Alto Solimões……………………….29
Figura 3: Mapa lugar de origem (e de deslocamento) dos participantes Tikuna……………….82
Figura 4: Mapa com a localização da aldeia de Vendaval……………………………………..95
Figura 5: Em Vendaval………………………………………………………………………..97
Figura 6: Em Bom Jardim do Passé……………………………………………………………99
Figura 7: Redes de Interações dos professores Tikuna usando a língua Tikuna……………...110
Figura 8: Redes de Interações dos professores Tikuna usando a língua portuguesa………….111
Figura 9: Principais deslocamentos dos professores Tikuna …………...……………………120
Figura 10: Movimentos vocálicos……………………………………………………....……137
Figura 11: Movimentos que expressam processos segmentalmente condicionados…........…139
Figura 12: Movimentos resultantes de processos de silabificação/ressilabificação…….........140
Figura 13: Áreas vocálicas do Tikuna e do português…………………………………..……204
17
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Clãs do grupo A........................................................................................................35
Quadro 2: Clãs do grupo B.........................................................................................................36
Quadro 3: Trechos que evidenciam a situação sociolinguística dos participantes da pesquisa...91
Quadro 4: O uso do Espanhol....................................................................................................92
Quadro 5: Fonemas consonantais em Tikuna…………….......................................................125
Quadro 6: Consoantes que ocupam início de sílaba em Tikuna................................................131
Quadro 7: Sequência de segmentos vocálicos que se realizam como orais ou com nasalidade
em igual medida………………………….………………………...………………..……….143
Quadro 8: Sequência de segmentos vocálicos em que um dos segmentos manifesta nasalidade
e o outro não………..…………………………………………………..…………………....143
Quadro 9: Materialização de noções aspectuais em Tikuna……………………….........……178
Quadro 10: Sistema vocálico da língua Tikuna x sistema vocálico da língua portuguesa……203
18
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Clãs dos participantes ..................................................................................38
Tabela 2: Perfil dos participantes (professores que se autodeclaram Tikuna) ............79
Tabela 3: Variáveis gênero e idade .............................................................................80
Tabela 4: Variável escolaridade ..................................................................................81
Tabela 5: Atuação da variável linguística contexto seguinte para a pronúncia de /s/ em
onset..........................................................................................................................229
Tabela 6: Índices gerais referentes à variável social gênero para a pronúncia do /s/ em
posição de onset ........................................................................................................230
Tabela 7: Índices relativos à variável social faixa etária para a pronúncia do /s/ em
posição de onset ........................................................................................................231
Tabela 8: Índices relativos à variável social escolaridade para a pronúncia do /s/ em
posição de onset ........................................................................................................231
Tabela 9: Índices relativos à variável social localidade para a pronúncia do /s/ em
posição de onset ........................................................................................................232
Tabela 10: Índices relativos à variável social grau de contato para a pronúncia do /s/
em posição de onset ..................................................................................................233
Tabela 11: Índices relativos à variável social fluência para a pronúncia do /s/ em
posição de onset ........................................................................................................233
Tabela 12: Atuação da variável linguística forma de interação para a marcação ou não-
marcação de concordância verbal..............................................................................235
Tabela 13: Índices gerais referentes à variável social gênero para a marcação ou não-
marcação de concordância verbal .............................................................................236
Tabela 14: Índices gerais referentes à variável social faixa etária para a marcação ou
não-marcação de concordância verbal ......................................................................237
Tabela 15: Índices gerais referentes à variável social escolaridade para a marcação ou
não-marcação de concordância verbal ......................................................................237
Tabela 16: Índices gerais referentes à variável social localidade para a marcação ou
não-marcação de concordância verbal ......................................................................238
Tabela 17: Índices gerais referentes à variável social grau de contato para a marcação
ou não-marcação de concordância verbal .................................................................239
Tabela 18: Índices gerais referentes à variável social fluência para a marcação ou não-
marcação de concordância verbal..............................................................................241
19
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Clã/Nação dos participantes .......................................................................40
Gráfico 2: Dispersão Participante x Idade ...................................................................81
Gráfico 3: Consciência linguística dos participantes ..................................................86
Gráfico 4: Atitudes linguísticas ................................................................................100
Gráfico 5: Usos linguísticos e domínios sociais ........................................................102
Gráfico 6: Usos linguísticos em atividades ...............................................................107
Gráfico 7: Usos linguísticos em localidades .............................................................107
Gráfico 8: Quantidade de ocorrência de fenômenos fonético-fonológicos por pessoa
...................................................................................................................................190
Gráfico 9: Quantidade de ocorrência de fenômenos fonético-fonológico por gênero
...................................................................................................................................190
Gráfico 10: Fenômenos morfossintáticos identificados nas falas dos professores
Tikuna ......................................................................................................................210
Gráfico 11: Quantidade de ocorrência de fenômenos morfossintáticos por pessoa
...................................................................................................................................211
Gráfico 12: Base linguística para a segmentação do continuum ................................223
Gráfico 13: Faixas de fluência ..................................................................................224
Gráfico 14: Continuum linguístico por faixa etária e sexo ........................................227
20
INTRODUÇÃO
Os deslocamentos geográficos que os grupos humanos efetivam e a interação com
outros grupos, em ambientes diferentes, são processos que culminam na diversidade linguística
e cultural, ou ainda, conforme os dizeres de Rodrigues (2001), na diversidade etnolinguística.
Diante desse contato, cada grupo passa a desenvolver o seu próprio sistema linguístico, o qual
guarda íntima relação com os traços culturais. Esse desenvolvimento pode criar conflitos entre
esses grupos, inclusive, quando um quer se manter em posição de privilégio, exercendo poder
sobre o outro.
A história de formação do povo brasileiro é permeada por exemplos de contato intenso
entre grupos, sejam eles indígenas, europeus, africanos, e outros, fato que culmina, dentre
outros resultados, na diversidade linguística que constitui o país.
Diferentemente do que muitos possam acreditar, o Brasil não é um país monolíngue.
A esse respeito, não podemos deixar de considerar que à época da colonização, já se falavam,
segundo Rodrigues (1993), aproximadamente 1, 2 mil línguas indígenas em terras que viriam a
constituir o que é hoje o Brasil. Além disso, a origem dos colonizadores europeus e as
consequências linguísticas desse contato heterogêneo, e, posteriormente, também do contato
com os africanos escravizados, de um lado, e com imigrantes, de outro, no decorrer da história
brasileira, são aspectos que devem ser considerados.
O fato de hoje ser falado um número expressivamente menor de línguas indígenas
(cerca de 180) que à época em que os colonizadores aportaram no Brasil atesta o fato de que o
contato entre os povos indígenas e os colonizadores não se deu de forma harmônica, mas
carregada por conflitos. Quanto às consequências, no universo indígena, da relação que foi
estabelecida pelos colonizadores, Rodrigues (1986) afirma que o número de línguas indígenas
provavelmente teria sido reduzido à metade por conta do desaparecimento dos povos que as
falavam, em decorrência do extermínio praticado contra os índios, seja forçando-os a trabalhar
como escravos, caçando-os e matando-os quando fugiam ou quando não queriam se submeter
ao regime de servidão imposto, pelos europeus, por seus descendentes e prepostos; seja pela
tomada de suas terras e, consequentemente, dos seus meios de se manterem; sem desconsiderar
a nefasta imposição ou indução dos usos, dentre eles os linguísticos, e dos costumes dos
colonizadores.
21
As ações de imposição praticadas pelos colonizadores, dentre elas a linguística, teve
resultados lesivos, no sentido de reduzir drasticamente o número de línguas indígenas; no
entanto, as famílias linguísticas, mesmo que em situação de línguas discriminadas e
minoritárias, continuam representadas no Brasil por meio da sobrevivência dos grupos que
conseguiram resistir à imposição colonialista. Essas famílias fazem parte do que constitui a
diversidade linguística do país.
Apesar de toda a diversidade, ainda é persistente a idealização de um país monolíngue,
que conta com uma gramática imutável e que mais se aproxime do português falado em
Portugal. O preconceito linguístico, reforçado algumas vezes pela escola e, muitas vezes, pelos
meios de comunicação de massa é um fator que necessita ser combatido. E, uma das formas de
combater esse preconceito é o estudo científico acerca da diversidade linguística do Brasil, com
a descrição e análise dessa diversidade.
De acordo com Winford (2003), a mistura de línguas sempre ocasionou reação
emocional forte e, frequentemente, é considerada ridícula ou rejeitada. Ainda conforme o autor,
há pessoas que tomam para si o papel de puristas da língua e concebem essa mistura como uma
aberração da língua que consideram “correta”. Linguistas e outros profissionais rejeitam esse
posicionamento; por outro lado, há muitas pessoas que provavelmente aceitariam a ideia de que
línguas resultantes de contato linguístico são o resultado de aprendizagem ineficaz.
A mistura de línguas não é um processo resultante de um desvio, não é um fato isolado,
tampouco caótico. Ao contrário, é regido por regras que atingem todas as línguas de um modo
ou de outro, em diferentes e variados graus. Quando falantes de línguas diferentes entram em
contato, há uma tendência natural de eles procurarem meios de transpor as barreiras
comunicativas com que se deparam, procurando algum ajuste entre as diferentes formas de
expressão.
O contato linguístico pode ter uma ampla variedade de resultados. Em alguns casos,
pode resultar apenas em um ligeiro empréstimo de vocabulário, enquanto outras situações de
contato podem conduzir à criação de línguas inteiramente novas. Entre esses dois extremos, há
uma grande variedade de possíveis resultados envolvendo variados graus de influência de uma
língua na outra. Nesse cenário, surge a presente investigação, que parte das seguintes questões:
Que traços fonético-fonológicos e morfossintáticos caracterizam a variedade do português de
contato falada pelos professores Tikuna participantes da pesquisa? Quais seriam motivados por
mecanismos internos à língua nativa e quais estariam relacionados à replicação de
condicionamentos conforme os falantes de outras variedades do PB? Há traços que tornam essa
variedade particular em relação a outras variedades do PB, inclusive do entorno com o qual o
22
qual os professores Tikuna e a pesquisadora convivem? Se sim, estariam no âmbito fonético-
fonológico e/ou morfossintático? Em que estágios ou graus de fluência se encontra o processo
aquisitivo dos professores participantes de nosso estudo? Em que medida fatores socioculturais
motivados pelo contato interferem nos usos linguísticos, na identidade e na variedade de
português falada pelos professores Tikuna?
Considerando o Português Tikuna como resultado do contato entre os Tikuna e falantes
de Português e, convivendo com essa realidade linguística, buscamos analisar essa situação de
contato linguístico e, a partir das questões apresentadas acima, foram delineadas as hipóteses
da pesquisa, conforme evidenciamos a seguir: 1. ao falarem português, os participantes Tikuna
manifestam traços de sua própria língua materna, o que deixa indícios de que, ao adquirirem
uma segunda língua, eles usam a estratégia de valer-se de material e regras/restrições de sua
língua materna; 2. o português de contato falado pelos Tikuna apresenta traços particulares não
identificados no Português Brasileiro falado por indivíduos que o adquiriram como L1; 3. o
português de contato falado pelos Tikuna também apresenta condicionamentos identificados no
Português Brasileiro falado por indivíduos que o adquiriram como L1; 4. a variedade de
português falada pelos professores Tikuna apresenta realizações parecidas com algumas já
identificadas em outras variedades de português faladas por indígenas no Brasil; 5. os
professores Tikuna apresentam diferentes graus de fluência, em que pesa o contato nos
seguintes termos: quanto maior o grau de contato com o PB, mais os professores se afastam dos
padrões da língua nativa e, proporcionalmente, quanto menor for esse contato, mais próximos
os professores se encontram dos padrões de sua língua nativa, manifestando acentuada
interferência da L1 na variedade de português em aquisição e, como consequência, mais
distantes dos padrões da língua-alvo; 6. quanto à análise variacionista, nossa defesa é de que os
fatores linguísticos e socioculturais, relacionados à dinâmica do contato linguístico, à
identidade e aos usos linguísticos repercutem na variedade de português falada pelo grupo
investigado.
Diante disso, nossa pesquisa tem como objetivo geral registrar, analisar e caracterizar
a variedade do português de contato falada por professores da educação básica, pertencentes à
etnia Tikuna, que moram em comunidades do município de São Paulo de Olivença, na
mesorregião do Alto Rio Solimões, no Amazonas. Para tanto, elegemos como objetivos
específicos identificar, na variedade do português Tikuna, fenômenos não (ou pouco) previstos
na variedade de prestígio do PB (considerada padrão), tanto no nível fonético-fonológico
quanto no morfossintático; verificar se fenômenos dessa variedade do português apresentam
traços particulares relacionados a mecanismos de transferência da L1; investigar se o português
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de contato falado pelos Tikuna apresenta traços identificados no português brasileiro falado por
indivíduos que o adquiriram como L1 ou por outras variedades de português indígena;
investigar fatores socioculturais relacionados com o processo de contato linguístico, de
aquisição e de usos dessa variedade do português falada pelos Tikuna, levando em consideração
a identidade do grupo investigado, para determinar a repercussão desses elementos no grau de
fluência bilíngue e na variação do português de contato.
Adotamos, como basilares para a fundamentação teórica de nossa pesquisa, os
pressupostos do Contato Linguístico e da Sociolinguística, a partir de trabalhos como o de
Weinreich (1953), Thomason e Kaufman (1988), Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]),
Winford (2003), Thomason (2001), Matras (1998, 2009), dentre outros, por nos possibilitarem
analisar efeitos do contato linguístico na variedade de português falada pelos professores
Tikuna que elencam nosso estudo, principalmente no que se refere à aquisição de segunda
língua, ao bilinguismo e à variação.
De forma mais específica, em nossa análise, com relação à investigação sobre
identidade e usos linguísticos relacionados ao contato, lançamos mão de autores cujos trabalhos
contêm discussões que, podendo ser levadas a cenários com encontros de culturas e/ou de
línguas, são proveitosos para a nossa investigação, como, por exemplo, além dos já citados
anteriormente, Fishman (1967,1975), Labov (2008 [1972b]), Tabouret-Keller (1998), Appel &
Muysken (2005), entre outros.
Naquilo que envolve especificamente a língua Tikuna no quadro do presente estudo,
recorremos a trabalhos voltados para a análise dessa língua tal como essa é falada no Brasil:
Soares (1984, 1986, 1991, 1992a, 1992b, 1994, 1995, 1997, 2000a, 2000b, 2005a, 2005b,
2017). Já no que diz respeito aos temas da identidade e do uso linguístico, acrescidos das
questões relativas à variação existente no português brasileiro, especificamente nas variedades
faladas por indígenas, valemo-nos de estudos como os de: Emmerich (1984), Mollica (1997),
Paiva (1997), Christino & Lima e Silva (2012), Amado (2015), Braggio (2015), entre outros.
Ao lado do método etnográfico, seguimos procedimentos adotados em pesquisas
sociolinguísticas, com especial atenção à representatividade da amostra e à identificação de
fatores sociais que caracterizam os participantes e se relacionam a traços linguísticos por eles
manifestos. Para tanto, analisamos dados de fala de 23 professores da educação básica, todos
da etnia Tikuna. Esses dados foram gerados a partir de entrevistas, relatos de vida e
questionários realizados entre agosto de 2016; fevereiro de 2017, junho e julho do mesmo ano
e fevereiro de 2018.
24
As pesquisas voltadas aos registros do falar do Amazonas ainda se encontram em
estado incipiente, e, em se tratando de variedades do português falada por indígenas na região
do Alto Solimões, não se tem, até o momento, nenhum estudo. Tal fato justifica a investigação
e o registro de fenômenos linguísticos que ocorrem na região, em especial da variedade falada
pelos povos indígenas, que se encontram bastante representados no estado.
Ainda não há, no Amazonas, uma tradição em pesquisas linguísticas, mas já existem
alguns estudos que trazem contribuições importantes à área de investigação relacionada à
variação. Por exemplo, pesquisas que envolvem a variedade do português (L1) no Amazonas
tiveram seu início recentemente. Cruz (2004) elaborou o Atlas Linguístico do Amazonas -
ALAM e, com isso, promoveu uma grande contribuição para o conhecimento do falar da região
investigada, uma vez que esse Atlas realizou um registro sistemático do modo de falar de
determinadas áreas do Amazonas, fato desconhecido até então.
Para a confecção do ALAM, foram investigados 09 municípios, a partir do critério de
maior representatividade para o Estado, quais sejam, Barcelos (localidade 01), Tefé (localidade
02), Benjamim Constant (localidade 03), Eirunepé (localidade 04), Lábrea (localidade 05),
Humaitá (localidade 06), Manacapuru (localidade 07), Itacoatiara (localidade 08) e Parintins
(localidade 09). Cabe ressaltar que os municípios ficam localizados em regiões próximas aos
rios Negro/Amazonas e Solimões e que a localização diferenciada também apresenta aspectos
linguísticos diferenciados entre os falares dos moradores dessas regiões.
No total, 54 informantes fizeram parte do corpus da pesquisa, sendo 06 em cada
município, divididos em 03 homens e 03 mulheres, em três faixas etárias: 18 a 35 anos, 36 a 55
anos e 56 ou mais. Dentre os fenômenos controlados para a confecção do ALAM está a
realização do /s/ pós-vocálico.
Nos municípios investigados por Cruz (2004), a pesquisadora verificou que, na fala,
predominam as variantes fricativas alveolares [s, z]. Também se verificou que há áreas
linguísticas que apresentam realização diferenciada do /s/ pós-vocálico, pois há a ocorrência
categórica do /s/ como variante pós-alveolar nas localidades de Barcelos (01), Itacoatiara (08)
e Parintins (09) e uma maior frequência da variante alveolar nos demais municípios.
Quanto à variável idade, a pesquisa de Cruz (2004) evidencia que os mais jovens
empregam com maior frequência a variante pós-alveolar, com um índice de 54%. As faixas 02
e 03 também apresentam índices elevados de realização pós-alveolar, 45% e 46%,
respectivamente.
25
No que diz respeito à variável gênero, Cruz (2004) mostra que as mulheres (54%)
utilizam mais as variantes pós-alveolares que os homens (46%). Ainda que essa diferença não
seja muito significativa, a autora considerou importante fazer o registro.
Quanto ao comportamento fonético-fonológico do /s/ pós-vocálico, em uma pesquisa
mais recente, Martins e Margotti (2012) utilizaram o corpus do ALIB para investigar o
comportamento fonético-fonológico do /s/ pós-vocálico em posição de coda medial (mesmo) e
em posição de coda final (mas) na cidade de Manaus (AM), considerando, também casos de
ressilabação (casas amarelas).
É preciso que se envidem esforços para maior elucidação do painel linguístico
existente no estado do Amazonas, levando-se em consideração as relações que se estabelecem
por meio das situações de contato e as variedades existentes entre, por exemplo, os ribeirinhos
e os indígenas, moradores de zonas rurais, para citar algumas.
Nesse sentido, surge a presente pesquisa, que investiga a variedade de português falada
por alguns professores Tikuna, em sua maioria moradores de comunidades que fazem parte do
município de São Paulo de Olivença, na região do Alto Solimões, no estado do Amazonas, por
entendermos que estudar as variedades do português falado por indígenas é, também, dar voz a
eles, estudando suas manifestações e explicitando-as, reconhecendo-as como legítimas, não as
ignorando, mas investigando-as, analisando-as. Nesse sentido, o leitor verá, nesse texto, a
tentativa da pesquisadora de associar usos linguísticos e identidade à variedade do português
falada pelo grupo investigado, considerado o contexto indígena em que se inserem as línguas
aí em jogo. Para além do preenchimento de lacunas, esse trabalho é o pioneiro ao estudar a
variedade de português falada por pessoas que pertencem à maior etnia indígena do Brasil: a
Tikuna.
As formas de comunicação verbal resultantes do contato entre falantes de língua
Tikuna com falantes de português ainda não foram objeto de estudos linguísticos. Já foram
realizados estudos atestando a vitalidade da língua Tikuna frente ao contato com não-
indígenas1, apresentando resultados de investigações acerca das atitudes linguísticas de falantes
Tikuna2, um outro ainda, que analisou o domínio da ortografia de alunos Tikuna de uma escola
1 DA SILVA JÚNIOR, E. S. Identidade e representação linguística na educação bilíngue: um estudo
sociolinguítico na situação de contato português-ticuna. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) –
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2011. 2 CARVALHO, A. L. F. Atitudes linguísticas de universitários tikuna: uma análise da situação do contato
português/Tikuna. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) – Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Letras, 2017.
26
em Filadélfia, buscando-se relacionar os condicionadores dos desvios ortográficos3, bem como
já foram realizados estudos antropológicos4 envolvendo as diversas situações de contato entre
os Tikuna e não-indígenas, além de outros trabalhos de cunho pedagógico5, que investigaram a
educação escolar entre os Tikuna, tanto em áreas urbanas, quando nas aldeias. No entanto, o
contato entre os Tikuna e falantes de português e o resultado, em termos linguísticos, desse
contato ainda não foram investigados.
Hoje, na maioria das escolas situadas em comunidades indígenas Tikuna, a
alfabetização é realizada em Tikuna e, a partir do quinto ano, há a inserção do ensino de
português, o qual perdura até a último nível que for ofertado na escola da comunidade.
Considerando que é nesse segundo código que os indígenas se comunicam com falantes nativos
de português brasileiro, e que, por meio desse código, defendem e exigem seus direitos,
estabelecem relações comerciais, entre outras atividades, parece-nos importante que as formas
que assumem essa realidade linguística indígena sejam conhecidas para que sejam utilizadas
em proveito das respectivas comunidades Tikuna, por exemplo, no que se refere a políticas
linguísticas e a projetos de ensino de português como segunda língua, tanto em comunidades
indígenas quanto nas áreas urbanas, para onde ocorre o deslocamento dos indígenas, por
diversos motivos, dentre os quais podemos citar: dar prosseguimento aos estudos, seja no ensino
médio ou superior, acompanhamento médico, tratar de assuntos nas agências bancárias,
lotéricas, prefeitura, cartórios, correios, além de outras instituições localizadas apenas nas áreas
urbanas. Além disso, se levarmos em consideração o preconceito local que sofrem os indígenas
Tikuna por conta de o seu falar português ser acompanhado por influências melódicas, fonéticas
e estruturais nativas e, considerando que esse preconceito é ratificado nacionalmente e
estereotipado como traço da identidade étnica indígena, é que esse objeto de estudo se justifica.
Um dos primeiros registros do contato entre os Tikuna e não-indígenas na região do
Alto Solimões foi feito por Christóval Acunã, já no século XVI. No entanto, dentre os fatores
que contribuíram para a imposição do português na região do Alto Solimões, podemos citar,
tentando estabelecer a uma ordem cronológica:1. a catequese em português, realizada pelos
missionários, mas esta ocorreu de forma muito restrita; 2. a vinda de imigrantes nordestinos,
falantes monolíngues de português, para trabalharem na extração do látex, no período áureo da
3 OLIVEIRA, C. A. Domínio ortográfico da língua portuguesa no contexto bilíngue Ticuna/Português na aldeia
Filadélfia em Benjamin Constant – Alto Solimões- AM. Dissertação (Mestrado em Letras e Artes) - Universidade
do Estado do Amazonas, 2017 4 Por exemplo, OLIVEIRA, J. P. de. “O Nosso Governo”: os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo, Marco
Zero/MCT-CNPq, Brasília, 1988. 5 Por exemplo, BENDAZZOLI, S. Políticas públicas de educação escolar indígena e a formação de professores
ticunas no Alto Solimões. Tese de doutorado em Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011.
27
borracha na região e 3. a escolarização em português. A partir dessa imposição, a origem do
português Tikuna pode ser considerada recente, datada de, aproximadamente, sessenta anos,
quando as relações entre indígenas e não-indígenas se intensificaram.
Este trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: além desta introdução,
destinada à apresentação do tema estudado, das questões norteadores, dos objetivos, hipóteses
e da motivação da pesquisa, tem-se, no capítulo 1, um breve panorama da história do povo
Tikuna a partir do contato com o não-indígena. Em seguida, no capítulo 2, apresentamos, em
linhas gerais, pressupostos teóricos do Contato Linguístico e da Sociolinguística, os quais
embasam nosso estudo. O capítulo 3 destina-se a uma exposição sobre estudos realizados no
âmbito das variedades indígenas do Português do Brasil (PB). No capítulo 4, explicitamos os
procedimentos metodológicos adotados para a geração e análise dos dados de nossa
investigação. No capítulo 5, apresentamos a descrição dos usos linguísticos e da identidade
social mais ampla do grupo investigado, levando em consideração a relação entre suas
características linguísticas. No capítulo 6, fazemos uma apresentação das características da
língua Tikuna relevantes para a identificação de traços particulares relacionados a possíveis
mecanismos de transferência da L1 no uso do português como segunda língua por falantes
nativos de Tikuna. No capítulo 7, fazemos o registro, a análise e a caracterização do Português
Tikuna, apresentando, inicialmente: (i) a variação fonético-fonológica no âmbito dos dados
produzidos pelos professores Tikuna ao falarem português; (ii) a variação morfossintática nesse
mesmo âmbito; em seguida, (iii) apresentamos a segmentação do continuum que estabelecemos
em nosso estudo, o qual se caracteriza por diferentes faixas de fluência que evidenciam o estágio
aquisitivo dos professores na segunda língua (português); (iv) por fim, apresentamos a análise
de fatores linguísticos e sociais que condicionam a variação de fenômenos fonético-fonológicos
e morfossintáticos no Português Tikuna.
Por lidarmos com dados de fala, há, nesta tese, uma abordagem mais ampla em relação
aos fenômenos fonético-fonológicos que os morfossintáticos da variedade de português
investigada.
Todos os procedimentos adotados em nosso estudo abriram caminho para a
caracterização do Português Tikuna e nos permitiram, de um lado, descrever, analisar e verificar
a relevância de alguns fenômenos variáveis no português falado pelos Tikuna e, de outro lado,
testar hipóteses de trabalho e atingir os objetivos da pesquisa.
Ao final da presente tese, tecemos considerações sobre os resultados alcançados e sobre
as perspectivas de continuidade do estudo, além de apresentarmos as referências utilizadas na
elaboração da tese.
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CAPÍTULO 1 - O POVO TIKUNA
Na mitologia Tikuna, os índios dessa etnia foram pescados por Yo’i (herói mítico) no
igarapé Eware, situado nas nascentes do igarapé São Jerônimo (Tonatü), afluente da margem
esquerda do Rio Solimões, entre os municípios de São Paulo de Olivença e Tabatinga. Até o
presente momento, essa é a área que conta com uma intensa concentração dos Tikuna e onde
se situam 71% das aldeias existentes dessa etnia na região do Alto Solimões (cf. Oliveira, 1988).
Um dos primeiros registros quanto à estimativa demográfica dos Tikuna pode ser
encontrado em Nimuendajú (1952), que faz referência a 2.000 Tikuna no lado brasileiro. Já
Oliveira (1972), tendo em vista tanto o movimento migratório quanto o aumento vegetativo,
estima, àquela época, a quantidade de 3.500 a 4.000. Hoje, segundo dados do IBGE, a
população Tikuna é estimada em mais de 50.000 no Brasil.
No que diz respeito a volume demográfico, os Tikuna formam a maior etnia indígena
da Amazônia Brasileira. O povo Tikuna vem ocupando a região do Alto Solimões há mais de
dois mil anos, na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia (cf. Garcés, 2005). No solo
brasileiro, eles vivem em localidades pertencentes às terras indígenas situadas nos municípios
da mesorregião do Alto Solimões, quais sejam: Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de
Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá, Tonantins, Jutaí e Fonte Boa.
Figura 1: Mapa das cidades do Alto Solimões e principais aldeias Tikuna
Fonte: Disponível em Bendazzoli (2011, p. 28).
29
Fonte: Organizado por REIS, Rodrigo, sob a supervisão de Ligiane Bonifácio (2017).
Até a década de 70 existiam, aproximadamente, mais de cem aldeias e estas eram
organizadas segundo a tradicional distribuição espacial em malocas clânicas. Hoje, essa
distribuição espacial de suas aldeias sofreu uma modificação vultosa.
Neste capítulo, traçaremos uma sucinta abordagem histórica quanto às incursões
estrangeiras nas terras anteriormente ocupadas pelos Tikuna, em seguida, como um dos
elementos que fazem parte de suas identidades e de sua organização social, apresentamos a
separação clânica dos participantes da pesquisa e, por fim, traçamos um breve painel quanto ao
contato Tikuna-português na região amazônica, com foco no Alto Solimões.
1.1 ASPECTOS HISTÓRICO-SOCIAIS
Datam de meados do século XVII os primeiros registros sobre os Tikuna, os quais
foram feitos pelo padre jesuíta Christóval de Acuña, escrivão e observador da expedição de
Pedro Teixeira (1637). Os dados registrados por Acuña se encontram presentes no livro Novo
Descobrimento do Rio Amazonas (1994). Há, ainda, outros registros que apontam a presença
dos Tikuna na região do Alto Solimões, como os de Bates (1979 [1857]), Nimuendajú (1952;
1982), La Condamine (1992) e Marcoy (2006).
Figura 2: Localização das Terras Indígenas Tikuna no Alto Solimões1
30
Bates (1979 [1857]) afirma que os Tikuna são muito semelhantes aos índios de outras
tribos, como as do Xumanas, Passés, Juris e Maués, tanto no que diz respeito à aparência quanto
aos costumes. De acordo com o naturalista, essas semelhanças ocorrem do seguinte modo
[...] eles são um povo agrícola e de vida sedentária, cada horda obedecendo a um chefe
de maior ou menor influência, segundo sua energia e ambição, e possuindo um pajé
ou curandeiro, que incentiva suas superstições. São, porém muito mais indolentes e
depravados que outros índios pertencentes a tribos mais adiantadas. Não se mostram
tão aguerridos, nem tão leais como os Mundurucus, embora se assemelhem a eles em
muitos aspectos, não possuem o físico esbelto, o ar digno e o temperamento afável
dos Passés (1979 [1857], p. 292).
Não podemos deixar de mencionar a visão etnocêntrica e preconceituosa manifesta nas
palavras do naturalista. Essa visão caricatural do índio como um ser bruto e selvagem, tomando
como base as suas práticas cotidianas, também foi registrada por Orellana, Pinzón, Vázquez,
Alexandre Ferreira, Antônio Vieira e os demais viajantes que por aqui passaram. Eles
desconheciam totalmente os hábitos dos indígenas, e chegavam a classificá-los como
“demasiado primitivos”.
Ainda que Acuña tenha feito muitos registros sobre o povo Tikuna, as anotações e
descrições mais detalhadas relacionadas a esse povo foram elaboradas pelo etnólogo alemão
Curt Nimuendajú (1952), que viveu junto aos Tikuna por um certo período, o que lhe
possibilitou uma melhor descrição dos modos de vida desse povo quanto aos aspectos culturais,
linguísticos e sociais.
Curt Nimuendajú (1952) registrou que, no princípio, os Tikuna habitavam as regiões
afastadas das margens dos rios para fugirem dos seus temidos rivais, os Omágua, com quem
mantinham relações de luta. De acordo com o autor, por se localizarem em “terra firme”,
afastados das margens dos rios, evitando o confronto direto com os Omágua, os Tikuna não
foram vítimas diretas das primeiras incursões de portugueses e espanhóis na região, no século
XVII.
Quem primeiro sofreu as consequências dessas incursões lusa e castelhana foram os
Omágua e outros povos vizinhos que habitavam as inúmeras ilhas e as margens do Alto
Solimões. Essas incursões eram caracterizadas por duas frentes: a conquista de novas terras,
por meio de atuação militar e a conquista das almas, por meio das missões religiosas.
A dizimação do povo Omágua, ocasionada por conta do embate com as forças
coloniais e/ou pelas epidemias, possibilitou aos Tikuna a migração para as margens do rio
Solimões e o contato direto com os colonizadores instalados na região.
31
Ainda que pudessem se movimentar para as margens do rio Solimões, não houve um
deslocamento em massa dos Tikuna dos altos igarapés para o grande rio. O que houve foi a
ampliação do seu território de referência, muitos deles permaneceram nas áreas de terra firme
do interior e outros tantos locomoveram-se para as regiões de várzea do rio Solimões.
Durante os primeiros dois séculos e meio de contato, as relações entre os Tikuna e os
não-indígenas mantiveram-se sem maiores conflitos. No entanto, essas relações foram
profundamente alteradas no final do século XIX, com a expansão da empresa seringalista pela
região do Alto Solimões.
Com a implantação da atividade extrativa intensiva nos seringais, os Tikuna tiveram
suas vidas profundamente afetadas, pois tiveram que se sujeitar aos interesses comerciais dos
patrões, que usaram mão de ferro para fazer valer seus interesses.
A exploração de seringais ocasionou a invasão do território Tikuna e a desestruturação
das malocas clânicas. Sob pressão e para atender a estrutura de seringal, o povo Tikuna foi, em
grande parte, reorganizando-se. O modo de produção tradicional foi substituído por novas
formas vinculadas ao mercado da borracha, fato que culminou na dependência e submissão aos
patrões.
Quando os Tikuna não atendiam às ordens dos patrões, eram-lhe impostas penalidades
geralmente violentas. A esse respeito, Oliveira Filho (1988, p. 131) menciona que
[...] diversos castigos corporais eram aplicados: uso de palmatória; surras com chicote
de tripa de boi e depois salgar as suas feridas; colocar o índio recalcitrante no tronco;
prendê-lo em um cubículo escuro, etc. As ameaças de morte, prisão em São Paulo de
Olivença, expulsão da propriedade, confisco ou destruição dos bens do acusado,
extensão aos seus familiares dos castigos previstos - todas essas eram técnicas comuns
para promover a obediência dos índios. Em casos considerados pelos patrões como
mais leves, o castigo consistia em submeter o acusado ao opróbrio público, raspando-
lhe a cabeça e cobrindo-a de piche, fazendo-o desfilar algemado por diversos lugares;
deixando-o acorrentado ou no pelourinho nas proximidades do barracão para ser visto
por todos os fregueses.
Mesmo em seus períodos áureos, o Alto Solimões era uma região com uma produção
de borracha considerada irrelevante, o que lhe conferia uma importância secundária no conjunto
do mercado seringalista amazônico. Com poucas condições de importar grande massa de
trabalhadores nordestinos, a empresa seringalista era mantida na região com a mão-de-obra
indígena e com alguns poucos trabalhadores não-indígenas.
32
Quanto ao domínio dos patrões seringalistas, Oliveira Filho (1988, p.150-151) nos
esclarece que tal fato ocasionou muitas interferências no universo Tikuna. Nas palavras do
autor,
Entre os próprios índios as interferências dos brancos criaram diversas infrações
graves às regras de matrimônio, algumas vezes impondo uniões que correspondiam a
incestos clânicos ou de metades, outras vezes proibindo como "incestuosos" até
mesmo casamentos preferenciais... A realização dos rituais também era diretamente
controlada pelos brancos. A sua proibição durante certos períodos por alguns patrões
... dificultava não só a delimitação das faixas de idade (interferindo aí também com o
casamento), mas ainda com a transmissão de valores culturais e religiosos, bem como
com a expressão de uma solidariedade mais ampla que extravasasse o âmbito do grupo
local.
O quadro de ampla dominação dos patrões seringalistas sobre os Tikuna começou a
sofrer alteração com a instalação do Posto Indígena do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), no
município de Tabatinga, em 1942. Em seus primeiros anos de atuação, o SPI adotou uma
política indigenista que abalou o sistema seringalista, o qual se ancorava na submissão e
exploração da mão-de-obra Tikuna. Embora integracionista, o SPI buscou pautar sua atuação,
junto aos seringalistas, com base no respeito aos Tikuna como trabalhadores e na remuneração
de sua mão-de-obra em condições de igualdade com os não-indígenas.
Em 1945, o SPI adquiriu um lote de terra denominado Bom Destino, localizado às
margens do igarapé Umariaçu, afluente do rio Solimões, próximo a Tabatinga. Essa aquisição
firmou a atuação do SPI na região, tendo em vista que a terra era destinada aos Tikuna, e muitos
deles migraram para lá como forma de fugir do domínio seringalista. Em 1946, essa terra se
estabeleceu como a primeira reserva indígena do Alto Solimões.
Ainda que tenha continuado sua atuação em várias localidades da área Tikuna, o
regime seringalista diminuiu o seu poderio. Àquela época, a empresa seringalista já sofria,
também, com a grave crise que a atingiu por conta da perda da importância da borracha
brasileira no mercado internacional.
Uma outra alternativa de refúgio à dominação seringalista foram as terras destinadas
aos Tikuna, compradas pela Association of Baptists for World Evangelism, na década de 50 e
início dos anos 60. Essa instituição religiosa americana, com sede regional em Benjamin
Constant, adquiriu duas fazendas próximas às localidades de Santa Rita do Weil e Santo
Antônio do Içá, denominadas Campo Alegre e Vila Betânia, para onde os Tikuna poderiam se
locomover e estabelecer moradia, além de se converterem à religião batista.
33
Na segunda metade da década de 60, a centralização do poder pelo aparelho militar
ocasionou algumas perdas para a empresa seringalista, no que se relaciona à posse de terras,
uma vez que havia a necessidade de um controle do governo nas áreas de fronteira do país.
Já no início da década de 70, um movimento messiânico, liderado pelo Irmão
Francisco José da Cruz visava à conversão dos Tikuna, e a atuação desse religioso teve como
consequência profundas mudanças no modo de vida desse povo. O Movimento da Cruz
provocou o deslocamento e concentração de grande número de famílias em localidades
determinadas pelo líder religioso. O Irmão Francisco José também restabeleceu o papel central
dos patrões seringalistas, que viraram diretores religiosos das Irmandades criadas por ele. Sua
atuação foi bastante influente entre os Tikuna e propagava uma ideologia religiosa assentada
na obediência às diretrizes institucionais, rituais e morais.
Após 10 anos de sua chegada à região do Alto Solimões, o Irmão José faleceu,
deixando como consequência, por meio de sua atuação, a agregação dos Tikuna em grandes
aldeias e o estabelecimento de escolas na maioria delas, as quais contavam com o ensino de
língua portuguesa. Nesse ponto, cabe ressaltar que, apesar do contato dos Tikuna com não-
indígenas ter iniciado em meados do século XVII e intensificado no século XIX e início do XX,
como já mencionamos nesta seção, a aproximação deles com a educação escolar só ocorreu na
segunda metade do século XX.
A atuação de vários atores sociais ao longo do século XX, tais como, empresários
seringalistas, madeireiros e comerciantes, o Estado e missionários de diferentes confissões
religiosas gerou diversas representações, propostas e ações direcionadas para os índios. De um
lado, foram-lhe impostas novas relações com o território que tradicionalmente ocupavam e de
outro lado, novas condutas, costumes e aprendizados.
A partir disso, os Tikuna iniciaram uma busca ativa por aquilo que acreditavam
representar uma melhoria nas suas vidas, o que resultou em adesão a religiões e a ideologias de
integração à sociedade regional, à formação de grandes aldeamentos e à procura pelo acesso e
pelo conhecimento do mundo dos não-indígenas, em que se pode situar o interesse pela
escolarização.
No processo de relação com o colonizador e com outros agentes sociais, tais como
alguns dos mencionados acima, houve a tentativa de subjugar as tradições culturais e
linguísticas do povo Tikuna, impondo-lhes, também, a língua portuguesa, mas os Tikuna têm
buscado, ao longo de sua história, manter vivas sua cultura e língua.
Esse breve panorama histórico que traçamos teve a intenção de evidenciar o contato
do povo Tikuna, falante de sua língua ancestral, com agentes sociais não-indígenas, falantes de
34
português, em sua maioria6. A partir da compreensão desse contato, e tendo em vista que há
uma estreita relação entre a dimensão social e a dimensão linguística nas comunidades em
contato, buscaremos embasar nossa análise sobre os aspectos da variedade de português usada
por esse povo, a qual nomearemos Português Tikuna.7
1.2 IDENTIFICAÇÃO CLÂNICA DOS PARTICIPANTES
A descendência clânica dos Tikuna é patrilinear e, conforme Nimuendajú (1952), os
Tikuna podem ser agrupados em metades, as quais chamou de grupo A e grupo B. Conforme
o etnólogo, a base que fundamenta o dualismo Tikuna tem origem mítica. Segundo o mito da
criação clânica, Yo´i atua como criador dessa organização. Nimuendajú nos apresenta o relato
de que Yo´i e Ipi capturaram um grande número de pessoas novas no rio (que seriam os Tikuna
recém-criados), as quais foram misturadas por não possuírem distinção. Para resolver o
impasse, “Yo´i as separou, colocando as pessoas que lhes pertenciam a leste e as que pertenciam
a Ipi, a oeste. Então, ele ordenou que cozinhassem um jacuraru e obrigou todos a provarem o
caldo. Assim procedendo, cada um ficou ciente do clã a que pertencia, e Yo´i ordenou aos
membros dos dois grupos que se casassem entre si”8. Como podemos notar, o mito evidencia o
reconhecimento clânico e a exogamia de metades.
No Brasil, segundo o etnólogo, o lado A tinha 15 clãs e o lado B, 21. O grupo A é
composto por doze clãs com nomes de árvores, dois com nomes de insetos e um com nome de
mamífero, conforme ilustramos no quadro a seguir.
6 Aqui, cabe ressaltar que há comunidades Tikuna também na Colômbia e no Peru e, como o grande povo Tikuna
vive em uma situação de fronteira, há também agentes sociais externos que falam espanhol, sendo que vários
Tikuna falam e/ou entendem espanhol. Bem como, vários mudam de aldeia entre países, por exemplo. 7 Apesar do ato de nomear, isso não faz supor uma unidade. O português indígena em questão deve comportar
extensa variação interna, dadas as dimensões da área Tikuna, que é imensa, e os diferentes graus de contato de
suas comunidades com a sociedade envolvente. 8 (...) dyɔi' separated them, putting his to the east and e´pi’s to the west. Then he ordered that a jacurarú be cooked,
and compelled everyone to taste the broth. Thus each one became aware of the clan to which he belonged.
Afterward dyɔi' ordered the members of the two groups to marry between themselves. (NIMUENDAJÚ, 1952, p.
129-130)
35
Quadro 19: Clãs do grupo A
Clãs Relação com árvores ou
animais
Correlações adicionais
1. a:´ru auahy grande (avaí) dyɔį´ (acutipuru, um esquilo)
2. čë´vëru
auahy pequeno (avaí; um
pássaro)
3. na´inyęę Saúva
4. tęku saúva (quanto a este tipo, o
autor se questiona se seria
uma outra espécie do
inseto)
5. čiva´ seringarana (uma árvore) a´i (onça pintada)
6. në´/nįn pau mulato (uma árvore) në/ma (suçuarana)
7. čëë´ acapu (uma árvore) a´iru (cachorro)
8. ë jenipapo dyɔį´ (acutipuru, um esquilo,
quanto a este tipo, o autor se
questiona se seria uma outra
espécie)
9. pu´kįrë muirapiranga
10. čun´a Caraná
11. të´ma burity grosso (buriti)
12. va´ira açahy
13. a´ičanari jenipapo do igapó (árvore)
14. kë´turë maracajá grande
15. nyë´ninči burity fino (buriti)
Fonte: Adaptado de Nimuendajú (1952, p. 56).
9 Os quadros 1 e 2 empregam a grafia utilizada por Nimuendajú (1952).
36
Nimuendajú (1952) nos informa a explicação para o fato de que, entre os clãs de
árvore, cinco são identificados com animais. A identificação de árvores com mamíferos deve-
se à concepção mítica Tikuna, segundo a qual certas árvores possuem alma. Conforme o mito
Tikuna, a alma da árvore a deixa durante a noite na forma do animal com o qual a árvore é
identificada, retornando ao amanhecer.
Como se pode ver pode meio da tabela, há dois clãs com nomes de insetos no grupo
de clãs que têm nomes de árvores. O motivo desse agrupamento foi explicado a Nimuendajú
por dois informantes que lhe disseram que a relação entre árvores e saúva era que as formigas
tinham o hábito de rastejar nas árvores. No que diz respeito aos clãs da metade B, todos têm
nomes de pássaro, conforme ilustramos no quadro abaixo.
Quadro 2: Clãs do grupo B10
Clãs Relação com pássaros Correlações adicionais
1. ta´u tucano
2. tuyuyu´ tuiuiú
3. aivë´ru urumutum
4. kaurë´ japiim
5. barį´ japu
6. ṅɔį´ arara vermelho
7. čara´ arara canindé
8. vɔɔ´ maracanã grande
9. a´/ta maracanã; (outras
espécies?)
10. vëu´ papagaio
11. ṅU/nęn mutum cavalo Tessmann’s “noenoka”
10 No quadro elaborado pelo etnólogo, ele lista apenas 19 clãs da metade B, apesar de ter mencionado anteriormente
que seriam 21.
37
12. mɔru maracanã; (outras
espécies?)
13. ë´/ča urubu rei
14. da:´vį gavião real
15. puna´ka arapaço
16. ɔta´ galinha
17. ë´/n ë parakeet
18. dyavįru´ jaburú
19. ṅa´una socó ou maguary
Fonte: Adaptado de Nimuendajú (1952, p.57).
Conforme Oliveira (1972), entre os Tikuna, a importância de pertencer a um clã se dá
pelo fato de que tal pertencimento faz com que eles se reconheçam Tikuna, ou seja, pertencer a
um clã faz parte da identidade étnica deles. O não pertencimento a um clã, ou a uma nação,
como eles próprios chamam, significa não fazer parte da sociedade indígena.
Como a descendência clânica é patrilinear, filhos de mães Tikuna e de pais não-
Tikuna, segundo a estrutura clânica, não seriam considerados Tikuna. No entanto, Oliveira
(1972) relata um caso de um indígena que, por ser filho de um “civilizado” com uma Tikuna
adotou o clã materno e o transmitiu aos filhos. Na época, Oliveira relatou que esse foi o único
caso de rearranjo clânico de que ele teve notícia. Para reiterar suas percepções, o antropólogo
ainda relata que o principal informante de Nimuendajú com quem ele contactou não se
reconhecia Tikuna pelo fato de o pai ter sido um alemão que residia em Santa Rita do Weil.
Hoje, o rearranjo clânico não parece ser tão raro assim, tanto que uma das participantes
da pesquisa relatou que fez, juntamente com sua mãe, um reajuste a fim de se incorporar à
sociedade indígena Tikuna. Tal fato confirma uma hipótese levantada por Oliveira (1972, p.
25), de que “sistemas sociais indígenas, estruturados sobre grupos de descendência
demonstrável (linhagens) ou supostos (clãs, sibs, metades) tendem a reajustar seus mecanismos
de filiação a fim de incorporar à sociedade indígena seus descendentes espúrios”.
A seguir, apresentamos a tabela que evidencia a qual clã/nação cada participante
pertence.
38
Tabela 1: Clãs dos participantes
No nome próprio de uma pessoa Tikuna, está em jogo o significado da raiz ou de uma
composição entre raízes; em alguns casos, há uma coordenação entre dois nomes, por meio do
qual pode ser identificado o clã ao qual a pessoa pertence. Além disso, outras informações
podem ser aí identificadas. Para reiterar as afirmações de Nimuendajú (1952), de que os nomes
dos indígenas mais antigos são carregados de significado, abaixo apresentamos alguns
exemplos de nomeação dos participantes de nossa pesquisa. Cabe ressaltar que, diferentemente
da época em que Nimuendajú (1952) observou o fenômeno da nominalização entre os Tikuna
e notou que todos tinham e sabiam seus nomes étnicos, verificamos alguns casos de
participantes indígenas que não tinham ou não lembravam seu nome próprio na língua Tikuna.
Dentre os participantes da faixa 2, todos falaram seus nomes próprios na língua
Tikuna, já em relação aos participantes da faixa 1, 1 disse não lembrar e 1 disse ainda não
possuir um nome indígena. Como forma de exemplificarmos o que afirmamos, apresentamos
abaixo o caso de um homem e uma mulher da faixa 2 com seus respectivos nomes próprios na
11 Os participantes estão apresentados nesta tabela com as iniciais de seus nomes em língua portuguesa,
separadas por barras, seguidas da idade e gênero. Adotaremos essa forma de identificação ao longo do texto.
PARTICIPANTE11
CLÃ/NAÇÃO
A.C.A./43. MASC. ARARA (NGO'Ü)
B.C.C./35. FEM. MUTUM (NGUNÜ)
B.S.G./56. FEM. ARARA (NGO'Ü)
C.L.S./34. FEM. TABACO
E.A.L./29. FEM. AVAÍ (NGA'CÜ)
E.D.I./33. MASC. AVAÍ (NGA'CÜ)
F.A.D./56. MASC. ONÇA (WAECÜ)
H.A.R./38. MASC. ONÇA (WAECÜ)
H.Z.M./34. MASC. AVAÍ (NGA'CÜ)
J.O.C./29. MASC. ONÇA (WAECÜ)
J.M.G./40. MASC. AVAÍ (ARU)
J.G.M./29. FEM. MUTUM (NGUNÜ))
J.M.T./30. MASC. JABURU
L.J.F./37. MASC. AVAÍ (ARU)
L.F.D./27. MASC. MUTUM (NGUNÜ)
M.F.C./41. MASC. AVAÍ
N.C.F./42. FEM. ARARA (NGO'Ü)
N.C.FR./28. FEM. AVAÍ (ARU)
O.B.A./54. MASC. SAÚVA
O.A.A./50. MASC. AVAÍ (NGA'REECÜ)
P. B.M./33. MASC. MUTUM (NGUNÜ)
W.A.S./51. MASC. MUTUM (NGUNÜ)
Z.L.S./48. FEM. SAÚVA
39
língua Tikuna seguidos dos nomes dos pais; um homem e uma mulher da faixa 1 que não
lembram ou não possuem os nomes na língua Tikuna. Apresentamos, também, um caso de
rearranjo clânico.
O nome próprio, na língua Tikuna, de A.C.A./43. MASC. é Tchopaweecü rü
Inhamarecü. Segundo o participante, o nome dele significa ‘Arara de bico vermelho’. O nome
do pai de A.C.A./43. MASC., na língua materna, é To’gücü, que segundo o participante,
significa ‘Arara vermelha’: “quando ele voar aí pra fica do galho do do (hesitação) pau né?”.
Tanto o pai quanto A.C.A./43. MASC. pertencem ao clã de Arara Vermelha. O nome da mãe
de A.C.A./43. MASC. é Yuueena, e indica descendência clânica de Onça.
B.S.G./56. FEM. se chama, na língua Tikuna, Nu’cürana rü buemüüna, que significa
‘Arara com rabo curto’. O nome do pai dela é Bumücü e significa ‘Aquele que voa’. Os dois
pertencem, portanto, ao clã de Arara. O nome da mãe é Wairena, que significa ‘Aquela que
pendura na parede’. O clã a que pertence a mãe é Avaí.
C.L.S./34. FEM., quando questionada se possui um nome próprio na língua respondeu:
“ainda não professora”. Quando questionada se o pai ou a mãe pertencem a alguma etnia, a
participante respondeu que eles são indígenas Tikuna, mas que não sabe os nomes indígenas
deles. Soube responder apenas a nação do pai, que é Tabaco e da mãe, Jaburu.
L.F.D./27. MASC., ao ser indagado sobre o seu nome próprio na língua Tikuna, bem
como os de seus pais, afirmou não se lembrar.
Ainda cabe o registro de um participante da faixa 1, H.A.R./38. MASC., que sabe o
nome próprio na língua Tikuna, mas não lembra os nomes indígenas dos pais.
Quando perguntamos a B.C.C./35. FEM. a qual clã ela pertence, ela respondeu que
pertence ao clã de Mutum. Indagamos de quem ela herdou esse clã e a resposta transcrevemos
abaixo:
(...) vamos dizer que como como meu pai ele é não indígena vamos dizer assim meu pai
que eu digo é meu padrasto né aí já digo meu pai pra ele mas minha mãe diz que meu pai é não
indígena era um colombiano e aí pra poder casar com meu esposo que ele é Tikuna né ele é da
etnia é vamo Tikuna nação de Onça e a minha mãe ela é nação de Avaí e aí como o Avaí e a
Onça são vamo dizer primos na nossa etnia aí eu tive que adotar um clã pra mim que não fosse
igual né por exemplo o de pena ele pode casar com quem não tem pena e aí eu aderi esse quer
dizer eu eu e minha mãe a gente quando foi pra tirar o nosso rezistro a minha mamãe colocou
eu como se fosse uma pessoa de pena pra poder casar com meu... senão não podia casar com
ele porque ele é nação de Onça e mamãe de Avaí eles são primo e aí ele seria meu parente e
aí o jeito foi eu criar uma uma nação pra mim por quê? Porque na etnia Tikuna é assim se é
os filhos geralmente eles herdam o clã do pai e não da mãe então como a mamãe ela é feminina
40
né e aí tinha que ser do sexo masculino e aí eu coloquei essa minha nação nação de Mutum
pra poder ter um relacionamento bom.
A resposta de B.C.C./35. FEM. é exemplo de um rearranjo clânico no intuito de se
inserir na sociedade indígena Tikuna e poder casar com um homem da nação de Onça. A
resposta da participante deixa claro o conhecimento que ela tem do sistema patrilinear que faz
parte da estrutura clânica da sociedade Tikuna. Ela atribuiu a si o clã Mutum e o nome
Mecürana, que quer dizer, segundo ela, ‘cauda bonita’, nação de Mutum.
Abaixo, para finalizar esta seção, apresentamos o gráfico que ilustra a quantidade de
participantes masculinos e femininos e os respectivos clãs/nações.
Gráfico 1: Clã/Nação dos participantes
1.3 CONTATO PORTUGUÊS-TIKUNA NO ALTO SOLIMÕES - BRASIL
No que diz respeito ao contato dos Tikuna com não-indígenas, datam de meados do
século XVII os primeiros registros, os quais foram feitos pelo padre jesuíta Christóval de
Acuña, escrivão e observador da expedição de Pedro Teixeira (1637). Os dados registrados por
Acuña se encontram presentes no livro Novo Descobrimento do Rio Amazonas (1994). Há,
ainda, outros registros que apontam a presença dos Tikuna na região do Alto Solimões e o
contato deles com não-indígenas, como os de Bates (1979 [1857]), Nimuendajú (1952; 1982),
La Condamine (1992) e Marcoy (2006).
Conforme Freire (2004), a língua portuguesa entrou na região amazônica já no século
XVII, tendo sido trazida por missionários, soldados e funcionários da Coroa Portuguesa. Por
0
1
2
3
4
5
6
7
MUTUM TABACO AVAÍ (NGA'CÜ) ONÇA
(WAECÜ)
SAÚVA ARARA
(NGO'Ü)
Gênero
Clã/Nação dos participantes
Masculino Feminino
41
volta de 1697, por exemplo, segundo Hüttner (2007), a ordem dos Carmelitas se deslocou para
o Alto Solimões, a fim de efetivar um trabalho sob o comando do governo português. Esse
trabalho consistia em ensinar a catequese e, além disso, a língua portuguesa e música aos
indígenas.
De acordo com Freire (1983), a introdução da língua portuguesa no Amazonas ocorreu
de forma muito mais lenta que em outras regiões do norte do país, devido, principalmente, aos
seguintes fatores: crises na Coroa do Império Português, distância geográfica em relação às
outras regiões nas quais os colonizadores aportaram anteriormente, muitos fracassos na
tentativa de domesticação de povos indígenas, que buscaram resistir às imposições de várias
ordens, seja quanto ao regime de trabalho escravo quanto à tomada de terras, à proibição da
língua e dos costumes.
A imposição da língua portuguesa não ocorreu de forma pacífica, pelo contrário, foi
permeada por grandes conflitos entre indígenas e não-indígenas. Para reverter essa situação,
muitas ações foram realizadas no intuito de que o português fosse falado pelos povos indígenas,
dentre elas a proibição da língua indígena, a imposição de uma língua geral, acompanhada de
uma substituição pela língua portuguesa.
Freire (2004) evidencia que durante todo o período colonial, “a língua portuguesa –
cujas categorias não davam inteligibilidade à realidade cultural e ecológica da região –
permaneceu minoritária, como língua exclusiva da administração, mas não da população”
(FREIRE, 2004, p. 16). Ainda segundo o autor, o monolinguismo em português passou a
predominar na região amazônica a partir da segunda metade do século XIX. Muitos povos
indígenas foram mortos, sofreram uma imposição bastante severa e, nesse processo, cada novo
falante indígena do português resultava em vários falantes a menos em língua indígena, que era
deixada de ser usada, em uma ou duas gerações, por seus usuários potenciais. Diante desse
quadro, muitas línguas indígenas foram suplantadas pelo português. Este, no entanto, não é o
caso da língua Tikuna, que continuou sendo intensamente falada na região do Alto Solimões,
consequência de ações de luta e resistência do povo que a fala.
Efetivamente, pode-se afirmar que o desenvolvimento da língua portuguesa entre os
indígenas só se consolidou a partir do momento em que a Amazônia passou a ser inserida nas
atividades comercias internacionais, por conta da extração de látex para produção da borracha
no exterior. Tal fato trouxe para a região muitos nordestinos, falantes exclusivos de língua
portuguesa, em busca de uma reorganização de suas vidas (cf. ANGULO E BONIFÁCIO,
2017).
42
Além disso, de acordo Rodrigues (2003), dentre os fatores sociais que mais
contribuíram para a penetração e generalização da língua portuguesa na Amazônia, tal como
ocorre na atualidade, podem ser considerados: o genocídio da população de falantes de língua
indígena e, posteriormente, como já mencionado acima, a importação intensa para os seringais
amazônicos de trabalhadores nordestinos, falantes exclusivos da língua portuguesa e, mais
recentemente, sobretudo no século XX, um outro fator foi a crescente escolarização unicamente
em Português.
Nesse ponto, cabe ressaltar que, apesar de o contato dos Tikuna com não-indígenas ter
iniciado em meados do século XVII, a aproximação deles com a educação escolar só ocorreu
na segunda metade do século XX. Conforme Bendazzoli (2011), é provável que o início da
criação das escolas em comunidades indígenas tenha sido impulsionado pelo aumento do
número de religiosos nessas localidades.
O contato e a intensificação das relações com os não-indígenas foram responsáveis por
desencadear, nas comunidades indígenas, a necessidade de conhecer os códigos e os símbolos
dos não-indígenas, uma vez que estes e suas ações passaram a fazer parte do entorno indígena.
É nesse contexto histórico que surge a Educação Escolar Indígena.
Diante desse cenário, os Tikuna iniciaram um movimento de luta para que tivessem
uma educação específica, diferenciada e bilíngue, que atendesse às suas próprias necessidades.
Uma das ações diretamente relacionada ao movimento Tikuna para manter vivas sua
língua e cultura está no campo da educação, por meio da criação da ONG intitulada Organização
Geral dos Professores Tikuna Bilíngues – OGPTB. Esta ONG foi criada em 1986 e constituída
juridicamente em 1994. Uma das finalidades dela é desenvolver ações no campo da educação
escolar indígena, sobretudo dos Tikuna, atuando de forma prioritária na formação dos
professores.
Como exemplo, ainda podemos mencionar o fato de que professores Tikuna
participaram do I e II Encontro dos Professores Indígenas do Amazonas e Roraima, realizados,
respectivamente, em 1988 e 1989, em Manaus, e, na ocasião, manifestaram o anseio e a
disposição de lutar por uma formação que pudesse atender aos desafios para chegar à escola
almejada.
Mais recentemente, como resposta a uma demanda e frente de luta do povo Tikuna,
podemos citar a criação e oferta de cursos de graduação voltados especificamente à formação
de professores indígenas, dedicando, em suas grades, atenção/ênfase à língua Tikuna.
Por fim, cabe dizer que a atuação de vários atores sociais ao longo da história de
contato com os Tikuna, tais como, empresários seringalistas, madeireiros e comerciantes, o
43
Estado e missionários de diferentes confissões religiosas gerou diversas representações,
propostas e ações direcionadas para os índios. De um lado, foram-lhe impostas novas relações
com o território que tradicionalmente ocupavam e, de outro lado, novas condutas, costumes e
aprendizados.
No processo de relação com o colonizador e com outros agentes sociais, tais como
alguns dos mencionados acima, houve a tentativa de subjugar as tradições culturais e
linguísticas do povo Tikuna, impondo-lhes, também, a língua portuguesa, mas os Tikuna têm
buscado (e conseguido), ao longo de sua história, manter vivas sua cultura e língua.
44
CAPÍTULO 2 - CONTATO LINGUÍSTICO, AQUISIÇÃO E
VARIAÇÃO
Movimentos migratórios, invasões territoriais, relações exogâmicas e práticas
comerciais se configuram como algumas circunstâncias históricas, políticas, culturais e sociais
que podem propiciar contatos linguísticos, concebidos como um dos fatores externos de
extrema relevância para os estudos sobre a realidade das línguas. Desse modo, estudos que
envolvem o contato linguístico constituem um suporte para análises linguísticas que levam em
consideração, também, as relações sociais, políticas e culturais que envolvem a dinamicidade
das línguas, como é o caso do presente estudo. Adotamos, como basilares para a fundamentação
de nossa pesquisa, trabalhos como o de Weinreich (1953), Thomason e Kaufman (1988),
Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), Winford (2003), Thomason (2001), Matras (1998,
2009), dentre outros, por nos possibilitarem analisar efeitos do contato linguístico na variedade
de português falada pelos professores Tikuna que elencam nosso estudo, principalmente no que
se refere à aquisição de segunda língua, ao bilinguismo e à variação, conforme ilustraremos no
capítulo que segue.
2.1. O CONTATO LINGUÍSTICO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Conforme Weinreich (1953), o contato entre línguas ocorre quando estas são usadas
de maneira alternada em uma situação comunicativa entre falantes de uma comunidade. Esses
falantes são concebidos pelo autor como peças fundamentais no que diz respeito ao próprio
processo de contato. Dessa forma, conforme o autor, surge o bilinguismo, visto como a prática
de usar alternadamente duas línguas, e a pessoa envolvida nessa prática é chamada de bilíngue.
Segundo Weinreich (1953), é interesse da Linguística investigar o fenômeno da
interferência como um resultado de contato linguístico. O termo interferência, para o autor,
implica o rearranjo de padrões que resultam da introdução de elementos estrangeiros nos
domínios mais fortemente estruturados de uma língua, como o sistema fonêmico, a morfologia,
a sintaxe, e algumas áreas do vocabulário, como parentesco, cor, tempo etc.
Ainda conforme o autor, as diferenças e semelhanças entre as línguas em contato,
sejam elas grandes ou pequenas, devem ser declaradas de forma exaustiva para cada domínio,
a saber: o fônico, o gramatical e o lexical. Essa declaração para cada domínio é tida por
Weinreich (1953, p. 2) como um pré-requisito para uma análise da interferência.
