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BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL compilado por José Pereira da Silva 6635 V Consoante fricativa, labiodental, sonora, /v/. Vigésima segunda letra do alfabeto da língua portuguesa. Vigésimo segundo, em uma seriação alfabética. O waw fenício deu origem às letras f, u, v, w e y. Foi transformado em dois caracteres (ipsílon e digama) pelos gre- gos, que adotaram a variante ipsílon para indicar o som do v. Para os romanos, o u era simbolizado pelo desenho de um v, e a dis- tinção entre os sons de u e v só se deu muito mais tarde, no século XVII. No latim antigo, a escrita era feita somente com maiúscula, pois as minúsculas só foram criadas na Idade Média. Observe a evolução desta letra a partir dos fenícios: V é a letra que representa o fonema consonantal /v/, como nas pala- vras vaca, avidez, avó. V é uma abreviação para verbo (ou verbal), principalmente em SV (= sintagma verbal). Na estrutura silábica, V representa uma vogal qualquer. Em uma sí- laba do tipo CVC, como na palavra mas, a vogal [a] ocupa a posição central da sílaba. As vogais ocupam sempre o núcleo da sílaba, na lín- gua portuguesa e na maioria das línguas naturais, assim como também somente as vogais recebem o acento. v. V. (minúsculo) é abreviatura de ver, veja, veja-se, verso, você, vos- so, vossa, vir (ser humano, homem ilustre), volume e vale (fórmula fi- nal de uma carta ou missiva).

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BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

compilado por José Pereira da Silva

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V

Consoante fricativa, labiodental, sonora, /v/.

Vigésima segunda letra do alfabeto da língua portuguesa. Vigésimo

segundo, em uma seriação alfabética.

O waw fenício deu origem às letras f, u, v, w e y.

Foi transformado em dois caracteres (ipsílon e digama) pelos gre-

gos, que adotaram a variante ipsílon para indicar o som do v.

Para os romanos, o u era simbolizado pelo desenho de um v, e a dis-tinção entre os sons de u e v só se deu muito mais tarde, no século

XVII.

No latim antigo, a escrita era feita somente com maiúscula, pois as

minúsculas só foram criadas na Idade Média.

Observe a evolução desta letra a partir dos fenícios:

V é a letra que representa o fonema consonantal /v/, como nas pala-

vras vaca, avidez, avó.

V é uma abreviação para verbo (ou verbal), principalmente em SV

(= sintagma verbal).

Na estrutura silábica, V representa uma vogal qualquer. Em uma sí-

laba do tipo CVC, como na palavra mas, a vogal [a] ocupa a posição

central da sílaba. As vogais ocupam sempre o núcleo da sílaba, na lín-gua portuguesa e na maioria das línguas naturais, assim como também

somente as vogais recebem o acento.

v.

V. (minúsculo) é abreviatura de ver, veja, veja-se, verso, você, vos-

so, vossa, vir (ser humano, homem ilustre), volume e vale (fórmula fi-

nal de uma carta ou missiva).

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V. A.

V. A. é abreviatura de Vossa Alteza.

V.D.C.

V.D.C. é abreviatura de vovet, dicta ou dedicat et consecrat, expres-

sões latinas que subscrevem dedicatórias ou frases dirigidas a uma pes-

soa à qual se dedica uma obra.

v.g.

V.g. é abreviatura de verbi gratia, por exemplo.

V.I.

V.I. é forma abreviada de Viro Illustrissimo, epíteto que adjetiva um

autor ilustre e célebre, geralmente colocado na sequência do seu nome

mencionado no título dos livros antigos.

V.M.

V.M. é abreviatura de Vossa Mercê ou Vossa majestade.

v.tb.

V.tb. é abreviatura de ver também.

Vade-mécum

Vade-mécum (ou vademecum) é um livro, guia, manual de uso mui-

to frequente, que o usuário costuma carregar consigo para consultar.

Geralmente nesse livro estão resumidas as fórmulas, os dados e as no-

ções indispensáveis em qualquer parte, ciência ou ofício etc. É uma es-

pécie de enciclopédia, pois os verbetes se organizam em ordem alfabé-

tica ou temática, de maneira ordenada e metódica (COSTA, 2018, s.v.).

Vago

Chama-se vago, segundo Jean Dubois et al. (1998, s.v.), um traço

que se atribui a certas palavras cujo sentido varia de acordo com as si-tuações em que é usado, sem que possa definir de maneira discreta,

umas em relação às outras, essas diversas variações. Assim, poder-se-á

dizer que certos verbos franceses, como construire, têm o sentido ativo

ou factitivo, de acordo com as frases, e que esse sentido varia numa

área contínua, de acordo com a natureza do sujeito da oração.

Valáquio

Valáquio é a língua românica falada em certas regiões do Danúbio.

É o mesmo que daco-romeno ou romeno.

Segundo João Ribeiro (1906, s.v.), valáquio é o nome dado a uma

das línguas românicas, falada na região do Danúbio, onde estão a Mol-

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dávia e a Hungria. O valáquio tem sido denominado romano-eslavo,

romeno, romano oriental e daco-romano. O dialeto do sul, conhecido

pelo nome de macedo-romano, cheio de termos gregos, nunca se tornou língua culta. Desde Trajano, foi a Dácia reduzida a província romana e

começou desde então a supremacia da língua latina. No século VI, co-

meçou a intrusão do elemento eslavo, que, junto com o contingente

grego, assaz notável, deram constituição a uma língua latina pela gra-

mática, mas muito bárbara e híbrida pelo vocabulário. Os primeiros

textos são do século XVI ou do final do século XV, e a literatura é qua-

se exclusivamente eclesiástica, segundo Friedrich Diez.

Vale

Vale é uma palavra que se coloca ao lado de uma correção assinala-

da para validá-la; texto escrito com valor legal que representa um quan-

titativo de débito.

Valência

Termo introduzido pelo linguista francês Lucien Tesnière (1893-

1954), com particular influência no desenvolvimento dos modelos de

gramática de dependência na Europa e na União Soviética. O termo se

origina da química, e é usado na linguística com referência ao número

e ao tipo de laços que podem existir entre os elementos sintáticos. Co-

mo na química, um determinado elemento pode ter diferentes valências

em diferentes contextos. Uma gramática de valências apresenta um

modelo de sentença contendo um elemento fundamental (em geral, um

verbo) e um certo número de elementos dependentes (denominados ar-

gumentos, expressões, complementos ou valentes), cujo número e tipo

são determinados pela valência atribuída ao verbo. Por exemplo, a va-lência de desaparecer inclui apenas o elemento sujeito (é monovalen-

te), enquanto pesquisar inclui tanto o sujeito quanto o objeto direto (bi-

valente). Um verbo sem complementos (como chover) tem valência ze-

ro (avalente). A valência trata não somente do número de complemen-

tos de um verbo para produzir um núcleo de sentença bem-formada,

mas também da classificação de séries de valentes que podem se com-

binar com diferentes verbos. Por exemplo, dar e pôr são trivalentes,

mas o primeiro toma sujeito, objeto direto e objeto indireto, diferente-

mente do segundo, que toma sujeito, objeto direto e adjunto adverbial

de lugar. Diz-se que verbos divergentes estão associados a diferentes

séries de valência. A noção é semelhante àquela usada na gramática de casos, onde os casos são chamados às vezes de papéis de valência.

Segundo Franck Neveu (2008, s.v.), o termo valência foi retirado

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por Lucien Tesnière (1965) do vocabulário da química, onde é utilizado

para designar o número de ligações de um átomo com outros átomos

numa combinação. No domínio linguístico, designa o modo de construção dos verbos,

conforme o número de actantes que são capazes de reger. A valência

descreve, portanto, um aspecto fundamental da estrutura actancial do

verto.

“Da mesma forma que existem [...] diferentes espécies de actantes,

o primeiro actante, o segundo actante e o terceiro actante, a natureza do

verbo que os rege varia à medida que rege um, dois ou três deles. Pois é

evidente que o pensamento de um sujeito falante não concebe, psicolo-

gicamente, da mesma maneira um verbo capaz de reger um só actante,

um verbo capaz de reger dois ou três actantes, e um verbo que não é

capaz de reger nenhum. [...] Pode-se assim comparar o verbo a um átomo (cátion ou ânio)

capaz de exercer sua atração sobre um número maior ou menor de ac-

tantes, conforme ele comporte o número maior ou menor de ligações

para mantê-los em sua dependência. O número de ligações que um ver-

bo apresenta e, por consequência, o número de actantes que é capaz de

reger, constitui o que chamaremos de valência do verbo” (TESNIÈRE,

1959).

Na medida em que as posições actanciais de um verbo não são to-

das necessariamente saturadas no discurso, essa estrutura deve ser tida

como teórica. Ela demonstra uma capacidade de atração máxima que

pode ser, contudo, aumentada por determinados fatos de auxiliarização.

Lucien Tesnière, de quem são os exemplos, propõe a seguinte tipo-logia. Ele distingue, inicialmente, os verbos avalentes (sem actantes),

que correspondem aos verbos impessoais (Exemplos: chove, neva), e os

verbos monovalentes (com um actante), que correspondem aos verbos

intransitivos (Exemplos: Alfredo cai, Alfredo dorme).

“A ausência do actante nos verbos avalentes se explica facilmente

se imaginamos que se trata de um drama que se desenrola independen-

temente de qualquer actante. Neva exprime simplesmente um processo

que se desenvolve na natureza sem que possamos conceber um actante

que esteja na sua origem.

[...] Os verbos com um actante são frequentemente os verbos de es-

tado e isso é que explica o fato de serem frequentemente expressos em francês pelo verbo ser seguido de um adjetivo atributivo: a árvore é

verde. Mas estes podem ser também verbos de ação, nesse caso, a nu-

ança, bastante sutil, pelo menos em francês, pode ser expressa através

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da utilização de uma marca diferente. De forma diversa de a árvore é

verde, que exprime o estado de árvore em toda a sua passividade, a ár-

vore verdeja sugere a noção de uma força interna que está na origem da vegetação da árvore” (TESNIÈRE, 1959).

No interior da categoria transitiva, diversas estruturas, chamadas

diáteses (ou subvozes), devem ser consideradas, o que Lucien Tesnière

ilustra principalmente por meio dos verbos divalentes (com dois actan-

tes): a diátese ativa (Exemplo: Alfredo fere Bernardo); a diátese refle-

xiva (Exemplo: Alfredo e Bernardo se falam).

“[...] a gramática tradicional tem distinguido, corretamente, na voz

transitiva quatro variedades, que são, por consequência, espécies de

subvozes que chamaremos, adotando o termo dos gramáticos gregos

(διαθεσις) diáteses.

[...] Com efeito, desde que uma ação comporte dois actantes, temos fundamentos para concebê-la de forma diferente, segundo o sentido no

qual ela se exerce, ou para conservar a imagem tradicional, segundo o

sentido no qual ela transite de um a outro actante” (TESNIÈRE, 1959).

Os verbos trivalentes (com três actantes) apresentam um modo

complexo de transitividade, que se combina com a diátese passiva: en-

contramos aqui, essencialmente, os verbos “de dizer” e “de dar”

(Exemplo: Alfredo pede/dá uma explicação a Carlos, a explicação é

pedida/dada por Alfredo a Carlos).

“Se bem que a gramática tradicional não os distinta dos verbos com

dois actantes, com os quais ela os confunde sobe o título global de ver-

bos transitivos, os verbos com três actantes apresentam um certo núme-

ro de particularidades, devidas exatamente à sua trivalência, o que basta para que sejam objeto de um estudo especial” (TESNIÈRE, 1959).

Enfim, esse sistema é completado por dois tipos de diáteses capazes

de fazer variar o número de actantes. De um lado, a diátese causativa,

que permite aumentar em uma unidade a estrutura actancial de um ver-

bo por meio do auxiliar de valência fazer (Exemplos: avalente → mo-

novalente: A condensação de vapor d’água faz chover; monovalente →

divalente: Bernardo faz cair Alfredo; divalente → trivalente: Carlos fez

ferir Alfredo por Bernardo; trivalente → tetravalente [com quatro ac-

tantes]: A mãe fez comprar ao pai um trem elétrico para o filho). Por

outro lado, a diátese recessiva se observa, sobretudo, quando a opera-

ção se efetua com uma marca reflexiva ou passiva, emprego que cor-responde, em francês, ao que a gramática tradicional chama de verbos

pronominais de sentido passivo, nos quais o morfema se não tem qual-

quer autonomia gramatical (Exemplos: A porta se abre; Esse objeto se

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vende bem).

Sugere-se como complemento a este capítulo, a leitura do capítulo

12 de Semântica, de John Lyons (1980) e o capítulo 5 de Syntax, de Pe-ter H. Matthews (1981); o artigo “Valence: perspectives allemandes”,

de Peter Blumenthal e Peter Koch (2002); Cahanging Valency, Case

Studies in Transitivity, de Robert Malcom Ward Dixon e Alexandra

Yurievna Aikhenvald (2000); Changement, causation, action: trois ca-

tégories sémantiques fondamentales du lexique verbal français et alle-

mand, de Jacques François (1989); L’Actance, deGilbert Lazard (1994)

e Éléments de syntaxe structurale, de Lucien Tesnière (1965).

Veja os verbetes: Actância, Actante, Papel.

Validação

Segundo Franck Neveu (2008, s.v.), toda disciplina científica é ca-

racterizada por propriedades epistemológicas que variam de acordo com a validação do conhecimento pela disciplina em questão. Buscar

determinar as propriedades epistemológicas de uma disciplina supõe

um questionamento sobre as condições de verdade das proposições que

ela formula. Sylvain Auroux distingue, dessa forma, quatro tipos de

proposições capazes de definir as propriedades epistemológicas:

1) um teorema, ou seja, uma proposição cuja vericondicionalidade de-

pende do fato de que ela é uma adequação a um determinado sistema e

resulta de axiomas e de regras dedutivas admitidas;

2) uma regra, um seja, uma prescrição que, por definição, não deveria

ter valor de verdade já que formula não o que é, mas o que deve ser;

3) uma lei, ou seja, uma proposição universal;

4) um fato, ou seja, uma realidade contingente que formula uma propo-sição não universal e cuja vericondicionalidade depende da existência

ou inexistência do que é afirmado.

Essas proposições formam os constituintes do que Sylvain Auroux

chama o tetraedro de validação:

(AUROUX, 1998)

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Veja os verbetes: Axioma, Empiricidade, Epistemologia, Factum

grammaticae, Lei, Teoria.

Valor

Relação entre o som e a significação de uma unidade linguística de-

terminada pela sua posição dentro do sistema.

A noção de "valor" foi trazida para a ciência da linguagem pelo sá-

bio genebrino Ferdinand de Saussure (1857-1913) e constitui uma de

suas mais profundas contribuições à teorização do saber linguístico. De

acordo com a sua concepção, o valor não deve ser definido positiva-

mente, mas negativamente, porque o seu caráter próprio está em ser o

que os outros valores não são. Assim, num jogo de xadrez, uma peça

qualquer – o cavalo, por exemplo – pode ser substituído por não impor-

ta que outra figura, com a condição exclusiva de não ter a mesma forma

de nenhuma das outras peças. O seu valor está naquilo que a distingue das restantes peças do tabuleiro.

A noção de valor linguístico pode ser exemplificada no plano de

expressão e no plano do conteúdo.

No plano da expressão (do material sonoro), pode-se exemplificar

com a noção de fonema. Assim, o r forte do português do Brasil (em

rato, por exemplo) pode ser articulado com vibração da úvula (r uvular

ou grasseyé) ou da ponta da língua (r apical rolado), sem que a relação

entre o som e o significado (valor da palavra) seja alterada, porque essa

variação articulatória não impede que tal entidade fônica se mantenha

funcionalmente distinta de todas as outras unidades fônicas da língua.

O valor é o mesmo, embora varie a maneira de articular.

No plano do conteúdo (da substância psíquica), pode-se exemplifi-car com o "sentido" das palavras. Assim, a palavra portuguesa pé tem a

mesma significação básica que o inglês foot, mas não tem o mesmo va-

lor, pois não aparecem sempre em contextos equivalentes. Assim, em

português, pode-se dizer um pé de alface, mas seria absurdo traduzir

essa expressão em inglês por a foot of lettuce.

Valor não se confunde, portanto, nem com significante nem com

significado. Veja o capítulo 7 de An Introduction to General Linguis-

tics, de Francis Patrick Dinneen (1967).

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), valor é a capacidade

distintiva de uma unidade linguística em decorrência de sua posição no

sistema. Daí a célebre asserção de Ferdinand de Saussure (1857-1913) de que “a língua é forma e não substância”. Uma variante, por exem-

plo, apesar da sua articulação diversa, não perde a capacidade distintiva

graças ao seu valor. Por mais que se deturpe a articulação de um fone-

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ma, seu valor permanecerá o mesmo, na medida em que ele continue a

se distinguir de qualquer outro fonema. Assim, também a palavra den-

tro da frase ou a própria frase.

EM FILOSOFIA

Segundo Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2006,

s.v.), a tradição filosófica considerava as questões “sobre o bem, o fim,

o certo, o necessário, o virtuoso, o julgamento moral, o julgamento es-

tético, o belo, o verdadeiro, o válido” (FRANKEN, 1967) relativas a

domínios separados (moral, direito, estética, lógica, economia, política,

epistemologia). No final do século XIX, essas questões foram retoma-

das no quadro de uma teoria geral de valores, de influência platônica;

mais tarde "essa ampla discussão sobre o valor, os valores e os julga-

mentos de valor se dispersou na psicologia, nas ciências sociais, nas humanidades e mesmo no discurso ordinário". (Idem, ibidem)

EM ARGUMENTAÇÃO

Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca distinguem “os valores

abstratos tais como a justiça ou a verdade, e os valores concretos como

a França ou a Igreja” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 1970,

p. 105). As frequentes contradições podem se resolver através de sua

hierarquização (idem, ibidem, p. 107). Os valores são particularmente

ligados ao gênero epidítico, o qual “se propõe amplificar a intensidade

da adesão a certos valores” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA,

1958, p. 67).

Se a argumentação oral procede com base em valores partilhados pelo orador e pelo auditório, em um debate contraditório, os discursos

do proponente e o do oponente podem apoiar-se em valores radical-

mente incompatíveis (por exemplo, quando os interesses materiais es-

tão em primeiro plano); o papel de árbitro (juiz ou eleitores) se torna,

então, mais importante para decidir do que para resolver uma questão.

A aspiração a uma linguagem “não enviesada”, isto é, completamente

desprovida de julgamentos de valor (subjetivos, emocionais, orienta-

dos) em proveito de apenas julgamentos de fato, não pode ser satisfeita

a não ser renunciando à linguagem natural em favor de uma língua

formal ou angelical.

Do ponto de vista linguageiro, “valor” acaba por ser simplesmente sinônimo de “opinião”. A noção de valor remete às problemáticas da

subjetividade, da afetividade e das orientações. As palavras “que ex-

primem valores” são fundamentalmente palavras portadoras de orienta-

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ções argumentativas, constituídas em pares antonímicos: todo esse lé-

xico pode ser considerado como um gigantesco reservatório de pares

polêmicos: “prazer/desprazer”, “saber/ignorância”, “beleza/feiura”, “verdade/mentira”, “virtude/vício”, “harmonia/caos, discórdia”,

“amor/ódio”, “justiça/injustiça”, “liberdade/opressão”... A dissociação

se exprime igualmente por sintagmas mais ou menos cristalizados

(“expressão do eu / recalque”, “vida ao ar livre / vida nos escritórios”);

e o discurso pode construir longas sequências antiorientadas, sob a fi-

gura da antítese.

Na gênese do discurso argumentativo, o julgamento de valor cor-

responde à tomada de posição: “”É muito legal essa colônia de férias!”.

Carregado pelo seu próprio entusiasmo ou estimulado por uma contra-

dição (“Aaah... nada disso!”), o discurso pode se ampliar numa tabele

coerente (uma esquematização), composta unicamente por temos de orientação positiva.

De maneira um pouco mais complicada, vê-se, às vezes, na tríade

“prestígio, amor, dinheiro” valores que não necessitam de justificativa,

que justificam todas as ações que podem estar relacionadas a eles, por

exemplo, pela ligação meio/fim: “Este sabão em pó deixará as mãos

suaves e brancas, custará mais barato, terá um resultado mais branco

que o de sua vizinha”. Ou, numa outra situação, é porque a coerência é

um valor lógico, que geralmente pode ser utilizada para contestar o in-

terlocutor de maneira eficaz, mostrando que ele sustenta argumentos

contraditórios.

A questão da argumentação de valores – como se justifica a genia-

lidade de uma tabela, o caráter virtuoso de uma ação – depende do do-mínio considerado, do mesmo modo que as argumentações que reorien-

tam as oposições: elogio da ignorância, virtudes do caos, crítica da li-

berdade... Como sempre, os contextos de contradição são particular-

mente favoráveis para tais estudos.

Em tese, os topoi, no sentido de esquemas de argumentação, são es-

truturas macrodiscursivas em número muito grande; mas finito. A no-

ção de valor-orientação introduz boas razões em número tão infinito

quanto é a variedade das coisas desejáveis.

O termo valor, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), possui empregos

bem diferentes em linguística. É, inicialmente, uma palavra utilizada

frequentemente, e de maneira indefinida, para abranger um sentido ou um efeito de sentido ligado a esta ou àquela categoria linguística (fala-

se assim de valor dos tempos, valor das preposições etc.) ou, ainda, pa-

ra abranger o emprego de uma unidade lexical ou de uma expressão

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num enunciado.

À margem desse emprego não teorizado, a ciência da linguagem se

utiliza principalmente do sentido que Ferdinand de Saussure (1857-1913) atribuiu ao termo valor linguístico no Curso de Linguística Ge-

ral. A noção é, aqui, colocada no centro do sistema da língua. Quer seja

considerada em seu aspecto conceitual ou seu aspecto material, o valor

de uma unidade do sistema se define de maneira diferenciada, não posi-

tivamente, mas negativamente através da relação que mantém com as

outras unidades do sistema. Retira sua identidade de seu caráter oposi-

tivo.

“[...] nos sistemas semiológicos, como a língua, onde os elementos

se mantêm reciprocamente em equilíbrio de acordo com regras deter-

minadas, a noção de identidade se confunde com a de valor, e recipro-

camente. Eis porque, em definitivo, a noção de valor cobre as de unidade, de

entidade concreta e de realidade.

[...] uma palavra pode ser trocada por qualquer coisa dessemelhan-

te: uma ideia; além disso, pode ser comparada com algo da mesma na-

tureza: uma outra palavra. Seu valor não estará, portanto, fixado, en-

quanto nos limitarmos a comprovar que pode ser ‘trocada’ por este ou

por aquele conceito, isto é, que tem esta ou aquela significação; é preci-

so, ainda, compará-la com os valores semelhantes, com as outras pala-

vras que se lhe podem opor. Seu conteúdo só é verdadeiramente deter-

minado pelo concurso do que existe fora dela. Fazendo parte de um sis-

tema, estar revestida não só de uma significação, mas também, e sobre-

tudo, de um valor, e isso é coisa bem diferente” (SAUSSURE, 2012, p. 156 e 162).

A noção de valor foi igualmente explorada no quadro teórico dos

espaços mentais, desenvolvida por Gilles Fauconnier, onde é definida,

por distinção com a noção de papel, o alvo da referência. Papel e valor

são dois aspectos da função pragmática.

Veja os verbetes: Conceito, Emoção, Língua, Orientação argumen-

tativa, Papel, Pathos, Referência, Sentido e Signo.

Valor abstrato

Veja o verbete: Valor concreto.