45
Em relação à questão da interferência, Weinreich (1953) defende que este fenômeno
ocasiona mudanças de normas ou desvios que possam vir a ocorrer na fala de pessoas usuárias
de mais de uma língua em uma situação de interação em comunidades. Essas mudanças ou
desvios são resultantes do processo que atinge as línguas em situação de contato. Ainda
conforme o autor, a questão da interferência está relacionada ao prestígio que uma língua
assume sobre a outra.
A abordagem de Matras (2009) para o contato linguístico baseia-se no entendimento
pós-moderno de língua como um continuum de usos e não como um sistema. Baseado na
observação de que contato linguístico, como tal, não existe, Matras re-centraliza a mudança
induzida por contato na produção da fala, isto é, tanto no processamento de linguagem quanto
nos objetivos de comunicação.
Nessa abordagem, o falante multilíngue é o locus dos repertórios, quais sejam:
repertórios inteiros ou partes específicas deles estão associados a atividades sociais específicas
e são regulados por atitudes prescritivas da comunidade de fala.
Em Matras (2009), o contato linguístico é visto como operando em diferentes níveis:
começando com o multilinguismo infantil, participando em alguns casos num multilinguismo
social mais amplo que ou bloqueia ou permite que os efeitos do contato linguístico se
estabeleçam e, em última análise, levem à mudança linguística. Segundo o autor, dois
mecanismos principais estão em jogo em todos os níveis: o primeiro mecanismo diz respeito
aos operadores do discurso, que são formas linguísticas mais facilmente transmitidas do
repertório de uma língua para outra. O segundo mecanismo diz respeito às estruturas
linguísticas que mostram uma tendência constante através do paralelismo de suas semelhanças
funcionais.
Na visão de Winford (2003), os resultados possíveis de contato linguístico diferem
segundo duas amplas categorias de fatores: os internos (ou linguísticos) e os externos (ou social
e psicológico). Dentre os fatores linguísticos relevantes, o autor cita a natureza da relação entre
as línguas em contato, especialmente o grau de similaridade tipológica entre elas. No entanto,
cabe ressaltar que o grau de similaridade não é decisivo nesse processo. Além disso, há uma
variedade de outras restrições linguísticas que operam nessas situações de contato, algumas
delas específicas a áreas particulares da estrutura linguística, por exemplo, o léxico, a fonologia,
a morfologia; outras restrições, de um modo geral, não são específicas, mas de natureza
universal.
Já no que diz respeito aos fatores sociais relevantes estão a duração e intensidade do
contato entre os grupos, o tamanho destes grupos, o poder ou relações de prestígio e padrões de
46
interação entre eles, bem como as funções que são estabelecidas para a comunicação
intergrupal. Há, ainda, os fatores sociopolíticos, que atuam em ambos os níveis, individual e
intergrupal. Tais fatores estariam relacionados às atitudes em relação às línguas e às motivações
para usar uma ou outra.
Conforme Winford (2003), a maioria das línguas, se não todas, foram/têm sido
influenciadas em um ou outro tempo por contato com outras línguas. Como resultado disso,
Thomason e Kaufman (1988) defendem que a situação de contato linguístico suscita a
possibilidade de mudanças, tanto na língua considerada dominante quanto na dominada, fato
que caracteriza uma heterogeneidade linguística ocasionada por uma influência mútua entre os
diferentes falantes, o que, consequentemente, pode levar a uma perda linguística para alguns
falantes de uma determinada língua - geralmente os mais jovens-, bem como pode causar,
também, alterações, em parte, na identidade destes indivíduos. De acordo com estes últimos
autores, a interferência linguística tem início no âmbito da fonética e da sintaxe e também pode
abranger, em alguns casos, a morfologia.
Thomason e Kaufman (1988), ao abordarem a questão da mudança linguística
motivada pelo contato, defendem que o ponto de partida para a teoria da interferência linguística
é a de que a história sociolinguística dos falantes, e não a estrutura da língua falada é que se
configura como o determinante primário do resultado linguístico do contato. De acordo com
esses teóricos, considerações puramente linguísticas têm sua relevância, mas, em geral, são
estritamente secundárias, tendo em vista que a interferência linguística é condicionada, em
primeiro lugar, por fatores sociais, e não linguísticos. Tanto a direção da interferência como a
extensão desta são socialmente determinadas.
Thomason (2001, p. 129) assume que qualquer tipo de mudança linguística pode
ocorrer como resultado indireto de contato linguístico e apresenta um estudo dos tipos de
contato que resultam em alteração. Em relação à mudança linguística induzida por contato
linguístico, a autora evidencia sete mecanismos e os analisa de maneira profunda. Tais
mecanismos são: 1) code-switching (troca de código, que consiste no uso de material de duas
ou mais línguas pelo mesmo locutor na mesma conversa); 2) alternância de código (o uso de
duas ou mais línguas pelo mesmo locutor em diferentes ambientes); 3) familiaridade passiva;
4) 'negociação' (falantes aproximam sua própria língua à forma que eles acreditam ser a
estrutura da língua-alvo); 5) estratégias de aquisição de segunda língua (o falante usa material
da sua língua materna para compensar uma forma que ainda não reconhce na língua-alvo); 6)
aquisição bilíngue em primeira língua e 7) mudança por deliberação deliberada. A seguir, com
base em Thomason (2001), discriminamos os mecanismos que interessam ao presente trabalho.
47
“Negociação” - conforme Thomason (2001, p. 142), as aspas que envolvem o nome
deste mecanismo significam uma advertência de que o termo não deve ser tomado literalmente,
no sentido de negociação consciente entre falantes de línguas em contato, com discursos,
discussões e decisões mútuas sobre mudanças. Isso porque os falantes provavelmente não têm
consciência da maioria das mudanças induzidas por contato relacionados a esse mecanismo. O
mecanismo de "negociação" funciona quando os falantes mudam sua língua (A) para se
aproximarem do que eles acreditam ser os padrões de outra língua ou dialeto (B). Este
mecanismo envolve situações em que falantes de A não são fluentes em B, bem como situações
em que eles o são. E, em caso de serem bilíngues, as mudanças que fazem através deste
mecanismo tornarão A mais semelhante a B, isto é, as estruturas de A e B convergem. Por outro
lado, se não forem fluentes em B, as mudanças podem ou não tornar A mais semelhante a B.
No caso de os falantes A e B participarem do processo de "negociação", o resultado será ou
duas línguas mudadas (A e B) ou uma língua completamente nova (embora o segundo resultado
seja muito mais provável se mais de duas línguas estiverem em contato). Ainda de acordo com
a autora, situações prototípicas da gênese de um pidgin são exemplos clássicos do mecanismo
de negociação.
Estratégias de aquisição de segunda língua – há diferentes estratégias de aquisição de
segunda língua. A negociação é uma das principais estratégias utilizadas pelos aprendizes que
adquirem uma segunda língua, para ajudar a conferir sentido a um input (às vezes, confuso)
nessa segunda língua (L2) em processo de aquisição. Outra estratégia pode ser entendida como
uma abordagem por preenchimento de lacuna (gap-filling approach), em que o falante utiliza
elementos estruturais da língua nativa ao falar na língua-alvo, para preencher lacunas no
conhecimento, que surgem no momento da comunicação, como ocorre, por exemplo, no caso
das inserções lexicais, que se configuram, talvez como o mais óbvio dos casos, ou no uso de
traços estruturais, que ocorrem de modo proeminente. Um exemplo dessa estratégia citado por
Thomason (2001, p. 147) é o caso de falantes de inglês que, no processo de aquisição de francês,
muitas vezes, pronunciam um /r/ do francês como se fosse um /r / do inglês, som este inexistente
em francês.
Uma outra estratégia de que se valem os que adquirem uma segunda língua é manter
distinções e outros padrões de sua língua nativa (sua L1) ao construírem sua versão da gramática
da língua-alvo (a L2).
Uma última estratégia usada por aprendizes de segunda língua é ignorar distinções,
especialmente as distinções marcadas, que estão presentes de forma clara na língua-alvo, mas
48
opacas aos aprendizes que se encontram nos estágios iniciais ou intermediários do processo de
aquisição de uma língua (cf. Thomason, 2001).
Thomason (2001) apresenta estudos de caso e as consequências do contato linguístico.
Ao se debruçar sobre esse tema, a autora apresenta e sustenta a teoria de que os atores sociais
são importantes e explanatórios para um estudo do contato linguístico. De acordo com ela, ao
apresentar os mecanismos que dizem respeito à mudança linguística induzida por contato
linguístico, exemplificando com casos e consequências do contato, tem-se a intenção de fazer
entender tipos de fatores gerais que devem ser considerados em qualquer análise de processos
de mudança induzida por contato.
Um outro fator importante tratado por vários pesquisadores que se debruçam sobre os
efeitos do contato linguístico está relacionado à morte de línguas. Conforme Thomason (2001),
a morte de uma língua é quase sempre resultado de contato intensivo com uma outra. Ao tentar
definir a morte de línguas, a autora usa os exemplos do latim e hebraico, que colocam problemas
para qualquer definição simplista. A autora evidencia que a maioria dos processos que
contribuem para a morte de uma língua, como perda lexical, empréstimo, etc são típicos de
situações de contato em geral. Outros processos menos típicos de morte de uma língua são a
substituição gramatical e a morte abrupta, por exemplo, devido à morte de uma comunidade
linguística, como é o caso de muitas línguas indígenas no Brasil.
A seguir, apresentamos um outro efeito ocasionado pelo contato de linguístico, que é
a aquisição de segunda língua.
2.2 O CONTATO LINGUÍSTICO E A AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA EM
DIFERENTES PERSPECTIVAS
Em relação aos perfis dos grupos que entram em contato, Thomason (2001) apresenta
alguns casos distintos: a) dois grupos de línguas movendo-se simultaneamente em um território
anteriormente desocupado; b) o comum de acontecer é de um grupo linguístico ocupar o
terrritório de outro grupo, impondo à população preexistente o seu domínio; c) imigração de
pequenos grupos, no caso de força de trabalho importada; d) diferentes grupos reunindo-se em
terras para fins de comércio ou colheita; e) pessoas reunindo-se para estabelecer contatos
sociais, por exemplo casamento; f) línguas que foram aprendidas por conta de uma expansão
de domínio da língua, caso do latim na Idade Média ou do inglês na atualidade.
Conforme a autora, as situações de contato linguístico se diferem ainda mais no que
diz respeito a sua estabilidade, ou seja, algumas são de curta duração, enquanto outras se tornam
49
quase permanentes e, na visão da autora, parece que a estabilidade é influenciada puramente
por fatores sociais, em vez de linguísticos.
Nesta seção, limitamo-nos a abordar algumas concepções gerais acerca de estudos
relacionados à aquisição de segunda língua motivada por situações que envolvem o contato
linguístico entre diferentes grupos.
2.2.1 O processo de aquisição de segunda língua e suas implicações nas ações realizadas pelo
aprendiz
No que diz respeito à aquisição de uma segunda língua e às estratégias usadas pelos
falantes nesse processo, desde cerca de 1950, os termos interferência ou transferência negativa
têm se revelado questões importantes em pesquisas sobre essa temática. Muitos estudos foram
realizados para verificar se a primeira língua dos aprendizes exerceria alguma influência na
aquisição de uma segunda língua.
Um dos pioneiros a levantar essa questão foi Weinreich, no livro de sua autoria
Línguas em Contato (1953). Nesse livro, o autor afirma que quanto maiores forem as diferenças
entre os sistemas, ou seja, quanto mais numerosas e mutuamente exclusivas forem as formas e
os padrões em cada língua, maior será o problema de aprendizado e da área potencial de
interferência. Uma sugestão feita por Weinreich (1953) é a de que a primeira língua influencia
a aquisição da segunda. Conforme Matras (2009), já é um senso comum a noção de que
aprendizes de segunda língua usam elementos ou estruturas de sua língua nativa ao falarem
uma segunda língua
A influência de uma língua sobre a outra é extremamente importante em situações de
contato linguístico prolongado e sistemático. Quanto à aquisição de segunda língua motivada
por contato, Weinreich (1953) implicitamente distinguiu dois tipos de influência: dificuldades
causadas pelas diferenças entre a língua fonte e a língua-alvo e interferência. Esta última
definida como sendo o uso de elementos, estruturas e regras da língua fonte na produção da
língua-alvo, um fenômeno que também é frequentemente chamado de “transferência
negativa”. Dito de outro modo, essa transferência se manifesta por meio da introdução de
elementos estrangeiros nos domínios altamente estruturados da língua, como a maior parte do
sistema fonêmico, grande parte da morfologia e sintaxe e algumas áreas do vocabulário
Seguindo essa mesma linha, Lado (1957) afirma que o aprendiz que entra em contato
com uma outra língua achará algumas características dessa língua muito fáceis e outras
extremamente difíceis. Para o autor, características consideradas mais fáceis são aquelas
50
semelhantes à língua nativa, o que redundará em uma transferência positiva, já aquelas
características que apresentam elementos diferentes da língua nativa são consideradas difíceis.
Muitos pesquisadores têm tentado invalidar a suposição comum de que os aprendizes
de uma segunda língua sentem dificuldades nesse aprendizado, principalmente por causa das
diferenças entre os sistemas da primeira e da segunda língua; refutam, assim, a hipótese de que
o processo de aprendizagem é determinado pelo grau de similaridade ou de diferença entre a
primeira e a segunda língua. Essa suposição, que foi desenvolvida em salas de aula de língua
estrangeira, também passou a ser generalizada para contextos de aprendizagem natural de
línguas, e foi denominada hipótese da análise contrastiva. Conforme Appel e Muysken (2005),
há muitos mal-entendidos e confusões sobre a natureza da interferência na literatura que aborda
a questão da hipótese da análise contrastiva.
Essa hipótese foi duramente contestada e refutada porque teria sido foi desenvolvida
em consonância com a teoria da aprendizagem behaviorista, na qual a ‘transferência’ é uma
noção central (cf. Ellis, 1965). Segundo essa concepção, erros no desempenho de segunda
língua eram entendidos, principalmente, como o resultado da transferência de habilidades ou
de hábitos da primeira língua.
Weinreich (1953) e Lado (1957) não foram muito claros nas distinções quanto à
transferência e interferência e estes termos passaram a ser considerados como erros, desvios,
portanto, vistos de forma negativa.
Diante dessa falta de clareza quanto aos termos interferência e transferência, Sankoff
(2003) substitui o primeiro termo pelo segundo e atribui destaque, no processo de aquisição de
uma segunda língua, ao uso linguístico de um falante bilíngue dentro de uma comunidade de
fala, tendo em vista a necessidade de os interlocutores da língua fonte interagirem com os da
língua-alvo. Isso porque quanto maior acesso o aprendiz tiver aos dados da língua-alvo, maiores
possibilidades ele terá de perceber e produzir as formas e os padrões linguísticos da língua-
alvo.
Matras (2009) atribui uma nova interpretação ao processo conhecido como
interferência ou transferência. Segundo o autor, esses termos constituem um processo pelo qual
o falante faz, ou pelo menos tenta fazer, uso comunicativo criativo de elementos do repertório
completo e combinado de estruturas linguísticas em um contexto que requer seleção de apenas
um subconjunto desse repertório. Ainda conforme Matras (2009), transferência e interferência
têm sido tradicionalmente consideradas como eventos negativos no processo de aprendizagem
e como manifestações de fracasso do aprendiz em adquirir as estruturas corretas da língua-
alvo. Mas enquanto eles não resultam em incompreensibilidade e em uma quebra de
51
comunicação, o autor defende que transferência e interferência devem ser vistas como “pontes
para sustentar a comunicação”.
Mais recentemente, os termos interferência e transferência têm sido entendidos não
como uma transferência negativa, mas como um processo natural e inerente à aquisição de uma
segunda língua. Conforme Appel e Muysken (2005), a distância entre as duas línguas
envolvidas parece afetar o processo de aquisição da segunda língua, como Weinreich (1953) já
havia sinalizado, mas não nos termos em que o autor utilizou.
Segundo Appel e Muysken (2005), no final da década de 1970 e no início dos anos 80,
os termos “interferência” ou “transferência negativa” foram concebidos novamente como um
componente importante da aquisição de segunda língua. A reavaliação foi motivada,
principalmente, pelas melhorias metodológicas no estudo de sistemas de línguas em contato.
Conforme os autores, o termo transferência passou a tomar lugar na visão mentalista de
aquisição de linguagem, segundo a qual o indivíduo organiza mentalmente estruturas ouvidas
da língua-alvo e desenvolve hipóteses sobre elas. Ainda de acordo com os autores, estudos
detalhados sobre a aquisição de segunda língua mostraram que a interferência certamente
ocorre, mas, principalmente, em certos estágios de desenvolvimento.
Um outro termo bastante recorrente nos estudos sobre contato linguístico e que tem
relação com a aquisição de segunda língua é “interlíngua”. O conceito desse termo foi
introduzido por Selinker (1972) e diz respeito à versão ou à variedade da língua-alvo que faz
parte do conhecimento linguístico implícito ou da competência do aprendiz de segunda língua.
Conforme o autor, o aprendiz passa por uma série de interlínguas no caminho para completar o
domínio da língua-alvo, mas, geralmente, esse domínio não é completamente alcançado pelos
aprendizes, que ficam estabilizados em uma das etapas da interlíngua. É preciso esclarecer que,
para o autor, interlíngua deve ser entendida como um sistema intermediário caracterizado por
recursos resultantes de estratégias de aprendizagem de línguas.
Conforme Matras (2009), embora a abordagem tradicional tenha concebido a
interlíngua como uma versão incompleta ou deficiente da língua-alvo, uma abordagem
alternativa define interlíngua como uma “linguagem matriz composta”, que se configura como
uma combinação de três sistemas: as línguas adquiridas previamente pelos alunos, uma
variedade da língua-alvo e a variedade de alunos em desenvolvimento.
Quando se fala em aquisição de segunda língua pelo viés do contato linguístico, além
dos termos que apresentamos acima, há outras questões que são alvo de estudos, tais como as
diferenças de idade, como veremos a seguir.
52
2.2.2 O papel da idade no processo de aquisição de segunda língua
É comumente aceita a ideia de que os aprendizes mais velhos mostram mais
ocorrências de transferência em sua interlíngua do que os aprendizes mais jovens. As crianças
parecem assumir a tarefa de aprender uma segunda língua mais espontaneamente do que os
adultos, o que resulta em similaridades mais estruturais com os falantes de primeira língua.
Appel e Muysken (2005) evidenciam que aprendizes mais velhos geralmente mostram
uma extensa transferência em sua pronúncia. A transferência fonética provavelmente ocorre
mais regularmente do que a transferência em outros níveis, e uma das possíveis causas parece
estar relacionada, para os autores, a causas fisiológicas, pois parece difícil aprender novos
hábitos de pronúncia de forma adicional aos já existentes.
Em relação às diferenças de idade no processo de aquisição de segunda língua, não há
evidências conclusivas de um período crítico para essa aquisição, ou seja, um período que
duraria até, por exemplo, a puberdade em que a aprendizagem pudesse ocorrer completamente,
e após esse período uma segunda língua nunca poderia ser aprendida completamente. Esse
período crítico foi proposto por Lenneberg (1967) para os aprendizes de primeira língua e
aprendizes em processo de aquisição de segunda língua.
Para muitos aprendizes de segunda língua, o ideal a se atingir é uma proficiência
parecida com a de um falante nativo da língua-alvo. No entanto, por meio dos estudos
efetivados por Appel e Muysken (2005), percebemos que muitos aprendizes, especialmente os
mais velhos ou aqueles que permanecem isolados da comunidade da língua-alvo nunca atingem
esse objetivo, ou talvez nem queiram atingir, ficando esse desejo mais latente entre aqueles que
têm um contato intenso fora da comunidade. Esses aprendizes que permanecem isolados ficam
estacionados nos estágios intermediários de aquisição, como a fossilização.
Ainda em relação às diferenças entre adultos e crianças no processo de aquisição de
segunda língua, em publicações mais recentes (cf. Winford, 2003; Appel e Muysken, 2005;
Matras, 2009), percebe-se a defesa de que muitos fatores medeiam a influência da idade na
aquisição da segunda língua, e o que se deve ser enfatizado são efeitos de fatores cognitivos,
afetivos e sociais. Por exemplo, por conta de diferenças em seus níveis de desenvolvimento
cognitivo, os aprendizes de diferentes faixas etárias também podem empregar diferentes
estratégias de aprendizagem, que podem ter consequências nas respectivas habilidades de
segunda língua. Outro fator que medeia o processo de aquisição de segunda língua entre
crianças e adultos diz respeito à possibilidade de haver diferenças na relação entre o aprendiz e
53
a comunidade da língua-alvo, isto é, a distância social e psicológica entre o aprendiz e a
comunidade-alvo pode ser menor para os aprendizes mais jovens.
Conforme Matras (2009), existe um consenso geral de que a aquisição de uma segunda
língua depois de uma determinada idade segue um processo de desenvolvimento que é
fundamentalmente diferente daquele realizado por aprendizes mais jovens. A esse respeito,
Klein (1986) apresenta três processos distintos: a) a aquisição linguística, seja monolíngue ou
multilíngue, ocorre já durante a primeira semana da criança; b) a aquisição de segunda língua
ocorre no período compreendido entre 3–4 anos até a puberdade e c) a aquisição segunda língua
por adultos é o processo que tem início depois da puberdade.
Em trabalhos recentes no campo de estudos do contato linguístico como os de Appel
& Muysken (2005) e Matras (2009), podemos perceber o interesse em identificar estratégias e
investigar sequências naturais de formas e funções no processo de aquisição do aprendiz. Tais
investigações contribuem para que seja dada ênfase aos aspectos criativos de interação
comunicativa em uma segunda língua, não se fixando em um ponto específico de início e fim
desse processo, mas concebendo-o como algo contínuo e criativo.
Para Montrul (2013), tal como uma criança que aprende uma L1, o adulto deve
construir um sistema linguístico mental a partir do input que ele recebe em L2. O adulto, assim
como a criança, também passa por um processo de evolução e por etapas de desenvolvimento
delineadas. No entanto, nesse processo, há diferenças significativas, como por exemplo, o
contexto da aprendizagem, o papel desempenhado pelos fatores socioeconômicos, entre outros,
que marcaram cada situação de aprendizagem de forma significativa.
De acordo com Myers-Scotton (2006), os falantes nativos de uma língua, detentores
de, pelo menos, uma inteligência mediana, possuem competência na fonologia, na morfologia
e na sintaxe de sua L1. Já em relação a um falante de L2, a autora defende que este tem grande
possibilidade de apresentar mais habilidade em um ou dois desses sistemas. No que se relaciona
à fonologia de L2, a autora enfatiza que esta é responsável por manifestar a diferença entre os
falantes de uma língua como L1 e os falantes dessa mesma língua, mas como L2. Baseando-se
em suas pesquisas, a autora evidencia que poucas pessoas que aprendem uma segunda língua
mais tardiamente, isto é, após a infância, dominam de forma plena o sistema sonoro de sua L2,
ainda assim elas podem falar com muita fluência, além de possuírem um extenso vocabulário.
Tendo em vista que o processo de aquisição de uma segunda língua por aprendizes não
ocorre de forma linear, pelo contrário, apresenta uma enorme gama de variação, pesquisadores
passaram a se interessar pela investigação de fatores que facilitam ou limitam a aquisição de
uma segunda língua. Entre os resultados, há aqueles que reconhecem a validade de recursos
54
como idade, memória, atitude, aptidão e atenção, oportunidade, por exemplo. (cf. Matras,
2009).
Trabalhos que levam em consideração o lado social e psicológico atestam que os
adultos são mais inibidos do que as crianças, e sua identidade é mais firmemente estabelecida
em relação à sua primeira língua,
Há ainda trabalhos que atribuem a responsabilidade das dificuldades articulatórias
associadas à aprendizagem de segunda língua após a puberdade aos aspectos da fonologia e da
fonética, sendo a prosódia o aspecto mais afetado.
Pienemann (1998) enfatiza como questão central na pesquisa de aquisição de segunda
língua a existência de uma sequência natural de aquisição de categorias. Essa ênfase se baseia
em modelos gerativos de gramática, na tentativa de prever quais estruturas serão adquiridas
pelos aprendizes e em qual estágio de desenvolvimento de sua língua elas são adquiridas.
Quanto ao processamento de uma segunda língua, Weinreich (1953) foi pioneiro na
apresentação de uma análise sistemática do fenômeno. Para o autor, os aprendizes adultos, pelo
menos inicialmente, processam sua segunda língua através de seus conhecimentos da sua
primeira língua, isso porque a familiaridade dos aprendizes com os princípios de sua primeira
língua serve, frequentemente, como base a partir da qual eles podem começar a construir ideias
complexas sobre a estrutura da L2.
Por fim, cabe dizer que as pessoas podem diferir consideravelmente em relação ao
progresso de aquisição da segunda língua, isto é, alguns aprendizes são muito bem-sucedidos.
Por outro lado, outros parecem adquirir a segunda língua de forma mais lenta ou apenas
alcançam um baixo nível de proficiência. Além da idade, muitos outros fatores influenciam a
taxa de desenvolvimento de segunda língua, por exemplo, inteligência, motivação, aptidão
linguística, relação com o entorno etc.
Após tecermos essa breve abordagem sobre o processo de aquisição de segunda língua
e sua relação com a idade e outros fatores, voltaremos nossa atenção para um efeito desse
processo, que é o bilinguismo.
2.2.3 Bilinguismo
Nesta seção, apresentamos algumas concepções acerca de como o bilinguismo é
entendido na visão de alguns autores, bem como de algumas tentativas apresentadas por alguns
pesquisadores ao tentarem de mensurar o bilinguismo de grupos específicos.
55
Uma definição sociológica de bilinguismo e de bilíngue é apresentada por Weinreich
(1953). Para o autor, o bilinguismo consiste na prática de usar duas línguas alternativamente e
as pessoas envolvidas nessa prática são as bilíngues. Dessa forma, o bilíngue é visto como
aquele que pode usar regularmente duas línguas em alternância. Essa definição pode cobrir as
diferentes habilidades linguísticas de um bilíngue. Para Matras (2009), devemos ter cuidado
para não impor aos bilíngues padrões que vão muito além daqueles adotados para
monolíngues. O próprio fato de os bilíngues usarem diferentes línguas em determinadas
circunstâncias sugere que é a sua competência linguística global que deve ser comparada com a
dos monolíngues. Ainda conforme o autor, muitos pesquisadores se equivocam ao estabelecer
critérios bilíngues bastante rígidos que levam à estigmatização das capacidades de uso
linguístico do bilíngue, sendo essas capacidades consideradas deficientes de alguma forma.
Uma tendência que tem emergido gradualmente é a de olhar o bilinguismo além da
abordagem que o concebe como sendo o domínio de dois sistemas linguísticos para adotar uma
compreensão mais dinâmica e pragmática, que conta com um repertório complexo de esquemas
linguísticos, formas de palavras e construções, acompanhadas por convenções sociais
complexas, sensíveis ao contexto. Nesse aspecto, o repertório de um bilíngue não é nem
fundamentalmente igual nem diferente do repertório do monolíngue; ambos consistem em um
continuum de modos de fala. (cf. Galvés, 2001). A principal diferença é a presença,
potencialmente, nas respectivas extremidades do continuum multilíngue de modos de fala.
Nesse sentido, o modelo de Grosjean (1998, 2001) pode ser considerado um novo avanço,
especialmente por reconhecer que a separação de língua não é necessariamente a opção padrão,
e que, para os bilíngues, a mistura de línguas não é nem patológica nem excepcional.
Grosjean (2001) defende que os bilíngues podem escolher entre vários modos de
linguagem. De acordo com o autor, esses modos são organizados em um continuum entre
monolíngue e bilíngue. Bilíngues entram no modo de língua bilíngue quando eles se
comunicam ou estão ouvindo outros bilíngues. Eles estão tipicamente em um modo monolíngue
quando conversam com outros monolíngues ou os escutam. Ainda conforme o autor, no modo
bilíngue, ambas as línguas são ativadas, mas uma é a língua principal do processamento, aquela
sobre a qual o falante tem um maior domínio. Assim, todo modo terá uma língua de base, mas
o grau de ativação da outra língua varia de acordo com o contexto, que depende do interlocutor,
do objetivo ou da configuração da conversação.
Ainda em relação ao continuum, de acordo com Valdés (2001), indivíduos bilíngues e
biculturais estão situados em um continuum linguístico em que a escolha quanto ao uso de uma
das línguas em alguma situação de interação em que ambas as línguas podem ser faladas
56
depende de contextos socioculturais, bem como da força de identificação e de conexão com a
cultura e a língua de herança.
Para Matras (2009), o desenvolvimento do bilíngue é marcado pela aquisição gradual
da habilidade para identificar a adequação de palavras e construções em contextos particulares
e em conjuntos de contextos de interação.
Fishman (1975) defende que a descrição e a medida do bilinguismo de um indivíduo,
feita a partir de uma faixa de repertório individual em relação às variedades de língua que
existem em comunidades bilíngues de qualquer complexidade, devem refletir e divulgar as
normas sociolinguísticas das redes de fala e da comunidade de fala de que o bilinguismo faz
parte, precisamente porque essas normas sociolinguísticas estão subjacentes ao bilinguismo do
indivíduo. Para ao autor, indivíduos ou pequenas redes podem ser descritas pela semelhança ou
dissimilaridade de seus perfis de uso com o perfil que cada um obtém para interagir na
comunidade de fala ou em redes maiores.
Um outro ponto que julgamos importante em relação ao bilinguismo é o seu aspecto
político. Conforme Appel e Muysken (2005) e Montrul (2013), a relação sociopolítica entre as
duas línguas em contato em comunidades bilíngues implica no fato de que nessas comunidades
muitas pessoas têm que aprender duas línguas, particularmente aquelas que falam uma língua
minoritária. Isso quer dizer que, além de adquirirem a L1, essas pessoas adquirem uma segunda
língua, muitas vezes a majoritária, não em termos de quantidade de falantes, mas em termos de
maior poder, a língua de comunicação mais ampla, cujo poder é reiterado pelos meios de
comunicação de massa. Membros de grupos de minorias devem atingir um certo grau de
bilinguismo se eles querem participar efetivamente do fluxo da sociedade de entorno. Diante
dessa situação, os falantes de uma língua majoritária estão em uma posição muito mais
confortável e, se quiserem, podem permanecer monolíngues, como é o caso dos alemães, que
geralmente não veem necessidade de aprenderem turco, ou os americanos que não se sentem
obrigados a falarem espanhol etc.
Appel e Muysken (2005) salientam uma distinção importante entre dois tipos de
bilinguismo socialmente definidos: o bilinguismo aditivo e subtrativo. Nos casos em que
ocorre o bilinguismo aditivo, o bilíngue acrescenta ao seu repertório uma segunda língua
socialmente relevante. Nesse caso específico, a primeira língua não corre o perigo de ser
substituída, porque é uma língua de prestígio e seu desenvolvimento é reiterado de muitas
maneiras, por exemplo, nos meios de comunicação de massa. À guisa de exemplificação,
podemos dizer que os americanos de língua inglesa que acrescentam espanhol ao seu repertório
verbal tornam-se bilíngues aditivos.
57
Quando a aprendizagem de segunda língua é parte de um processo de mudança de
língua, o resultado é o bilinguismo subtrativo, como por exemplo, o caso do turco na Alemanha
Ocidental. Em relação a esse tipo de bilinguismo no Brasil, Maher (2006) enfatiza que muitos
grupos étnicos minoritários são forçados a abandonar sua língua étnica pela língua portuguesa,
por conta de políticas educativas e várias outras pressões sociais. A língua minoritária é vista
como não possuidora de prestígio, e, não podendo ser mantida adequadamente, é subtraída da
proficiência bilíngue.
A língua de prestígio, dominante é aquela que se encaixa na maioria das configurações
de comunicação, geralmente aquelas pertencentes ao domínio público, bem como domínios
relacionados com o poder, como instituições, por exemplo. Por outro lado, línguas não
dominantes, devido à sua utilização num número limitado de interações, favorecem para que,
frequentemente, falantes multilíngues sejam mais afetados pelo contato de línguas e se
encontrem em comunidades que contam com línguas mais ameaçadas.
Quatro situações polares que analisam as formas do bilinguismo e diglossia são
apresentadas em Fishman (1967). São elas: 1) bilinguismo com diglossia, em que todos os
indivíduos da comunidade conhecem as variedades alta e baixa, como é o caso do Paraguai, em
que se fala espanhol e guarani; 2) bilinguismo sem diglossia, em que há numerosos bilíngues
em uma sociedade, sendo que esses não se utilizam das variedades linguísticas para usos
específicos; 4) diglossia sem bilinguismo – situação identificada quando, em uma comunidade
social, há divisão funcional de usos entre duas línguas, mas um grupo só fala a variedade alta,
enquanto o outro fala somente a variedade baixa.
Ainda em relação à distinção dos tipos de bilinguismo, Appel e Muysken (2005) citam
o bilinguismo social e individual. Segundo os autores, o bilinguismo social ocorre quando em
uma dada sociedade duas ou mais línguas são faladas. Nesse sentido, quase todas as sociedades
são bilíngues, mas podem diferir quanto à forma e ao grau de bilinguismo. Já o bilinguismo
individual diz respeito a um indivíduo ser bilíngue em uma comunidade predominantemente
monolíngue.
A esse respeito, Matras (2009) alerta para o fato de que o bilinguismo deve ser
analisado em seu contexto, e os efeitos dele só podem ser estudados de forma proveitosa e
correta se fatores sociais também forem levados em conta. Conforme o autor, os estudos sobre
os efeitos do contato linguístico e sobre o bilinguismo se desenvolveram no paradigma da
sociolinguística como um todo. Sociolinguística, como uma das áreas da Linguística, tem
enfatizado a diversidade no uso da língua.
58
Para finalizar essa seção, gostaríamos, ainda, de tratar de dois conceitos também
relacionados ao bilinguismo: a identidade e a atitude. Tudo aquilo que contribui para que se
estabeleça diferença entre um grupo e outro constitui a identidade do grupo. Embora não haja
critérios fixos, um grupo é considerado um grupo étnico, com uma identidade étnica específica
quando é suficientemente distinto dos outros grupos.
Thomason (2001) apresenta duas maneiras de perceber a atitude em relação ao
multilinguismo, uma interna e oura externa à comunidade. Quanto à primeira, é surpreendente
que existam muitas atitudes negativas associadas ao bi/multilinguismo. Do ponto de vista
psicológico há, por exemplo, a alegação refutada de que o bilinguismo prejudica uma criança,
e, do ponto de vista sociológico, muitos estudiosos ligam o multilinguismo diretamente ao
conflito. Já a atitude interna da comunidade varia dependendo da importância da língua como
marcador de identidade étnica. A atitude interna se relaciona, portanto, a questões de política
de língua nacional e de planejamento de línguas. A esse respeito, as sugestões são feitas tendo
em vista a quais propósitos uma língua oficial deve atender, por exemplo.
Ligada a esse contexto, apresentamos na seção seguinte uma abordagem sobre dois
assuntos caros aos estudos associados ao contato linguístico: pidgin e línguas crioulas.
2.2.4 Pidgins e línguas crioulas: efeitos do contato linguístico
Uma característica que define as línguas de contato é sua função como um novo meio
de comunicação. Essa necessidade de comunicação surge em uma variedade de cenários em
que grupos populacionais precisam interagir, variando de contato social a encontros apenas
ocasionais, para fins comerciais, para comunicação interétnica num quadro socioeconômico
comum até intensos contatos sociais entre grupos que falam línguas diferentes dentro da mesma
comunidade e até dentro do mesmo domicílio (cf. Matras, 2009).
As situações de contato podem dar origem a novas línguas, mas nem todas as línguas
usadas em situações de contato também são línguas de contato. Por exemplo, o termo língua
franca refere-se a línguas que são usadas para comunicação interétnica, ou seja, em interações
nas quais os participantes possuem diferente línguas, mas que usam uma língua que é de
entendimento comum. Dessa forma, uma língua franca pode ou não ser uma língua de
contato. Por exemplo, o inglês é usado como língua franca em numerosas transações comerciais
internacionais, ou em congressos internacionais, reuniões diversas entre grupos que falam
línguas diferentes, já o russo é usado como língua franca nos encontros entre os membros de
várias nações da Ásia Central, e o português é usado como língua franca entre grupos indígenas
59
na região do Alto Solimões que falam línguas indígenas diferentes, mas usam o português em
encontros nos quais precisam interagir. Mas nenhuma das línguas surgiu como resultado de
uma situação de contato linguístico. Por outro lado, há situações de contato que dão origem às
chamadas de línguas de contato, como por exemplo, os pidgins e os crioulos, como é o caso do
pidgin inglês nigeriano, as línguas crioulas de Cabo Verde e Guiné Bissau, que são o produto
de interações entre línguas e são amplamente utilizados entre membros de diversas origens
étnicas e linguísticas como meio de comunicação.
Mas o que seria um pidgin e um crioulo? Inicialmente, vale dizer que não há um senso
comum entre os pesquisadores acerca do alcance e definição desses termos; portanto, aqui,
limitamo-nos a apresentar algumas das concepções mais propagadas na literatura.
Conforme Matras (2009), pidgin é um termo de referência para línguas que se
originam a partir de situações em que há a necessidade de comunicação entre uma população
de potenciais interlocutores que não compartilham uma língua em comum. Nesse sentido,
pidgin pode ser visto como uma espécie de língua franca criada, improvisada, em que os
falantes criam os seus repertórios linguísticos, com o intuito de permitir a comunicação
interétnica em um conjunto de contextos de interação, geralmente para um conjunto restrito de
atividades. Por conta disso, os pidgins não têm falantes nativos.
As situações típicas em que surgem pidgins são contatos comerciais e relações de
trabalho. Quanto aos pidgins originados por contatos comerciais, Matras (2009) evidencia que
cada grupo linguístico parece participar de forma mais ou menos igualitária ao criar um
repertório linguístico comum, como é o caso de Russenorsk, bastante citado na literatura sobre
contato linguístico. Russenorsk se originou a partir de relações que foram estabelecidas via
comércio marítimo durante o século XIX entre russos e noruegueses. Esse pidgin contava com
itens de vocabulários de ambas as línguas. Por outro lado, os pidgins do trabalho são
tipicamente desequilibrados, e fazem refletir o poder que há nas relações entre empregadores e
empregados. Os empregadores, geralmente, pertencem a um grupo linguístico bastante
diferente dos trabalhadores, os quais apresentam, em muitos dos casos, origens étnicas e
linguísticas diferentes.
Há pidgins que surgiram a partir de relações de comércio, mas não igualitários e sim
coloniais. Nesse caso, os pidgins tendem a ser desequilibrados, e têm sua base na língua colonial
- por exemplo, árabe, português, inglês ou francês. Isso é reflexo do domínio do poder colonial
na importação de bens manufaturados e muitas vezes de abstrações sobre religião e ordem
social. Um pidgin desequilibrado é, portanto, aquele que emerge de uma situação em que o
componente referencial da língua franca improvisada, isto é, o léxico de conteúdo, é criado em
60
grande parte por meio de acomodação unidirecional ao repertório linguístico do grupo
dominante.
Em situações de contato linguístico, não só uma língua pode captar elementos de outra,
mas uma língua inteiramente nova pode emergir. No campo de estudo sobre pidgins e crioulos,
a questão principal que se levanta é identificar como, exatamente, uma nova língua surge e
como as propriedades gramaticais específicas das recém-formadas línguas, pidgins e crioulas,
estão relacionadas com a maneira como surgiram. DeCamp (1971) concebe uma língua pidgin
como um sistema linguístico fortemente reduzido que é usado para contatos promovidos por
uma situação específica entre falantes de diferentes línguas. Já uma língua crioula é concebida
como uma língua que surgiu quando o pidgin adquiriu falantes nativos.
No Brasil, Naro (1978) apresenta uma síntese da evolução cíclica do pidgin e do
crioulo. De acordo com o autor, o começo de um pidgin consiste em um processo em que ocorre
a redução da forma interna e externa. Esse processo é a pidgnização e leva a um sistema
linguístico não padrão, isto é, o pidgin, que é diferente de qualquer fonte ou substrato pré-
existentes. Atinge-se o estágio intermediário por meio de um processo de re-expansão, isto é,
crioulização, a um sistema linguístico que se mostra menos limitado, o crioulo. A
decrioulização representa o fim do ciclo e consiste em um estágio no qual uma língua padrão
exerce grande influência sobre o crioulo, cujo resultado produzido pode se configurar como
uma variedade regional da língua padrão.
Nas comunidades indígenas Tikuna mais distantes dos centros urbanos, onde não há o
contato interétnico intenso, percebemos a ocorrência de estágios de pidgnização, com
ocorrências da fala fatorizada, ou seja, aquela que marca, conforme Naro (1978) a interação
verbal nos primórdios do pidgin, que conta com o auxílio amplo de gestos para manifestar
linguisticamente um conteúdo, bem como noções direcionais ou locativas. Esse comportamento
linguístico foi observado, por exemplo, na comunidade de Vendaval, na fala dos mais velhos,
que pouco têm contato interétnico.
Ainda conforme Naro (1978), nos primeiros tempos da colonização brasileira, não
surgiram pidgins e crioulo estáveis. Somente após o período de colonização, o que podem ter
surgido, segundo o autor o autor, foram muitas variantes pidgnizadas que não se estabilizaram
e sobre as quais não há registros extensos e que, com o passar do tempo, por conta da
aculturação linguística, assumiram de forma gradual a forma de um português regional, como
é, no nosso entender, o caso da variedade de português Tikuna que os professores participantes
de nossa pesquisa falam hoje.
61
Segundo Naro (1978), só há notícias no Brasil de um crioulo de base francesa, o
Karipuna. Quanto a pidgin, há um caso que é diversamente diferente da grande maioria dos
pidgins e de outras línguas de contato, tendo em vista, dentre outros fatores, que a sua origem
pôde ser estudada. É o caso do pidgin que surgiu na região do Alto Xingu, por conta do contato
com membros da expedição Roncador-Xingu e os índios xinguanos. Nas palavras do
pesquisador, esse pidgin teve vida e trajetória próprias e não passou por todos os estágios de
pidgnização, crioulização e decrioulização, atuando como um pidgin transitório.
Contrariamente à visão de Naro, Lucchesi tem defendido a existência de um processo
de crioulização na formação do português brasileiro. Essa defesa é feita com base em pesquisas
realizadas em comunidades afro-rurais, localizadas, por exemplo, na Bahia.
Como dissemos anteriormente, o contato de línguas e suas consequências têm
suscitado inúmeras discussões e controvérsias entre os pesquisadores. Nesta seção sobre
pidgins e línguas crioulas, tivemos a intenção de abordar alguns estudos que tratam dessa
temática, pautando-nos na afirmação de Matras (2009) de que um dos aspectos mais fascinantes
do contato linguístico é a súbita criação de novos “contatos linguísticos”. Conforme o autor,
nas últimas décadas, grandes progressos foram feitos quanto à compreensão de línguas como
pidgins, crioulos e as chamadas línguas mistas. Para finalizar o capítulo, a seguir, faremos uma
sucinta referência aos preceitos gerias da teoria da variação e mudança, que também se associa
ao contato.
2.3 A VARIAÇÃO E MUDANÇA COMO EFEITO DO CONTATO LINGUÍSTICO
A Teoria da Variação e Mudança Linguística tem o seu surgimento ligado ao texto
seminal de Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]). Neste trabalho, a língua é concebida
como objeto heterogêneo e dinâmico, sendo que os fatores sociais são vistos como
determinantes da heterogeneidade linguística.
A concepção da heterogeneidade ordenada dos usos da língua pode ser levada a
situações em que se tem encontros de culturas e de línguas (caso do presente estudo), o mesmo
sendo possível no tocante ao estudo da língua em uso a partir de uma unidade específica, a
comunidade de fala. Essa última – sujeita a uma variação conceitual ao longo do tempo e
presente na obra de diferentes autores situados em distintos quadros teóricos - ganha, no
contexto do trabalho de Labov ([1972]), uma definição em que o papel de maior relevância
cabe à participação em um conjunto de normas compartilhadas (e não a um acordo marcado no
uso de elementos linguísticos). Assim, segundo as palavras do próprio autor, tem-se que:
62
The speech community is not defined by any marked agreement in the use of language
elements, so much as by participation in a set of, and by the uniformity of abstract
patterns of variation shared norms. These norms may be observed in overt types of
evaluative behavior which are invariant in respect to particular levels of usage.
(LABOV [1972, p. 120-121])
Não obstante toda a discussão que se seguiu à definição de Labov para comunidade de
fala e o levantamento de questões quanto à sua natureza e à sua substituição ou articulação com
outro tipo de unidade, a definição de Labov aqui exposta coaduna-se com os objetivos do
estudo. Em primeiro lugar, porque nela o social tem precedência sobre o que é individual – o
que é importante para nossa investigação, que não lida propriamente com constantes rearranjos
de conjuntos de indivíduos em ligações de diferentes tipos e intensidade, mas sim com atores
sociais (professores), representativos de um grupo étnico específico (Tikuna) em situação de
encontro com parcelas de uma sociedade não indígena envolvente, falante de língua portuguesa.
E, em segundo lugar, porque a própria definição fornecida abre espaço para que se possa falar
em características linguísticas compartilhadas, em densidade de comunicação interna (o que dá
conta do fato de que, no interior de uma comunidade de fala, as pessoas se comunicam mais
entre si do que com quem está fora dessa comunidade).
Para o estudo sólido dos efeitos do contato, no que tange a mudanças, Weinreich,
Labov e Herzog (2006, [1968]) apresentam uma síntese dos fundamentos empíricos para uma
teoria da mudança linguística, baseados em descobertas empíricas relevantes à teoria e tecem
algumas conclusões/indicações relacionadas à complexidade de uma teoria da estrutura
linguística capaz de explicar esta mudança, conforme discriminamos abaixo:
O PROBLEMA DOS FATORES CONDICIONANTES.
Os autores sugerem que um possível objetivo para uma teoria da mudança é determinar o
conjunto das mudanças possíveis e das condições possíveis para mudanças que podem ter lugar
em uma estrutura de um determinado tipo.
O PROBLEMA DA TRANSIÇÃO
O problema da transição está relacionado com os diferentes estágios que ocorrem em um
processo de mudança em progresso. Por meio desses estágios, deve-se tentar descobrir o
interveniente, definidor do caminho pelo qual a estrutura de A transitou para a estrutura de B.
63
O PROBLEMA DO ENCAIXE
Quanto a esse problema, uma teoria da mudança linguística deve verificar de que forma as
mudanças observadas são encaixadas nas matrizes social e estrutural do sistema linguístico
como um todo.
PROBLEMA DA AVALIAÇÃO
Para os autores, a avaliação ocorre por meio do estabelecimento empírico de correlatos
subjetivos dos diversos estratos e variáveis numa estrutura heterogênea.
PROBLEMA DA IMPLEMENTAÇÃO
Ainda que haja dificuldades no enigma da implementação do processo global da mudança
linguística, por este poder envolver estímulos e restrições tanto da sociedade quanto da estrutura
da língua, tal fato não deve impedir o pesquisador de investigar tantos casos quanto puder em
todo pormenor para tentar reunir resposta em uma visão mais abrangente possível do processo
de mudança.
Ao estabelecerem esses fundamentos, com a explicitação de problemas e questões que
envolvem uma teoria da mudança linguística, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968])
pensam na constituição de uma teoria da variação e da mudança linguística como parte
integrante de uma pesquisa teórica que leve em consideração a estreita relação existente entre
fatores sociais e linguísticos.
De acordo com Matras (2009), as manifestações envolvendo o contato linguístico
abrangem uma ampla variedade de domínios, sendo essa área de estudos altamente dinâmica,
abrigando, por exemplo, a aquisição de línguas, a produção e o processamento linguístico, a
conversação e discurso, funções sociais da linguagem, política linguística, tipologia e mudança
linguística. Em relação ao presente trabalho, cujo escopo focaliza a aquisição e a variação, os
estudos do contato linguístico se configuraram como um campo que nos possibilitou entender
a situação de contato a partir da qual tem emergido a variedade (ou variedades) de português
falada por professores Tikuna na região do Alto Solimões, no Amazonas.
Por fim, esclarecemos que nesse capítulo, tivemos a intenção de apresentar um painel
geral acerca dos pressupostos sobre contato linguístico. Nossa intenção foi, por um lado, situar
64
teoricamente tais postulados e, com isso, evidenciar o universo de referência que impulsionou
nossa pesquisa; e, por outro lado, a busca pelo conhecimento do movimento interno a essas
concepções nos revelou o avanço teórico desses movimentos.
Dessa forma, nesse capítulo, concomitantemente às situações de contato linguístico,
estiveram presentes discussões acerca de mecanismos, estratégias e tipologias de contato
linguístico. Além disso, apresentamos também discussões que envolvem a previsão de tipos e
graus de mudança induzida por contato e, por fim, evidenciamos os principais estudos que
culminaram na criação de uma teoria da mudança linguística.
Apesar de divergirem em muitos pontos e de suas abordagens serem diferenciadas, os
autores representativos de que tratamos nesse capítulo convergem em um posicionamento:
admitem que as mudanças na estrutura social se inter-relacionam intimamente aos fatores
linguísticos e cada autor apresenta um esforço no sentido de elaborar ou testar um arcabouço
teórico que possa abranger o contato entre línguas e os efeitos daí resultantes, como por
exemplo, diferentes variedades de línguas, bem como a mudança linguística.
No capítulo seguinte, traçamos um breve painel sobre alguns estudos envolvendo
variedades indígenas do português do Brasil.
65
CAPÍTULO 3 - O CONTATO LINGUÍSTICO E VARIEDADES
DO PORTUGUÊS INDÍGENA DO BRASIL
A constituição de um campo da Linguística Indígena no âmbito dos estudos
linguísticos no Brasil é recente e ainda está em processo de consolidação. Diferentemente de
outras áreas no campo da Linguística no país, a Linguística Indígena demorou a se estabelecer,
devido, dentre outros fatores, à existência de poucos estudos voltados para as línguas indígenas
e para as variedades do português falado por indígenas e, ainda, à avaliação dos próprios
estudiosos da área, “focalizando ora suas necessidades e seus problemas, ora também suas
conquistas e problemas” (Seki, 1999, p. 258).
Nas últimas duas décadas, os estudos sobre aquisição, aprendizagem e ensino de
português como segunda língua têm crescido no Brasil. Conforme Amado (2012), o foco desses
estudos costuma ser o português língua de herança, bilinguismo motivado por contato em região
de fronteira, bilinguismo de escola e português para comunidades de trabalhadores vindos de
outros países, no entanto, ainda continuam sendo em número reduzido os estudos que
contemplam o português usado por falantes de línguas indígenas.
Neste capítulo, traçaremos um painel sobre alguns estudos voltados ao Português L2,
motivado por situações de contato no Brasil, e usado por falantes de línguas indígenas na
contemporaneidade. Antes disso, abordaremos, sucintamente, o contato da língua portuguesa e
de outras línguas de populações que se dirigiram ao Brasil (por ocasião da chegada dessas
populações ao país desde o período colonial) com as línguas dos povos nativos.
Segundo Mattos e Silva (2004, p.49), “a história do contato português-línguas
indígenas é a própria história do contato português-índio” e, desde o início do período da
colonização em território brasileiro, a coroa lusa tentou implementar a política de
homogeneização linguística, por meio da atuação dos jesuítas e do projeto deles de conversão
dos indígenas.
O contato que se estabeleceu, há mais de 500 anos, entre falantes da língua europeia e
falantes das línguas indígenas nem sempre ocorreu amigavelmente, no entanto, é a partir do
século XVIII que essas relações ganham maior embate.
Foi no século XVIII que o então ministro de Portugal, Marquês de Pombal, por meio
de Diretório emitido em 1757 torna obrigatório o ensino de Português em todo o território da
colônia, com o intuito de não permitir que continuassem sendo usadas as línguas gerais, que
66
surgiram como resultado dos contatos linguísticos que haviam sido estabelecidos no país há
mais de 200 anos.
Conforme Amado (2012), essa política repressiva do Estado em relação ao uso de
línguas no país não se circunscreveu ao período colonial, tendo em vista que, além da coibição
do uso das línguas indígenas naquele período, “durante o Estado Novo (1937-1945), o governo
mandou fechar as escolas bilíngues de imigrantes onde se ensinavam alemão, japonês e italiano,
em nome da soberania nacional” (AMADO, 2012, p. 387).
Conforme se pode notar, a despeito de toda a diversidade linguística que marca o país,
o Estado tomou, ao longo de nossa história, medidas que desconsideraram essa diversidade em
favor de uma homogeneização linguística idealizada.
Estudos sobre os efeitos do contato linguístico no Brasil, mais especificamente, do
contato linguístico entre indígenas e não-indígenas ainda são em número reduzido, mas já há
constituem um conjunto bastante significativo e, a seguir, traçaremos um painel sobre alguns
destes.
Quanto aos estudos voltados ao português de contato falado por indígenas, o trabalho
de Charlotte Emmerich (1984) é um dos pioneiros a empreender tal tarefa no Brasil. Neste
trabalho, a pesquisadora analisou as origens do português Xinguano, bem como a forma e a
função que essa variedade assume como meio de comunicação interétnica. O estudo de
Emmerich defende que a língua de contato do Xingu é caracterizada por três processos: a
fatorização, a pidgnização e a depidgnização.
Quanto à forma, ao analisar o português de contato falado pelos indígenas do Alto
Xingu, a autora elegeu a variável concordância verbal de primeira pessoa do singular, com o
intuito de identificar os contextos condicionadores ou inibidores do emprego da marcação de
1ª pessoa do singular, bem como avaliar como ocorre a fixação da flexão de pessoa verbal no
português do Alto Xingu. Conforme a autora, a intensidade do contato figura como o fator que
mais favorece o aprendizado de português, acompanhado do contexto cultural nativo, tal como
idade e localidade, os quais são, conforme Emmerich, determinantes no processo aquisitivo e
na fluência dos indígenas do Alto Xingu. Os resultados evidenciam que, quanto maior for a
fluência do falante de português Xinguano, maior será aplicada a regra de concordância.
Cumpre registrar que a variedade do português de contato falada por indígenas do Alto
Xingu é, até o momento, a mais estudada, conforme se pode verificar nos trabalhos de
Emmerich (1984), Roncarati e Mollica (1997), Emmerich & Paiva (2009) e Gomes (1997,
2009), por exemplo.
67
O livro “Variação e aquisição”, organizado por Roncarati e Mollica (1997) abarca um
conjunto de textos que apresentam análises acerca do português de contato falado por índios da
Reserva do Alto Xingu. Por meio dos artigos, podemos verificar o comportamento de regras
variáveis em processos de aquisição da linguagem, tanto no âmbito fonético-fonológico, quanto
no morfológico, sintático e discursivo.
O número 9 da revista Papia (1997) também trata especialmente do Português de
contato do Alto Xingu. Este número foi composto por oito artigos que versam sobre estudos
realizados nos campos da morfossintaxe, fonologia, sintaxe e discurso. Quanto aos trabalhos
relacionados aos processos morfossintáticos, estes tratam da variação na concordância de
gênero; do desenvolvimento do sistema verbal de tempo, modo e aspecto. Já quanto ao nível
fonológico, são descritas a queda de /r/ pós-vocálico em posição medial e final; a realização
variável do traço de sonoridade das oclusivas, fricativas e africadas. No que se relaciona aos
mecanismos sintáticos, há o exame da presença/ausência das preposições a, para, de, com e em
no Português do Alto Xingu. E, no domínio discursivo, há a análise da repetição de hesitação e
os “marcadores discursivos” no português de contato.
Na região norte do país, temos alguns trabalhos representativos, como o de Ferreira
(2005), que que analisa os efeitos do contato linguístico entre o português e a língua indígena
Parkatêjê (Timbira); o de Christino (2015), que apresenta aspectos relacionados à concordância
de gênero no interior do sintagma nominal no Português Huni-Kuin e o de Ribeiro (2018), que
analisa a variedade do português brasileiro falada em Oiapoque/AP pelos oiapoquenses,
falantes monolíngues de português; pelos franceses, bilíngues francês-português, bem como
pelos não-bilíngues, usuários de francês L1 e português L2; e pelos indígenas, bilíngues kheuól-
português, bem como pelos não-bilíngues, usuários de kheuól L1 e português L2. A análise de
Ribeiro (2018) focaliza o processo de concordância de número nos itens do sintagma nominal.
O trabalho de Ferreira (2005) apresenta a análise da variedade étnica do português
falado por indígenas que residem em aldeias Parkatêjê, localizadas em Marabá, no estado do
Pará. Na análise, a pesquisadora considera aspectos fonético-fonológicos, morfossintáticos,
lexicais e semânticos dessa variedade étnica do português. Os resultados apontam que a
ocorrência de processos de simplificação gera efeitos sobre a fonologia, a morfossintaxe e o
léxico da língua Parkatêjê, conforme sumarizamos a seguir. Ferreira (2005) identificou que, nas
ocorrências fonético-fonológicas, é recorrente a estratégia de substituição de fonemas do
português brasileiro por um som que mais se aproxime do Parkatêjê (Timbira). Já quanto aos
aspectos morfossintáticos, a pesquisadora defende que “alguns processos de simplificação
operam a fim de possibilitar que falantes bilíngues usem ambos os sistemas linguísticos”
68
(FERREIRA, 2005, p. 18). Para ilustrar esse fato, a pesquisadora usa como exemplo a
concordância de número, em que os Parkatêjê usam a marcação que se aproxima daquela usada
na variedade regional, bem como no PB de modo geral, ou seja, marca-se apenas o primeiro
elemento do sintagma nominal, e os outros elementos permanecem no singular. No que se
relaciona ao léxico, os resultados apontam que há interferência mútua do léxico de uma língua
sobre o léxico da outra, com a ocorrência de, por exemplo, code-switching.
O texto de Christino (2015) apresenta a primeira descrição da concordância de gênero
no interior do sintagma nominal no Português Huni-Kuin. Para tanto, a autora observa
diferentes classes gramaticais e considera tanto núcleos do gênero masculino quanto do gênero
feminino, procurando reconhecer traços ligados a universais de segunda língua e diferenciá-los
daqueles relacionados a transferências da L1.
Os resultados alcançados pelo estudo de Ribeiro (2018) evidenciam que a CN de
número no português falado em Oiapoque/AP, pelos oiapoquenses, indígenas e franceses, de
uma forma geral, se assemelha ao comportamento já identificado para esse fenômeno em outras
variedades do PB, ou seja, nessas variedades a marcação de CN tende a ser superior à não-
marcação.
No texto Concordância verbal e nominal na escrita em Português-Kaingang,
publicado na revista Papia, em 2012, Beatriz Christino e Moana de Lima e Silva analisam os
processos que envolvem a marcação ou não-marcação de concordância verbal e nominal em
Português-Kaingang escrito. Para tanto, utilizam, como fonte de investigação, textos
produzidos por professores indígenas Kaingang bilíngues em formação. De acordo com as
autoras, a análise feita revelou que muitos dos professores bilíngues empregam várias
estratégias de marcação (ou não) da concordância verbal e nominal. A hipótese levantada pelas
autoras, de que pode haver uma relação entre a forma de marcação utilizada pelos indígenas
Kaingang na variedade do português com a estrutura da marcação de concordância da língua
Kaingang, foi confirmada, tendo em vista que a análise dos dados demonstrou que, ao lado de
estruturas próprias do português padrão, tais como marca de gênero feminino e de plural em
todos os elementos do sintagma nominal; plural expresso no sujeito e no verbo, encontram-se
combinações presentes nas variedades populares do PB, tais como plural marcado
exclusivamente no primeiro elemento do sintagma e outras sem paralelo nas variedades de
português brasileiro empregadas por falantes nativos, que evidenciam a marcação de plural nos
elementos mais à direita do sintagma e a associação de verbos no plural a sujeitos no singular.
De acordo com as autoras, tal marcação é provavelmente produto do contato linguístico, uma
vez que podem ser relacionadas a características do Kaingang.
69
O livro “Português Indígena: novas reflexões”, organizado por Ferreira, Amado e
Christino (2014) abriga um conjunto de artigos que apresentam análises acerca do português de
contato falado pelos Dâw, Kaiowá, Akwe-Xerente, Parkatêjê e Terena. Nos textos, os autores
apresentam a descrição e análise dessas variedades e evidenciam determinadas peculiaridades
ocasionadas em razão do contato entre a língua portuguesa falada pela sociedade majoritária e
os indígenas. Por razões de economia, aqui, discorreremos sobre um artigo presente no livro
que aborda a variedade falada na região do Alto Rio Negro, no Amazonas.
No texto A inserção do Português no discurso dos Dâw: um estudo sobre as
influências linguísticas das relações de contato entre Português e Dâw, Martins (2014) defende
que o crescimento do conhecimento de língua estrangeira é resultado do contato com os falantes
de português LE, bem como da diversificação de atividades que favorecem a prática do
português como L2. Dentre os aspectos analisados por Martins estão: a análise da inserção de
empréstimos antigos e recentes, com a reparação fonológica, na forma de adaptação de sons
ilícitos. De acordo com Martins (2014, p. 12),
as palavras emprestadas sofrem as adaptações para se ajustarem ao sistema fonológico
da língua, tais como: as palavras emprestadas têm somente sons existentes na
fonologia Dâw; as palavras passam a ter somente uma sílaba e com tons; palavras
terminam em consoante ou vogal longa. Desta forma, os empréstimos adquirem todas
as características das palavras nativas, de modo que os futuros aprendizes da língua
receptora não as identificarão como sendo de origem estrangeira.
A análise de Martins (2014) faz ver que, em situação de empréstimo, os falantes Dâw
utilizam estratégias que lhes possibilitam fazer rearranjos conforme regras/restrições lícitas na
sua L1.
Ainda em relação às línguas em contato na região norte, o trabalho de Freire (2009)
não apresenta a análise de uma variedade étnica específica, mas realiza uma abordagem
histórica acerca do contato que se estabeleceu na Amazônia entre as línguas indígenas da região,
o nheengatú e o português. Além disso, Freire (2009) observa as situações de bilinguismo
encontradas a partir da documentação consultada.
No texto de apresentação do número 25 da Revista Papia, publicada em 2015, Beatriz
Christino traça um panorama dos trabalhos publicados na revista Papia de número 9, no sentido
de apresentar resultados de estudos sobre variedades indígenas com os quais o número 25 da
mesma revista dialoga. De acordo com Christino (2015), as variedades indígenas do português
apresentam características específicas que contribuem para a compreensão dos fenômenos
envolvidos nos processos de contato linguístico, tendo em vista que, comumente, nesses
70
processos, seus traços particulares encontram-se vinculados a mecanismos de transferência ou
a universais de aquisição de L2.
Ainda conforme a autora, deve-se levar em conta que, assim como qualquer outra
variedade linguística, as variedades étnicas do português apresentam um caráter não
homogêneo e monolítico e sofrem grande influência de questões geracionais no panorama
sociolinguístico multifacetado que as caracteriza. Além disso, essas variedades apresentam
diferentes graus de registro, dependendo da situação de formalidade e informalidade da situação
comunicativa da qual os falantes estejam participando.