Valor argumentativo

Valor argumentativo, segundo Valdir do Nascimento Flores et al. (2018, s.v.), é o conjunto de possibilidades ou impossibilidades de con-

tinuação discursiva que o emprego de uma palavra determina, decor-

José Pereira da Silva

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rente da unificação dos aspectos subjetivo e intersubjetivo da lingua-

gem.

O emprego de uma palavra concede ao discurso uma orientação, um valor argumentativo, que torna possível ou impossível determinadas

sequências argumentativas.

Sugere-se a leitura de Polifonia y argumentación, de Oswald Du-

crot e Jean-Claude Anscombre.

Veja os verbetes: Argumentação, Discurso e Potencial argumenta-

tivo.

Valor concreto

Valor concreto é o valor real, valor que tem a palavra pelo seu se-

mantema. Em corro, por exemplo, o valor concreto está no semantema

corr-, ao passo que o morfema -o indica apenas um acidente desse se-

mantema (primeira pessoa do singular do presente do indicativo). O morfema, portanto, tem valor abstrato, valor que se deduz, valor implí-

cito, ao contrário do semantema, de valor explícito. Em corres, o es se

decompõe em e, vogal temática, e s, desinência de segunda pessoa; já

em talheres, o es é morfema de plural. Se o semantema talher pode

apresentar variações semânticas ou mesmo significados diferentes, de

qualquer maneira tal significado ou variação de significado são depre-

endidos da frase; os morfemas se depreendem da palavra (JOTA, 1981,

s.v.).

Valor evocativo

Valor evocativo é o valor acrescido ao significado normal da pala-

vra ou frase, graças ao efeito evocativo que tal palavra ou frase passam

a carrear. Externar-se à maneira caipira, ou de estrangeiro pouco fami-liarizado com outro idioma, tudo isso pode levar o ouvinte a identificar

ou deduzir uma situação, um lugar, uma pessoa etc., como pode tam-

bém externar um sentido irônico ou pejorativo. O francês emprega o

espanhol hablar (falar) sob a forma hâbler, mas com o sentido de gar-

gantear ou se gabar; o espanhol, por sua vez, emprega o parlar (do

francês parler, falar) como tagarelar. E o português palrar, metátese

de parlar, pode provir do francês parole ou do italiano parolar (JOTA,

1981, s.v.).

Valor expressivo

Valor expressivo é o valor latente na palavra, na construção, ou

mesmo nos fonemas, que empresta maior expressividade aos nossos pensamentos. As palavras onomatopeicas, via de regra, são expressivas.

É claro que a palavra pode perder ou ganhar valor expressivo, de acor-

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do com as alterações fonéticas que acaso sofra. O alemão Blitz parece

expressivo, embora provenha de blecchazzen (confira El Mundo Mara-

vilhoso del Lenguaje, de Walter Porzig, 1895-1961). E o Prof. Abelar-do Moralejo, tradutor desse excelente livro (ao qual acrescenta judicio-

sas e eruditas anotações), vê expressividade no espanhol murciélego

(murciágalo), que não levaria em murciego. As nasais simbolizam no-

tas velada, prestando-se à expressão de tristeza, mas também à mono-

tonia, solidão, sossego, brandura etc. As oclusivas se prestam a ruídos,

sons: bum, tique-taque etc. Observem a palavra fluxo: o fl indica cor-

rer; com o cs (x) temos a interrupção do que vem fluindo através da

oclusiva c, logo desfeita pelo s, fricativo, que deixa “escorrer” líquido,

há pouco interrompido, seguido do u (“o” final), que desimpede total-

mente o curso da corrente. Via de regra, apesar de vir a expressividade

sob forma afetiva, não deve ser ele confundida com afetividade. Uma e outra se superpõem à mensagem denotativa; cada uma delas, porém,

pode aparecer isoladamente. Como exemplo de sons evocativos é su-

gestivo o que nos mostra o calendário republicano francês, como nos

lembra Maurice Delamain (1883-1974), em seu livro Plaidoyer pour

les Mots: Un Essai de Phonétique Expressive. As palavras germinal,

floréal, prairial (para a primavera), messidor, thermidor, fructidor (pa-

ra o verão), vendémiaire, brumaire, frimaire (para o outono) e nivôse,

pluviôse, ventôse (para o inverno). Como se vê, acredita-se que o som

da palavra ou da frase pode evocar o sentido explícito ou implícito nas

mesmas (para o que se admite que tenham significado os próprios sons

elementares), assim como o sentido pode modelar a palavra, a ponto de

modificá-la fonicamente, se a correspondência não for perfeita (JOTA, 1981, s.v.).

Valor expressivo ou dominante expressiva, segundo Valdir do Nas-

cimento Flores et al. (2018, s.v.), é a tendência espontânea do falante de

relacionar todas as suas percepções a seu próprio eu e seu modo de ver.

Para Charles Bally, esse valor expressivo é necessário para a con-

servação do falante como sujeito constituído a partir do seu modo de

ver o mundo, as coisas e a si mesmo. Trata-se de uma categoria formal

do pensamento que tende sempre a diferenciar os fatos de expressão em

sentidos de prazer ou desprazer, conveniência ou não ao “ei” e confor-

midade ou não conformidade aos princípios (sociais) exteriores ao

“eu”. O termo valor expressivo é estudado na primeira fase de Charles Bally, a estilística.

Sugere-se a leitura do artigo “La stylistique de Charles Bally: de la

notion de ‘sujet parlant’ à la théorie de l’énonciation”, de Jean-Louis

José Pereira da Silva

6647

Chiss; Introduction à la linguistique de Charles Bally, de Sylvie Dur-

rer; do artigo “Charles Bally: de Bergson à Saussure”, de José Medina.

Veja os verbetes: Expressividade, Função expressiva, Onomato-

peia, Significado emotivo e Sujeito falante.

Valor gramatical

Na oração, uma palavra pode assumir três valores gramaticais dife-

rentes: a classe (ou natureza), a categoria e a função, como lembra

Walmírio Macedo (2012, s.v.).

Primeiro valor: a classe.

Todas as palavras se enquadram em alguma classe.

Há um valor substantivo, se designa o ser (a casa, o sapato etc.); há

um valor adjetivo, se designa a qualidade ou estado (bom, feio, lindo

etc.) e há um valor de verbo, se designa o fato ou o acontecimento (o

menino chora). Como se vê, uma palavra, segundo o que exprime, tem a sua natu-

reza: a natureza de substantivo, de adjetivo, de pronome, de artigo, de

numeral, de verbo, de advérbio, de preposição, de conjunção ou de in-

terjeição.

Segundo valor: a categoria.

Certas classes de palavras trazem particularidades que exprimem

noções que precisam seu significado. Assim, o substantivo tem a noção

de gênero e número do ser que ele designa. Essas indicações são neces-

sárias porque elucidam a compreensão (confrontem-se caso e casa,

queixo e queixa etc.).

O verbo, por exemplo, traz indicações de tempo (presente, passado,

futuro), de voz (ativa, passiva, reflexiva), de modo (indicativo, subjun-tivo, imperativo) e de pessoa (primeira: faço, segunda: fazes, terceira:

faz).

Essas indicações de denominam categorias. Assim, o gênero e o

número são categorias nominais, enquanto o tempo, o modo, a voz e a

pessoa são categorias verbais.

Terceiro valor: a função.

As palavras, na oração, entram em relação umas com a outras. Têm,

portanto, a sua função. O substantivo, por exemplo, pode exercer a fun-

ção de sujeito numa oração e, já em outra, a de objeto. A função é, pois,

o valor que uma palavra ou um grupo de palavras assume em relação a

outra palavra ou grupo de palavras.

Valor histórico

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6648

valor histórico é o interesse que um livro ou encadernação apresenta

para além da informação transmitida pelas suas palavras impressas; in-

tegridade de um livro em termos de sua produção original, de detalhes e acidentes de percurso.

Veja o verbete: Integridade bibliográfica.

Valor informativo

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

valor informativo é a valia decorrente da informação contida dos do-

cumentos utilizados com a finalidade de referência ou de pesquisa, in-

dependentemente do seu valor de testemunho da história da instituição

que o produziu. Opõe-se a valor probatório.

Valor linguístico

Valor linguístico o sentido de uma unidade definida pelas posições

relativas dessa unidade no interior do sistema linguístico, segundo Jean Dubois et al. (1998, s.v.). O valor se opõe à significação definida pela

referência ao mundo material (a substância). Assim, as moedas, as "no-

tas" e os cheques são manifestações diferentes de um só e mesmo valor.

Da mesma forma, as unidades linguísticas permanecem as mesmas, se-

jam quais forem os sons que as representem, que conservam o mesmo

valor, quer sejam realizados foneticamente, quer graficamente. Ferdi-

nand de Saussure (2012) utilizou a imagem do jogo de xadrez para fa-

zer compreender a noção de valor linguístico, lembrando que uma peça

do jogo, a rainha, por exemplo, é definida essencialmente pela sua po-

sição nas regras do jogo. Esse "valor" pode ser assumido por formas

materiais diversas.

Valor normal

Veja o verbete: Fonometria.

Valor primário

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

valor primário ou valor intrínseco é a importância que os documentos

possuem em função do interesse que têm para a entidade ou instituição

que os produziu ou conservou, tendo em vista a sua utilização com fins

administrativos, legais ou fiscais.

Valor probatório

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

valor probatório, valor institucional ou valor legal é a importância in-

trínseca de documentos de arquivo que lhes permite servir de prova le-gal; é o valor atribuído a um núcleo arquivístico que permite estabele-

José Pereira da Silva

6649

cer a origem, estrutura, competência e funcionamento da instituição

que o produziu.

Valor secundário

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

valor secundário é o interesse que os documentos possuem, de ordem

probatória, cultural ou informativa para a entidade que os produziu ou

para outras entidades e usuários particulares. Diz respeito à utilização

dos documentos para fins diferentes daqueles para os quais foram pro-

duzidos. Deve ser considerado numa dupla perspectiva: a do valor pro-

batório e a do valor informativo.

Valor semântico

Valor semântico é o valor que toma o fonema na palavra. Isolado,

nenhum fonema tem sentido, mas, como parte integrante de uma pala-

vra (elemento de carga semântica), tem certo valor. O valor semântico do s em sé, por exemplo, somado ao de e, é que nos faz distinguir tal

vocábulo da série: bê, dê, lê, me, pê, que, se, te, vê, zê, é, fé, né, pé, ré,

sé, ‘té, Zé. Note-se que o valor do fonema na palavra decorre não só

dos seus traços distintivos, como também da posição que ocupa (JOTA,

1981, s.v.).

Valoração

Veja o verbete Acento de valor.

Valorização fônica

Valorização fônica é o processo segundo o qual certos traços se-

cundários do fonema ganham relevância, determinando a mudança do

fonema. Na passagem do latim para o português, o /n/ se palatalizou di-

ante de semivogal /y/, por assimilação, dando o fonema /ŋ/. O traço se-cundário do /n/, palatal apenas naquela posição, tornou-se permanente,

determinando a mudança (JOTA, 1981, s.v.).

Veja o verbete: Desvalorização tônica e Revalorização fônica.

Valorização semântica

Valorização semântica é o ato de perder a palavra caráter deprecia-

tivo ou degradante. Por exemplo: gaúcho era o ladrão de gado; hoje,

orgulham-se os sul-rio-grandenses de ser gaúchos; ministro, de simples

ciado passou a destacado assessor da república (JOTA, 1981, s.v.).

Veja o verbete: Degradação semântica.

Vanguardas

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), o termo “vanguarda” desig-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6650

nava, originariamente, as unidades armadas que se punham à frente dos

exércitos nos conflitos de guerra. De etimologia anglo-saxônica (ale-

mão Warten, guardar; inglês to ward, proteger, século XI), entrou em uso no francês (século XII), em espanhol, na forma avanguardia, no

fim do século XIV, e na forma atual, no século XVII, contemporanea-

mente ao nosso vernáculo. Assumiu, mais tarde, o sentido estético mo-

derno, ao nomear determinados movimentos artísticos e literários.

Gabriel-Désiré Laverdant (1809-1884) é considerado o primeiro a

empregá-lo nesta nova acepção, em De la Mission de l’Art et du Rôle

des Artistes (1848). Charles Baudelaire (1821-1867), pouco depois,

mencionaria “os literatos de vanguarda” no seu diário (Mon Coeur mis

à nu, 1862-1864). Ao termo ainda recorreu o movimento anarquista, in-

titulando L’Avant-Garde (1878) uma revista destinada a propagação do

seu credo, assim como o enlace entre a literatura e a política se con-substanciaria em La Revue Indépendante, periódico fundado em 1880

(POGGIOLI, 1968, p. 9-11). Iniciando-se na França e difundindo-se

pela Europa e pelas Américas, as vanguardas pertencem “quase exclu-

sivamente às línguas e culturas neolatinas” (POGGIOLI, 1968, p. 5;

WEIGHTMAN, 1974, p. 22).

O plural do designativo do verbete assinala a convergência, num

quadro histórico determinado, de movimentos estéticos que, à seme-

lhança das vanguardas militares, se propunham sobrepor-se às corren-

tes até então hegemônicas. Uma vanguarda isolada, sem desdobramen-

tos ou sem rivais, é uma impossibilidade histórica. Quando uma delas

cumpre o seu périplo, inicia-se uma nova, que igualmente se extingue

ao realizar o seu projeto, e assim sucessivamente (POGGIOLI, 1968, p. 82-83). Não sendo concomitantes, salvo num caso ou noutro, obedecem

ao ritmo das modas estéticas.

Divisadas, todavia, a posteriori, parecem delimitadas no tempo:

“fenômeno sem precedentes na tradição cultural do mundo ocidental”

(POGGIOLI, 1968, p. 162), as vanguardas nas artes plásticas, na músi-

ca e na literatura desenvolveram-se primordialmente nas duas primeiras

décadas do século XX, mais propriamente, entre 1908, com o Cubismo

e o Unanimismo, e 1924, com o Surrealismo.

Exprimiam a ambígua utopia das máquinas então florescente: “o

maquinismo, como se disse algumas vezes, desempenha na cultura mo-

derna ao menos alguns dos papéis que o século XVIII atribuía à própria natureza ou ainda a elementos mitológicos ou princípios metafísicos

mais antigos. [...] A máquina surgiu para a consciência artística do co-

meço do século XX sob a dupla dimensão de meio de poder técnico so-

José Pereira da Silva

6651

bra a natureza e fator ordenador em um sentido simultaneamente social

e simbólico” (SUBIRATS, 1985, p. 26 e 27-46).

Esboçada com o Romantismo, em razão da crise que sacudiu a cul-tura clássica, simultânea ao Iluminismo, de que a Sturm und Drang e a

efervescência da elite intelectual francesa da época constituem signifi-

cativo indício, e parcialmente desenvolvida com a estética simbolista, –

a irrupção das vanguardas derivou de um processo histórico que ocu-

pou grande parte do século XIX. Fatores sociológicos e políticos tam-

bém exerceram papel relevante, num quadro em que a I Guerra Mundi-

al se tornaria fulcro das radicais transformações, dando fim aos padrões

de cultura oitocentistas.

A decadência da febre vanguardista, por exaustão, modismo, mono-

tonia ou perda do sentido de novidade, opera-se nos anos 20 do século

XX (SUBIRATS, 1985, p. 25-26 3 36): o pós-guerra de 14-18 presen-cia uma espécie de reversão de expectativas, incluindo as que alimen-

tavam as vanguardas.

“A própria tecnologia, o próprio princípio maquinista, no qual a

modernidade estética pusera as esperanças de uma ordem harmônica,

converteu-se em uma potência selvagem, em uma hybris incontrolável.

Ao invés de constituir o suporte objetivo de uma utopia histórica, con-

verteu-se, para a consciência atual, no símbolo de uma angústia apoca-

líptica frente ao futuro, no novo Leviathan de um poder total” (SUBI-

RATS, 1985, p. 35, 41-42 e 44).

Identificadas com os ventos inovadores que sopravam nos primeiros

decênios do século XX, as vanguardas levaram a modernidade rio

abaixo ao entrar no ocaso: se hoje ainda não temos etiqueta para substi-tuir o vocábulo “modernismo”, nem por isso significa que não tenha

cumprido o seu ciclo histórico. Na verdade, depois de 1918, estilhaçou-

se numa série de “ismos” efêmeros, com exceção, em certa medida, do

Surrealismo, ainda quando orientados pelo afã das vanguardas: não há

como substituí-las, menos ainda ressuscitá-las, senão como fórmulas

vazias, medíocres, de mau gosto ou recorrência de velhas soluções, vis-

to haverem desaparecido as condições históricas, inclusive de natureza

estética, que pudessem justificá-las.

O chamado Pós-Modernismo, “manifestação derradeira,[...], epigô-

nica e decadente do movimento moderno”, denuncia “a obsolescência

da própria vanguarda, quer dizer, sua morte” (SUBIRATS, 1985, p. 107). Nessa linha de raciocínio, custa admitir a existência das “neovan-

guardas”, como o Tremendismo espanhol (1944), o Letrismo francês

(1947),ou o Concretismo internacional (1950-1960), senão para chegar

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6652

a resultado semelhante (KUSPIT, 1994, p. 14-27), ou para se concluir

que se trata de “pseudovanguardas” (SCHOPF, 1986, p. 36).

Ou, mais precisamente, de “pós-vanguardas”: o artista “oferece-nos mais um mito da arte do que da experiência”, uma vez que “vive entre

as ruínas da vanguarda passada” desiludido pelo fato de que “o templo

da vanguarda foi erigido sem a sua participação e antes do seu tempo”,

integrando um movimento “inerentemente parasitário”, devotado ao

“culto da criação das vanguardas” (KUSPIT, 1994, p. 3, 16, 19, 21 e

25).

Obviamente, a etimologia da palavra “vanguarda” não a define nem

a caracteriza, mas assinala, quando menos, o espaço virtual que preen-

che em relação às forças estéticas reinantes em determinado momento.

Demarcá-las, descrevê-las, constitui, até certo ponto, pleonasmo: a de-

finição implica-lhe as características, intrínsecas ou extrínsecas, e estas supõem uma definição que não é única nem imutável.

De modo genérico, as vanguardas se caracterizam pelo culto do nii-

lismo, agonismo, futurismo, decadência, numa palavra, pela ruptura to-

tal e irrestrita com o passado, nas suas mil formas e nas suas múltiplas

soluções (POGGIOLI, 1968, p. 61-67). Em tom revolucionário, “mar-

cado por um extremismo deliberadamente irracional” (WEIGHTMAN,

1974, p. 18), canta-se o novo, o original, o experimento, a todo o tran-

se, numa aventura sem fim, num egocentrismo narcisístico, de que a

criação estética se nutre e de que vem a sucumbir. Uma espécie de so-

berana arrogância alimenta o artista de vanguarda, a olhar desdenhosa-

mente para a turba, como uma manada de animais em fuga, por não en-

tenderem a novidade que visa a pôr fim à mesmice da tradição, vincu-lada, de algum modo, aos dois milênios de cultura hebraico-cristã.

Se alguma vez o gosto de épater les bourgeois esteve em moda foi

nessa época de frenesi, contemporânea a tudo quanto, na belle époque,

era sinônimo de modernidade, alegria ad viver, sentido extremo da

aventura e da experiência, sem barreira alguma para os impulsos da cri-

ação: sustentado num individualismo altivo e desmedido que, ambicio-

nando tornar-se padrão para a sociedade, logo se converteu numa reli-

gião ou ideologia do novo, anseio de revolução social, enfileirado com

as forças que naquele momento lutavam pelo ideal de um “admirável

mundo novo”, em que prevalecesse a liberdade total e sem limite, nota-

damente na esfera da criação estética, por isso mesmo tornada para-digma de conhecimento. Centradas as vanguardas nesse culto ao estéti-

co, entende-se por que “a identificação da revolução artística com a re-

volução social se transformasse, num dado momento, em pura retórica,

José Pereira da Silva

6653

um vazio lugar-comum” (POGGIOLI, 1968, p. 93 e 96).

As vanguardas se caracterizam, no terreno da poesia, em três for-

mas de rebelião: 1) “contra a beleza” – “o desdém à tradicional exigên-cia da beleza, tanto no objeto, como na sua representação artística”, em

razão do apoio tácito “numa estética heterônoma, metafísica e raciona-

lista”; 2) “contra a música”, ou, verdadeiramente, contra “a rima e os

moldes formais”, tendo em vista a criação de um novo instrumento

poético, paradoxalmente arquimusical, que se denominou verso livre;

3) “contra a linguagem” – a poesia “deve resolver os seus próprios pro-

blemas com os seus próprios meios, reduzir-se a expressar-se sem mais

pré-fabricação do que a palavra, chegar ao leitor e nele permanecer sem

o auxílio mnemotécnico da rima”, de forma que “se reduza a sílabas a

linguagem poética”, como no Dadaísmo, ou “tergiversar e romper as

funções lógicas e gramaticais por exigência mesma do objeto que quis expressar (a psique em concreto absoluto)”, como no Surrealismo, ou a

substituição da “palavra pela mera letra”, como no Letrismo (MORE-

NO, 1988, p. 63, 65, 66, 68, 72, 74 e 76).

Do mesmo modo que a poesia sofreu profundos abalos sísmicos, a

prosa de ficção, seguindo na trilha aberta pela filosofia bergsoniana e

pela psicanálise freudiana, descobriu os horizontes largos e imprevistos

da “poética onírica”. Era o declínio do realismo que havia presidido o

romance desde o seu nascedouro e que tinha encontrado na célebre

proposta de Stendhal (pseudônimo de Henri-Marie Beyle, 1783-1842)

– o romance como espelho – a sua fórmula mais adequada e sugestiva,

pouco depois reforçada pelo advento da fotografia. Diluem-se as bordas

que separam a poesia da prosa, dando origem a narrativas compósitas (prosa poética) ou a poemas em prosa. Às mãos de Katherine Mansfi-

eld (1888-1923), Adeline Virginia Woolf (1882-1941), Valentin Louis

Georges Eugène Marcel Proust (1871-1922), Franz Kafka (1883-1924),

James Augustine Aloysius Joyce (1882-1941) e outros, novas técnicas

entram em uso, como o stream of consciousness ou “fluxo de consciên-

cia”, o “monólogo interior”, a serviço de “invocações musicais, inter-

pretações simbólicas e mesmo uma imitação da vida psíquica ou a re-

construção do mundo íntimo e privado da consciência” (POGGIOLI,

1968, p. 192, 205-206 e 229).

O romance moderno não só cortava as amarras que o prendiam ao

romance do século XVIII, seja na forma, seja nos temas, como também superava o fascínio das suas modalidades mais recentes, encarnadas no

Naturalismo, de feição científica. Pondo fim ao “reinado da razão” e

encetando “o primado da imaginação” no universo da arte literária, em

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6654

lugar da verossimilhança fotográfica entrava em vigência a prospecção

dos móbeis psicológicos ocultos e complexos das personagens.

Como se não conseguissem superar a sujeição de origem ao aspecto bélico, as vanguardas são as primeiras tendências estéticas a enfraque-

cer, decair e morrer: o novo rapidamente envelhece. É certo que deixa

rastros, age sobre o meio em derredor, mas o seu destino é ser uma li-

nha avançada, efêmera e provisória, para abrir caminho às tendências

menos afoitas em combater o inimigo, à maneira das vanguardas de um

exército ao defrontar as hostes adversárias: estar à frente, num caso e

noutro, é tombar mais cedo. Se as forças armadas o sabem desde o

momento em que se põem à testa das outras colunas, os artistas e van-

guarda talvez suspeitassem de que, ao cumprir a sua missão, destruindo

os códigos estéticos pretéritos, somente lhes restava sair de cena, quan-

do não renegar o impacto que provocaram. Mas, com a sua aparição, tudo mudou para sempre: nada mais seria

como antes, o retorno a qualquer estética anterior parece impossível no

horizonte desenhado pela modernidade do início do século XX. De al-

gum modo, o Romantismo e os seus desdobramentos vieram para do-

minar por muito tempo, assim como a cultura clássica imperou até o

século XVIII.