A divulgação dos trabalhos relacionados às variedades linguísticas específicas de
comunidades indígenas contribui para que se atinja um conhecimento maior e mais profundo
sobre a diversidade linguística do Brasil e se combata o preconceito linguístico ainda tão
fortemente marcado em nossa sociedade, tal como aponta Amado (2015).
O texto de Amado (2015) inicia com um apanhado histórico sobre o contato dos
Timbira com o português, enfatizando que os Timbira, já desde o século XIX sabem da
necessidade de dominarem o português, seja para lutarem por seus direitos quanto para, mais
hodiernamente, ampliarem seus estudos quando precisam sair das aldeias. No que se refere a
estudos de português em situação formal pelos Timbira, a autora evidencia que foi a partir da
década de 1990 que o Português passou a ser ensinado formalmente no contexto escolar,
juntamente com a língua Timbira.
A pesquisadora faz também uma abordagem acerca do contato dos Timbira com o
português, - o qual ocorre informalmente com os falantes nativos ou via escola -, com o objetivo
de embasar a análise feita acerca de aspectos da variedade de português usada por esses povos.
Tal análise toma como base alguns traços nos níveis fonético-fonológico, gramatical e
discursivo dessa variedade.
Conforme a autora, é possível identificar traços particulares na variedade de português
falada pelos Timbira e, a essa variedade, a autora chama de português étnico Timbira. Dentre
os resultados pontuados pela autora, podemos citar: no nível fonético-fonológico, alçamento da
vogal pretônica; no nível gramatical, a marcação da flexão de número no primeiro elemento do
SN e, no nível discursivo, uso da paráfrase. Por fim Amado (2015), evidencia que as
características do português étnico analisadas por ela mostram uma presença acentuada de
traços da língua Timbira. Segundo a autora, nessa variedade, há alguns traços que se
manifestam tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita e que remetem à interlíngua,
um termo adotado pelas teorias de ensino-aprendizagem de segunda língua.
71
Um outro trabalho que compõe o número 25 da revista Papia é o de Braggio (2015).
Nesse artigo, a autora apresenta uma versão da Variedade Étnica do Português Xerente Akwe
e utiliza argumentos em favor da defesa de que essa variedade é constituída não apenas pelo
Português como também pela língua Xerente. Tal fato, conforme a pesquisadora, torna essa
variedade específica do povo Xerente, que fala o Português como L2 e a língua Xerente como
L1. Diante disso, a L1 deixa, na variedade de Português L2, marcas, indícios, influências que
não podem ser ignoradas, principalmente no que diz respeito à educação escolar indígena. Para
provar que a língua Xerente exerce influência sobre a variedade de Português L2, a autora
utiliza exemplos que demonstram haver uma substituição do fonema que não ocorre na língua
Xerente pelo fonema fonologicamente mais próximo que existe nessa língua.
Os trabalhos de Maher (1996, 2006, 2007), dentre os de outros autores, assumem que
as variedades indígenas do português são elementos significativos de identidade étnica e se
configuram como meio de comunicação entre os povos que sofreram o processo de substituição
linguística e, consequentemente, tiveram cessada a transmissão de sua língua nativa para as
outras gerações de falantes; bem como entre as pessoas que precisam se comunicar com não-
indígenas nas mais diversas situações comunicativas; e, ainda, para aqueles que usam o
português para se comunicar com falantes de outras línguas indígenas, igualmente bilíngues em
português. Para esses últimos grupos, o português é a língua franca indígena interétnica.
Após tecermos considerações sobre alguns trabalhos envolvendo as variedades do
português indígena do Brasil, apresentamos, a seguir, os fundamentos metodológicos que
norteiam nossa pesquisa.
72
CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA
Em nosso estudo, elegemos investigar a variedade de português falada por professores
Tikuna que moram em comunidades (aldeias) que fazem parte do município de São Paulo de
Olivença, uma vez que o registro, a análise e a caracterização dessa variedade poderão
contribuir para a descrição do português indígena falado na região norte do Brasil.
Para tanto, com a finalidade de nortear a pesquisa, atingirmos os objetivos e testarmos
as hipóteses de nosso estudo, adotamos os procedimentos metodológicos que apresentamos
neste capítulo. Inicialmente, elucidamos como foi realizada a pesquisa de campo, o que inclui
a localidade selecionada, a constituição da amostra e os instrumentos utilizados para a geração
de dados. Em seguida, evidenciamos os procedimentos adotados para o tratamento e análise
dos dados, as variáveis selecionadas para o estudo e, por fim, o perfil dos participantes.
4.1 A PESQUISA DE CAMPO: DA LOCALIDADE SELECIONADA À GERAÇÃO DE
DADOS
A mesorregião do Alto Solimões é fortemente marcada pelo rio de mesmo nome, sendo
este o principal responsável pelo acesso das pessoas e de produtos aos municípios.
Comparando-se com outras localidades, a região não é considerada intensamente povoada, no
entanto, abriga, além, dos ribeirinhos, de brasileiros oriundos de diferentes lugares do país e de
alguns imigrantes peruanos e colombianos, um patrimônio humano incalculável: grande
contigente de populações indígenas.
Segundo dados do IBGE (2010), a população da região é de, aproximadamente,
224.094 habitantes; destes cerca de 62.000 são indígenas, ou seja, 27,6% da população local,
sendo a maioria pertencente à etnia Tikuna. Dentre as outras etnias que se encontram
representadas na região estão: Kokama, Kambeba, Kaixana, Witoto, Kanamari, Maku-Yuhup
e Katukina.
Os Tikuna podem ser encontrados em todos os municípios da mesorregião do Alto
Solimões, que são: Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo
Antônio do Içá, Tonantins Jutaí e Fonte Boa. Dentre estes, São Paulo de Olivença é o que
concentra o maior número de aldeias da etnia Tikuna na região. Além disso, é o município que
abarca o maior número de escolas indígenas. Essa particularidade, em relação a São Paulo de
Olivença, se associou a outros motivos para que essa localidade fosse selecionada para a
73
realização de nosso estudo. Os outros motivos são os que seguem: conforme Bendazzoli (2011),
o maior número dos professores que participaram, como estudantes, dos cursos específicos,
voltados para os indígenas, oferecidos pela OGPTB, desde o início, eram oriundos,
principalmente das comunidades localizadas nos municípios de São Paulo de Olivença,
Benjamim Constant e Tabatinga. Hoje, esses professores atuam em turmas que vão das séries
iniciais às séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Alguns professores Tikuna
que não cursaram o Terceiro Grau Indígena pela OGPTB fizeram outros cursos não específicos
para atuarem com a educação escolar indígena e outros fizeram cursos um pouco mais
específicos, como o de Pedagogia Intercultural Indígena, ofertado tanto pela Universidade
Federal do Amazonas, quanto pela Universidade do Estado do Amazonas. Diante dessa
realidade, surgiu a o projeto de investigar a variedade de português falada por professores que
atuam em algumas aldeias de São Paulo de Olivença. Ainda como fatores motivadores para a
seleção da localidade, cumpre lembrar que esta guarda ítima relação com a mitologia Tikuna,
porque, confome evidenciamos no capítulo 1, na mitologia Tikuna, os índios dessa etnia foram
pescados por Yo’i (herói mítico) no igarapé Eware, situado nas nascentes do igarapé São
Jerônimo (Tonatü), afluente da margem esquerda do Rio Solimões, entre os municípios de São
Paulo de Olivença e Tabatinga. O último motivo é que nasci em São Paulo de Olivença e cresci
ouvindo pessoas dizendo que “Tikuna não sabe falar português”, que “Tikuna fala muito feio”
e, conforme explicitamos na introdução deste trabalho, é preciso que se registre e analise a
variedade de português falada por esses professores, para, a partir disso, dentre outras coisas,
combater o preconceito linguístico.
Selecionada a localidade, passou-se a planejar como ocorreria a geração dos dados, a
qual se deu conforme elucidamos abaixo.
Em agosto de 2016, Marília Facó Soares ministrou a disciplina Estudos Fonológicos
Aplicados ao Ensino de Línguas a alunos Tikuna que estavam no quinto período do Curso de
Pedagogia Intercultural Indígena, no município de São Paulo de Olivença. Esse curso faz parte
do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) e é realizado,
no caso do município de São Paulo de Olivença, em parceria com a Universidade do Estado do
Amazonas (UEA). Portanto, todos os alunos são ou já foram professores da educação básica,
atuando como efetivos ou contratados.
Naquela ocasião, acompanhei a professora Marília no curso, como sua assistente de
pesquisa, por dois motivos. Primeiro, conhecer um pouco sobre a estrutura da língua, a começar
por sua organização fonológica. Tal fato me possibilitaria conhecer aspectos da gramática
Tikuna que me auxiliariam na análise dos dados que pretendia coletar. Em segundo lugar,
74
iniciar, de modo autorizado, a coleta dos dados, uma vez que a turma do curso contava com 56
alunos Tikuna, professores da educação básica e residentes em diferentes comunidades
(aldeias) pertencentes ao município de São Paulo de Olivença. Os alunos da turma
apresentavam algum grau de bilinguismo Tikuna-Português, com exceção de uma aluna, que
figura nesta tese. Planejou-se a realização de entrevistas12 com uma amostra desse conjunto.
Para a coleta dos dados, as entrevistas deveriam ser realizadas com uma amostra de falantes
que representassem algumas comunidades distintas, para começarmos a identificar traços do
português falado na região e, a partir dessa identificação, para que tivéssemos um painel e
pudéssemos levantar as hipóteses iniciais.
Em outro momento, em fevereiro de 2017, estive com essa turma como professora
colaboradora da disciplina Ensino de Língua Portuguesa para comunidades indígenas, ocasião
em que realizei algumas entrevistas, ouvi relatos durante as aulas e iniciei a aplicação de alguns
questionários. Em um terceiro momento, em junho e julho de 2017, estive novamente com a
turma, como assistente de pesquisa, com a professora Marília Facó, que atuou como professora
da disciplina Processos de Formação de Palavras em línguas indígenas. Na ocasião, também
dei prosseguimento à geração de dados.
Em fevereiro de 2018, estive novamente com essa turma atuando como professora
colaboradora da disciplina Ensino de Língua Portuguesa para comunidades indígenas II,
ocasião em que também realizei algumas entrevistas, ouvi relatos durante as aulas e apliquei
alguns questionários restantes.
A amostra utilizada em nossa análise é constituída por um conjunto de entrevistas ou
relatos de vida e questionários13. Compõem a amostra 19 professores da educação básica que
estão em processo de formação, graduandos da turma de Pedagogia Intercultural Indígena da
Universidade do Estado do Amazonas. Além destes, participaram da pesquisa 3 professores da
educação básica que são estudantes de pós-graduação e moradores de São Paulo de Olivença.
Entrevistamos, ainda, 1 professor da educação básica graduado pelo programa do Terceiro Grau
Indígena da OGPTB e morador na comunidade de Vendaval, localizada no município de São
Paulo de Olivença.
12 As perguntas das entrevistas foram adaptadas da ficha para coleta de dados do projeto: Línguas da Amazônia
Brasileira: Variação, Cognição e Estudos de Fonologia, Gramática e História – Fase II: Línguas indígenas
brasileiras, coordenado pela professora Dra. Marília Lopes da Costa Facó Soares. 13 As perguntas do questionário foram elaboradas tendo como base Fishman (1975).
75
As gravações foram realizadas no período de disponibilidade dos professores, tendo
sido as entrevistas efetivadas, em sua maior parte, no município de São Paulo de Olivença,
outras na comunidade de Vendaval e na comunidade de Filadélfia.
Como alguns dados pertinentes a esta pesquisa não foram narrados nos relatos de vida
nem nas entrevistas, também aplicamos questionários sociolinguísticos aos participantes. As
entrevistas, os relatos de vida e os questionários foram gerados no período compreendido entre
agosto de 2016, fevereiro e julho de 2017 e fevereiro de 2018.
A coleta foi previamente autorizada pelos participantes da pesquisa, que assinaram um
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, possibilitando o trabalho junto a eles. Os
instrumentos utilizados para as gravações, em áudio e, quando possível, também em vídeo,
foram: gravador digital- Zoom-H1-, notebook Dell Vostro 3360, aplicativos de aparelho celular
e câmera digital Nikon Coolpix S9700.
Para a realização das entrevistas, seguiu-se um roteiro semiestruturado, com perguntas
abertas, de número variável, tendo em vista que algumas perguntas possibilitaram a formulação
de outras, conforme o participante entrevistado e a situação de fala estabelecida. As perguntas,
dentre outras coisas, abordavam a vida escolar, a atuação profissional, os deslocamentos nas
localidades do Amazonas, e a dinâmica da comunidade onde residem (e/ou residiram). Já o
questionário foi planejado com perguntas fechadas e aplicado para reiterar algumas
informações das entrevistas, bem como para elucidar algo que não fora abordado nas falas, mas
que era importante para nosso estudo, tais como alguns usos linguísticos de acordo com
domínios sociais e atitudes linguísticas.
Nosso estudo, também de cunho etnográfico, focaliza, com base em Geertz (2015), a
interação entre a pesquisadora e os participantes, fazendo uma densa pesquisa de campo e a
escuta etnográfica, que nos possibilitou fazer uma leitura interpretativa da realidade que
envolve os usos linguísticos do grupo investigado. Assim sendo, durante nossas vivências com
os professores em sala de aula, registramos em um diário de campo alguns fenômenos variáveis,
e também inquietações, medos, anseios, entre outros elementos manifestos nas falas desses
professores. A partir das entrevistas e dos resultados que elas nos apontaram em termos de
predominante monolinguismo em Tikuna, intenso bilinguismo Tikuna-Português e
monolinguismo em Português nas aldeais descritas pelos professores, selecionamos duas
localidades para investigarmos os usos linguísticos aí atuantes: Vendaval e Bom Jardim do
Passé. (cf. seção 5.1.1)
76
4.2 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS
Ao todo, como parte das gravações, foram computadas nove (09) horas, quinze (15)
minutos e trinta e seis (36) segundos de gravação, das quais foram extraídos os dados para o
registro, a descrição e a análise, presentes no capítulo 7.
Todas as entrevistas e os relatos de vida foram transcritos integralmente, de forma
ortográfica14 e, em um momento posterior, procedeu-se à transcrição fonética de passagens que
se mostraram relevantes para a pesquisa da variedade de português falada por professores
Tikuna no município de São Paulo de Olivença.
Extraímos das transcrições e dos relatos de vida fenômenos linguísticos passíveis de
variação e que englobam aspectos fonético-fonológicos e morfossintáticos da variedade do
Português Tikuna.
Além disso, os instrumentos de geração de dados nos permitiram identificar os usos
linguísticos dos professores Tikuna em diferentes atividades, localidades e domínios sociais,
assim como pudemos identificar os deslocamentos que os professores efetivaram, seja para
estudar e/ou trabalhar e o contato que esse deslocamento possibilitou com falantes nativos do
PB, conforme poderá ser visto no capítulo 5.
Ao analisar a fala em português dos professores Tikuna participantes da pesquisa, foi
possível a verificação de fenômenos variáveis no âmbito da fonologia e da fonética e no da
interface destas com a morfologia e a sintaxe. Para tanto, na análise, buscamos identificar, com
base em Soares (1984, 1986, 1991, 1992a, 1992b, 1994, 1995, 1997, 2000a, 2000b, 2005a,
2005b e 2017), possíveis mecanismos de interferência ou transferência da língua Tikuna na
variedade de português falada como segunda língua por quase todos esses professores,
comparando-se também, com elementos possivelmente relacionados à aprendizagem com
falantes nativos de PB ou a replicações conforme falantes de outras variedades indígenas do
PB, para tanto, valemo-nos de estudos como os de: Emmerich (1984), Mollica (1997), Paiva
(1997), Christino & Lima e Silva (2012), Amado (2015), Braggio (2015), entre outros (Vide
capítulo 7).
14 Nas transcrições, as únicas pontuações utilizadas foram ponto de interrogação (?), quando se tratava de uma
pergunta; ponto (.) para separar uma ideia nova que o falante expressava; reticências (...), para indicar uma pausa
longa e, no início ou fim de trecho de fala, para indicar que o trecho é um recorte de uma fala maior; três pontos
de interrogação dentro de parênteses ((???)) para indicar as passagens que não conseguimos ouvir.
77
Baseando-nos na frequência das ocorrências de cada fenômeno variável, no peso15
atribuído a cada fenômeno, bem como nos aspectos socioculturais, na idade e no sexo dos
participantes, estabeleceu-se o continuum com diferentes faixas de fluência, indo desde aquela
em que o falante está mais distante da variedade do português considerado padrão, e,
proporcionalmente, mais próximo de sua língua nativa, até aquela em que o falante se aproxima
da língua-alvo. Aqueles estão na base do continuum e estes se encontram no ápice, conforme
será melhor detalhado na seção 7.3.
Além disso, em nossas análises, a partir de dados presentes nas entrevistas, relatos de
vida e nos questionários, ao investigarmos a correlação entre variáveis linguísticas e sociais,
pautamo-nos em Weinreich (1953), Thomason e Kaufman (1988), Thomason (2001), Matras
(2009), dentre outros para, com base nas pesquisas realizadas por eles acerca das variações
linguísticas provenientes do contato entre falantes de comunidades diversas, buscarmos
explicações de cunho linguístico e também de cunho social, para os fenômenos variáveis
identificados em nosso corpus. A partir disso, fizemos um agrupamento de fenômenos sociais
e linguísticos, analisando-os qualiquantitativamente, conforme poder-se-á ver no capítulo 7.
As entrevistas e os relatos de vida narrados por um conjunto expressivo de professores
indígenas Tikuna (23), falantes de língua portuguesa como L2, cujos perfis evidenciamos na
próxima seção, tornaram possível o registro dos usos linguísticos destes, que apontaram para
processos de transferência da L1 e para replicação de condicionamentos, conforme os falantes
nativos de PB e conforme falantes de outras variedades de PB faladas por indígenas. E,
somando-se a esses dois instrumentos de geração de dados, os questionários contribuíram para
buscarmos o vínculo entre as variações manifestas pelos participantes da pesquisa e os fatores
sociais. A seguir, evidenciaremos o perfil dos participantes e as variáveis selecionadas.
15 O peso atribuído a cada fenômeno levou em consideração o seguinte: aos fenômenos que apresentavam maior
possibilidade de transferência da L1 para a L2 foi atribuído o peso mais alto (4) e àqueles fenômenos que
representavam replicação de condicionamentos conforme o PB foi atribuído o peso mais baixo (1). À guisa de
exemplificação, atribuiu-se o peso 1 à variação na marcação da flexão de número nos sintagmas nominais e o peso
4 à fricativização das oclusivas bilabial e velar.
78
4.3 O PERFIL DOS PARTICIPANTES E VARIÁVEIS SELECIONADAS
Dos 56 alunos Tikuna da turma de Pedagogia Intercultural Indígena, 39 são do gênero
masculino, perfazendo 70% da turma e 17 do sexo feminino, representando 30%. Destes alunos,
selecionou-se uma amostragem que deveria ser composta por, aproximadamente, 50% de cada
gênero, ficando entre 8 do gênero feminino e 14 do gênero masculino. Destes 22 previamente
selecionados, conseguimos entrevistar 19, sendo 12 alunos do gênero masculino e 7 do gênero
feminino. As entrevistas com os alunos dessa turma eram realizadas após as aulas, algumas no
turno matutino, outras no turno vespertino, seguindo-se um calendário previamente elaborado
e combinado com eles. Algumas alunas não ficaram após a aula porque precisavam ir às suas
casas resolver algum assunto familiar. Além disso, alguns alunos do sexo masculino e também
feminino não foram entrevistados porque foram dispensados por uma determinada professora,
em alguns horários de uma disciplina seguinte à que fora ministrada pela professora Marília,
para a realização de trabalhos acadêmicos em suas casas, impossibilitando a realização das
entrevistas.
Quanto aos estudantes pós-graduandos, entrevistamos 2 na aldeia Filadélfia, e 1 na sede
de São Paulo de Olivença.
Entrevistamos, ainda, um professor da comunidade de Vendaval, que fez o Terceiro
Grau Indígena pela OGPTB. Dessa forma, em nosso estudo, há 2 professores e 2 professoras
com ensino superior completo.
Conforme Paiva (2013), quando se trata da seleção de informantes, a pesquisa
Sociolinguística Variacionista preconiza que estes podem ser selecionados levando-se em
consideração dois métodos: o aleatório simples e o aleatório estratificado. Quanto ao primeiro,
os participantes que comporão a amostra são selecionados a partir de um sorteio, tendo em vista
a mesma probabilidade de escolha. Já no que tange ao segundo, os indivíduos também são
escolhidos aleatoriamente, mas divididos em células conforme as variáveis sociais eleitas pelo
pesquisador tais como idade, escolaridade, sexo, classe social, lugar de origem, etnia etc.
Levando-se em consideração o objetivo dessa pesquisa, decidimos entrevistar os
participantes conforme as variáveis sociais gênero, idade, escolaridade e localidade. O método
da amostra aleatória estratificada foi, portanto, o adotado nesta pesquisa.
Na variável gênero, temos as células correspondentes ao gênero masculino (MASC) e
feminino (FEM). A variável idade foi dividida em duas faixas: Faixa 1, de 25 a 40 anos e Faixa
79
2, de 41 a 60 anos. A variável escolaridade foi dividida em dois níveis: ensino superior
incompleto e ensino superior completo.
Na Tabela 2 abaixo, são apresentadas as informações que evidenciam o perfil dos
participantes que compõem a amostra de nosso trabalho. A escolha da variável social localidade
teve como base os estudos realizados por Thomason e Kaufman (1988), Thomason (2001) e
Weinreich (1953), os quais encontraram, em suas pesquisas, explicações para as variações
linguísticas que resultavam do contato entre falantes de diferentes comunidades.
A partir dos critérios eleitos para a composição da Tabela abaixo, nosso propósito foi o
de identificar possíveis fatores que pudessem estar correlacionados às manifestações
linguísticas do português falado pelos participantes da pesquisa.
Tabela 2: PERFIL DOS PARTICIPANTES (PROFESSORES QUE SE AUTODECLARAM TIKUNA) 16
PARTICIPANTE17
GÊN.
IDADE LOCALIDADE DE
NASCIMENTO
LOCALIDADE DE
ATUAÇÃO
ESCOLARIDADE
B.S.G FEM 56 COMUNIDADE SANTA
CLARA (S.P.O.)
COMUNIDADE SANTA
CLARA (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
C.L.S. FEM 34 SEDE DO MUNICÍPIO DE
SÃO PAULO DE
OLIVENÇA
COMUNIDADE BOM
JARDIM DO PASSÉ
(S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
E.A.L. FEM 29 COMUNIDADE NOVA
CANAÃ (B.C.)
COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
E.D.I MASC 32 COMUNIDADE SÃO
DOMINGOS II (S.P.O.)
COMUNIDADE SÃO
DOMINGOS II (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
F.A.D MASC 56 COMUNIDADE DE
VENDAVAL (S.P.O.)
COMUNIDADE DE
VENDAVAL (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
H.A.R. MASC 38 COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
H.Z.M MASC 34 COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
J.O.C MASC 28 COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
J.G.M FEM 29 COMUNIDADE NOSSA
SENHORA NAZARÉ
(S.P.O.)
COMUNIDADE TORRE
DA MISSÃO (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
J.M.G MASC 40 COMUNIDADE SANTA
INÊS (S.P.O.)
COMUNIDADE SANTA
INÊS (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
L.F.D MASC 28 COMUNIDADE VILA
INDEPENDENTE (S.P.O.)
COMUNIDADE VILA
INDEPENDENTE (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
J.M.T. MASC 30 COMUNIDADE VILA
ALTEROSA JUÍ (S.A.I.)
COMUNIDADE NOVA
GALILÉIA (SPO)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
16 Comparando, brevemente, a situação que Carneiro (2014) apresenta e a que trazemos nesta tabela, no que diz
respeito às situações apresentadas, podemos dizer que o autor, por exemplo, não pôde lidar com localidade de
nascimento e localidade de atuação, ele lidou somente com localidade de nascimento, porque essa situação, que
se impõe para a realidade interna aos Ticuna (Tikuna), não se apresentava para a situação que ele encontrou em
Barra do Corda: ele estava lidando com indígenas Kanela e Guajajara e as diferenças notadas, entre os membros
das duas etnias, na relação de cada uma dessas etnias com a cidade. Já em nosso trabalho, lidamos com a relação
estabelecida entre professores da etnia Tikuna e o local onde atuam, verificando-se aí se existe relação entre a
variedade de português que esses professores usam com os locais onde atuam (geralmente, nas aldeias). 17 Os participantes estão apresentados nesta tabela com as iniciais de seus nomes em língua portuguesa.
80
M.F.C MASC 41 COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
COMUNIDADE
OTAWARI
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
N.C.F FEM 28 COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE (S.P.O.)
COMUNIDADE VILA
INDEPENDENTE (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
O.B.A MASC 54 COMUNIDADE
PARANAPARA I (S.P.O.)
COMUNIDADE
PARANAPARA I (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
O.A.A MASC 50 COMUNIDADE
PARANAPARA I (S.P.O.)
COMUNIDADE
PARANAPARA I (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
P.B.M MASC 33 COMUNIDADE
SANTA TEREZINHA
(S.P.O.)
COMUNIDADE
SANTA TEREZINHA
(S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
W.A.S MASC 51 COMUNIDADE DE
VENDAVAL (S.P.O.)
COMUNIDADE DE
VENDAVAL (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
INCOMPLETO
B.C.C FEM 35 COMUNIDADE DE
CUCHILLO COCHA (NO
MUNICÍPIO DE
CABALLO COCHA, NO
PERU)
SEDE DO MUNICÍPIO DE
SÃO PAULO DE
OLIVENÇA
ENSINO SUPERIOR
COMPLETO
N.C.FR. FEM 42 COMUNIDADE DE
CAMPO ALEGRE
SEDE DO MUNICÍPIO DE
SÃO PAULO DE
OLIVENÇA
ENSINO SUPERIOR
COMPLETO
L.J.F MASC 37 COMUNIDADE VILA
INDEPENDENTE (S.P.O.)
COMUNIDADE VILA
INDEPENDENTE E SEDE
DO MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO DE OLIVENÇA
ENSINO SUPERIOR
COMPLETO
A.C.A. MASC 43 COMUNIDADE DE
VENDAVAL (S.P.O.)
COMUNIDADE DE
VENDAVAL (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
COMPLETO
Z.L.S. FEM 48 COMUNIDADE RIBEIRO COMUNIDADE DE
VENDAVAL (S.P.O.)
ENSINO SUPERIOR
COMPLETO
Quanto à variável gênero, 15 participantes são do gênero masculino e 8, do feminino.
Já em relação à variável idade, os participantes têm entre 28 a 56 anos, sendo divididos nas
faixas 1 e 2, conforme ilustramos na tabela abaixo
Tabela 3: Variáveis gênero e idade
GÊNERO FAIXA 1: 25-40 ANOS FAIXA 2: 41-60 ANOS
MASCULINO 9 6
FEMININO 5 3
A fim de ilustrarmos a dispersão dos participantes em relação às variáveis gênero e
idade, apresentamos o gráfico a seguir.
81
Gráfico 2: Dispersão Participante x Idade
No que concerne à variável escolaridade, 19 têm ensino superior incompleto e 4 têm
superior completo. Veja tabela abaixo:
Tabela 4: Variável escolaridade
GÊNERO Ensino superior incompleto Ensino superior completo
MASCULINO 13 2
FEMININO 6 2
Cabe reiterar que os participantes com o ensino superior incompleto foram
selecionados a partir de uma amostra de uma turma de graduação que contava com 56 alunos
Tikuna, dentre os quais 70% era composta por homens e 30% por mulheres. Os integrantes com
ensino superior foram selecionados a partir do atendimento dos mesmos critérios,
diferenciando-se apenas o nível de escolaridade e a quantidade, que ficou em dois homens e
duas mulheres.
82
Quanto à variável localidade, os integrantes da turma nasceram e atuavam em
localidades que se configuravam como uma representatividade das aldeias/ comunidades de
uma cidade do Alto Solimões que conta com número significativo de agrupamentos de índios
Tikuna. Esse fato nos interessava para termos um painel inicial da variedade falada por esse
grupo. A maioria dos participantes nasceu em comunidades vinculadas aos municípios de
Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença e Santo Antônio do Içá, na mesorregião
do Alto Solimões, no Amazonas, à exceção de uma participante que nasceu em uma
comunidade indígena do Peru. Hoje, todos eles atuam em aldeias localizadas em São Paulo de
Olivença ou na própria sede do município. Abaixo, evidenciamos a área correspondente à
variável localidade dos participantes.
Figura 3: Mapa lugar de origem (e de deslocamento) dos participantes Tikuna
Fonte: Elaborado por Ligiane Bonifácio e Chandra Viegas, julho de 2017. Criado com a ferramenta My Maps do
google maps. Imagem tratada por Diego Souza (2019).
Após as entrevistas, foram postuladas mais duas outras variáveis sociais: o grau de
contato e fluência. O grau de contato foi dividido em três níveis: baixo, médio e alto. Esses
níveis foram estabelecidos a partir dos seguintes critérios: contato baixo - professores que
vivem e trabalham nas comunidades indígenas e têm um contato intenso com pessoas falantes
de Tikuna em suas aldeias. As redes de interações ocorrem, predominantemente, em língua
Tikuna, nas aldeias; e usam o português nos deslocamentos realizados de forma pouco frequente
aos centros urbanos; contato médio - professores que vivem e trabalham nas comunidades
indígenas, mas já viveram em centros urbanos por um período maior que três anos e menor que
83
sete anos, para estudar e trabalhar. Tiveram contato mediano com falantes nativos de português,
mas, ao voltarem para as aldeias, continuaram tendo um contato intenso com pessoas falantes
de Tikuna e, no domínio doméstico, a língua Tikuna é usada de forma privilegiada; contato alto
- professores que têm intenso contato com pessoas falantes de português e deslocam-se com
uma certa frequência para outros centros urbanos, localizados fora do Alto Solimões; além
disso, vivem ou já viveram em centros urbanos, por um período maior que sete anos.
A variável fluência foi postulada após, nas entrevistas, termos identificado que os
participantes da pesquisa apresentavam uma proficiência bilíngue que variava, desde aqueles
falantes que apresentavam uma proficiência mais próxima de um falante nativo do PB até
aqueles que apresentavam, na variedade do português que falavam, bastantes traços da sua L1,
estando, portanto, mais distantes da língua-alvo. A partir disso, foram estabelecidas 5 faixas de
fluência, conforme será explicitado com maiores detalhes na seção 7.3.
Após registrarmos e analisarmos um quadro mais amplo de fenômenos em variação
no Português Tikuna, elegemos dois fenômenos, um fonético-fonológico e outro no âmbito
morfossintático, a fim de determinarmos fatores linguísticos e extralinguísticos aí atuantes.
Cabe ressaltar que, em nossas entrevistas, na tentativa de minimizarmos o efeito do
paradoxo do observador, não controlamos nenhuma variável específica por meio de
questionário fonético-fonológico ou morfossintático, que propiciam um maior controle por
parte do entrevistado. Fizemos perguntas relacionadas a aspectos pessoais, como estudo, local
de moradia e vida na comunidade.
A variável linguística selecionada para estudo em nosso trabalho, no âmbito fonético-
fonológico foi a variação de /s/ em posição de onset; já no morfossintático, elegeu-se a regra
variável de concordância da primeira pessoa verbal. Ambas as variáveis foram escolhidas por
ocorrerem com bastante frequência na primeira faixa do continuum, diminuindo paulatinamente
nas outras faixas. Além disso, essas variáveis não têm sido investigadas por outros estudos de
cunho variacionista no PB, tanto em fala urbana, quanto rural.
Com relação à regra variável de concordância da primeira pessoa verbal, cabe dizer
que, como alguns professores acabaram fazendo um relato da vida, e usando com certa
frequência referências a si mesmos, optou-se por analisar essa variável, com vistas a verificar
como se dá a marcação, ou não, da concordância verbal de primeira pessoa do singular no grupo
de professores participantes da pesquisa, partindo da descrição de uma amostra de fala gerada
por nós.
84
A primeira pessoa verbal é aquela que fala, e, na oração, o sujeito obrigatório é o
pronome eu, que pode se encontrar implícito ou expressamente manifesto, tendo a flexão de
pessoa evidenciada por meio da desinência verbal. Conforme Emmerich (1984), Lucchesi e
Baxter (2009), no português brasileiro, essa regra de concordância com a primeira pessoa verbal
é tida como categórica. No entanto, tal como foi registrado por Emmerich, em nossos dados
também identificamos a presença da marca de primeira pessoa verbal em variação com a
terceira pessoa verbal e com formas nominais, como o infinitivo e gerúndio. Os fatores
linguísticos e socioculturais que condicionam a incorporação linguística da regra com
referência à primeira pessoa do singular serão apresentados na subseção 7.4.2.
Apresentado o perfil dos participantes, bem como as variáveis lingísicas e sociais
eleitas em nossa investigação, passamos a evidenciar, no próximo capítulo, os dados
relacionados aos domínios linguísticos, deslocamentos e outros fatores sociais que acreditamos
se relacionarem com a identidade e os usos linguísticos do grupo investigado.
85
CAPÍTULO 5 - IDENTIDADE E USOS LINGUÍSTICOS
Os elementos constitutivos da identidade de um falante de uma língua são fatores que
exercem grande influência sobre os usos linguísticos dele. A esse respeito, Tabouret-Keller
(1998) afirma que a língua falada por alguém e a identidade desta pessoa como um falante desta
língua são inseparáveis. Nesse sentido, a língua, vinculada ao contexto social do qual um falante
faz parte, se configura como um aspecto que constitui a identidade dele.
Ao ampliarmos essa relação entre identidade e usos linguísticos a um grupo de
falantes, valemo-nos do que preconiza Ferguson (1994). Conforme o autor, um grupo que opera
regularmente em uma sociedade como um elemento funcional, por exemplo, em termos de
localização física, padrões econômicos, religiosos, padrões matrimoniais ou outro
comportamento interacional, tenderá a desenvolver marcadores de identificação de estrutura de
língua e de usos linguísticos diferentes daqueles usados por outros grupos sociais. Esses usos
revelam a identidade do grupo. Tendo isso em vista, neste capítulo, apresentamos aspectos
relacionados à identidade do grupo de participantes que compõem nossa pesquisa e aos usos
linguísticos efetivados por eles.
Sendo assim, a seguir, apresentamos resultados concernentes à autoavaliação quanto
aos domínios linguísticos, os deslocamentos e outros fatores sociais que acreditamos se
relacionarem com a identidade e os usos linguísticos do grupo investigado. Os dados foram
gerados por meio de relatos de vida, entrevistas e questionários realizados com os participantes.
Além disso, para análise, também levamos em consideração nossas observações em campo e
anotações em diário de campo.
Cabe, ainda, reiterar que os resultados serão apresentados levando em consideração
nossa interpretação dos dados, com base nos pressupostos teóricos adotados no estudo e na
nossa vivência junto ao grupo investigado. Quando houver a necessidade de elucidarmos alguns
pontos da análise com as próprias falas dos participantes, apresentaremos trechos das
entrevistas e dos relatos de vida.
5.1 SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA DOS PARTICIPANTES
Os Tikuna foram contatados há mais de trezentos anos, no século XVII, por meio das
incursões de portugueses e espanhóis na região do Alto Solimões. Conforme Nimuendajú
(1952), o contato entre os Tikuna e os “civilizados” não foi tão intenso nos primeiros dois
séculos e meio e ocorreu sem grandes conflitos. No entanto, o contato entre indígenas e não
86
indígenas foi intensamente acentuado e marcado por grandes conflitos no final do século XIX,
por ocasião do aumento da empresa seringalista na região do Alto Solimões. Tal fato repercutiu
profundamente sobre o universo indígena, conforme apresentamos no capítulo 1.
Apesar disso, a população Tikuna resistiu em muito ao que lhe fora imposto. O fato de
manterem até os dias de hoje a língua materna atesta essa resistência.
Nesta seção, apresentamos os resultados a que chegamos, a partir da autoavaliação dos
indígenas participantes da pesquisa, em relação às próprias habilidades de: fala, entendimento,
leitura e escrita nas línguas Tikuna e Portuguesa. Esse bloco de questões, presentes nos
questionários aplicados aos participantes, tinha o objetivo de verificar a consciência linguística
deles quanto ao próprio bilinguismo nas Línguas Tikuna e Portuguesa ou monolinguismo em
uma das línguas.
Gráfico 3: Consciência linguística dos participantes
15
20
12
13
20
21
22
22
8
3
11
10
3
2
1
1
0 5 10 15 20 25
Você consegue escrever em língua portuguesa?
Você consegue ler em língua portuguesa?
Você fala língua portuguesa?
Você consegue entender uma conversação em línguaportuguesa?
Você consegue escrever em língua Tikuna?
Você consegue ler em língua Tikuna?
Você fala língua Tikuna?
Você consegue entender uma conversação em língua Tikuna?
Não Um pouco Sim
87
Ao analisarmos as respostas dos professores no questionário, bem como as respostas
nas entrevistas, podemos afirmar que a situação sociolinguística deles, levando em
consideração a consciência deles sobre a habilidade de fala e a desenvoltura durante as
entrevistas, é de bilinguismo nas línguas Tikuna e Portuguesa
Em relação às habilidades de fala e de entendimento de uma conversação em língua
Tikuna, 95,6% afirmaram que sabem falar e conseguem entender uma conversação em língua
Tikuna. Dos 23 participantes da pesquisa, apenas 1 respondeu que não sabe falar nem entender
uma conversação em Tikuna, o que representa 4,3% do grupo investigado. Essa quantidade de
falantes, associada às atitudes positivas deles frente à língua ancestral e aos usos linguísticos
em diferentes domínios sociais, conforme poderá ser visto na seção 5.2, aponta para a vitalidade
da língua Tikuna entre o grupo de falantes pesquisados.
Por outro lado, nas entrevistas, foram relatados casos de famílias inteiras residentes
em determinados lugares onde a língua Tikuna já não é falada, como é o caso da comunidade
Vila Alterosa Juí, no município de Santo Antônio do Içá e das comunidades Bom Jardim do
Passé e Bom Jesus II, ambas no município de São Paulo de Olivença18. Cabe, aqui, reiterar
que, ao selecionarmos o grupo de participantes representativos de onze comunidades (aldeias)
indígenas de São Paulo de Olivença, bem como com os da própria sede, nossa intenção, além
de compreender os fatores sociais que interferem nos usos linguísticos deles, era de termos
indícios da situação sociolinguística das aldeias onde eles moram (e/ou de onde moraram).
A seguir, apresentamos trechos das falas de C.L.S./34. FEM., os quais ilustram o que
afirmamos no início do parágrafo acima.
Pesquisadora: E tinha escola lá em Vila Alterosa?
C.L.S./34. FEM: Tinha tinha tinha e tem né agora tem até terceiro ano tem
Pesquisadora: Tinha Tikuna?
C.L.S./34. FEM: Não tinha língua Tikuna
Pesquisadora: E alguém na comunidade falava?
C.L.S./34. FEM: Não
Pesquisadora: Mas tem famílias Tikuna?
C.L.S./34. FEM: Tem
Pesquisadora: Da etnia Tikuna?
18 A comunidade indígena Bom Jardim do Passé é vizinha da comunidade indígena Bom Jesus II e estas se
localizam a aproximadamente 20 km da sede do município de São Paulo de Olivença.
88
C.L.S./34. FEM: Ãhã tinha tinha e tem
Pesquisadora: E você conhece alguma outra comunidade que é indígena mas que as pessoas
também não falam a língua?
C.L.S./34. FEM: Sim Bom Jesus bem aí pertinho. É raro
Pesquisadora: Tem Tikuna Kokama Kambeba?
C.L.S./34. FEM: Ãhã tem
Pesquisadora: Tem não índio?
C.L.S./34. FEM: Lá são misturados
Pesquisadora: E a língua que é falada lá?
C.L.S.: É só o português só tem a família do (???) uma família aí que fala com os filho é a
língua materna eles hum hum só aquela uma família mesmo do (???) parece o resto tudo fala
só só o português mesmo
Em contrapartida a essa perda linguística, C.L.S./34. FEM nos relata tentativas de
reverter esse processo, motivadas via ensino formal na graduação, repercutindo na escola e nas
interações familiares.
Pesquisadora: E lá em Bom Jardim do Passé você é professora de que disciplina?
C.L.S./34. FEM: Português matemática ciências arte e agora eles querem que eu dou a língua
materna né aí eu tô só no início as palavras que eu já aprendi aí eu tô passando pra eles até
porque tem criança até de de onze anos só começa de quatro até onze anos (Grifos nossos)
Pesquisadora: E antes nessa escola não tinha língua Tikuna?
C.L.S./34. FEM: Não
Pesquisadora: Começou em que ano?
C.L.S./34. FEM: Esse ano passado quando a professora Marília veio dar aula ãhã (Grifos
nossos)
Pesquisadora: E você que propôs que começasse a falar a língua Tikuna na escola ou vocês
fizeram alguma reunião você conversou com alguém como é que passou a ser ensinado na
escola?
C.L.S./34. FEM: Lá na no Bom Jesus no Bom Jardim foi assim que nós fizemo o trabalho da
professora Ivanise né e aí ela tinha com pra nós fazer uma palestra sobre a importância da
língua aí eu eu fiz essa essa palestra aí aí eles gostaram da palestra eles disseram que eles
89
nunca tinham ouvido falar assim eles nunca tinha assim uma como que se diz uma é uma
orientação que ia servir pra eles né eles nunca tinham ouvido falar que ia servir aí eles
começaram a falar assim pouco com os filhos já que eu mandei eles praticarem porque só tinha
uma família também que ele eles falam diariamente (Grifos nossos)
C.L.S./34. FEM: (...) até meu compadre ele agora anda falando com meu menino pequenininho
ele nunca falava agora não ele já ensina ele falar nome das das coisa agora em Bom Jesus é
eles voltaro né a querer aprender a língua por causa que tão exigindo porque a comunidade
tá registrada como indígena Tikuna mas eles não falam mais a língua
No trecho abaixo, C.L.S./34. FEM:, quando questionada se tenta falar algo com os filhos
sobre o que aprendeu em língua Tikuna, afirma o que segue:
C.L.S./34. FEM: algumas palavras que eu peço deles ou é a da língua agora que eu tô
aprendendo né devido aí ele e agora também eles tão tendo aula de língua também tem um
professor lá e eles estudam lá Nossa Senhora Aparecida que é lá em Bom Jesus Bom Jesus dois
aí eles também já tão aprendendo essas palavras aí às vezes eles perguntam de mim o que eu
sei eu vou respondendo pra eles (risos)
Apesar de a perda linguística ser uma realidade para C.L.S./34. FEM e para falantes
das comunidades indígenas que mencionamos acima, os trechos que acabamos de reproduzir
apontam indícios de uma possível minimização desse processo. A esse respeito, gostaríamos de
chamar a atenção para a importância que o processo de formação acadêmica teve (e tem) nessa
empreitada ao suscitar a reflexão sobre a importância da manutenção da língua Tikuna, que
pode se materializar em ações capazes de minimizar o processo de perda linguística. Se por
um lado, o processo de educação formal é visto como uma ameaça à manutenção das línguas
indígenas, ele também pode ser um meio de manutenção da língua e reversão de perda
linguística, a depender das políticas linguísticas aí manifestas.
Não podemos deixar de enfatizar o fato de que, a despeito de, em alguns lugares, já ter
iniciado um processo de perda da língua Tikuna entre os indígenas dessa etnia, 22 participantes
da pesquisa afirmaram falar a língua Tikuna e, durante as entrevistas, enfatizaram haver uso
intenso da língua ancestral nas comunidades indígenas onde moram, principalmente entre as
crianças e os mais velhos. A esse respeito, apresentamos trechos de dois participantes que
residem em aldeias distintas.
90
J.O.C./29. MASC.: .... porque lá na minha comunidade mais maio[ʎ]ia que fala língua Tikuna
mesmo
W.A.S./51. MASC.: Na língua Tikuna... eu não fala com ele porque às ve[ʐ]e[ø] ele não... não
sabe porque na minha comunidade maioria que não... não fala (Grifos nossos)
Pesquisadora: Não fala o quê?
W.A.S.: Língua portuguesa... eles fala só a língua mesmo
Pesquisadora: A língua?
W.A.S.: Tikuna
Quanto à habilidade de fala em língua portuguesa, temos os seguintes resultados:
52,2% responderam que sabem falar em língua portuguesa e 47,8% afirmaram que sabem falar
um pouco. Esse último resultado, feito com base no questionário, foi também reiterado nas
entrevistas e uma das possíveis causas para que os professores Tikuna avaliem a forma como
falam como não sendo tão proficiente tem a ver com a crítica que recebem dos não-indígenas,
conforme se pode visualizar nos trechos abaixo:
E.D.I../33. MASC.: ... é só pra criticar... que eu era Tikuna eu acho que era isso... Tikuna e
que não sabia ler bem, não sabia falar bem, então eu... então eu tive essa... essa...esses coisa[ø]
aí que eu levei, mas nu... nu ligava, queria só aprender falar mais português bem, entender
melhor pra poder continuar estudando e... e alcançar meu... a minha objetivo, que é aprender
a português e ter mais informações sobre o estudo
L.F.D./27. MASC.: eu sempre falar com... com meu... meu avô assim... queria que queria que
vim aqui na são Paulo de Olivença pra estudar porque eu queria aprender a língua português.
Às veze[ø] sinto vergonha que eu nem sei falar a língua que eu sou branco às veze[ø] pessoa
confunde de mim que ele pensa que eu não fala a língua Tikuna então isso pra mim é uma um
uma vergonha assim que eu eu não sei falar a língua português.
Quanto às habilidades leitura e escrita na língua Tikuna, os resultados apontam que: a)
apesar de bastante elevada (90%), a proficiência na leitura em língua Tikuna é menor que na
fala (95,6%); b) a proficiência na escrita (86%) é menor que na leitura (90%). Tais ocorrências
podem ser explicadas pelo seguinte fato: geralmente, o ensino de leitura e escrita entre os
91
indígenas ocorre via educação formal, no ambiente escolar. Tendo em vista que esses
participantes não estudaram em escolas bilíngues Tikuna/Português, é de se esperar que não
tenham desenvolvido, de forma proficiente, ainda, essas habilidades.
Já em relação às habilidades de entendimento de uma conversação, leitura e escrita na
língua portuguesa, os resultados apontam que os participantes dominam essas habilidades nesta
língua.
No que diz respeito ao fato de as habilidades de escrita e leitura em língua Tikuna
serem menores que a fala, podemos afirmar que: a) o ensino da leitura e da escrita na língua
portuguesa geralmente se dá via escola e quando os participantes não estudaram em escolas
bilíngues Tikuna/Português pode acontecer de não terem desenvolvido fluentemente essas
habilidades.
Os relatos dos participantes investigados apontam na direção da seguinte situação
linguística: A) bilinguismo acentuado, por exemplo, nas comunidades Campo Alegre e Santa
Terezinha, principalmente entre os mais novos, entre casais e entre pessoas da mesma idade
dos participantes entrevistados; B) monolinguismo predominantemente na língua portuguesa,
por exemplo, nas comunidades Bom Jardim do Passé, Bom Jesus II e na sede do município de
São Paulo de Olivença, entre membros da mesma família; C) monolinguismo na língua Tikuna,
por exemplo, na comunidade Vendaval, principalmente entre os mais velhos, entre casais e
entre crianças até o momento em que estas começam frequentar a escola. Para finalizar esta
seção, apresentamos mais alguns trechos de fala que exemplificam a discriminação acima.
Quadro 3: Trechos que evidenciam a situação sociolinguística dos participantes da pesquisa
TRECHOS DE FALA LETRA CORRESPONDENTE À
SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA
Pesquisadora: O senhor conversa com ela em língua
Tikuna ou em língua portuguesa?
A.C.A./43. MASC.: Só língua só língua [tʂ]ikuna
me[ø]mo só aí meu esposa não sabe cu português só
[ã]ssim fa[ɾ]a de aprender só língua [tʂ]ikuna
me[ø]mo
C
B.C.C./35. FEM.: Tanto é que os meus sobrinho meus
filho não falam na língua Tikuna não ainda mais que a
B
92
gente mora aqui na cidade e e a gente vamo[ø] dizer
deixamo[ø] de falar
Pesquisadora: Você tem filhos?
P. B.M../33. MASC.: Eu tem eu tem tem quatro filho
Pesquisadora: E você fala com eles ... você e sua esposa
falam com eles em que língua?
P. B.M../33. MASC.: É gente nó[ј] usamo[ø] usamos é
dois língua língua portuguesa e língua Tikuna
A
Antes de finalizarmos a seção, cabe registrarmos que oito (34,7%) dos participantes
investigados, quando questionados sobre que língua(s) sabiam falar mencionaram algum nível
de proficiência em Espanhol, conforme ilustramos abaixo.
Quadro 4: O uso do Espanhol
PARTICIPANTE USO DO ESPANHOL
B.C.C./35. FEM.
Eu falo mais espanhol né com papai agora
com minha mãe é língua Tikuna minhas irmã
é língua portuguesa assim em família é irmã
sobrinho tudo é português a gente fala mais
português
C.L.S./34. FEM.
Pesquisadora: Além da língua portuguesa
você fala alguma outra língua?
C.L.S.: Eu entendo um pouco assim o
espanhol devido as aulas que eu estudei né
no ensino médio
J.O.C./29. MASC.
Só um pouco de Espanhol, não é muito não
P. B.M../33. MASC.
Sempre eu fala eu [ø]tende quando peruano
fala né eu [ø]tende também eu fala língua
espanhol não é muito não só às veze
W.A.S./51. MASC.
Espanhol mas não eu eu sei mas só que não
fala
93
L.J. F /37. MASC.
L. J. F: Eu só na verdade eu falo somente
pouquinho de espanhol fora de português e
da língua ticuna. Só um pouquinho de
espanhol
H.Z.M./34. MASC.
A outra língua? Língua espanhol ma[ј] não
não escreve só tô escutando ma[ј] n[u] fala
também não fala
O.B.A./54. MASC.
Pesquisadora: E o senhor dá aula de língua
portuguesa agora?
O.B.A.: Ãhã ãhã de de geografia de espanhol
já já outro professor tá dando au[ɾ]a de
nossa língua
Por meio das entrevistas, uma participante manifestou que o ensino escolar favoreceu
alguma proficiência quanto ao entendimento do espanhol, outra afirmou que fala espanhol, no
domínio familiar, com o padrasto, pelo fato de ele ser peruano, falante monolíngue de espanhol.
Já os seis outros participantes, do gênero masculino, informaram que têm alguma
proficiência em espanhol por conta de relações de compra em comércios onde há a presença de
peruanos, falantes de espanhol. Esses comércios se localizam na sede de São Paulo de Olivença
e, conforme alguns relatos, há, nas aldeias, mercadinhos cujos proprietários são peruanos. Além
das relações comerciais, também foram abordadas situações em que o uso do espanhol ocorre
por meio do ensino em contexto escolar e no âmbito familiar. No entanto, essas relações não
suscitaram, segundo a avaliação dos próprios participantes da pesquisa, o desenvolvimento de
um multilinguismo da parte deles. Estes, em sua maioria, consideram-se bilíngues apenas em
Português e Tikuna.
5.1.1 A situação sociolinguística das aldeias Vendaval e Bom Jardim do Passé: um olhar
etnográfico
A partir das duas realidades bastante distintas que identificamos através das conversas
em sala de aula e durantes as entrevistas, quanto ao monolinguismo acentuado em Tikuna e à
perda linguística do Tikuna em determinadas localidades que pertencem ao município de São
Paulo de Olivença, planejamos e fomos às comunidades Vendaval e Bom Jardim do Passé para
94
verificarmos in loco a realidade linguística dessas comunidades e compreendermos a dinâmica
e motivação para que essa siuação linguística figurasse nessas localidades.
Em julho de 2017, estivemos em Vendaval e em Bom Jadim do Passé. Na aldeia
Vendaval, conversamos com o cacique, solicitamos e obtivemos autorização para realizarmos
a pesquisa na comunidade. A partir disso, conversamos com a família do cacique e com alguns
moradores, nos alimentamos na casa deles e ouvimos algumas das histórias dos poucos falantes
de português. Na ocasião, também entrevistamos um professor Tikuna e conversamos com dois
professores que não são Tikuna, na tentativa de identificar os posicionamentos deles em relação
à realidade linguística da comunidade onde eles trabalham. Durante essa nossa estada em
Vendaval, nos hospedamos na casa que a prefeitura aluga para os professores que residem em
São Paulo de Olivença e que vão a Vendaval trabalhar nas escolas municipais ou na escola
estadual por um determinado tempo.
Dada a necessidade de aprofundarmos nossa compreensão sobre a realidade linguística
e social de Vendaval, retornamos à comunidade em fevereiro de 2018. Nessa estada, nos
hospedamos na casa de uma família Tikuna, motivados pelo anseio de participarmos das
interações na família, e observarmos, com eles e com as pessoas com quem eles se comunicam,
um pouco mais sobre a vida na aldeia.
Antes de tecermos nossas percepções sobre Vendaval, algumas informações se fazem
necessárias. Vendaval fica localizada a uma distância de 988 km da capital amazonense,
Manaus, e a 78, 92 km da sede do município de São Paulo de Olivença. Veja mapa a seguir:
95
Figura 4: Mapa com a localização da aldeia de Vendaval
Fonte: Google Maps.
A história19 da fundação da aldeia de Vendaval está diretamente relacionada à
implantação da empresa seringalista na região, de propriedado do senhor Quirino Mafra. De
acordo com Oliveira (2015), as relações econômicas na região de Vendaval foram mantidas
pelas relações de trabalho na empresa seringalista por mais tempo que em outras regiões e,
mesmo depois que a seringa foi abandonada, ainda havia uma relação de trabalho e submissão
ao “patrão”, que proibia os índios de venderem ou comprarem em outro lugar que não fosse o
barracão do patrão. Aliás, essa era a condição para que os índios pudessem morar nas terras
dele. Eles compravam os produtos do “patrão” por um preço muito elevado e tinham que vender
seus produtos a um preço muito inferior. Diante da situação de extrema exploração da mão-de-
obra indígena sofrida pelos Tikuna, eles buscam apoio de instituições governamentais para
ajudá-los na sua própria luta, a exemplo da FUNAI, CF-SOL, dentre outras.
Em 1971, após a passagem do Irmão José pela localidade de Vendaval é que começou
a formação do aldeamento de Vendaval. Antes disso, havia, aproximadamente, uma meia dúzia
de casas em torno do barracão, habitadas por não indígenas parentes ou apadrinhados do
“patrão”. O Irmão José criou uma Irmandade da Santa Cruz em Vendaval e, em consequência
dessa criação e de uma notícia espalhada pelos seus seguidores de que estava se aproximando
19 Dados gerados a partir do conjunto de relatos dos moradores de Vendaval, dos professores Tikuna
entrevistados, também moradores de Vendaval, bem como de dados presentes em Oliveira (2015).
96
o fim do mundo e de que apenas seriam salvos aqueles habitantes próximos a uma Santa Cruz,
muitos ticunas passaram a residir em Vendaval durante os anos de 1971 a 1973 (cf. Oliveria,
2015).
Em 1975, a população de Vendaval era composta por 701 pessoas, sendo já àquela
época, a maioria composta por indígenas e, incluindo a família do patrão, havia
aproximadamente 60 pessoas não indígenas. Nesse ano, o conflito entre os Tikuna e o “patrão”
foram se acentuando. Diante disso, iniciou-se a instalação de um posto indígena na localidade
de Vendaval, na tentativa de diminuir as situações de conflito.
Hoje, Vendaval faz parte da terra indígena (TI) Eware I e tem a sua situação fundiária
homologada. Segundo dados levantados pela Funai em 2010, a população de Vendaval, à
época, era de aproximadamente 1.480 pessoas. É um aldeamento numeroso, segundo maior em
população indígena Tikuna do município de São Paulo de Olivença, ficando atrás apenas do
aldeamento de Campo Alegre, também localizado na TI Eware I e que tem uma população
estimada em 4.765 Tikuna.
Em Vendaval, há duas escolas municipais (Taiwegüne e Ngaügüü I Ticuna) e uma
escola estadual (Pogüta), há um posto da Funai, sem funcionamento à época em que estivemos
na comunidade. Há um posto básico de saúde, uma igreja católica, uma igreja da Assembleia
de Deus e uma da Cruzada. Nas escolas, os alunos têm aulas em língua Tikuna desde as séries
iniciais até os anos finais do Ensino Fundamental e passam a ter aulas de línguas portuguesa no
quinto ano do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. No posto de saúde, há funcionários
Tikuna, mas predominantemente, há servidores não indígenas e as interações com eles ocorre
em língua portuguesa. Nas igrejas, as pregações e os cânticos são, predominantemente em
Tikuna, mas há também a ocorrência de falas em língua portuguesa.
Nas dez casas onde estivemos conversando com as famílias, percebemos que,
predominantemente, as crianças que ainda não começaram a frequentar a escola e as mulheres
mais velhas não falam língua portuguesa, bem como alguns homens mais velhos. Geralmente,
quem fala um pouco língua portuguesa são os adolescentes que já frequentam a escola, uma
vez que seu contato mais intenso com essa língua na aldeia se dá via escola.
A fala dos dois professores com quem conversamos, que são monolíngues em
português e não são Tikuna, deixa ver suas impressões sobre o universo indígena na escola. Os
professores afirmaram que têm dificuldade para ensinar a disciplina aos alunos a partir do
quinto ano, porque estes não “dominam português”. Na fala de um dos professores, é importante
que os alunos dominem mais o português porque se um dia forem estudar fora da aldeia,
necessitarão “falar bem” e não vão precisar falar Tikuna na cidade. Há, nessa fala do professor,
97
segundo nosso entendimento, uma imposição quanto ao aprendizado em português, com a
supervalorização dessa língua em detrimento do Tikuna.
Em nosso diário de campo, as anotações dizem respeito às seguintes observações: ao
lavarem roupas na beira do igarapé, as mulheres conversam e cantam em Tikuna; ao tomarem
banho no rio, as crianças falam em Tikuna; nos fins de tarde, ao brincarem de bola, as crianças
e os adolescentes falam, torcem e xingam em Tikuna; durante as refeições, as famílias dialogam
em Tikuna; ao realizarem trabalhos comunitários, como estar na roça ou tecer peneiro, as
pessoas falam em Tikuna; na “voz comunitária”, os informes e a programação local é toda em
Tikuna. Ao andarmos nas ruas de Vendaval, pudemos escutar músicas sendo reproduzidas em
Tikuna, algumas poucas em espanhol e outras tantas em português.
Nossa percepção geral foi a de que, na comunidade, é intenso o uso da língua Tikuna,
o que aponta para a direção da vitalidade e manutenção dessa língua nessa localidade. Veja, a
seguir, alguns registros que fizemos em Vendaval.
Figura 5: Em Vendaval
98
A. Mulher tecendo paneiro; B. Crianças e adolescentes brincando de bola; C. Mulheres lavando roupa e crianças
se banhando na beira do igarapé; D. Dialogando com uma família em Vendaval.
Fonte: Arquivo pessoal da autora. Julho de 2017 e fevereiro de 2018.
Em Bom Jardim do Passé, identificamos uma situação bem oposta à de Vendaval. Essa
comunidade é habitada apenas por membros de uma família e conta com aproximadamente 64
pessoas distribuídas em sete casas. Há apenas uma escola municipal (Nossa Senhora de Fátima),
que funciona na antiga sala da casa de um dos moradores. A terra ocupada por essa família
ainda se encontra em processo de homologação.
Ao chegarmos à comunidade, também conversamos com o cacique, solicitamos e
obtivemos autorização para realizarmos a pesquisa. Além de conversarmos com o cacique, que
é o patriarca, também conversamos com um neto e três filhos dele. Por meio das conversas e
de nossa observação, pudemos identificar que houve uma decisão tomada pelo cacique no
passado de não transmitir a língua Tikuna aos seus filhos, os quais só entendem algumas
palavras nessa língua, mas não falam, a exemplo de C.L.S., conforme já evidenciamos neste
trabalho. Ouvimos que hoje os filhos se ressentem por não terem aprendido a língua Tikuna e
que, juntamente com C.L.S. tentarão aprender a falar um pouco em Tikuna. Na escola, vimos
dois cartazes com palavras em Tikuna, um que continha a letra de uma música em Tikuna, que
os alunos cantam com a professora e um outro cartaz com nomes de frutas, escritos em Tikuna.
Tal fato já sinaliza para uma tentativa de fazer com que o Tikuna seja conhecido e implantado,
paulatinamente, entre os membros da comunidade. Veja, adiante, alguns registros feitos em
Bom Jardim do Passé.
99
Figura 6: Em Bom Jardim do Passé
A. Chegando a Bom Jardim do Passé; B. Cartazes com cântico e nome de algumas frutas em Tikuna; C. Moradias
em Bom Jardim do Passé; D. Dialogando com alguns membros da família em Bom Jardim do Passé.
Fonte: Arquivo pessoal da autora. Julho de 2017.
5.2 ATITUDES E USOS LINGUÍSTICOS
Tendo em vista que a compreensão dos fenômenos linguísticos pelo viés da
Sociolinguística busca uma inter-relação entre os fatores sociais e as realizações linguísticas,
os quais implicam atitudes e uso, é que nesta seção apresentamos o resultado dos dados acerca
de nossa investigação quanto a estes elementos.
5.2.1 Atitudes linguísticas
As atitudes linguísticas dos indivíduos em relação a sua própria língua materna podem
influenciar na manutenção, substituição ou extinção desta, mas também podem influenciar na
motivação para aprender outras línguas e na consequente competência linguística nessas
100
línguas. (cf. Weinreich, 1953; Fishman, 1977; Appel & Muysken, 2005; Matras, 2009). Nesse
sentido, algumas perguntas foram feitas com o intuito de verificar as atitudes e crenças dos
participantes quanto ao uso das línguas Tikuna e Portuguesa. Veja gráfico abaixo.
Gráfico 4: Atitudes linguísticas
A seguir, elucidamos as perguntas e respostas: 65,2% dos participantes afirmaram que
se sentem mais à vontade para falar em língua Tikuna; 13,1%, em língua portuguesa e 21,7%,
nas duas línguas. Sentir-se mais à vontade para falar em língua Tikuna tem relação com a
autoavaliação dos professores Tikuna quanto à competência linguística deles nessa língua, bem
como à avaliação do entorno de que eles não sabem falar português, o que implica em se sentir
menos à vontade em falar em Português que em Tikuna, conforme mostam os percentuais. Veja
trechos de algumas falas que atestam essa realidade.