Como complemento a este verbete, sugere-se a leitura de Teoria de

la vanguardia, de Peter Bürger (1987); The Transformation of the

Avant-Garde, de Diana Crane (1988); Movimentos literários de van-

guarda, de José Luis Giménez Frontín (1980); Simbolismo, Modernis-

mo e vanguardas, de Fernando Guimarães (1982); Vanguarda, história

e ideologia a literatura, de Fábio Lucas (1985); As vanguardas na poe-sia portuguesa do século XX, de Ernesto Manuel Geraldes de Melo e

Castro (1987); Los hijos del limo: Del Romanticismo a la Vanguardia,

de Octavio Paz (1974); The Banquet Years: The Origins of the Avant

Garde in France. 1885 to World War I, de Roger Shattuck (1968); Van-

guarda europeia e Modernismo brasileiro, de Gilberto Mendonça Te-

les (1985) e Nuevas direcciones de la crítica literaria, de Guillermo de

Torre (1971).

VARBRUL

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), VARBRUL é a sigla de Vari-

able Rule (“regra variável”). É o nome de um programa computacional

desenvolvido por Henrietta Cedergren e David Sankoff na Universida-de de Montreal para realizar análise de grandes volumes de dados sobre

variáveis linguísticas obtidos por meio da pesquisa dentro do paradig-

ma da sociolinguística variacionista. O programa facilita e acelera o

José Pereira da Silva

6655

processo de análise que os efeitos diferenciais de determinados fatores

condicionantes têm sobre certas variantes de uma variável. Tem sido

empregado na grande maioria dos estudos sociolinguísticos quantitati-vos e desde seu surgimento já foi diversas vezes reformulado em ver-

sões cada vez mais sofisticadas.

Vária

Vária é sinônimo de suelto e tópico no discurso jornalístico.

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

vária é o termo usado em descrição de manuscritos para transcrever

probationes calami, fórmulas, motes, orações, alfabetos, poesias curtas,

receitas, recordações históricas, obituários etc. frequentemente presente

nas folhas de guarda, no interior das pastas, no início e no fim dos tex-

tos que foram acrescentados em diversas épocas por várias pessoas, na

generalidade não identificáveis, que tiveram à mão o manuscrito; con-junto bibliográfico de obras diversas; pequeno comentário de jornal.

Veja os verbetes: Local, Suelto, Tópico.

Variabilidade

A variabilidade, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), é uma propri-

edade fundamental das línguas naturais, cujos objetos são passíveis de

variação e de mudança, em razão da heterogeneidade dos usos linguís-

ticos numa comunidade, o que explica, sobretudo, o necessário ajusta-

mento dos discursos à diversidade de situações de linguagem na vida

social, e em razão da evolução dos sistemas linguísticos no tempo.

Veja os verbetes: Mudança, Variação, Variedade.

Variação

Segundo Joaquim Matoso Câmara Júnior (1968, s.v.), variação é a consequência da propriedade da linguagem de nunca ser idêntica em

suas formas através da multiplicidade do discurso. Essa variação real é

compensada por uma invariabilidade imanente, que faz de cada realiza-

ção, a rigor, diferente de qualquer outra, a apresentação de uma invari-

ante que é o seu padrão. Assim, sob a variação incessante dos discur-

sos, há a invariabilidade de um modelo, a que essa variação se refere, e

cujo sistema constitui a língua, no sentido em que Ferdinand de Saus-

sure a opunha a discurso. Cada elemento padronizado da língua tem as

suas variantes. Sendo assim, há variantes do fonema, do morfema, do

semantema e dos padrões frasais. A variação pode ser livre, quando de-

corrente da própria impossibilidade de se repetir uma forma sempre exatamente da mesma maneira e de se chegar a uma identificação abso-

luta de realização entre todos os falantes de uma língua, assim como

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6656

pode ser estilística, quando há a intenção do apelo e da manifestação

psíquica. Por outro lado, a variação posicional decorre de uma assimi-

lação geral dentro do contexto. Segundo Jean Dubois et al. (1998, s.v.), variação é o fenômeno no

qual, na prática corrente, uma língua determinada não é jamais, numa

época, num lugar e num grupo social dados, idêntica ao que ela é nou-

tra época, em outro lugar e em outro grupo social. A variação diacrô-

nica da língua dá lugar aos diversos trabalhos de gramática histórica; a

variação no espaço fornece seu objeto à geografia linguística e à diale-

tologia no sentido corrente do termo, e a sociolinguística se ocupa da

variação social.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), variação é o caráter de

variabilidade das formas linguísticas através da fala. Se as realizações

de uma entidade do sistema são sempre diferentes, a própria entidade em si é fixa, imutável, constituindo uma invariante. Por conseguinte, às

variações da realização (na fala) corresponde um modelo de invariância

da língua. E tais variações não dizem respeito apenas aos fonemas, mas

também aos morfemas, aos semantemas e às frases. A variação é livre,

se consequência da impossibilidade de uma forma se repetir tal e qual,

embora o usuário só o perceba quando a variação ultrapasse determina-

do limite; e é estilística, se há, da parte do usuário, o propósito de re-

correr às funções apelativa e expressiva da linguagem.

Segundo Robert Lawrence Trask (2015, s.v.), variação é a existên-

cia de diferenças perceptíveis no modo como uma língua é usada numa

comunidade de fala. É lugar comum observar que uma mesma língua

não é usada de maneira totalmente homogênea no interior de uma mesma comunidade. Oe economistas do Banco Central não falam como

os jovens. Nem mesmo a fala de uma mesma pessoa é homogênea: vo-

cê não fala do mesmo modo quando está jogando conversa fora com os

amigos no boteco e quando está sendo entrevistado como parte do pro-

cesso de seleção para um emprego, e, mesmo num único contexto, você

pode dizer telefonema ou fui prejudicado num momento, e ligada / fio

ou entrei no preju / tomei na cabeça no momento seguinte

Essa variação foi encarada por muito tempo pela maioria dos lin-

guistas como uma mera coleção de detalhes enfadonhos que atravessa-

vam o caminho das boas descrições, algo a ser varrido sob o tapete e

esquecido. Mas os tempos mudaram. Nos anos 1960, os sociolinguistas, liderados pelo americano Willi-

am Labov, começaram a fazer da variação um objeto central de investi-

gação, e o resultado foi uma revolução na linguística: hoje, temos cons-

José Pereira da Silva

6657

ciência de que a variação, longe de ser um fenômeno marginal é sem

consequências, é parte vital do comportamento linguístico de todos os

dias. Para começar, é muito comum que a variação apresente fortes cor-

reções com variáveis como a classe social e o sexo, e a estratificação

social da língua é hoje um tema em destaque nas pesquisas sociolin-

guísticas. Além disso, a introdução de uma abordagem quantitativa na

descrição linguística permitiu descobrir importantes padrões de com-

portamento linguístico que, antes, eram invisíveis. O conceito de variá-

vel sociolinguística se tornou central na descrição da fala. Uma variável

é algum aspecto do uso para o qual duas ou mais formas concorrentes

estão disponíveis numa comunidade, sendo que os falantes mostram di-

ferenças interessantes e significativas na frequência com que usam uma

ou outra dessas formas concorrentes. Além disso, descobriu-se que a variação é tipicamente o veículo da

mudança linguística, e, por conseguinte, foi finalmente possível chegar

a uma solução satisfatória para o paradoxo de Saussure.

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), ao lado da mudança, a varia-

ção constitui um dos pilares de sustentação da sociolinguística variaci-

onista, que não tem esse nome por outro motivo, e que também costu-

ma ser designada como teoria da variação e mudança. Trata-se de uma

propriedade intrínseca, da natureza mesma da língua, de todas as lín-

guas, que constituem sistemas heterogêneos, múltiplos e variáveis. O

princípio básico da sociolinguística é, portanto: “toda língua muda e

varia”, ou seja, muda com o passar do tempo e varia no espaço (geo-

gráfico e/ou social). Por isso, diz-se que a variação é inerente ao siste-ma linguístico. Numa definição já bem conhecida, formulada por Fer-

nando Tarallo (1986, p. 8), “variantes linguísticas são diversas manei-

ras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo

valor de verdade”. São os elementos em variação no sistema que estão

na origem da mudança linguística. Assim, se houve mudança diacrôni-

ca é porque houve, primeiramente, variação – mas nem toda variação

sincrônica implica necessariamente mudança futura, pois existe tam-

bém a chamada variável estável.

O interesse da sociolinguística variacionista se concentra, precisa-

mente, nos elementos que encontram em variação, ou seja, nas formas

linguísticas que representam alternativas diferentes de se dizer “a mes-ma coisa”. Essas formas linguísticas, enfeixadas, constituem uma vari-

ável linguística, composta, por seu turno, por duas ou mais variantes.

Por exemplo, no português brasileiro, as orações relativas (chamadas

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6658

adjetivas na nomenclatura tradicional) podem ser expressas de três

formas:

1) A ponte [] que a gente passou ontem desabou hoje com a chuva. 2) A ponte que a gente passou por ela ontem desabou hoje com a

chuva.

3) A ponte pela qual a gente passou ontem desabou hoje com a

chuva.

Cada uma dessas maneiras de dizer representa uma variante:

1) a variante cortadora (em que a preposição é apagada diante do

pronome relativo);

2) a variante copiadora (em que a preposição ocorre depois do ver-

bo, seguida de um pronome-cópia);

3) a variante padrão (em que a preposição ocorre diante do prono-

me relativo). Em seu estudo já clássico sobre esse fenômeno, Fernando Tarallo (1983) demonstrou que, no vernáculo brasileiro, a variante cor-

tadora já se impôs como a mais frequente em todos os contextos lin-

guísticos; a copiadora ocorre sobretudo em contextos linguísticos de-

terminados; a padrão se restringe ao uso de falantes altamente letrados

na produção de textos em gêneros muito monitorados (embora pesqui-

sas mais recentes demonstrem que mesmo nesse campo de uso especí-

fico a variante padrão tende a ocorrer com frequência cada vez menor,

conforme Marcos Bagno, 2012a).

A investigação sociolinguística tem demonstrado que a variação

não é aleatória, mas sim estruturada ao longo de dimensões linguísticas,

estilísticas e sociais. É no entrecruzamento das variáveis linguísticas

com as variáveis sociais (classe social, idade, gênero, grau de letra-mento, etnia etc.) que se pode verificar empiricamente a distribuição

das variantes numa comunidade de fala e seu progresso (ou não) rumo

a uma mudança futura.

A variação pode ser definida, segundo Franck Neveu (2008, s.v.),

como uma manifestação da variabilidade das línguas naturais, obser-

vada na diversidade dos usos linguísticos de uma comunidade, que ex-

plicam sobretudo, as determinações políticas, geográficas ou sociocul-

turais. Por esse ponto de vista, a variação é constituída por um conjunto

de dados empíricos, que podem materializar as observáveis linguísticas

nos domínios prosódico, fonológico, morfológico, sintático, lexicosse-

mântico e discursivo. Assim, por exemplo, a pronúncia, o estilo das frases, o vocabulário de um pescador do Finistère (situado na região da

Bretanha, na França), de um camponês de Béarn (antiga província fran-

cesa da região dos Pireneus-Atlânticos) e de um estudante de segundo

José Pereira da Silva

6659

grau da região parisienses são capazes de manifestar uma diversidade

bastante importante verificada no espaço (diatopia), como um ambiente

social (diastria). A variação pode ser igualmente motivada por interfe-rências linguísticas ligadas a situações de bilinguismo ou de diglossia.

Pode, assim, ser estranha a esses fenômenos e encontrar em outro lugar

sua justificação. Portanto, não deveria ser limitada às diferenças de lin-

guagem intersubjetivas. Todo sujeito falante manifesta essa capacidade

de variação linguística, da qual se utiliza conforme as necessidades de

comunicação (diafasia).

Françoise Gadet chamou a atenção para a ambiguidade do termo

variação, e a relativa obscuridade das origens conceituais da noção,

que lhe confere um lugar na ciência da linguagem, podendo variar con-

sideravelmente du um quadro teórico a outro:

“A busca das origens conceituais desse termo não é evidente. Se ‘variação’ se encontra frequentemente nos textos fundadores da linguís-

tica moderna, não desfruta, no entanto, de um status conceitual, nem é

objeto de definições: aparece, antes, num uso de senso comum. Como o

demonstra o exemplo de Edward Sapir, que, no capítulo 7 de Language

(‘Language as a historical product: drift’) mostra 22 ocorrências de ‘va-

riação’: 18 delas são plurais, as outras 4 estão acompanhadas de um ad-

jetivo (‘dialetic variation’) ou ‘individual variation’; não se trata ainda

de um conceito.

É certamente com o Círculo de Praga que vai se fixar o sentido [...],

a partir da expressão ‘variação libre’. ‘Variação’ foi, então, difundida,

tanto na sociolinguística americana como na linguística francesa con-

temporânea, através da interpretação de André Martinet, meio de liga-ção essencial entre Praga e William Labov (através da intermediação de

Uriel Weinreich).

O termo ocorre numa área onde está em concorrência com outros,

que têm diversos sentidos ainda mais vagos (em todo caso, jamais mui-

to precisos): alternância, concorrência, competição, substituição, opção

(opcionalidade), escolha, coexistência de formas... Segundo as teorias,

far-se-á uma dimensão marginal, ou, ao contrário, central da língua”

(GADET, 1997).

Como leitura complementar, sugere-se: Sociolinguistic Theory, de

Jack Chambers (1995); os capítulos 6 a 14 de An Introduction to Socio-

linguistics, de Janet Holmes (1992); e o capítulo 5 de Sociolinguistics, de Richard A. Hudson (1996); Principes de grammaire polylectale.

Alain Berrendonner, Michel Le Guern e Gilbert Puech (1983); Langue

Français, n. 115 – La variation en syntaxe, editada por Françoise Gadet

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6660

(1997); La variation sociale en français, de Françoise Gadet (2003); o

artigo “Semantic Variation and Sociolinguistics”, de Ruqaiya Hasan

(1989); Padrões sociolinguísticos, de William Labov (2008); Elemen-tos de linguística geral (1978) e Fonction et dynamique des langues

(1978), de André Martinet; A linguagem: introdução ao estudo da fala

(2013) e Le langage (1953), de Edward Sapir; o artigo “Note sur la va-

riation linguistique en français”, de André Valli (1995); Languages in

Contact, de Uriel Weinreich (1963).

Veja os verbetes: Abordagem quantitativa, Diafasia, Diastratia,

Diatopia, Estratificação social da língua, Heterogeneidade ordenada,

Língua, Mudança, Paradoxo de Saussure, Sistema, Sociolinguística,

Variabilidade, Variante, Variável e Variedade.

Variação cognata

Variação cognata é a amplificação ou diminuição com mudança da consoante homorgânica: TRÁS/D...R, VeRde/FRase, TRás/DiRei.

Outro exemplo está na expressão VELHO E VIOLENTO ESPOR-

TE BRETÃO, que possui um encantamento fonético pela aliteração do

fonema /v/, em Velho e Violento, no primeiro sintagma e uma diminui-

ção por variação cognata dos fonemas P_ R/BR, em esPoRte BRetão,

no segundo sintagma.

Variação diafásica

Variação diafásica, segundo Maria Margarida de Andrade (2009,

s.v.), consiste nas distinções devidas aos diferentes períodos de tempo,

diferentes gerações de falantes, que dão origem às fases da língua.

Exemplos: Namorar, paquerar, ficar; garota de programa, mulher devi-

da fácil, prostituta; ficar ajuntado ou amancebado ou amigado.

Variação diastrática

Variação diastrática, segundo Maria Margarida de Andrade (2009,

s.v.), diz respeito às variantes devidas às diferentes camadas sociais dos

falantes, aos diferentes níveis ou registros de linguagem (culto, colo-

quial, popular). É uma variação sociocultural, relativa aos estratos soci-

ais.

Variação diatópica

Variação diatópica, segundo Maria Margarida de Andrade (2009,

s.v.), diz respeito às variações decorrentes dos diferentes espaços geo-

gráficos. Variantes regionais, por exemplo: macaxeira (Nordeste), ai-

pim (Rio de Janeiro), mandioca (Minas Gerais e São Paulo).

José Pereira da Silva

6661

Variação estável

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), um dos postulados axiais da

sociolinguística variacionista é a de que a ocorrência de uma mudança linguística foi precedida, obrigatoriamente, por uma fase de variação

(duas formas linguísticas competiram até que uma delas, a inovadora,

suplantou a outra, mais antiga), mas que nem toda variação implica,

necessariamente, uma mudança futura. Isso se dá porque, no lugar de

uma mudança que se completa, é possível observar uma variação está-

vel, isto é, uma competição entre formas alternativas de se dizer a

mesma coisa que não resulta, num lapso de tempo prolongado, em vitó-

ria de nenhuma das variantes. A estabilidade dessa variação pode de-

correr de diversos fatores de ordem social como, por exemplo, a esco-

larização formal, as redes sociais ou a permanência no mercado de tra-

balho. Numa mesma comunidade de fala, os indivíduos situados nos extremos das fixas etárias (ou seja, os mais velhos e os mais jovens)

podem apresentar características linguísticas comuns (próprias do ver-

náculo daquela comunidade), enquanto os falantes de meia idade, so-

bretudo os que terminaram seus estudos e se encontram plenamente in-

seridos no mercado de trabalho, podem se valer de formas linguísticas

mais associadas às variedades urbanas de prestígio ou mesmo à norma-

padrão canônica. Por exemplo, em algumas variedades brasileiras, os

mais velhos e os mais jovens podem empregar categoricamente o pro-

nome tu sem as desinências clássicas da segunda pessoa do singular (ou

seja: tu é, tu faz, tu quis etc.), enquanto os de meia-idade e/ou mais es-

colarizados podem alternar entre tu + desinências clássicas (tu és, tu

fazes, tu quiseste etc.) e você, por ser este pronome a forma mais “neu-tra” menos marcada na interlocução. Assim, nas comunidades onde há

uso intenso de tu, a variação entre tu e você tende a permanecer estável,

sem anunciar vitória futura iminente de nenhuma das variantes.

Variação estilística

Veja o verbete: Continuum estilístico.

Variação linguística

Segundo Marcos Bagno (CEALE, Glossário, s.v.), o termo variação

se aplica a uma característica das línguas humanas que faz parte de sua

própria natureza: a heterogeneidade. A palavra língua nos dá uma ilu-

são de uniformidade, de homogeneidade, que não corresponde aos fa-

tos. Quando nos referimos ao português, ao francês, ao chinês, ao árabe etc., usamos um rótulo único para designar uma multiplicidade de mo-

dos de falar decorrente da multiplicidade das sociedades e das culturas

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6662

em que as línguas são faladas. Cada um desses modos de falar recebe o

nome de variedade linguística. Por isso, muitos autores definem língua

como “um conjunto de variedades” e substituem a noção da língua co-mo um sistema pela noção da língua como um polissistema, formado

por essas múltiplas variedades.

A variação linguística se manifesta desde o nível mais elevado e co-

letivo – quando comparamos, por exemplo, o português falado em dois

países diferentes (Brasil e Angola) – até o nível mais baixo e individu-

al, quando observamos o modo de falar de uma única pessoa, a tal pon-

to que é possível dizer que o número de “línguas” num país é o mesmo

de habitantes de seu território. Entre esses dois níveis extremos, a vari-

ação é observada em diversos outros níveis: grandes regiões, estados,

regiões dentro dos estados, classes sociais, faixas etárias, níveis de ren-

da, graus de escolarização, profissões, acesso às tecnologias de infor-mação, usos escritos e usos falados.

A consciência de que a língua é variável remonta à Antiguidade,

quando os primeiros estudiosos da língua grega tentaram sistematizá-la

para o ensino e para a crítica literária. Eles, no entanto, fizeram uma

avaliação negativa da variação, que viram como um obstáculo para a

unificação territorial e para a difusão da língua. Foi nessa época (século

III a.C.) que surgiu a disciplina chamada gramática, dedicada explici-

tamente a criar um modelo de língua que se elevasse acima da variação

e servisse de instrumento de controle social por meio de um instrumen-

to linguístico. A consequência cultural desse processo histórico é que o

termo língua passou a ser usado, no senso comum, para rotular exclusi-

vamente esse modelo idealizado, literário, enquanto todos os usos reais, principalmente falados, foram lançados à categoria do erro.

Com os avanços das ciências da linguagem, essa visão foi abando-

nada: o exame minucioso de cada variedade linguística revela que ela

tem sua própria lógica gramatical, é tão regrada quanto a língua literá-

ria idealizada, e serve perfeitamente bem como recurso de interação e

integração social para seus falantes. Diante disso, um novo projeto de

educação linguística vem se formando: é preciso ampliar o repertório e

a competência linguística dos aprendizes, levá-los a se apoderar da es-

crita e dos muitos gêneros discursivos associados a ela, sem contudo

desprezar suas variedades linguísticas de origem, valorizando-as, ao

contrário, como elementos formadores de sua identidade individual e social e como patrimônio cultural do país.

Sugere-se, como leitura complementar, A língua de Eulália: novela

José Pereira da Silva

6663

sociolinguística, de Marcos Bagno (2013).

Veja os verbetes: Dialeto, Gêneros do discurso, Língua.

Variação livre

Variação livre é a equivalência de função, em dado contexto, de

unidade fonológica ou semântica. Sinonímia e o nome mais empregado,

em semântica, da variação livre (JOTA, 1981, s.v.).

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), variação livre é conceito im-

portante no estruturalismo, desenvolvido por Leonard Bloomfield e re-

ferente à variação que ocorre na língua sem estar sujeita a restrições de

nenhum tipo. Nessa concepção, destaca-se a possibilidade de substitui-

ção de um som por outro num determinado contexto fonético sem que

ela provoque uma mudança de significado linguístico, social e/ou con-

textual. No paradigma da sociolinguística variacionista, esse tipo de

variação livre simplesmente não existe. Para os estudos estruturalistas clássicos e contemporâneos (como o gerativismo), o foco de interessa é

a delimitação precisa de um sistema linguístico, construto teórico ne-

cessariamente homogêneo, elaborado por meio das oposições entre as

formas linguísticas que o compõem, sobretudo por meio da noção de

distribuição complementar (onde ocorre a forma linguística x não é

possível ocorrer a forma linguística y: em português, por exemplo, os

artigos definidos e os demonstrativos estão em distribuição comple-

mentar – só se pode dizer o cavalo ou esse cavalo, mas não *o esse ca-

valo nem *esse o cavalo).

Na sociolinguística, a variação é tida sempre como condicionada (o

que leva à noção de heterogeneidade ordenada). Por exemplo, no por-

tuguês brasileiro, a consoante [s] de raspa pode se realizar como [z] em rasga: essa variação está condicionada linguisticamente, porque é a

presença de uma consoante sonora [g] depois do [s] que leva à sonori-

zação de [s] em [z]. Já a variação (“raspa”) [‘haspa] ~ [‘haʃpa] é condi-

cionada por fatores de ordem social: no caso, a origem geográfica do

falante (paulistano versus carioca, por exemplo). De igual modo, a va-

riação [‘haʃpa] ~ [‘hayʃpa] diferencia falantes cariocas mais velhos

(+50 anos) de falantes cariocas mais jovens (-35 anos), em cuja fala

ocorre com cada vez mais frequência a inserção de um [y] diante de si-

bilantes em sílaba tônica.

Variação mórfica

Variação mórfica é o mesmo que alomorfe.

Variação normal

Veja o verbete: Fonometria.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6664

Variações

São assim chamadas as formas dos pronomes pessoais, exceto os

nominativos: eu – variações (me, mim, migo, comigo); tu – variações (te, ti, tigo, contigo) etc., abrangendo todos os caos oblíquos.

Veja também os verbetes: Conjugação, Declinação e Flexão.

Variância

Variância é o caráter da forma variante ou das variantes.

Variante

Variante é a realização fonética de um fonema dentro de uma faixa

articulatória que não compromete o seu valor distintivo na língua.

As variantes se dividem em facultativas ou combinatórias, confor-

me sejam ou não determinadas pelo contexto fônico em que ocorrem.

As variantes facultativas, ainda se subdividem, quanto à extensão nu-

mérica dos falantes, em gerais e individuais. As variantes gerais não são sentidas como desvios da norma, exatamente porque são havidas

por normais por grande número de pessoas. Assim, o /e/ e o /o/ átonos

finais, no português do Brasil, podem ser pronunciados mais ou menos

fechados: e ou i, o ou u. Em certas regiões do Brasil, como na área flu-

minense, por exemplo, a pronúncia é mais fechada: basi (base), casu

(caso). Já na área sulina, encontramos as pronúncias base, caso, pala-

vras em que as letras e e o representam vogais médias e não extremas.

As variantes individuais são oscilações facultativas, percebidas co-

mo desvios da norma, mas que não comprometem o sistema. A pro-

núncia do r inicial, por exemplo, como simples em vez de múltiplo.

Variantes combinatórias (ou posicionais) são realizações de fone-

mas articulatoriamente aproximados que nunca se verificam exatamen-te no mesmo contexto fônico.

O fonema /l/ em português, por exemplo, pode ser uma líquida al-

veolar ou uma líquida velar. Nunca, porém, na mesma posição: alveolar

quando pré-vocálico (lado) e velar quando pós-vocálico (tal). Logo,

não há duas consoantes líquidas em português; apenas uma, com reali-

zação alveolar ou velar, de acordo com a posição que ocupa no contex-

to fônico.

Existem ainda outras variantes, que desempenham na fala função

expressiva ou de apelo, que são as variantes estilísticas. O alongamento

de vogais tônicas para indicar admiração, por exemplo. É o caso de

bom! pronunciado com alongamento do o: bõõõom! As diferentes realizações fonéticas do mesmo fonema também são

chamadas de alofones. Veja os capítulos 3 e 5 de Introdução à linguís-

José Pereira da Silva

6665

tica teórica, de John Lyons (1979) e os capítulos 1 e 3 de Aspects of

Language, de Dwight L. Bolinger e Donald A. Sears (1981).

Se duas unidades linguísticas (fonema ou morfema) figuram no mesmo ambiente (fonológico ou morfológico) e se elas podem ser

substituídas uma pela outra sem que haja uma diferença no sentido de-

notativo da palavra ou da frase, segundo Jean Dubois et al. (1998, s.v.),

então os dois fonemas ou os dois morfemas são variantes livres ou va-

riantes estilísticas de um fonema ou de um morfema único.

Se duas unidades linguísticas (fonemas ou morfemas) não se apre-

sentam nunca no mesmo ambiente (fonológico ou morfológico) e se

elas apresentam entre si um parentesco (articulatório ou acústico para

os fonemas, ou semântico para os morfemas), essas unidades são vari-

antes combinatórias ou variantes contextuais do mesmo fonema ou do

mesmo morfema. Assim, por exemplo, v-, i- e f- são variantes combina-tórias de um mesmo morfema que significa ir, pois figuram cada qual

em contextos exclusivos: v- com o presente -ou (vou), i- com o pretéri-

to imperfeita -a (ia), f- com o perfeito -ui (fui).

De acordo com Louis Hjelmslev (1899-1965), a variante é uma

forma de expressão diferente de outra quanto à forma, mas que não

acarreta mudança de conteúdo em relação a essa outra. As variantes

podem ser ligadas, isto é, condicionadas pela vizinhança, ou livres.

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), na definição oferecida por

Fernando Tarallo (1986, p. 8), “variantes linguísticas são diversas ma-

neiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o

mesmo valor de verdade”. Trata-se, portanto, de formas linguísticas al-

ternativas, cuja ocorrência pode ser condicionada por fatores de nature-za linguística, de natureza social ou de ambas. Essas “maneiras de dizer

a mesma coisa” são enfeixadas para constituir uma variável linguística.

Nos estudos pioneiros da sociolinguística variacionista, as variantes es-

tudadas eram exclusivamente de natureza fonética. É o caso do estudo

empreendido por William Labov na cidade de Nova York na década de

1960 sobre a realização do som [r] em coda silábica e final de palavra.

A variável vem escrita entre parênteses (r) – para não se confundir com

as notações tradicionais da fonética – [r] – e da fonologia – /r/. No es-

tudo de William Labov, a variável (r) compreendia duas variantes: [r] e

[0], isto é, zero, como nas pronúncias [kar] e [ka:] para o que se escreve

car (“carro”). Mais adiante, os pesquisadores começaram a empreender estudos

também sobre variáveis morfossintáticas. É o caso, por exemplo, no

português brasileiro, da variável retomada anafórica de objeto direto

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6666

de terceira pessoa. Em seu relato de pesquisa sobre o fenômeno, Maria

Eugênia Lamoglia Duarte (1989) elenca as seguintes variantes:

1) Repetição do sintagma nominal: Comprei o livro que você me re-comendou, mas ainda não li o livro.

2) Uso do pronome lexical: Comprei o livro que você me recomen-

dou, mas ainda não li ele.

3) Uso do clítico acusativo: Compre o livro que você me recomen-

dou, mas ainda não o li.

4) Anáfora zero: Comprei o livro que você me recomentou, mas

ainda não li [].

No cruzamento dos fatores de natureza linguística (estrutura sintáti-

ca, no caso) com os de natureza social (variação de estilo, grau de ins-

trução formal, classe social, idade etc.), é possível esmiuçar os condi-

cionamentos sociolinguísticos que levam ao emprego de cada uma das variantes. Assim, Maria Eugênia Lamoglia Duarte (1989, p. 26) mostra

que ouso do clítico acusativo é condicionado à frequentação da escola:

de 3,4% das ocorrências na ala de estudantes do primário para ,36% no

secundário até 6,4% entre universitários. De igual modo, o uso do pro-

nome lexical (ele) decai de 21% entre alunos do primário e do secundá-

rio para 9,8% entre universitários.

Chamam-se variantes, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), as diver-

sas e efetivas realizações de uma unidade funcional, sobretudo nos do-

mínios fonológico e morfológico.

As variantes chamadas livres são realizações de fonemas ou de mor-

femas que apresentam uma distribuição singular. O ambiente linguísti-

co onde aparecem não permite prever suas ocorrências. As variantes de idioleto, de socioleto ou estilísticas são variantes livres.

As variantes chamadas contextuais (ou combinatórias) de uma uni-

dade funcional são as realizações condicionadas pelo ambiente linguís-

tico. Estão em distribuição complementar e, por consequência, exclu-

em-se mutuamente, não podendo aparecer no mesmo ambiente. As va-

riantes contextuais de fonemas são alofones. As variantes contextuais

de morfemas são os alomorfes.

A noção de variante é, igualmente, empregada em filologia, onde é

utilizada para descrever as diferentes interpretações de um mesmo tex-

to.

Veja os verbetes: Alofone, Alomorfe, Alternância, Combinatória,

Contexto, Distribuição, Variável.

Variante combinatória

Variantes combinatórias, variante contextual, variante condiciona-

José Pereira da Silva

6667

da ou variante posicional é a formas sob a qual se realiza um fonema

de acordo com sua posição. Nisso difere, pois, da chamada variante fa-

cultativa ou variante livre. Nosso fonema /l/ explosivo (antes de vogal) é linguodental: lá, leste etc. Difere, pois, da semivogal /w/ explosiva,

velar: quase. Se implosivo, porém, em fim de sílaba, pode continuar a

ser linguodental, mas tem a variante velar, que o aproxima do /w/: [ge-

neral], [generaw]. A variante combinatória não se opõe rigidamente às

facultativas; o exemplo que vimos é sugestivo. O sulista prefere gene-

ral, mal, geral, ao passo que em outras regiões é muito mais frequente

a forma generaw, maw, geraw. O espanhol tem variantes fricativas do

b, d e g. Assim, o d é fricativo interdental (próximo do th inglês de fra-

ther), entre vogais; e oclusivo dental após o n. E isso constitui um aco-

modamento: após a vogal (abertura), é mais prático ter um d também

aberto (fricativo); após o n (que exige fechamento), o d oclusivo é mais econômico. Também as consoantes nasais em espanhol (m, n, ñ) se

neutralizam em final de sílaba, fato condicionado à assimilação. O n de

gran, por exemplo, será [m], [n], [ñ] ou [ŋ], conforme o fonema seguin-

te seja bilabial (gran poeta), alveolar (gran techo), palatal (gran Cha-

co) ou velar (gran cabo). O fonema /n/, em espanhol ou em italiano,

tem as variantes [n] e [ŋ], este, antes das velares [k] e [g]; espanhol

venga, italiano banca. Em holandês [g] é variante de [k], ocorrente an-

tes de consoante sonora: Zakdoek [zagduk]. Em espanhol [z] é variante

de /s/ antes de consoante sonora. Em japonês, o fonema /h/ se realiza

[f] diante de u. Em inglês, é aspirado o p de pan, mas inaspirado em

span.

Variantes numa língua podem ser fonemas diferentes em outra. Um brasileiro não percebe variações em um /k/, seja antes de a, e, i, o ou u,

embora saibamos haver variações. E não distingue porque, por exem-

plo, duas dessas articulações não conseguem distinguir duas palavras

uma da outra. No árabe, onde essa pequena variação é sentida como

capaz de diferenciar palavras, temos dois fonemas em /q/ e /k/, difíceis

para um ouvido brasileiro. Variante combinatória é o mesmo que alo-

fone. (JOTA, 1981, s.v.).

Variante contextual

Variante contextual é o mesmo que variante combinatória.

Variante de grafema

Variante de grafema é a duplicidade gráfica de um fonema. O fo-nema /k/ é escrito com a letra c antes de a, o e u, mas com o dígrafo qu

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6668

antes das letras e e i. Em italiano, o mesmo fonema é escrito com c ou

ch, conforma a vogal seguinte (JOTA, 1981, s.v.).

Variante de morfema

Veja o verbete: Alomorfe.

Variante de realização

Variante de realização é o mesmo que variante combinatória.

Variante de significado

Variante de significado é cada um dos matizes de significado que o

mesmo significante pode apresentar. Comparem-se os significados de

sede nestes exemplos: Ter sede; Ter sede de vingança; Ter sede de cul-

tura; ou o radical fer- em Feriu o pássaro; Feriu o sino; Houve feri-

mento; Várias feridas (JOTA, 1981, s.v.).

Variante de significante

Variante de significante é cada uma das formas pelas quais um mesmo significado pode ser expresso. O significado ferir, por exemplo,

é expresso por fir em fir-o e por fer em fer-e etc. Te e ti é o mesmo

pronome sob duas formas; o espanhol tu e tuyo (português teu) (JOTA,

1981, s.v.).

Variante diacrônica

Variante diacrônica ou variante de tradição é aquela que corres-

ponde às inovações que foram introduzidas num texto original pelos

copistas dos códices manuscritos, ao longo da transcrição manuscrita

da obra.

Variante estilística

Variante estilística é cada um dos meios de expressão com que se

pode externar uma ideia. No campo fonético, prefere-se dizer variante fonoestilística. No rol das variantes, podemos colocar: acento afetivo,

acento de insistência, redobro, aliteração, pronunciação infantil, ono-

matopeia etc. As variantes estilísticas carreiam algo de expressivo ou

apelativo. Quando um escritor reproduz a fala característica de um per-

sonagem (por exemplo, o lato loeu a loupa para imitar o japonês);

quando alonga a tônica de uma palavra, dando-lhe maior realce (Es-

túúúpido!) etc. As variantes estilísticas podem ser constantes (invarian-

tes da norma), e individuais (variantes propriamente ditas) (JOTA,

1981, s.v.).

Variante facultativa

Variante facultativa ou variante livre é a que não depende da posi-

José Pereira da Silva

6669

ção do fonema, mas dos sujeitos falantes, donde a subdivisão em facul-

tativas gerais ou facultativas individuais, conforme atestada numa co-

munidade ou apenas num ou noutro indivíduo. A variante facultativa geral, obviamente, embora não raro em discordância com o sistema, é

perfeitamente compatível com a norma. Por exemplo, o e e o o finais

átonos são pronunciados, normalmente, como i e u respectivamente na

mesma comunidade, mas o r será alveolar ou velar, de acordo com o

indivíduo. Há casos em que uma variante individual passa a geral. Isto

parece ocorrer com o r de que falamos: a variante velar, anormal antes,

passou a normal (JOTA, 1981, s.v.).

Variante gráfica

Variante gráfica, segundo Maria Margarida de Andrade (2009,

s.v.), consiste na apresentação de diferentes formas, sem mudar o senti-

do. Exemplo: cãibra e câimbra; Antônio e António. Como há pessoas que nunca dominaram perfeitamente as normas ortográficas oficiais e

algumas que ainda não fixaram a nova ortografia, é natural a variação

escrita até em textos oficiais e acadêmicos, onde essas normas são

obrigatórias. Além disso, há concessão oficial nas normas acadêmicas,

considerando-se a pronúncia padronizada da língua, como é o caso, por

exemplo, das chamadas consoantes mudas e da nasalização da tônica

que antecede consoante nasal.

Variante linguística

Variante linguística é o conjunto de fatos linguísticos característi-

cos de uma determinada região e/ou de um determinado grupo social

e/ou de uma determinada faixa temporal, constituído de formas em va-

riação. A norma culta é uma das variantes linguísticas. Segundo a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em Va-

riação Linguística e Ensino da Língua Materna: Subsídios à Proposta

Curricular de Língua Portuguesa para o 2º Grau (1978, p. 29), “duas

atitudes fundamentais devem ser tomadas com respeito à variação lin-

guística: a primeira é que o professor elimine de seu vocabulário didá-

tico a dicotomia correto/incorreto, substituindo-a por formal/informal; a

segunda é de tolerância e respeito ao padrão linguístico de seus alunos,

de modo que a atitude oposta, discriminatória, não lhe possa causar

prejuízos psicológicos”.

Variante ortográfica

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.), variante ortográfica é cada uma das grafias que existem para um mes-

mo termo, como é, por exemplo, a acentuação dos paroxítonos segui-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6670

dos de sílaba começada por consoante nasal, tais como Antônio versus

António, blasfêmia versus blasfémia etc.

Variante posicional

Variante posicional é o mesmo que variante combinatória.

Variante sincrônica

Variante sincrônica, variante autoral ou variante de autor é aquela

que corresponde às inovações que foram introduzidas numa obra pelo

seu autor, durante sua vida.

Variantes do nome

Variantes do nome são as formas diversas de um mesmo nome uti-

lizadas por uma pessoa na sua atividade literária, artística ou outra.

Variável

Qualificativo das palavras que apresentam flexões.

As palavras variáveis são, basicamente, o nome (incluído o prono-me) e o verbo, com as flexões desinenciais de gênero, número, pessoa,

modo e tempo. De acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira,

temos: substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome e verbo como

palavras variáveis. Advérbio, preposição, conjunção e interjeição são

invariáveis. O advérbio apresenta variações de grau (rapidissimamente,

cedinho, loguinho), mas aí se trata de sufixos lexicais, e não de desi-

nências. Casos como toda molhada, meia morta e meios mortos são

explicados por analogia e atração, constituindo anomalias e quebras da

norma.

Palavras variáveis nominais são o substantivo, o adjetivo e o nume-

ral; pronominais (o artigo e o pronome) e verbais (o verbo). As varia-

ções (flexões) nominais são: gênero (masculino/feminino) e número (singular/plural); variações pronominais: gênero, número e pessoa

(primeira, segunda e terceira); variações verbais: modo e tempo (modo-

temporais), número e pessoa (número-pessoais).

Entre as classes variáveis, ocorrem formas invariáveis: o substanti-

vo é variável, mas há substantivos invariáveis em número, como lápis e

pires, e em gênero, como livro, casa e árvore. O adjetivo é variável em

gênero e número, mas a palavra simples, por exemplo, é invariável em

gênero e número, comum é invariável em gênero. Entre os pronomes,

há bastantes formas invariáveis: isto, isso, aquilo, que, quem, alguém,

outrem, ninguém, cada etc. Veja o capítulo 5 de Linguística geral, de

Robert Henry Robins (1981). Segundo David Crystal (1988, s.v.), o termo foi introduzido na so-

José Pereira da Silva

6671

ciolinguística pelo linguista americano William Labov para indicar as

unidades de uma língua que mais estivessem sujeitas à variação social

ou estilística, e, portanto, mais suscetíveis a mudanças a longo prazo. Os conjuntos de variáveis lexicais, gramaticais e fonológicas são des-

critos em termos quantitativos, de acordo com sexo, idade, classe social

etc. e os resultados são representados em forma de regras variáveis. As

regras variáveis são regras gerativas que foram modificadas para espe-

cificar as condições sociorregionais sob as quais se aplicam. A noção

foi desenvolvida primeiramente em relação às hipóteses acerca da rela-

ção entre a variação social e a evolução linguística. Veja a "Introdução"

e o capítulo 19 de Directions in Sociolinguistics: The Ethnography of

Communication, organizados por John J. Gumperz e Dell Hymes

(1972) e o capítulo 10 de Aspects of Language, de Dwight L. Bolinger

e Donald A. Sears (1981). Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), variável é o funtivo cuja

presença não é condição necessária para a existência do outro. Opõe-se

a constante, funtivo cuja presença é condição necessária para a presen-

ça do outro. A interdependência é uma função de duas constantes; a de-

terminação, de uma constante e uma variável e a constelação, de duas

variáveis. A constante apud + acusativo é uma determinação, pois

apud pressupõe o acusativo, mas este não pressupõe aquele. Não se in-

fira daí, porém, que apud é uma consoante e o acusativo a variável.

Não é necessário o apud para a presença do acusativo (pode haver acu-

sativo sem apud); mas, ao contrário, a presença de acusativo é condição

necessária para a presença do apud. Daí ser constante o acusativo e va-

riável o apud. Por conseguinte, na determinação, a constante é o deter-minado (que se chama selecionado no texto e especificado no sistema)

e a variável é o determinante (chamado selecionante no texto e especi-

ficante no sistema). Na interdependência, os funtivos são interdepen-

dentes (ou, especificando, complementário no sistema e solidário no

texto). Na constelação, chamam-se constelativos (combináveis, no tex-

to, ou autônomos, no sistema).

Como adjetivo, variável é o mesmo que flexível.

Variável contextual

Veja o verbete: Variável estilística.

Variável dependente

Veja o verbete: Variável sociolinguística.

Variável estilística

Veja o verbete: Continuum estilístico.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6672

Variável independente

Variável independente, em estatística, é a variável que influencia

outra variável durante uma investigação. A segunda variável se chama variável dependente.

Veja o verbete: Variável sociolinguística.

Variável linguística

Veja o verbete: Variável sociolinguística.

Variável sociolinguística

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), a variável linguística, variável

sociolinguística ou regra variável é um construto teórico introduzido

por William Labov para descrever os padrões de variação linguística.

Uma variável é uma forma linguística que apresenta duas ou mais rea-

lizações identificáveis (cada uma delas chamada de variante). Na nota-

ção proposta por William Labov, a variável se escreve entre parênteses. Assim, por exemplo, no português brasileiro, a variável (r) apresente

diversas variantes: [ɾ], [h], [x], [ɻ], [R], [v] etc. A variável também pode

ser de natureza morfossintática, como, por exemplo (regência do verbo

ir), que apresenta as variantes [a], [em], [para]: A gente tá indo [a],

[em], [para] um restaurante japonês.

Embora as variantes exibam diferença de forma, essa diferença não

altera seu significado linguístico. No entanto, elas diferem em sua dis-

tribuição ao longo dos estilos de fala (ou de escrita) e entre grupos so-

ciais (uma pronúncia como [traba’λa], sem o /r/ final característico dos

infinitivos verbais, pode ser realizada por falantes urbanos letrados em estilos menos monitorados, ao passo que [traba’ya] caracteriza falates

rurais ou rurbanos com pouca escolarização formal).

A análise dessas distribuições tem oferecido a comprovação da va-

riação social e estilística sistemática dentro das comunidades de fala. O

conceito de variável linguística também é empregado na dialetologia,

em que formas alternativas ajudam a determinar fronteiras dialetais.

Por exemplo, na Espanha, é possível delimitar variedades em que cielo

(“céu”) se pronuncia [‘yelo] e outras em que se pronuncia [‘syelo]: a

variante [] é a mais difundida, sendo, de fato, considerada a pronúncia

padrão do castelhano peninsular; a variante [s] ocorre sobretudo no sul

[Andaluzia], além de caracterizar praticamente todas as variedades de

espanhol do continente americano.

Embora o trabalho dialetológico pioneiro se concentrasse em de-

terminar padrões de variação categórica entre os dialetos, William La-

bov argumenta que a variação raramente é categórica, sendo descrita,

José Pereira da Silva

6673

bem mais, em termos de frequências relativas, isto é, de “mais ou me-

nos”.

Na pesquisa sociolinguística, as variáveis constituem o que em esta-tística se chama de variáveis dependentes, ou seja, a variável que se de-

seja conhecer melhor e que é influenciada pela presença ou ausência de

outros fatores. Esses fatores (os atributos sociais dos falantes como

idade, classe social, sexo etc., além de fatores contextuais e estilísticos)

constituem variáveis independentes.

O conceito de variável sociolinguística suscitou um importante de-

bate teórico entre seu proponente, William Labov, e outros pesquisado-

res, sobretudo na década de 1970, principalmente acerca da possibili-

dade de ser aplicado à variação sintática, além da variação no nível fo-

nético. Segundo William Labov, para o estudo da variação sintática é

suficiente demonstrar a equivalência das variantes no nível referencial (“valor de verdade”). No entanto, essa posição foi rejeitada pela lin-

guista argentina Beatriz R. Lavandera, que negou a possibilidade de es-

tender o estudo da variação sociolinguística para além dos limites da

fonologia, ao menos com as características delineadas até aquele mo-

mento. Para Beatriz R. Lavandera (1984, p. 37-46), a variação sintática

deveria ser interpretada de um modo particular: por exemplo, em ter-

mos de estilos de comunicação (discurso mais assertivo, mais abstrato,

mais ou menos cortês), mas não em termos de variação socioestilística.

Para William Labov, os casos de equivalência pragmática não seriam

variantes de uma mesma variável, já que não têm o mesmo significado

lógico ou referencial.

Diante dos argumentos de Beatriz R. Lavandera e de William La-bov, Carmen Silva-Corvalán (1989, p. 97-100; 2001) tem adotado uma

postura conciliadora. Para ela, é possível partir de variantes sintáticas

cuja sinonímia lógica seja inquestionável (e neste ponto está de acordo

com William Labov). Uma vez comprovado esse extremo, pode se fa-

zer um estudo para rastrear as principais diferenças de significado (sin-

tático, semântico e pragmático) que poderiam existir entre elas. Se for

comprovado que as variantes não implicam diferenças em nenhum des-

ses níveis, elas poderão ser tratadas como se fossem variantes fonológi-

cas e se poderia analisar sua distribuição socioestilística. “De tudo is-

so”, concluir Francisco Moreno Fernández (2005, p. 129), “se depreen-

de que, apesar das limitações que apresentam a teoria semântica e a própria sociolinguística, é possível admitir, analisar e explicar a varia-

ção de unidades portadoras de significado, seja quando são equivalen-

tes referencial ou semanticamente, seja quando encontram a equivalên-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6674

cia no discurso, no uso real da língua, em seu contexto”.