J.M.G./40. MASC.: quando estou aqui na cidade é pessoal daqui não indígena tá me falando
às vez mal de mim não sabe nem falar bem na língua português ma[ј] eu entende como que
tão falando né, mas eu penso assim... pior... pior que é vocês que não entende nosso... nosso
língua mas nós como... como povo indígena Tikuna entende língua dois língua quando você
falava entende qualquer língua pouco de língua mas vocês não entende é assim que tava
pensando.
O.B.A./54. MASC.: tem de p[u]quinho de dificuldade de fa[ɾ]ar de nós português de fa[ɾ]ar
ve[ø]gonha de fa[ɾ]ar é segundo módulo também p[u]quinho de vergonha de fa[ɾ]ar de
portuguê[ј] e terceiro módulo aí sim melhor fa[ɾ]ar de portuguê[ј] e qua[ø]to módu[ɾ]o aí
[ʂ]im tudo bom de fa[ɾ]ar de portuguê[ј] agora ne[ʂ]e de[ʂ]e quinto módu[ɾ]o aí não tem de
ve[ø]gonha de fa[ɾ]ar de portuguê[ј] a[ʂ]im que é.
15
9
32
10
34
31
2 2 24
35
12
18 18
11
16 16
01
01
0 0 002468
101214161820
Que língua vocêse sente mais àvontade para
falar?
Que língua vocêacha mais
bonita?
É melhor parauma pessoa falarlíngua indígena,
Português ouambas?
Que língua deveser ensinada na
escola?
Qual é a línguamais
importante?
Que língua vocêprefere para ler?
Que língua vocêprefere para
escrever?
Tikuna Português Ambas Não Respondeu
101
Quando questionados sobre que língua acham mais bonita, 39% dos participantes
responderam língua Tikuna; 4%, língua portuguesa; 52% responderam que acham as duas mais
bonitas e 4% não respondeu.
Na questão ‘É melhor para uma pessoa falar língua indígena, Português ou ambas?’,
nossa intenção era saber o que os participantes achavam sobre o uso monolíngue ou bilíngue
no entorno deles. Cabe informar que, por algumas vezes, antes de aplicarmos os questionários,
ouvimos, durante algumas atividades com os alunos do curso de Licenciatura Intercultural
Indígena, o posicionamento deles de que não achavam certo o fato de apenas os indígenas
precisarem ser bilíngues e os não indígenas, monolíngues em Português. As respostas
evidenciam que 78% dos participantes atribuem uma visão positiva ao bilinguismo na língua
indígena e em Português; 9% responderam que é melhor para uma pessoa falar língua
portuguesa e 13% afirmaram ser melhor para uma pessoa falar língua indígena.
L.F.D./27.MASC.: é língua português porque [nu] tem c[u]mo ... c[u]mo falar na nossa língua
porque ele [nu] entende aquele pessoal que tão lá como que a gente fala assim ele não entende
então pra isso...pra isso que a gente quer aprender língua português porque pra facilitar a
nossa convivência comunicar com aquele que não... não fala a nossa língua... pra isso é muito
importante aprender os dois
A questão ‘Que língua deve ser ensinada na escola?’ apresentou os seguintes
resultados: 78% acreditam que devam ser ensinadas tanto a língua portuguesa quanto a língua
Tikuna; 9% acreditam que deva ser ensinada a língua Tikuna; 9%, a língua portuguesa e 4%
não respondeu.
L.F.D./27.MASC.: eu penso assim na escola estadual queria que se fosse atuar um professor
da língua Tikuna pra facilitar pra língua ti... indígena que tão estudando aqui na cidade...
Ao responderem à questão ‘Qual é a língua mais importante? ’, 43% afirmaram ser a
língua Tikuna; 9% a língua portuguesa; 48%, as duas línguas e 4% não repondeu. As respostas
apontam para uma atitude positiva em relação ao uso bilíngue de Português e Tikuna.
Quando questionados sobre a preferência de usos linguísticos para realizar as
atividades de ler e escrever, os resultados apresentam grande similaridade: 13% das pessoas
responderam que preferem ler em língua Tikuna, 17% responderam que preferem realizar tal
atividade em língua portuguesa e um número expressivo afirmou preferir ler nas duas línguas,
70%; 17% das pessoas responderam que preferem escrever em língua Tikuna; 13%
102
responderam que preferem realizar tal atividade em língua portuguesa e um número expressivo
afirmou preferir escrever nas duas línguas, 70%.
As atitudes linguísticas manifestas pelos professores se revelaram importantes para
postularmos a direcionalidade da língua ancestral e da língua portuguesa. Os professores têm
atitudes positivas em relação ao Tikuna e ao Português, sendo que um percentual bem baixo
demonstra ter uma preferência pela língua portuguesa e um percentual maior assegura ter
preferência pelo Tikuna. Como já afirmamos anteriormente, o alto índice de atitudes positivas
em relação ao uso de língua Tikuna ou das duas línguas aponta para a direção da
manutenção/vitalidade da língua ancestral, o que, somado ao processo aquisitivo do Português,
configura o bilinguismo nessas línguas. Além disso, as atitudes manifestas pelos professores
evidenciam a necessidade de políticas linguísticas que fortaleçam o uso da língua Tikuna,
também nas escolas.
5.2.2 Usos linguísticos e domínios sociais
Com o objetivo de ampliarmos nossa investigação acerca dos usos linguísticos e dos
domínios sociais em que eles se manifestam, valemo-nos de algumas perguntas (e das respostas)
feitas por meio do questionário e também da entrevista, os quais apresentamos a seguir.
Gráfico 5: Usos linguísticos e domínios sociais
103
A questão “Que língua(s) você aprendeu primeiro quando criança?” tinha a intenção
identificar a(s) primeira(s) língua(s) de aquisição dos participantes, buscando estabelecer uma
relação entre a aquisição e a transmissão linguística intergeracional. As respostas evidenciam
que 91,3% dos falantes adquiriram a língua Tikuna como materna e 8,7%, a língua portuguesa.
Os dados revelam, por meio do acentuado percentual de aquisição da língua Tikuna como
materna, em comparação com o português entre os participantes da pesquisa, a vitalidade da
língua Tikuna e apontam para a manutenção da língua nesta geração de participantes. Os 8,7%
que afirmaram ter adquirido a língua portuguesa como materna são da faixa etária 1 (de 25 a
40 anos), o que denota uma possível mudança na transmissão geracional dos mais novos. Ainda
que esse percentual seja baixo, representa uma pequena ameaça à manutenção da língua Tikuna
nas futuras gerações, pelo menos em determinados grupos de indígenas dessa etnia.
Abaixo, transcrevemos um exemplo de transmissão linguística dos pais a uma das
participantes que afirmou ter aprendido a língua portuguesa como materna e que até hoje ainda
não é, segundo sua autoavaliação, falante de Tikuna.
Pesquisadora: Mas aí eles não te ensinaram?
C.L.S.: Não
Pesquisadora: Eles falam por que que eles não ensinaram?
C.L.S.: Eles não falam porque eles ã antes uma vez eu lembro que meu irmão perguntou do
meu pai por que que o senhor não falou a língua indígena pra a que naquela época falava a
gira20 né quer dizer por que o senhor não ensinou a gira pra gente? Mas é a língua indígena a
nossa língua materna aí ele respondeu assim eu lembro benzinho pra quê eu por que pra que
que ia servir pra nós ele respondeu... pra que vai servir pra vocês? Não adianta... não
adiantava eu ensinar pra vocês por isso que eu eu não falo.
A atitude dos pais de não ensinarem a língua Tikuna aos filhos reflete negativamente
entre os próprios Tikuna, porque estes filhos não são legitimamente reconhecidos como Tikuna
entre o grupo, pois o fato de não falar a língua Tikuna gera um certo conflito identitário entre
os indígenas, tendo em vista que língua e identidade estão intimamente relacionadas. No
universo indígena Tikuna, se não fala a língua ancestral, recorre-se a outros elementos de
identificação, como filiação paterna, materna e clânica. Vejamos um exemplo:
20 Gíria ou gira é um termo ligado à realidade histórica dos povos indígenas. Na visão dos colonizadores e de
outros grupos não-indígenas, a língua falada por esses povos não tinha status de língua.
104
C.L.S.: ... aconteceu aqui mesmo na sala de aula ... porque eles vieram perguntar logo quando
começou as aulas né? Perguntaram que... que etnia eu era... de indígena Tikuna aí não tu não
é indígena Tikuna não tu é Kokama diziam pra mim que eu era Kokama né? Aí eu disse mas eu
sou indígena Tikuna mas eu já perdi a língua porque meu pai e minha mãe não me ensinaram
como é que eu ia aprender? Eu vivia num... numa comunidade que eles só falavam português
também né? Então como é que eu ia aprender a minha língua indígena? Aí eles... eles sempre
implicavam comigo assim lá vem a Kokama aí eu disse mas eu não sou Kokama eu sou indígena
Tikuna mas eu não falo aí eles perguntavam pelo meu pai quem é aí eu falava meu pai, minha
mãe, a nação deles (risos)
O bloco de questões “Que língua você usa mais frequentemente em casa para falar
com adultos?” e “Que língua você usa mais frequentemente em casa para falar com crianças?”
continua seguindo a linha de investigação acerca dos usos linguísticos, levando em
consideração, agora, o domínio social doméstico e os interlocutores.
Quanto à interação adulto-adulto no domínio social doméstico, 78% dos participantes
informaram que usam apenas a língua Tikuna, 13%, apenas a língua portuguesa e 9%, as duas
línguas.
Quanto à interação adulto-crianças no domínio social doméstico, 70% dos
participantes informaram que usam apenas a língua Tikuna, 9%, apenas a língua portuguesa e
21%, as duas línguas.
Os dados revelam que os usos linguísticos em língua Tikuna, no domínio social
doméstico, sofrem um decréscimo de percentual (70%) quando as interações ocorrem no nível
adultos-crianças. Quando as interações ocorrem no nível adulto- adulto, esse percentual
aumenta para 78%. No que se relaciona ao uso da língua Tikuna, o nível de interação adulto-
adulto é maior que o nível de interação adulto-criança. Veja um trecho que ilustra a interação
adulto-criança no ambiente doméstico apenas em língua portuguesa.
B.C.C./35.FEM.: tanto é que os meus sobrinho[ø], meus filho[ø] não falam na língua Tikuna
não, ainda mais que a gente mora aqui na cidade e... e a gente vamo[ø] dizer deixamo[ø] de
falar... e... eu levei meu filho quando ele tinha seis ano[ø] pra Campo Alegre que eu morei dois
ano[ø] lá, mas o meninozinho não conseguiu falar... eu não sei o motivo, talvez é porque eu
mesmo também não incentivo né? É por isso que eu sempre digo [ã]ssim eu trabalho numa
repartição onde você incentiva a nossa língua mas aí em casa nós tamo[ø] perdendo a nossa
cultura, mas... mas nem por isso o meu filho ele entende né? Eu falo na língua Tikuna com ele...
ele entende tudinho, mas ele não fala... é... o pequeno de seis ano[ø] é o único que ainda fala
algumas palavras, mas o mais velho... ele não fala mas ele entende né?
105
Quando o domínio social é a comunidade, 91% dos participantes afirmaram usar
apenas a língua Tikuna no nível de interação adultos-mais velhos da comunidade, ao passo que
4% afirmaram usar apenas a língua portuguesa e 4% afirmaram usar as duas, a depender da
situação comunicativa. Cumpre ressaltar que aqueles 4% são representados por uma
participante que afirmou não saber falar a língua Tikuna.
Quando comparamos o uso de língua Tikuna, nas interações adulto-crianças, adulto-
adulto e adulto-mais velhos da comunidade, notamos que esse uso é mais elevado neste último
nível geracional e menor no primeiro nível geracional, o que pode indicar um decréscimo de
uso da língua ancestral nas futuras gerações.
Quanto ao domínio social ‘vizinhança’, 65% dos participantes afirmaram usar apenas
a língua Tikuna, 13% falam língua portuguesa e 22% falam as duas línguas.
Quando questionados sobre “Que língua as crianças da comunidade falam mais
frequentemente?”, 91% dos participantes responderam língua Tikuna, e 9%, língua portuguesa.
Esse alto índice sugere que, na comunidade, a interação criança-criança privilegia o uso da
língua ancestral.
Em relação à língua usada com mais frequência em casa para escrever, temos os
seguintes resultados: o uso mencionado apenas da língua Tikuna (9%) é menor que o uso
mencionado apenas na língua portuguesa (22%), 4% não responderam. O uso frequente das
duas línguas foi mencionado por 65% dos participantes. Esse número pode ocorrer porque a
escrita é uma habilidade fortemente usada no ambiente escolar e em situações mais formais.
Como o lar é um ambiente mais íntimo, possivelmente não demande tanto o uso da escrita, o
que justificaria o baixo índice de uso da língua Tikuna mencionado para escrever.
Ao indagarmos os participantes sobre “Que língua você usa para escrever mensagens
de texto no celular, na internet ?” nossa intenção era saber quais línguas eram utilizadas pelos
participantes da pesquisa para escrever em ambientes eletrônicos, midiáticos, virtuais. Nesse
domínio, o uso exclusivo da língua portuguesa representa 61% das respostas; 26% dos
participantes afirmaram usar as duas línguas para escrever no ambiente digital e 13% não
responderam. Quando questionados sobre o porquê de preferirem o uso da língua portuguesa
em ambientes digitais para escrever, alguns participantes da pesquisa nos informaram que os
teclados do celular ou do computador não têm as teclas com os símbolos da língua Tikuna.
No que diz respeito à habilidade de escrita, tanto em ambiente doméstico, quanto no
ambiente de interação eletrônico, virtual, os participantes usam mais a língua portuguesa.
106
Quando entra em cena a habilidade de falar em ambiente digital, esses resultados são
diferentes. Nesse ambiente, o uso exclusivo da língua Tikuna representa 17%, das respostas dos
participantes, 17%, o uso da língua portuguesa e o uso das duas línguas representa 57%; 9%
não responderam. Para maior elucidação da resposta, alguns informantes afirmaram que o uso
varia conforme o interlocutor. Se estiverem falando ao telefone com outro falante de língua
Tikuna, usam a língua Tikuna, se estiverem falando com um não indígena, falante exclusivo de
língua portuguesa, usam esta língua como meio de comunicação.
A questão “Que língua você usa caso reze/faça preces em casa?” foi respondida da
seguinte forma: 65% afirmaram usar a língua Tikuna, em oposição a 17%, que afirmaram usar
a língua portuguesa; 4% responderam que usam as duas línguas e 13% não responderam. Esses
índices sugerem que na situação íntima, como a de rezar, o uso da língua ancestral é
privilegiado. Essas respostas se coadunam quando questionados que língua os participantes
usam para rezar no templo religioso.
As questões “Que língua você usa quando está zangado(a)/ com raiva?” e “Que língua
você usa para contar uma piada?” tinham a intenção de diagnosticar a língua usada pelos
participantes em momentos emocionais opostos: de tensão e de descontração. Os dados indicam
o uso privilegiado da língua Tikuna nos dois momentos, com 78% nos momentos de raiva e
65% para contar piada.
Aqui também, o conjunto de respostas dos professores aponta para o uso efetivo das
línguas Tikuna e Portuguesa; a diferença é que, nessa seção, pudemos verificar que esse uso
depende do ambiente social no qual os participantes estiverem interagindo.
5.2.3 Usos linguísticos em atividades e em localidade
Esta subseção visa a apresentar algumas atividades mencionadas pelos participantes
durante as entrevistas quando questionados sobre o que costumam fazer na sede e o que
costumam fazer nas comunidades e que língua usam para realizar tais atividades. Além disso,
como forma de reiterar as informações, levando em consideração que muitos participantes não
haviam feito menção a nenhuma atividade durante as entrevistas, ao aplicarmos o questionário,
inserimos algumas atividades e as localidades anteriormente mencionadas por alguns
participantes, conforme elucidamos nas legendas dos gráficos abaixo.
107
Gráfico 6: Usos linguísticos em atividades
Gráfico 7: Usos linguísticos em localidades
108
Ao analisarmos os gráficos, verificamos que as atividades ‘conversas na família,
reuniões da comunidade, trabalho na roça, pescaria, caçada, celebração da comunidade, festa
ou ritual indígena, banho no rio, velório/ritos fúnebres, reunião na escola, missa ou culto, rezas
cristãs (terço, procissão, festa), reuniões da comunidade’ ocorrem com maior frequência nas
comunidades e, para realizá-las, os falantes privilegiam o uso da língua Tikuna. Como se pode
ver, o uso da língua Tikuna na área rural é predominante.
Essa situação, no entanto, se reverte quando as atividades são realizadas quase que de
forma exclusiva na sede do município, tais como ‘tratar de assuntos no banco, tratar de
assuntos nos Correios, tratar de assuntos no cartório e reunião com órgãos do governo’. Ao
realizarem essas atividades na área urbana, os participantes usam, predominantemente, a língua
portuguesa, o que sinaliza para uma situação de poderia exercido por essa língua no núcleo
urbano. A respeito de o bilinguismo ocorrer apenas no universo indígena, transcrevemos trechos
da fala de um participante:
A.C.A./43. MASC.: Branco não sabe cu nossa língua [tʂ]ikuna ele também não sabe pra
escrever nossa língua só saber português me[ø]mo só
A atividade de ir ao comércio/mercadinho é realizada tanto na sede quanto na
comunidade. No entanto, a maior ocorrência de uso ao realizarem essa atividade é em língua
portuguesa, tendo em vista que quando precisam fazer compras na sede do município, o uso é
exclusivamente em língua portuguesa e, na comunidade, alterna-se o uso da língua Tikuna e da
língua portuguesa, porque quando os donos do mercadinho na comunidade são peruanos, que
falam português, ou são não indígenas, falantes exclusivos de português, é preciso que se fale
nessa língua para se fazer uma compra. Abaixo transcrevemos trechos que ilustram o que
afirmamos nesse parágrafo. A fala de W.A.S./51. MASC. faz referência à necessidade de usar
a língua portuguesa na sede do município e a fala de E.D.I./33. MASC. faz alusão ao fato de
usar a língua portuguesa tanto na comunidade quanto na sede municipal.
W.A.S./51. MASC.: ...a gente compra...gente pergunta em português porque ele não sabe
também quando gente porque muitas das ve[ʐ]e[ø] eu já tem prova eu já perguntei até às
ve[ʐ]e[ø] aqui com teu pai também não sabe qualquer lo[z]a eu perguntei pra pedir alguma
coisa e n[u] sabe então é melhor a gente falar só em português pa poder entender
Pesquisadora: Tá quando você precisa resolver alguma coisa algum negócio quando você
precisa ir ao comércio você geralmente vai onde assim fazer suas compras ou resolver negócio
de contas?
109
E.D.I../33. MASC.: Agora tá fácil esse ano agora tem em Santa Rita já tem banco já tem
comércio grande lá pra resolver [ã]ssim de documento essas coisa é aqui na São Paulo de
Olivença mas agora pra receber fazer comp[l]a é lá me[ø]mo em Santa Rita
Pesquisadora: Aí lá você pode falar o Tikuna que é entendido?
E.D.I../33. MASC.: Não. É em português
Pesquisadora: No comércio e no banco é português?
E.D.I../33. MASC.: É português
Pesquisadora: Mesmo lá em Santa Rita?
E.D.I../33. MASC.: Mesmo lá em Santa Rita
Pesquisadora: E aqui na cidade?
E.D.I../33. MASC.: Também
Em relação a ‘realizar atividades acadêmicas’ e ter ‘encontro com pesquisadores’, a
maioria dos participantes informou que tais atividades ocorrem tanto na sede quanto na
comunidade, e essa maioria usa as duas línguas.
No que diz respeito à atividade de ‘Formação de professores’, ou capacitação, como
eles mesmos mencionaram, apesar de ocorrer com maior frequência na sede, a língua utilizada
é a Tikuna porque na maioria das vezes quem ministra as capacitações são coordenadores da
educação indígena, falantes de Tikuna.
5.3 REDES DE INTERAÇÕES LINGUÍSTICAS
Por meio das entrevistas, os participantes foram questionados a respeito das pessoas
com que interagem em língua Tikuna e/ou em língua portuguesa. Nossa intenção com essas
questões era conhecermos as redes de interações linguísticas dos participantes e analisar como
podem influenciar no uso de uma ou outra língua.
A seguir, apresentamos as redes de interações dos professores Tikuna usando a língua
Tikuna.
110
Figura 7: Redes de Interações dos professores Tikuna usando a língua Tikuna15
Fonte: Elaborado por Ligiane Bonifácio e Daniel Oliveira (ago. 2018). Grafo das interações linguísticas criado
com o software Adobe CC2018.
Como se pode ver, o uso da língua Tikuna ocorre, predominantemente, com pessoas
que pertencem ao círculo familiar e religioso. Foi citado, também, durante as entrevistas, o uso
da língua Tikuna nas interações com autoridades locais, também falantes de Tikuna.
A seguir, apresentamos as redes de interações dos professores Tikuna usando a
língua portuguesa.
111
Figura 8: Redes de Interações dos professores Tikuna usando a língua portuguesa15
Fonte: Elaborado por Ligiane Bonifácio e Daniel Oliveira (ago. 2018). Grafo das interações linguísticas criado
com o software Adobe CC2018.
Como se pode ver, as redes de interações dos participantes usando a língua portuguesa
ocorrem, majoritariamente, em ambiente fora do familiar e envolvem uma quantidade maior de
interlocutores. Essas redes são estabelecidas, predominantemente, por meio de interações que
exigem algum grau de formalidade e que ocorrem na área urbana.
Conforme Labov (2010), a rede social e as comunidades de prática são duas potentes
forças que atuam no processo de variação e mudança. Para Labov, as redes que apresentam
maior complexidade e densidade tendem a preservar os falares, atuando contra os efeitos do
nivelamento dialetal. Já a mudança é liderada pelos participantes da rede que têm o maior
número de contatos dentro e fora dela.
Ainda em relação à ligação estabelecida entre redes e práticas sociais e o processo de
variação e mudança linguística, Milroy (2002) evidencia que nas redes, há laços fortes e fracos,
sendo fortes aqueles estabelecidos pela conexão com amigos e familiares e fracos aqueles que
ocorrem apenas entre pessoas conhecidas.
112
Dessa forma, pode-se inferir que as pessoas que utilizam a língua Tikuna nas
interações familiares e cm amigos tendem a preservá-la e a utilizar traços desta na variedade de
português que usam como segunda língua, principalmente em ambientes formais e com pessoas,
muitas vezes, pouco conhecidas por elas. Já aquelas que usam a língua portuguesa dentro e fora
do ambiente familiar tendem a usar menos a língua Tikuna e a se aproximar da variedade
considerada padrão do PB.
5.4 DESLOCAMENTOS, ESCOLARIDADE E USOS LINGUÍSTICOS
Nesta seção, apresentamos os deslocamentos realizados pelos participantes da
pesquisa e a dinâmica escolar deles nessas localidades, na tentativa de, no capítulo 7,
procurarmos analisar em que medida o contato viabilizado pela mobilidade e/ou escolaridade
influenciam nos usos linguísticos, em relação à variedade do português falada por esses
participantes, professores Tikuna.
A.C.A./43. MASC. nasceu na comunidade de Vendaval, estudou da primeira à quarta
série (terminou a quarta série em 1993) em Vendaval. Para prosseguir os estudos, A.C.A./43.
MASC. se deslocava, semestralmente, para a comunidade de Filadélfia, no município de
Benjamin Constant, onde estudou, de forma modular, da quinta à oitava série do ensino
fundamental, o ensino médio em Magistério e o ensino superior (Terceiro Grau Indígena) -
todos realizados por meio de programas de formação da OGPTB. No ambiente escolar, tinha
aulas de língua portuguesa e Tikuna na comunidade, com professores da própria comunidade
e, nos cursos da OGPTB, tinha algumas aulas com professores não indígenas, falantes de língua
portuguesa, mas usava muito a língua Tikuna durante as aulas, com os colegas, que eram todos
indígenas.
B.C.C./35. FEM. nasceu na comunidade de Cuchillo Cocha, no município de
Caballococha, no Peru e morou lá por cinco anos. De Cuchillo Cocha, seguiu com a família
para o Brasil, instalando-se na comunidade de Filadélfia, no município de Benjamin Constant.
Nessa comunidade, morou por aproximadamente quatro anos e estudou do primeiro até o
terceiro ano do ensino fundamental (com nove anos cursou essa série). A partir do quarto ano,
com dez anos, passou a estudar na sede do município de Benjamin Constant, onde morou por
aproximadamente sete anos e cursou até o primeiro ano do ensino médio acadêmico. Casou-se
e se mudou para a sede de São Paulo de Olivença, onde mora por aproximadamente dezessete
anos. Nesse município, começou a estudar do 2º ano do ensino médio em diante, terminou o
ensino médio Acadêmico, cursou a graduação em Licenciatura Normal Superior e a
especialização em Psicopedagogia. Morou por dois anos na comunidade de Campo Alegre, no
113
município de SPO, onde foi professora da educação básica. É aluna do curso de Mestrado em
Linguística e Línguas Indígenas (PROFLLIND/UFRJ). Para assistir às aulas, a aluna se desloca
até a cidade do Rio de Janeiro. A participante relatou durante a entrevista que nunca estudou
língua Tikuna na escola.
B.S.G./56. FEM. nasceu na comunidade Santa Clara, distrito do município de SPO,
onde mora até hoje. Começou a estudar com onze anos e, na comunidade, fez da alfabetização
à quarta série do ensino fundamental, em língua portuguesa, com uma professora não indígena
da sede municipal. Ficou dezessete anos sem estudar e, aos 38 anos de idade, começou a
lecionar. Foi alfabetizada na língua Tikuna aos quarenta e dois anos, ao participar de um curso
de formação na sede do município de Benjamin Constant. À guisa de exemplificação, abaixo
apresentamos trechos da fala da participante:
B.S.G./56. FEM.: (...) eu sabia falar minha língua materna mas não sabia escrever só
sabia português. Através da Marília foi me alfabetizar com quarenta e dois anos que fui me
alfabetizar na minha própria língua com a Marília ... através da Marília foi me alfabetizei a
minha língua própria eu dou aula na minha sala de aula eu já escrevo já alfabetiza meus aluno
na própria língua então isso eu agradeço muito a Marília porque se não fosse a Marília não
sabia nem minha língua porque lá na minha comunidade não tinha professor que dava aula
em língua na língua própria né porque as professora que estudei daqui do município.
Na comunidade de Filadélfia, B.S.G./56. FEM. cursou o ensino médio indígena, pela
OGPTB e dois períodos do curso de 3º grau indígena. Ficou doente, precisou realizar uma
cirurgia e não pôde terminar este curso. Atualmente, na sede do município de São Paulo de
Olivença, está cursando Pedagogia Intercultural Indígena pela UEA. Como é um curso modular
de formação, B.S.G./56. FEM. se desloca até a sede para assistir às aulas e, em seguida, retorna
à comunidade Santa Clara.
C.L.S./34. FEM. nasceu no município de São Paulo de Olivença e, logo em seguida
(após três dias), foi para a comunidade de Bom Jardim II. Ficou lá até uns 8 ou 9 anos. A família
se mudou, por conta da religião do pai, para comunidade Vila Alterosa Juí, no município de
Santo Antônio do Içá. Nessa comunidade, concluiu o ensino fundamental em 2000. Mudou-se
para São Paulo de Olivença em 2002 e, nesse município, cursou o ensino médio e está cursando
a graduação. A participante afirmou durante a entrevista que nunca estudou língua Tikuna na
escola. A primeira vez que estudou língua Tikuna foi em agosto de 2016, no curso de graduação,
por ocasião da disciplina Estudos Fonológicos Aplicados ao Ensino de Línguas, ministrada pela
professora Marília Facó Soares. C.L.S./34. FEM. atua como professora, desde 2012, na
114
comunidade Bom Jardim do Passé. E, desde o início de 2017, passou a ensinar algumas palavras
em língua Tikuna aos alunos.
Os exemplos, tanto de B.S.G./56. FEM. quanto de C.L.S./34. FEM. sinalizam para a
importância de, nos cursos de formação, os professores Tikuna estudarem a língua ancestral,
refletirem sobre ela, porque isso repercute na sala onde esses professores atuam, bem como na
comunidade, no entorno e pode ser uma política linguística de manutenção da língua, tendo em
vista a importância para a vitalidade da língua via escola, diferentemente das formações
unicamente sobre e em língua portuguesa. Veja trecho abaixo.
J.M.G./40. MASC.: lá na OGPTB já estava aprendendo a língua Tikuna aí que conseguiu
explicar também como a escrever ensinar aluno.
E.A.L./29. FEM. nasceu na comunidade Nova Canaã, no município de Benjamin
Constant. Morou nessa comunidade até os seis anos, mudou-se para a comunidade Porto
Espiritual, também no município de Benjamin Constant e ficou lá por aproximadamente quatro
anos, onde cursou a 1ª e a 2ª séries. Voltou para Nova Canaã e estudou lá a terceira e a quarta
séries. Mudou-se para a comunidade Umariaçu, no município de Tabatinga, morou lá por
aproximadamente um ano e estudou a 5ª série. Em seguida, foi para a comunidade Feijoal,
município de Benjamin Constant, morou lá por aproximadamente 4 anos e estudou a 6ª, a 7ª e
a 8ª série do ensino fundamental e 1º ano do ensino médio. Casou-se e se mudou para a
comunidade Campo Alegre, no município de SPO e já mora em Campo Alegre por
aproximadamente 10 anos, onde fez o 2º e o 3º ano do ensino médio e trabalha. Desloca-se até
a sede de São Paulo de Olivença para assistir às aulas do curso de Pedagogia Intercultural
Indígena, ofertado pela UEA e, em seguida, retorna à comunidade Campo Alegre.
E.D.I../33. MASC. nasceu na comunidade São Domingos II, distrito de SPO, ficou lá
por 12 anos e estudou até a quarta série em língua Tikuna. Depois, para continuar os estudos,
foi para a comunidade Santa Rita, também distrito de SPO, ficou lá por 1 ano, mas não concluiu
a 5ª série porque tinha muitas dificuldades em relação à língua portuguesa. Retornou a São
Domingos II, ficou lá por 1 ano, cursou a 5ª série, já em língua Tikuna e em língua portuguesa.
Mudou-se para a sede de São Paulo de Olivença, e estudou da 6ª à 8ª série do ensino
fundamental e o ensino médio, apenas em língua portuguesa. Começou a trabalhar como
professor na comunidade Novo São João, distrito de SPO e ficou trabalhando lá por dois anos,
mas residia na comunidade São Domingos II, pois são comunidades vizinhas. Trabalha, há
cinco anos, em São Domingos II. Estuda, por meio de módulos, na sede de São Paulo de
115
Olivença e na sede do município de Tefé, para onde se desloca para assistir às aulas e, em
seguida, retorna à comunidade.
F.A.D./56. MASC. nasceu em Vendaval, onde estudou da primeira à quarta série. Com
a finalidade de dar continuidade aos estudos, deslocava-se para a comunidade de Filadélfia, no
município de Benjamin Constant, onde estudou da quinta à oitava série e o ensino médio, por
meio de programas de formação da OGPTB. Atualmente, desloca-se para a sede de São Paulo
de Olivença, para participar das aulas do curso Pedagogia Intercultural Indígena pela UEA. Em
seguida, retorna a Vendaval.
H.A.R./38. MASC. nasceu na comunidade Campo Alegre, no município de SPO.
Mudou-se para a comunidade de Betânia, no município de Santo Antônio do Içá, onde estudou
o ensino fundamental completo, em língua portuguesa. Em seguida, passou a morar na sede de
São Paulo de Olivença, onde estudou por 13 anos, em língua portuguesa. Como professor,
trabalhou por 7 anos na comunidade Nova Reforma, distrito de SPO, por 1 ano, na comunidade
Otawari e na comunidade Novo Paraíso. Atualmente, mora na comunidade Campo Alegre e
vem até a sede de São Paulo de Olivença para participar das aulas do curso de Pedagogia
Intercultural Indígena.
H.Z.M./34. MASC. nasceu na comunidade Campo Alegre, onde estudou até a oitava
série. As aulas ocorriam, segundo o participante, na língua portuguesa, exclusivamente, na
escrita, e língua Tikuna mais na oralidade. Na sede de São Paulo de Olivença cursou o ensino
médio, todo apenas em língua portuguesa, porque na comunidade não havia ensino médio.
Quando terminou o ensino médio, retornou à comunidade Campo Alegre. Em 2010, começou
a atuar como professor na comunidade Deregüne, e em 2011 trabalhou na comunidade
Vendaval. Em seguida, voltou à comunidade Campo Alegre. Atualmente, mora na comunidade
Campo Alegre e vem até a sede de São Paulo de Olivença para participar das aulas do curso de
Pedagogia Intercultural Indígena.
J.O.C./29. MASC. nasceu na comunidade Campo Alegre, no município de São Paulo
de Olivença, onde estudou até a quarta série e, segundo o participante, foi alfabetizado na língua
portuguesa e na língua Tikuna. Passou a estudar na sede de São Paulo de Olivença da quinta
série até a conclusão do ensino médio. Estudou por meio do Programa chamado Tempo de
Acelerar, do seguinte modo, em 2003, cursou a 5ª e a 6ª séries; em 2004, cursou a 7ª e a 8ª
séries; em 2005, cursou o ensino médio. Em 2006, trabalhou como professor da educação
infantil na comunidade Porto Novo Jericó, no município de São Paulo de Olivença. Depois
disso, foi para Manaus e morou lá dois anos, estudando o curso técnico de saúde bucal.
Retornou para a comunidade Campo Alegre, no município de São Paulo de Olivença, e
116
trabalhou 1 ano como técnico de dentista. Em 2011, passou no processo seletivo e trabalhou 1
ano como professor na comunidade Nova Jerusalém do Maité, no município de São Paulo de
Olivença. Em 2012 e em 2013, trabalhou na comunidade Otawari, no município de São Paulo
de Olivença. Em 2014, trabalhou na comunidade Vila Ribeiro, no município de São Paulo de
Olivença. Mora em Campo Alegre e trabalha como professor de Informática. Estuda em São
Paulo de Olivença o curso de Pedagogia Intercultural Indígena, pela UEA.
J.M.G./40. MASC. nasceu na comunidade Santa Inês, distrito de SPO, lá estudou da
1ª à 4ª série. Foi para a Sede de São Paulo de Olivença, onde estudou novamente da 1ª à 4ª,
sendo que a 1ª e a 2ª séries foram no mesmo ano, da 3ª série em diante, estudou uma série por
ano, em língua portuguesa. Fez curso de capacitação na comunidade Filadélfia, distrito de B.C.
Foi para Campo Alegre concluir o Ensino Médio. Trabalha na Comunidade Santa Inês, distrito
de SPO. Estuda na sede de São Paulo de Olivença, para onde se desloca semestralmente para
cursar as aulas de Pedagogia Intercultural Indígena.
J.G.M./29. FEM. nasceu na comunidade Nossa Senhora Nazaré, no município de São
Paulo de Olivença e se mudou para a comunidade Torre da Missão, distrito de São Paulo de
Olivença, por volta dos 3 anos. Em 2008, foi para a sede de São Paulo de Olivença e ficou lá
até 2012. Na cidade, cursou o ensino médio na modalidade EJA e concluiu o curso em 2009.
Fez o processo seletivo para professor e foi aprovada para atuar na comunidade Torre da
Missão, onde trabalhou de 2012 a 2016. Vem à sede de SPO semestralmente para participar das
aulas do curso de Pedagogia Intercultural Indígena.
J.M.T./30. MASC. nasceu na comunidade Vila Alterosa Juí, distrito do município de
Santo Antônio do Içá e ficou lá por 5 anos. Em 2001, se mudou para a comunidade Nova
Galileia (Chupão), distrito de SPO, e ficou lá até 2004. Durante esses anos cursou da 1ª à 4ª
série. Após esse tempo, foi para a comunidade Belém do Solimões, distrito de Tabatinga e lá
concluiu o ensino médio em 2011. Foi para a sede de São Paulo de Olivença, fez um Processo
Seletivo e trabalhou como professor na turma multisseriada por 4 anos, na comunidade Nova
Galileia (Chupão). Estuda na sede de São Paulo de Olivença, cursando Pedagogia Intercultural
Indígena pela UEA.
L.J.F./37. MASC. nasceu na comunidade Santa Inês, distrito de São Paulo de Olivença,
e morou três anos lá. Quando tinha quatro anos, mudou-se com a família para a comunidade
Vila Independente, distrito de São Paulo de Olivença. Em 1992, mudou-se para a sede de São
Paulo de Olivença, lá estudou da 2ª à 8ª série do ensino fundamental e o ensino médio em
magistério. Em 2002, começou a lecionar na comunidade Vila Independente e permaneceu até
2008. Trabalhou dois anos com ensino médio na comunidade Campo Alegre. Começou a
117
estudar a graduação na sede de SPO, mas não conseguiu finalizar. Na comunidade de Filadélfia,
distrito de Benjamin Constant, cursou o 3º grau indígena, pela OGPTB, e concluiu o curso em
2011. Em 2013, foi convidado para trabalhar como coordenador na Secretaria Municipal
Indígena de São Paulo de Olivença. Em 2016, começou a estudar o mestrado em Linguística e
Línguas Indígenas na UFRJ, na cidade do Rio de Janeiro, para onde se desloca para participar
das aulas e retorna, em seguida, à sede de SPO.
L.F.D./27. MASC. nasceu na comunidade Vila Independente, distrito de SPO. Mudou-
se com a mãe para a comunidade Vila Betânia, no município de Santo Antônio do Içá e ficou
lá por 2 anos. Em seguida, voltou para a comunidade Vila Independente. Com o objetivo de
estudar, foi para a sede de São Paulo de Olivença, onde cursou o ensino fundamental e, após
terminar o ensino médio, começou a trabalhar como professor na comunidade Nova Jordânia,
distrito de SPO. Como boa parte da sua vida escolar ocorreu na sede de SPO, o participante
estudou, predominantemente, em língua portuguesa na escola. Atualmente, mora na
comunidade Vila Independente, distrito de SPO e se desloca à sede de São Paulo de Olivença
para cursar as disciplinas da graduação em Pedagogia Intercultural Indígena.
M.F.C./41. MASC. nasceu na comunidade Campo Alegre, distrito de SPO, onde
morou por 10 anos e estudou até a 4ª série. Com 10 anos, foi morar com a mãe e o tio em
Tabatinga, permanecendo lá por 5 anos. Rumou para sede de São Paulo de Olivença, onde
permaneceu por 5 anos. Retornou para a comunidade Campo Alegre, distrito de SPO, e lá
permaneceu por 4 anos. Começou a trabalhar como professor na comunidade Nova Galileia,
distrito de SPO, e lá permaneceu por 3 anos. Após esse período, trabalhou por 1 ano na
comunidade Vila Ribeiro, distrito de SPO. Em seguida, trabalhou na EJA por 3 anos, na
comunidade Campo Alegre, distrito de SPO. Depois disso, foi para a comunidade Porto Velho,
distrito de SPO, e lá permaneceu por 4 anos. Após isso, foi para a comunidade Torre da Missão,
distrito de SPO, onde trabalhou 4 anos. Trabalha, há 4 anos, na comunidade Otawari, distrito
de SPO. Desloca-se à sede de São Paulo de Olivença para cursar as disciplinas da graduação
em Pedagogia Intercultural Indígena.
N.C.F./42. FEM. nasceu na comunidade Campo Alegre, distrito de SPO, e ficou lá até
os doze anos. Após esse tempo, a família se mudou para a sede de São Paulo de Olivença e
reside atualmente lá. N.C.F./42. FEM. cursou, na sede de SPO, os últimos anos do ensino
fundamental, o ensino médio em magistério e a graduação em Pedagogia Intercultural. Em
2003, começou a trabalhar na comunidade Vila Ribeiro e ficou lá por dois anos.
Aproximadamente em 2005, passou a trabalhar como professora na comunidade de Campo
Alegre e ficou lá por cinco anos. Depois disso, voltou a trabalhar na sede de São Paulo de
118
Olivença. Em 2016, começou a estudar o mestrado em Linguística e Línguas Indígenas na
UFRJ, na cidade do Rio de Janeiro, para onde se desloca para participar das aulas e retorna, em
seguida, à sede de SPO.
N.C.FR./28. FEM. nasceu na comunidade Campo Alegre, distrito de SPO e cursou
todo o ensino fundamental nessa comunidade. A partir dos 10 anos, do 5º ao 9º ano passou a
estudar língua portuguesa com professores indígenas e não indígenas na comunidade. Em 2002,
mudou-se para a sede de São Paulo de Olivença para cursar o ensino médio acadêmico,
concluindo-o em 2004. Depois disso, foi chamada para trabalhar como professora em uma
comunidade dentro do Igarapé de Vendaval. Em 2006, foi para Tabatinga participar de um
curso de capacitação do programa Escola Ativa. Passou no concurso e é professora efetiva na
comunidade Vila Independente. Vem à sede de SPO para participar das aulas do curso de
Pedagogia Intercultural Indígena.
O.B.A./54. MASC. nasceu na comunidade de Paranapara I, distrito de SPO. Nessa
comunidade, estudou a 1ª série. Após um tempo, a família se mudou para uma comunidade no
igarapé de Camatiã. Nesse local, não estudou por aproximadamente 15 anos porque não tinha
escola. Depois de um período, a família retornou para a comunidade de Paranapara I. Aos 17
anos, voltou a estudar, a partir da 2ª série até a 4ª série. Ia e voltava de Paranapara I a Campo
Alegre para Estudar. Nesta comunidade, estudou a 5ª e a 6ª série, mas não foi aprovado nesta
última série. Passou a estudar na Comunidade Santa Rita, da 6ª à 8ª série, apenas na língua
portuguesa e relatou sentir bastante dificuldade, mas conseguiu concluir a oitava série em 2004.
Em 2006, começou a estudar o ensino médio acadêmico na sede de São Paulo de Olivença,
concluído em 2008. Após esse período, retornou para a comunidade de Paranapara I, onde é
professor efetivo. O.B.A./54. MASC. se desloca até a sede para assistir às aulas do curso de
Pedagogia Intercultural Indígena e, em seguida, retorna à comunidade Paranapara I.
O.A.A./50. MASC. afirmou ter nascido na beira do rio porque, segundo ele, não existia
comunidade na época. Hoje, esse lugar é chamado Paranapara I, distrito de SPO. Nessa
localidade, estudou da 1ª à 4ª série. Em 1985, fez um curso na comunidade Vila Independência.
Começou a trabalhar como professor na comunidade Jacurapá, e trabalhou lá por 6 anos. Na
comunidade de Filadélfia, distrito de BC, terminou o ensino fundamental e o ensino médio em
magistério. O participante se desloca até a sede de SPO para assistir às aulas do curso de
Pedagogia Intercultural Indígena e, em seguida, retorna à comunidade Paranapara I.
P. B.M./33. MASC. nasceu na comunidade Santa Terezinha, distrito de SPO, onde
começou a estudar com 6 anos a Alfabetização. Nessa comunidade, até a 3ª série, estudou língua
Tikuna e língua portuguesa com professores indígenas. Para prosseguir os estudos, estudou, da
119
4ª série do ensino fundamental ao ensino médio na sede do município de São Paulo de Olivença,
em língua portuguesa. Atualmente, é professor na comunidade Santa Terezinha. O participante
vai até a sede de SPO para participar das aulas do curso de Pedagogia Intercultural Indígena e,
em seguida, retorna à Santa Terezinha.
W.A.S./51. MASC. nasceu no Igarapé Preto, área pertencente ao município de
Tabatinga, e morou lá por 6 anos. Após esse período, a família se mudou para a comunidade de
Vendaval, distrito de SPO, onde o participante reside até hoje. Segundo o relato dele, começou
a estudar “na escola do patrão”, em 1973, com oito anos de idade, somente com professores
não indígenas que lecionavam em língua portuguesa. Não entendia praticamente nada do que
os professores falavam e, constantemente, era vítima de castigos na escola. A seguir,
transcrevemos trechos da fala do participante, os quais ilustram o que acabamos de afirmar:
(...) nem consegui de aprender alguma coisa porque naquele tempo nem fala português
muito complicado aquele tempo era palmada... palmada e outros meus colega levar[ʊ]
ca[x]tigo de todo jeito aí depois o seu Pe Pedro Inácio procurou um professor indígena.
Em 1976, W.A.S./51. MASC. começou a estudar com um professor indígena. Teve
que reiniciar os estudos a partir da 1ª série e cursou até a 4ª série na modalidade Mobral.
Precisou estudar por muitas vezes a 4ª série por não ter como prosseguir em outro nível de
seriação em Vendaval. Em 1988, começou a trabalhar como professor. Atualmente, desloca-se
para a sede de São Paulo de Olivença para participar das aulas do curso de Pedagogia
Intercultural Indígena.
A seguir, na figura 9, evidenciamos o local de nascimento dos participantes, seguido
dos deslocamentos, que representa a localidade na qual o participante permaneceu por um
tempo significativo, e o local de residência atual do participante.
120
Figura 9: Principais deslocamentos dos professores Tikuna (ago., 2018)21
Fonte: Elaborado por Ligiane Bonifácio e Daniel Oliveira (ago. 2018). Gráfico criado com o Adobe CC2018.
Como se pode perceber, os participantes indígenas da pesquisa realizaram intenso
movimento migratório, tendo consequências, por exemplo, sobre o processo de escolarização
deles e sobre as línguas aí envolvidas, contribuindo para a perda linguística (caso de C.L.S) e
para a supremacia de uso da língua majoritária (caso de B.C.C).
Em relação ao processo de escolarização, o contato e a intensificação das relações com
os não-índios fez surgir, nas comunidades indígenas, a necessidade de conhecer os códigos e
os símbolos dos não índios, uma vez que estes e suas ações passaram a “povoar o entorno
indígena” (Maher, 1996). É nesse contexto histórico que surge a Educação Escolar Indígena.
De acordo com Maher (2006), a Educação Escolar Indígena pode ser encaixada em
dois paradigmas. Até o fim da década de 70, o paradigma que predominou foi o considerado
Assimilacionista, segundo o qual a alfabetização na língua indígena, nas séries iniciais serve
apenas de elemento que facilita a aprendizagem de língua portuguesa. Esta última, uma vez
21 Compilação dos dados coletados por meio de relatos de vida, entrevistas e questionários.
121
aprendida, passa a ser, nos anos seguintes de escolarização, a língua de instrução. Segundo
Maher, em termos linguísticos, esse modelo evidencia o chamado bilinguismo subtrativo, cuja
finalidade é “subtrair a língua materna do repertório do falante” (op. cit. p. 21). Esse modelo
ainda prevalece em muitas escolas indígenas. Por outro lado, há o Paradigma Emancipatório,
no qual deve prevalecer o bilinguismo aditivo. Nesse modelo, a finalidade é que o aluno
indígena acrescente a língua portuguesa ao seu repertório linguístico, sem abandonar a língua
materna; pelo contrário, o que se pretende é que ele se torne cada vez mais proficiente na língua
indígena.
Em relação aos aspectos que devem ser pensados nos programas de formação em
contextos de minorias linguísticas, Maher (2007) evidencia que a avaliação que se faz do
bilinguismo de minorias linguísticas é o foco central na proposição e estabelecimento de
programas de educação pensados para essas minorias. O bilinguismo considerado como um
problema (aquele que envolve línguas minoritarizadas, como as indígenas, por exemplo) dá
vazão ao estabelecimento de objetivos de escolarização que contribuam para que o aluno deixe
de usar a sua língua materna e se torne monolíngue na língua considerada de prestígio, no caso,
a portuguesa.
Ao nos debruçarmos sobre os usos linguísticos e identidade, criamos condições que
nos permitiram verificar que o contato a partir de duas línguas em foco (Tikuna e Portuguesa)
concorre para o bilinguismo, com o predomínio de atitudes positivas em relação às duas línguas,
o que aponta para a manutenção da língua Tikuna e para a busca por desenvolver de forma
proficiente o desempenho quanto ao uso de língua portuguesa.
122
CAPÍTULO 6 - SOBRE A LÍNGUA TIKUNA
Este capítulo trata de alguns aspectos relacionados à língua Tikuna, abordando,
inicialmente, a caracterização fonético-fonológica dessa língua, em seguida, apresentando
elementos relacionados à sintaxe e à morfologia.
Levando-se em consideração o ponto de vista histórico-comparativo acerca da língua
Tikuna, Soares (2017) traça o percurso que a seguir evidenciaremos. De acordo com a
pesquisadora, a língua Tikuna ainda é considerada isolada, não tendo nenhuma relação de
parentesco com outra língua indígena (classificação que coaduna com a de Rodrigues, 1970 e
Nimuendajú, 1952). A linguista esclarece que, contrariamente a essa classificação, Greenberg
(1987) levantou a hipótese de que Tikuna seria membro de um tronco Macro-Tukano. Porém,
essa hipótese, ainda conforme Soares (2017), não foi sustentada, devido a falhas nos
procedimentos empregados, pois os dados levados em consideração por Greenberg foram
tratados de maneira inacurada, não houve, por exemplo, controle dos empréstimos e foram
criadas falsas etimologias. Diante disso, a pesquisadora ressalta que o trabalho de Greenberg
(1987) acabou sendo considerado sem respaldo científico e a classificação que propôs não
passou de uma probabilística muito criticada (como por exemplo, por Kaufman, 1990).
Soares (2017) nos esclarece que, precedendo as classificações de Rodrigues (1970) e
Greenberg (1987), Nimuendajú (1952) já havia voltado sua atenção e realizado estudos
relacionados à questão da classificação Tikuna do ponto de vista histórico-comparativo. Esses
estudos, conforme Soares (2017) foram realizados da seguinte forma: Nimuendajú comparou
seus próprios dados do Tikuna com outras línguas, buscando encontrar possíveis equivalentes,
donde resultou que em Nimuendajú (1952, p. 156-158), há a menção a similaridades entre o
Tikuna e o Yurí, notadas a partir de listas vocabulares de Spix e Martius sobre essa última
língua. Por ter notado algumas características bastantes diferentes do Tikuna, como por
exemplo, as formas de terceira pessoa, marcadas por gênero e noções de localidade e tempo,
Nimuendajú acabou considerando Tikuna como uma língua isolada, seguindo Chamberlain
(1910) e Tessman (1930), que já haviam feito essa classificação precedentemente (cf. Soares,
2017, nota 10).
Ainda em relação à classificação da língua Tikuna, Soares (2017) assinala que
Campbell (1997, p.184) reconheceu a hipótese de um agrupamento Ticuna-Yurí (esta última
língua está possivelmente extinta), a qual teria sua origem em trabalhos como os de Greenberg
e Kaufman, por exemplo.
123
Carvalho (2009) retomou a hipótese de Nimuendajú acerca de um possível parentesco
Tikuna-Yurí para, conforme Soares (2017, nota 10, p. 296), “reunir evidências relevantes para
aplicação dos instrumentos do método comparativo, tendo por base desenvolvimentos da teoria
fonológica”. A esse respeito, Rodríguez (2013) afirma ser esse parentesco uma hipótese ainda
não discutida de maneira conclusiva.
Continuando seu percurso de análise e reflexão envolvendo o ponto de vista histórico-
comparativo acerca da língua Tikuna, Soares (2017) traz à tona o texto de Seifart & Echeverri
(2014), os quais, com base em Rivet (2012), Carvalho (2009), Goulard e Montes (2013),
retomam e tentam levar adiante a hipótese do parentesco entre o Yurí e o Tikuna (cf. Soares,
2017, nota 10, p. 296)
Em termos de descrição da língua Tikuna, os primeiros trabalhos são os de Anderson
(1959,1966), Lowe (1960a, 1960b, 1960c), Soares (1984, 1986, 1990, 1992 e seguintes) e
Rodríguez (1987 e seguintes).
Com base em dados que obteve na comunidade de Cuchillo Cocha, localizada no Peru,
Anderson (1959, 1966) descreveu, seguindo uma orientação descritiva tagmêmica, a língua
Tikuna. No que diz respeito aos fonemas da língua, Anderson (1959) identificou dezoito
consoantes e seis vogais; quanto aos tonemas, o pesquisador realizou a identificação de cinco.
Realizou, também, uma listagem de afixos verbais e nominais; identificou as categorias lexicais
nome, verbo e partículas. Em Anderson (1966), o pesquisador apresenta os tipos de oração da
língua Tikuna, levando em consideração a estrutura das orações dependentes e independentes.
Lowe (1960), um pesquisador do Summer Institute of Linguistics, conduziu uma
pesquisa de campo na comunidade de Umariaçu, localizada no Brasil, por, aproximadamente,
dois meses no ano de 1959, por meio da qual realizou um breve estudo do nome e da morfologia
verbal, além de relacionar nomes de parentesco e de realizar um survey da sintaxe Tikuna.
Como esses trabalhos foram realizados por meio de apenas uma pesquisa de campo, a descrição
de Lowe é menos detalhada que a de Anderson e o próprio pesquisador considera como
tentativas algumas conclusões a que chega.
Soares, linguista brasileira que tem se dedicado há mais de trinta anos22 ao estudo da
língua Tikuna -, em artigo divulgado no ano de 1984, realiza estudo comparativo, no âmbito da
22 Ao longo desse tempo, Soares realizou trabalho de campo em grandes aldeias Tikuna, como as de Vendaval,
Belém do Solimões, Campo Alegre, Kanimaru e Betânia. Além disso, a linguista também percorreu e coletou
dados em pequenas aldeias situadas próximas ao igarapé da Rita e ao igarapé São Jerônimo, inclusive dentro do
Tunetü, que é a área mítica de surgimento dos Tikuna. Durante o trabalho efetivado de assessoria linguística e de
participação em cursos de formação de professores indígenas, no Alto Solimões, Soares esteve em contato com
cerca de 250 professores Tikuna, dentre os quais estão incluídos aqueles que são moradores de áreas mais afastadas
das áreas urbanas, como os que vivem na aldeia Bugaio, na Terra Indígena Estrela da Paz, no município de Jutaí
124
fonética acústica, de diferentes realizações de fala de um número representativo de falantes
moradores de Vendaval, então uma aldeia de constituição relativamente recente. Nesse
trabalho, Soares apresenta a língua como tonal e possuidora de sentenças que são proferidas em
ritmo silábico, com sucessão regular de sílabas breves e longas (cf. Soares, 1984, p. 138). E
toma como dados empiricamente relevantes as vogais da língua indígena Tikuna enquanto
segmentos fonéticos. Dessa forma, observa como essas vogais se realizam dentro de certos
contextos e a relação que apresentam com determinada característica prosódica da língua
estudada. Em “Traços acústicos das vogais em Tikuna”, Soares (1984) nos mostra o resultado
de seus estudos sobre a expansão do sistema vocálico Tikuna. Nesse trabalho, a pesquisadora
parte da substância fonética para pensar o problema da interseção e da nasalização de segmentos
vocálicos, relacionando-o a aspectos prosódicos.
No trabalho de 1986, leva em consideração teorias silábicas e realiza uma análise
prosódica (nos termos concebidos por Firth), associando-a a pressupostos da Fonologia Natural.
Realizando a análise com base em dados que obteve por meio de pesquisa de campo entre os
meses de janeiro e fevereiro de 1983, na comunidade de Vendaval, no Brasil, Soares abordou
a sílaba e seus constituintes (margens e centro), o sistema de consoantes e vogais e determinou
alguns processos fonológicos em Tikuna. Abordou ainda o tom; a palavra e a sentença; bem
como alguns processos de fortalecimento e enfraquecimento em Tikuna, tais como
laringalização, ressilabificação; além disso, também tratou da duração silábica e da assimilação
tonal. Nesse trabalho, Soares (1986) chega a determinadas conclusões, entre as quais estão as
seguintes: existência de um bom número de processos de enfraquecimento na língua; processos
que ocorrem no nível segmental podem gerar efeito sobre o nível suprassegmental;
características prosódicas como o tom e a duração apresentam relação entre si.
Além da análise de aspectos fonético-fonológicos relacionados à língua Tikuna, Soares
também tem se dedicado a estudar fenômenos morfológicos e sintáticos dessa língua,
estabelecendo a relação existente entre componentes linguísticos, com destaque para a
fonologia e a sintaxe, conforme apresentaremos nas próximas seções. Os trabalhos de Soares
apresentam como um de seus objetivos refletir sobre as relações de interface entre os
componentes linguísticos.
e também aqueles que vivem em outras áreas, como São Leopoldo, Feijoal, e em áreas mais próximas de núcleos
urbanos, como Filadélfia, Bom Caminho e Porto Espiritual. Esse percurso se reflete em seus dados, por exemplo,
aqueles que se fazem presentes em sua tese de doutorado incluem dados existentes em narrativa coletada e
trabalhada na aldeia Kanimaru.
125
6.1 CARACTERIZAÇÃO FONÉTICO- FONOLÓGICA DA LÍNGUA TIKUNA
A língua Tikuna possui um sistema tonal, contando com diferentes níveis de altura,
apresentando oposição entre dois tons, um alto e um baixo e, ainda, um tom médio, que funciona
como especificação default (cf. Soares, 1996, trabalho realizado no âmbito da Fonologia
Autossegmental, sob uma ótica derivacional). Já na análise de Soares (2001), que coloca em
evidência uma reinterpretação dos fatos fonológicos do Tikuna sob a ótica da Teoria da
Otimalidade, modelo não derivacional, o tom médio deixa de ser considerado um default e
passa a ser entendido como um tom neutro, não-marcado, estando permanentemente não-
especificado – o que tem efeitos não só sobre a composição do tom médio em Tikuna, mas
também sobre a eliminação de possíveis candidatos a output ótimo na língua (cf. Soares, 2003,
p. 71, nota 10).
O inventário fonológico do Tikuna apresenta as obstruintes /p t k b d g ts dz /, o rótico
/ɾ/, a semivogal /w/ e as nasais /m n ŋ ɳ/. Há, ainda, as vogais orais /a i e u o ɨ / e as nasais /i ɨ ã
õ/ (cf. Soares, 1995). Há a ausência das sibilantes /s z ʃ ʒ / e das laterais, tanto a alveolar /l/
quanto a palatal / ʎ/. Trataremos desse inventário, com mais detalhes, a seguir. A respeito da
ausência das sibilantes em Tikuna, já havia essa menção no texto de Curt Nimuendajú (1982,
p.206), que se refere à língua Tikuna como tendo “frequência de vogais guturais, [...] ausência
de conjucção de consoantes e de todos os sibilantes (s, z, ch, j)”.
Do ponto de vista de uma análise fonológica, em que se busque apenas o contraste, a
língua Tikuna apresenta como fonemas consonantais, conforme Soares (1995), os que são
evidenciados no quadro abaixo.
Quadro 5: Fonemas consonantais em Tikuna
Glotal Velar Palatal Alveolar Labial
Oclusivas
Surdas
ʔ k, kw t p
Oclusivas
sonoras
g d b
Africada
surda
ts
126
Africada
sonora
dz
Nasais ŋ ɲ n m
Aproximante w
Tepe ɾ
Conforme Soares (1986, 1995), alguns segmentos do quadro fonológico do Tikuna
que ocorrem em início de sílaba se apresentam foneticamente com modificações secundárias,
enquanto outros são realizados de maneira alternante, conforme discriminamos abaixo.
A consoante velar surda é exemplo dos segmentos que se apresentam com
modificações secundárias. Sua realização é condicionada pelo seguinte contexto: quando a
vogal posterior é a central, a aspiração eventualmente pode ocorrer, sendo [kh] a realização de
/k/.
As consoantes velares, surda e sonora, podem ser modificadas por uma labialização.
No que diz respeito à velar sonora, pode ser realizada como [gw] quando se encontra precedendo
a vogal central baixa e pode ser substituída por [w]. Quanto à velar surda labializada, não foram
encontradas ocorrências, nos estudos de Soares, desse elemento precedendo vogal posterior; no
entanto, sua ocorrência foi encontrada em outros ambientes, por exemplo, precedendo a vogal
central e a vogal meio-aberta anterior.
Entre os segmentos consonantais do quadro fonológico do Tikuna que são realizados
de forma alternante estão: /kw/: [kw] e [ɸw]; /w/: [w], [β], [βw]; /k/: [k], [q]; /ts/: [tȿ], [ȿ]; /dz/:
[d] e []. Com base em Soares (1986), exemplificamos algumas dessas realizações alternantes.
A consoante velar labializada [kw] alterna com a fricativa labial, podendo essa última
se apresentar labializada ou não: [ɸw] ou [ɸ]. Exemplos23:
6.1 a. [nikwɛnɛ] ‘ele caça’
6.1 b. [niɸɛnɛ] ‘ele caça’
6.1 c. [nakwa ] ‘ele sabe’
6.1 d. [tȿaɸwa ] ‘eu sei’
23 Exemplos disponíveis em Soares (1986, p. 109).
127
A consoante [w] alterna, de falante para falante, com a fricativa labial, esta última
podendo se apresentar labializada ou não: [β] ou [βw]. Exemplos24:
6.1 e. [tȿawɨ] ‘milho’
6.1 f. [tȿaβɨ] ‘milho’
6.1 g. [ŋianɛβwa] ‘ele-roça para’
6.1 h. [nanɛwa] ‘ele-roça para’
Nos dados analisados a partir de produção de moradores de Vendaval, Soares (1986,
p. 109) verificou que os sons consonantais [tȿ] e [ȿ], [d] e [] podem se apresentar de forma
alternada na fala de um mesmo indivíduo. Exemplos:
6.1 i. [tȿutȿi] ‘ponta da zagaia’
6.1 j. [ȿuȿi] ‘ponta da zagaia’
6.1 k. [datɨ] ‘homem’
6.1 l. [atɨ]‘homem’
Como variantes aparentemente não-condicionadas, Soares (1986) sustenta que podem
ocorrer na fala do mesmo indivíduo [k] e [q]. Quanto a este último, foi detectado
esporadicamente antes de [a ], [a] e [ɨ].
Considerando-se uma análise fonêmica, conforme aponta Soares (1984, 1986, 1995),
o sistema de vogais em Tikuna apresentaria o seguinte quadro de fonemas:
a) Vogais orais
anterior central posterior
Alto i ɨ u
Baixo e a o
24 Exemplos disponíveis em Soares (1986, p. 109).
128
b) Vogais nasais
anterior central posterior
Alto i ɨ
Baixo ã õ
Com base nessa análise, segundo Soares (1986, 1995), o Tikuna conta com um sistema
fonológico de seis fonemas vocálicos orais, que são realizados como determinados sons,
conforme explicitamos a seguir. Quando em contato com uma consoante nasal, o fonema
vocálico oral se realiza como vogal nasalizada, tal como mostramos abaixo:
/i/ - [i]
/e/ - [ɛ]
/ɨ/ -[ɨ], [ǝ] (em variação)
/a/ - [ɜ], [ã] (em variação)
/u/ - [u], [ɷ], [õ]
Alguns fonemas vocálicos orais possuem mais de um alofone ao serem realizados
oralmente. Veja abaixo a lista completa, situando-se, aí, os fonemas que ocorrem sob um ou
mais alofone.
/i/ - [i], [ɩ]
/e/ - []
/ɨ/ -[ ɨ], [ǝ],[ɤ], [ɯ]
/a/ - [a]
/u/ - [u], [ɷ], [o]
/o/ - [ɔ]
129
Os quatro fonemas vocálicos nasais são realizados conforme apresentamos abaixo:
/i/ - [i]
/ɨ/ - [ɨ]
/ã/ - [ã]
/õ/ - [ɔ]
Conforme a análise contida em Soares (1984, p.149-161), o número de fonemas
vocálicos nasais pode ser aumentado, tendo em vista que a distinção vogal oral / vogal nasal é
reforçada com a ajuda da laringalização (creaky-voice) nos seguintes termos: na relação entre
nasalidade e laringalização, os estudos acústicos realizados por Soares (Idem, p. 161)
apresentam evidências de que “a vogal percebida como oral já é ela própria um pouco
nasalizada, tornando-se necessário utilizar, para determinados segmentos, a laringalização
como recurso adicional, ao lado do aumento da nasalidade, para se obter a categoria vogal
nasal”. Essa conclusão, além de permitir que o quadro de fonemas vocálicos nasais em Tikuna
seja aumentado, destrói a possibilidade da existência fonológica de um quadro de vogais nasais-
laringalizadas.
A existência de um quadro fonológico que conte com vogais orais laringalizadas é
ameaçada pela possibilidade de que sons vocálicos orais laringalizados sejam uma modificação
que tem como causa a oclusão glotal.
A respeito das vogais em Tikuna, é importante mencionar que nas décadas de
cinquenta e sessenta do século passado, pesquisadores do Summer Institute of Linguistics,
conforme já mencionamos anteriormente, adotando a teoria tagmêmica, realizaram uma
enumeração detalhada dos elementos êmicos da língua.
Anderson (1959), que realizou sua pesquisa em uma comunidade chamada
Cushillococha, no Peru, postulou a existência de seis fonemas vocálicos orais na língua, que
são: /i, e, ɨ, a, u, o/. Destes fonemas vocálicos, descreveu com detalhes apenas dois, /e/ e /o/.
Segundo ele, /e/ se realiza como /ɛ/ nos seguintes contextos: antes de r, antes de ʔ e em final de
palavras. Quanto ao fonema /o/, o pesquisador afirma haver alternância livre entre [o] e [ɔ].
Além dos seis fonemas vocálicos orais, ainda conforme o autor, o Tikuna possui fonemas
vocálicos nasais, que ocorreriam em contraste com as correspondentes vogais orais. No entanto,
nos dados obtidos por ele, constam apenas cinco vogais nasais: /i, ɨ, ã, u, õ/. A vogal /e/ não foi
identificada nos dados coletados por Anderson.
130
Em 1960, Lowe publicou três trabalhos resultados de estudos que realizou no Brasil,
mais especificamente, na comunidade Umariaçu, aldeia localizada nas proximidades de
Tabatinga, no Amazonas. Em Lowe (1960a), há a indicação de que a língua Tikuna conta,
fonemicamente, com seis vogais orais, sete vogais nasais e seis vogais laringalizadas.
Foneticamente, as vogais orais são realizadas como evidenciamos a seguir: [i, æ, ɨ, ɩ, a, u, ɔ]; já
as vogais nasais têm a seguinte realização: [i, æ, ɨ, ɩ, ã, u, ɔ]. Quanto a essas realizações, Lowe
(1960a) não considera que constituam problema no que diz respeito à relação fonema/alofone,
no entanto, algumas delas são fonte de dúvida para o pesquisador, por exemplo, /æ/ parece
possuir membros que ele não identifica.
Essa abordagem introdutória acerca dos estudos que envolvem a caracterização
fonético-fonológica da língua Tikuna teve a intenção de evidenciar os campos abertos deixados
pelos primeiros estudos, retomados e ampliados por pesquisas posteriores, por meio das quais
procederemos à análise da variedade do Português Tikuna, buscando-se identificar e explicar
possíveis mecanismos de transferência da L1 na variedade de português usada pelos professores
particpantes de nosso estudo. A seguir, apresentamos como os sistemas consonantal e vocálico
se manifestam na sílaba em Tikuna
6.1.1 A sílaba em Tikuna
A sílaba em Tikuna é apresentada de maneiras distintas em descrições já realizadas
por investigadores que se debruçam/debruçaram sobre esse tema.
Conforme Rodríguez (1987), a sílaba em Tikuna apresenta a seguinte configuração:
possui uma rima que não se ramifica e um núcleo que se ramifica com vogais longas e ditongos
pesados; a posição da coda é resultado de um processo epentético entre uma vogal nasal e uma
consoante oclusiva surda. A posição de coda é, para a pesquisadora, consequência da
propagação do elemento nasal para a direita. No entanto, quanto à posição de coda, a
investigadora apresenta alguns questionamentos, como os que seguem: se essa posição seria
licenciada pelos parâmetros silábicos conjecturados para a língua, o que seria essa nova posição
epentética e como poderia ser explicada sem se falar de algo não-fonológico. A oclusão glotal
é desconsiderada como possível ocupante de uma posição de coda porque não pertence ao nível
fonológico, e o aparecimento da oclusão glotal pode ser previsto tendo como base a ação dos
tons.
Anderson (1959) apresenta a sílaba em Tikuna de uma outra maneira. Segundo ele, a
língua é possuidora de padrões de quatro sílabas, sendo que dois são abertos, do tipo CV e V, e
131
dois são fechados, do tipo CVʔ e Vʔ. No que diz respeito à oclusão glotal, tal como ocorre nos
padrões fechados, em que esse segmento fecha a sílaba, o pesquisador não evidencia uma
posição definida no que diz respeito a uma construção hierárquica da própria sílaba. Isso porque
os elementos que compõem a sílaba são percebidos como ‘casas’ dispostas de maneira linear.
Soares (1986), ao realizar uma análise prosódica nos termos concebidos por Firth,
descreve as características da sílaba em Tikuna considerando a estrutura prosódica como um
sistema de relações sintagmáticas, isto é, deixa de lado as teorias fonológicas que consideram
os sons a partir de uma visão paradigmática e monossistêmica e assume uma visão sintagmática
e polissistêmica. Dessa forma, descreve a prosódia do início de sílaba, do final de sílaba e da
sílaba como um todo.
Já em Soares (1995), ao focalizar a sílaba no trabalho intitulado “Núcleo e coda. A
sílaba em Tikuna” e, tendo como base o quadro da Fonologia Autossegmental, com atenção à
Geometria de Traços, a pesquisadora apresenta um tratamento para os movimentos, bem como
para os cortes de movimento que ocorrem no plano segmental da língua Tikuna. Por meio da
análise desses movimentos, a pesquisadora provê argumentos em favor de uma posição de coda
na língua, bem como, analisa o papel da oclusão glotal nessa posição, conforme veremos mais
adiante.
6.1.1.1. As margens da sílaba
Os sons consonantais que ocorrem em início de sílaba, conforme aponta Soares (1986,
1995), são os que apresentamos no quadro abaixo:
Quadro 6: Consoantes que ocupam início de sílaba em Tikuna
Glotal Uvular Velar Palatal Alveolar Labial
Oclusivas
Surdas
ʔ q k, kw t p
Oclusivas
sonoras
g, gw d b
Oclusivas
Aspiradas
kh
132
Africadas
surdas
ʈʂ
Africadas
sonoras
ɖʐ
Fricativas
surdas
ʂ φ, φw
Fricativas
sonoras
ʐ β, βw
Nasais ŋ ɲ n m
Aproximante w
Tepe ɾ
Fonte: SOARES (1986, p. 102; 1995, p.197).
Exemplos:
6.1.1.1. a. po’i [pɔʔi] ‘banana’
6.1.1.1. b. de’tchi [dɛʔtʃi] ‘pirarucu’
6.1.1.1. c. curaü [kʊɾɐɯ] ‘teu nariz’
6.1.1.1. d. kowi [‘kɔβi] ‘estragado’
6.1.1.1. e. yori [dʐɔɾi] ‘mergulhão’
6.1.1.1. f. pawü [paβɯ] ‘aranha’
Do ponto de vista da escola prosódica, adotado por Soares (1986), os sons
consonantais podem estar relacionados à sílaba. O começo da sílaba, em Tikuna, é identificado
pelos seguintes elementos: oclusão, excetuando-se a oclusiva glotal; fricção, sendo esta
precedida ou não de oclusão; nasalidade, excluindo-se a nasal velar; ou pelos sons [w] e [ɾ].
A sílaba como um todo pode ter como traços característicos: a aspiração eventual da
oclusiva velar surda ou, ainda, a labialização de determinados sons consonantais, tais como
[gw], [[ɸw], [ßw].
No que diz respeito ao final de sílaba, este não seria distinguido, de um ponto de vista
prosódico, por qualquer som consonantal, tendo em vista que a oclusiva velar e a nasal velar
também aparecem em início de sílaba, portanto, essas duas consoantes não poderiam ser
133
identificadas como prosódias, tanto de início quanto de fim de sílaba. Nas palavras de Soares
(1986, p. 111), “a oclusiva glotal e a nasal velar fazem parte de um sistema fonemático”, uma
vez que são comuns tanto ao início quanto ao fim da sílaba. Dessa forma, a pesquisadora
defende que o fim de sílaba não é prosodicamente caracterizado por nenhuma consoante.
Ainda em relação ao final de sílaba, Soares (1986, 1992a,1995) defende que há a
possibilidade de ocorrer oclusiva glotal, bem como uma nasal velar, a qual se constitui como
uma transição entre um som vocálico anterior e uma oclusiva velar posterior, ou ainda, podendo
ser fruto, tal como ocorre na fala de algumas pessoas, de um processo de ressilabificação.
Exemplos:
6.1.1.1. g. de’tchi [dɛʔtʃi] ‘pirarucu’
6.1.1.1. h. tetchi [tɛʔtʃi] ‘umari’
6.1.1.1. i. tchananongi [tȿananogɨ]25 ‘eu carreguei ele/ela’
6.1.1.2 O centro da sílaba
Os sons vocálicos que ocorrem em centro de sílaba, conforme aponta Soares (1986,
1992b, 1995), são os que apresentamos abaixo:
a) orais26:
anterior central posterior
fechado i ɨ ɯ u
ɩ ɷ
meio fechado ə ɤ o
meio aberto ɛ ɔ
aberto a
25 Exemplo disponível em Soares (1986, p. 103). 26 As realizações [ɯ] e [ɤ] não constam em Soares (1986) porque foram percebidas pela pesquisadora na
comunidade de Kanimaru, aldeia pertencente ao município de Amaturá e não em Vendaval, comunidade na qual
Soares realizou investigação com resultados publicados em 1986. No entanto, encontram-se registradas em Soares
(1992).
134
Veja, abaixo, exemplos com vogais orais, os quais foram registrados durante as aulas
da disciplina Fonologia, ministrada em janeiro de 2018 pela professora Marília Facó Soares na
aldeia Filadélfia:
6.1.1.2 a. to’ü [t] ‘tucandeira’
6.1.1.2 b. pema [pma] ‘vocês’
6.1.1.2 c. bucü [bʊk] ‘criança’
b) nasais:
anterior central posterior
fechado i ɨ ɯ u
ɷ
meio fechado ə õ
meio aberto ɛ ɜ ɔ
aberto ã
Veja, abaixo, alguns exemplos27 com vogais nasais:
6.1.1.2 d. ng [ ] ‘casar’
6.1.1.2 e. ni’titie [nititi] ‘ele toca a música da cultura Tikuna’
6.1.1.2 f. nuu’tchi [nuti] ‘muito brabo, brabo demais’
6.1.1.2 g. nhutchitama [utitama] ‘rins’
6.1.1.2. h. ngunetüü [nt] ‘madrugada’
c) orais laringalizadas
anterior central posterior
27 Exemplos registrados durante as aulas da disciplina Fonologia, ministrada em janeiro de 2018 pela professora
Marília Facó Soares na aldeia Filadélfia.
135
fechado i ɨ u
meio fechado o
meio aberto ɛ ɔ
aberto a
Veja, abaixo, exemplos28 com vogais orais laringalizadas:
6.1.1.2. i. te’e [tɛ Ɂɛ ] ‘quem?’
6.1.1.2. j. tü’e [tɨɁ ɛ ] ‘macaxeira’
6.1.1.2. k. woru [βɔ ɾu] ‘coruja’
d) nasais laringalizadas
anterior central posterior
fechado i
meio fechado õ
meio aberto ɛ
aberto
Veja, abaixo, exemplos29 com vogais nasais laringalizadas
6.1.1.2. l. i’e [i Ɂɛ] ‘zarabatana’
6.1.1.2. m. otchana [o tsana] ‘bebezinho’
28 Exemplos disponíveis em Soares (1986, p. 106). 29 Idem (p. 107).
136
Em Tikuna, além das vogais, as consoantes nasais [n], [ŋ] também podem ocupar o
centro da sílaba. Exemplos30:
6.1.1.2. n. bu’# [bõɁŋ ] ‘criança’
6.1.1.2. o. #ka [ŋ ka] ‘rato’
Como ocupantes de centro da sílaba, ainda podem ocorrer os ditongos, (cf. Soares,
1986, 1992a, 1995), que apresentam dois conjuntos de movimentos aparentemente diferentes.
Um deles foi determinado em itens lexicais isolados (Soares, 1986), o outro conjunto foi
determinado quando Soares (1992a) realizou investigação sobre ritmo em Tikuna e lidou com
a noção de agrupamento fonológico31.
Quanto ao conjunto determinado em itens lexicais isolados, os ditongos apresentaram
as seguintes possibilidades restritas de movimentos:
1. movimento a partir da vogal [a] em direção à posição posterior fechada ou em direção à
posição anterior fechada. Exemplos32:
[aikuma] ‘é verdade’
[nadaɷ] ‘é vermelho; está maduro’
2. movimento a partir da vogal posterior em direção à posição anterior fechada, como [uɩ] e [ɔɩ]
(cf. Soares, 1995);
3. movimento a partir da posição anterior fechada em direção à vogal [a], como [ɩa].
De acordo com Soares (1992a, 1995), os tipos de movimentos permitidos possibilitam
afirmar que as sílabas com ditongo em Tikuna se caracterizam por uma palatalização ou
velarização que se dá entre pontos extremos, conforme discriminado acima. Os pontos são
extremos, tanto no sentido articulatório, quanto da abertura vocálica, ou ainda, em ambos os
sentidos. Quanto ao sentido articulatório, têm-se os movimentos [uɩ] e [ɷɩ] (cf. Soares, 1995,
30 Idem. 31 Tal noção já havia sido utilizada por Soares em trabalho anterior (1991, p. 76): “o agrupamento fonológico é
uma tentativa de determinação de agrupamentos rítmicos sem que esteja na base dessa determinação a idéia de
que a estrutura morfológica e sintática termina por fornecer o domínio maior dentro do qual são desencadeados os
processos fonológicos(...) Para a obtenção de agrupamentos fonológicos, buscamos fragmentar o texto, isto é,
buscamos fazer com que o próprio produtor de um texto ouça e fragmente sua produção ou, não sendo isso possível,
que o texto seja ouvido e fragmentado por outro falante”. 32 (Cf. Soares, 1986, p. 107).
137
p. 205)33; já no sentido da abertura vocálica, os movimentos são [ɩa], [aɩ] e [aɷ]; em ambos os
sentidos, o movimento é [ɔɩ].
Figura 10: Movimentos vocálicos
No que diz respeito aos agrupamentos fonológicos (cf. Soares, 1992a, 1995), os
ditongos que ocupam o centro de sílaba são, em sua quase totalidade, longos. A ocorrência
desses ditongos faz ver que as qualidades vocálicas que frequentemente se alteram podem sofrer
acréscimos. Esses acréscimos, que são provenientes de um conjunto que conta com um número
pequeno de realizações, modificam o conjunto dos movimentos que evidenciamos acima. Nesse
sentido, àquele conjunto de movimentos discriminado acima, pode ser sobreposto um outro,
que tem relação com movimentos envolvendo qualidades vocálicas diferentes daquelas
mencionadas acima, como sendo o ponto de partida para o movimento e, em alguns casos, o
seu ponto de chegada. Esse segundo conjunto de movimentos, construído com base em
agrupamentos fonológicos e não em itens lexicais isolados, traz acréscimos em relação ao
primeiro conjunto discriminado acima. A natureza diferenciada dos movimentos vocálicos
relacionados aos agrupamentos fonológicos será explicitada abaixo entre: ditongos derivados
de segmentos lexicais simples; ditongos lexicais e ditongos pós-lexicais, associados à
silabificação e à ressilabificação, respectivamente.
Quanto aos ditongos derivados de segmentos lexicais simples, temos os seguintes
movimentos: derivando de /e/, há os movimentos [ɩɛ] e [ɛɨ]; derivando de /a/, os movimentos
[ɩa] e [aɨ]; derivando de /i/, os movimentos [ɯɩ] e [ɤɩ]. De acordo com Soares (1995), os
segmentos lexicais /e/, /a/ e /ɨ/ originam tipos diferentes de movimentos; no entanto, eles
compartilham uma característica: são processados, no interior do morfema, a partir de uma
33 Disponível em Soares (1995, p. 205).
138
informação que provém de uma consoante adjacente que pode colocar, dependendo do caso, o
núcleo silábico longo em direção a uma velarização ou a uma palatalização.
A velarização de núcleo vocálico é vista por Soares (1995) como um caso de pré-
vocalização, tendo em vista que o movimento em direção à posição central fechada é resultado
da ditongação de um segmento lexical simples, da seguinte maneira: a vogal mais aberta, sendo
produzida de maneira anteriorizada em relação a outras vogais e participando de um núcleo
vocálico longo, é seguida por uma consoante velar. Diante desse processo, um traço consonantal
assume posição vocálica ligada à consoante e é transmitido à vogal precedente. Nos exemplos34
abaixo, a ocorrência de um componente central fechado na vogal ditongada é ocasionada por
conta de uma tendência à assimilação de um traço que pertence à consoante seguinte [k], que é
não-anterior:
˦ ˩ ˦ ˩
nɛɨka na ɨka
provavelmente provavelmente
Soares (1995) defende que o processo de velarização de um núcleo silábico ocorre de
maneira facultativa.
Já no que diz respeito à palatalização de núcleo vocálico, Soares (1995) evidencia que
este é um movimento decorrente de um processo de pós-oralização, conforme descrevemos a
seguir.
O movimento que tem como ponto de partida a posição anterior fechada em direção à
base não-arredondada é tendência ocasionada após consoante africada, a qual se apresenta, na
língua Tikuna, com ligeira retroflexão. Veja exemplos35 abaixo:
˧ ˧ ˩˨ ˨ tʂa na dʐi a ʔo ‘eu lavo’ 1p.-objeto interno- lavar
˧ ˧ ˩ ˨ tʂa na dʐi a ʔo ‘eu recebo, eu ganho’ 1p.-objeto interno- receber, ganhar
34 Exemplo disponível em Soares (1995, p. 210). 35 Exemplos disponíveis em Soares (1995, p. 214).
139
Conforme Soares (1992a; 1995), uma vez que, na produção de consoantes retroflexas,
há sempre o envolvimento do ápice da língua e que, nos dados aos quais a pesquisadora teve
acesso, a vogal que segue a consoante retroflexa é não palatal, é de se prever que um movimento
no plano segmental seja iniciado na posição anterior fechada, seguida por uma consoante com
ligeira retroflexão. Diante desse processo, a palatalização do movimento vocálico se justifica e
pode ser vista como ocasionada por um processo de pós-oralização.
Os movimentos vocálicos presentes nesta têm como base o quadro de movimentos
apresentados em Soares (1986, 1992a), ampliados e rediscutidos em Soares (1995). Conforme
a pesquisadora, a constituição dos movimentos evidenciados no quadro abaixo não é motivada
pela duração vocálica, uma vez que não houve, nos dados disponíveis, segmentos vocálicos
que, sendo basicamente monotongos, se tornam ditongos por serem longos. Sendo assim, pode-
se esperar que segmentos breves também possam vir a ser ditongos. Além disso, esses
movimentos vocálicos não são o resultado de processos de silabificação ou ressilabificação,
tendo em vista que não são esses movimentos vocálicos resultantes do contato entre
determinados segmentos vocálicos que passam a compor uma mesma sílaba.
Figura 11: Movimentos que expressam processos segmentalmente condicionados30
Os movimentos expressos acima são processos segmentalmente condicionados e se
configuram como uma base para a evidenciação de regras fonológicas que atuam na língua.
Além disso, se constituem como um conjunto de dados que possibilitam a solução do problema
da ramificação ou não do núcleo silábico no nível do léxico.
Conforme análise presente em Soares (1992a, 1995), o quadro dos segmentos
vocálicos fonéticos e fonológicos do Tikuna apresenta o valor binário para o traço abertura.
Nos termos de Clements (1989), o traço de abertura, integrando uma teoria da sonoridade,
i
a
ɨ ɯ
ɛ
ɩ ɤ
140
organiza um único parâmetro articulatório e acústico, a saber: a altura vocálica. Essa
organização se dá em uma série de registros e sub-registros. Essa concepção, sendo aplicada ao
Tikuna, possibilita que se vejam os segmentos vocálicos organizados conforme representação36
abaixo:
Por fim, quanto aos ditongos lexicais e pós-lexicais, Soares (1995) sustenta que os
movimentos expressos abaixo resultam de um processo de silabificação e/ou ressilabificação.
Figura 12: Movimentos resultantes de processos de silabificação/ressilabificação37
Já no movimento a ɩ, movimento considerado como uma palatalização
condicionada segmentalmente, o ponto terminal é proveniente de duas fontes. Uma é a vogal
anterior que é basicamente fechada e a outra é a vogal anterior aberta.
Quanto à fonte da vogal anterior fechada, sua realização sempre ocorre como um
segmento fechado no interior do morfema, independentemente da velocidade que o falante
imprime ao enunciado que produz, até mesmo em situações em que, também em função da
velocidade da fala, o falante precisa silabar. Veja exemplos38 foneticamente transcritos:
˨ ˧ ˨
naɩ akh ɨ
pau, árvore – filho,pé ‘pé de árvore’
36 Dipsonível em Soares (1992a, p. 375; 1995, p. 209). 37 Idem (p. 219). 38 Exemplos disponíveis em Soares (1991, p. 112; 1992a, p. 367; 1995, p. 219).
ɩ ɷ
u
ɔ
a
141
˧ ˦ ˨
naɩ akh ɨ ...
pau – filho ‘pé de árvore’
˦ ˨ ˧
naɩ goa ...
pau, árvore – fim
Quando ocorre uma situação de fronteira em que um morfema termina em /a/ e o que
o segue se inicia ou é todo ele constituído por segmento anterior fechado, em que há a partícula
‘x’ constituindo sílaba com a vogal que a precede, não se alteram os traços desse segmento, ou
seja, ele continua sendo anterior e fechado, conforme se pode visualizar abaixo39.
... nagɷ tȿɨ dɛ aɩ i tȿɔɾɨ ...
3p.-dentro 1p.-falar x x meu, minha ‘...dentro dele eu falo, a minha...’
Tal como acontece na situação descrita acima, no movimento ɔ ɩ o ponto terminal
também possui como fontes a vogal anterior aberta e a vogal anterior fechada, conforme se
pode visualizar nos exemplos abaixo40:
˧ ˥
pɔʔi ‘banana’
˩ ˨ ˦ ˩˨
... ŋoatȿi βɔɩ também nesse momento
Já no que se refere ao movimento a ɷ, a fonte de seu ponto terminal é uma: a vogal
labializada não-aberta. Em termos de constituição da sílaba, há um resultado diferente
relacionado à realização dessa vogal labializada não-aberta. Se essa vogal é realizada de
maneira fechada, há a ditongação, conforme se pode visualizar no exemplo41 abaixo:
˦ ˩˨ ˧
na taɷʔma i ... 3p.-negação x
39 Exemplos disponível em Soares (1995, p. 220). 40 Exemplos disponível em Soares (1992a, p. 370; 1995, p. 221). 41 Exemplo disponível em Soares (1995, p. 223).
142
Por outro lado, se essa vogal é realizada com um mínimo de abertura, não ocorre a
ditongação e as vogais em contato permanecem em sílabas diferentes, como no exemplo42
abaixo:
˦ ˧ ˨ ˧
naʔ taoma 3p.-negação
Ainda é preciso mencionar, no que diz respeito aos movimentos uɩ e ɷ ɩ, conforme
Soares (1995), esses movimentos não apresentam diversidade de fonte quanto ao seu ponto
terminal, isto é, a fonte é sempre uma vogal anterior fechada; também não apresentam
peculiaridades quanto à silabificação.
Os movimentos vocálicos que foram apresentados acima e que estão relacionados à
ditongação fazem parte de um conjunto ao qual se contrapõe um conjunto maior, formado por
sequências de segmentos que, mesmo estando em contato, pertencem a sílabas diferentes. Vale
mencionar que esse conjunto maior pode conter dois subconjuntos: um constituído por
segmentos vocálicos orais ou que contêm nasalidade em igual medida; outro constituído por
segmentos vocálicos, sendo um oral e o outro nasal. Soares (1992a; 1995) expressa esses dois
subconjuntos por meio dos quadros que reapresentaremos abaixo. Esses quadros evidenciam os
segmentos da forma como estão sendo fonologicamente representados.
42 Idem.
143
Quadro 7: Sequência de segmentos vocálicos que se realizam como orais ou com nasalidade em igual medida43
Quadro 8: Sequência de segmentos vocálicos em que um dos segmentos manifesta nasalidade e o outro não44
Nesses quadros, podemos visualizar os elementos que não permitem dois segmentos
vocálicos ocuparem uma mesma sílaba, tendo em vista que, na maioria dos casos, os dois
segmentos não podem possuir a mesma abertura ou altura vocálica.
43 Disponível em Soares (1992a, p. 373; 1995, p. 224). 44 Disponível em Soares (1992a, p. 374, 1995, p. 225).
144
Para a língua Tikuna, há uma restrição, em termos do traço abertura, quanto à altura
vocálica. A partir disso, conforme Soares (1992a; 1995), é possível formular a primeira
restrição quanto à participação de dois segmentos vocálicos em uma mesma sílaba, conforme
expresso abaixo:
Conforme Soares (1992a, p. 376; 1995, p. 225), os elementos da representação acima
têm a seguinte abreviatura: ẟ = sílaba; N= núcleo; X= unidade do esqueleto prosódico, expressa
tempo; r=nó estrutural que domina a estrutura fonológica do segmento; sl= supralaríngeo;
abert=abertura; aberto n= aberto 1 ou aberto 2; α= variável que significa identidade de valor
positivo ou negativo.
A formulação da restrição, tal como expresso na representação acima, constitui um
filtro fonético que age no léxico e não permite que um enorme número de sequências constitua
um mesmo núcleo silábico. A essa restrição, tem-se a exceção que permite que entrem na
constituição do núcleo silábico as seguintes sequências: /ui/, /oi/. Que são foneticamente
realizadas como
Uma segunda restrição lexical tem relação com o fato de que é possível a uma
sequência ocupar o núcleo de uma mesma sílaba desde que se atente a um jogo de graus de
ui ɷi oi ɔi
uɩ ɷɩ oɩ ɔɩ
ẟ
|
N
X X
| |
| |
r r
| |
sl sl
| |
abert abert
| |
aberto n aberto n
145
abertura, atendendo à seguinte restrição: o segundo segmento não pode ter o valor positivo para
traço de abertura, conforme se pode visualizar no esquema45 abaixo.
Essa restrição deixa de fora do núcleo silábico as sequências terminadas em /a/ ([+
aberto 1] e [+ aberto 2] e as sequências terminadas em /e/ e /o/ ([+ aberto 2]). As restrições
formuladas por Soares (1995) vinculam a formação do núcleo à abertura vocálica.
6.1.1.3 A oclusão glotal e seu papel na sílaba
Em Tikuna, a oclusão glotal pode assumir a função de abrir e travar a sílaba. Quando
abre a sílaba, a oclusão glotal adquire a mesma distribuição dos sons consonantais que ocorrem
em Tikuna. Dessa forma, ela pode ser interpretada como um elemento pertencente ao nível
segmental. Veja exemplos46 abaixo:
˨ ˦
ŋɔbɨ ‘jabuti’
˨ ˦
kɔwɨ ‘veado’
˨ ˦
kɔʔɨ ‘castanheiro, caju’
45 Disponível em Soares (1992a, p. 378; 1995, p. 227). 46 Exemplos disponíveis em Soares (1995, p. 235).
ẟ
|
N
X X
| |
| |
r r
| |
sl sl
|
abert
|
[+ aberto n ]
146
Em início de sílaba, a oclusão glotal separa duas vogais, e pode ser entendida como
um elemento inserido nesse contexto com a função de rearticular duas vogais que,
originalmente, seriam consideradas hiato. Soares (1992a, 1995) apresenta, como prova desse
fato, exemplos47 do tipo que reaplicamos abaixo.
˧ ˥
pɔʔi ‘banana’
˧˥
pɔi ‘banana’
Se consideramos a visão de que a oclusão glotal é elemento inserido entre duas vogais,
a sua presença, conforme pode ser visto acima, impede o hiato; enquanto que a sua ausência
pode permitir a presença do hiato e é acompanhada de ressilabificação de segmentos vocálicos
em sequência. A oclusão glotal, vista sob esse ângulo, relaciona-se à constituição da sílaba,
devendo ainda ser conciliada com alguns fatos.
O primeiro desses fatos é o de que a língua conta com hiato, o qual se apresenta tanto
em texto fragmentado quanto no texto produzido.
Quanto aos hiatos existentes em texto fragmentado, Soares (1992a,1995) atesta que
podem ser encontrados no interior de sequências morfofonêmicas realizadas de forma
sistêmica, sem oclusão glotal, conforme a pesquisadora identificou na fala de todos que
participaram da fragmentação de um texto.
Outro fato está relacionado ao que segue: a ausência da oclusão glotal entre vogais não
é simetricamente acompanhada de ressilabificação, como pode ser comprovado pela
inexistência, no interior de uma mesma sílaba, de sequências do tipo /ei/ [ɛɩ], eu [ɛɷ], /ou/ [ɔɷ],
as quais seriam, conforme Soares (1992a,1995), possíveis respostas de que a língua disporia
para evitar o hiato no caso de não haver inserção da oclusão glotal entre as vogais que compõem
essas sequências.
Ainda conforme a pesquisadora, o que resolveria esse último fato seria o próprio
condicionamento que pesa sobre a ressilabificação, tendo em vista que a ressilabificação tem
como condicionamento uma diferença específica de sonoridade. Tal fato explica a razão de nem
sempre a ressilabificação ocorrer onde não houve inserção de oclusão glotal.
47 Exemplos disponíveis em Soares (1992a, p. 380; 1995, p. 236).
147
A existência de hiatos em Tikuna deixa de ser problemática se a inserção de oclusão
glotal for vista como tendência para que o hiato seja evitado. Diante disso, a inserção da oclusão
glotal é facultativa e, o processo pelo qual ela é inserida pode ser relacionado à ressilabificação,
do seguinte modo: o processo de ressilabificação é facultativo e, se não ocorre a ressilabificação
facultativa, ocorre a epêntese facultativa.
A partir dos estudos que realizou, Soares (1992a, 1995) sustenta a visão de que a
oclusão glotal entre vogais é elemento inserido. Dessa maneira, não possui caráter fonológico.
Já quando fecha a sílaba, a oclusão glotal se manifesta em diferentes situações,
podendo ser encontrada nos agrupamentos fonológicos e em certos itens lexicais isolados.
Ao fechar a sílaba, a oclusão glotal ocorre sem possibilidade de previsão, no entanto,
conforme Soares (1992a, 1995), sua realização está sistematicamente ligada a certos itens
lexicais, e, também de forma sistêmica, não ocorre oclusão glotal em outros itens lexicais,
conforme se pode verificar no quadro48 abaixo.
Presença sistemática da oclusão glotal Ausência sistemática da oclusão glotal
˩ ˦
ŋaʔβɨ ‘porco selvagem’
˧ ˧
paβɨ ‘aranha’
˩˧ ˧
ŋaʔβɛ ‘cuia’
˧ ˧
baβɛ ‘tartaruga’
˧ ˨
naʔnɛ ‘arma’
˦ ˧
nanɛ ‘filho’
Além de sua ocorrência ser imprevisível, em final de sílaba, a oclusão glotal pode ser
considerada como possuindo um papel fonológico, desde que ela seja vista como tendo a
capacidade de afetar, além da vogal precedente, de forma a laringalizá-la, como também o tom
portado por essa vogal, de forma a abaixá-lo, conforme se observa nos dados49 abaixo.
48 Adaptado de Soares (1995, p. 239). 49 Disponíveis em Soares (1995, p. 240).
148
˧
tɔ ‘outro’
˩
tɔ ʔ ‘outro’
˦ ˨
naka ‘fígado dele’
3p.-fígado
˦ ˩
naka ‘por ele’
3p.-por
A oclusão glotal possui aqui um caráter imprevisível e, por isso, tem um papel
distintivo. Ao final de sílaba, a oclusão pode ser considerada lexical e possibilita que se tenha
na língua uma posição de coda como resultado de uma rima ramificante. Porém, para que essa
posição de coda seja ocupada, é preciso que algumas situações de ocorrência, as quais são
variadas, sejam satisfeitas.
Uma das situações diz respeito àquela em que a oclusão glotal representa um corte
abrupto na sonoridade de uma vogal que pertence a uma sílaba longa. Conforme Soares (1992a,
1995), nesse caso, a oclusão glotal pode se apresentar com a mesma distribuição daquele que é
o ponto de menor sonoridade dentro de um ditongo. Veja exemplos50:
˨ ˦
ɲoʔmã ‘agora’
˨ ˦
dʐɔʔni ‘enquanto isso’
˨ ˧ ˦ ˨
tʂɔɨ nina ʔ me 3p.-amarrar
˨ ˧ ˦ ˩˨
tʂɔɨ ninaɩ me 3p.-amarrar
50 Disponíveis em Soares (1995, p. 241).
149
Uma outra situação ocorre quando a oclusão glotal se apresenta como fecho de
ditongo. Nesse caso, sua presença está invariavelmente relacionada ao final de um morfema,
no entanto, ele próprio pode não se encontrar em situação final de enunciado. Soares (1992a,
1995) observou essa situação tanto em agrupamento fonológico quanto em itens lexicais
isolados, conforme exemplos51 abaixo.
˧ ˨ ˧ ˧
Agrupamento fonológico: ... tʂa dʐaɷʔ maɾɛ ... 1p.-pegar-só
˧ ˩ Itens lexicais isolados: paɩʔ βa ‘árvore da família do araçapeva’ araçapeva-unidade taxonômica
Ainda uma outra situação é aquela em que a oclusão glotal se apresenta após um
segmento laringalizado, tanto se esse for longo ou breve, conforme pode se ver nos exemplos52
abaixo:
˧ ˧ ˩ ˧ ˨
tʂanaʔ ma ʔ ɯtʂa 1p-objeto interno-matar-nominalizador eu
˨ ˩˨ ˦
tʂa ʔnoʔɯ... 1p-colocar-nominalizador
Nesse caso, a laringalização é ocasionada pela oclusão glotal, a qual pode atuar tanto
sobre a vogal breve ou longa que precede essa laringalização. Soares encontrou exemplos da
atuação facultativa sobre a vogal breve ao realizar uma comparação no interior dos dados
analisados por ela, com por exemplo, aqueles que envolvem prefixo pessoal em verbo,
conforme exemplos53 disponibilizados pela pesquisadora:
˨ ˩˨ ˦
tʂa ʔnoʔɯ... 1p- colocar- nominalizador
˦ ˧ ˨ ˦
... itʂaʔ tɨʔɨ aspecto 1p- perder
51 Disponíveis em Soares (1995, p. 241). 52 Disponíveis em Soares (1995, p. 242). 53 Disponíveis em Soares (1995, p. 242).
150
No que diz respeito à laringalização de vogal longa, essa foi encontrada também por
Soares em dados que Anderson (1959) registrou e analisou como possuindo vogal oral seguida
de oclusão glotal e utilizados pelo pesquisador como prova do contraste entre vogal seguida de
oclusão glotal e vogal laringalizada. Nos dados de Anderson (1959), V’= vogal laringalizada;
número subscrito = tom, altura fonêmica; 1= tom alto; 2= tom meio-alto; 5= tom baixo. Veja
exemplo54 abaixo.
˩˧ ˦
[ŋɔ ɾɛ] ‘quanto’ /no’3-5re2/ ‘alguns’
versus
˨ ˥
[ŋɔ ɾi] ‘primeiro’ /no5ri1/ ‘alguns’
Ao comparar os dados de Anderson (1959), com os seus próprios dados, Soares (1986,
1992a, 1995), nota que há uma laringalização facultativa de vogal longa. Já no que diz respeito
à ocorrência frequente de laringalização no núcleo vocálico longo de determinados itens
lexicais nos dados de Anderson (1959), há, conforme Soares (1995), também a possibilidade
de que, no nível da realização, seja recuperado o elemento causador dessa laringalização, no
caso a oclusão glotal. Diante disso, Soares (1995) mantém a hipótese de que a laringalização
ocorre por conta de uma modificação ocasionada pela oclusão glotal.
As três situações apresentadas anteriormente estão relacionadas com a presença de
oclusão glotal, no interior da sílaba, manifestada de forma não condicionada, facultativa.
Porém, Soares (1995) nos apresenta outras três situações envolvendo a ocorrência de oclusão
glotal no interior da sílaba, agora, condicionada. Veja as situações a seguir:
1. oclusão glotal resultante de silabificação. Nesse caso, a oclusão glotal entra em relação
de substituição com a pausa, e se manifesta entre sílabas longas, também transcritas por
Soares (1992a, 1995) como sílabas de igual duração ( ). Veja exemplos55 abaixo:
˦ ˧ ˨ ˦
gɷʔɯʔgɷma
sempre
54 Disponível em Anderson (1959). 55 Disponível em Soares (1995, p. 244).
151
˨ ˦ ˧ ˨
... ŋɛ taʔni na
onde de 3p-
2) oclusão glotal associada à realização de altura por conta de uma tensão muscular aumentada
das cordas vocais após um tom ascendente. Nesse caso, a oclusão glotal pode ser interpretada
como oclusiva glotal pós-vocálica e pode servir à demarcação de um agrupamento rítmico.
Sendo assim, pode também desempenhar as mesmas funções desempenhadas pela pausa, como
é o caso do dêitico, que, como no exemplo56 ilustrado abaixo, se encontra marcado com o caso
locativo:
˧ ˨ ˦
dɀimawa aquele (previamente referido) locativo
˧ ˦ ˧ ˦ ˧ ˨
ŋi i t imaagɷ 3p.fem. objeto 3.p. íntima-matar/surrar
˧ ˨ ˦
dɀimawaʔ aquele (previamente referido) locativo
‘naquele, ele a surrou, naquele’
Além disso, a oclusão glotal pode, em conjunto com a altura (pitch) alta que a provoca,
marcar interjeições, conforme pode ser visto nos exemplos57 abaixo.
˨ ˦ ˧
dɨ ka ʔdɀa... olha x
˦ ˨ ˧ ˦
kɨ ʔ ɲɷmata êh agora
56 Disponível em Soares (1995, p. 245). 57 Disponível em Soares (1995, p. 245).
152
Pode, ainda, servir à expressão da ênfase, conforme se pode visualizar no exemplo58
abaixo, com o locativo [gɷ], que em circunstâncias que não evidenciam ênfase se realiza
portando altura (pitch) meio-baixa:
˩˧ ˥ ˧ ˦
aɩɾɷɐg ɷʔ cachorro- ter locativo
3) oclusão glotal ocorrida como resultado de realizações vocálicas recuadas. Nesse caso, a
oclusão glotal se manifesta ao final de agrupamento fonológico constituído por uma palavra
apenas ou ao final de palavra em final de agrupamento fonológico, ocasião em que ocorre
alternância com oclusiva velar não-explodida, conforme exemplos59 a seguir:
˧ ˩
... tȿ i ma ʔ 1p- matar
˧ ˩
... tȿ i ma ʔk 1p- matar
A ocorrência da oclusiva velar não-explodida também foi encontrada por Soares (1992
a, 1995) em situação final e após realização vocálica recuada em itens isolados. Veja exemplos60
abaixo:
˨ ˦
boʔɨk ‘menina, criança’
˨ ˦
boʔɯk ‘menina, criança’
Conforme Soares (1995), ainda que condicionada, a oclusão glotal deve ser possuidora
de um lugar na sílaba e esse lugar pode ser determinado considerando-se as três situações
apresentadas acima.
Os dados de Soares (1992a, 1995) mostram que a oclusão glotal, ao se manifestar como
fecho de ditongo, ocasiona uma maior duração do ditongo. Tal fato justifica a postulação de
uma rima que se ramifica e contém como núcleo um ditongo. Diante disso, Soares (1992a,
1995) defende ser possível falar em rima com três tempos. A esse respeito, a pesquisadora
formula a representação61 que ilustramos a seguir:
58 Disponível em Soares (1992a, p. 392; 1995, p. 246). 59 Disponível em Soares (1992a, p. 393; 1995, p. 246). 60 Disponível em Soares (1992a, p. 393; 1995, p. 246). 61 Disponível em Soares (1992a, p.394; 1995, p. 247).
153
˧ ˨ ˧ ˧
... tʂa dʐaɷʔ maɾɛ ... 1p.-pegar-só
Quando a oclusão glotal representa um corte abrupto na sonoridade de uma vogal
pertencente a uma sílaba longa, essa se apresenta com distribuição semelhante com o ponto de
menor sonoridade dentro de um ditongo. Conforme Soares (1995), como a vogal que sofre o
corte da oclusão glotal pode não ser ela própria longa, postula-se a suposição de que a oclusão
glotal participa do núcleo, conforme exemplos62 a seguir:
˨ ˧ ˦ ˩˧
tȿɔɨ ni naɩ me 3p-amarrar
˨ ˧ ˦ ˨
tȿɔɨ ni naʔ me 3p-amarrar
Soares (1995) determinou para a oclusão glotal em final de sílaba a ocupação de uma
posição de coda fonológica, diferentemente do que ocorre quando a oclusão glotal abre a sílaba.
Nessa posição, Soares (1992a, 1995) sustenta a visão de que a oclusão glotal não possui caráter
fonológico.
62 Disponíveis em Soares (1992a, p.395; 1995, p. 248).
ẟ
|
Rima
Núcleo Coda
|
Pico |
| |
X X X
| | |
a ɷ ʔ
154
Cabe dizer que, tanto em início quanto em final de sílaba, o caráter fonológico da
oclusão glotal é alvo de questionamento (cf. Soares, 1995).
A seguir, abordaremos, com base em Soares (1984, 1986, 1992a, 2001, 2003) aspectos
relacionados a uma característica da língua Tikuna: o tom.
6.1.1.4 Os Tons em Tikuna
A partir da publicação de Anderson, em 1959, o mundo científico soube que Tikuna é
uma língua tonal, e possui o sistema de cinco níveis fonêmicos de altura. Na América do Sul,
não havia registros de nenhuma outra língua que tivesse, tal como se tem em Tikuna, um
intricado sistema tonal (cf. Anderson, 1959, p. 77).
Fonologicamente, o sistema tonal que o Tikuna possui é complexo, tendo em vista que
as manifestações fonéticas ocorrem de uma tal forma que não se pode prever, de modo claro e
evidente, todas as motivações dos processos que dão origem a tais manifestações.
Em análises realizadas mais recentemente e, até o momento, o número de tons
subjacentes (ou fonológicos) propostos para a língua Tikuna foi reduzido. Conforme Soares
(1995b, 1996, 1998), na língua Tikuna são materialmente encontrados seis níveis fonéticos de
altura (pitch): alto, meio-alto, médio, meio-baixo, baixo e extra baixo. Já os tons fonológicos
podem ser reduzidos a dois, que são os tons alto e baixo, considerando-se o médio como default.
Para Montes Rodríguez (1987; 1995), os tons em Tikuna podem ser reduzidos a três: alto, médio
e baixo.
Segundo Soares (1994), o tom médio é contrastivo em Tikuna, mas não apresenta
atividade fonológica. A pesquisadora considerou o tom médio como não-especificado na
representação fonológica subjacente, utilizando como argumento o fato de que esse tom não
deve se fazer presente em certos morfemas para que ocorra uma expressão perfeita de processos
ligados aos tons, entre os quais está a dissimilação tonal, ligada ao Princípio do Contorno
Obrigatório (OCP ou PCO). A não ocorrência do tom médio nas representações
subjacentes/fonológicas e a sua materialização fonética em Tikuna faz com que essa língua se
insira no debate que envolve a subespecificação e/ou não especificação em fonologia (cf.
Soares, 1998, 2001).
Segundo a análise de Soares (1998, 2001), os tons fonológicos alto e baixo não se
propagam automaticamente em Tikuna, uma vez que sua propagação não é obrigatória e está
relacionada unicamente às representações finais. No entanto, para que esse processo ocorra, são
necessários alguns requisitos: (a) é necessário que haja adjacência silábica; (b) a palavra
155
morfológica é o domínio de propagação, e a vogal não-especificada é, do ponto de vista tonal,
aquela que se constitui como o legitimador indireto dessa propagação. Ainda conforme a análise
de Soares, é a ideia de legitimação, associada àquela da não-especificação do tom médio, que
pode dar conta dos fatos do Tikuna referentes à palavra morfológica.
Em relação aos tons alto e baixo, estes podem alcançar realizações fonéticas extremas,
isto é, mais alta e mais baixa, devido a alguns efeitos, tais como o alinhamento do tom com a
margem da palavra e o papel da oclusão glotal.
No que diz respeito às sílabas em Tikuna, Soares (1984, 1986) nos informa que o tom
é um traço da sílaba e que a cada sílaba é atribuída uma dentre cinco diferentes alturas. Veja
exemplos63 abaixo:
˧ ˧ ˧
tȿanamõ ‘eu teço ele’
˧ ˧ ˧
tȿanamõ ‘eu envio ele’
˧ ˧ ˨
tȿanamõ ‘eu comi fruta fresca’
˧ ˥
kɔɾi ‘senhor, patrão’
˧ ˥
kupi ‘tipo de peixe’
Sendo uma característica da sílaba, o tom pode ser de nível ou de contorno, havendo
coincidência entre os pontos extremos do contorno com os cinco níveis de altura existentes64.
Em relação a tons de nível e contorno em Tikuna, Soares (1986) nos apresenta as
seguintes situações:
a) todos os monossílabos são longos e apresentam tom de nível ou contorno,
conforme exemplos65 abaixo:
˨
ŋõ ‘tipo de fruta’
63 Disponíveis em Soares (1986, p. 113). 64 Por haver coincidência entre os pontos extremos de um contorno tonal com níveis de altura, isso levará Soares,
em seus trabalhos sobre o tom em Tikuna, a interpretar os contornos tonais como manifestações fonéticas de tons
que, fonologicamente, são de nível. 65 Disponíveis em Soares (1986, p. 113-114).
156
˩˨
ŋəŋ ‘sim’
˥
tɷ ‘puxão’
˨
tɔ ‘outro’
˩
tɔ ʔ ‘macaco da noite’
b) os dissílabos apresentam uma sílaba longa e uma breve, sendo que nas formas
consideradas verbais, a sílaba longa, de forma geral, é parte constituinte da raiz.
Apresentam tons de nível médio e contorno, conforme podemos visualizar nos
exemplos66 abaixo:
˧ ˦
kupi ‘tipo de peixe’
˧ ˦
kupɛ ‘você dorme’
˧ ˥
taɾa ‘terçado’
˧ ˥
tɔɾa ‘rã’
c) os trissílabos apresentam uma sílaba longa, esta podendo ser a última, a penúltima
ou a antepenúltima. Em se tratando de formas consideradas verbais, a sílaba longa
é parte constitutiva da raiz. Os tons são de nível e contorno, conforme se pode
visualizar nos exemplos67 a seguir:
˧ ˦ ˥
66 Disponíveis em Soares (1986, p. 114). 67 Disponíveis em Soares (1986, p. 114-115).
157
tȿanaβi ‘eu corto (com faca)’
˧ ˦ ˦
tȿanatɔ ‘eu planto’
˧˥ ˨ ˧
tɛta nɨ ‘gaviãozinho pequeno’
˧ ˧˥ ˧
taβama ‘rio abaixo’
d) os polissílabos possuem uma sílaba longa, podendo ser a última, a penúltima ou a
antepenúltima, tal como ocorre com os dissílabos e trissílabos, nas formas
consideradas verbais, a raiz possui a sílaba longa. Os tons são de nível e de
contorno. Veja exemplos68:
˩ ˧ ˧ ˦
iȿa napa ‘eu seco’
˧ ˥ ˦
natȿa mɛtɨ ‘rosto dele’
˧ ˥ ˦
tȿanadɀɩa ʔo ‘eu lavo’
Ainda em relação à palavra, cabe dizer que, conforme Soares (1986), há poucas
palavras em Tikuna que terminam por uma consoante glotal ou por uma vogal surda, como nos
exemplos69 abaixo:
˩
tɔ ʔ ‘macaco da noite’
˧ ˥ ˦
natȿa mɛtɨ ‘rosto dele’
Devido à baixa ocorrência de palavras terminadas por oclusão glotal, Soares (1986)
defende que não há, em Tikuna, uma prosódia característica de final de palavra. Já no que diz
68 Disponíveis em Soares (1986, p. 115). 69 Idem.
158
respeito ao ensurdecimento da vogal em final de palavra, a pesquisadora defende que esse fato
se manifesta ocasionalmente e, ainda, pode ser uma característica própria de final de enunciado,
tendo em vista que a palavra na qual esse ensurdecimento se apresenta foi dita isoladamente e
palavras isoladas se manifestam em final de anunciado.
Soares (1986) não constatou a existência de grupos tonais na sentença, ou seja,
unidades de entoação não se estendem por sobre partes de uma sentença nem constituem, nesse
nível, contrastes significativos. De acordo com a pesquisadora, o que ocorre em Tikuna é uma
sequência de tons lexicais que se estende por toda a sentença. As sentenças são produzidas em
ritmo silábico, apresentando sucessão regular de sílabas longas e breves.
Ainda que não tivesse sido identificada, na sentença, a ocorrência de grupos
fonológicos nos dados registrados e analisados por Soares (1986), a pesquisadora nos apresenta
algumas observações, considerando-se a relação entre a duração silábica, que é um traço da
palavra, e o tom, que é um traço da sílaba. As observações, que no texto original se dão
acompanhadas de dados, são as seguintes (Idem, p. 131-132):
a) em fala lenta, não há ocorrência, de modo geral, de assimilações tonais;
b) em fala rápida, o tom de uma sílaba breve que ocorre em final de palavra sofre uma
assimilação pelo tom de sílaba longa adjacente;
c) em fala rápida, o tom de uma sílaba breve que ocorre em início de palavra pode ser
assimilado pelo tom da sílaba breve da palavra anterior; como resultado, tem-se a
formação de ditongo no nível segmental;
d) em fala rápida, o tom de uma sílaba breve pode sofrer uma assimilação pelo tom de
sílabas vizinhas que fazem parte de uma mesma sequência tonal, quebrando-se, assim,
uma determinada modulação tonal.
O texto “Subespecificação Tonal e Tom Default: O Caso Tikuna”, de Soares (2001),
é fruto de um projeto de pesquisa sobre acento de altura e tom em Tikuna, e apresenta questões
que se relacionam à subespecificação tonal e tom default nessa língua, tendo como aporte
teórico a Teoria da Otimalidade. Em estudos anteriores (1992, 1995a, 1995b, 1996, 1997,
1999a), Soares analisou alguns aspectos do nível tonal em Tikuna, sendo que essas análises
foram efetivadas em termos derivacionais e os resultados alcançados podem ser resumidos da
seguinte forma:
159
a) pré-associação tonal no léxico, tendo os tons alto e baixo como constituintes das
representações subjacentes, por exemplo70:
1) pukɨre ‘murapiranga’
B
2) pakara ‘tipo de cesto’
A
b) um filtro lexical que inspeciona estágios não-finais da derivação e que exclui
sequências de três sílabas associadas ao mesmo tom, conforme representação71
abaixo.
* V V V (T= tom)
T
c) dissimilações tonais, como meio de impedir violações ao Princípio do Contorno
Obrigatório (que proíbe identidades adjacentes na mesma camada)72.
d) ao final de uma derivação, pode ocorrer a inserção do tom médio como default
ø M tom médio (default)
Exemplos73:
70 Disponível em Soares (1996, p. 14; 2001, p. 13; 2003, p. 66). 71 Adaptado de Soares (1996, p. 15; 2001, p. 14; 2003, p. 16). 72 Conforme Soares (1996), os processos que envolvem dissimilação tonal em Tikuna podem ser expressos, em
termos lineares, do seguinte modo: α T - α T/ α T. Já em termos não-lineares, a analista sustenta que a expressão
da dissimilação tonal pode ocorrer por meio do desligamento do tom alvo, seguido da inserção do tom oposto ao
do tom fonte. Conforme Soares (1996), a dissimilação tonal é a resposta que o Tikuna oferece para que não ocorram
sequências de tons adjacentes iguais. Dito de outra forma, a dissimilação tonal é, em Tikuna, uma resposta ao
PCO, que proíbe, na camada tonal, o que segue: [α T] [α T]. 73 Disponível em Soares (2001, p. 15; 2003, p. 66).
pukɨre
pakara
orawe
160
No que diz respeito ao acento, de acordo com Soares (1992a, 1999, 2003), o Tikuna
apresenta um acento linguístico e um acento rítmico. Quanto ao acento linguístico, a
pesquisadora o analisa como morfologicamente condicionado, encontrando-se regularmente
localizado na sílaba mais à esquerda da raiz e tendo como seu correlato físico a duração longa.
Em Tikuna, as raízes usualmente não possuem mais que três sílabas e esse fato contribui para
que itens lexicais com no máximo três sílabas e somente uma raiz não seguida por sufixos
possam ter como sílaba acentuada a primeira, a segunda ou a terceira sílaba, a contar da direita
para a esquerda. Já no que se relaciona ao acento rítmico, Soares o analisa como estando ligado
a uma aparente colaboração entre duração e altura, surgindo quando uma sequência sofre
acréscimos para a direita por um processo de sufixação e é ultrapassada a extensão limite de
três sílabas.
A propósito do acento linguístico, veja os exemplos a seguir (notação: * = acento
linguístico abstrato; = duração longa; = duração breve; parênteses indicam representações
mais abstratas; colchetes indicam a constituição interna das palavras. Veja exemplos74:
*
tȿa dɀa ‘eu me criei’ ( [ tsa [dza] ] )
1p –criar
*
na gɷ ‘dentro dele’ ( [ [ na] gu ] )
3p - dativo
74 Disponíveis em Soares (2001, p. 16; 2003, p. 67).
M B
˧ ˧ ˨
[pokiɾɛ]
‘murapiranga’
M A
˧ ˧ ˥
[pakaɾa]
‘tipo de cesto’
M B
˧ ˧ ˨
[ɔɾaβɛ]
‘barata’
161
Como exemplificação da presença e dos efeitos do acento rítmico, veja (conforme esta
notação: *= acento rítmico 75; ˦ = altura meio-alta; ˨ = altura meio-baixa; ˥ = altura alta; ˩ =
altura baixa; ˧ = altura média; A = tom alto; B= tom baixo) o seguinte exemplo76:
˧ ˦ ˦ ˥ ˧ ˦ * *
˷nõkɨmaʔ ɨ tȿi ma] ‘muitíssimo antigo’ ( [ [ [ nukɨma] ɨtsi] ma] )
antigo- intens1 –intens2
B A A B A
Quanto à sequência foneticamente realizada acima, correspondente a ‘muitíssimo
obrigada’, Soares (2001) esclarece que a altura meio alta se distribui por duas sílabas, mas estão
associadas a um único tom na camada tonal. Tal fato não fere o PCO. A restrição identificada
como PCO (Princípio do Contorno Obrigatório), que proíbe uma sequência de especificações
tonais idênticas.
Ainda conforme Soares (2001), em Tikuna, não ocorre proliferação de melodias tonais,
portanto, não há a possibilidade de repetição de um mesmo tom por sobre um conjunto extenso
de sílabas. Pelo contrário, o que ocorre na língua é o favorecimento de uma alternância de tons
ocasionada, em boa parte, por processos que operam na camada tonal. Ainda conforme a
pesquisadora, há uma relação entre a estrutura prosódica e a camada tonal, tendo em vista que
aquela parece usufruir de informações que provêm desta. Dessa forma, a pesquisadora sustenta
que a duração não é responsável por criar ou atrair a altura alta, nem o acento secundário faz
isso. É o acento abstrato o responsável por criar a duração e essa duração pode vir a coincidir
com um ponto da camada tonal que faz parte de uma alternância.
Em termos de especificação ou não especificação tonal em Tikuna, as análises de
Soares (2001) revelam que as alternâncias tonais são devidas ao PCO; que todas as vogais
devem ser portadoras de um tom e que existe uma tendência para que a estrutura seja
preservada. No entanto, essa tendência pode sofrer alteração se estiverem em jogo interferências
de ordem perceptual. Para que se mantenha a estrutura, um tom no output depende da existência
de um tom no input; e um tom sem especificação no output corresponde a um tom sem
especificação no input.
75 Soares (2001) indicou o acento rítmico por um asterisco maior. Estamos utilizando a mesma representação
adotada pela pesquisadora. 76 Disponível em Soares (2001, p. 16; 2003, p. 68).
162
Ainda em relação ao tom, no que tange à língua Tikuna, em Soares (2003), a
pesquisadora apresenta os caminhos de investigação que trilhou em projetos que ela coordena
e mostra a interação entre acento de altura e tom com base na Teoria da Otimalidade. Conforme
os resultados das análises de Soares, a língua Tikuna não apresenta uma restrição tonal ou uma
restrição de estrutura prosódica sob a dominação das Restrições de Proeminência – Tom. Tal
fato apresenta uma significativa importância que sinaliza para outras maneiras de ver a
interação entre tom e estrutura prosódica. Os resultados de Soares também apontam para a
importância do PCO na relação entre tom e acentos, sob diferentes formulações, que evidencia
o seguinte: o PCO parece ser necessário para que a necessidade acentual possa ser suprida.
As conclusões a que Soares (2003) chega mostram que em Tikuna, as Restrições
Tonais dominam as Restrições de Estrutura Prosódica, isso quer dizer que o tom precede o
acento. Por conta dessa precedência, a estrutura prosódica é submetida a processos provenientes
do nível tonal, apresentando possíveis violações de uma estrutura prosódica, isto é, SEM PÉ.
6.2 ASPECTOS DA MORFOLOGIA E DA SINTAXE DA LÍNGUA TIKUNA
Lowe (1960 c), um estudioso que fez seu trabalho com base na teoria tagmênica, a
qual foi fortemente adotada, na época, pelos linguistas do Summer Institute of Linguistics (SIL),
realizou uma abordagem preliminar da sintaxe Tikuna e, nessa abordagem, tratou das orações
transitivas e intransitivas. Conforme o linguista, nas orações intransitivas, a ordem é
extremamente fluida, o núcleo da oração é o verbo ou o complexo verbal. A proposta do
linguista é que as orações intransitivas apresentam uma estruturada em camadas, do seguinte
modo: o verbo ou o complexo verbal é o núcleo; uma posição facultativa de direção-locacional
fica na primeira camada fora da camada verbal; tempo e modo, que são duas posições
facultativas, ficam na segunda camada fora da camada verbal.
Segundo o que Lowe (1960c) estabelece, as posições que precedem e seguem
imediatamente o núcleo podem ser ocupadas por direção-“locacional”, que é facultativa,
assumindo a seguinte forma: (±DL). Segundo o pesquisador, quando somente uma posição de
direção-“locacional” é preenchida, esse preenchimento ocorre sempre antes do núcleo. No
entanto, ambas as posições de direção “locacional'” - pré-núcleo e pós-núc1eo- podem ser
preenchidas.
163
Quanto ao preenchimento da posição tempo (T) e modo (M), Lowe (1960c) afirma
parecer haver uma estrutura em camadas organizada de maneira simétrica, cuja fórmula77
reapresentamos abaixo:
±T/±M (±DL + S± DL) ±T/ ± M
Ainda em relação às orações intransitivas, Lowe (1960c) sugere que, no caso de a
segunda camada a partir do núcleo estar ocupada, a direção locacional possivelmente pode
anteceder ou proceder o núcleo, conforme as ordens constatadas nos dados a que teve acesso:
±T + V ±DL; ±T ±DL + V; ± DL +V ±T
Quanto às orações transitivas, Lowe (1960 c) declara que podem ter as seguintes
formas: ± O + A; + A± O. Sendo que A, conforme o linguista, é uma ação tagmênica obrigatória
manifestada por um verbo ou um complexo verbal; enquanto o O é um objeto tagmênico
facultativo manifestado por um nome ou uma expressão nominal.
Como as orações intransitivas e as transitivas não precisam apresentar um objeto,
Lowe (1960c) chegou a levantar suspeita sobre a diferença êmica entre elas.
A respeito das orações intransitivas e transitivas em Tikuna, Anderson (1966) enxerga
a seguinte diferença: as orações transitivas são constituídas por verbos transitivos, ou seja, por
raízes transitivas e, até mesmo, intransitivas. Essas raízes seriam identificadas em conformidade
com os elementos com os quais cada uma poderia ocorrer. Segundo o pesquisador, a língua
Tikuna é possuidora de cinco classes maiores de verbos transitivo, os quais estariam
subdivididos, por exemplo, tendo como base a ocorrência do objeto externo, os alomorfes do
objeto interno e no conjunto de alomorfes do prefixo referencial de pessoa rɨ.
Anderson (1966) classificou os verbos de acordo com os seus componentes e/ou de
acordo com os componentes da oração, ou seja, os objetos externos. Já as orações foram
classificadas conforme o tipo de verbo presente nelas. Conforme Soares (1992a), o linguista
não apresenta em seu trabalho a relação entre o verbo e seus argumentos, restringindo-se apenas
a oferecer um inventário de verbos e orações em Tikuna.
Em 1992, Marília Facó Soares defendeu sua tese apresentando, dentre vários outros
estudos, uma análise, com base na Teoria Gerativa, em que a ordem é vista como uma
consequência de princípios mais gerais da Teoria de Parâmetros especificamente determinados.
77 Lowe (1960c, p. 4)
164
Em 2000, Soares publica o livro “O supra-segmental em Tikuna e a teoria fonológica -
Investigações de aspectos da sintaxe Tikuna, que traz a abordagem analisada e ampliada do
primeiro volume da tese defendida em 1992. No prefácio ao livro, a autora apresenta-o como
sendo sobre a teoria dos casos em sintaxe. Para mostrar a aplicabilidade e resoluções que a
teoria adota para possíveis problemas que se apresentariam às suas postulações, a autora se vale
de sentenças e trechos de textos produzidos por falantes Tikuna e analisados por ela, tendo
como referência basilar versões pré-minimalistas da teoria de princípios e parâmetros, também
conhecidas como teoria de regência e vinculação (GB). Em seus estudos, Soares chama a
atenção para a relação que existe - e que deve ser considerada – entre a sintaxe e a fonologia.