Veja os verbetes: Isoglossa e Variante.

Variedade

Variedade é uma variante líquida ou variante combinatória.

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), o termo variedade linguística

pretende ser uma forma neutra, empregada nos estudos sociolinguísti-

cos em geral, para se referir a qualquer tipo específico de linguagem

(dialeto, sotaque, socioleto, estilo) que o linguista deseje considerar

como uma entidade individual para fins de análise empírica ou teoriza-

ção. Emprega-se frequentemente o termo variedade como uma alterna-

tiva para dialeto ou língua, o que faz do termo um instrumento útil para

evitar a dificuldade de traçar distinções nítidas e categóricas entre essas

duas noções numa perspectiva puramente linguística. Na formulação

clássica da sociolinguística variacionista, toda língua é um feixe de va-riedades. As variedades podem ser regionais (mineira, carioca, baiana

etc.) ou sociais (quando definidas por critérios como idade, sexo, classe

social, grau de escolarização etc.), e também estilísticas (segundo o

grau de maior ou menor formalidade da fala ou da escrita).

Numa perspectiva sociolinguística, um modo de falar só pode rece-

ber o rótulo de variedade se for empiricamente coletável e documentá-

vel, ou seja, se existirem falantes dentro de uma comunidade que em-

preguem autenticamente esse modo de falar. Por isso, é criticável o

emprego de termos como “variedade padrão” (e, pela mesma razão,

“língua padrão” ou “dialeto padrão”). De fato, conforme escreve Hen-

rique Monteagudo (2004, p. 414), “quando falamos de padrão não es-

tamos nos referindo à estratificação social da língua, mas a uma pers-pectiva diferente sobre a variação linguística, relativa à codificação e à

prescrição. O que acontece na realidade é que o código normativo cos-

tuma descansar na regulação de um socioleto de prestígio, mais preci-

samente do estilo “cardinal” (médio alto) desse socioleto – ou, melhor

ainda, de uma versão idealizada dessa variedade”. Da mesma forma,

James Milroy (2001, p. 543) enfatiza: as línguas, em suas formas pa-

dronizadas, “não são vernáculos, e ninguém as fala exatamente; a ideo-

logia do padrão decreta o que o padrão é uma ideia na mente (é uma

variedade perfeitamente estável, claramente delimitada e perfeitamente

uniforme), uma variedade que nunca é perfeitamente nem consistente-

mente realizada no uso falado”. Por isso, argumenta Marcos Bagno (2011, p. 367), “ao contrário do

que comumente (e lamentavelmente) se lê em textos assinados por (so-

cio)linguistas (num discurso que se repete também nos livros didáticos

José Pereira da Silva

6675

de português, supostamente ‘atualizados’ com os avanços da ciência

linguística), a norma-padrão definitivamente não é uma das muitas va-

riedades linguísticas que existem na sociedade. Não existe uma varie-dade padrão (aliás, uma contradição em termos, pois se é padrão, isto

é, uniforme e invariante, como pode ser uma ‘variedade’?), nem um di-

aleto padrão, nem uma língua padrão, embora esses termos pululem na

bibliografia dedicada ao tema. O que existe é uma norma-padrão, lín-

gua materna de ninguém, língua paterna por excelência, língua da Lei,

uma norma no sentido mais jurídico do termo”.

A variedade linguística, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), pode

ser definida, em Françoise Gadet, como a representação do conjunto de

usos variáveis de um grupo, refletindo aproximadamente os usos reco-

nhecidos pelos membros da comunidade.

“Os usuários levam em conta a variação representando-a através de variedade, que raramente nomeiam: assim, o francês familiar, popular,

canadense, dos jovens... são, antes de tudo, termos específicos, ou de

retomada no domínio público. São, portanto, essas classificações ordi-

nárias que adotam a noção de variedade, dada como uma evidência,

uma vez que se trata de uma idealização. Ela supõe que os traços variá-

veis convergem para um todo coerente e contribuem para constituir ob-

jetos enumeráveis. Mas a análise assim suposta não resiste à observa-

ção de produções efetivas, que podem ser flexíveis, frágeis, heterogê-

neas. Os sociolinguistas geralmente aceitam essa noção de variedade, e

recorrem a diferentes maneiras de classificá-la. Uma delas opõe a vari-

ação interlocutores (conforme o repertório de um mesmo locutor em

diferentes atividades). Essa distinção, que tem o mérito de considerar o locutor como princípio de classificação, reflete-se nas denominações

em diatopia, diastratia e diafasia, menos utilizadas na França do que em

outras tradições europeias” (GADET, 2003).

Veja os verbetes: Diafasia, Diatopia, Uso, Variabilidade, Variação.

Variedade alomorfa

Variedade alomorfa é cada uma das formas que pode tomar a mes-

ma categoria de flexão. Em português, o s (boi/bois), es (mal/males, re-

trós/retroses), zero (o pires/os pires) são variedades alomorfas do plu-

ral; a (gato/gata), essa (conde/condessa) etc. o são da categoria de fe-

minino (JOTA, 1981, s.v.).

Variedades

Variedades é a seção de um jornal ou revista onde são incluídos

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6676

passatempos, charadas, adivinhas, anedotas e outros elementos de di-

versão.

Varifone

Varifone é a soma de realizações de um fonema; conjunto de vari-

antes fonéticas.

Vário

Vário é o conjunto de documentos, folhas soltas, folhetos ou livros

de diversos autores, assuntos ou tamanhos reunidos em volumes, maços

ou caixas. É o mesmo que vária.

Variorum

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

variorum é a forma abreviada da expressão latina cum notis variorum

scriptorum, com notas de diversos escritores, frase que acompanhava

algumas edições clássicas estimadas. É a obra clássica impressa com

notas de diversos escritores sob a forma de comentários.

Vasco

Vasco é a língua falada na região espanhola que compreende a Bis-

caia e a Navarra, de estrutura aglutinante e que não tem voz ativa. Ne-

nhuma afinidade com outras línguas. Os vasconços se chamam êusca-

ros (JOTA, 1981, s.v.).

Vasconço

Vasconço é o mesmo que vasco ou basco.

Vate

Na Antiguidade clássica, era atribuída aos poetas, graças à sua lin-

guagem rítmica e inspirada, o dom de profetizar, de vaticinar, motivo

de serem chamados de vates. Modernamente, o vocábulo é sinônimo de “poeta” (MOISÉS, 2004, s.v.).

Veja o verbete: Bardo.

Vau

É o mesmo que uau.

Veja Consonantização.

Vaudeville

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), inicialmente, o vaudeville

consistia em breves representações teatrais de índole brandamente satí-

rica ou cômica, entremeadas de canções. Devem-se a Olivier Basselin

(c.1400-c.1450), habitante da Normandia, os primeiros textos no gêne-

José Pereira da Silva

6677

ro, reunido em 1570, cuja voga máxima se registra nos século XVII e

XVIII. Apesar de Nicolas Boileau-Despréaux (1636-1711), na sua Arte

Poética (1674), o definir como uma canção satírica, geralmente de cu-nho político, o vaudeville acabou por se identificar com as óperas-

cômicas ou simplesmente as comédias leves.

No século XIX, o aspecto teatral dominou por completo: o vocábulo

entrou a designar as comédias alegres, em que o enredo e as f rases es-

pirituosas representavam grande papel. No final do mesmo século, o

vaudeville emigrou para os Estados Unidos e se tornou o entretenimen-

to favorito dos que procuravam distração ingênua e de fácil consumo:

típico teatro de variedades (music-hall), próximo do circo, em que os

atos de prestidigitação dividiam o tempo com acrobacias, números de

dança e de canto, desapareceu com o advento do cinema falado e, pos-

teriormente, a televisão. Como complemento a este verbete, sugere-se a leitura de Douglas

Gilbert, in The Companion to the Theatre, 1970, s.v., editado por

Phyllis Hartnoll; e Dictionnaire des littératures, de Philippe Van Tie-

ghem (1968, s.v.).

Veja o verbete: Burlesco.

Vazio

Elemento que desempenha papel relevante no formalismo de regras

nas representações, mas que não tem conteúdo segmental, segundo

Thaïs Cristófaro Silva (2011, s.v.). A palavra telefone, no português eu-

ropeu, é pronunciada como [telfon]. Tal representação apresenta dois

núcleos vazios (o da última sílaba e o núcleo da terceira sílaba da direi-

ta para a esquerda). A fonologia autossegmental e a fonologia de go-verno sugerem que núcleos vazios sejam regidos por propriedades es-

pecíficas que regulam a manifestação fonética em condições particula-

res.

Segundo David Crystal (1988, s.v.), trata-se de termo usado em al-

gumas descrições gramaticais para indicar um elemento sem significa-

ção introduzido em uma estrutura a fim de garantir sua gramaticalida-

de. Além deste papel formal, esses elementos não têm significação se-

mântica. Em inglês, há vários exemplos de elementos vazios: o it de it's

raining; o there existencial de there were many people at the club; e o

auxiliar do em formas nterrogativas: do you know? As noções que en-

volvem "morfema zero" também podem ser considerados tipos de ele-mentos vazios. Na gramática gerativa, os elementos vazios aparecem

nos marcadores frasais como nódulos vazios. E na gramática trans-

formacional, às vezes são introduzidos "símbolos vazios" na estrutura

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6678

profunda de uma sentença, para facilitar a derivação de classes da sen-

tença, mas nunca aparecem na estrutura superficial (são exemplos os

vários tipos de marcadores de fronteiras, ou o símbolo delta que "guarda o lugar" de itens lexicais, especificados como símbolos com-

plexos). Veja o capítulo 7 de Introdução à linguística teórica, de John

Lyons (1979), o capítulo 18 de A Comprehensive Grammar of the En-

glish Language, de Randolph Quirk et al. (1985) e o capítulo 5 de

Transformational Syntax: A Student's Guide to Chomsky's Extended

Standard Theory, de Andrew Radford (1981).

O termo é usado também na classificação gramatical das palavras,

com referência a um tipo de classe de palavras. Neste uso, está em opo-

sição a pleno. As palavras vazias são aquelas que não têm significação

lexical e cuja função é exprimir relações gramaticais, como para, sob

etc. A distinção foi criticada por alguns, sob a alegação de que há graus de significação na maioria das palavras gramaticais, sendo poucas delas

(se é que exista alguma) realmente destituídas de conteúdo. O termo

ainda é utilizado, porém, embora não tanto quanto antes (outras expres-

sões, como palavra gramatical ou palavra funcional são preferidas).

Veja o capítulo 2 de Grammar, de Frank Robert Palmer (1984) e o ca-

pítulo 6 de Linguística geral, de Robert Henry Robins (1981).

Trata-se também de um termo usado na morfologia, na expressão

morfe vazio, para indicar um traço formal de uma palavra que não pode

ser alocada a qualquer morfema. Um exemplo discutido em inglês é a

palavra children ("criança"), cuja análise possível é a raiz child ("crian-

ça") mais o plural -en (cf. oxen, plural de o "touro"). O /r/ residual é

visto pela análise como um morfe vazio sem o qual a palavra não pode-ria ser completamente analisada no nível morfêmico. Veja o capítulo 3

de Grammar, Frank Robert Palmer (1984).

Um elemento linguístico é denominado vazio de sentido, segundo

Jean Dubois et al. (1998, s.v.), quando sua presença ou ausência não

acarreta modificação alguma no sentido da frase e que se deve somente

às coerções sintáticas. Assim, a análise das três frases seguintes (Come-

çaram a subir, Começaram de subir e Começaram a subida) mostra

que a alternância das preposições a / de versus zero não modifica a

função gramatical das formas subir e a subida, mas resulta da natureza

do sintagma objeto (infinitivo ou substantivo). Nesse caso, diz-se que

as preposições a e de são vazias de sentido. A gramática tradicional também estabelece uma oposição entre as preposições vazias, como a e

de, na medida em que elas têm um papel puramente sintático de com-

binação, e preposições plenas, cujo significado as opõe entre si, en-

José Pereira da Silva

6679

quanto exprimem as mesmas relações sintáticas.

Quando dois conjuntos não têm nenhum elemento comum, diz-se

que sua interseção é nula e se reduz a um conjunto vazio, e se escreve

.

Veda

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

Veda é o conjunto dos quatro livros sagrados do hinduísmo bramânico

redigidos em sânscrito. Os mais antigos incluem as coleções de hinos

védicos: Rigveda, Samaveda, Ajurveda ou outros mais recentes com

orientações diversas. De orientação mágica: Atharvaveda, de conteúdo

doutrinal: Brahmanas e Aranyakas e, de orientação esotérico-mística:

os Upanishades.

Vedantas

Vedantas é um texto muito importante da cultura hindu.

Vedete

Termo vedete é a palavra que serve de entrada a um artigo de dicio-

nário (sinônimo de entrada, item, verbete). Do mesmo modo, a man-

chete de um jornal é um enunciado vedete.

Védico

Védico é o sânscrito arcaico, língua em que se compuseram os Ve-

das, livros que retratam a vida social e religiosa no norte da Índia, na

fase ariana. O sânscrito clássico, imposto nas escolas bramânicas, e o

prácrito, a que podemos chamar de sânscrito popular, relegaram ao es-

quecimento o védico (JOTA, 1981, s.v.).

Vehicle

Veja o verbete: Metáfora.

Veicular

Nas regiões onde vivem várias comunidades linguísticas diferentes,

uma das línguas da região pode ser utilizada de uma forma privilegiada

para a intercomunicação, segundo Jean Dubois et al. (1998, s.v.). Diz-

se, então, que essa língua é veicular ou supralocal. Assim, em toda a

África Oriental e no Este do Congo-Kinshasa, o suahili, língua banto,

permite que populações que têm como língua materna outras línguas

(banto ou não) se compreendam. Por extensão, em toda a África cha-

mada francófona (de fala francesa), o francês pode ser considerado uma

língua veicular. Ele é utilizado para assegurar a compreensão, por

exemplo, entre um falante uolofe e um falante bambara. Uma língua

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6680

oficial é também veicular, se os falantes têm igualmente dialetos ou

línguas diferentes. Assim, o francês (língua comum dos corsos, dos

bretões, dos alsacianos e dos flamengos) é, de certa maneira, uma lín-gua veicular ou língua comum.

O adjetivo veicular (versus vernacular), segundo Franck Neveu

(2008, s.v.), qualifica uma língua que permite às diferentes comunida-

des linguísticas se comunicarem. Trata-se, portanto, de uma língua cuja

difusão e irradiação, que podem ser de alcance nacional ou internacio-

nal, são determinadas pelas condições socioeconômicas e políticas.

Num país onde coexistem diversas línguas, a língua veicular é a língua

comum, ou seja, aquela que permite às diversas comunidades se comu-

nicarem.

Veja os verbetes: Dialeto, Língua, Vernacular.

Velar

Fonema cuja articulação se faz com o posdorso da língua em conta-

to com o véu do paladar. São as oclusivas velares (ou pós-palatais).

Em português, há duas oclusivas velares: /k/, surdo e /g/, sonoro.

Representam esse som as letras c, q, k ou o dígrafo qu (seguido de -

e ou -i) em palavras como casa, quase, Kátia ou quero para a velar sur-

da, e a letra g ou o dígrafo gu em palavras como gato ou guerra.

A denominação de "guturais" que, às vezes, se lhe dava, foi com ra-

zão, posta de lado pela Nomenclatura Gramatical Brasileira.

Refere-se a um som produzido com o dorso da língua contra o pala-

to mole (ou velum). Se o velum está levantado para fechar o canal na-

sal, ocorre um "fechamento vélico". Os sons velares são diferentes dos sons veláricos.

Em fonologia, segundo Jean Dubois et al. (1998, s.v.), o termo ve-

lar tem uma extensão mais larga e designa todos os fonemas realizados

atrás do palato, nas zonas (velar, uvular, faríngea e laríngea) onde as di-

ferenças não acarretam diferenças fonológicas. As consoantes velares,

com efeito, são todas graves e compactas, por isto, todas as vogais ve-

lares são graves.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), quando o dorso da lín-

gua não chega à oclusão, temos as fricativas [χ] (surdo) e [α] (sonoro).

O relaxamento da articulação dessas fricativas nos leva à simples aspi-

ração. Pequenas variações no ponto de articulação dessas mesmas frica-tivas determinam variações fonêmicas: para a frente caímos no ch ale-

mão de ich, para trás, já quase na altura da úvula, temos o ch alemão de

Buch (representado) [x]), já próximo da uvular r (veja: Centum). A na-

José Pereira da Silva

6681

sal velar ŋ é conhecida do italiano, espanhol, inglês, alemão etc., que

aparece antes das velares [k] e [g]. O francês e o português, na mesma

situação, apenas nasalizam a vogal anterior: italiano banco [baŋko], português banco [bãko]. No espanhol, diante de x, o n é uvular, mais ou

menos fricativo, como em don Juan; e diante de w ou se velariza ou

apenas nasaliza a vogal anterior. Exemplos: un huerto [un werto] ou [ũ

werto]. A fricativa velar surda (ch alemão de Sprache) é o mesmo j es-

panhol. Mas, nesta língua, ela pode ser enfática, tornando-se vibrante,

ou atenuar-se, passando a mera aspiração. A transcrição fonética dessas

fricativas é [x]. Pode se tornar uvular diante de a, o ou u.

Vogais velares são as vogais posteriores: /ɔ/, /o/, /õ/, /u/ e /ũ/.

O adjetivo velar, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), caracteriza a

articulação das vogais ou das consoantes que se realiza com interven-

ção do véu palatino (ou palato mole). As vogais velares são igualmente designadas pelo termo vogais posteriores, e as consoantes velares pelo

de consoantes pós-palatais.

Veja os verbetes: Articulação, Consoante, Palato, Uvular, Véu pa-

latino e Vogal.

Velar labializada

Velar labializada é o mesmo que labiovelar.

Velárico

Um dos mecanismos de passagem da corrente de ar além dos meca-

nismos pulmonar e glotálico. No mecanismo de passagem de corrente

de ar velárico ocorre a soltura do ar presente entre a parte posterior da

língua (ou palato mole) e algum tipo de obstrução na parte anterior da

cavidade bucal. No português, os sons produzidos com o mecanismo de ar velárico são utilizados paralinguisticamente como, por exemplo, para

induzir um cavalo a andar mais rapidamente, ou para indicar negação.

O som produzido pela bicota, que é um beijo estalado, também é velá-

rico. Os sons produzidos com o mecanismo de passagem de corrente de

ar velárico são denominados cliques.

O termo "velárico" se refere a um modo bastante diferente de pro-

dução da fala: em vez de usar a corrente de ar gerada pelos pulmões, os

sons veláricos usam o ar gerado por um fechamento na posição velar. O

dorso da língua fica elevado de encontro ao velum e as articulações são

feitas mais à frente, pelos lábios ou as partes anteriores da língua. Os

cliques, que são os sons gerados deste modo, têm um papel distintivo

em algumas línguas, como o zulu.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6682

Velarização

Velarização é a mudança da articulação de um fonema para melhor

se adaptar à articulação velar do fonema seguinte. Ou seja, é a proprie-dade relativa ao levantamento da parte posterior da língua durante a ar-

ticulação de um som. No português, a velarização ocorre quando a late-

ral pós-vocálica alveolar é coarticulada com a propriedade de velariza-

ção, como na palavra sal ['saɫ]. Atualmente, a consoante lateral velari-

zada ocorre apenas em alguns dialetos do português do sul do Brasil.

Normalmente, em seu lugar ocorre um glide posterior [w], como em sal

['saw].

Segundo David Crystal (1988, s.v.), a velarização é um termo geral

que se referem a qualquer articulação secundária em que a parte poste-

rior da língua se move em direção ao palato mole. É claro que, para um

som ser "velarizado", seu primeiro ponto de articulação deve se locali-zar em outro lugar da boca (Exemplo: o som [z] é normalmente feito

em posição alveolar; porém, ele é velarizado se, durante a sua articula-

ção, o dorso da língua se eleva em direção ao palato mole, o que daria

ao som uma ressonância distintiva). O termo geralmente se aplica a

consoantes que não são velares. Pode ser usado com referência a vo-

gais, mas as variações na articulação da vogal costumam ser descritas

em termos diferentes ("centralizada", "retraída" etc.). A velarização po-

de ser um traço essencial da identidade do som, contrastando com ou-

tros sons não velarizados, como na distinção entre o [s] velarizado e

não velarizado no árabe (transcritos [ɵ] e [s], respectivamente). No in-

glês, a velarização depende do contexto. O l em final de sílaba, como

em cool, tem uma ressonância velar, o que é observável ao ser compa-rado com o [l] inicial, de leap, onde o dorso da língua está mais para a

frente na boca. Um rótulo auditivo possível para a ressonância velar é

obscuro, em oposição a "claro", usado para os sons com ressonância

palatal. O símbolo comum para as consoantes velarizadas é [~], cru-

zando a letra. Alguns dialetos do inglês têm muitos sons velarizados.

Veja os capítulos 2, 7 e u de An Introduction to the Pronunciation of

English, de Arnold C. Gimson (1980) e o capítulo 8 de Fundamental

Problems in Phonetics, de John Cunnison Catford (1977).

Velarizado

Propriedade de um som afetado pela velarização. No português, a

lateral alveolar pode ser velarizada em final de sílaba, como em Salva-dor [saɫva'doɾ].

Veja o verbete: Labiovelarizado.

José Pereira da Silva

6683

Velino

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

velino é o couro de vitela, mais liso e mais fino do que o pergaminho vulgar, reservado aos manuscritos de luxo. Encontram-se excepcional-

mente incunábulos impressos em velino. É possivelmente o mais belo e

duradouro dos materiais desde sempre usado para livros. Era produzido

a partir de couros de animais – vitela, cordeiro ou cabrito com quatro a

seis semanas de vida. O mais fino velino, porém, era produzido a partir

do velino uterino ou abortium pergamenta vitulina ou pergamina vir-

ginea, que, como os nomes indicam, derivam do estudo de gestação do

feto ainda antes do nascimento. Dada a sua delicadeza e menor resis-

tência em relação ao pergaminho, o velino era destinado, sobretudo, a

obras de menor corpo e de texto longo, uma vez que permitia uma es-

crita mais miúda e compacta. Dada a sua fragilidade, os cadernos eram constituídos por mais folhas, de modo a suportarem uma costura mais

sólida. É o nome dado ao papel liso e uniforme, sem vergaturas nem

pontusais, inventado na Inglaterra por volta de 1750 e utilizado em edi-

ções de luxo.

Veja os verbetes: Pergaminho virgínio, Vitalinium, Vitulus.

Vellum

Veja o verbete: Pergaminho.

Velocidade

Aplicação do sentido geral do termo na fonética e na fonologia, se-

gundo David Crystal (1988, s.v.), referindo-se à rapidez da fala, cujo

termo alternativo é tempo. A velocidade de articulação (medida em sí-

labas por segundo, palavras por minuto, incidência de pausas etc.) va-ria entre as línguas e os indivíduos. Dentro de uma dada norma, porém,

é possível uma variação de velocidade, para um determinado efeito so-

cial ou semântico (Exemplo: o sentido meditativo de be-e-m, produzido

vagarosamente). A velocidade faz parte dos estudos contrastivos da fo-

nologia suprassegmental. Veja o capítulo 2 de Aspects of Language, de

Dwight L. Bolinger e Donald A. Sears (1981).

Velopalatal

Velopalatal é o mesmo que velar.