Conforme, Soares (1992a, 2000), a língua Tikuna é, tipologicamente, nominativo-
acusativa. A ordem dos constituintes maiores de uma sentença é flexível, e a ordem Sujeito
Objeto Verbo (SOV) permite que se fale em vinculações em Tikuna e, especificamente, de
vinculações e ordem SVO.
Devido à flexibilidade em relação à ordem de palavras em Tikuna, um modo de se
chegar a uma variação de posicionamento entre os constituintes maiores de uma sentença é o
seguinte: na língua Tikuna, os constituintes são ordenados segundo um parâmetro estrutural ou
segundo uma variada manifestação casual.
No que diz respeito ao parâmetro estrutural básico, este é núcleo final e se manifesta
com predicação, atribuição de papéis temáticos e casos estruturais à esquerda.
Já a manifestação casual inclui os casos estruturais (nominativo e acusativo), os casos
morfológicos, casos via cadeia com clíticos e casos via modificação do verbo.
Quanto aos casos estruturais, o nominativo se manifesta via concordância. Na análise
de Soares (1992a, 2000), a concordância em Tikuna é entendida como manifestação da relação
de predicação, e não como algo que está contido em Flex. Já o caso acusativo ocorre via
regência pelo verbo e pelas posposições e adjacência a esses regentes.
Ainda conforme Soares (1992a, 2000), os casos não-estruturais mencionados acima
têm a sua presença na língua Tikuna vinculada ao rompimento da ordem estrutural. Por
exemplo, os casos via modificação do verbo, ou seja, a marcação da diátese verbal, se
manifestam com a presença de marcas de objeto direto interno. Tais casos podem sofrer uma
redução ao mecanismo anterior ocasionada por conta da possível incorporação do clítico ao
verbo.
Além da distinção entre um parâmetro básico estrutural e uma manifestação casual
variada, a língua Tikuna também apresenta uma distinção entre o que é o predicado e o que é o
adjunto. Quanto aos adjuntos, estes são gerados na base e as estruturas em adjunção abarcam
165
sintagmas nominais posicionados após o núcleo, ‘adjetivos’, orações ‘relativas’, sintagmas
‘adverbias’ não-argumentais.
A diferença entre o caráter argumental e o caráter adjuntivo de um constituinte tem um
papel restritivo sobre a ordem, tendo em vista que é desse caráter que um constituinte pode
retirar o seu ordenamento em relação ao núcleo, que é o atribuidor de função temática.
Em relação ao verbo em Tikuna, Soares (1992a, 2000) atesta que a existência de
modificações na forma verbal faz com que o verbo funcione como uma fronteira na língua,
tendo em vista que um argumento interno não é simplesmente posicionado à direita do verbo.
Há, também, a íntima ligação entre o verbo e a frase nominal complemento. Dito de outro modo,
em Tikuna, há uma relação entre os elementos constitutivos do sintagma verbal no seu nível
mais básico, isto é, a íntima ligação existente entre O e V. O que comprova isso é o uso de
marcas morfológicas que, posicionadas fora do SV, readquirem sua autonomia e, por conta
disso, são consideradas como posposições e não como afixos, como é o caso quando essas
marcas ocorrem dentro do SV.
Ainda em relação ao verbo, Soares (1992a, 2000) revela que o fato de existirem
modificações na forma do verbo e o de haver íntima conexão entre O e V indicam que o verbo
é o elemento que tem o papel de permitir e limitar certos comportamentos sintáticos. Isso quer
dizer que o verbo, além de ser fronteira na língua, também é o núcleo da sentença, e é do núcleo
que se originam certas informações e que, consequentemente, poderão ser acrescidas outras. A
sintaxe Tikuna, tal como foi analisada e apresentada por Soares, tem as suas principais questões
relacionadas à teoria do Caso.
Em Tikuna, há o tópico sentencial morfologicamente marcado, posicionado na
margem esquerda da sentença. Além do tópico, o Tikuna conta um sistema de clíticos e um
sistema de marcação temporal bem particular. Isso porque os clíticos são comuns em línguas
pro-drop, ou seja, em línguas em que o sujeito é omitido e é representado de forma abstrata por
pro em orações finitas declarativas ou interrogativas. O Tikuna é uma língua pro-drop, no
entanto, é preciso que sejam investigadas as categorias funcionais que funcionam como sítios
de adjunção para os clíticos.
Já em relação ao Tempo, ainda conforme Soares (1992a, 2000), em Tikuna, essa não
é uma categoria funcional à qual os clíticos possam se adjungir, como ocorre, por exemplo, em
grego e nas línguas românicas padrão, em que o Tempo tem sido considerado como uma das
categorias funcionais às quais os clíticos se adjungem. Esses fatos em relação ao tópico e ao
Tempo apresentam implicações para a teoria gramatical. Quanto ao tópico, a implicação diz
166
respeito à assimetria entre sujeito e objeto; quanto ao Tempo, diz respeito ao seu estatuto
categorial nas línguas naturais.
A seguir, vamos apresentar, resumidamente, alguns dos elementos referentes à sintaxe
da língua Tikuna, abordados nessa introdução da seção.
6.2.1 Ordem de palavras
A língua Tikuna conta com uma sintaxe complexa, privilegiando construções com
tópico, em detrimento da posição de sujeito, candidata a vazio estrutural, conforme análise de
Soares (1990). Esse fato tem relação com a não geração de um sujeito interno a um vP.
Quanto à ordem superficial de palavras, conforme já dissemos, há uma flexibilidade,
tendo sido apontadas por Soares (1990, 1992a, 1992b, 2000, 2002b), principalmente, as
chamadas ordens SOV, SVO e OVS. Nos trabalhos de 1992a e 2000, Soares utilizou a Teoria
do Caso para explicar a aparente flexibilidade da ordem de palavra em Tikuna. Para isso, a
pesquisadora considerou importante investigar qual a relação entre o verbo e seus argumentos
na língua objeto de estudo, investigação que implicou lidar, no quadro teórico em questão, com
categorias vazias.
6.2.1.1 A ordem SOV
Nos dados analisados por Soares (1990, 1992a, 1992b, 2000, 2002b), a pesquisadora
identificou que em Tikuna há sentenças construídas seguindo a ordem SOV, em que o verbo é
precedido de dois argumentos, sendo o primeiro o agente e, o segundo, o paciente, que sofre o
resultado objeto da ação. Veja exemplos78 abaixo:
Maria pacara i-ü ga ine
Maria cesto 3PF-fazer x ontem
‘Maria fez cesto ontem’
Reinaldo airu ni-ma'
Reinaldo cachorro 3p-matar
78 Disponíveis em Soares (1990, p. 80; 1992a, p. 17; 1992b, p. 91; 2000, p. 26, 2002b, p. 1-2)
167
‘Reinaldo matou o cachorro’
Maria rü Elisa-si i- dau
Maria TOP Elisa-piolho 3PF-procurar
‘Maria catou piolho da Elisa’
Na ordem SOV, o objeto aparece antes do verbo e o sujeito pode ser considerado como
um tópico natural da sentença. A respeito da ordem focalizada, Soares (1990, 1992a, 1992b,
2000) atesta que o que poderia ser considerado como sujeito aparece, muitas vezes, seguido
pela partícula rü. Além disso, essa partícula também aparece, de forma facultativa, em orações
intransitivas, após agente, como nos exemplos79 abaixo:
Reinaldo rü ni-fene i ngewa
Reinaldo TOP 3P-caçar x hoje
‘Reinaldo foi caçar hoje’
Reinaldo ni-fene i nhumã
Reinaldo 3P-caçar x agora
‘Reinaldo foi caçar hoje’
A respeito dessa mesma partícula (rü), conforme se pode visualizar acima, nas orações
transitivas, pode acontecer de a partícula não aparecer após o agente. Tal fato indica rü não é
identificadora de sujeito. Com base nesses fatos, Soares (1990, 1992a, 2000) considera essa
partícula como marca de tópico, por poder, além de outras coisas, se seguir ao que não é um
argumento do verbo.
A ordem – sem a ajuda de qualquer outro dispositivo – é, às vezes, suficiente para
indicar as funções sintáticas. Isso porque quando os argumentos indicadores de agente e
paciente antecedem o verbo, ambos não recebem necessariamente uma marca morfológica e a
ordem pode bastar para que agente e paciente sejam identificados.
79 Disponíveis em Soares (1990, p. 81-82, 1992a, p. 18-19; 2000, p. 26-27)
168
A possibilidade de marcação de caso no segundo argumento, que é o paciente, aumenta
quando esse apresenta o traço [+animado]. Isso faz ver que a marcação de caso no objeto se dá
por razões semânticas e é ilustrada por meio do uso de um morfema a que Soares (1992a, 1992b)
se refere como ‘dativo’.
No que diz respeito à concordância verbal, na ordem SOV, o verbo concorda apenas
com a primeira frase nominal. Veja exemplos80 abaixo:
Peduru Luiza-ü ni-wü-para
Pedro Luiza-DAT 3P-coçar-perna
‘Pedro está coçando a perna da Luiza’
Luiza Peduru -ü iya-wü-para
Luiza Pedro-DAT 3PF-coçar-perna
‘Luiza está coçando a perna do Pedro’
Conforme Soares (1992a, 2000), a concordância manifesta entre o verbo e o primeiro
sintagma nominal é a forma como a língua trabalha para mostrar a relação entre um predicado
e seu sujeito.
A concordância que ocorre entre o verbo e o primeiro sintagma nominal tem um lugar
na teoria dos Casos, nos seguintes termos: a concordância faz saber o caminho pelo qual o caso
nominativo é atribuído ao sujeito. É importante frisar que essa atribuição, nas construções
focalizadas, ocorre da direita para a esquerda.
No que se refere às propriedades de marcação de caso em Tikuna, essa língua, que
pode apresentar caso morfologicamente expresso, não é ergativa, e sim nominativo-acusativa.
Nos exemplos que utilizamos acima como ilustrativos da ordem SOV, podemos identificar um
objeto direto ao lado esquerdo do verbo e adjacente a ele. Esse objeto pode ser entendido como
regido pelo verbo, o qual atribui ao objeto o Caso acusativo, sendo que essa atribuição ocorre
da direita para a esquerda,
Dessa forma, em Tikuna, a atribuição de Caso e das funções temáticas de agente e
paciente ocorre da direita para a esquerda no interior de uma ordem cuja estrutura é
caracterizada por ser núcleo final, ou seja, a ardem SOV. Vale dizer ainda que é gramatical a
80 Disponíveis em Soares (1990, p. 82, 1992a, p.19-20; 2000, p. 27)
169
presença de objeto indireto em posição pré-verbal, tendo em vista que tal ocorrência mantém
as expectativas geradas pela atribuição de Caso e sua manifestação em uma ordem estrutural.
6.2.1.2 A ordem SVO
Conforme a análise de Soares (1990, 1992a, 1992b, 2000), sentenças organizadas na
ordem SVO são comuns em Tikuna. Elas possuem um verbo que, sob o viés da transitividade
semântica, é transitivo prototípico, ou seja, é um verbo que tem como sujeito um agente e como
objeto um paciente. Nessas sentenças, o argumento que manifesta o paciente, o resultado ou o
objeto da ação (P), está localizado à direita do verbo e é precedido por determinadas partículas
que, conforme a intuição de falantes nativos sobre a língua, identificam o item que as segue
como ‘feminino’ ou ‘masculino’81. Veja exemplos82 abaixo:
Reinaldo na-ya-ma ga airu ga üpaüra
Reinaldo ele-objeto-matar x cachorro x tempo passado (recente)
‘Reinaldo matou o cachorro faz dias’
Bu'ü na-na-yau ya nuta
menino ele-objeto-pegar x pedra
‘O menino pegou a pedra’
As mesmas partículas, que são tratadas na tradução literal de Soares como x estão
relacionadas, ainda conforme a intuição dos falantes sobre a língua, a uma noção de tempo,
conforme se pode visualizar a seguir: i ‘não-passado’; ya ‘não-passado’; a ‘não-passado’. Essas
partículas alternam com ga ‘passado’.
Ainda em relação aos traços da ordem SVO, Soares (1990, 1992a, 1992b, 2000)
defende que não basta o objeto estar simplesmente posicionado à direita do verbo, tendo em
vista que, para que esse posicionamento tenha lugar, faz-se necessário que o verbo contenha,
no seu interior, um morfema que, na análise de Soares, está ligado à expressão da noção
‘objeto’, como acontece nas sentenças acima. A noção ‘objeto’ é interna ao verbo e assume a
81 Conforme Soares (1992b), as informações de alguns informantes expressam que tais partículas são termos
relacionados à altura da voz, sendo que ‘feminino’ se refere a um nível de altura baixo e ‘masculino’ a um nível
de altura alto. Ainda de acordo com a linguista, essa categorização da altura pode ser estendida ao item que
imediatamente segue a partícula. 82 Disponíveis em Soares (1990, p. 83; 1992a, p. 22; 1992b, p. 94; 2000, p. 28-29).
170
função de sinalizar que em um enunciado há um argumento nominal que é o paciente, o
resultado, o objeto da ação. Em Tikuna, de modo geral, esse argumento se encontra à direita do
verbo em sentenças como as exemplificadas acima. Essa regularidade de ocorrência torna
possível o reconhecimento do argumento a partir da noção ‘objeto’ interna à forma verbal.
De acordo com Soares (1990, 1992a, 1992b, 2000), a expressão da noção ‘objeto’
interna à forma verbal é um modo de se estabelecer uma concordância entre o verbo e o
argumento paciente, objeto da ação.
Caso o objeto se encontre à direita do verbo e esse não expresse internamente a noção
‘objeto’, um clítico estará localizado à esquerda do verbo com marcação de caso e correferente
ao objeto nominal posposto, como nas sentenças83 abaixo:
Yatü nü-’ü i ni-’u i ore-güi
homem 3p.-dativo ele-contar x história-plural
‘O homem conta histórias’
Airu nü-’üi na-ngõ i bü-’üi
cachorro 3p.-dativo ele-comer x menino (criança pequena)
‘O cachorro mordeu o menino’ (= O cachorro mordeu ele o menino)
Em sentenças como as exemplificadas acima, o clítico é quem carrega consigo a
possibilidade de identificação do argumento nominal localizado à direita do verbo como objeto
direto. O clítico se caracteriza por conter informações relativas à pessoa e por desencadear uma
coindexação forçosa entre ele e o argumento nominal à direita do verbo. A ocorrência de
construções com clítico em Tikuna sustenta a tese de que o clítico está ligado à esfera do verbo
e, estando ligado a essa esfera, se aproxima da marca 'objeto' interna ao verbo, constituindo
também característica da ordem SVO.
6.2.1.3 A ordem OVS
A ordem OVS apresenta o sujeito nominal posposto ao verbo, sendo precedido pelas
partículas que antecedem o objeto nominal quando esse se encontra à direita do verbo (como
83 Disponíveis em Soares (1992a, p. 24; 1992b, p. 96; 2000, p. 30).
171
ocorre na ordem SVO). Além disso, na ordem OVS, o objeto nominal é morfologicamente
marcado por um sufixo dativo, conforme se pode visualizar nos exemplos84 abaixo.
Luiza- ü iya-wü-para i Elisa
Luiza-dativo 3PF.-coçar-perna x Elisa
‘Elisa está coçando a perna da Luiza’
Luiza- ü iya-me i Elisa
Luiza-dativo 3PF.- lavar-mão x Elisa
‘Elisa está lavando a mão da Luiza’
Viuma-ü na-ngõ ya airu
Vilmar-dativo 3p-rnorder x cachorro
‘O cachorro mordeu Vilmar’
Conforme Soares (1990, 1992a, 1992b, 2000), a marcação do objeto nas sentenças
OVS resulta não propriamente do fato de estar posicionado antes do verbo, tendo em vista que
nesse caso o objeto não necessita de qualquer marca. Além disso, Soares (1992b) esclarece que
a marcação do objeto também não ocorre por razões semânticas, haja vista que, na ordem em
questão, o objeto será obrigatoriamente marcado, tanto no caso de codificar um argumento com
traço [+ animado], quanto no caso de codificar um argumento com traço [- animado]. Diante
disso, pode-se concluir que a marcação do objeto na ordem OVS não possui uma motivação
semântica e resulta do fato de o sujeito nominal se apresentar posposto ao verbo. Ainda resta
dizer que, na ordem OVS, o verbo nunca manifesta internamente a noção ‘objeto’,
diferentemente do que se pode constatar na ordem SVO.
6.2.2 Sobre as noções de aspecto e tempo
Antes de tratarmos do aspecto, mister se faz que apresentemos ao leitor em que
consiste essa categoria, que tanto é confundida com o tempo. De acordo com Comrie (1976), o
tempo verbal (tense) e o aspecto não são desconectados entre si; ao contrário, guardam íntima
84 Disponíveis em Soares (1990, p. 93; 1992a, p. 149; 2000, p. 118).
172
relação. É preciso entender, no entanto, que ambas as categorias se relacionam de forma
diferente com o tempo (time), o momento de uma determinada situação.
Segundo Comrie (1976, p. 5), tempo verbal (tense) é uma categoria dêitica, ou seja,
localiza determinadas situações no momento em que essas ocorrem. Geralmente, mas não
exclusivamente, tais situações se dão no momento presente, podendo também fazer referência
a outras situações realizadas em outros momentos. Já o aspecto não está vinculado ao momento
em que a ação acontece, mas sim à estrutura interna da ação. Dito de outro modo, o aspecto não
se confunde com o momento em que um evento ocorre, mas, sim, com a circunscrição temporal
interna desse evento.
Aproximando-se dos postulados de Comrie, Payne (1997) afirma que o tempo se
associa a uma sequência de ações no momento da ação expressa em uma dada situação. Já o
aspecto está relacionado à estrutura temporal interna de uma situação; por exemplo, passado
concluso ou inconcluso.
6.2.2.1 As noções de Aspecto e Tempo na Sintaxe da língua Tikuna
De acordo com Soares (2008), nem todas as noções aspectuais na língua Tikuna seriam
abrigadas por uma mesma categoria funcional, sendo que algumas não estariam vinculadas a
uma categoria funcional propriamente dita. Além disso, as categorias de Tempo e Aspecto
apresentariam uma relação de independência e poderiam se manifestar como categorias
funcionais diferentes. Haveria na língua Tikuna uma categoria funcional Aspecto, independente
daquela que poderia abrigar noções temporais.
No âmbito dos estudos sobre categorias funcionais, é necessário, também, tratar de
uma categorial funcional chamada de pequeno verbo ou v-zinho, que também se manifesta
como um “núcleo com conteúdo semântico, dando, por exemplo, ao evento descrito pelo verbo
uma interpretação ativa, agentiva ou durativa” (SOARES, 2008, p. 52-53, com base em Arad,
1999). Há, ainda, evidências de que, na sintaxe da língua Tikuna, o conteúdo semântico pode
ser abrigado na categoria funcional pequeno verbo. Tal resultado foi alcançado quando se tentou
determinar o conteúdo do núcleo do sintagma aspectual e do núcleo do sintagma do pequeno
verbo (o núcleo v-zinho).
173
6.2.2.2 A categoria funcional pequeno verbo (ou v-zinho) e a projeção Aspecto
Para que um morfema aspectual seja considerado abrigado pelo pequeno verbo, esse
deve ter um traço categorial verbalizante. Dito de outra forma, um morfema aspectual somente
será considerado como abrigado pelo v-zinho se fizer com que a base morfológica na qual se
encontra passe à condição de verbo. Além dessa exigência, é preciso que, como pequeno verbo,
o morfema aspectual imponha a presença de um argumento na posição de seu especificador.
Segundo Soares (2008), caso em uma determinada língua existam nomes e verbos cuja
estrutura morfológica exiba raiz acrescida de sufixo aspectual e efeito semântico regular do
sufixo, não será possível atribuir a propriedade de verbalizador a esse sufixo aspectual. Nessa
situação, a estrutura (raiz+sufixo aspectual) pode ser categorizada, “tornando-se um verbo ou
um nome a partir da junção de um morfema funcional pequeno verbo ou pequeno nome
fonologicamente nulos”. (SOARES, 2008, p. 53)
6.2.2.3 Sobre estruturas acategoriais em Tikuna e noções aspectuais
A partir da obtenção e análise de dados, Soares (2008) atesta que os sufixos aspectuais
-ãtchi e -cü’ü, da língua Tikuna utilizada no lado brasileiro fazem parte de uma estrutura
acategorial, uma vez que não possuem um traço categorial verbalizante. Isso acontece porque
esses sufixos apresentam como característica o fato de poderem ou não ocorrer em uma
estrutura verbal. Dados coletados e analisados por Soares permitem sustentar que esses sufixos
podem ser utilizados tanto em estruturas verbais como nominais, ou seja, estruturas que não
trazem em si a sua própria definição categorial. Eis alguns exemplos85:
pe-ãtchi
dormir – DURAÇÃO CURTA, LIMITADA
na – dawenü – ãtchi
3P – olhar – DURAÇÃO CURTA, LIMITADA
‘Ele deu uma olhadinha’
bua –cü’ü ya ngu’e
85 Exemplos disponíveis em Soares (2008, p. 54).
174
? - AÇÃO REPETIVITVA E RÁPIDA x canoa
‘canoa que balança (balançante )
Tchama tchã-ya-bua-cü’ü
3PS 1PS-OI- ? – AÇÃO REPETITIVA E RÁPIDA
‘Eu o balancei’
Tendo em vista que os sufixos aspectuais -ãtchi e -cü’ü fazem parte de estruturas
acategoriais, é necessário, para que se obtenha um verbo a partir desta estrutura, um molde
sintático no qual haveria um pequeno verbo ou v-zinho fonologicamente nulo, conforme o
esquema86 abaixo.
[v (fonologicamente nulo) [RAIZ + ãtchi]]
[RAIZ + cü’ü]]
Ainda em relação a estruturas acategoriais em Tikuna, Soares (2010, p. 213)
argumenta que os morfemas –ãtchi e -cü’ü se juntam a uma raiz, mas não são capazes de
categorizá-la; fazem parte, por isso, de uma base acategorial. Para que ocorra a categorização,
é preciso que a combinação da base acategorial [RAIZ + cü’ü] ou [RAIZ+ ãtchi] seja adjungida
ao pequeno verbo ou v-zinho, em movimento obrigatório para a esquerda. Nesse caso, o
pequeno verbo ou v-zinho, fonologicamente nulo, verbaliza essa estrutura. Veja-se o
diagrama87 arbóreo a seguir:
86 Disponível em Soares (2008, p.54) 87 Elaborado com base em Soares (2010, p. 213)
175
ѵP
ѵ’
ѵ BASE
[RAIZ + ãtchi]
ѵ [RAIZ + cü’ü]
ø
Adjunção da base acategorial [Raiz + ãtchi] / [Raiz+ cü’ü] ao ѵ
fonologicamente nulo
Os sufixos – ü e - etcha e as noções aspectuais verbalizantes
O que caracteriza os sufixos – ü ‘continuativo e – etcha ‘ habitual’ é o fato de esses
fazerem parte da estrutura verbal, o que, de acordo com Soares (2008), possibilita que sejam
considerados como possuidores de um traço gramatical verbalizante.
- Sobre o sufixo – ü: apresenta a noção de algo contínuo, de um evento ou estado de longa
duração, cujo término não é indicado/explícito/previsto. Veja os dados presentes em Soares
(2010, p. 208):
na – pe- ü
3P – dormir – CONTINUATIVO
‘ele dorme/dormiu continuamente
na – tchibü – ü
3P – alimentar /comer – CONTINUATIVO
176
‘ele continua/continuou a se alimentar/comer’
- Sobre – etcha: indica um fato que ocorre rotineiramente, algo que é habitual, conforme os
dados apresentados por Soares (2010, p. 208):
tcha - powae – etcha
1P – pescar[com vara] – HABITUAL
‘eu vivo pescando’
tcha – tchibü – etcha
1P – alimentar, comer – HABITUAL
‘eu vivo comendo/me alimentando’
Tais sufixos aspectuais, uma vez que possuem um traço categorial verbalizante,
assumem o papel próprio da categoria de pequeno verbo ou v-zinho (v). Dito de outra forma,
adquirem o papel de verbalizadores até que, em um momento derivacional seguinte, a raiz
verbal seja adjungida a v em movimento obrigatório para a esquerda. Veja abaixo a estrutura e
o diagrama arbóreo que explicitam o que fora mencionado acima.
Estrutura para a obtenção da categoria verbo a partir de sufixo aspectual no papel de pequeno
verbo:
[v (ü) [RAIZ]]
[v (etcha) [RAIZ +]]
177
Adjunção da raiz ao pequeno verbo
ѵP
ѵ’
ѵ BASE
[RAIZ]
ѵ
ü
etcha
(SOARES, 2008, p. 57)
6.2.2.4 Sobre a projeção Aspecto
Determinados sufixos podem ser agregados à raiz e, dessa forma, fazerem parte de uma
base acategorial, a exemplo de -ãtchi ‘duração curta, limitada’ e -cü’ü ‘ação repetitiva e rápida’,
enquanto outros sufixos aspectuais podem possuir a propriedade de verbalizadores e, dessa
forma, constituírem categoria funcional de pequeno verbo, por exemplo, - os sufixos – ü
‘continuativo’ e – etcha ‘ habitual’.
Soares (2008) também defende que há um lugar, na gramática Tikuna, para a projeção
Aspecto, desde que sejam levados em consideração alguns fatos.
O morfema aspectual (i-) ‘progressivo’ ocorre antes do prefixo pessoal subjetivo e se
manifesta na margem esquerda do verbo. Tal morfema não faz parte da estrutura da raiz,
combinando-se a um verbo já categorizado como tal. Conforme Soares (2008), o morfema
aspectual (i-) ‘progressivo’ pode conviver com sufixos aspectuais, tanto os que integram uma
178
base acategorial quanto os de expressão de um pequeno verbo. Vejam-se os dados88
apresentados por Soares (2008) para sustentar a presença de uma projeção Aspecto em Tikuna
por meio do morfema aspectual (i-):
Tchama rü i- tcha-wiyae ‘eu estou cantando’
1PS TÓPICO PROGR- 1PS-cantar
(cf. tcha-wiyae ‘eu canto/cantei)
Tchama rü i- tcha-powae ‘eu estou pescando’
1PS TÓPICO PROGR- 1PS-pescar
(cf. tcha-powae ‘eu pesco/pesquei)
i-tcha-nha-ãtchi-etcha ‘eu sempre estava dando uma corridinha’
PROGR-1PS-fugir-DURAÇÃO CURTA, LIMITADA-HABITUAL
Soares (2008) apresenta as possibilidades de materialização de noções aspectuais em
Tikuna, por meio do quadro que reproduzimos abaixo:
Quadro 9: Materialização de noções aspectuais em Tikuna
Núcleo da projeção ASP Verbalizador (v) Parte de uma estrutura
acategorial
i progressivo
- ü ‘continuativo’
-etcha ‘habitual’
-ãtchi ‘duração curta, limitada’
-cü’ü ‘ação repetitiva e rápida’
De acordo com Soares (2008, p. 58), esse quadro mostra que as noções aspectuais em
Tikuna possuem três lugares para a sua materialização: 1. núcleo da projeção aspecto: morfema
de aspecto progressivo; 2. verbalizadores abrigados por v-zinho: sufixos aspectuais: -ü
88 Disponível em Soares (2008, p.57-58).
179
‘continuativo’ e -etcha ‘habitual’ e 3. parte de uma estrutura acategorial: sufixos aspectuais –
ãtchi ‘ação curta, limitada’ e -cü’ü ‘ação repetitiva e rápida’. Cabe enfatizar que a projeção
Aspecto, levando-se em consideração os termos de uma hierarquia sintática, estaria acima da
projeção do pequeno verbo.
Os resultados da investigação de Soares em relação às categorias funcionais Aspecto
e v-zinho demonstram que, na língua Tikuna, a noção de aspecto progressivo pode ser tratada
por meio do núcleo da projeção Aspecto. De outro lado, alguns sufixos agregados ao verbo em
Tikuna apresentam noções aspectuais que “seriam melhor tratadas no âmbito da projeção do
pequeno verbo ou v-zinho” (SOARES, 2008, p. 61), a exemplo dos sufixos que indicam as
noções de aspecto continuativo (-ü) e de aspecto habitual (-etcha). Tais sufixos, por serem
tratados no âmbito do pequeno verbo, estão na condição de verbalizadores, ao contrário dos
sufixos que indicam a noção de duração curta, breve, limitada (-ãtchi) e repetitiva, rápida (-
cü’ü), os quais, ainda que se agreguem a uma raiz, não são capazes de categorizá-la, sendo
considerados, portanto, parte de bases acategoriais.
6.2.2.5 Nota sobre o Tempo em Tikuna
No trabalho que publicou em 2005, Soares No trabalho que publicou em 2005, Soares
priorizou o estudo do Tempo em Tikuna, buscando tratar, do ponto de vista formal, o fato de
que, em Tikuna, as propriedades do Tempo nessa língua não estão codificadas na morfologia
verbal (cf. Soares 1992a; Maia et alii (1998, 1999) 89. Em publicação de 2017, Soares revisita
o estudo do Tempo em Tikuna, no quadro de desenvolvimentos recentes em sintaxe sob a ótica
do Programa Minimalista chomskyano e tendo no horizonte questões de anáfora e
sequenciamento temporal. Vejamos o desenrolar dos estudos acerca do Tempo em Tikuna.
Para Soares (2005; 2008), há indícios de que o Tempo em Tikuna “possui escopo sobre
a sentença, isto é, alguns elementos na sentença estão no escopo do Tempo, sendo que esses
elementos não estão no verbo. ” (SOARES, 2005, p. 155; 2008, p. 59). Isso quer dizer que os
elementos que indicam o Tempo na sentença estão em alguns constituintes dela, mas não no
verbo. Expomos, abaixo, formas extraídas de Soares (2002a, 2002b, 2005, 2008, 2017) – que
se encontram ao alcance da categoria Tempo.
89 Soares participou da autoria dessas duas publicações, que foram escritas dentro de uma concepção minimalista,
norteada, naquele momento, por Chomsky (1993).
180
a) Dêiticos que se encontram no escopo do Tempo:
Passado Não-passado
yeguma ‘aquele tempo; quando’
ngeguma ‘aquele tempo; quando’
yema/guma ‘aquele’
ngema ‘aquele’
yea ‘lá’
ngea ‘lá’
yia/yima ‘aquele’ (conhecido e estimado)
yema ‘lá; aquele lugar’
ngema ‘lá, aquele lugar’
nhaã ‘esse (coisa)’
daa ‘esse (pessoa)’
nhuma ‘agora’
nhuã ‘aqui’
b) Partículas e conectivos (os quais introduzem sentenças nominalizadas) que se encontram no
escopo do Tempo:
Passado Não-passado
Partículas ga
i, a, ya
Conectivos yerü ‘porque’
erü ‘porque’
gana conectivo que pode introduzir uma
sentença nominalizada interpretada como
objeto direto
na idem
181
c) Raízes com origem em dêiticos e que pertencem a formas verbais:
Passado Não-passado
yii ser
i
yema
ngema
(na-yema ‘havia’)
3P-lá
(na-ngema ‘há’)
3P-lá
Além das regularidades relacionadas ao Tempo em Tikuna, é preciso chamar a atenção
para o fato de que, na língua, o Tempo não é expresso pela morfologia verbal, bem como é
separado da materialização aspectual, conforme Soares (2008; 2010).
A seguir, veja exemplo90 que mostra a convivência de elementos alcançados pelo
Tempo. Esse exemplo se constitui em sentença da língua, a partir de produção espontânea de
falante nativo, coletada por Soares durante a realização de estudo de campo.
Trecho de narrativa mítica
Naturü yeguma ye(ma) na-taã-gu
Então, mas naquele tampo/quando (PAS) lá (PAS) 3P-jogar-LOC
ga guma norü woweru rü
X (PAS) aquele (PAS) 3P POSS flauta TOP
Mutchicutü – ü ni-nha
nome de um pássaro –DATIVO 3P-transformar
(Mas quando lá ele (Yoi) jogou aquela flauta dele, ela em Mutchicutü se transformou.)
90 Disponível em Soares (2002a, p.3; 2005, p. 156; 2008, p. 60; 2017, p. 300).
182
‘Mas quando ele (Yoi) jogou aquela sua flauta, ela se transformou em Mutchicutü.
Segundo Soares, os dados da língua Tikuna possibilitam postular a existência de um
sintagma temporal (TP) que atuaria como operador sentencial. A autora (2002a, p.4; 2002b, p.
16; 2005, p.158; 2008, p.60; 2017, p.302) apresenta uma possível representação da situação
encontrada em seus dados, conforme podemos visualizar abaixo.
TP como operador sentencial
(diagrama em árvore em sintonia com os dados da língua Tikuna
XP
TP XP
No diagrama, T, que se encontra no interior de um sintagma temporal (TP) não
ramificado, é um elemento adjungido com escopo sobre a oração.
Na língua Tikuna, o Tempo funciona como operador sentencial e se manifesta por meio
de elementos que se encontram no interior da sentença. Conforme Soares (2008, p. 60), “na
qualidade de operador, o Tempo em Tikuna também alcançará formas linguísticas marcadas
pela materialização de noções aspectuais. ”
Soares (2017), ao retomar e avançar em relação a Soares (2005), diz que é importante
considerar a interação entre tempos que pertencem a orações relacionadas na língua Tikuna,
para que algumas verificações sejam realizadas e para que respostas a algumas questões sejam
obtidas, no sentido de saber se em uma oração considerada encaixada haveria: 1. tempo
específico no passado ou tempos passados arbitrários; 2. tempo passado que poderia ou deveria
ser anafórico; 3. uma verdadeira operação de sequenciamento temporal.
Quanto aos pontos acima, Soares (2017) enfatiza que o ponto 1 é crítico para uma teoria
do Tempo que estivesse ligada puramente à lógica, uma vez que esta não poderia captar, por
meio de operadores, um tempo específico no passado, tendo como causa o fato de ter que lidar
com tempos passados arbitrários. Por outro lado, aquelas que lidam com tempos específicos no
passado sairiam em vantagem. Quanto ao ponto 2, a pesquisadora revela que esse é relevante
para determinar a existência de um tempo concebido como zero ou como traços em categoria
funcional. Já em relação ao ponto 3, esse está diretamente relacionado à comprovação da
existência ou inexistência de um mecanismo de identificação gramatical por meio do qual é
183
possível obter a concordância de uma oração complemento e o tempo de uma oração matriz. A
esse respeito, Soares (2005, 2017) apresenta dados91 que revelam a interação entre tempos que
pertencem a orações relacionadas, conforme se pode ver abaixo:
Pedru nü-' ü i u-gu rü Maria i-ããcü
Pedro 3P-DATIVO x contar, narrar-LOC TOP Maria 3PF-engravidar, ter filho
(Na narração de Pedro, Maria está grávida)
‘Pedro disse que Maria está grávida’
Pedru nü-' ü i u-gu rü Maria yeguma
Pedro 3P-DATIVO x contar, narrar-LOC TOP Maria naquele tempo (PAS)
rü i-ããcü
TOP 3PF-engravidar, ter filho
Tradução mais próxima: “Na narração de Pedro, com respeito a Maria naquele tempo passado, ela estava
grávida.
O emprego de yeguma ‘naquele tempo (PAS)’ na sentença acima não ocorreu por esse
estar vinculado a um suposto verbo finito de uma oração matriz. O que ocorreu foi um evento
matriz que contém um tópico com uma sentença nominalizada e o dêitico alcançado pelo tempo
yeguma vincula a interpretação de que Maria está grávida diretamente a um tempo passado, o
que significa que Maria estava grávida no tempo passado e que, no momento presente, não está
mais.
Pedru nü-' ü ni-u Ilda ta iya- u
Pedro 3P-“DATIVO” 3P-contar, narrar Hilda não agora 3PF-ir
Tradução mais próxima: Pedro contou: “Hilda irá embora”
Tradução ‘livre’ para o português: ‘Pedro disse: “Hilda irá embora”’
91 Disponíveis em Soares (2005, p. 159; 2017, p. 303-304)
184
A oração92 acima constitui um discurso direto, em que o uso de ta ‘não agora’ retira o
enunciado do momento da fala (cf. SOARES, 2000, p. 115).
Abel nü-' ü i u-gu ã rü
Abel 3P-“DATIVO” x conta,narrar-LOC INC93 TOP
Yutche marüma i-ni- u ega
José já ASP-3P-ir HIP
Tradução mais próxima: Na possível narração provavelmente de Abel, José
supostamente já estava indo embora’
Tradução ‘livre’ para o português: “Abel disse que José estaria indo embora’
Quanto à oração acima94, a ação de ir do José é passada, devido ao uso do advérbio
marüma ‘já’, e está caracterizada por uma progressividade aspectual, apresentando-se como
hipotética, por conta da existência da partícula ega.
A partir dos dados acima, que apresentam as orações relacionadas, Soares (2017) propõe
que, na segunda oração introduzida, trabalha-se regularmente com um tempo específico. Tal
proposta responde a questão (1) expressa acima. No que diz respeito ao tempo passado que
deveria ou poderia ser anafórico, conforme se indagou na questão (2), o fato de uma segunda
oração, a qual pode ser vista como encaixada em uma oração mais alta, apresentar sempre um
tempo específico, - e não um tempo que depende formalmente do tempo da oração mais alta-
configura-se como um indicativo para a ausência, na língua Tikuna, de tempo passado anafórico
resultante de uma relação entre orações. No par de dados95 abaixo, em que a primeira oração é
idêntica, não é a primeira oração que apresenta um tempo que possa ser considerado como
antecedente para o tempo da segunda oração, ao contrário, o que acontece aí é a fixação de um
quadro temporal, ou ainda, aspectual, para a segunda oração, conforme pode ser visualizado
abaixo.
92 Disponível em Soares (2005, p. 160; 2017, p. 304). 93 Conforme Soares (2017), a partícula ã INC (incerteza) indica que alguém falou algo, mas não há certeza quanto
a quem falou nem quanto àquilo que foi falado. 94 Disponível em Soares (2005, p. 160; 2017, p. 304). 95 Disponível em Soares (2005, p. 160; 2017, p. 305).
185
Pedru na-gu na-rüinü ã: “Maria rü iya-u ta”
Pedro 3P-LOC 3P-pensar INC Maria TOP 3PF-ir não-agora
(Talvez Pedro possivelmente dentro dele pensou: “Maria vai embora”)
Pedro pensou: “Maria irá embora”
Pedru na-gu na-rüinü ã: Maria rü i-u ega
Pedro 3P-LOC 3P-pensar INC Maria TOP 3PF-ir não-agora
(Talvez Pedro possivelmente dentro dele pensou: Maria, ela supostamente vai embora)
‘Pedro pensou: Maria vai embora (supostamente) / Pedro pensou que Maria iria embora.’
Na primeira oração do par de orações acima, a ‘ida de Maria’, presente na segunda
oração, é retirada do momento da enunciação por meio de ta ‘não-agora’. Já na segunda oração
desse par, ‘a ida de Maria’, que pode ser traduzido para o português por um futuro do passado,
é, na realidade, uma hipótese. Conforme Soares (2017), esses fatos contestam a ideia de um
tempo zero, de natureza anafórica, em Tikuna, tendo em vista que um suposto tempo zero não
teria aí como receber traços de um antecedente temporal.
Há, segundo Soares (2017), a confirmação da existência de tempos específicos quando
estão em jogo tempos em orações relacionadas e a negação da existência de um tempo zero,
anafórico. Diante disso, ganha força um investimento na concepção do Tempo (Tense) como
traço em uma categoria funcional, considerando-se a transmissão temporal a partir desse ponto
de vista. A pesquisadora reconsidera dados importantes para o sequenciamento temporal (SOT)
a partir dessa ótica, com enfoque na questão (3) mais acima.
Veja, abaixo, sentenças96 gramaticais em Tikuna e que apresentam construção com
tópico. Essas sentenças têm o predicado demarcado por ta ‘não-agora’, que retira o enunciado
do momento da fala e permite que, no interior de cada sentença, se possa trabalhar com itens
que correspondem a ‘amanhã’ ou a ‘ontem’, conforme Soares (2000, p. 115).
96 Disponíveis em Soares (2005, p. 163; 2017, p. 306).
186
Maria rü ta ti-u i mo´ü
Maria TOP não agora 3PF/C-ir x amanhã
‘Maria irá embora amanhã’
Maria rü ta ti-u i ine
Maria TOP não agora 3PF/C-ir x ontem
‘Maria foi embora ontem’
Os dados analisados por Soares apontam, assim, para a não ocorrência de SOT em
Tikuna. Isso porque, conforme a pesquisadora, “não há evidências, no que poderia ser uma
sentença encaixada, de engatilhamento de concordância com o tempo de uma oração matriz
através de um mecanismo de identificação gramatical” (SOARES, 2017, p. 306).
Para finalizar essa seção, no que diz respeito ao Tempo, ainda resta enfatizar que, no
interior da sentença, estão determinados elementos que estão no seu escopo, no entanto, esses
elementos não estão no verbo e têm o seu alcance limitado à própria sentença. Em Tikuna, não
há imposição de concordância temporal entre uma oração principal e uma oração complemento.
Tal fato é compatível com uma característica importante do Tikuna, qual seja: a de ser uma
língua que não apresenta SOT.
Ao que tudo indica, há que se estudar cada língua particular de modo a verificar qual o
leque de categorias funcionais que essa língua utiliza e o modo como tais categorias são aí
organizadas.
6. 3 A ESTRUTURA DA LÍNGUA TIKUNA E A VARIDADE DO PORTUGUÊS TIKUNA
Para analisarmos a variedade de português falada pelos professores Tikuna, mister se
fez que, primeiramente, efetivássemos uma revisão acerca dos estudos realizados a partir da
língua Tikuna, tal como ela é falada no Brasil. Essa revisão foi feita tendo em vista nossa busca
por testarmos a primeira de nossas hipóteses, que é a de que ao adquirirem o português como
L2, os professores se valem de regras/restrições da sua língua materna.
Diante disso, na seção 6.1, iniciamos o estudo sobre a estrutura da língua Tikuna, a
começar por sua organização fonológica. Tal fato nos possibilitou conhecer aspectos da
gramática Tikuna que auxiliaram na análise dos dados de nossa investigação, conforme poderá
ser visto na seção 7.1.
187
Já na seção 6.2, focamos nossa atenção nos aspectos morfológicos e sintáticos da
língua Tikuna, com vistas a analisarmos, na variedade do Português Tikuna, possível
interferência da estrutura da L1 na língua-alvo, no que diz repeito, por exemplo, à flexão de
gênero no interior do SN, à marcação (ou não) de concordância verbal, à ordem sintática, dentre
outros fenômenos, conforme análise presente na seção 7.2.
Enfim, neste capítulo, fizemos uma revisão, com base, principalmente, em Soares, das
características da língua Tikuna, relevantes para a identificação de traços particulares
relacionados a possíveis mecanismos de transferência da L1 no uso do português como segunda
língua pelos participantes de nosso estudo, conforme poderá ser visto no capítulo a seguir.
188
CAPÍTULO 7 - ASPECTOS DA VARIABILIDADE
LINGUÍSTICA DO PORTUGUÊS TIKUNA
Este capítulo da tese tem a intenção de registrar a variedade ou variedades que a
comunicação verbal interétnica dos professores Tikuna assume em virtude das diferenças que
o tipo de contato imprime em cada professor e/ou nesse grupo de professores.
A gama de situações linguísticas que abarca os professores Tikuna se configura como
um continuum que vai desde os falantes com menos fluência bilíngue até os indivíduos com
uma maior fluência bilíngue, mais próximos da variedade padrão, conforme poderá ser visto na
seção 7.3.
A variação linguística observada abrange os níveis fonético-fonológico e
morfossintático. Alguns fenômenos variáveis serão delineados a fim de que se cumpram os
objetivos do trabalho, que é o de registrar, analisar e caracterizar a variedade do português de
contato falada por professores Tikuna. O registro e a análise possibilitam-nos, ainda, verificar
a existência de falantes que utilizam uma variedade próxima de estágios iniciais de aquisição,
de falantes que estão em estágio mediano e aqueles que estão em estágio avançado de aquisição
e utilizam uma variedade mais próxima do português brasileiro padrão.
A gama desses fenômenos varáveis permite verificar o continuum que caracteriza o
português Tikuna, e que é a marca linguística da identidade desses falantes. Neste capítulo,
portanto, apresentamos o registro de alguns fenômenos fonético-fonológicos e morfossintáticos
variáveis, identificados nas falas dos vinte e três professores Tikuna participantes da pesquisa,
analisando-os com vistas a responder o que caracteriza essa variedade de português falada por
esses professores Tikuna.
Além disso, na subseção 7.4.1, apresentamos a análise da variação /s/ em posição de
onset, levando em consideração a variável linguística contexto seguinte e as variáveis sociais
eleitas neste trabalho: gênero, faixa etária, escolaridade, localidade, grau de contato e fluência,
com vistas a entender fatores sociais que podem motivar essa variação. E, na subseção 7.4.2,
apresentamos a análise sobre a variação na concordância de primeira pessoa verbal, e, como
fator linguístico condicionante da variação em estudo, postulou-se, no nível de discurso, a forma
de interação linguística. As variáveis sociais eleitas foram as já citadas anteriormente.
Conforme evidenciamos na metodologia, os corpora analisados se constituem de
gravações espontâneas dos professores Tikuna que atuam na educação básica, tendo sido
189
computadas nove (09) horas, quinze (15) minutos e trinta e seis (36) segundos de gravação, das
quais foram extraídos os dados para descrição e análise, que apresentamos a seguir.
7.1 VARIAÇÃO NO ÂMBITO FONÉTICO-FONOLÓGICO
A língua Tikuna possui um sistema tonal, apresentando oposição entre dois tons, um
alto e um baixo e, ainda, um tom médio, que funciona como especificação default. (cf. Soares,
2001).
O inventário fonológico do Tikuna apresenta as obstruintes /p t k b d g tʃ dʒ /, o rótico
/ɾ/, a semivogal /w/ e as nasais /m n ɲ ɳ/. Há, ainda, as vogais orais /a i e u o ɨ / e as nasais /i ɨ ã
õ/ (cf. Soares, 1984, 2000). Há a ausência das sibilantes /s z /, das chiantes /ʃ ʒ / e das laterais,
tanto a alveolar /l/ quanto a palatal / ʎ/.
A respeito da ausência das sibilantes e chiantes em Tikuna, já havia essa menção no
texto de Curt Nimuendajú (1982, p.206), que se refere à língua Tikuna como tendo “frequência
de vogais guturais, [...] ausência de conjucção de consoantes e de todos os sibilantes (s, z, ch,
j)”. Essas e outras especificidades da língua Tikuna, as quais apresentamos no capítulo 6, nos
subsidiam em nossa análise acerca da variedade do português falada pelos professores Tikuna.
No gráfico abaixo, evidenciamos alguns fenômenos fonético-fonológicos identificados a partir
das falas dos participantes, dos quais extraímos exemplos para análise. Ao todo, identificamos
1.934 ocorrências e, ainda que o número de ocorrências de alguns fenômenos nos corpora
analisados seja muito pequeno, cumpre-nos registrá-los porque alguns deles são pouco
recorrentes (ou não ocorrem) no PB falado em outras regiões do país, o que confirma uma de
nossas hipóteses. Além disso, com base nesses registros, novas pesquisas podem ser suscitadas,
tendo em vista que saber ou registrar quem fala um determinado fenômeno e onde esse
fenômeno é falado se constitui em um importante dado para pesquisas no campo da variação.
190
Gráfico 8: Quantidade de ocorrência de fenômenos fonético-fonológicos por pessoa
Ao visualizarmos o gráfico, podemos constatar que a quantidade de ocorrências dos
fenômenos variáveis é superior entre as pessoas de gênero masculino, pertencentes à faixa 2,
ou seja, foram os homens mais velhos quem mais manifestaram ocorrências de variantes tidas
como não padrão no PB. Para melhor visualização desse quantitativo por gênero, veja gráfico
abaixo.
Gráfico 9: Quantidade de ocorrência de fenômenos fonético-fonológicos por gênero
0
100
200
300
400
500
600 553
363
203
154126
10184
66 60 57 49 39 36 36 35 34 31 29 20 18 17 13 5
Fenômenos Fonético-Fonológicos X Participantes
256
1678
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
Feminino Masculino
Fenômenos Fonético-Fonológicos x Gênero
191
De todas as ocorrências de variantes fonético-fonológicas registradas por nós em
nossos corpora, 86% foram produzidas por homens, enquanto que apenas 14%, por mulheres.
Ainda que o quantitativo de mulheres seja menor que o dos homens em nossa amostra, quando
analisadas individualmente as variantes nas gravações, percebe-se, de modo geral, uma baixa
frequência de variação entre as mulheres, em comparação com os homens, com perfis
parecidos. Em relação à variação linguística entre homens e mulheres, muitos registros de
pesquisas em Sociolinguística evidenciam o uso mais frequente, por mulheres, das formas não
estigmatizadas, como, por exemplo, Labov (2008), afirma que: “na fala monitorada, as
mulheres usam menos formas estigmatizadas do que os homens e são mais sensíveis do que os
homens ao padrão de prestígio” (LABOV, 2008, p. 282).
A seguir, apresentamos fenômenos fonético-fonológicos registrados a partir da fala
dos participantes que compõem esta pesquisa, buscando-se explicar se essas ocorrências são
motivadas por transferência e/ou interferência da L1 ou por outra possível motivação.
7.1.1 Tendência à inexistência de contraste fonológico no âmbito das consoantes contínuas
coronais
Inicialmente, no que diz respeito ao âmbito das consoantes contínuas coronais, cabe-
nos realizar algumas observações. Conforme Clements & Hume (1995), o traço [contínuo] está
diretamente ligado ao nódulo Cavidade Oral, não sendo, por isso, traço subarticulatório de
nenhum outro. Já o traço [coronal] é dependente direto, em se tratando de consoantes, do nódulo
PAC (Ponto de Articulação Consonantal), também chamado Ponto-de-C e possui os seguintes
traços subarticulatórios: [± anterior] e [± distribuído].
Esse sistema de traços é gerativo e derivacional, portanto, tem que dar conta, tanto de
representações subjacentes, quanto de representações derivadas. Dessa forma, em termos
teóricos, os valores dos traços subarticulatórios de [coronal] para segmentos coronais contínuos
ou africados são os seguintes:
[s] , [ts], [z], [dz]: [+anterior, - distribuído]
[], [], [], []: [-anterior, + distribuído]
[ʂ], [tʂ], [ʐ], [dʐ]: [-anterior, - distribuído]
192
Em nossos dados, identificamos a tendência à inexistência de contraste, no âmbito das
consoantes contínuas coronais, entre os valores positivo e negativo dos traços subarticulatórios
de coronal [ anterior] [ distribuído]. Tal fato resulta na ausência de contraste/oposição entre
as chamadas fricativas alveolares e as fricativas palato-alveolares em posição de abertura de
sílaba, que se realizam conforme evidenciamos a seguir.
- Com oscilação do traço subarticulatório [anterior] e implementação fonética da retroflexão
[+anterior] [-anterior]
[s] ~ [ʂ]
7.1.1 a) ... vai co[ɾ]ocar de nome de [ʂ]egundo em português... a[ʂ]im que é. (O.B.A./54.
MASC.)
7.1.1 b) .... maioria fazer a... trabalho na ro[ʂ]a. (E.A.L./29. FEM.)
[+anterior] [-anterior]
[z]~ [ʐ]
7.1.1 c) ... tô no quinto período graças a deu[ø] que nunca de[ʐ]isti, né? (M.F.C./41. MASC.)
7.1.1 d) Eu sou professor de educação fí[ʐ]ica. (J.O.C./29. MASC.)
- Com oscilação em relação ao traço subarticulatório [distribuído] e implementação fonética
da retroflexão:
[+distribuído] [-distribuído]
[ʃ] ~ [ʂ]
7.1.1 e) ... aí que [ʂ]amou de mim pra levar aqui no município. (F.A.D./56. MASC.)
7.1.1 f) ... [ʂ]egou daqui na comunidade primeiro. (A.C.A./43. MASC.)
[+distribuído] [-distribuído]
[ʒ] ~ [ʐ]
193
7.1.1 g) ... dois via[ʐ]em que nós fi[ʐ]emo[ø]. (W.A.S./51. MASC.)
7.1.1 h) ... ele também ajeitar a nossa igre[ʐ]a (J.M.G./40. MASC.)
Além das realizações acima, também detectamos, mesmo que com frequência muito
reduzida, ocorrências em que as chamadas fricativas palato-alveolares se realizam como
fricativas alveolares, em que há oscilação dos dois traços subarticulatórios de coronal [anterior]
[distribuído], conforme ilustramos abaixo.
[-anterior, +distribuído] [+anterior, -distribuído]
[ʒ] ~[z]
7.1.1 i ) ...aí eu terminei através desse curso eu terminei o terceiro ano que é ma[z]istério né da
OGPTB (B.S.G./56. FEM.)
7.1.1 j) ... aquele professor de Luís [z]osias aí até eu fez sétimo ano aí também com ele mesmo.
(J.G.M./29. FEM.)
7.1.1 k) Qualquer lo[z]a eu perguntei. (W.A.S./51. MASC.)
[-anterior, +distribuído] [+anterior, -distribuído]
[ʃ] ~ [s]
7.1.1 l) ... vai concluir meu ensino médio lá na escola estadual Nilce Ro[s]a Coelho (J.O.C./29.
MASC.)
7.1.1 m) ... eu queria [s]egar diante... isso que meu sonho (L.F.D./27. MASC.)
Conforme evidenciamos na seção 6.1.1, as consoantes fricativas alveolares /s/, /z/ e as
consoantes fricativas palato-alveolares /ʃ/, /ʒ/ não compõem o inventário fonológico da língua
Tikuna. Ainda em relação ao quadro de fonemas consonantais do Tikuna, cabe reiterar que o
fonema /ts/ congrega a realização alternante [ʂ] e o fonema /dz/ congrega a realização alternante
[ʐ].
O fato de, no quadro fonológico da língua Tikuna, haver ausência dos segmentos
consonantais /s/, /ʃ/, /z/ e /ʒ/ é, em nossa análise, uma possível explicação para que, nos dados
de fala de nosso corpus, tenhamos identificado a tendência à inexistência de contraste, no
âmbito das consoantes contínuas coronais, entre os valores positivo e negativo dos traços
subarticulatórios de coronal [ anterior] [ distribuído]. Entendemos que há uma interferência
194
sistêmica/estrutural da língua Tikuna atuando sobre o sistema do português, o que favorece a
tendência à ausência desse contraste.
Essa interferência se mostra elevada entre os falantes situados nos pontos mais baixos
do continuum e sofre uma diminuição ou anulação entre os falantes que se situam nos pontos
mais altos do continuum. Esse é um fato comum em falantes que estão em um processo contínuo
de aquisição de L2, como é o caso dos professores Tikuna participantes de nosso estudo.
Cabe reiterar que as realizações apresentadas nessa seção, ainda que sem a ligeira
retroflexão identificada em nossos dados, já foram registradas em outras variedades de
português indígena, como no Português Timbira (cf. Amado, 2015), no Português Latundê (cf.
Amorim, 2015) e no Português Xerente Akwe (cf. Braggio, 2015). Tal fato confirma nossa
quarta hipótese.
7.1.2 Palatalização Fonemas Africados
Tendo em vista que a passagem de um segmento alveolar a uma africada retroflexa é
um processo de palatalização, dentre os fenômenos identificados na fala dos professores
Tikuna, encontram-se a palatalização de fonemas africados desvozeados e a palatalização de
fonemas africados vozeados, conforme pode ser visualizado abaixo.
- Palatalização de fonemas africados desvozeados (com ligeira retroflexão)
7.1.2 a) ... por isso que con[tʂ]inua aí. (M.F.C./41. MASC.)
7.1.2 b) ... duran[ʈʂ]e cinco ano[ø] parado a minha estudo. (F.A.D./56. MASC.)
- Palatalização de fonemas africados vozeados (com ligeira retroflexão)
7.1.2 c) Boa tar[dʐ]e, professora. (A.C.A./43. MASC.)
7.1.2 d) ...com não in[ɖʐ]í[ʐ]ena pode falar a língua portuguesa porque também ele não
entende.
Tal como acontece com o fenômeno que evidenciamos na seção anterior, aqui, quanto
à palatalização de fonemas africados, percebemos uma interferência do padrão articulatório
nativo. Essa interferência, no entanto, não deve ser vista como transferência negativa, mas como
195
um processo natural que ocorre em aquisição de segunda língua. A ocorrência desse fenômeno
só foi notada entre falantes mais velhos e que estão nos pontos mais baixos do continuum.
7.1.3 Supressão de Segmento (Travamento de Sílaba)
Conforme Soares (1986), a única consoante que pode ocupar a posição de coda em
língua Tikuna é a glotal /ʔ/, não sendo lícito às outras consoantes a ocupação de tal posição. É
possível que, na tentativa de adaptar ao padrão da L1, alguns professores Tikuna, falantes de
língua portuguesa como L2, apagam o segmento consonantal quando em posição de coda, seja
medial ou final, conforme apresentaremos a seguir.
- Supressão de /s/ em posição de coda final após glide palatal /ј/
7.1.3 a) ... no quinto ano que eu fui começou estudar em portuguê[ј] e no língua Tikuna ãhã.
(J.G.M./29. FEM.)
7.1.3 b) ... aí depo[ј] dessa daí nunca estudei na língua Tikuna aqui. Já só no português.
(J.M.G./40. MASC.)
7.1.3 c) Eu terminei ensino médio do[j] mil e sete. (E.D.I./33. MASC.)
7.1.3 d) ... lá fala ma[ј] de nossa língua. (N.C.F./42. FEM.)
- Supressão de /s/ em posição de coda final (outros contextos)
7.1.3 e) ... cinco professore[ø] não indígena e três professore[ø] Tikuna. (N.C.FR./28. FEM.)
7.1.3 f) Nós somo[ø] cinco município[ø] fazendo toda a participação. (B.C.C./35. FEM.)
7.1.3 g) Nó[ј] estudamo[ø] aqui Escola Nossa Senhora da Assunção. (H.Z.M./34. MASC.)
7.1.3 h) ... lugar do igarapé de camatiã moramo[ø] de muito tempo. (O.B.A./54. MASC.)
- Supressão de /s/ em posição de coda medial
7.1.3 i) ... na cidade estudo é língua só português... não exi[ø]te é... língua Tikuna (J.O.C./29.
MASC.)
7.1.3 j) ... assim me[ø]mo nós vai seguir a caminho. (P. B.M./33. MASC.)
7.1.3 k) ... abre a conta quando gente fazer empré[ø]timo (W.A.S./51. MASC.)
196
7.1.3 l) ... onde estudei era mais trabalhada a língua portuguesa me[ø]mo (B.C.C./35. FEM.)
- Supressão do /r/ em coda medial
7.1.3 m) ... aí não tem de ve[ø]gonha de fa[ɾ]ar de portuguê[ј]. (O.B.A./54. MASC.)
7.1.3 n) ... Ja[ø]dim um e dois durante [ʂ]inco ano[ø] pra trabalhar. (Z.L.S./48. FEM.)
7.1.3 o) Na ve[ø]dade eu... eu não conseguiu muitos anos. (E.A.L./29. FEM.)
7.1.3 p) Eu trabalho como professor de info[ø]mática também. (J.O.C./29. MASC.)
Em relação às supressões acima, em nosso entendimento, ainda que algumas sejam
parecidas com aquelas realizadas por um falante nativo de PB, outras não o são e podem ser
motivadas pela restrição existente em Tikuna de realização fonética de consoantes ocupando a
posição de coda silábica. É possível, pois, que, na tentativa de adaptar ao padrão da L1, alguns
professores Tikuna, falantes de língua portuguesa como L2, apagam o segmento consonantal
quando em posição de coda, seja medial ou final.
No que diz respeito ao apagamento das consoantes /s/ e /r/ pós-vocálicas em coda
silábica, muitos estudos têm evidenciado que esse é um processo bastante comum no PB, seja
em posição de coda medial ou final. Como já dissemos, porém, em certos contextos, esse
apagamento que ocorre em alguns itens lexicais produzidos pelos professores Tikuna, ou não
ocorre em PB ou é menos esperado, conforme exemplos 7.1.3 b, 7.1.3 c, 7.1.3 e, 7.1.3 i, 7.1.3
m, 7.1.3 n, já exemplos como os 7.1.3 f e 7.1.3 g evidenciam ocorrências já categorizadas no
PB e replicadas pelos falantes Tikuna.
Quanto à queda de /r/ medial, Mollica (1997), ao analisar dados de informantes do
Alto Xingu, verifica que esses informantes manifestam baixa taxa de cancelamento deste
segmento. A maior frequência se manifesta no primeiro estágio de fluência e, no segundo
estágio, ocorre uma considerável redução, chegando a um índice muito baixo de aplicação no
terceiro estágio. Em nossa amostra, a queda desse segmento em posição de coda medial ocorreu
com uma pequena frequência, ocorrendo apenas entre poucos falantes do primeiro e segundo
estágios.
Além da supressão de /s/ e /r/ em posição de coda final, também identificamos em
nossa amostra, ainda que em número bastante reduzido, a ocorrência da supressão de /r/ em
grupo consonantal, conforme exemplificamos a seguir.
197
- Supressão de /r/ e /l/ para desfazer onset complexo (síncope de /r/ e /l/ em onset complexo)
7.1.3 q) ... com vereadores p[ø]ecisei mas só que ele não ajuda a gente assim na necessidade
(E.D.I./32. MASC.)
7.1.3 r) ... padrinho também co[ɾ]ocar de nome de próp[ø]io. (O.B.A./54. MASC.)
7.1.3 s) ... ensinar com discip[ø]ina de oito matéria[ø]. (A.C.A./43. MASC.)
Os falantes que realizaram a supressão de /r/ e/l/ para desfazer onset complexo são os
que se encontram nos níveis mais baixos e medianos do continuum e fazem parte do grupo que
realiza maior número de ocorrências de transferência de L1 para L2 nos itens lexicais
produzidos. Nesse caso, a restrição silábica CV da língua Tikuna evidencia uma nítida pressão
estrutural sobre esses falantes.
Ainda em relação à supressão de segmentos, identificamos a aférese, com supressão
do elemento vocálico /a/, como em 7.1.4 b e 7.1.4 c, mas também verificamos a supressão de
sílabas com o padrão VC, como em 7.1.4 a e 7.1.4 d.