Venejo

Venejo é a língua da Venécia, nordeste da Itália, conhecida através

de inscrições, mas ainda mal caracterizada, embora alguns linguistas a

suponham itálica.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6684

Ventricular

Termo que, na fonética, segundo David Crystal (1988, s.v.), descre-

ve um tipo de som produzido entre os ventrículos ou "falsas" cordas vocais, que ficam imediatamente acima e paralelos às verdadeiras cor-

das vocais. Normalmente, esse tipo de som não é usado na fala, mas

podem ser ouvidos efeitos ventriculares em sussurros e em um tipo de

voa que, às vezes, combina a glotal para produzir uma voz "dupla" ou

"diplofônica". Veja o capítulo 6 de Fundamental Problems in Phone-

tics, de John Cunnison Catford (1977).

Ver a luz

Ver a luz é sair, ser publicado, aparecer uma obra ou outro tipo de

publicação etc.

Ver também

Ver também é a expressão usada em biblioteconomia quando, além da palavra ou expressão em questão, pretende-se também enviar para

uma outra. Costuma-se, mais frequentemente, utilizar a abreviatura

v.tb.

Verba

Verba é cada uma das cláusulas ou artigos de uma escritura ou do-

cumento.

Veja os verbetes: Comentário e Nota.

Verba volant, scripa manent

Verba volant, scripta manent (locução latina) as palavras voam, os

escritos permanecem. Advertência usada para que se tenha cuidado

com aquilo que se escreve.

Verbal

Que diz respeito ao verbo, relativo ao verbo: complemento verbal,

concordância verbal, desinência verbal, flexão verbal, locução verbal,

predicação verbal, predicado verbal, regência verbal, sufixo verbal.

Complemento verbal é o termo regido por um verbo transitivo. É o

chamado objeto e pode ser direto ou indireto. O complemento verbal

"completa" o verbo de predicação incompleta.

Concordância verbal é a adaptação da formas verbais ao respectivo

sujeito. Exemplos: Eu trabalho, nós trabalhamos, vós trabalhais, eles

(os homens) trabalham.

Desinência verbal é o elemento terminal do verbo que lhe indica número e pessoa, segundo alguns autores; segundo outros autores, tam-

José Pereira da Silva

6685

bém aqueles elementos que indicam modo e tempo. Em sentido restrito,

as desinências verbais são número-pessoais e em sentido amplo, são es-

sas mesmas e ainda as desinências modo-temporais. Exemplo: cantá-vamos (-va- desinência modo-temporal; -mos – desinência número-

pessoal).

Flexão verbal é a variação formal do verbo para exprimir as catego-

rias de modo, tempo, número, pessoa e voz.

Locução verbal é a expressão composta de verbo auxiliar + verbo

principal, que exerce o papel de um verbo simples. Exemplos: tenho li-

do, hei de ler, estou lendo, ser estimado.

A natureza do verbo auxiliar permite a divisão das locuções verbais

em: a) permanentes (com os auxiliares ter, haver, ser, estar). Exem-

plos: tinha (havia) falado; está ferido, foi ferido, está falando, foi fi-

cando; b) ocasionais (com os auxiliares ir, vir, andar, começar, querer, viver etc.). Exemplos: vai falando, vinha conversando, andam a brigar,

começou a falar, queria ajudar, vive protestando etc.

Não formam locução verbal os verbos causativos (deixar, fazer,

mandar), bem como os sensitivos (ouvir, sentir, ver) seguidos de infini-

tivo. Exemplos: Deixei (fiz, mandei) sair o desordeiro. (Compare com:

Deixei [fiz, mandei] que o desordeiro saísse). Senti arder-lhe o coração

de ciúme. (Compare com: Senti que o coração lhe ardia de ciúme). Ou-

vi bater à porta. (Compare com: Ouvi que batiam à porta). Vi entrar

um desconhecido. (Compare com: Vi que entrava um desconhecido).

Note-se que a forma flexionada e o infinitivo têm sujeitos diferentes.

Predicação verbal é a constituição do predicado pelo verbo e seus complementos, ou a conexão sintática entre o sujeito e o verbo, entre o

verbo e os seus complementos.

Predicado verbal é o predicado estruturado em torno de um verbo

ou locução verbal que não seja de ligação. Predicado que tem por nú-

cleo um verbo nocional. Exemplo: Os alunos leram o capítulo inteiro,

em silêncio, com toda a atenção. O núcleo do predicado é leram. Opõe-

se a predicado nominal.

Regência verbal é a forma de exigência ou dispensa de complemen-

to de um verbo. Ou melhor, é a conexão sintática entre o verbo, seu su-

jeito e seus complementos.

Sufixo verbal é o sufixo lexical que serve para formar verbos. Os mais conhecidos prefixos verbais são os que servem para derivar ver-

bos frequentativos ou iterativos: -e(ar), ej(ar), -ic(ar), -it(ar) etc. Exem-

plos: passear, esbravejar, trovejar, bebericar, saltitar.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6686

Na gramática gerativa, segundo David Crystal (1988, s.v.), o sin-

tagma verbal tem uma definição muito mais ampla, equivalendo a todo

o predicado de uma sentença, como fica claro na expansão de uma O em SN + SV na gramática de estrutura frasal.

O adjetivo do "verbo", verbal, é usado muitas vezes na descrição da

gramática tradicional, como em "sintagma verbal" ou "forma verbal"

(embora se deva ter muito cuidado para não confundi-lo com outra sig-

nificação de "verbal", como falado, oral: "verbalizar", "capacidade ver-

bal" etc.). Pode-se falar também de "substantivo deverbal" (= um subs-

tantivo semelhante na forma ou no significado a um verbo: o entarde-

cer e smoking (no inglês), "adjetivo deverbal" (= um adjetivo seme-

lhante a um verbo na forma e no significado: amado, amador, amante,

derivados do verbo amar). Veja o capítulo 7 de Introdução à linguísti-

ca teórica, de John Lyons (1979) e o capítulo 3 de A Comprehensive Grammar of the English Language, de Randolph Quirk et al. (1985).

Na gramática gerativa, dá-se o nome de verbal, segundo Jean Du-

bois et al. (1998, s.v.), ao conjunto formado pelos verbos e os adjetivos,

considerados como pertencentes à mesma categoria. Adjetivos e verbos

só se distinguem pelo fato de que os primeiros implicam na constitui-

ção do sintagma verbal, a cópula ser, que pode ainda, em certos casos,

estar ausente.

Sintagma verbal (abreviação SV) é um sintagma constituído, seja

de um verbo (V) e de um auxiliar (Aux), seguido ou não de um sintag-

ma nominal (SN) ou de um sintagma preposicional (SP), seja da cópula

ser e do auxiliar seguidos de um sintagma nominal (SN), de um sin-tagma adjetival (SA) ou de um sintagma preposicional (SP). Assim, nas

frases seguintes (Pedro jogou uma pedra. Pedro corre. Pedro vai ao

Rio. Pedro é feliz. Pedro é engenheiro. Pedro é de São Paulo), os sin-

tagmas verbais são, respectivamente, jogou uma pedra, corre, vai ao

Rio, é feliz, é engenheiro e é de São Paulo. Na gramática gerativa, a

formulação do sintagma pode ser dada sob a forma abaixo, em que o

verbo está na frente do sintagma verbal:

Chamam-se substantivos verbais as formas nominais e os adjetivos

José Pereira da Silva

6687

do verbo (infinitivo e particípios).

Denomina-se tema ou raiz verbal o radical que serve de base à fle-

xão de um verbo.

Verbalização

Verbalização é a ação de tornar verbal, de exprimir através de pala-

vras.

Verbatim

Verbatim é palavra latina equivalente a literalmente, palavra por pa-

lavra.

Verbatim et litteratim

Verbatim et litteratim é a locução latina equivalente a letra por letra,

palavra por palavra, cópia ou transcrição exata de um texto.

Verbetar

Verbetar é organizar em verbete; fazer verbete de.

Verbete

Em lexicografia, cada entrada de dicionário, enciclopédia, glossá-

rio etc. constitui um verbete. Cada verbete se caracteriza pelo conjunto

das acepções, das definições, exemplos e outras informações específi-

cas. Predomina a linguagem referencial das definições, feita de maneira

objetiva, com correferências a vários campos do conhecimento, as

chamadas rubricas (COSTA, 2018, s.v.).

Veja os verbetes: Artigo, Chamada, Endereço, Entrada, Rubrica,

Título.

Verbi causa

Veja o verbete: Verbi gratia.

Verbi gratia

Verbi gratia, verbi causa ou exempli gratia é locução latina corres-

pondente a por exemplo. Costuma ser usada na forma abreviada v.g.

Em textos, notas e citações bibliográficas, esclarece o exposto, dando o

exemplo. Também se usa abreviadamente: v.g., v.c. ou e.g.

Verbigeração

O termo verbigeração designa, entre doenças mentais, uma conver-

sação animada, incessante, geralmente declamada ou pronunciada num

tom patético, compreendendo termos vazios de sentido ou palavrões.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6688

Verbigrácia

Verbigrácia é o aportuguesamento da locução latina verbi gratia

(por exemplo).

Verbo

Palavra variável que exprime um processo, isto é, algo dinâmico e

não estático, que, normalmente, se atribui ao sujeito. Exemplo: "Meu

tio construiu uma casa".

O nome verbum, que os latinos deram a essa classe de palavras,

provém de considerá-lo, a exemplo dos gregos, como o termo essencial

da frase.

O verbo se classifica quanto à forma e quanto à significação.

Quanto à forma, consideram-se as flexões, das quais o verbo é parti-

cularmente bem-dotado, pois, ao passo que a declinação dos nomes se

perdeu na passagem do latim para o português (e demais línguas româ-nicas), a conjugação se conservou apreciavelmente.

O estudo das flexões ainda pode ser visto sob o prisma da qualidade ou

da quantidade.

Quanto à qualidade das formas que apresenta, temos as conjuga-

ções. Conjugar um verbo é fazê-lo passar sistematicamente por todas as

suas flexões.

Em português, há três conjugações, conforme a vogal temática seja

-a (amar), -e (dever) ou -i (partir). O verbo pôr não forma conjugação

à parte, pois a sua vogal temática -e, embora tenha desaparecido no in-

finitivo (pôr), ocorre em outras formas verbais (puse-ste, pus-ras, puse-

sses, puse-res).

Dentro de cada conjugação, o verbo apresenta flexões modo-temporais (de tempo e modo) e número-pessoais (de número e pessoa).

Os modos se dividem em finitos e infinitos, conforme apresentem

ou não flexão número-pessoal.

Os modos finitos são três: indicativo, subjuntivo e imperativo.

O modo indicativo exprime o processo objetivamente; o subjuntivo

o apresenta sob uma coloração subjetiva; e o imperativo exprime or-

dem, apelo, exortação, súplica ou convite.

Os modos infinitos são constituídos de formas sobreviventes de um

estado de coisas que se foi decompondo progressivamente. São tais

formas conhecidas como formas nominais do verbo, porque, não pos-

suindo flexão de pessoa e número, não têm valor predominantemente verbal, adquirindo, paralelamente, funções nominais (de substantivo e

de adjetivo). Em latim, podiam até se declinados. São formas nominais

do verbo: o infinitivo, o particípio e o gerúndio. O infinitivo é um

José Pereira da Silva

6689

substantivo verbal (amar). Em português, existe um infinitivo flexiona-

do (ter, teres, ter, termos, terdes, terem), cuja origem, até hoje, não foi

suficientemente esclarecida. O particípio é um dos antigos modos infinitos que podia ser presen-

te, passado e futuro. É um adjetivo verbal. Em português, somente o

particípio passado continua integrado no sistema verbal (amado, ama-

da). O particípio presente ou se adjetivou de todo (água corrente), ou

passou de adjetivo a substantivo (a corrente do relógio), ou até se con-

verteu em preposição (durante a festa) – o que raramente ocorreu. O

particípio futuro desapareceu completamente.

Quanto ao gerúndio, é um substantivo verbal terminado em -ndo,

proveniente do caso ablativo latino, o que lhe comunica valor adverbi-

al. É uma forma verbal viva. Exemplo: "Cantando, espalharei por toda

a parte". Com o desaparecimento do particípio presente, o gerúndio es-tendeu as suas funções, passando a ter também valor adjetivo. O em-

prego do gerúndio com valor adjetivo tem levantado discussões, pois

muitos o incriminam nesse emprego como "galicismo". A tendência é

aceitar por bom o gerúndio adjetivo com sentido progressivo (Vi dois

meninos jogando bola – isto é, que estavam jogando) e rejeitá-lo quan-

do não tiver esse valor (Ganhei uma caixa contendo charutos).

Os tempos são três: presente, passado (ou pretérito) e futuro.

O presente é indivisível: amo. O pretérito pode ser perfeito (amei),

imperfeito (amava) ou mais-que-perfeito (amara). O futuro pode ser do

presente (amarei) ou do pretérito (amaria). Esses são os tempos do mo-

do indicativo. Os tempos do subjuntivo são apenas o presente (ame), o

pretérito imperfeito (amasse) e o futuro (amar). No imperativo só há um tempo, o presente, que pode assumir forma

afirmativa (ama tu) ou negativa (não ames).

Tais tempos são chamados de tempos simples, porque se forma por

meio de flexões adequadas. Mas, ao lado deles há também os tempos

compostos, que são formadas com os auxiliares ter (mais frequente) ou

haver e o particípio passado do verbo principal. Exemplos: tenho ama-

do, havia amado. O verbo ser também pode funcionar como auxiliar de

tempo composto quando unido a verbo intransitivo: éramos chegados

(= tínhamos chegado).

Em português, há os seguintes tempos compostos: no modo indica-

tivo – pretérito perfeito composto do indicativo (tenho amado), pretéri-to mais-que-perfeito composto do indicativo (tinha amado), futuro do

presente composto do indicativo (terei amado), futuro do pretérito

composto do indicativo (teria amado); no modo subjuntivo – pretérito

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6690

perfeito composto do subjuntivo (tenha amado), pretérito mais-que-

perfeito composto do subjuntivo (tivesse amado) e futuro composto do

subjuntivo (tiver amado). No imperativo, não há tempos compostos. Tempos compostos de menor importância ocorrem na formação da

voz passiva analítica dos verbos.

A conjugação acima apresentada é a da chamada voz ativa, assim

considerada como aquela em que o sujeito pratica a ação expressa pelo

verbo. Exemplo: Deus criou o mundo. Mas, como nem todos os verbos

exprimem ação, chama-se, por extensão, conjugação ativa aquela que

apresenta as mesmas flexões dos verbos ativos. Exemplo: A flor mur-

chou.

Na conjugação passiva, o sujeito sofre a ação expressa pelo verbo.

Exemplo: O mundo foi criado por Deus. Forma-se a passiva em portu-

guês por meio do auxiliar ser acompanhado do particípio do verbo principal (que deve ser um verbo transitivo). É a chamada passiva de

ação. Exemplo: amar (infinitivo ativo), ser amado (infinitivo passivo).

Ao lado da passiva de ação, existe também a passiva de estado, que

se forma com o auxiliar estar. Exemplo: "Toda a Gália está dividida em

três partes".

Há outras maneiras de apassivar um verbo, fora desses dois tipos de

conjugação. Assim, muitas vezes, o pronome pessoal átono se comuni-

ca o valor passivo ao verbo (passiva pronominal ou passiva sintética).

Exemplo: "Desfez-se a nuvem negra" (= a nuvem negra foi desfeita).

Também o infinitivo que serve de complemento a certos adjetivos

como fácil, difícil, admirável, duro, claro etc. pode indicar o valor pas-sivo ao verbo. Exemplos: coisa admirável de dizer (= de ser dita), osso

duro de roer (de ser roído). Aliás, o próprio infinitivo, servindo de

complemento sintático a verbos como mandar, deixar, fazer, ver, ouvir,

pode ter valor passivo.

A passiva pronominal pode não se referir a nenhum sujeito deter-

minado. Chama-se, então, passiva impessoal. Isso ocorre com verbos

transitivos indiretos e intransitivos, segundo Sílvio Edmundo Elia

(1962, s.v. Verbo). Exemplos: Precisa-se de operários. Assim se vai

aos astros.

Quando a ação praticada pelo sujeito recai sobre o próprio agente,

temos a chamada voz reflexiva. Exemplo: A moça se penteia. Neste ca-so, o verbo vem sempre acompanhado de um pronome oblíquo da

mesma pessoa do sujeito (eu... me, tu... te, ele, ela, eles, elas... se, nós...

nos, vós... vos). Certos verbos essencialmente pronominais nunca pres-

José Pereira da Silva

6691

cindem desse pronome, tais como apiedar-se, apoderar-se, zangar-se

etc. Tais verbos, situando-se entre os verbos passivos e os reflexivos,

merecem a classificação de mediopassivos. Exemplo: Pedro se arre-pendeu = ficou arrependido.

Normalmente, as gramáticas apresentam uma conjugação-modelo,

quer para a voz ativa, quer para a passiva. São os verbos tomados por

paradigma. Exemplos: Primeira conjugação: amar (ativa), ser amado

(passiva); vender (ativa), ser vendido (passiva), aplaudir (ativa), ser

aplaudido (passiva).

Todavia, há verbos que não se conjugam integralmente pelo para-

digma; são os verbos irregulares. Dividem-se os verbos irregulares em

fracos e fortes.

Verbos irregulares fracos são os que não sofrem alteração no radical

do pretérito perfeito do indicativo. Exemplo: dormir (a forma durmo apresenta alteração no radical, não, porém, no radical do pretérito per-

feito do indicativo dormi –, que continua inalterado).

Verbos irregulares fortes são os que apresentam alteração no radical

do pretérito perfeito do indicativo (e, em consequência, no radical dos

seguintes tempos, dele derivados: pretérito mais-que-perfeito do indi-

cativo, pretérito imperfeito do subjuntivo e futuro do subjuntivo).

Exemplos: dar (da-r), pretérito perfeito dei (radical de-i). Tais verbos

apresentam, portanto, duas formas de radicais: uma no presente (da-) e

outra no pretérito perfeito (de-). Confira nos outros tempos citados: de-

ra, de-sse, de-r.

São verbos irregulares fortes: dar, estar, caber, fazer, querer, tra-

zer, dizer, haver, prazer, ter. Dos verbos irregulares fortes devem se destacar os anômalos, que

são verbos que possuem radicais provenientes de raízes diferentes. Em

português, só há dois verbos anômalos: ser e ir, cada um deles com três

radicais.

São os seguintes os radicais do verbo ser: s- (ou er-), se- e fu (fo-).

O primeiro radical aparece em sou, somos, era; o segundo, em ser, se-

rei, seria, sendo; e o terceiro em fui, foste, fora, fosse, for (todas as

formas do tema do perfeito).

São os seguintes os radicais do verbo ir: i-, va-, fu- (fo-). O primeiro

aparece em formas como ir, irei, iria, indo; o segundo, em vou, vais,

vá, vamos; e o terceiro, em formas como fui, foste e demais formas de-rivadas do tema do perfeito: fora, fosse, for).

Na conjugação dos verbos ainda há que considerar o chamado as-

pecto.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6692

Não se deve confundir aspecto com tempo, porque o tempo é uma

categoria abstrata, que estabelece uma relação entre o ato ou fato e um

momento da linha do tempo, que se estende negativamente para o pas-sado e positivamente para o futuro, cujo ponto de origem é o presente.

A categoria do tempo foi a que se incorporou à flexão verbal nas lín-

guas do mundo moderno.

Diferentemente, a noção de aspecto diz respeito ao ato ou fato em si

mesmo (no seu começo, no seu desdobramento, no seu termo, na reite-

ração etc.). As línguas modernas, como o português, não possuem ex-

pressão morfológica para o aspecto, usando para isto de formas peri-

frásticas, nas quais o verbo principal fica no infinitivo ou no gerúndio.

Manuel Said Ali (1861-1953) chamou de verbos acusativos os auxilia-

res de expressões de aspecto.

Eis alguns dos principais aspectos em português: incoativo (começo do processo): começar a, entrar a, pôr-se a etc.; iterativo (repetição do

processo): tornar a, voltar a etc.; cessativo (termo ou encerramento do

processo): acabar de, deixar de, vir de etc. Esses verbos se unem ao

verbo principal no infinitivo.

Os verbos estar, ir, vir + gerúndio (estar chovendo, vem chegando,

vai saindo) formam o aspecto chamado durativo

O tempo conhecido como pretérito perfeito composto do indicativo,

na verdade, é uma forma de aspecto frequentativo: tenho lido muitos

romances.

Todas essas observações dizem respeito à conjugação do verbo do

ponto de vista qualitativo. Outras classificações surgem quando se en-

cara o verbo do ponto de vista quantitativo. De fato, confrontando a conjugação de um verbo qualquer com o

seu paradigma, pode-se verificar que: a) ambos têm o mesmo número

de formas, sendo quantitativamente regulares; b) o verbo conjugado

tem mais formas que o paradigma – trata-se de verbo abundante; c) o

verbo conjugado tem menos formas que o paradigma – portanto, é um

verbo defectivo.

Entre os verbos abundantes, são particularmente citados os verbos

de duplo particípio, como aceitar (aceitado e aceito), acender (acendi-

do e aceso), entregar (entregar e entregue), eleger (elegido e eleito),

exprimir (exprimido e expresso), frigir (frigido e frito), prender (pren-

dido e preso), salvar (salvado e salvo), romper (rompido e roto), sus-pender (suspendido e suspenso), tingir (tingido e tinto), matar (matado

e morto) etc.

Mas os de duplo particípio ão são os únicos verbos abundantes. Es-

José Pereira da Silva

6693

tão nesse grupo ainda alguns verbos como construir e destruir, que fa-

zem no presente do indicativo: construo, constróis, constrói (no Brasil)

ou construo, construis, construi (em Portugal); destruo, destróis, des-trói (no Brasil) ou destruo, destruis, destrui (em Portugal); ou como

certos verbos em -iar, que podem conservar o i nas formas rizotônicas,

ou mudá-lo para ei: alumio, alumias, alumia (no Brasil) ou alumeio,

alumeias, alumeia (em Portugal); comercio, comercias, comercia (no

Brasil), ou comerceio, comerceias, comerceia (em Portugal).

Os verbos defectivos subdividem-se em pessoais, unipessoais e im-

pessoais.

Pessoais são aqueles que podem, quanto ao sentido, ser conjugados

em qualquer pessoa, mas que, geralmente por eufonia, não possuem al-

gumas formas. Estão nesse caso, por exemplo, o verbo reaver, que não

tem as formas rizotônicas (presente do indicativo: reavemos, reaveis); os verbo precaver-se, que se acha nas mesmas circunstâncias (preca-

vemo-nos, precaveis-vos); o verbo abolir, que só se conjuga nas formas

em que ao l se segue um i (abolimos, abolis) etc.

Unipessoais são os que só se conjugam na terceira pessoa, do singu-

lar ou do plural. Estão nesse caso os verbos que exprimem vozes de

animais e os verbos de ocorrência: ocorrer, acontecer, suceder, sobre-

vir.

Impessoais são os verbos que só se conjugam na terceira pessoa do

singular. É o que se dá, por exemplo, com os verbos que exprimem fe-

nômenos da natureza: chover, trovejar, ventar, nevar, relampejar etc.

Passemos, agora, à classificação dos verbos quanto à significação.

Desse ponto de vista, dividem-se os verbos em duas grandes classes: nocionais e relacionais.

Verbos nocionais são os que exprimem uma noção, uma ideia. Ver-

bos relacionais são os que exprimem relação entre as ideias.