7.1.4 Aférese
Conforme Dubois et.al. (2014), a aférese consiste em uma mudança fonética que se
manifesta por meio da supressão de elementos, variando entre supressão de um fonema, de uma
sílaba ou da parte inicial de um vocábulo. Nos dados de fala de nosso corpus, identificamos
ocorrências de aférese, tais como exemplificamos a seguir.
7.1.4 a) ... [ø]topedia que ela terminou também. (B.S.G./56. FEM.)
7.1.4 b) ... aí dois mil onze ela me colocou de novo pra mim [ø]prender bem né. (J.G.M./29.
FEM.)
7.1.4 c) ... sempre também ele me [ø]judava. (P. B.M./33. MASC.)
7.1.4 d) ... meu família agora pra [ø]frentar. (A.C.A./43. MASC.)
Segundo Mollica et.al. (1998), a aférese é um dos fenômenos diacrônicos mais
produtivos de mudança no PB. Já existia no latim, passando ao português, mantendo-se como
variação ainda hoje no estágio em que se encontra a língua portuguesa no Brasil. De acordo
198
com os autores (1998, p. 72), “no português brasileiro hodierno, as aféreses mais audíveis e/ou
mais frequentes envolvem as cadeias a- (aqui ~ Øqui), es- (estava~ Øtava) e en- (então ~ Øtão)”.
Apesar de a aférese se manifestar em muitas variedades do PB, em itens lexicais como
os citados por Mollica et.al. (1998), no Português Tikuna, essa supressão de sílaba inicial é
expandida para outros vocábulos da língua. Uma possível explicação para o fenômeno está no
fato de que no inventário fonológico do Tikuna, consoante não ocupa posição de coda, além
disso, a restrição silábica CV da língua Tikuna, conforme já mencionamos no item anterior,
evidencia uma nítida pressão estrutural sobre esses falantes, principalmente entre aqueles que
se encontram na base do continuum. Em nossa análise, tal restrição é transferida para o
português falado pelos Tikuna, conforme exemplos 7.1.4 a a 7.1.4 d.
7.1.5 Rotacismo
A ausência de laterais, tanto a alveolar /l/ quanto a palatal /ʎ/, e a presença do tepe/ɾ/
no sistema fonológico da língua Tikuna podem ser possibilitadoras da produção de rotacismo
por alguns dos falantes entrevistados, conforme exemplificamos abaixo.
7.1.5 a) ... Pau[ɾ]o Mafra primeiro chegar aqui. (Z.L.S./48. FEM.)
7.1.5 b) ... eu comecei a ler na esco[ɾ]a Eunice Rocha Coelho. (J.M.G./40. MASC.)
7.1.5 c) ... por exemp[ɾ]o, os pronomes, né? (L.J.F./37. MASC.)
7.1.5 d) ... c[ɾ]ã que eu pertenço avaí (H.Z.M./35. MASC.)
7.1.5 e) ... aí depois veio concurso púb[ɾ]ico. (N.C.FR./28. FEM.)
Apesar de o rotacismo ser um fenômeno comum no português brasileiro, a motivação
da ocorrência desse fenômeno no português falado pelos professores Tikuna pode ser outra. O
falante pode utilizar elementos estruturais da língua nativa ao falar na língua-alvo, no caso usa
o fonema /ɾ/ na L2 por conta da ausência do fonema /l/ no inventário fonológico de sua L1.
Os estudos acerca da presença de rotacismo no PB têm detectado e investigado a
ocorrência desse fenômeno na posição de ataque complexo e em coda medial (cf. Costa 2006,
2013; Aguilera, 1996; Silva et al., 2006), mas a presença de rotacismo na posição de ataque
simples, como em 7.1.5 a e 7.1.5 b não é um fenômeno muito estudado nem esperado no PB.
199
7.1.6 Lambdacismo
Outro fenômeno que identificamos em nossa amostra foi o lambdacismo. Conforme já
mencionamos anteriormente, não há, no inventário fonológico da língua Tikuna, laterais e esse
fato pode ser a motivação para que alguns professores Tikuna tenham se valido da estratégia
de hipercorreção ao produzirem alguns itens lexicais, conforme exemplificamos a seguir.
7.1.6 a) ... durante esses pe[ʎ]íodo aí eu mudei de dois casa. (E.D.I./32. MASC.)
7.1.6 b) Eu conside[l]ando língua Tikuna porque essa que língua Tikuna é meu língua
(J.O.C./29. MASC.)
7.1.6 c) ... eu era aluno dele e tinha tinha feito ma[ʐ]isté[ʎ]io. (L.J.F./37. MASC.)
7.1.6 d) A arara que tinha peito ama[l]elo. (N.C.F./42. FEM.)
7.1.6 e)... Rogé[ʎ]io que vem lá no Manaus. (Z.L.S./48. FEM.)
7.1.6 f)... na língua Tikuna significa pena p[l]eta. (E.D.I./32. MASC.)
O lambdacismo é um fenômeno oposto ao que apresentamos na seção anterior, o
rotacismo. Aqui, o falante realiza uma lateral no ambiente em que um rótico é esperado,
conforme exemplificamos acima. Em nossa amostra, o lambdacismo se apresentou em posição
de ataque silábico, como em 7.1.6 a a 7.1.6 e, e em grupos consonantais, como em 7.1.6 f.
Diante da vogal alta /i/, houve a realização da lateral palatal [ʎ] e, diante de vogais baixas ou
médias, realizou-se a palatal alveolar /l/.
7.1.7 Epêntese
Conforme apresentamos no capítulo 6, em Tikuna, os padrões silábicos são CV, V,
CVʔ e Vʔ. Ainda que, com pouca frequência em nossa amostra, identificamos ocorrências de
epêntese, em que foram efetuados acréscimos da vogal alta anterior após consoantes fricativas,
conforme exemplos abaixo.
7.1.7 a) ... aí depoi[zi] de outro ano fim do ano mês de janeiro assim é já ganhar só sessenta
reais (F.A.D./56. MASC.)
7.1.7 b) Só português que eles dominavam né mai[zi]. (B.S.G./56. FEM.)
7.1.7 c ) ... quando pa[ʂ]ar de um mê[ʐi]... aí vai procurar de outro... (O.B.A./54. MASC.)
200
A inserção de uma vogal após segmento consonantal, que deveria ocupar a coda
silábica, demonstra uma nítida pressão estrutural em favor do padrão CV.
7.1.8 Africação
No conjunto de dados investigados por meio de nosso estudo, foi possível identificar
a africação de consoante fricativa pós-alveolar, fricativa alveolar e oclusiva alveolar, conforme
se pode visualizar nos trechos abaixo.
[ʒ] ~ [dʐ]
7.1.8 a) ... cuidava filho da [dʐ]ussara. (J.G.M./29. FEM.)
7.1.8 b) ... aí não tinha outro professor pra [ɖʐ]ente estudar pro quinto, né? (N.C.F./42. FEM.)
[s] ~ [tʂ]
7.1.8 c) Na verdade, são os professores que que têm suas próprias ini[tʂ]iativas. (L.J.F./37.
MASC.)
[d] ~ [dʐ]
7.1.8 d) ... pai e mãe vai pagar pra ele pra poder dava aula pro seu filho, enten[dʐ]eu
professora? (P. B.M../33. MASC.)
A ocorrência das formas que demonstramos nos exemplos 7.1.8 a a 7.1.8 b também
foram identificadas, ainda que sem a ligeira retroflexão, no português Latundê (cf.Amorim,
2015).
Pesquisadores têm identificado e analisado a palatalização das consoantes oclusivas
alveolares /t/ e /d/ diante de /i/ tônico em diferentes regiões do Brasil, a exemplo de Bisol e Da
Hora (1993), Da Hora (1999), Abaurre e Pagotto (2002), Pagotto (2004), Brandão (1997), Bisol
(1986), Cruz (2004), para citar alguns.
Diferentemente desse contexto fonético, Cristófaro Silva (2003) apresenta dados que
evidenciam a ocorrência de africadas em neologismos que contam com a vogal posterior a /t/ e
/d/ diferente de uma vogal alta anterior, como em tchutchuca ou Djavan. Conforme a
pesquisadora, além de ocorrerem em neologismos, africadas seguidas de outras vogais,
diferentes de [i] também ocorrem em casos de epêntese entre uma oclusiva e uma fricativa,
201
como em adjetivo ou coadjuvante. Nesses casos, segundo a pesquisadora, há interação do
fenômeno de palatalização com a epêntese.
Ainda em relação à ocorrência de africadas seguidas de vogais diferentes de [i],
Cristófaro Silva (2003) evidencia que estas podem apresentar alternância com ditongos
crescentes, como por exemplo, sí[tʃju] ou sí[tʃu]. Aqui, de acordo com a pesquisadora, há a
interação do fenômeno de palatalização com o cancelamento de glide palatal em ditongos
crescentes.
Santiago-Almeida (2000) e Souza (1999), ao analisarem dados de fala da cidade de
Cuiabá, verificaram a ocorrência das africadas [tʃ] e [dʒ] onde eram esperadas as fricativas pós-
alveolares [ʃ], [ʒ] por exemplo, em palavras como chuva [tʃuva], chave [tʃavi], já [dʒa] e jeito
[dʒeitu]. De acordo com a análise de Santiago-Almeida (2000), a substituição de fricativas por
africadas é um fenômeno que se manifesta frequentemente na fala dos informantes que possuem
menor grau de escolaridade, independentemente da faixa etária. Nesse caso, as africadas não
têm relação com a palatalização de oclusivas alveolares, tendo em vista que estão relacionadas
com as fricativas alveopalatais. O fenômeno registrado e analisado por Santiago-Almeida
(2000) e Souza (1999), segundo eles, se restringe à cidade de Cuiabá, no entanto, guardam uma
certa aproximação com os nossos dados, ainda que a motivação, em nosso entender, seja
diferente.
Em nossa análise, a africação da consoante fricativa pós-alveolar, fricativa alveolar e
da oclusiva alveolar na fala dos professores Tikuna guarda íntima relação com os hábitos
articulatórios nativos, tendo em vista que [s] e [ʒ] não fazem parte dos sons do Tikuna e, ao ter
que produzir itens lexicais que contam com esses sons, os falantes realizam uma aproximação
com o inventário de que dispõem a partir do material de sua L1.
7.1.9 Flutuação quanto à altura das vogais
Verificou-se, nos dados de fala do grupo Tikuna investigado, a ocorrência de flutuação
quanto à altura das vogais, sobretudo entre vogais altas e médias, conforme exemplificaremos
a seguir e analisaremos ao final desta subseção.
- Alteamento da vogal posterior
Abaixo, evidenciamos trechos da fala dos participantes em que há ocorrência da
flutuação com alteamento da vogal posterior.
202
7.1.9 a) ... quando eu tinha [u]ze ano[ø] por aí... aí que... aí que entra um pouco parte da escola
pra mim. (L.F.D./27 MASC.)
7.1.9 b) ... depois de [u]itenta e três já fizemo[ø] de terceira série e passemo[ø] de terceira
série... (O.A.A./50. MASC.)
7.1.9 c) Eu ensinando do Matemática atravé[ø] da... uma car[u]ço, significando um car[u]ço...
(Z.L.S./48. FEM.)
7.1.9 d) ... an[tʂ]igamente do povo daqui dos [tʂ]ikuna só pra fa[ʐ]er uma... fa[ʐ]er uma
can[ʊ]a (canoa) e b[u]sa (bolsa) pra tecer aí... (A.C.A./43. MASC.)
- Alteamento da vogal anterior
Abaixo, evidenciamos trechos da fala dos participantes em que há ocorrência do
alteamento da vogal anterior.
7.1.9 e) ... sabia falar só que eu não sabia escr[i]ver eu sabia falar minha língua materna
(B.S.G./56. FEM.)
7.1.9 f) ... naquela época nós temo[ø] dúvida mesmo só que nós entend[i]mo. (H.Z.M./35.
MASC.)
7.1.9 g) ... quem me escolh[i]u como cargo de professor é meu professor. (W.A.S./51. MASC.)
- Abaixamento da vogal posterior
A seguir, evidenciamos trecho da fala de um participante em que há abaixamento da
vogal posterior
7.1.9 h) Então [duј] mil e dez faz c[o]rso de público e para passar como professor. (O.B.A./54.
MASC.)
- Abaixamento da vogal anterior
Abaixo, evidenciamos trechos da fala dos participantes em que há ocorrência de
abaixamento da vogal anterior.
203
7.1.9 i) ...significa p[ɛ]na cai. (J.O.C./29. MASC.)
7.1.9 j) ... agora nesse tempo lá água não tem nada o rio tá todo s[ɛ]co (L.F.D./27. MASC.)
Em nossa análise, a variação observada entre a realização das vogais do português
padrão e do português de contato Tikuna (PT) pode ser explicada levando-se em consideração
a diferença existente no traço de abertura vocálica dos sistemas da língua portuguesa e da língua
Tikuna, conforme pode ser visualizado no quadro abaixo.
Quadro 1097: Sistema vocálico da língua Tikuna x sistema vocálico da língua portuguesa
LT LP
Altura Anterior Central Posterior Anterior Central Posterior
Alta /i/ /ɨ/ /u/ /i/ /u/
Média-
Alta
/e/
/o/
Média-
Baixa
/ɛ/
/ɔ/
Baixa /e/ /a/ /o/ /a/
Ao visualizarmos o quadro acima, que leva em consideração a análise fonêmica do
tikuna e do português, podemos verificar, no que diz respeito ao traço de abertura, que em
Tikuna, há três fonemas vocálicos baixos, em contraste com o português, que conta com apenas
um fonema vocálico nessa mesma posição; por outro lado, o sistema vocálico do PB conta com
quatro vogais médias, diferentemente do Tikuna, que não apresenta nenhum fonema nessa
posição. Cabe ainda, ressaltar que, diferentemente do sistema vocálico do português, em
Tikuna, há a vogal central alta //.
Por entendermos que diferenças fonológicas geram implicações fonéticas, julgamos
importante também tecermos considerações acerca das diferenças entre as realizações vocálicas
em Tikuna e em português. Para tanto, replicamos, inicialmente, o quadro abaixo, em que
podem ser visualizadas as áreas vocálicas das duas línguas já mencionadas.
97 Elaborado a partir de Soares (1986) e Bisol (2001).
204
Figura 13: Áreas vocálicas do Tikuna e do português
Fonte: Disponível em Soares (1984, p. 157)98
A partir de agora, discorremos acerca das diferenças significativas entre os sistemas
vocálicos e suas realizações em Tikuna e em Português. Inexiste, em Tikuna, o som vocálico
médio alto anterior [e], existente em Português; em Tikuna, o fonema vocálico /e/ apresenta
como única realização fonética o som vocálico médio-baixo [ɛ], já em Português, /e/ pode
apresentar as seguintes realizações fonéticas: [ɛ], [e], [i], [I]; em Tikuna, o fonema /o/ tem
apenas a realização fonética [ɔ], enquanto em Português, o fonema /o/ apresenta os seguintes
sons: [o], [ɔ], []; em Tikuna, [o] não é realização fonética do fonema /o/ e sim do fonema /u/,
outra diferença em relação ao português.
98 Área vocálica do português ----
Área vocálica do Tikuna _______
As vogais em Tikuna estão circuladas
205
Devido a essas diferenças, acreditamos que o falante, ao usar o português de contato,
ou varia livremente entre [i~e], [e~i], [u~o] e [o~u], ora alteando, ora abaixando a vogal por
influência de seu sistema nativo, ou incorpora a oposição do sistema do português.
Com uma ocorrência maior que as outras flutuações, encontra-se, em nossa amostra,
o alteamento da vogal posterior, como nos exemplos 7.1.9 a a 7.1.9 d. Com baixa frequência,
identificamos a ocorrência de alteamento da vogal anterior, como em 7.1.9 e a 7.1.9 g. Com
raríssima ocorrência, identificamos o abaixamento da vogal posterior, como em 7.1.9 h. Em
Tikuna, o fonema /u/ pode ser realizado como [o], o que, a nosso ver, pode gerar uma
interferência que resulta na flutuação com o abaixamento da vogal posterior, conforme
exemplos em 7.1.9 h.
Uma outra flutuação que identificamos foi entre [e ~ ɛ], como nos exemplos 7.1.9 i e
7.1.9 j. Em nossa análise, também essa flutuação é motivada pela ausência da vogal média /e/
no sistema vocálico Tikuna.
A explicação para esse conjunto de variações, a nosso ver, parece estar na interferência
resultante da diferença entre sistemas fonológicos em contato, no caso o Tikuna e o português.
A esse respeito, conforme Weinreich (1953), a interferência surge quando uma pessoa
bilíngue identifica um fonema da L2 em aquisição como sendo diferente do sistema de sua L1
e, ao reproduzi-lo, submete-o às regras/restrições da primeira língua.
7.1.10 Fricativização de oclusivas (Bilabial e Velar)
Abaixo, evidenciamos trechos da fala dos participantes em que há ocorrência de
fricativização, tanto da consoante bilabial quanto da velar.
[p] ~ []
7.1.10 a) ... comunidade também tem cacique e pessoal do [ϕ]olo base também. (A.C.A./43.
MASC.)
[kw] ~ []
7.1.10 b) ... do[ј] mil e [ɸ]uatro eu fazendo sétima e oitavo séria. (J.O.C./29. MASC.)
7.1.10 c) ... [ɸ]uando eu quero repassar a... a atividade pros meus... meus aluno, né?
(J.G.M./29. FEM.)
7.1.10 d) Então não era [ɸ]ualquer professor que entrava, né? (L.J.F./37. MASC.)
206
No capítulo 6, com base nos dados analisados por Soares (1986, 1995), evidenciamos
que entre os segmentos consonantais do quadro fonológico do Tikuna que são realizados de
forma alternante está o /kw/, que pode ser alternar com [kw] e [ɸw], como em [nikwɛnɛ] ‘ele caça’
e [niɸɛnɛ] ‘ele caça’.
Como se pode perceber por meio dos exemplos acima, em Tikuna, a consoante velar
labializada [kw] alterna com a fricativa labial, podendo essa última se apresentar labializada ou
não: [ɸw] ou [ɸ]. Essa alternância também se apresenta em alguns itens lexicais realizados pelos
professores Tikuna em língua portuguesa. É possível que esse seja um caso de transferência de
um padrão articulatório nativo para a L2, tanto da velar [kw], quando da bilabial [p], tendo em
vista que, conforme Jakobson, Fant e Halle (1952), os sons labiais e velares compartilham uma
propriedade, que é a gravidade. Tal compartilhamento propicia essa alternância. Esse fenômeno
ainda não foi verificado em nenhuma variedade de PB, o que confirma nossa segunda hipótese
de trabalho.
7.1.11 Redução de Ditongo (Monotongação)
Abaixo, evidenciamos trechos da fala dos participantes em que há ocorrência de redução
de ditongo (monotongação), tanto em posição de coda medial, quanto final.
7.1.11 a) ... aí fizer[ʊ] uma reunião que é pra poder eles me escolherem pra ser professora da
comunidade. (B.S.G./56. FEM.)
7.1.11 b) ... dava aula na língua portuguesa e em língua Tikuna só p[u]co (E.A.L./29. FEM.)
7.1.11c) eles voltar[ʊ] né a querer aprender a língua. (C.L.S./34. FEM.)
7.1.11 d) ... pe[ɾ]o meno[ø] só p[ʊ]quinho. (A.C.A./43. MASC.)
7.1.11 e) ... professor de Gi[ø]berto Mestrinho. (J.G.M./29. FEM.)
7.1.1 f) ... na escola já quem que é responsáve[ø]? (P. B.M./33. MASC.)
7.1.3 g ) (...) porque dá aula de só português só a[ø]fabeto (F.A.D./56. MASC.)
Dentre as ocorrências de redução de ditongos identificadas em nossa amostra, estão
aquelas relacionadas aos ditongos decrescentes [ãw] e [ow] e que trouxemos à baila de
exemplificação, tendo em vista que os dados revelam o seguinte: os contextos em que ocorrem
a ditongação no português falado pelos professores Tikuna não apresentam significativa
diferença em relação ao que acontece em português, ou seja, conforme Bisol (2001), os
ditongos que mais apresentam o fenômeno da monotongação em PB são os decrescentes.
207
Ainda de acordo com Bisol (2001), dentre os ambientes mais favoráveis à
monotongação estão a presença da tepe ou da palatal em posição anterior ao ditongo. Em nossos
dados, identificamos que os os ditongos presentes nas formas verbais antecedidos por tepe são
os que mais frequentemente se monontogaram. Esse comportamento fonético pode ser indício
da replicação dessas formas verbais do PB no português Tikuna.
Em 7.1.11 b e 7.1.11 d, a fusão do ditongo decrescente /ow/ resulta na vogal alta
posterior [u], [ʊ], diferentemente do português, em que, nesse ambiente, é esperada a vogal
média alta [o]. Essa realização tem relação com o sistema vocálico Tikuna, diferente do
português, em que [o] não é realização fonética do fonema /o/ e sim do fonema /u/. Conforme
já explicitamos na seção 7.1.9, devido a diferenças entre os sistemas vocálicos do português e
Tikuna, acreditamos que o falante, ao usar o português de contato, ou varia livremente entre
[i~e], [e~i], [u~o] e [o~u], ora alteando, ora abaixando a vogal por influência de seu sistema
nativo ou incorpora a oposição do sistema do português.
Ainda em relação à monotongação no Português Tikuna, cabe ressaltar que os
processos em que ocorre a perda de elementos são tendências universais das línguas. Dessa
forma, vemos na monotongação no PT uma relação direta entre a estrutura silábica dos dois
sitemas: Português e Tikuna, em que há o rearranjo dos componentes da sílaba para se
enquadrar no padrão CV, como em 7.1.11 e, por exemplo.
7.1.12 Ditongação (ou Iotização)
Abaixo, evidenciamos exemplos de fenômenos que dizem respeito ou à inserção de [j]
após fricativa alveolar ou ao apagamento da palatal lateral, sendo esta substituída pela
semivogal correspondente à vogal anterior alta /i/. Nos dois casos, temos como resultado o
surgimento de ditongo, conforme podemos visualizar abaixo.
7.1.12 a) ... formei [i] terceiro ano e veio pra cá no sede São Paulo de olivenç[ј]a (J.M.T./30.
MASC.)
7.1.12 b) ... agora que eu tô aí cada vez mais mê... me[ј]orando a minha situação (N.C.FR./28.
FEM.)
Em 7.1.12 a, a ditongação ocorre após a presença da fricativa alveolar. A esse respeito,
cabe lembrar o que apresentamos na seção 6.1.2, como base em Soares (1995). De acordo com
a pesquisadora, deriva-se de /a/ os movimentos [ɩa] e [aɨ]. A inserção da semivogal [j] no item
lexical ‘Olivença’ pode ter sido motivada pela aproximação de sons pelo falante em processo
208
de aquisição. No Tikuna, há a palatalização do movimento vocálico [ɩa], por exemplo, que
ocorre após a produção de consoantes realizadas como ligeiramente retroflexas, no caso, [tʂ]
(realização de /ts/). Como em português, não existe o som da fala [tʂ] e o mais próximo é a
fricativa alveolar [s] (vinculada a /s/), é de se esperar que os falantes de menor fluência
estabeleçam identidade entre esses sons e, consequentemente, realizem os movimentos
vocálicos que aquele fonema propicia em Tikuna e transfiram esse movimento para o português.
Em 7.1.12 b, ocorre um fenômeno conhecido como iotização. Conforme Câmara Jr.
(1970), a iotização consiste na transformação de uma vogal ou consoante para a vogal anterior
alta /i/ ou para a semivogal que lhe corresponde ou iode. Ainda conforme o autor, é um
fenômeno comum nos falares afro-brasileiros, crioulos portuguesa a iotização das consoantes
molhadas /ʎ/ e /ɲ/, como por exemplo: mulher > muyé; nhonho > ioiô. O fato de a lateral /ʎ/
não fazer parte do inventário fonológico do Tikuna pode ser uma das razões para a iotização
desse fonema por alguns professores Tikuna, especificamente os que se encontram na base do
continuum.
7.1.13 Nasalização de Vogal
Em nossa amostra, identificamos o fenômeno de nasalização em itens lexicais que
apresentam uma consoante nasal seguinte, mas não necessariamente contígua ao primeiro
segmento nasalizado de uma palavra (ver abaixo 7.1.13a).
A hipótese aqui poderia ser a de que, determinados falantes Tikuna estariam levando
adiante um processo de propagação da nasalidade que, existente, de curta distância e com
características predominantemente locais em português, tem na vogal [a] um elemento
importante: seja pelo fato de essa vogal, em Tikuna, ser mais baixa do que a do PB (cf. quadro
comparativo da área vocálica das duas línguas em Soares (1984, p. 157) e replicado acima) e
um pouco de adição de nasalidade a vogais orais em Tikuna é comum, sem que isso leve
necessariamente à percepção da categoria vogal nasal (cf. Idem, p. 155-161); seja devido à
própria percepção que falantes Tikuna podem ter da vogal [a] nasal ou nasalizada do português
(que se torna menos baixa com a adição da nasalidade); seja ainda a combinação dessa
percepção com a pouca estudada produção linguística de falantes nativos de português que
fazem parte da chamada (e também pouco estudada, em termos sociais e linguísticos) sociedade
envolvente da realidade Tikuna. Como está aqui uma matéria para investigação futura, diremos,
preliminarmente, que, por assimilação regressiva, a vogal adquire o traço de nasalidade, como
visto em 7.1.13 a. Também salientaremos que esse é um caso muito comum no PB e se
209
manifesta em falantes menos escolarizados. Em nossa amostra, a nasalização, nesse contexto,
esteve presente em quase todas as faixas do continuum.
Também identificamos a nasalização em vogal alta anterior, seguida de consoantes
oclusivas, como em 7.1.13 b e 7.1.13 c). Diferentemente do caso anterior, não temos aqui um
caso de propagação da nasalidade. Parece se tratar de um caso de nasalidade espontânea (isto
é, não condicionada) que tem como seu suporte desencadeador privilegiado a vogal anterior
alta: uma vez nasalizada, mesmo com pouca adição de nasalidade, essa vogal é facilmente
perceptível como tal em diferentes línguas não geneticamente relacionadas e geograficamente
separadas (cf. Soares, 1979), o que poderia ser imputado à diferença marcante, em termos de
fonética acústica, entre o spectrum de uma vogal alta anterior oral e aquele de sua contraparte
nasal/nasalidade. Se assim for, estaríamos aqui diante de um caso que, para além do contato
linguístico, exemplificaria tendências mais gerais em termos de surgimento e percepção de
nasalidade vocálica. De todo modo, esse caso, tal como o anterior, é indicador de investigações
futuras na região do Alto Solimões, e não apenas entre os falantes de Tikuna.
7.1.13 a) ... eu sempre digo [a]ssim eu trabalho numa repartição onde você incentiva a nossa
língua mas aí em casa nós tamo[ø] perdendo a nossa cultura. (B.C.C./35. FEM.)
7.1.13 b) ... voltar de novamente a lugar de Paranapara um e tem de [i]dade [dʐiʐɛʂɛtʂI] ano[ø].
(O.B.A./54. MASC.)
7.1.13 c) ... portuguê[ј] não [i]gual de língua [tʂ]ikuna né? (A.C.A./43. MASC.)
210
7.2 VARIAÇÃO NO ÂMBITO MORFOSSINTÁTICO
Nesta seção, apresentamos alguns fenômenos em variação, no âmbito morfossintático,
identificados na fala dos professores Tikuna, cujas ocorrências ilustramos no gráfico abaixo.
Gráfico 10: Fenômenos morfossintáticos identificados nas falas dos professores Tikuna
Como se pode notar, dentre os fenômenos que registramos, os de maior ocorrência,
por exemplo, foram: concordância nominal variável (gênero); concordância nominal variável
(número), não (ou indevida) flexão de tempo verbal, concordância verbal variável e
omissão/substituição ou uso inadequado de preposições.
050
100150200250300350400450
429 429390
275
8943 22 30
6
Fenômenos Morfossintáticos
211
No gráfico abaixo, apresentamos o quantitativo de ocorrências de fenômenos
morfossintáticos identificados a partir da fala de cada participante.
Gráfico 11: Quantidade de ocorrência de fenômenos morfossintáticos por pessoa
Tal como aconteceu com os fenômenos fonético-fonológicos, aqui, ao visualizarmos o
gráfico, podemos constatar que a quantidade de ocorrências dos fenômenos morfossintáticos
variáveis é superior entre as pessoas de gênero masculino, a diferença está no fato de que aqui
as duas faixas etárias apresentam-se no ápice da variação.
A seguir, apresentamos fenômenos morfossintáticos registrados a partir da fala dos
participantes que compõem esta pesquisa, buscando-se explicar se essas ocorrências são
motivadas por transferência e/ou interferência da L1 ou por outra possível motivação.
7.2.1 Variação na marcação da flexão de número nos sintagmas nominais
Na língua Tikuna, a indicação de número que expressa a quantidade “mais de um” é
feita por meio da partícula gü, que se posiciona à direita do nome (oregü ‘histórias’; werigü
‘pássaros’; yatügü ‘homens’; aegacügü ‘governos’).
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200200
145 141 141 138133
120
8782
6356 53
4840 39 39 35
30 30 28 28 28
9
Fenômenos Morfossintáticos X Participantes
212
Vejamos, a seguir, exemplos de como ocorre a flexão de número no interior do
sintagma nominal, em sentenças produzidas em língua portuguesa pelos participantes da
pesquisa.
7.2.1a) nós somo[ø] cinco irmão[ø]. (B.S.G./56. FEM.)
7.2.1 b)...e ficou dois cadeira[ø] efetiva[ø] agora. (J.M.G./40. MASC.)
7.2.1 c)... aí que eu tô conseguindo trabalhando com as criança[ø]. (N.C.FR./28. FEM.)
7.2.1 d)...as palavra[ø] que tá escrito na bíblia. (E.D.I./33. MASC.)
7.2.1 e)... pra melhor educação na comunidades. (P. B.M./33. MASC.)
7.2.1 f)... eles criavam os animais de vários tipos. (W.A.S./51. MASC.)
7.2.1 g)... tudo aquele disciplinas. (N.C.F./42. FEM.)
As sentenças acima foram extraídas da amostra de nossos dados, como exemplos que
ilustram a variação de fala analisada por nós. Nessa amostra, constatamos que a marca explícita
de plural ocorre: i) com elevada frequência, apenas no primeiro dos elementos flexionáveis do
SN, como em 7.2.1 c e 7.2.1 d; ii) com baixíssima frequência, em todos os elementos
flexionáveis do SN como em 7.2.1 f; iii) com elevada frequência, em nenhum dos elementos
flexionáveis do SN, quando antecedidos por um numeral que indica quantidade mais de um,
como em 7.2.1 a e 7.2.1 b e iv) com raras ocorrências, apenas no elemento à direita do SN,
como em 7.2.1 e e 7.2.1 g.
A concordância nominal é um fenômeno variável no PB e muitos estudiosos têm se
debruçado sobre esse tema. Dentre os estudos que versam sobre a concordância variável de
número entre elementos do sintagma nominal e que abarcam as variedades do português como
L1, podemos citar, entre outros, os de Braga e Scherre (1976), Scherre (1978, 1994); Vieira e
Brandão (2014). E, dentre aqueles estudos que abarcam as variedades do português como L2,
podemos citar, entre outros, os de Fernandes (1996), Loureiro (2005), Baxter (2009), Lima e
Silva (2011), Christino e Silva (2012), Brandão (2015) e Ribeiro (2018).
Scherre (1994), no texto Aspectos da Concordância de Número no Português do
Brasil, ilustra alguns exemplos de estruturas analisadas por ela em 1988 e obtidas por meio do
banco de dados do Corpus Censo do grupo PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da
Língua). A pesquisadora extraiu da amostra todos os sintagmas nominais plurais passíveis de
variação não prevista pela tradição gramatical brasileira. Dentre as estruturas analisadas, há
aquelas que se assemelham às produzidas pelos nossos participantes, conforme exemplificamos
acima, com exceção do exemplo 7.2.1 e.
213
De acordo com Scherre (1994), e de tantos outros estudiosos que se debruçam acerca
da concordância nominal, as variedades populares do português brasileiro manifestam a
tendência a marcar expressamente o número plural no(s) primeiro(s) elemento(s) do sintagma
nominal. Portanto, o emprego da flexão de número no interior do sintagma nominal em
sentenças realizadas pelos Tikuna no(s) primeiro(s) elemento(s) do sintagma nominal pode
estar relacionado à maneira como eles estão aprendendo/aprenderam o português.
Por outro lado, o exemplo 7.2.1 e, ainda que tenha sido raramente encontrado em nossa
amostra, ilustra a existência da variação na concordância de número que apresenta marcas de
flexão na posição à direita do nome determinado, diferentemente do padrão do PB, mas
semelhante ao padrão Tikuna, conforme demonstramos no início da seção. Os dados presentes
nos trabalhos de Amado (2015); Christino e Lima e Silva (2012); Christino e Silva (2017), que
versam sobre as variedades de português indígena dos povos Timbira, Kaingang e Huni-Kuin,
respectivamente, também apresentam a marcação expressa de plural apenas no elemento que se
encontra mais à direita do sintagma nominal. Em todos esses trabalhos, as autoras consideram
essa marcação como sendo uma forma peculiar de expressão de concordância ligada às
características estruturais das línguas indígenas, que apresentam a marcação de plural à direita,
como é o caso da língua Tikuna também.
7.2.2 Flutuação com ausência da marcação da flexão de gênero no sintagma nominal
Conforme Soares (1992, 2000), a flexão de gênero não ocorre em Tikuna. A indicação
de feminino, bem como de masculino, se dá por meio de marcas de terceira pessoa no nome e
no verbo, de formas dêiticas, das partículas i (feminino), ya (masculino) que antecedem o nome
(ou formas nominalizadas). Exemplificamos aqui esta última:
ya nuta (ya ‘masculino’) - ‘(a) pedra’
i bu’ü (i ‘feminino’) - ‘(a) criança’
i ore (i ‘feminino’) - ‘(a) história’
Abaixo, apresentamos algumas sentenças em português proferidas pelos participantes
de nosso estudo, em que se pode verificar a ausência da marcação da flexão de gênero no
sintagma nominal.
7.2.2 a) ... língua Tikuna é meu língua. (J.O.C./29. MASC.)
7.2.2 b) ... meu nação é De’remüna (N.C.F./42. FEM.)
214
7.2.2 c) ... naquele época sempre o papai trabalha no... no coisa... no seringa também.
(P.B.M./33. MASC.)
7.2.2 d) Eu queria pensar na minha futuro. (H.A.R./38. MASC.)
7.2.2 e) ... aí chegar minha professor Reinaldo. (F.A.D./56. MASC.)
7.2.2 f) .... nossa alimento assim... pei[ʂ]e bem guisado. (A.C.A./43. MASC.)
Conforme mencionamos na seção anterior, a concordância variável de número entre
elementos do sintagma nominal no PB tem sido amplamente estudada por pesquisadores
brasileiros, dada a variação existente entre os elementos que constituem o SN. No entanto,
concordância variável de gênero não tem sido objeto amplo de estudos, tendo em vista que a
concordância de gênero em todos os elementos constitutivos do SN, por alguns estudiosos, tem
sido considerada como categórica no PB brasileiro (cf. Holm, 2008). No entanto, há pesquisas
acerca de outras variedades do PB, seja como L1 ou como L2, que atestam a variação de gênero
entre elementos do sintagma nominal, como, por exemplo, os de: Lucchesi e Macedo (1997),
que versa sobre a concordância de gênero no português de contato do Alto Xingu; Lucchesi
(2000), que analisa a variação na concordância de gênero em Helvécia, uma comunidade de
fala afro-brasileira da Bahia; Dettoni (2003) e Lima (2008), que analisam a variação na
concordância de gênero no falar cuiabano e, o de Christino (2015), que apresenta a primeira
descrição da concordância de gênero no interior do sintagma nominal no Português Huni-Kuin.
Nesse trabalho, a autora observa diferentes classes gramaticais e considera tanto núcleos do
gênero masculino quanto do gênero feminino, procurando reconhecer traços ligados a
universais de segunda língua e diferenciá-los daqueles relacionados a transferências da L1.
No que se relaciona à variação da concordância de gênero no interior do sintagma
nominal na variedade de português falada por indígenas, o trabalho de Amado (2015) sinaliza
para o fato de que os falantes Timbira não cumprem a concordância determinante-determinado,
como um falante nativo de PB faz porque as marcas de gênero nominal no português, que,
majoritariamente, não fazem alusão a sexo, podem não ter significação para os Timbira, tendo
em vista o padrão diferenciado do Timbira, que utiliza uma palavra antes do nome para
expressar sexo.
Com relação à concordância de gênero em sintagmas nominais, Christino (2015)
observou no Português Huni-Kuin uma tendência excessiva em generalizar formas masculinas.
Tal fato, conforme a autora, possivelmente está relacionado aos universais de aquisição da L2.
Em nossos dados, também encontramos a mesma tendência, conforme ilustramos acima, nas
sentenças 7.2.2 a, 7.2.2 b e 7.2.2 c.
215
Além da tendência excessiva em generalizar formas masculinas, também
identificamos, em nossos dados, nomes masculinos sendo associados a formas femininas de
determinantes, conforme pode ser visto nas sentenças 7.2.2 d, 7.2.2 e e 7.2.2 f. Tal ocorrência
também foi registrada por Christino (2015) no Português Huni-Kuin. Tal como nos dados de
Christino, em nossos dados, a ausência de concordância explícita de gênero ocorre com maior
frequência entre pronomes demonstrativos.
Em nossa análise, ainda que, tal como Christino (2015), consideremos que essa
variação de gênero seja uma realidade prevista pelos estudos que versam sobre os universais de
aquisição da L2, entendemos, assim como Amado (2015) que a motivação para esse tipo de
variação se encontre no fato de haver diferença entre o padrão de marcação de gênero do
português e o da língua materna dos falantes. Esse fato pode contribuir para que a marcação de
gênero em português não tenha significação para os Tikuna. A tendência pode ser universal,
mas a motivação tem a ver com o fato de os sistemas linguísticos serem diferentes.
7.2.3 Variação na concordância verbal
Na língua Tikuna, a flexão que marca o número e a pessoa ocorre na margem esquerda
do verbo, diferente do padrão morfológico do português, em que o morfema indicador de
número e pessoa se manifesta na margem direita do verbo. Veja alguns exemplos em Tikuna.
Yeguma tchi – üé99 ‘Naquele tempo eu embarquei’
naquele tempo 1PS. embarcar
Reinaldo airu ni-ma’100 ‘Reinaldo matou o cachorro’
Reinaldo cachorro 3PS. matar
Nos dados analisados por nós, evidenciamos variação na marcação (ou não) da
concordância verbal, conforme explicitamos a seguir.
99 Extraído de Soares (2000, p 57). 100 Extraído de Soares (2000, p 26).
216
- No emprego da primeira pessoa do singular
Identificamos, nos dados de fala dos professores Tikuna, a variação na concordância
verbal no emprego da primeira pessoa do singular, sendo recorrente o uso do pronome de
primeira pessoa do singular acompanhado de forma verbal na terceira pessoa.
7.2.3 a) ... pouquinho de minha história eu fala pra meu aluno. ( J.M.G./40. MASC.)
7.2.3 b)... por causa disso que eu desistiu. ( B.S.G./56. FEM.)
7.2.3 c) Eu fez um processo seletivo de novo aí passou. ( J.O.C. 29/MASC.)
7.2.3 d)... eu sempre fala na língua Tikuna. ( E.A.L./29. FEM.)
7.2.3 e) ... mas não fala português com elas só língua materna. (eu) (H.Z.M./34. MASC.)
No paradigma verbal presente em nossa amostra, verificamos, em praticamente todas
as faixas do continuum, uma nítida tendência à neutralização das formas flexionadas de número-
pessoa em favor da pessoa gramatical não-marcada, ou seja, a terceira pessoa singular.
Tal como ocorre com a concordância variável de número entre elementos do sintagma
nominal, a concordância variável entre os elementos do sintagma verbal também tem sido
objeto de vários estudos por pesquisadores brasileiros que investigam as variedades regionais
e sociais do PB, sendo recorrente o estudo com as regras de concordância da primeira e terceira
pessoa do plural e, menos recorrente, da segunda pessoa do singular.
No Brasil, a regra de concordância de primeira pessoa verbal é tida como categórica
(cf. Emmerich, 1984; Lucchesi e Baxter, 2009) e não tem sido alvo de muitos estudos
linguísticos, restringindo-se a poucas pesquisas que versam sobre elementos característicos de
língua de contato, como, por exemplo, o de Emmerich (1984), que trata da língua de contato no
Alto Xingu e os de Ferreira (1994), Baxter e Lucchesi (1997), que identificam a existência de
crioulização no português brasileiro.
Em nosso trabalho, concebemos essa variação na concordância da primeira pessoa
verbal, recorrente na fala dos professores Tikuna participantes de nossa pesquisa, como sendo
motivada pela diferença entre o padrão morfológico entre o português e o Tikuna. Os fatores
linguísticos e socioculturais que condicionam a incorporação linguística da regra com
referência à primeira pessoa singular serão estudados na subseção 7.4.2.
Além da variação no emprego da primeira pessoa do singular, mais presente em
falantes de português como segunda língua ou língua estrangeira, também identificamos outras
217
variações, estas também presentes em outras variedades de português, inclusive faladas como
L1. A seguir, exemplificamos a variação encontrada em nossa amostra.
Com pouca ocorrência, identificamos variação verbal no emprego da primeira pessoa
do plural:
7.2.3 e)...nós tem dúvida. (H.Z.M./34. MASC.)
7.2.3 f) nós vai seguir a caminho pra levar o futuro pra melhor educação. (P. B.M./33. MASC.)
Com baixa ocorrência, também identificamos variação verbal no emprego da terceira
pessoa do plural:
7.2.3 g)... não trabalha professore[ø] nossa língua. (A.C.A./43. MASC.)
7.2.3 h) foi eles que me chamaram. (E.D.I../33. MASC)
7.2.3 i) essa dois língua[ø] é muito importante pra nós. (L.F.D./27. MASC.)
7.2.3 j) os professore[ø] é de lá. (B.S.G./56. FEM.)
Essa baixa ocorrência no emprego de pessoas do plural pode ser explicada pelo fato
de que não controlamos essa variável, além disso, muitos pontos de nossa entrevista se
constituíam como relatos de vida, em que era mais utilizada a primeira pessoa do singular, ou
seja, a pessoa que estava falando, falava, majoritariamente, em primeira pessoa.
7.2.4 Não marcação/distinção de tempo na forma verbal
Soares (2000, 2008) defende que em Tikuna, uma categoria como Tempo, que integra
teoricamente o nódulo Flexão, é um dêitico que tem por escopo toda a sentença. Essa afirmação
é mantida em Soares (2017), com a diferença de que o Sintagma Temporal (TP) é visto como
operador, porém não fora da sentença. A manifestação do Tempo se dá por meio de
constituintes que se encontram no interior da sentença, mas não no verbo.
Conforme exemplificamos nas orações abaixo, na fala dos professores com os graus de
fluência mais baixos, o verbo é, geralmente, flexionado no presente, pretérito perfeito e
imperfeito, no entanto, o momento da ação não encontra correspondência nessas flexões. A
correspondência do tempo da ação encontra correspondência no uso de itens lexicais agora,
antes, desde pequeno, durante uns tempos. Em nossa amostra, também identificamos esses
tempos sendo frequentemente neutralizados com a forma do infinitivo, como em 7.2.4 d.
218
7.2.4 a) ... isso é minha vida eu sempre ando no mato quando era mais... mas tem nove ano[ø]
por aí (era/andava/tinha). (L.F.D./27. MASC.)
7.2.4 b)... e durante uns tempos também não entende bem língua português... até agora eu
tava querendo compreender melhor (entendia/ estou). (J.M.G./40. MASC.)
7.2.4 c).... ante[ø] não sei agora já consegui pouco (sabia/consigo). (J.M.T./30. MASC.)
7.2.4 d)... esse daí que minha madrinha co...colocar no...no tempo de...desde pequeno.
(colocou) (F.A.D../56. MASC.)
Conforme Soares (2017), “não há evidências, no que poderia ser uma sentença
encaixada, de engatilhamento de concordância com o tempo de uma oração matriz através de
um mecanismo de identificação gramatical” (SOARES, 2017, p. 306).
No que diz respeito ao Tempo em Tikuna, cabe enfatizar que, no interior da sentença,
estão determinados elementos que estão no seu escopo, no entanto, esses elementos não estão
no verbo e têm o seu alcance limitado à própria sentença. Em Tikuna, não há imposição de
concordância temporal entre uma oração principal e uma oração complemento. Tal fato é
compatível com a característica do Tikuna, de ser uma língua que não apresenta
sequenciamento temporal (SOT).
Orações com estruturas parecidas como as produzidas pelos participantes Tikuna são
apresentadas por Souza e Amado (2011), em orações produzidas em Português Timbira. De
acordo com as autoras, a ausência de formas verbais flexionadas no passado é frequente em
Português Timbira e a marcação de tempo é estabelecida pelos advérbios. Emmerich (1984)
também apresenta o registro com orações parecidas como as apresentadas acima, em orações
produzidas em Português Xinguano. Conforme, a pesquisadora, para indicar noções de passado,
ou ainda, de futuridade, o falante recorre ao uso de determinados itens lexicais, como antigo,
já e amanhã.
A morfologia verbal, nos dados de nossa amostra, apresenta reduções no seu aspecto
modal, temporal e paradigmático e, no nosso entender, essa redução se dá por conta das
diferenças entre os paradigmas verbais do Tikuna e do português com as quais o falante em
estágio aquisitivo precisa lidar.
219
7.2.5 Omissão ou uso inadequado de preposições
Além das variações que apresentamos acima, identificamos em nossa amostra outros
exemplos que podem estar associados a uma tendência de uso de determinadas estruturas na
segunda língua por conta da estrutura da primeira língua.
Observamos, com bastante frequência, a omissão e o uso inadequado de preposições.
Veja as sentenças abaixo.
- Omissão de preposições
7.2.5 a) Vendaval é longe (da) cidade aí. (A.C.A./43. MASC.)
7.2.5 b) Pergunta (para o/ao/pro) José Patrício, né? (F.A.D./56. MASC.)
7.2.5 c) Eu nasci (em) Juí. (J.M.T./30. MASC.)
7.2.5 d)... já me mandar (para) lá. (L.F.D./27. MASC.)
7.2.5 e)...estudei (na) comunidade de santa [ɾ]ita. (O.B.A./54. MASC.)
- Uso inadequado de preposições
7.2.5 f)... lá, eu estudei dos (com os) meus professores daqui do município. (B.S.G./56. FEM.)
7.2.5 g)... comecei de meu estudo quando eu tô com nove ano[ø]. (N.C.FR./28. FEM.)
7.2.5 h)...moramo[ø] de (por) muito tempo. (O.B.A./54. MASC.)
7.2.5 i)... o pessoal não tem pra (de) onde tirar água. (L.F.D./27. MASC.)
Em Tikuna, conforme Soares (1992, 2000), no interior de sintagmas adverbiais, pode-
se considerar a condição de posposição, sendo gu a posposição que assume a função de locativo
(lugar dentro); wa também locativo (lugar em, para); ca’ indica causa (por causa de ) e ma’a
significa ‘com’. Veja os exemplos abaixo:
napa i weawa ‘na rede velha’
3p.-rede x velha-locativo
guma berureca’ ‘por causa daquela abelha’
dêitico belha-por
220
Tendo em vista a diferença estrutural quanto ao uso de preposições em sintagmas
adverbiais na língua portuguesa e o uso de posposições em sintagmas adverbiais em Tikuna, é
possível que o falante Tikuna, ao produzir sentenças em português que demandem o uso de
preposições, apresente uma certa flutuação, ora omitindo a preposição, ora usando-a de forma
indevida.
7.2.6 Ordem Sintática – SVO e Variações
Conforme já elucidamos na seção 6.2.1 desta tese, a ordem dos constituintes maiores
de uma sentença em Tikuna é flexível, e a ordem Sujeito Objeto Verbo (SOV) permite que se
fale em vinculações em Tikuna e, especificamente, de vinculações e ordem SVO.
Tendo em vista a flexibilidade em relação à ordem de palavras em Tikuna, um modo
de se chegar a uma variação de posicionamento entre os constituintes maiores de uma sentença
é o seguinte: na língua Tikuna, os constituintes são ordenados segundo um parâmetro estrutural
ou segundo uma variada manifestação casual. No que diz respeito ao parâmetro estrutural
básico, este é núcleo final e se manifesta com predicação, atribuição de papéis temáticos e casos
estruturais à esquerda. Já a manifestação casual inclui os casos estruturais (nominativo e
acusativo), os casos morfológicos, casos via cadeia com clíticos e casos via modificação do
verbo.
Veja, abaixo, exemplos de orações produzidas em português pelos participantes da
pesquisa em que há a manifestação de diferentes ordens em relação aos constituintes da
sentença.
7.2.6 a) ...eles criavam os animais de vários tipos... naquele tempo (SVO) – (W.A.S./51.
MASC.)
7.2.6 b)... não trabalha professore[ø] nossa língua (VSO) – (B.S.G./56. FEM.)
7.2.6 c)... pra tempo pagar do professore[ø] do povo me[ø]mo daqui (VOS) – (A.C.A./43.
MASC.) ‘naquele tempo o povo daqui mesmo pagava os professores’
Em Tikuna, a ordem sintática básica é SOV, no entanto, dada a flexibilidade na ordem
dos constituintes, também é possível que sejam produzidas sentenças em Tikuna nas ordens
SVO e OVS. Essa flexibilidade pode se refletir na forma como algumas frases em português
são ditas pelos falantes Tikuna, inclusive, apresentando outras ordens de constituintes,
221
conforme ilustramos nas sentenças 7.2.6 a, 7.2.6 b e 7.2.6 c acima. A sentença 7.2.6 a, que
segue a ordem SVO é semelhante a sentenças comumente utilizadas por falantes nativos de PB,
no entanto, a sentença 7.2.6 b não é tão comum na fala de nativos de PB, mais incomum ainda
é a sentença 7.2.6 c.
7.2.7 Criação de flexão com acréscimo de – s
Conforme explicitamos na seção 6.1, na análise de Soares (1992a, 2000), a
concordância em Tikuna é entendida como manifestação da relação de predicação, e não como
algo que está contido em Flex, diferentemente do padrão estrutural do português. Essa diferença
pode contribuir para que alguns falantes Tikuna, na tentativa de adaptar ao padrão da L2,
empreguem a flexão com acréscimo de –s em itens lexicais que não necessitam de tal sufixo,
causando a hipercorreção, conforme exemplificamos a seguir.
7.2.7 a) quatro ano[ø] estuda aí formás e terminas ensino médio. (F.A.D./56. MASC.)
‘estudei quatro anos, aí formei e terminei ensino médio’
7.2.7 b) lá que eu aprendeus vários coisas. (M.F.C./41. MASC.)
7.2.7 c) agora vou falar um pouco a vida da minha comunidades. (P. B.M./33. MASC.)
7.2.8 Não uso do verbo
A omissão de verbos de ligação ou que indicam ação foi registrada apenas nas faixas
de baixa e média fluência:
7.2.8 a) porque as professora[ø] que estudei daqui do município. (B.S.G./56. FEM.)
7.2.8 b) do[ј] mil e três fazendo segunda séria. (H.A.R./38. MASC.)
7.2.8 c) ... aí primeiro ano já pra cá. (H.Z.M./34. MASC.)
7.2.8 d) ... eu trabalhando hoje. (M.F.C./41. MASC.)
Em Tikuna, a construção do SV que expressa a ideia de uma ação progressiva se
manifesta por meio do morfema aspectual (i-), que é acrescido antes do prefixo pessoal
subjetivo e se manifesta na margem esquerda do verbo, conforme exemplo que reproduzimos
abaixo:
Tchama rü i- tcha-wiyae ‘eu estou cantando’
222
1PS TÓPICO PROGR- 1PS-cantar
(cf. tcha-wiyae ‘eu canto/cantei)
Como se pode ver, diferentemente do português, em que, para expressar a ocorrência
de uma ação de forma progressiva, o SV é composto por um verbo auxiliar e um verbo principal
no gerúndio, em Tikuna não há SV composto por auxiliar e verbo principal. A ação progressiva
é manifesta por meio da inserção do morfema aspectual (i-) no verbo.
Essa diferença entre os padrões estruturais do português e do Tikuna pode, em nossa
análise, favorecer a omissão do verbo de ligação em sentenças produzidas em português, como
em 7.2.8 b e 7.2.8 d, uma vez que a expressão de progressão já se fez presente no verbo
principal, acrescentando-se o sufixo –ndo.
Quanto à omissão de verbos como nas sentenças 7.2.8 a e 7.2.8 c, esta se apoia no
preenchimento de informação favorecido pela oralidade e pelo auxílio de gestos, que podem,
facilmente, ajudar na recuperação da informação omitida.
7.3 O CONTINUUM
Historicamente, a noção de continuum foi desenvolvida para descrever a mobilidade
linguística e social dos falantes de comunidades crioulas migrando em direção à língua padrão,
oficial. Essas comunidades foram observadas na Jamaica, Guiana Inglesa e no Hawai na
segunda metade do século XX.
A segmentação que estabelecemos do continuum em nosso estudo teve como base os
fenômenos linguísticos (cf. seções 7.1 e 7.2), a frequência destes, expressa pelos professores
Tikuna por ocasião das entrevistas ou dos relatos de vida, bem como o peso atribuído a cada
fenômeno, variando a atribuição de peso mais alto aos fenômenos que apresentavam maior
possibilidade de transferência da L1 para a L2 e menor pontuação àqueles fenômenos que
representavam replicação de condicionamentos conforme o português popular regional.
223
Veja gráfico abaixo.
Gráfico 12: Base linguística para a segmentação do continuum
A grosso modo, essa segmentação consegue divisar três categorias de falantes: os de
pouco contato, abarcando os que só tiveram acesso a centros urbanos com contato um pouco
mais intenso por conta de cursos escolares modulares, mas que vivem em aldeias e com pouca
convivência nas sedes municipais, deslocando-se até elas de forma pontual, por exemplo,
realizando algumas idas às sedes municipais para receber o salário e efetivar algumas compras;
os de contato médio, ou seja, aqueles que vivem e trabalham nas comunidades indígenas, mas
que já viveram por um período maior que um ano nas sedes municipais, estudando e/ou
trabalhando, e tiveram contato mais intenso com falantes não nativos de língua Tikuna e se
deslocam com uma certa frequência para os centros urbanos; por fim, há os que apresentam
contato elevado, isto é, vivem ou viveram nos centros urbanos por um período maior que cinco
anos, realizaram grande parte dos estudos escolares e atividade laboral nos centros urbanos e,
dessa forma, mantêm um contato sistemático com falantes não nativos de Tikuna. Em nosso
estudo, o grupo mais numeroso é o que apresenta um contato mediano e o de menor
representatividade é composto por professores Tikuna da última categoria.
Cada categoria possibilita que se realizem subdivisões culturais ou linguísticas, o que
nos fez, com base em Emmerich (1984), estabelecer uma escala de fluência e proficiência,
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
20001968
1669
882 871 854
611 565 557480
289 288 271 239 229 215 171 164 151 131 116 90 8524
Total de ocorrências dos fenômenos (com peso) por participante
224
ancorando a variabilidade do continuum na diversidade, na frequência e no peso dos fenômenos
linguísticos variáveis observados na fala dos professores Tikuna, conforme pode ser visualizado
no gráfico abaixo.
Gráfico 13: Faixas de fluência
Emmerich (1984) concebe o continuum como uma situação linguística marcada pela
variação. Em sua tese, a pesquisadora apresentou o continuum na língua de contato do Alto
Xingu e, por meio de seu estudo, detectou que a variação no Alto Xingu se manifesta em todos
os falantes, desde o indígena monolíngue até aquele que apresenta uma fluência praticamente
bilíngue em português. Conforme a estudiosa, os diferentes níveis de proficiência e fluência
observados por ela nos falantes do alto Xingu decorrem de fatores vários, dentre os quais
podemos destacar o importante papel desempenhado pelos padrões socioculturais nativos e a
assiduidade do contato interétnico.
Com o intuito de abranger a gama de situações linguísticas observadas por Emmerich
no Alto Xingu, a pesquisadora elaborou uma escala de fluência que abarca toda a extensão do
continuum do português Xinguano. Foram elencadas sete situações ou faixas de fluência com
base nas características apresentadas no português falado pelos xinguanos, as quais incluem
desde os falantes monolíngues nas línguas nativas até os falantes com uma proficiência bilíngue
próxima àquela do falante nativo de português.
225
Em nosso estudo, a partir das entrevistas e relatos de vida analisados, procedemos à
elaboração de uma escala de fluência abarcando os professores que apresentam uma variedade
com bastantes traços da língua Tikuna até aqueles que quase não apresentam traços do Tikuna
na variedade de português que usam. Dessa forma, a segmentação proposta por nós e
estabelecimento do continuum é a que demonstramos a seguir: Faixa 1 – encontra-se na base
do continuum e agrupa os falantes que manifestaram o maior quantitativo de fenômenos
variáveis como resultantes de uma transferência da língua nativa para a língua-alvo no processo
de aquisição do Português. Esses falantes vivem e trabalham nas comunidades indígenas e têm
um contato intenso com pessoas falantes de Tikuna em suas aldeias. Faixa 2 – abarca quatro
falantes que manifestaram bastantes ocorrências de fenômenos variáveis como resultantes de
uma transferência da língua nativa para a língua-alvo no processo de aquisição do Português,
porém menos que os falantes da faixa 1. Outra diferença em relação à faixa 1 é a intensidade
do contato com pessoas nas sedes municipais. Esses falantes vivem e trabalham nas
comunidades indígenas, mas já viveram nas sedes municipais, para estudar e trabalhar. Tiveram
contato mediano com falantes nativos de Português, mas, ao voltarem para as aldeias,
continuaram tendo um contato intenso com pessoas falantes de Tikuna e, no domínio
doméstico, a língua Tikuna é usada de forma privilegiada; Faixa 3 – é constituída por quatro
falantes que apresentaram uma variabilidade mediana de fenômenos fonético –fonológicos e
morfossintáticos. Dois desses falantes têm contato intenso com falantes de Tikuna, e não
realizaram consideráveis deslocamentos para outras localidades em que só se falava o Português
(F.A.D./56. MASC. e O.A.A./50. MASC.), diferentemente dos outros dois falantes (J.O.C./29.
MASC. e N.C.FR./28. FEM.). Ainda em relação às manifestações fonético-fonológicas e
morfossintáticas desses participantes, é importante frisar que três (3) deles preferiram, ao falar,
fazer um relato de vida e que suas gravações foram com tempo bastante curto (menos de quinze
minutos cada). Nesse caso, em nosso entendimento, o pouco tempo de fala desses participantes
contribuiu para que fossem computadas menos variantes na amostra da faixa 3. Quando
analisadas as falas falante por falante, apesar de o número de variantes ser reduzido, por conta
do tempo, cogitamos que há uma grande probabilidade de, em um tempo comparado com os
falantes da faixa 2, por exemplo, os da faixa 3 tivessem apresentado uma variabilidade bem
maior. Diante disso, há uma grande possibilidade de que, ao analisarmos o fator fluência nas
próximas seções (7.4.1 e 7.4.2), a faixa 3 apresente menos frequência de ocorrências fonético-
fonológicas e morfossintáticas que a faixa 2, o que nos colocará diante da necessidade de
amalgamar as duas faixas; Faixa 4- é a que tem o maior número de falantes e é composta por
professores que têm intenso contato com pessoas falantes de Português e deslocam-se
226
continuamente para zonas urbanas. Apresentam uma elevada proficiência bilíngue; Faixa 5 –
encontra-se no ápice do continuum, é formada por três professoras, dentre as quais duas que
vivem nas sedes municipais, tendo intenso contato com falantes de Português, e que não
transmitiram língua Tikuna aos seus filhos; e uma professora que é casada com um não-
indígena, falante de Português como L1, e usa, cotidianamente, Português no ambiente
doméstico. Duas professoras apresentam uma elevada proficiência bilíngue, uma professora é
monolíngue em Português e está, no momento, iniciando o processo de aquisição do Tikuna.
Veja o gráfico na página seguinte:
227
Gráfico 14: Continuum linguístico por faixa etária e sexo
Idade Faixa de Fluência
Faixa 1 Faixa 2 Faixa 3 Faixa 4 Faixa 5
60
∆ ○ ∆ ∆
50 ∆ ○ ∆ ∆ ○
40 ∆ ∆∆ ∆ ○ ∆ ○ ∆
30 ○ ∆ ∆ ○ ∆ ○
20
10
0
∆ Homem
○ Mulher
228
A variedade de português falada pelos Tikuna configura um continuum que se
caracteriza por estágios, faixas ou graus de fluência e proficiência. Nos diferentes estágios, há
influências da língua Tikuna, no âmbito fonético-fonológico, morfossintático, replicações de
padrões da variedade popular do português falado por não-indígenas e por indígenas de outras
etnias, associando-se a realizações comuns a universais de aquisição de segunda língua.
O português Tikuna é falado pelos indígenas Tikuna para estabelecer comunicação
entre eles e a população da zona urbana, falante monolíngue de Português, ou ainda, entre eles
e alguns comerciantes peruanos, falantes bilíngues de Espanhol e Português. A variedade do
Português Tikuna se configura, também, como uma língua franca ao ser usada na interação
verbal entre os diferentes grupos indígenas que habitam na região do Alto Solimões.
7.4 ANÁLISE DE FATORES LINGUÍSTICOS E SOCIAIS QUE CONDICIONAM
FENÔMENOS FONÉTICO-FONOLÓGICOS E MORFOSSINTÁTICOS NO PORTUGUÊS
TIKUNA
Esta seção descreve, em termos de frequência, os resultados do estudo sobre a variação
de /s/ em posição de onset e sobre a concordância de primeira pessoa verbal no Português
Tikuna a partir de variáveis sociais e linguísticas.
7.4.1 A variação de /s/ em posição de onset
A seguir, evidenciamos a análise da variação no uso da fricativa /s/ em posição de
onset, levando em consideração o fator linguístico contexto seguinte e as variáveis sociais
apresentadas na metodologia deste trabalho.
A maioria dos estudos sociolinguísticos se dedicam a analisar a variação no uso da
fricativa /s/ em posição de coda, tendo em vista que no português brasileiro, as consoantes
fricativas [s, ʃ, z, ʒ] participam de pares opositivos que constituem prova da existência de quatro
fonemas fricativos coronais na língua, contrariamente ao que ocorre na posição de coda. Nessa
posição, a distintividade entre tais fonemas é neutralizada.
Gomes, Brescancini e Monaretto (2015) afirmam que existe, no PB, o registro de
variação em onset de consoantes fricativas, restritas a alguns itens lexicais, como em re[ʒ]istro
~ re[z]istro e [ʃ]urrasco] ~ [s]urrasco. A esse respeito, Benayon (2010) afirma que essa variação
é altamente estigmatizada no PB.