Há dois tipos de verbos nocionais: os que exprimem ação e os que

exprimem fenômeno. Os primeiros indicam um processo do qual há um

agente; os de fenômeno denotam um processo considerado como um

acontecimento que se realiza sem a intervenção de qualquer agente.

Os verbos de ação ainda se subdividem em de ação transitiva e de

ação intransitiva.

Ação transitiva é aquela que, praticada por um agente, alcança um

objeto. Exemplo: comprar (Pedro comprou um livro). Ação intransitiva é aquela que, praticada por um agente, nele se es-

gota, sem alcançar qualquer objeto. Exemplo: chegar, ir, sair, voltar,

chorar, brincar etc. (Pedro chegou).

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6694

Quando o verbo é de ação transitiva, esta pode se completar com

um objeto normalmente não preposicionado (objeto direto), ou com um

objeto necessariamente preposicionado (objeto indireto). Daí a divisão entre transitivo direto (Pedro comprou um livro) e transitivo indireto

(Pedro obedece ao pai).

Um mesmo verbo pode pedir os dois objetos: Pedro deu um livro ao

irmão. São os chamados verbos bitransitivos ou biobjetivos. Todavia, a

Nomenclatura Gramatical Brasileira não inclui tal denominação.

Os verbos de fenômeno subdividem-se em de fenômeno físico (cho-

ver, ventar, trovejar etc.), de fenômeno biológico (nascer, morrer, cres-

cer etc.) e de fenômeno histórico (acontecer, sobrevir, ocorrer etc.).

Os verbos relacionais exprimem estado. Podem ser: de estado natu-

ral (ser), de estado adquirido (estar, achar-se), de estado permanente

(andar, viver, continuar), de mudança de estado (ficar, virar, tornar-se, converter-se), de dúvida de estado (parecer).

Na linguística estrutural, o verbo é um constituinte do sintagma

verbal, de que é o cabeça, que se define por seu contorno, isto é, pelo

fato de que ele é, em português, por exemplo, precedido de um sintag-

ma nominal sujeito e seguido eventualmente de um sintagma nominal

objeto. Ele se define também por suas marcas de tempo, de pessoa e de

número.

Em linguística gerativa, o símbolo V (verbo) entra na reescrita do

sintagma verbal abaixo

e o item léxico que será substituído pelo símbolo V é uma forma abs-

trata correspondente ao radical do verbo da gramática tradicional, como

cant-, por exemplo.

Eis um quadro sinótico do que ficou dito sobre verbos na gramática

tradicional:

José Pereira da Silva

6695

Segundo Robert Lawrence Trask (2015, s.v.), verbo é a parte do

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6696

discurso que inclui palavras como ir, ver, compreender e parecer. A

classe dos verbos é universal: nunca foi descoberta uma língua em que

os verbos não fossem uma classe à parte. Os verbos mais prototípicos denotam ações realizadas por um agente, como correr, cantar, atirar,

bater e dar. Mas também são verbos muitos outros termos que têm sig-

nificados menos típicos, como morrer, dormir, acreditar, compreender,

escoar-se, seguir-se, tornar-se, parecer, ter/haver e ser/estar. Os auxi-

liares do português, como precisar, dever, poder, ir também costumam

ser classificados como verbos, embora haja linguistas que gostariam de

reuni-los numa classe à parte.

O que faz a unidade da classe dos verbos é seu comportamento

gramatical. Os verbos em português, por exemplo, e em muitas outras

línguas, são marcados quanto a tempo (Beatriz bebe / bebia conhaque).

Também é comum que os verbos apresentem concordância, um fenô-meno onipresente em português, como em Beatriz fuma em oposição a

Beatriz e Janete fumam.

Mas a característica mais central para um verbo é que ele sempre se

faz acompanhar por um ou mais sintagmas nominais, seus argumentos,

numa sentença gramatical. Por exemplo, sorrir e fumar tomam apenas

um argumento (Beatriz sorriu. Beatriz fuma). Comprar e beijar exigem

dois argumentos (Beatriz comprou um carro. Beatriz beijou Rita); e

dar e mostrar exigem três (Beatriz me deu este livro. Beatriz mostrou

ao Plínio seu novo carro). Alguns poucos verbos, porém, escapam des-

sa exigência, como chover e parecer, em um de seus usos (Está cho-

vendo. Parece que Beatriz está viajando).

Essas diferenças no comportamento gramatical são um exemplo de subcategorização, e envolvem diferenças de transitividade.

Como leituras complementares, Robert Lawrence Trask sugere o

capítulo 3 de A Student’s Grammar of the English Language, de Sidney

Greenbaum e Randolph Quirk; e as páginas 244 a 246 de Grammar: a

student’s Guide, de James R. Hurford.

Veja o verbete: Advérbio, Classe gramatical, Concordância, Con-

jugação, Flexão, Função sintática, Futuro do presente do indicativo,

Locução, Modo, Núcleo, Número, Parte do discurso, Pessoa, Plural,

Predicação verbal, Predicado, Presente do indicativo, Pretérito imper-

feito do indicativo, Pronome pessoal reto, Singular, Subcategorização,

Sujeito, Tempo, Transitividade, Tempos primitivos do verbo e Voz.

Verbo abstrato

Verbo abstrato se diz do verbo ser, porque é destituído de conteúdo

significativo, fazendo mero papel de liame. Exemplo: Maria é boa (o

José Pereira da Silva

6697

conteúdo semântico da frase está contido em Maria e em boa; o é ape-

nas liga os nomes) (JOTA, 1981, s.v.).

Verbo abundante

Abundante é o verbo que apresenta duas ou mais formas equivalen-

tes. Esta abundância é mais frequente no particípio, com uma forma

contracta, irregular, além da regular. Exemplos: aceitado/aceito/aceite;

entregado/entregue; acendido/aceso; imprimido/impresso. A abundân-

cia, porém, pode ocorrer com outras formas, embora seja mais raro.

Exemplos: havemos/hemos; constrói/construi; refólego/refolgo. A lín-

gua tende a fixar uma das duas.

Verbo acurativo

Verbo acurativo, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.),

é o auxiliar usado para expressar o aspecto, acompanhado de infinitivo

ou gerúndio do verbo principal. Exemplos: começar a escrever; pôr-se

a escrever; estar escrevendo; andar escrevendo etc.

Verbo afetivo

Verbo afetivo é o verbo cujo objeto recebe a ação por ele expressa.

Exemplo: Visei o alvo. Difere, portanto, do verbo efetivo, cujo objeto é

o resultado da própria ação. Exemplo: Fiz uma cadeira. Escrevi um li-

vro (JOTA, 1981, s.v.).

Verbo anocional

Verbo anocional ou verbo de ligação, segundo Maria Margarida de

Andrade (2009, s.v.), é aquele que não apresenta conteúdo semântico

ou apresenta sentido muito amplo ou vago, classificado como vazio. O

verbo anocional serve de ligação entre o sujeito da oração e seu predi-

cativo, por isso, é chamado também de verbo relacional.

Verbo anômalo

Verbo anômalo, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.),

é um verbo irregular que apresenta mais de um radical na sua conjuga-

ção, como é o caso dos verbos ser (sou, era, fui), ir (vou, irei, fora), po-

der (posso, poderei, pude), dizer (digo, direi, dizia, disser), fazer (faço,

fiz, farei) etc.

Verbo ativo

Verbo ativo é o mesmo que verbo transitivo.

Verbo auxiliar

Quanto ao sentido e à função, distingue-se o verbo em principal e

auxiliar. Essa oposição ocorra na locução verbal, onde o auxiliar é o

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6698

que se junta ao principal para formar um tempo composto ou traduzir

algum matiz (ou aspecto) significativo especial, como os verbos ser, es-

tar, ter, haver, começar, continuar etc. Exemplos: estou estudando; sou conhecido; hei de estudar; começar a chover; querendo passear; tem

ido trabalhar etc.

O verbo auxiliar, tanto na formação de tempos compostos quanto na

formação de locuções verbais, vem anteposto ao verbo principal, obe-

decendo a um dos três esquemas:

1) verbo auxiliar + verbo principal no infinitivo precedido ou não

de preposição (Exemplos: Eles acabaram de chegar. Todos andam a

reclamar dos altos preços. Tocos começaram a gritar. O funcionário

deixou de preencher a ficha. Vocês devem continuar a tarefa. Nós te-

mos de/que trazer as encomendas. Ela vai escrever uma novela para a

televisão. Os políticos podem solucionar o problema. João e Maria querem casar. Eu tenho de/que procurar outra solução. Isto vem a ca-

lhar);

2) verbo auxiliar + verbo principal no gerúndio (Exemplos: Andam

dizendo que você fez isto. Estão achando que isto é impossível. Eu vou

correndo para casa. Vem fazendo muito frio);

ou 3) verbo auxiliar + verbo principal no particípio (Exemplos na

voz ativa: Eu já havia feito o trabalho pela manhã. Ele tem trazido o

jornal todos os dias. Exemplos na voz passiva: A teoria foi desenvolvi-

da pelos cientistas. A casa está infetada pelos insetos).

Quando numa sequência houver mais de um auxiliar, deve-se tam-

bém obedecer aos esquemas anteriores. Assim, para se formar uma fra-

se com estar, querer e ficar, a construção deve ser: Eu estou querendo ficar em casa. → estar exige gerúndio, querer exige infinitivo.

Veja o verbete: Conjugação, Flexão, Frase, Gerúndio, Infinitivo,

Locução verbal, Modo, Núcleo, Número, Particípio, Pessoa, Preposi-

ção, Sujeito, Tempo, Verbo e Voz.

Verbo auxiliar causativo (ou factitivo)

Verbo causativo ou factitivo, segundo Maria Margarida de Andrade

(2009, s.v.), é aquele que exprime uma relação causal, como os verbos

deixar, mandar, fazer e sinônimos. Exemplos: O sol fez secar a roupa.

O pescador fez fugir o peixe.

Verbo auxiliar modal

O verbo auxiliar modal ou simplesmente verbo modal, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.), indica como se desenrola a

ação expressa pelo verbo principal, formando locuções verbais com va-

José Pereira da Silva

6699

lor modal (de desejo, probabilidade, dever, possibilidade, necessidade

etc.), como se pode exemplificar com os verbos dever, poder, ter de e

haver de. Exemplos: O avião deve partir às 8 horas. Pedro pode ir ao cinema. Eu não tenho de pagar o jantar. Hás de ajudar-me a levar isto

para casa. Tenho de pagar o imposto. Posso mandar-te um e-mail? Pre-

tendes deixar o Brasil? Quero voar de parapente.

Verbo auxiliar sensitivo (ou verbo sensitivo)

É o verbo auxiliar (ver, ouvir, olhar, sentir) que, junto com o infini-

tivo, não forma locução verbal. Com os auxiliares causativos e sensiti-

vos, o ideal é fazer a flexão do infinitivo em concordância com o subs-

tantivo a que se refere ("Viu as mulheres entrarem") e evitá-la quando o

elemento a que se referir o infinitivo for um pronome de objeto direto

("Viu-as entrar"). O fato é que pelo país afora vemos esses hospitais se

afundarem em dívidas e mostrarem-se incapazes de se equipar. O joa-lheiro vê multiplicarem-se os pedidos e o faturamento da firma. O cine-

grafista ainda conseguiu ver as mãos se soltarem do gradil.

Verbo bitransitivo

Verbo bitransitivo ou verbo biobjetivo é o que pede dois objetos, o

direto e o indireto, como dar, lembrar etc. Exemplos: Dar (lembrar, di-

zer, pedir etc.) algo a alguém. Embora a Nomenclatura Gramatical

Brasileira não assinale o termo bitransitivo, é ele de reconhecida utili-

dade, pelo que nenhum inconveniente há em usá-lo. Ele é chamado

também de verbo transitivo direto e indireto.

Verbo causativo

Verbo causativo ou verbo factitivo é o verbo cujo objeto é, ao mes-

mo tempo, agente e objeto do verbo factitivo. Exemplo: Deixei (ou fiz, mandei) o rapaz entrar (o rapaz é o objeto do verbo factitivo deixar e

agente do verbo entrar). Há línguas que, com uma só palavra, expri-

mem os dois verbos. Exemplos: memini é lembrar-se e moneo é fazer

(outrem) lembrar-se. O alemão wide é largo, widen é fazer largo, alar-

gar. Com alternância também se externa o causativo. Inglês to fall

(cair), mas to fell (fazer cair); alemão hancen (ficar suspenso); mas

hüngen (fazer ficar suspenso); e o grego em phoréo (fazer carregar)

[confira phéro, carregar] usa a alternância e o sufixo. Em português, só

ocasionalmente o efeito causativo é representado por um só verbo.

Exemplo: O caçador imprudente afugentou (fez fugir) a caça. O sol

secou (fez secar) o tempo. Civilizei (fiz tornar-se civil) o rapaz (JOTA,

1981, s.v.).

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6700

Verbo concreto

Verbo concreto é o que tem conteúdo significativo; portanto, o que

pode ser predicado, opondo-se ao verbo abstrato, sem conteúdo, mero

liame.

Verbo conotativo

Verbo conotativo é o verbo propriamente dito, que exprime um pro-

cesso, em oposição ao verbo substantivo.

Verbo copulativo

Verbo copulativo é o mesmo que verbo de ligação.

Verbo de encher

Verbo de encher é palavra desnecessária ao sentido da frase.

Verbo de estado

Verbo de estado é o verbo intransitivo que não indica nenhuma

ação: viver, estar, morrer etc.

Verbo de ligação

Verbo de ligação, verbo relacional, verbo copulativo ou verbo pre-

dicativo, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.), verbo de

ligação é o verbo destituído de conteúdo nocional que serve de ligação

entre o sujeito e seu predicativo. O núcleo do predicado do verbo de li-

gação é um nome (o predicativo) que se liga não ao verbo, mas ao su-

jeito da oração. Principais verbos de ligação: ser, estar, permanecer, fi-

car, parecer, tornar-se e transformar-se.

Alguns verbos de ação, dependendo do contexto, podem se tornar

verbos de ligação, como os verbos andar, ficar, virar etc.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), verbo de ligação é o ve-

ro que, destituído de conteúdo total, mais serve de liame entre o sujeito e um elemento chamado predicativo, em que se concentra a significa-

ção do predicado. Na realidade, o verbo ser parece mero morfema, in-

dicativo de estado permanente (Pedro é doente) e o verbo estar, indica-

tivo de estado atual ou transitório (Pedro está doente). Os verbos noci-

onais assimilaram, pelo menos sintaticamente, o verbo ser que a catáli-

se nos mostra: Pedro continua (sendo) doente. Pedro parece (ser) do-

ente etc.

Alguns verbos transitivos ou intransitivos perdem o significado ori-

ginal e se tornam verbos de ligação, como ocorre nos exemplos seguin-

tes: Eles acabaram a tarefa > Eles acabaram vencedores; O rapaz an-

dou dez quilômetros > O rapaz anda tristonho. O carro caiu no preci-pício > Ele caiu doente. Eles continuaram o trabalho > Eles continu-

José Pereira da Silva

6701

am atarefados. Eles tornaram à casa paterna > Eles tornaram-se me-

cânicos. Nós viramos a página do livro > Nós viramos feras.

O verbo ser, de caráter essencialmente de ligação, pode se tornar in-transitivo com significado de existir, sair do nada. Exemplo: “Deus

disse: Seja a luz. A luz foi”. (Padre Antônio Vieira)

As línguas destituídas desses verbos se valem de outros meios para

diferenciar o adjetivo atributivo do predicativo. Em turco, árabe etc., a

ordem é o elemento distintivo; adjetivo anteposto é atributivo; posposto

é predicativo. Em russo, além da colocação, o predicativo ainda tem

forma especial. O grego se vale de dois processos: O menino (é) bonito

ou Bonito (é) o menino (Ho pais kalós ou Kalós ho pais); em função

atributiva: O bonito menino ou O menino, o bonito (Ho kalós pais ou

Ho pais ho kalós). Observe-se o jogo da ordem das palavras, mas tam-

bém do artigo. Em russo também não se usa o liame verbal, concordando, entretan-

to, o adjetivo predicativo com o sujeito, ou ficando no nominativo, se

for substantivo. Diríamos talvez melhor que há simples omissão, pois

fora do presente do indicativo, o verbo ser reaparece. Exemplo: Maria

(é) inteligente, mas Maria era bonita. Lembremo-nos de que o verbo é

em construção como Maria é bonita é não marcado quanto ao modo,

tempo e aspecto.

A pausa, em não raros casos, pode suprir a falta do verbo ser (JO-

TA, 1981, s.v.).

Veja o verbete: Oração, Predicação verbal, Predicativo, Significa-

do, Sujeito e Verbo.

Verbo de nolição

Verbo de nolição é o que expressa oposição ou ideia afim, como re-

cusar, opor, denegar.

Verbo declarativo

Verbo declarativo é o que exprime simples comunicação. Exem-

plos: dizer, afirmar, garantir etc. Usa-se ainda a expressão latina ver-

bum dicendi.

Verbo defectivo

Verbo defectivo, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.),

é aquele cuja conjugação é incompleta, não sendo conjugado em todos

os modos, tempos e pessoas. Exemplos: colorir, abolir, remir, falir,

adequar, demolir, explodir, retorquir, ungir, banir, brandir etc. Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), verbo defectivo é aquele

que não tem completa a conjugação. Em geral, alguns verbos são de-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6702

fectivos por motivo de eufonia ou de homonímia. Não se usam as for-

mas coloro, abulo, por parecerem formas dissonantes; remo (de remir),

falo (de falir) pela confusão com remo (de remar) e falo (de falar). Pa-ra uns, sim; para outros, contudo, nada demais em abulo, coloro etc.

Verbos impessoais e unipessoais não são defectivos. A significação é

que os obriga a ser usados apenas nas terceiras pessoas, como Faz frio,

Há homens. Os gatos miam. De qualquer maneira, os que recriminam

certas formas verbais, substituem-nas pelas correspondentes de verbos

sinônimos (precato, redimo etc.) ou por perífrase do próprio verbo (es-

tou colorindo, devo abolir etc.). Cumpre chamar a atenção para o fato

de algumas gramáticas, na conjugação de verbos como remir, por

exemplo, incluírem formas de redimir, num desconexo gritante: redi-

mo, redimes, redime, remimos, remis, redimem. Melhor andariam se

dissessem que remir se costuma conjugar nas formas arrizotônicas e que as formas não usadas podem ser supridas pelas correspondentes de

redimir, verbo completo. A defectividade do verbo, não raras vezes,

decorre de serem certas flexões ou desusadas ou pouco usadas por

questão eufônica. É, pois, nesses casos, assunto algo controvertido, de-

pendendo do modo de ver como este ou aquele usuário interpreta a eu-

fonia. Coloro, por exemplo, embora possa parecer cacofônico para al-

guns, para outros nada sugere de menos agradável fonicamente. Alguns

verbos unipessoais, como troveja etc., deixam de ser defectivos quando

empregados em sentido figurado. Exemplo: Com esta voz, já não falas;

trovejas. Outros tipos, como coaxar, latir etc., são integrais, e não de-

fectivos, nas formas negativas.

Veja o verbete: Conjugação, Língua, Locução verbal, Modo, Pes-

soa, Presente do indicativo, Singular, Sinônimo, Tempo e Verbo.

Verbo denominativo

Verbo denominativo é o verbo derivado do nome, como gramatica-

lizar (de gramática), poetizar (de poeta); alemão kopfen (de kopf).

Verbo depoente

Verbo depoente é o verbo que, embora de sentido ativo, se conjuga

com forma passiva. O gerundivo, entretanto, tem sentido passivo e o

particípio passado de alguns deles tem significação ativa e passiva.

Exemplo: hortatus = tendo exortado ou tendo sido exortado. O chama-

do depoente ativo, ao contrário, tem significação passiva, mas se con-

juga como ativo. No grego, os depoentes (de sentido ativo) se conju-gam com formas médias (boûlomai, dékhmai etc.). Há também depoen-

tes médios com sentido ativo e passivo. Em português não há verbos

José Pereira da Silva

6703

depoentes; também no latim popular eles desapareceram. Reminiscên-

cias de depoência temos em alguns particípios (de significação passiva,

via de regra; ferido, amaldiçoado), como lido (que lê muito), viajado

(que viaja muito), atrevido, confiado, sabido etc. (JOTA, 1981, s.v.).

Verbo desiderativo

Verbo desiderativo ou verbo meditativo é o verbo que exprime de-

sejo: querer, almejar, desejar, pretender etc.

Verbo desinente

Verbo desinente é o verbo cuja ação, chegada a um limite, acaba

(morrer, nascer), em oposição a outros (permanentes), cuja ação é du-

radoura (viver, ver, ouvir etc.) (JOTA, 1981, s.v.).

Verbo diminutivo

É aquele que expressa ideia de diminuição. Exemplos: adocicar (de

adoçar), bebericar (de beber), chupitar (de chupar), escrevinhar (de es-crever), fervilhar (de ferver), fervilhar (de ferver), lambiscar (de lam-

ber), saltitar (de saltar), tremelicar (de tremer) etc.

Verbo efetivo

Veja o verbete: Verbo afetivo.

Verbo factitivo

Sobre Verbo factitivo ou verbo causativo, veja o verbete Voz causa-

tiva.

Verbo frequentativo

Verbo frequentativo ou verbo iterativo é o que exprime ação repeti-

da, escoicear, galantear etc. Há quem estabeleça diferença entre fre-

quentativo (ação repetida em momentos distintos: namoricar, galante-

ar) e iterativo (ação repetida num mesmo momento: esbofetear, salti-tar). De modo geral, porém, são tomadas como sinônimos. São verbos

derivados, para os quais nos servimos dos prefixos re e tres (ressoar,

tresfolegar), dos sufixos ear, ejar, itar, iscar etc. (balancear, beberi-

car, velejar, lambiscar). Em alguns verbos surge, além do sufixo, o

prefixo es, de realce (escoicear = coicear) (JOTA, 1981, s.v.).

Veja o verbete: Frequentativo.

Verbo imitativo

Verbo imitativo ou onomatopaico é o que deriva de onomatopeia ou

imita o as vozes dos animais ou outros ruídos da natureza. Exemplos:

cacarejar (das galinhas), coaxar (das rãs), ladrar ou latir (dos cães) etc.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6704

Verbo impessoal

Trata-se, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.), do ver-

bo destituído de sujeito, como os verbos que exprimem fenômenos da natureza e os verbos haver (no sentido de existir) e fazer (quando indi-

ca ocorrência de tempo ou temperatura), que são usados apenas na ter-

ceira pessoa. Exemplos: Faz dez anos que estudo. Ontem fez vinte

graus. Faz muito frio no sul do Brasil. Há muita gente esperando a

promoção. Chove a cântaros em Minas Gerais.

Ao invés de dizer que o verbo impessoal é destituído de sujeito,

Tassilo Orpheu Spalding (1971, s.v.) diz que se trata do verbo que não

faz referência a nenhum sujeito especificado ou expresso, que se usa na

terceira pessoa do singular (no seu sentido próprio), exemplificando

com frases como: "Chove", "Troveja", "Relampeja", "Faz frio", "On-

tem fez calor" e "Há um ano que voltei da Europa". Os verbos impessoais podem ser essenciais, quando no seu sentido

usual não atribuem a ação a nenhuma espécie de sujeito expresso, como

os verbos meteorológicos (amanhecer, anoitecer, ventar etc.) e alguns

outros.

O verbo ser pode concordar com o predicativo, na terceira pessoa

do plural.

Veja o verbete: Concordância, Conjugação, Conotação, Contexto,

Oração sem sujeito, Pessoa, Plural, Predicativo, Significado, Singular,

Sujeito e Verbo.