Paiva (1997) afirma que, no português de contato falado pelos índios Xinguanos, /s/ e
/z/, por exemplo, constituem duas variantes fonéticas para a expressão do mesmo significando.
229
Isso porque, conforme a pesquisadora, a inversão variável do valor do traço de sonoridade em
consoantes oclusivas, fricativas e africadas se manifesta como uma característica que marca o
português em aquisição como segunda língua pelos índios do Xingu.
Tendo essas pesquisas em mente e assumindo que, no português Tikuna, identificamos
outro comportamento de /s/ em posição de onset, o qual se mostra como alofone em distribuição
complementar, a seguir, apresentamos a variação dessa fricativa em posição de onset, no
português de contato falado pelos Tikuna, com vistas a evidenciar as variantes fonéticas que se
manifestam na fala dos professores Tikuna nesse contexto fonético.
Para descrever e analisar a variação da fricativa /s/ em posição de onset na fala dos
participantes da pesquisa, foram delimitados os seguintes fatores condicionadores (ou
inibidores) da variação em estudo:
a) Fator linguístico: contexto seguinte – vogal alta [i]; vogal média-alta [ɛ]; vogal média-
baixa [e] e vogal baixa [a];
b) Fatores sociais: gênero, faixa etária, escolaridade, localidade e grau de fluência.
Abaixo, apresentamos a atuação da variável linguística: Contexto seguinte.
Tabela 5: Atuação da variável linguística contexto seguinte para a pronúncia de /s/ em onset
Contexto
Seguinte
[s] [ʂ] [tʂ] Total Nº de
Ocorrências
Frequência Nº de
Ocorrências
Frequência Nº de
Ocorrências
Frequência
Vogal alta
[i]
395 75% 120 23% 11 2% 526
Vogal
média-alta
[ɛ]
34 79% 9 21% 0 0% 43
Vogal
média-
baixa [e]
27 37% 46 63% 0 0% 73
Vogal
baixa [a]
15 58% 11 42% 0 0% 26
Quanto aos resultados, dentre as variantes não previstas no PB padrão em relação à
fricativa /s/, [ʂ] foi a mais utilizada pelos participantes da pesquisa, com uma frequência de 63%
em posição de abertura de sílaba após vogal média-baixa. Tal fato indica que essa vogal
favorece a palatalização da fricativa, sendo esta pronunciada, ainda, com ligeira retroflexão.
Por conseguinte, de modo complementar, a variante [tʂ] foi pronunciada em apenas 2% no
universo de nossa amostra.
230
O ponto sobre o qual gostaríamos de chamar a atenção diz respeito não tanto à
quantidade de ocorrências por fenômenos, mas à quantidade de variantes possíveis no português
Tikuna, quanto à variação da consoante fricativa /s/ em posição de onset, fato que não é comum
em outras variedades do PB.
Em relação à variante [ʂ], um outro fator que merece atenção é que a segunda vogal
que mais favoreceu a palatalização da fricativa, acompanhada de ligeira retroflexão, foi a vogal
baixa [a]. O fato de, tanto a vogal média-baixa quanto a vogal baixa terem contribuído para a
produção dessa variante indica que o ponto de articulação baixo favorece que a artitulação da
fricativa ocorra com recuo. Já em relação à variante [tʂ], a vogal alta foi que favoreceu a
ocorrência dessa africação.
Abaixo, será apresentada e discutida a atuação das variáveis sociais, gênero, faixa
etária, escolaridade, localidade, graus de contato e fluência no comportamento fonético-
fonológico do /s/ em posição de onset
Em relação à variável diassexual, o /s/ em posição de onset, nos dados do corpus
investigado, distribui-se da seguinte forma:
Tabela 6: Índices gerais referentes à variável social gênero para a pronúncia do /s/ em posição de onset
Gênero [s] [ʂ] [tʂ]
Total Nº de
Ocorrências
Frequência Nº de Ocorrências Frequência Nº de Ocorrências Frequência
Masculino 331 67% 153 31% 9 2% 493
Feminino 140 80% 33 19% 2 1% 175
Conforme dados expressos na tabela acima, os falantes homens são aqueles que mais
utilizam variantes de /s/, em distribuição complementar. As mulheres, por sua vez, apresentam
uma frequência quase que exclusiva da variante de prestígio.
O fato de as mulheres preferirem a variante considerada de prestígio pode ocorrer por
dois fatores. Primeiramente, conforme Paiva (2013), as mulheres manifestam menos reserva
em relação à mídia que os homens. Por serem mais expostas à mídia, tendem a utilizar mais as
variantes manifestas ali. Outro fator tem relação com o status. Em um contexto social, em que
homens e mulheres ainda são vistos de forma desigual, a mulher parece ter maior consciência,
são mais sensíveis - nos dizeres de Labov-, em relação ao status social que o homem.
A seguir, apresentamos os índices relativos à variável social faixa etária para a
pronúncia do /s/ em posição de onset.
231
Tabela 7: Índices relativos à variável social faixa etária para a pronúncia do /s/ em posição de onset.
Idade [s] [ʂ] [tʂ]
Total Nº de Ocorrências
Frequência Nº de Ocorrências Frequência Nº de Ocorrências Frequência
Faixa 1 (25 a 40 anos)
323 96% 11 3% 3 1% 337
Faixa 2 (41 a 60 anos)
148 45% 175 53% 8 2% 331
Conforme se pode visualizar na tabela 8, a variante fricativa alveolar [s] apresenta
maior índice de ocorrência na faixa etária 1, sendo que os falantes mais jovens realizaram tal
variante com uma frequência quase categórica de 96%, já os mais velhos, realizaram com maior
frequência a palatal, com ligeira retroflexão [ʂ], com o índice de 53%.
A frequência mais baixa do uso da variante fricativa palatal, com ligeira retroflexão
[ʂ], (3%) e da africada palatal, com ligeira retroflexão [tʂ] (1%), pelos mais jovens, parece ser
indício de um processo de mudança em curso, com a diminuição do uso dessas variantes nas
gerações mais novas.
A seguir, apresentamos os índices relativos à variável social escolaridade para a
pronúncia do /s/ em posição de onset.
Tabela 8: Índices relativos à variável social escolaridade para a pronúncia do /s/ em posição de onset.
Escolaridade [s] [ʂ] [tʂ]
Total Nº de Ocorrências
Frequência Nº de Ocorrências Frequência Nº de Ocorrências Frequência
Ensino Superior
Completo 145 82% 30 17% 1 1% 176
Ensino Superior
Incompleto 326 66% 156 32% 10 2% 492
No que diz respeito à variável social escolaridade, Votre (2013) enfatiza que a atuação
da escola é de preservadora das formas dotadas de prestígio, geralmente negando/refutando as
tendências de mudança em curso nas comunidades economicamente menos favorecidas ou
localizadas em áreas rurais.
Tendo em vista que em muitas pesquisas sociolinguísticas que levam em consideração
essa variável, os resultados sustentam a hipótese de que quanto maior a escolaridade do falante,
maior a possibilidade de ele utilizar as formas de prestígio, em nosso estudo, elegemos
investigar o comportamento fonético-fonológico (e também morfossintático) dos falantes a
partir dessa variável.
232
Os dados revelam que as variantes [ʂ] e [tʂ] ocorrem com maior frequência entre os
falantes com ensino superior incompleto, enquanto os participantes da pesquisa que têm ensino
superior completo fazem o uso mais frequente da variante de prestígio [s] (82%).
A seguir, apresentamos os índices relativos à variável social localidade para a
pronúncia do /s/ em posição de onset.
Tabela 9: Índices relativos à variável social localidade para a pronúncia do /s/ em posição de onset.
Localidade [s] [ʂ] [tʂ]
Total Nº de
Ocorrências
Frequência Nº de Ocorrências Frequência Nº de Ocorrências Frequência
Comunidade Vendaval
113 54% 87 42% 8 4% 208
Comunidade
Santa Inês 22 71% 9 29% 0 0% 31
Comunidade Otawari
10 63% 6 38% 0 0% 16
Comunidade
Paranapara I 16 16% 82 84% 0 0% 98
Comunidade Santa
Terezinha
32 89% 2 6% 2 6% 36
Comunidade Vila
Independente
77 99% 0 0% 1 1% 78
Sede de São
Paulo de Olivença
39 100% 0 0% 0 0% 39
Comunidade
Campo Alegre 69 100% 0 0% 0 0% 69
Torre da Missão
29 100% 0 0% 0 0% 29
São Domingos
II 31 100% 0 0% 0 0% 31
Santa Clara 12 100% 0 0% 0 0% 12
Nova Galileia 4 100% 0 0% 0 0% 4
Bom Jardim
do Passé 17 100% 0 0% 0 0% 17
Em relação à variável localidade, os dados mostram que os participantes que moram
e atuam na comunidade de Paranapara I foram os que mais uso fizeram das variantes não
previsíveis no PB, seguidos dos moradores de Vendaval e Santa Inês.
Ao postularmos o fator localidade, nossa intenção era identificarmos se há localidades
cujos moradores apresentam variantes que não ocorrem em outras, bem como se a localização
geográfica e o contato dos falantes de Tikuna com falantes de Português exerce alguma
influência sobre essa variação. Fato, em nossa amostra, confirmado. Tendo em vista que, em
comunidades mais próximas dos centros urbanos, como Campo Alegre e Vila Independente,
por exemplo, apresentam variação quase nula, contrariamente às aldeias mais afastadas dos
centros urbanos, como Paranapara I e Vendaval, por exemplo.
233
Tabela 10: Índices relativos à variável social grau de contato para a pronúncia do /s/ em posição de onset
Grau de
Contato
[s] [ʂ] [tʂ] Total Nº de
Ocorrências Frequência Nº de Ocorrências Frequência Nº de Ocorrências Frequência
Alto 161 99% 0 0% 1 1% 162
Médio 209 82% 37 15% 8 3% 254
Baixo 101 40% 149 59% 2 1% 252
Com base nos pressupostos teóricos aqui adotados, de que a intensidade do contato
exerce alguma influência sobre o processo de aquisição de segunda língua é que utilizamos essa
variável social em nosso estudo.
Além disso, em estudos realizados em outras comunidades cujos falantes também têm
uma língua indígena como sua L1, a intensidade do contato de falantes de PB L2 com falantes
de PB L1 tem se relevado um fator importante para a análise dos estágios aquisitivos em que
esses falantes se encontram (cf. Emmerich, 1984; Paiva, 1997; Loureiro, 2005).
Nossos dados revelam o que esperávamos, isto é, no grau mais baixo de contato, as
variantes [ʂ] e [tʂ] foram mais produzidas que nos graus médio e alto.
Tabela 11: Índices relativos à variável social fluência para a pronúncia do /s/ em posição de onset
Fluência [s] [ʂ] [tʂ]
Total Nº de
Ocorrências
Frequência Nº de Ocorrências Frequência Nº de Ocorrências Frequência
Fluência 1 127 43% 159 54% 10 3% 296
Fluência 2 88 85% 15 15% 0 0% 103
Fluência 3 45 79% 12 21% 0 0% 57
Fluência 4 155 99% 0 0% 1 1% 156
Fluência 5 56 100% 0 0% 0 0% 56
Por meio da variável fluência, pretendeu-se testar e validar (ou refutar) as faixas de
fluência postuladas a partir da frequência de ocorrências dos fenômenos selecionados para
estudo, seguido de um peso para cada fenômeno, e atribuídas a cada um dos professores Tikuna.
Os resultados das cinco faixas, manifestos na tabela acima, revelam que os falantes
que se encontram na base do continuum fazem maior uso das variantes concorrentes da forma
padrão, ao passo que os falantes que se encontram nas últimas faixas do continuum usam
categoricamente a forma padrão do PB. Em termos numéricos, a frequência dos resultados nas
faixas 2 e 3 sugere a necessidade de uma amalgação dessas faixas de fluência; fato que também
ocorre com as faixas 4 e 5.
Essa variável mostrou-se de natureza complexa, haja vista que nela manifestam-se
mais nitidamente as pressões que as variáveis exercem umas sobre as outras, sendo que a
frequência da ocorrência dos fenômenos está relacionada aos contextos socioculturais, como
234
intensidade do contato, ao status etário, à localidade onde os professores atuam (e para onde se
deslocaram para estudar, morar, trabalhar etc).
A segmentação das faixas de fluência, apesar da necessidade de amalgamação de
algumas delas, é válida por revelar que os professores falantes bilíngues têm diferentes graus
de fluência. Essa diferença é motivada por inúmeros fatores, dentre os quais aqueles que
apresentamos no capítulo 5 desta tese. A depender do grau de fluência do falante, ele vai usar
mais as formas alternantes que são estigmatizadas localmente ou vai utilizar mais a forma de
prestígio, aproximando-se da variedade padrão do PB e afastando-se dos condicionamentos da
sua L1.
7.4.2 A variação na concordância de primeira pessoa verbal
Esta subseção focaliza a variação na concordância verbal de primeira pessoa do
singular, com o propósito de identificar os contextos favorecedores ou inibidores do emprego
da marcação de primeira pessoa do singular, bem como avaliar a probabilidade de fixação
gradual da flexão de pessoa verbal no Português falado pelos professores Tikuna.
Conforme já elucidamos na subseção 7.2.3, no Brasil, a regra de concordância de
primeira pessoa verbal é vista como categórica (cf. Lucchesi e Baxter, 2009) e não tem sido
alvo de muitos estudos linguísticos. As investigações que focalizam a variação nessa regra de
concordância são em número bastante reduzido e analisam elementos característicos de línguas
de contato, como, por exemplo, o de Emmerich (1984), que focaliza a língua de contato no Alto
Xingu e os de Ferreira (1994), Baxter e Lucchesi (1997), que usam a variação nessa regra de
concordância como um dos argumentos para sustentar a tese da existência de crioulização na
formação do português brasileiro.
Quanto ao paradigma flexional do PB, Duarte (1995) evidencia que este tem se
reduzido a 3 formas: eu trabalho; você/ele ou ela/a gente trabalha; vocês/eles ou elas
trabalham. Essa redução ocorre por dois motivos: primeiro, devido à substituição da segunda
pessoa do singular pelo pronome você e; segundo, pela substituição da primeira pessoa do plural
por a gente. Diante desse cenário e, levando em consideração que a regra de concordância de
primeira pessoa do singular é tida como categórica no PB (cf. Emmerich, 1984; Lucchesi e
Baxter, 2009), é que a maioria dos estudos sociolinguísticos no Brasil têm se dedicado a analisar
a variação de concordância verbal entre nós e a gente (por exemplo: Menon, 2000; Omena,
2003; Tamanine, 2002, 2010; Franceschini, 2011; Mattos, 2013; Vianna e Lopes, 2015); tu e
você (por exemplo: Duarte, 1993; Lopes, 2008; Martins, 2010; Babilônia e Martins, 2011;
235
Scherre et al., 2015); e terceira pessoa do plural eles ou elas (por exemplo: Naro, 1981; Scherre,
1998; Scherre & Naro, 1997; Vieira, 1997, 2015; Silva, 2005; Scherre, Naro & Cardoso, 2007;
Lucchesi, Baxter e Silva, 2009; Calazans, 2018).
Em nossos dados, identificamos variação no emprego da flexão verbal, tendo a
primeira pessoa verbal co-ocorrendo com as formas não marcadas de terceira pessoa do singular
e com as formas não marcadas de infinitivo, gerúndio ou particípio. Diante disso, elegemos
analisar esse fenômeno em nosso estudo. Em 2018, em comunidades rurais do Amazonas,
compostas por indígenas, ainda ocorre essa variação, diferentemente do que postulam muitos
pesquisadores em outras regiões do Brasil.
Para descrever e analisar a variação no emprego da primeira pessoa verbal na fala dos
professores participantes da pesquisa, foram delimitados os seguintes fatores condicionadores
(ou inibidores) da variação em estudo:
c) Fator linguístico: forma de interação.
d) Fatores sociais: gênero, faixa etária, escolaridade, localidade, grau de contato e fluência.
Abaixo, apresentamos a atuação da variável linguística: forma de interação.
Tabela 12: Atuação da variável linguística forma de interação para a marcação ou não-marcação de concordância
verbal
Forma de
interação
Presença da marca de
primeira pessoa verbal
Presença de forma não
marcada - terceira
pessoa verbal
Presença de forma não
marcada – infinitivo,
gerúndio, particípio
Total
Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência
Discurso
livre
1195 67,2% 400 22,5% 183 10,3% 1778
Discurso
reportado
34 44,1% 41 53,2% 2 2,6% 77
Para fins de esclarecimento, concebemos como discurso livre a fala espontânea dos
participantes durante o relato de vida ou nas entrevistas. Por exemplo, como nos momentos em
que os participantes eram convidados a falarem sobre a vida escolar, a vida profissional deles
e eles começavam a tecer comentários livremente. Já como discurso reportado, consideramos o
fato de os participantes repetirem a forma verbal usada na pergunta da pesquisadora para
veicularem a informação solicitada.
236
Os resultados mostram que o discurso livre favoreceu a presença da marca de primeira
pessoa verbal, já o discurso reportado favoreceu o uso da forma não marcada de terceira pessoa.
A presença da forma marcada de primeira pessoa foi favorecida, tanto em discurso livre, quanto
em discurso reportado por falantes que se encontram no ápice do continumm.
Quando buscamos identificar o perfil dos participantes que usaram a forma não
marcada logo após uma pergunta em que o verbo também se apresentava na terceira pessoa do
singular, como em “você tem filhos? ”, os dados revelam que esse perfil é composto por falantes
que se encontram na base do continuum. Dessa forma, discurso reportado é entendido como um
gatilho que evidencia uma manifestação baixa de autonomia linguística ocasionada por conta
do grau de fluência bilíngue e motivação para o contato (cf. Emmerich,1984).
Tabela 13: Índices gerais referentes à variável social gênero para a marcação ou não-marcação de concordância
verbal
Gênero
Presença da marca de
primeira pessoa verbal
Presença de forma não
marcada - terceira
pessoa verbal
Presença de forma não
marcada – infinitivo,
gerúndio, particípio
Total
Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência
Feminino 427 74,6% 100 17,5% 45 7,9% 572
Masculino 802 62,5% 341 26,5% 141 11% 1284
Conforme já evidenciamos anteriormente, os homens compõem o grupo mais numeroso
de nossa amostra. Isso, no entanto, não impede que tenhamos uma base do quanto eles alternam
entre as variáveis em estudo e do quanto, comparados individualmente, eles apresentam maior
casos de variação que as mulheres.
Chambers (2003) afirma que, em praticamente todos os estudos sociolinguísticos, nos
quais há uma amostra de homens e mulheres, estas usam menos variantes estigmatizadas e não-
padrão do que os homens do mesmo grupo social, nas mesmas circunstâncias. Os estudos de
vários sociolinguistas, como Wolfram (1969), Romaine (1978) e Trudgill (1972) reiteram essa
análise. Esses estudos apresentam diferentes objetos de pesquisa, no entanto, mostram-se
similares em relação à conclusão dos fatos acerca da variável gênero/sexo, tal como neste
estudo, que reitera as interpretações de William Labov.
237
Tabela 14: Índices gerais referentes à variável social faixa etária para a marcação ou não-marcação de
concordância verbal
Faixa
etária
Presença da marca de
primeira pessoa verbal
Presença de forma não
marcada - terceira
pessoa verbal
Presença de forma não
marcada – infinitivo,
gerúndio, particípio
Total
Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência
Faixa1:
25 a 40
anos
957 73,5% 262 20,1% 83 6,4% 1302
Faixa2:
41 a 60
anos
277 49,5% 179 32,1% 103 18,4% 559
Ao valermo-nos do fator faixa etária, nossa intenção era buscar determinar se as variantes
observadas nos corpora de nosso estudo estão situadas no campo de variação estável ou de
mudança linguística. A esse respeito, Tarallo (2007) esclarece que ocorre variação estável
quando não se manifestam mudanças entre as faixas etárias. Já a situação de mudança em
progresso ocorre quando o uso da variante mais inovadora se manifesta com maior frequência
na faixa etária mais jovem, sofrendo decréscimo em relação à idade dos informantes mais
velhos. Nesse sentido, podemos afirmar que as duas formas alternantes estão em situação de
mudança em progresso para a forma marcada de primeira pessoa, que foi privilegiada pelos
mais jovens em nosso estudo.
Tabela 15: Índices gerais referentes à variável social escolaridade para a marcação ou não-marcação de
concordância verbal
Escolaridade
Presença da marca de
primeira pessoa verbal
Presença de forma não
marcada - terceira
pessoa verbal
Presença de forma não
marcada – infinitivo,
gerúndio, particípio
Total
Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência
Ensino
Superior
Incompleto
953
62%
416
27%
168
11%
1.537
Ensino
Superior
Completo
281
87%
25
8%
18
5%
324
Aqui, mais uma vez, os dados revelam que a variável escolaridade exerce grande
influência sobre o uso da marca de primeira pessoa verbal, com sensível decréscimo nesse uso
por falantes situados na base do continuum.
Diante disso, temos o que segue: o resultado esperado foi alcançado, isto é, quanto
maior o nível de escolarização dos falantes, maiores foram as ocorrências que evidenciaram a
238
preservação das marcas de solidariedade entre verbo-sujeito na primeira pessoa do singular.
Cabe ainda reiterar que na escola, a forma padronizada é tida como o modelo a ser seguido
pelos alunos dentro e fora das salas de aula.
Tabela 16: Índices gerais referentes à variável social localidade para a marcação ou não-marcação de concordância
verbal
LOCALIDADE
Presença da marca de
primeira pessoa
verbal
Presença de forma não
marcada - terceira
pessoa verbal
Presença de forma não
marcada – infinitivo,
gerúndio, particípio
Total
Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência
Comunidade
Vendaval
98 49% 55 28% 46 23% 199
Comunidade
Santa Inês
78 65% 34 29% 7 6% 119
Comunidade
Otawari
31 37% 36 43% 16 19% 83
Comunidade
Paranapara I
28 19% 83 56% 37 25% 148
Comunidade
Santa Terezinha
64 45% 56 39% 23 16% 143
Comunidade Vila
Independente
234 84% 36 13% 8 3% 278
Sede de São
Paulo de Olivença
116 94% 5 4% 3 2% 124
Comunidade
Campo Alegre
233 70% 75 22% 26 8% 334
Torre da Missão 93 62% 44 29% 14 9% 151
São Domingos II 108 91% 9 8% 1 1% 118
Santa Clara 64 94% 3 4% 1 1% 68
Nova Galileia 24 77% 4 13% 3 10% 31
Bom Jardim do
Passé
59 96% 5 8% 0 0 61
No estudo de Emmerich (1984), considerando-se a hierarquia dos fatores, o fator local de
residência do falante se destacou como a variável extralinguística que exerceu maior influência
sobre a língua de contato.
Conforme a pesquisadora, o fato responsável por esse resultado foi o caráter
multidimensional dessa variável, pois de uma lado, há aldeias localizadas geograficamente
próximas aos núcleos de difusão do português e esse fato exerce papel relevante sobre a fluência
dos falantes e, de outro, por se localizarem perto desses núcleos de difusão, as aldeias recebiam
bastantes visitantes não índios.
Em nosso estudo, os dados revelam que, tal como ocorreu com o fenômeno analisado
na subseção anterior, os participantes que moram e atuam na comunidade de Paranapara I foram
239
os que mais uso fizeram das variantes não previsíveis no PB, seguidos dos moradores de
Otawari, Santa Terezinha, Vendaval e Santa Inês.
Por meio das entrevistas, os professores que atuam nessas aldeias nos relataram que
nessas localidades há o predomínio do uso da língua Tikuna. E, em relação à localização
geográfica, essas aldeias são distantes dos centros urbanos, para onde os professores se
deslocam com uma frequência média. Já os moradores, segundo eles, têm pouco contato com
falantes de português
Como já afirmamos anteriormente, ao postularmos o fator localidade, nossa intenção
era identificarmos se há localidades cujos moradores apresentam variantes que não ocorrem em
outras e se esse fato tinha relação com a localização geográfica e o grau de contato nessas
localidades. Fato, em nossa amostra, confirmado.
Tabela 17: Índices gerais referentes à variável social grau de contato para a marcação ou não-marcação de
concordância verbal
Grau de
Contato
Presença da marca de
primeira pessoa verbal
Presença de forma não
marcada - terceira pessoa
verbal
Presença de forma não
marcada – infinitivo,
gerúndio, particípio
Total
Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência
BAIXO 69 25% 125 46% 80 29% 274
MÉDIO 608 65% 246 26% 82 9% 936
ALTO 524 84% 70 11% 25 4% 619
Os resultados concernentes à variável social grau de contato em nossa amostra reitera
os resultados alcançados em estudos que também investigam os resultados do contato
linguístico entre os indígenas, como os de Emmerich (1984), os trabalhos elencados em
Roncarati & Mollica (1997) e o de Loureiro (2005). Nesses trabalhos, assim como em nosso
estudo, os falantes mais fluentes são aqueles que apresentam um proximidade linguística com
a língua-alvo. São também os que mais frequentemente têm contato com os falantes nativos de
PB e se deslocam das aldeias para centros urbanos.
Em nosso estudo, os falantes de grau alto apresentaram uma frequência de 84% dos
casos de marcação de concordância do verbo com a primeira pessoa do singular, ao passo que
os falantes de grau baixo apresentram uma frequência de 25%, ou seja, mais distante
linguisticamente do padrão da língua-alvo.
240
Tabela 18: Índices gerais referentes à variável social fluência para a marcação ou não-marcação de concordância
verbal
Faixa de
fluência
Presença da marca de
primeira pessoa verbal
Presença de forma não
marcada - terceira pessoa
verbal
Presença de forma não
marcada – infinitivo,
gerúndio, particípio
Total
Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência Número de
Ocorrências
Frequência
Faixa 1 177 40% 173 39% 89 20% 439
Faixa 2 293 61% 148 31% 37 8% 478
Faixa 3 107 53% 64 31% 32 16% 203
Faixa 4 470 86% 49 9% 27 5% 546
Faixa 5 183 95% 8 4% 1 0,5% 192
Como se esperava, os dados revelam que os falantes das faixas mais altas do continuum
realizam, com um alto índice (86% e 95%), a concordância verbal de primeira pessoa do
singular, enquanto os falantes da faixa mais baixa do continuum realizam essa concordância
com índice menor (40%). Tal fato atesta a validade das faixas de fluência que estabelecemos
em nosso estudo, pois os falantes das faixas 4 e 5 demonstram uma elevada fluência bilíngue,
com as menores ocorrências de transferência de traços da L1 na variedade de português que
eles falam; já os falantes da faixa 1 apresentam uma fluência bilíngue marcada por traços
acentuados de transferência da L1 nos níveis estudados; por outro lado, os falantes das faixas
2 e 3 apresentam um fluência bilíngue que oscila entre transferência de L1, porém menos que
os da faixa 1, e incorporações de padrões da língua-alvo (Português), também, menos que os
das faixas 4 e 5.
Na tese de Emmerich (1984), a pesquisadora defende que a variação entre a primeira
pessoa verbal e a forma flexionada de terceira pessoa singular é característica de línguas em
contato e que tal fenômeno marca o português xinguano, considerado como pidgin pela
linguista. Já nos trabalhos de Ferreira (1994), Baxter e Lucchesi (1997), encontramos a defesa
de que essa variação entre a primeira pessoa verbal e a forma flexionada de terceira pessoa
singular é característica de línguas em contato, sendo fruto da transmissão linguística irregular
e utilizada como um dos argumentos em favor da existência de crioulização no português
brasileiro. Por outro lado, Naro e Scherre (2007) rechaçam os estudos que utilizam a
neutralização entre 1ª e 3ª pessoa do singular como argumento para validar a hipótese de
crioulização no português brasileiro, bem como rechaçam os estudos que usam essa
neutralização como argumento para evidenciar a influência de processos de aquisição do
português como segunda língua ou como língua estrangeira. De acordo com os autores, “os
241
paradigmas verbais da língua portuguesa codificada pelas gramáticas tradicionais – normativas
ou não- estão repletos de neutralização de 1as e 3as pessoas do singular, não interpretadas como
falta de concordância”. (NARO; SCHERRE, 2007, p. 93).
Naro e Scherre (2007) realizaram um verdadeiro garimpo linguístico na tentativa de
identificar traços linguísticos no português europeu não padrão que têm sido considerados, em
alguns estudos sobre o contato de línguas, como exclusivos do português popular brasileiro.
Em nosso estudo, o fato de ocorrerem, na fala dos professores Tikuna, variantes
concorrentes com a regra de concordância de primeira pessoa do singular é fruto do estágio
aquisitivo em que se encontram esses falantes de português como segunda língua e essa
variação faz parte da variedade de Português Tikuna. Contrariamente a que outros estudos
postulam, de que a regra de concordância de primeira pessoa, na atualidade é categórica no PB
(cf. Emmerich, 1984; Lucchesi e Baxter, 2009), inclusive em comunidades rurais, em nosso
estudo, tal postulação é refutada e marca a variedade do Português Tikuna, cujos falantes
apresentam diferentes graus de fluência.
242
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados que evidenciamos nessa tese fazem parte de uma pesquisa, por meio da
qual pudemos registrar, analisar e caracterizar a variedade de português falada por professores
Tikuna bilíngues que moram em comunidades (aldeias) pertencentes ao município de São Paulo
de Olivença, no Amazonas, atingindo, dessa forma, o nosso objetivo.
Como partes constitutivas do registro, da análise e da caracterização do Português
Tikuna (PT), adotamos os seguintes procedimentos metodológicos: (i) os dados foram gerados
a partir da aplicação do método etnográfico de entrevistas e de relatos de vida dos partipantes
de nossa amostra; (ii) fizemos o levantamento da situação sociolinguística dos participantes,
bem como das atitudes e dos usos linguísticos, das redes de interações linguísticas, dos
deslocamentos, da escolaridades e da identidade do grupo pesquisado, buscando associá-los à
variedade de português usada por esse grupo, considerando o contexto indígena em que se
inserem as línguas aí em jogo, no caso o Tikuna e o Português; (iii) investigamos as
características da gramática da língua Tikuna, as quais foram relevantes para a identificação de
traços particulares relacionados a possíveis mecanismos de interferência/transferência da L1 no
uso do português falado como segunda língua pelos professores Tikuna participantes de nosso
estudo; (iii) registramos e analisamos a variação fonético-fonológica no âmbito dos dados
produzidos pelos professores Tikuna ao falarem português; (iv) registramos e analisamos a
variação morfossintática nesse mesmo âmbito; (v) estabelecemos o continuum, o qual se
caracteriza por diferentes faixas de fluência que evidenciam o estágio aquisitivo dos professores
na segunda língua (português); e, (vi) por fim, apresentamos a análise de fatores linguísticos e
sociais que condicionam a variação de fenômenos fonético-fonológicos e morfossintáticos no
Português Tikuna.
Tais procedimentos abriram caminho para a caracterização do Português Tikuna e nos
permitiram, de um lado, descrever e analisar alguns fenômenos variáveis no português falado
pelos Tikuna e, de outro lado, testar hipóteses de trabalho e atingir os objetivos da pesquisa.
Com a finalidade de sermos didáticos, a seguir, passamos a evidenciar as hipóteses de
trabalho, em função dos resultados alcançados, por meio dos quais defendemos as hipóteses
levantadas, respondemos as questões da pesquisa e evidenciamos como ocorreu o registro, a
análise e a caracterização da variedade estudada.
As primeiras quatro hipóteses de trabalho relacionam-se a fenômenos linguísticos no
âmbito fonético-fonológico e morfossintático. A quinta e a sexta hipóteses referem-se a
aspectos socioculturais e linguísticos do contato Tikuna-Português.
243
Em nossa investigação, partimos, inicialmente, da hipótese de que ao falarem
português, os professores Tikuna manifestam traços de sua própria língua materna, o que deixa
indícios de que, ao adquirirem uma segunda língua, eles usam a estratégia de valer-se de
material e regras/restrições de sua língua materna. Para testarmos nossa hipótese,
primeiramente, fizemos a identificação e registro de fenômenos que apresentam variação nos
níveis fonético-fonológicos e morfossintáticos, em seguida, fizemos uma revisão, com base
nos estudos de Marília Facó Soares, de aspectos da Fonologia, da Morfologia e da Sintaxe da
língua Tikuna, tal como é falada no Brasil, com vistas a buscarmos, na Gramática Tikuna,
elementos que permitem/condicionam a variação observada nos dados produzidos em
português pelos professores que participaram do nosso estudo. Dentre as ocorrências
registradas em nosso corpus, cujas motivações confirmam nossa primeira hipótese, estão
aquelas que fazem parte dos seguintes fenômenos, apresentados e discutidos no capítulo 7: i)
tendência à inexistência de contraste fonológico no âmbito das consoantes contínuas coronais;
ii) palatalização de fonemas africados; iii) supressão de segmento (travamento de sílaba); iv)
aférese; v) rotacismo; vi) lambdacismo; vii) epêntese; viii) africação; iv) flutuação quanto à
altura das vogais; x) fricativização de oclusivas (bilabial e velar); xi) redução de ditongo
(monotongação); xii) ditongação (ou iotização); xiii) variação na concordância de número que
apresenta marcas de flexão na posição à direita do nome determinado, diferentemente do padrão
do PB, mas semelhante ao padrão Tikuna; xiv) flutuação com ausência da marcação da flexão
de gênero no sintagma nominal; xv) variação na concordância verbal; xvi) não
marcação/distinção de tempo na forma verbal; xvii) omissão ou uso inadequado de preposições;
xviii) ordem sintática – SVO e variações; xix) criação de flexão com acréscimo de – s; xx) não
uso do verbo.
Conforme explicamos no capítulo 7, ainda que muitos dos fenômenos acima
relacionados também ocorram no PB, confirmando nossa terceira hipótese, há ocorrências
particulares do PT, cujas motivações estão relacionadas a possíveis mecanismos de
interferência/transferência da primeira língua (Tikuna) dos participantes do estudo.
Ligada à primeira, nossa segunda hipótese de trabalho considerou que o português de
contato falado pelos Tikuna apresenta traços particulares não identificados no português
brasileiro falado por indivíduos que o adquiriram como L1. Para testarmos nossa hipótese, a
partir da identificação e registro de fenômenos que apresentam variação nos níveis fonético-
fonológicos e morfossintáticos do PT, fizemos uma comparação com pesquisas já realizadas
neste mesmo âmbito com variedades do PB. Desse modo, pudemos identificar, por exemplo,
244
o seguinte fenômeno que valida nossa segunda hipótese: fricativização de oclusivas (bilabial e
velar).
A terceira hipótese com a qual trabalhamos foi a de que o português de contato falado
pelos Tikuna também apresenta condicionamentos identificados no português brasileiro falado
por indivíduos que o adquiriram como L1. Usando o mesmo procedimento discriminado no
parágrafo anterior, chegamos aos fenômenos que validam essa terceira hipótese, por exemplo:
i) supressão de segmento; ii) nasalização de vogal; iii) o emprego da flexão de número no(s)
primeiro(s) elemento(s) do sintagma nominal; iv) variação verbal no emprego da primeira
pessoa do plural; v) variação verbal no emprego da terceira pessoa do plural; vi) ordem sintática
– SVO.
Nossa quarta hipótese de trabalho foi a seguinte: a variedade de português falada pelos
professores Tikuna apresenta realizações parecidas com algumas já identificadas em outras
variedades de português faladas por indígenas no Brasil. Para testar essa hipótese, comparamos
os dados de nosso corpus com os de outros trabalhos que se debruçam sobre variedades de
português faladas por indígenas no Brasil e identificamos alguns fenômenos que validam nossa
quarta hipótese, por exemplo: i) flutuação com ausência da marcação da flexão de gênero no
sintagma nominal; ii) não marcação/distinção de tempo na forma verbal; iii) ordem sintática –
SVO e variações; iv) tendência à inexistência de contraste fonológico no âmbito das consoantes
contínuas coronais; v) variação na marcação da flexão de número nos sintagmas nominais.
A partir da análise dos fenômenos fonético-fonológicos e morfossintáticos presentes
em nosso corpus, identificamos que em um mesmo fenômeno havia ocorrências que
confirmavam uma hipótese, enquanto outras ocorrências do mesmo fenômeno confirmavam
outra. A esse respeito, consta análise detalhada no capítulo 7.
A quinta hipótese de nossa pesquisa considerou que os professores Tikuna apresentam
diferentes graus de fluência, em que pesa o contato nos seguintes termos: quanto maior o grau
de contato com o PB, mais os professores se afastam dos padrões da língua nativa e,
proporcionalmente, quanto menor for esse contato, mais próximos os professores se encontram
dos padrões de sua língua nativa, manifestando acentuada interferência da L1 na variedade de
português em aquisição e, como consequência, mais distantes dos padrões da língua-alvo.
Como resultado, por meio do continuum que se estabeleceu em nosso estudo,
conseguimos identificar que, em estágios que se encontram na base desse continuum, os falantes
manifestam uma variedade mais distante do padrão da língua-alvo. Esse fato se reverte, porém,
à medida que o falante tem mais contato com falantes de português e usa mais a língua
245
portuguesa em diferentes domínios sociais. Nesse caso, os usos linguísticos tornam-se mais
próximos da variedade padrão do PB, o que confirma nossa quinta hipótese.
A sexta hipótese, intimamente relacionada à quinta, leva em consideração a análise
variacionista, defendendo que os fatores linguísticos e socioculturais, relacionados à dinâmica
do contato linguístico, à identidade e aos usos linguísticos repercutem na variedade de
português falada pelo grupo investigado.
Para testar essas duas hipóteses, estabeleceu-se o continuum que evidenciamos no
subcapítulo 7.3, além deste fez-se, no subcapítulo 7.4, a análise variacionista a partir de dois
fenômenos identificados em nossos dados: comportamento de /s/ em posição de onset e
marcação de CV de primeira pessoa verbal.
Quanto à análise variacionista, nossa defesa é a de que a replicação de padrões, tanto
em relação ao comportamento de /s/ em posição de onset, quanto à marcação de CV de primeira
pessoa verbal, ocorre de maneira gradativa, tendo em vista que, por se tratar de um processo de
aquisição de segunda língua, estão aí em jogo certos condicionamentos, como a
interferência/transferência da L1 do falante, o grau de contato com a língua-alvo, motivado, por
exemplo, pela mobilidade dos participantes da pesquisa, pela escolaridade e pelas redes de
interação da qual eles participam. Dessa forma, defendemos que esse processo aquisitivo
configura um continuum.
Por meio dos dados identificados e analisados em nossa pesquisa, pudemos confirmar
o que preconiza o aporte teórico adotado em nosso estudo, tanto no que se relaciona aos
pressupostos do Contato Linguístico quanto da Sociolinguística, basilares para nossa
investigação.
Tal como Thomason (2001) aponta, percebemos que os falantes utilizam diferentes
estratégias de aquisição de segunda língua. Uma delas, ligada à nossa primeira hipótese de
trabalho, é a manutenção de distinções e outros padrões de sua língua nativa (sua L1) ao
produzirem sua versão da gramática da língua-alvo (a L2), como por exemplo, apagamento de
segmento consonantal em posição de coda medial e em posição de coda final, uma vez que na
língua Tikuna consoantes não ocupam posição de coda.
Uma outra estratégia apontada por Thomason (2001) também ligada à primeira
hipótese de nosso estudo e que identificamos nas produções de fala dos participantes da
pesquisa é o fato de alguns deles ignorarem distinções, especialmente as distinções marcadas,
as quais se encontram presentes de forma clara na língua-alvo, mas incompreensíveis aos
aprendizes que se encontram no início de estágios do processo de aquisição de uma língua (que
é o caso de alguns de nossos entrevistados). Como exemplo dessa estratégia, podemos apontar
246
a ausência da marcação da flexão de gênero no sintagma nominal ou a não marcação/distinção
de tempo na forma verbal.
Nesse estudo, foi possível identificar, por exemplo, no nível fonético-fonológico,
determinadas características do Português falado por falantes nativos de Tikuna, quais sejam:
a) a tendência à inexistência de contraste, no âmbito das consoantes contínuas coronais, entre
os valores positivo e negativo do traço subarticulatório [ anterior] – o que tem, como resultado,
a ausência de contraste/oposição entre as chamadas fricativas alveolares e as fricativas palato-
alveolares em posição de abertura de sílaba. Tal tendência à inexistência de contraste
fonológico no âmbito das consoantes contínuas coronais é exemplo de que o falante nativo de
Tikuna ignora distinções no âmbito da L2 por não tê-las na L1; b) não ocorrência, após glide
palatal, de segmento consonantal sibilante em posição de coda, quer seja medial ou final - um
caso de transferência de um padrão da L1 para estruturas da L2; c) diante de uma palavra que
apresenta segmento consonantal sibilante em posição de coda, seja medial ou final, alguns
falantes tendem ou a suprimir o segmento consonantal, ou a inserir um segmento vocálico. Em
nossa análise, tal ocorrência evidencia uma nítida pressão estrutural para CV, motivada pela
restrição, existente em Tikuna, de realização fonética de consoantes em posição de coda
silábica; d) rotacismo, em que o falante utiliza elementos estruturais da língua nativa ao falar
na língua-alvo, no caso usa o fonema /ɾ/ na L2 por conta da ausência do fonema /l/ no inventário
fonológico de sua L1 (o que pode ser um exemplo de estratégia por preenchimento de lacuna -
gap-filling approach). No nível morfossintático, detectamos, por exemplo: a) marcação da
flexão de número nas primeiras posições do sintagma nominal. Quanto a essa marcação,
detectamos que o emprego da flexão de número no interior do sintagma nominal em sentenças
realizadas pelos Tikuna também se faz presente nos usos de pessoas que têm o português como
L1, membros da sociedade envolvente da qual a pesquisadora faz parte; b) flutuação com
ausência da marcação da flexão de gênero no sintagma nominal pelo fato de o falante ignorar
distinções existentes na L2 por não tê-las na L1; c) não marcação/distinção de tempo na flexão
verbal. Essa não distinção pode ocorrer devido ao fato de que, em Tikuna, a marcação temporal
não ocorre no verbo, e sim em outros constituintes da sentença, como os dêiticos e partículas.
Cabe ressaltar que a variação na marcação da flexão de número nos sintagmas
nominais apresenta traços parecidos com os realizados por falantes nativos de PB, no entanto,
também há, ainda que com baixíssima ocorrência, a marcação na posição à direita, o que
evidencia, tal como em outros estudos sobre variedade de português falados por indígenas, uma
transferência estrutural da L1 para L2.
247
Estudar as especificidades do português Tikuna nos possibilitou compreender como a
dinâmica do contato influencia na variação (observando-se aí casos de transferência da L1 e de
replicação de condicionamentos conforme os falantes nativos do PB) e mudança linguística do
grupo investigado.
Ainda que seja uma terefa desafiadora determinar ao certo a motivação das realizações
linguísticas dos falantes de uma segunda língua, é possível sinalizar tendências que indicam
uma interferência/transferência de padrões/regras/restrições da primeira língua operando na
segunda língua, principalmente em estágios incipientes de aquisição.
A variedade de português falada hoje pelos professores Tikuna é resultado de uma
língua que se desenvolveu entre eles a partir do contato com não-indígenas, falantes de
português. Nesse contato, somente os Tikuna tiveram que aprender o português, o que evidencia
claramente a relação de poder que se estabeleceu nesse contato.
Não concebemos a língua de contato utilizada pelos professores Tikuna como pidgin,
no termo clássico, como fazem outros pesquisadores que trabalham com variedades de
português indígena, por exemplo Emmerich (1984) e Costa (1993), nem como interlíngua como
o faz Amado (2015). Em nossa análise, o português Tikuna é uma variedade que apresenta
traços de pidgnização ou, nos termos de Naro (1997), é uma variedade pidgnizante, que
apresenta simplificações, por exemplo, na morfologia verbal. Essa simplificação se manifesta
entre os falantes dos graus baixo e médio, diminuindo consideravelmente entre os falantes que
se encontram no ápice do continuum.
Segundo a definição de Hall (1974, p. 4), uma língua de contato assume a seguinte
forma e função: é uma variedade que apresenta simplificação e serve para que se estabeleça
intercâmbio econômico. Para alguns falantes de nosso estudo, essa é a situação linguística,
principalmente aqueles que sem encontram nos pontos mais baixos do continuum.
Em determinadas circunstâncias, o português falado pelos Tikuna assume o papel de
língua franca indígena interétnica, uma vez que é usada como código linguístico comum a
falantes de diferentes etnias e línguas nativas representadas na região.
O estudo que elegemos realizar de como os Tikuna falam e por que falam dessa forma
foi motivado pela busca em provar que aquilo que é tido como “não saber falar bem o
português” tem explicação no fato de que a primeira língua exerce influência sobre a fala em
português desses indivíduos e não por incompetência ou dificuldade de aprendizado, como
muitas vezes, a escola e os meios de comunicação de massa querem nos fazer acreditar.
248
Muitos dos fenômenos que identificamos na fala dos professores Tikuna,
especialmente, aqueles que são estigmatizados pelos falantes não-indígenas, são motivados por
influência de elementos estruturais da língua Tikuna.
Nossa conclusão é a de que o Português Tikuna não é a formação de uma nova língua,
mas é uma variedade que surgiu a partir do contato e que tem maior proximidade, no nível
morfossintático, da variedade falada pelos nativos do PB, no entanto, guarda íntima relação
com a L1 dos falantes (Tikuna) no nível fonético-fonológico, caracterizando assim, uma
variedade particular, a que intitulamos Português Tikuna (PT) e que também é marca de
identidade~indexical desse grupo étnico.
Resta dizer que, a partir deste estudo, novas pesquisas podem ser realizadas, inclusive,
ampliando o escopo de investigação, adotando-se o português do entorno como parâmetro de
comparação com o PT. Nesta tese, utilizamos como parâmetro nosso conhecimento empírico,
como moradora da região, da variedade do entorno, além de nos basearmos na variedade
considerada padrão. Além disso, outras pesquisas podem aprofundar o estudo das variantes
morfossintáticas do PT, tendo em vista que o texto desta tese contribui para uma caracterização
da gramática que produz as variantes fonético-fonológicas, em maior profundidade e, em
relação às variantes morfossintáticas, apresentamos apenas algumas características. A razão
para isso foi a impossibilidade de uma maior sistematização dos dados morfossintáticos, devido
à natureza da coleta realizada (dados de fala espontânea).
Por fim, cabe ressaltar que, anteriormente a esta tese, ainda não havia sido realizado
nenhum estudo investigando as formas de comunicação verbal resultantes do contato linguístico
entre falantes de Tikuna com falantes de português. Nesse sentido, para além do preenchimento
de lacunas, esse trabalho é o pioneiro ao estudar a variedade de português falada por pessoas
que pertencem à maior etnia indígena do Brasil: a Tikuna. Com a tese, esperamos contribuir
para a descrição do português indígena falado na região norte do Brasil.
249
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ANEXO A- FICHA PARA CONTROLE DE DADOS
Projeto: Línguas da Amazônia Brasileira: Variação, Cognição e Estudos de Fonologia,
Gramática e História – Fase II
Línguas indígenas brasileiras
Ficha para controle de dados
Marília Facó Soares
Museu Nacional/UFRJ
FICHA
NOME DO POVO (COM AUTODENOMINAÇÃO):
LÍNGUA:
A) LOCAL DA COLETA (com localização geográfica):
B) DATA DA COLETA:
C) DADOS SOBRE O CONSULTOR NATIVO
a) Falante (Qual é o (seu) nome completo (do(a) senhor(a)?):
b) Clã101 / grupo de pertencimento (O(a) senhor(a)/você pertence a que clã?):
c) Idade (idade registrada em documento oficial ou idade aparente): (Qual a sua idade?)
d) Sexo [ M, F]:
e) Nome próprio na língua: (Qual o seu nome na língua Tikuna?)
f) Nome próprio na língua oficial do país (se houver): (Qual o seu nome na língua
portuguesa?)
g) Nome do pai (na língua indígena e na língua oficial do país (se
houver): (Qual o nome do seu pai em língua Tikuna? E em língua Portuguesa?)
Observação - No caso da sociedade Ticuna, essa é patrilinear, possuindo
o(s) filho(s) o mesmo clã (a mesma ' nação') do pai. Se uma mulher Ticuna
se casa com um não-Ticuna, seu(s) filho(s) não será(serão) visto(s)
como Ticuna. Apenas poucos casos são mencionados por alguns em que,
sendo o pai um não-Ticuna, o clã é indiretamente atribuído pelo avô.
h) Nome da mãe (idem) e clã da mãe: (Qual o nome da sua mãe em língua Tikuna? E em
língua Portuguesa? A que clã sua mãe pertence?)
i) Comunidade de origem: (Em que comunidade o(a) senhor(a)/você nasceu?)
j) Comunidade(s) de moradia (com informação sobre o tempo de moradia):
(Já morou em outras comunidades? Quais? Por quanto tempo ficou nessas comunidades? Já
morou fora da comunidade alguma vez?
l) Comunidade de atuação (no caso de o falante ser professor indígena,
agente de saúde ou ter outro posto oficial em função de novas categorias
introduzidas no grupo): (O que você faz na aldeia? Em que comunidade o(a) senhor(a)/você
trabalha?) O que você faz todos os dias?
m) Grau de escolaridade: (O(a) senhor(a)/você estuda(ou)?) Até que ano o(a) senhor(a)/você
estudou? Aprendeu a ler e a escrever em que língua(s)?)
n) Grau de domínio/uso da escrita: (Você pode escrever em língua indígena? E em língua
portuguesa?)
o) Conhecimento de outras línguas - Grau de bilinguismo/ multilinguismo 101 O termo ‘nação’ é utilizado pela maioria dos Ticuna ao se referirem, em português, a ‘clã’ ( que, em Ticuna,
é expresso pelo morfema cüã ‘origem’).
262
(o que pode incluir outra (s) línguas indígenas e/ou línguas oficiais de
países diferentes).
(Que línguas o(a) senhor(a)/você fala? Qual foi a língua que aprendeu primeiro? Em que
situações fala cada uma delas?
p) Língua(s) utilizada(s) para conversar.
(Que língua(s) o(a) senhor(a)/você utiliza para conversar com: (i) os parentes, de modo geral;
(ii) o(a) esposo(a); (ii) os mais velhos; (ii) os filhos; (iii) as crianças na comunidade.
q) Língua utilizada para falar na escola (no caso de o consultor nativo ser professor ou mesmo
um aluno). Informação complementar: nível em que a língua em questão é utilizada (ensino
fundamental, ensino médio ou terceiro grau)
(Que línguas o(a) senhor(a)/você fala na escola?) Em que série começou a utilizar essa(s)
língua(s)?)
r) Língua utilizada para falar nos locais de negócio/comércio [com identificação desses locais]
(Que línguas o(a) senhor(a)/você fala nos locais de negócio/comércio, como:
Banco:
Correios:
Cartório:
Mercadinho na sede:
Mercadinho na comunidade:
Outros:
s) Língua utilizada para falar com autoridades locais [com identificação dessas autoridades]
Que línguas o(a) senhor(a)/você usa para falar com autoridades locais, como
Cacique
Prefeito
Vereador
Secretário de Educação
Secretário de Finanças
Coordenador de Educação Indígena
Outros
t) Língua utilizada para escrever (quando é o caso) e seus locais ou situações de utilização.
(Que língua(s) o(a) senhor(a)/você usa para escrever? Em que situações você precisa
escrever? Em que locais? Quais os textos que você já escreveu?
Como aprendeu o português?
D) INFORMAÇÕES SOBRE A COMUNIDADE DE MORADIA (O(a) senhor(a)/você poderia falar um pouco sobre como é a vida na comunidade?
O que os homens e as mulheres fazem para manter a família?
O que as pessoas fazem para se divertir?
Que língua é mais usada na aldeia?
Caso a resposta TIKUNA, perguntar: em que situações o português é usado?
Caso a resposta PORTUGUÊS, perguntar: Por que o(a) senhor(a)/você acredita que falam
mais o português? Sempre foi assim?
Esta comunidade sempre teve este nome? O(a) senhor(a)/você sabe por que a comunidade
recebeu este nome?
O(a) senhor(a)/você gosta daqui? Por qual razão? Já teve ou tem a intenção de morar em outro
lugar? Onde?
O(a) senhor(a)/você acha que a vida aqui é agradável? Vocês enfrentam alguma dificuldade
aqui? O que não tem e deveria ter na comunidade?
263
Como é a alimentação aqui na comunidade? O que as pessoas costumam comer? Há pratos
típicos Tikuna? Como são feitos?
Quantos moradores existem na comunidade?
O que o/a senhor/a sabe sobre a história dos Tikuna?
Obs.: aqui também seriam incluídas características da situação social
local e, ainda, informações sobre as dimensões da comunidade.
E) USOS DE ACORDO COM DOMÍNIOS SOCIAIS E ATITUDES LINGUÍSTICAS
Qual foi mesmo a primeira língua que o(a) senhor(a)/você aprendeu quando criança?
Com que idade o(a) senhor(a)/você aprendeu uma outra língua?
Que língua o(a) senhor(a)/você se sente mais à vontade para falar?
Que língua o(a) senhor(a)/você acha mais bonita?
A língua tikuna hoje é a mesma que era falada pelos índios mais antigos? (se for não,
perguntar: ‘por que’).
Os jovens falam da mesma maneira que os mais velhos? (se for não, perguntar ‘por que’)
Que língua o(a) senhor(a)/você usa mais frequentemente em casa para falar com adultos?
Que língua você usa mais frequentemente em casa para falar com as crianças?
Que língua você usa mais frequentemente em casa para escrever?
Que língua você fala com pessoas da mesma idade na vizinhança?
Qual é a língua das rezas/preces?
Que língua você usa durante uma cerimônia de sua comunidade?
Que língua você usa quando reza/ora no local religioso que frequenta, se frequentar?
Que língua as crianças falam mais frequentemente na comunidade?
Que língua os mais velhos falam mais frequentemente?
Que língua o(a) senhor(a)/você usa quando está zangado/ com raiva?
Vocês costumam contar piada? Que língua o(a) senhor(a)/você usa para contar uma piada?
Conta piada em português? Conta piada em Tikuna? Em que lugar? Para que pessoas?
É melhor para uma pessoa falar língua indígena, Português ou ambas?
Que língua deve ser ensinada na escola?
Qual é a língua mais importante?
Que língua você prefere para ler?
Que língua você prefere para escrever?
O que sente sabendo que é Tikuna? Tem orgulho da sua etnia?
CONTATO
O(a) senhor(a)/você tem contato com pessoas de fora da aldeia? Com outros índios? De qual
etnia? E com não-índios? Em que situações?
O(a) senhor(a)/você costuma ir à sede de São Paulo de Olivença? Com que frequência? O que
costuma fazer na sede? Geralmente, conversa com quem ?
O que (a) senhor(a)/você pensa sobre a(s) escola(s) da comunidade?
O (a) senhor(a) /você gosta de assistir televisão? Com que frequência? Utiliza celular? Que
língua usa para escrever mensagens de texto? Tem acesso à internet? Costuma escrever nesse
ambiente virtual (redes sociais, e-mails, blogs, ec)? Em caso afirmativo, em que língua?
PRECONCEITO
Existe preconceito contra o índio? Já vivenciou uma situação assim? O que aconteceu? Como
se sentiu? Viu algum exemplo?
264
Isso aconteceu quando a pessoa estava falando Tikuna ou quando estava falando português?
F) NATUREZA DOS DADOS/ NATUREZA DA INFORMAÇÃO FORNECIDA PELO
CONSULTOR
a. [ Oral Espontânea ] [Oral Elicitada/ Induzida]
b. [ Escrita]
G) CLASSIFICAÇÃO DO MATERIAL LINGUÍSTICO PRODUZIDO [Lista de palavras] [Questionário Linguístico] [ Narrativa pessoal]
[Narrativa coletiva] [Oratória política] [Fala ritual/ cerimonial]
[Conversação] [Entrevista] [ Outro]
H) TIPO DE VEÍCULO [Vídeo] [Filme] [ Papel]
I) CARACTERÍSTICA(S) LINGUÍSTICA(S) SOB ANÁLISE
O(a) senhor(a)/você autoriza a utilização dos dados desta gravação para fins científicos?
265
ANEXO B - QUESTIONÁRIO SOCIOLINGUÍSTICO
A - INFORMAÇÃO PESSOAL
01Nome:____________________________________________________________________
02 - Data: ____________ Local:________________________________________
03 - Sexo: M( ) F( )
04 - ldade: _________________
05 – Etnia:____________________________ 6 – Clã:_____________________________
7- Grau de escolaridade:______________________________
B - USOS DE ACORDO COM DOMÍNIOS SOCIAIS E ATITUDES LINGUÍSTICAS
PERGUNTAS TIKUNA PORTUGUÊS AS
DUAS
NÃO
SEI
Que língua(s) você aprendeu primeiro quando
criança?
Que língua você usa mais frequentemente em
casa para falar com adultos?
Que língua você usa mais frequentemente em
casa para falar com crianças?
Que língua os mais velhos da comunidade
falam mais frequentemente?
Que língua você usa para falar com pessoas
da mesma idade na vizinhança?
Que língua as crianças da comunidade falam
mais frequentemente?
Que língua você usa mais frequentemente em
casa para escrever?
Que língua você usa para escrever
mensagens de texto no celular, na internet ?
Que língua você usa quando está usando o
telefone para falar?
Que língua você usa caso reze/faça preces em
casa?
Que língua você usa se reza/ora no templo
religioso?
Que língua você usa durante uma cerimônia
de sua comunidade?
Que língua você se sente mais à vontade para
falar?
Que língua você acha mais bonita? Que língua você usa quando está zangado(a)/
com raiva?
Que língua você usa para contar uma piada? É melhor para uma pessoa falar língua
indígena, Português ou ambas?
Que língua deve ser ensinada na escola?
266
Qual é a língua mais importante? Que língua você prefere para ler? Que língua você prefere para escrever?
C - GRAU DE DOMÍNIO LINGUÍSTICO EM LÍNGUA TIKUNA
D- GRAU DE DOMÍNIO LINGUÍSTICO EM LÍNGUA PORTUGUESA
PERGUNTAS SIM UM
POUCO
NÃO
Você consegue entender uma conversação em
língua portuguesa?
Você fala língua portuguesa?
Você consegue ler em língua portuguesa?
Você consegue escrever em língua
portuguesa?
E - USOS EM ATIVIDADES NA COMUNIDADE E NA SEDE DO MUNICÍPIO
USOS EM ATIVIDADES
LÍNGUAS LOCALIDADE
INDÍGENA PORTUGUÊS AS
DUAS
COMUNIDADE SEDE AS
DUAS
Conversas na família Reuniões da comunidade Trabalho na roça Pescaria Caçada Celebração da comunidade Festa ou ritual indígena Banho no rio Velório/ritos fúnebres Comércio/Mercadinho Formação de professores Reunião com órgãos do
governo
Encontro com pesquisadores Reunião na escola Missa ou culto Rezas cristãs (terço,
procissão, festa)
PERGUNTAS SIM UM POUCO NÃO
Você consegue entender uma conversação em língua
Tikuna?
Você fala língua Tikuna?
Você consegue ler em língua Tikuna?
Você consegue escrever em língua Tikuna?
267
Tratar de assuntos no Banco Tratar de assuntos nos
Correios
Tratar de assuntos no
Cartório
Falar no posto de saúde Realizar atividades
acadêmicas
Eu,
___________________________________________________________________________
autorizo a utilização dos dados desta pesquisa para fins científicos.
268
ANEXO C- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
SOBRE USOS LINGUÍSTICOS, FORMAÇÃO E ATUAÇÃO EM AULAS DE LÍNGUA TIKUNA E DE LÍNGUA
PORTUGUESA: UM ESTUDO COM PROFESSORES DE ESCOLAS BILÍNGUES EM COMUNIDADES
INDÍGENAS DE BENJAMIN CONSTANT- AMAZONAS
Prezada participante,
Você está sendo convidada a participar da pesquisa a ser desenvolvida por meio do projeto intitulado Sobre usos linguísticos, formação e atuação em aulas de Língua Tikuna e de Língua Portuguesa: um estudo com professores de escolas bilíngues em comunidades indígenas de Benjamin Constant-Amazonas. O estudo será realizado por
Ligiane Pessoa dos Santos Bonifácio, discente de Doutorado em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação da Professora Dra. Marília Facó Soares. O objetivo central do estudo é: Analisar como ocorre o processo de formação de professores que atuam em escolas bilíngues de comunidades indígenas da Mesorregião do Alto Solimões-AM e a repercussão dessa formação nas aulas de Língua Tikuna e de Língua Portuguesa, tendo em vista o modelo de bilinguismo trabalhado. Além disso, pretendemos determinar o grau de relação entre formação, atuação profissional, usos linguísticos e identidade social nos espaços escolares apontados. Você está sendo convidada a participar da pesquisa porque atua como professora de Língua Portuguesa em uma escola bilíngue situada em uma comunidade indígena de Benjamin Constant- Amazonas. A sua participação será voluntária, o que lhe assegura autonomia plena para decidir sobre a sua participação ou não nas etapas da pesquisa, cabendo-lhe, ainda, desistir da sua participação a qualquer momento. O registro da pesquisa será confidencial, sendo garantida a privacidade das informações prestadas por você. O resultado do estudo constará na tese com nomes fictícios. Cabe, ainda, informar que qualquer dado que possa identificá-la será omitido na divulgação dos resultados da pesquisa e você poderá, a qualquer momento, solicitar informações sobre a sua participação na pesquisa ou sobre o andamento desta. A sua participação será por meio de resposta a perguntas de um roteiro de entrevista/questionário à pesquisadora do projeto e de regência de aulas de Língua Portuguesa, a serem observadas de forma não-participante pela pesquisadora. A entrevista e as aulas somente serão gravadas se houver a sua autorização. As entrevistas serão transcritas e armazenadas, em arquivos digitais, às quais terão acesso apenas a pesquisadora e a orientadora. A sua participação é muito importante porque, uma vez conhecidas as limitações (se houver) da formação ofertada aos professores que atuam em escolas bilíngues localizadas em comunidades indígenas de Benjamin Constant-AM, é possível refletir sobre como o ensino bilíngue pode ser pensado nos programas de formação e efetivado nas escolas indígenas. Os resultados serão divulgados em palestra dirigida ao público participante, artigos científicos e na tese, sendo-lhe assegurada a confidencialidade da sua identidade. Os dados coletados servirão exclusivamente para fins de pesquisa e divulgação científica. LOCAL E DATA: __________________________________________________ Assinatura da Pesquisadora Responsável Contato com a pesquisadora responsável: Tel: (97) 99174-8499. e-mail: [email protected] Declaro que entendi do que trata a pesquisa, bem como os objetivos e condições de minha participação e manifesto minha concordância em participar. _________________________________________ (Assinatura do participante da pesquisa)
Universidade Federal do Rio de Janeiro