Verbo incoativo

Verbo incoativo é o que exprime início de ação: florescer, anoitecer

etc. Além dessa formação sintética, através do sufixo escer (e ecer), proveniente do latim, onde também exprimia o aspecto incoativo, o

português e o espanhol lançam mão de outro meio, valendo-se do verbo

auxiliar: começou a fazer, empezó a cantar, vem surgindo. Costuma-se

empregar o auxiliar com verbos servidos de sufixo incoativo, talvez

porque já não sintamos neles o aspecto incoativo, mas o cursivo. No

inglês, como no francês, o verbo incoativo se plasma numa locução: to

become dask (escurecer), devenir riche (enriquecer) (JOTA, 1981, s.v.).

Veja o verbete: Incoativo.

Verbo instrumentativo

Verbo instrumentativo é o verbo que, pelo próprio sentido, já ex-

pressa o instrumento da ação: enforcar, metralhar, martelar etc.

Verbo intransitivo

Intransitivo, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.), é o

José Pereira da Silva

6705

verbo que não necessita de complementos, pois tem sentido completo

em si mesmo. Exemplos: cair, partir, chorar, dormir, morrer, cantar,

trabalhar, estudar etc. Os verbos que hoje se classificam como transi-tivos circunstanciais, que exigem um adjunto adverbial, eram classifi-

cados como intransitivos até bem pouco tempo. Assim, em uma frase

como "João foi a São Paulo e regressou ao Rio de Janeiro no mesmo

dia" os verbos "ir" e "retornar" eram classificados como intransitivos,

assim como os verbos "voar" e "dormir" da frase "A águia voa nas nu-

vens e dorme nos altos rochedos" (Eduardo Carlos Pereira).

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), verbo intransitivo é o

verbo nocional cuja ação é completa, não exigindo, portanto, nenhum

complemento (objeto direto ou objeto indireto), como os verbos transi-

tivos. Por isso, a transitividade é da ação e não propriamente do verbo,

não são transitivos os verbos como ir e vir, que alguns julgam acertado enquadrar no rol dos transitivos, e outros, considerando-os embora in-

transitivos, preferem considerar complemento, e não adjunto, a expres-

são de valor adverbial que o acompanha. Na realidade, tais verbos são

intransitivos (Exemplo: Pedro veio e o irmão foi) e o tal “complemen-

to”, pelo fato de poder ser de modo (Veio depressa), de lugar (Veio de

Dom Cavati - MG), de companhia (Veio com a Beatriz), de tempo

(Veio no Natal), deixa claro tratar-se de um adjunto. Comumente eles

aparecem com o adjunto de lugar, que somos levados a considerá-los,

num exame apressado, como a exigir “complemento”. Alguns não con-

sideram intransitivos verbos com trovejar, chover etc., que são verbos

de fenômenos e não de ação. Na realidade, porém, por extensão, intran-

sitivo é o verbo que não exige objeto. Afora os verbos relacionais (os de ligação: ser, estar etc.), os outros hão de ser ou transitivos ou intran-

sitivos. Deixar um grupo deles (os de fenômeno) sem conceituação

dentro dessa trilogia não nos parece didático. Há verbos que podem ser

transitivos ou intransitivos. Exemplos: Ela dança e estuda todos os di-

as. Ela dança valsas muito bem e estuda matemática com o amigo. Ela

dorme. Ela dorme o sono da inocência (JOTA, 1981, s.v.).

Para maior ênfase, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.), po-

de ocorrer objeto direto interno, nem sempre aceito pela norma culta.

Exemplos: Ele correu uma corrida muito disputada. As crianças dor-

miram um sono profundo. Nós comemos a comida quente.

Alguns intransitivos que indicam movimento, como ir, vir, chegar etc. exigem adjunto adverbial. Assim: Ela irá ao Acre. Ela veio de Ser-

gipe.

Verbo intransitivo se opõe a verbo transitivo.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6706

Veja o verbete: Adjunto adverbial, Norma culta, Objeto, Predica-

ção verbal, Significado e Verbo.

Verbo irregular

Irregular, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.), é o

verbo que não segue seu paradigma, apresentando modificação em al-

gumas formas no radical ou na flexão. Os irregulares fracos são aqueles

cujo radical do infinitivo não se modifica no pretérito perfeito. Exem-

plos: sentir/senti; perder/perdi. Os irregulares fortes são aqueles cujo

radical do infinitivo se modifica no pretérito perfeito e não há coinci-

dências das formas do infinitivo com o futuro do subjuntivo. Exemplos:

caber/coube/couber, fazer/fiz/fizer, poder/pude/puder.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), verbo irregular é o que

não segue o seu paradigma ou no presente do indicativo (fraco) ou no

pretérito perfeito (forte). A irregularidade se manifesta, em geral, no radical, mas há verbos em que ela se apresenta na terminação. Exem-

plos: na terminação – est-ar, est-ou, est-ive; dar, d-ou, d-este; no radi-

cal – tra-zer, trag-o, troux-e (e não traz-i); quer-er, quer-o, quis-este

etc. A alteração gráfica de alguns verbos não os inclui no rol dos verbos

irregulares: desc-er, desç-o (fonema /s/); fic-o, fiqu-ei (fonema /k/) etc.

Nesses exemplos, como se vê, o fonema continua o mesmo (JOTA,

1981, s.v.).

Veja o verbete: Conjugação, Desinência, Paradigma, Radical e

Verbo.

Verbo irregular forte

Verbo irregular forte é o que apresenta irregularidade no perfeito

do indicativo (podendo apresentá-la ou não no presente). O irregular forte tem formas rizotônicas no perfeito: fiz (e não fazi), fez (e não fa-

zeu), trouxe (e não trazi) etc. Parece-nos ser o verbo estar a única exce-

ção: est-ive. Por isso, prefere-se definir como o verbo que apresenta ir-

regularidade fonética no perfeito, irregularidade que se manifesta no

radical ou na flexão (verbo estar). Em geral, o verbo irregular forte

também é irregular no presente: fazér, faç-o fiz, mas isto não ocorre

sempre, como em quer-er, quer-o, quis (JOTA, 1981, s.v.).

Verbo irregular fraco

Verbo irregular fraco é o que apresenta irregularidade no presento

do indicativo, mas não no perfeito: med-ir, meç-o, mas med-i, med-iste,

como os verbos regulares (pedir, vender, andar etc.). A esse rol perten-cem ler, crer, os verbos terminados em ear e alguns terminados em iar

(odiar, mediar etc.), cujos temas aparecem acrescidos de uma vogal,

José Pereira da Silva

6707

constituindo alomorfes (l-er, l-eio, mas l-emos; passear, passeio, mas

passeamos; odiar, odeio, mas odiamos) etc. (JOTA, 1981, s.v.).

Verbo neutro

Verbo neutro é o mesmo que verbo intransitivo.

Verbo nocional

Verbo nocional, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.),

é aquele que apresenta significado léxico, em oposição ao verbo anoci-

onal ou relacional, cujo predicado é nominal. O verbo nocional é o nú-

cleo da oração, cujo predicado é verbal, e pode ser transitivo direto

(exige objeto direto: Amo o Brasil), transitivo indireto (exige objeto in-

direto: Obedeço às leis), bitransitivo (exige objeto direto e indireto:

Ofereci um livro ao Prefeito de Dom Cavati), transitivo circunstancial

(exige um complemento circunstancial: Vou a São Paulo) ou intransiti-

vo (não exige complemento: Quem nasce, vive e morre).

Verbo parassintético

Verbo parassintético é o verbo formado por derivação parassintéti-

ca.

Verbo perfectivo

Verbo perfectivo é o verbo de aspecto perfectivo.

Verbo permanente

Veja o verbete: Verbo desinente.

Verbo polirrizo

Verbo polirrizo é o que tem mais de uma raiz; verbo anômalo.

Verbo preposicionado

Um tipo de verbo (phrasal verb em inglês) que consiste em uma se-

quência de um elemento lexical mais uma ou mais partículas: come in, get up, look out for. Podem ser subdivididos com base na sintaxe (por

exemplo, as partículas podem ser classificadas como de tipo preposici-

onal ou adverbial). E a definição de "preposicionado" varia de uma

descrição para outra. Contudo, a unidade sintática e semântica dessas

sequências é prontamente demonstrável por meio de critérios transfor-

macionais e de substituição (cf. He got up at six; He rose at sex; What

time did he get up? etc.). Estes verbos são extremamente comuns no

inglês, mas são encontrados alguns exemplos também em português:

dar com etc. Veja o capítulo 16 de A Comprehensive Grammar of the

English Language, de Randolph Quirk et al. (1985).

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6708

Verbo principal

Verbo principal é o portador da significação principal em uma lo-

cução verbal, na qual coexiste com o verbo auxiliar. Exemplo: Estou indo aí! Devo ir a São Paulo. Tenho ido à Bahia.

Veja o verbete: Forma nominal, Locução verbal, Tempo composto

e Verbo.

Verbo pronominal

Verbo pronominal é aquele que se conjuga necessariamente com o

pronome pessoal oblíquo, tais como: arrepender-se, queixar-se, lem-

brar-se, precaver-se etc. Segundo a maior parte dos gramáticos, todo

verbo pronominal é essencialmente pronominal, não sendo considera-

dos pronominais aqueles que Tassilo Orpheu Spalding (1971, s.v.) con-

sidera verbos pronominais acidentais. Exemplo: "Lavou-se, vestiu-se,

calçou as botas" (João Ribeiro). Na análise sintática, considere-se esse se como parte integrante do

verbo, como se fosse um morfema. Há verbos acidentalmente prono-

minais, como vestir-se, pentear-se etc. O se, nesse caso, é objeto (JO-

TA, 1981, s.v.).

O verbo pronominal, segundo Renato Aquino (2016, s.v.), é o que

se conjuga com pronome, chamado parte integrante do verbo, que pode

ser de dois tipos: essencialmente pronominal ou acidentalmente pro-

nominal.

Verbo essencialmente pronominal é aquele que não existe sem o

pronome átono, tais como: arrepender-se, queixar-se, esforçar-se, com-

padecer-se, dignar-se, indignar-se e suicidar-se.

Verbo acidentalmente pronominal é aquele que em dadas circuns-tâncias é pronominal. Normalmente, ele e o outro têm regência e/ou

sentido diferentes. Exemplos: Juliana esqueceu o material. Juliana es-

queceu-se do material. Carlos realizou o trabalho. Carlos realizou-se.

Nos dois primeiros exemplos, o verbo tem o mesmo sentido. Como

no segundo ele é transitivo indireto, classifica-se como verbo pronomi-

nal. Nos dois últimos, o sentido do verbo não é o mesmo. Realizar-se,

então, é verbo pronominal.

A parte integrante do verbo (me, te, se, nos e vos) não tem função

sintática; se essas partículas tiverem função, o verbo será reflexivo, da

mesma forma que o pronome. No caso do verbo reflexivo, pode-se di-

zer a mim mesmo, a ti mesmo, a si mesmo etc. Exemplos: O atleta se machucou (machucou a si mesmo). Eu me cortei com a lâmina (cortei a

mim mesmo).

José Pereira da Silva

6709

Veja o verbete: Análise sintática, Conjugação, Frase, Pronome

pessoal oblíquo, Verbo e Voz reflexiva.

Verbo recessivo

Verbo recessivo é o verbo essencialmente reflexivo, como arrepen-

der-se.

Verbo reflexivo

Verbo reflexivo é o verbo indicativo da voz reflexiva. Exemplos:

pentear-se, ferir-se etc.

Verbo regular

Verbo regular é aquele cujo radical não se altera e recebe as desi-

nências modo-temporais e número-pessoais do paradigma da respectiva

conjugação. Exemplos: cantar, vender, partir. Os verbos terminados em

-iar, geralmente, são regulares, com exceção dos chamados "verbos do

Mário": mediar, ansiar, remediar, incendiar e odiar, que recebem e nas formas rizotônicas: medeio, anseio, remedeio, incendeio e odeio.

Veja o verbete: Conjugação, Desinência, Paradigma, Radical e

Verbo.

Verbo relacional

Verbo relacional é o mesmo que verbo de ligação.

Verbo relativo

Veja o verbete: Verbo transitivo relativo.

Verbo semidepoente

Verbo semidepoente é o que, em latim, se conjuga com formas ati-

vas nos tempos do presente e formas passivas nos tempos do perfeito,

cujo sentido é sempre ativo. São os verbos audeo (ausus sum), fido (fi-

sus sum), gaudeo (gavisus sum) e o verbo soleo (solitus sum). No grego também há tempos de forma passiva e significado ativo, como

edynéthen (pude), por exemplo (JOTA, 1981, s.v.).

Verbo substantivo

Verbo substantivo é o verbo ser, que exprime a substância, em opo-

sição a verbo conotativo.

Verbo suporte

Qualificam-se como verbos suportes (muitas vezes simplesmente

suportes) os verbos sem função predicativa, cujo papel essencial é o de

atualizar um constituinte nominal predicativo, fornecendo-lhe as infor-

mações de tempo, pessoa e até mesmo de aspecto. Os verbos suportes

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6710

delegam parcialmente a esse predicado nominal a expressão de ideia

verbal e a organização das relações actanciais: atingir o ponto, dar no

pé etc. “[...] um verbo suporte dá a um predicado nominal as informações

de tempo e de aspecto. O que significa que um verbo suporte não tem

função predicativa, ele atualiza o predicado nominal, juntamente com

determinantes que atualizam os argumentos. [... Dentre os verbos su-

porte, existem os que poderíamos chamar ‘básicos’, como ter (medo,

fome), ser (professor, colador de cartazes), fazer (uma viagem, uma

descrição), dar (uma bofetada, um conselho) que têm por única função

‘conjugar’ o substantivo nominal. Outros suportes dão, por outro lado,

indicações de aspecto: iterativo (multiplicar as viagens), incoativo (ter

medo, abrir uma conferência) etc. Esses suportes complexos não for-

mam [...], com o substantivo que segue, locuções verbais fixas. Possu-em eles as mesmas propriedades que os suportes básicos. Enfim, de-

terminados tipos semânticos de predicados nominais têm suportes es-

pecíficos, ‘apropriados’, frequentemente de origem metafórica: acari-

ciar (uma esperança, um projeto), nutrir (um sentimento), intimar (com

uma ordem), conduzir (uma busca, um combate), soltar (um grito, um

uivo)” (GROSS, 1996).

Sugere-se, como complemento a este verbete, a leitura de Les pré-

dicats nominaux en français. Les phrases simples à verbe support, de

Jaqueline Giry-Schneider (1987); Méthodes en syntaxe (1975) e o arti-

go “Les phrases figées en français” (1993), de Maurice Gross; o artigo

“Trois applications de la notion de verbe support” (1993), Les expres-

sions figées en français (1996), .de Gaston Gross; o artigo “Les cons-tructions nominales et l’élaboration d’un lexique-grammaire”, de Gas-

ton Gross e Robert Vivès (1986); o artigo “The Elementary Transfor-

mations”, de Zellig Sabbetai Harris (1970); o artigo “Les verbes sup-

ports en arabe”, de Amr Helmy Ibrahim (2002); Le Figement lexical:

descriptions linguistiques et structuration sémantique, de Salah Mejri

(1997); o artigo “Funktionsverben im heutigen Deutsch”, de Peter von

Polenz (1963); o artigo “La predication nominale et l’analyse par verbe

support”, de Robert Vivès (1993).

Veja os verbetes: Composicionalidade, Cristalização, Locução, Po-

lilexicalidade, Predicação.

Verbo transitivo

Verbo transitivo é o verbo nocional que exige algo (complemento)

para lhe completar a ação. Inicialmente, transitivo era o verbo cuja ação

podia “transitar” da ativa para a passiva. Portanto, só eram transitivos

José Pereira da Silva

6711

os verbos de objeto direto (os transitivos diretos), visto que o objeto in-

direto não é suscetível de apassivação. Depois, estendeu-se a transitivi-

dade também aos objetos indiretos. O verbo transitivo é direto quando rege objeto direto, isto é, o que (salvo raras exceções) se prende dire-

tamente ao verbo, sem interferência de preposição; e transitivo indireto

quando pede complemento antecedido de preposição (JOTA, 1981,

s.v.).

Veja o verbete: Objeto, Predicação verbal, Significado e Verbo.

Verbo transitivo direto

Verbo transitivo direto é o verbo que exige o complemento objeto

direto para completar sua significação. O verbo transitivo é direto

quando rege o objeto direto, que é o complemento que se prende dire-

tamente ao verbo, sem o concurso de preposição, podendo, também,

"transitar" da voz ativa para a voz passiva. Exemplos: amar, desprezar, fazer, trazer, louvar, querer, esperar, contar, matar etc. Ela condena

estas atitudes. Eles possuem uma chácara.

O verbo transitivo direto constitui o padrão da língua portuguesa,

enquadrando-se nesta classificação a maioria dos verbos.

Veja o verbete: Língua portuguesa, Objeto direto e Verbo tansitivo.

Verbo transitivo direto e indireto

Verbo transitivo direto e indireto é o mesmo que verbo bitransitivo,

aquele que se faz acompanhar por dois complementos: um objeto direto

e um objeto indireto. Exemplos: A menina deu esmola ao pobre. Pedi

nova explicação ao professor. Pedro mandou fazer uma capa para si.

O verbo transitivo direto e indireto, mesmo acompanhado de objeto

direto, ainda tem seu significado incompleto, pois requer também um objeto indireto que designe a quem a ação se destina. Exemplos: Entre-

gar a encomenda ao cliente. Dedicar um livro ao professor. Ceder o

lugar à gestante. Transferir o valor ao credor. Restituir a mercadoria

ao cliente.

Veja o verbete: Objeto, Verbo bitransitivo e Verbo transitivo.

Verbo transitivo indireto

Verbo transitivo indireto é um verbo nocional que necessita de um

complemento relativo (objeto indireto) para completar sua significação.

O objeto indireto é antecedido por preposição, exceto quando se trata

do pronome lhe ou lhes. Há gramáticos que restringem o objeto indireto

aos que puderem ser substituídos pelo pronome lhe ou lhes, que são aqueles regidos pela preposição a, denominando de complemento rela-

tivo todos os demais casos. Assim, são exemplos incontestáveis de ver-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6712

bos transitivos indiretos, os que aparecem nos exemplos seguintes: João

recorreu à justiça federal. Todos desobedeceram à lei. Mas os verbos

dos exemplos seguintes também podem ser classificados como transiti-vos diretos, mas nem todos os gramáticos abonam tal classificação,

chamando-os de verbos transitivos relativos: Vou conversar com o seu

chefe. Você pode influir no resultado do jogo. O sucesso depende da

dedicação. Todos gostam de vida boa. Nem todos creem em Deus. O

comércio dispõe de muito recurso. Optei por uma decisão favorável a

você.

Veja o verbete: Objeto indireto e Verbo transitivo.

Verbo transitivo predicativo

Denominação, não corrente hoje, dos verbos que exigem um predi-

cativo do objeto. Exemplos: "Todos o consideravam um aventureiro";

"Nomearam-me chefe", "Qualificaram-no de arrogante".

Veja o verbete: Predicativo do objeto e Complemento verbal.

Verbo transitivo relativo

Segundo Orlando Mendes de Morais (1965, s.v.), verbo transitivo

relativo, também chamado bitransitivo ou biobjetivo, é o verbo de pre-

dicação duplamente incompleta, pois, para ter sentido completo pede

dois complementos, um objetivo e outro terminativo (um objeto direto

e um objeto indireto). Exemplo: Dei o livro ao coleta. Nesse exemplo,

o verbo dar (dei) exige dois complementos – o livro (complemento ob-

jetivo ou objeto direto) e ao colega (complemento terminativo ou obje-

to indireto).

Verbo transobjetivo

Verbo transobjetivo, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.), é o verbo transitivo que exige a presenta de um objeto e de um predicati-

vo deste objeto. Vejamos alguns exemplos: Aceitar alguém como fia-

dor. Achacar alguém de burro. Achar alguém antipático. Aclamar al-

guém chefe. Acreditar alguém capaz. Acusar alguém de ladrão. Adotar

alguém por filho. Antever alguém herdeiro. Apelidar alguém de sapo.

Apontar alguém como traidor. Apresentar alguém como amigo. Cha-

mar alguém de algo. Chamar a alguém algo. Colher alguém despreve-

nido. Conceber alguém como tolo. Conhecer alguém como poeta.

Constituir alguém procurador. Desconhecer alguém por amigo. Eleger

alguém chefe. Fazer alguém fraco. Haver alguém por bobo. Inscrever

alguém candidato. Instituir alguém herdeiro. Investir alguém chefe. Manter alguém vivo. Querer alguém médico. Readmitir alguém como

amigo. Receber alguém como filho. Recolher alguém como mendigo.

José Pereira da Silva

6713

Reconhecer alguém herdeiro. Reeleger alguém vereador. Reter o pres-

tígio elevado. Sentir alguém sincero. Ter alguém por esperto. Trazer a

roupa limpa. Viver a vida feliz. Ungir alguém rei. Entre o objeto e seu predicativo pode ocorrer preposição. Exemplo:

Aceitaram-no como fiador. Chamaram-no de burro.

Essa classificação não foi adotada pela Nomenclatura Gramatical

Brasileira.

Veja o verbete: Objeto, Predicativo do objeto, Preposição e Verbo

transitivo.

Verbo unipessoal

Verbo unipessoal é todo aquele que tem por sujeito uma oração su-

bordinada substantiva ou expressa vozes ou ações exclusivas de ani-

mais, como latir, ganir, miar, zurrar, uivar, coaxar, piar, grasnar etc.

Esses verbos aparecem sempre na terceira pessoa e concorda com o su-jeito. Exemplos: O cão latiu a noite toda. Assustados, os cavalos relin-

chavam insistentemente. O verbo unipessoal pode exprimir também um

acontecimento ou uma necessidade. Exemplos: Tudo aconteceu ontem

à noite. Nem tudo me convém, naturalmente. Este evento ocorre, regu-

larmente, no mês de abril. Dói muito, sem dúvida, a saudade dos entes

queridos. Também são usados os verbos unipessoais nos casos em que

o sujeito é uma oração substantiva, segundo Zélio dos Santos Jota

(1981, s.v.), como nos exemplos seguintes: Convém fugirmos. É conve-

niente fugir. É necessário que fujamos. Acontece (sucede, ocorre) que

todos virão. É bom tomar precauções. Esqueceram-me os cadernos.

Dói-me ver-te doente (confira Dói-me de te ver doente, com o verbo

doer impessoal). Veja o verbete: Conjugação, Conotação, Contexto, Pessoa, Signifi-

cado e Verbo.

Verboide

Termo proposto por Rodolfo Lenz (1863-1938) para designar as

formas infinitas do verbo. Trata-se de forma verbal que participa tam-

bém da função nominal (gerúndio, infinitivo e particípio). É o mesmo

que forma nominal do verbo.

Verbo-nominal

Que se refere ao mesmo tempo ao verbo e ao nome, participando da

natureza do verbo e do nome: forma verbo-nominal, oração verbo-

nominal, predicado verbo-nominal. Forma verbo-nominal é o mesmo que forma nominal do verbo –

forma verbal que apresenta forma e função de nome (substantivo, adje-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6714

tivo ou advérbio). O infinitivo, o gerúndio e o particípio são formas

verbo-nominais ou formas nominais do verbo.

Oração verbo-nominal é a que tem por núcleo um verbo no infiniti-vo, gerúndio ou particípio. É o mesmo que oração reduzida, que é o

termo oficial, adotado pela Nomenclatura Gramatical Brasileira.

Predicado verbo-nominal é o que tem dois núcleos, um verbo e um

nome. Exemplos: Nomearam-no presidente. O trem chegou atrasado.

Verborragia

Veja o verbete: Logorreia e Verborreia.

Verborreia

Verborreia é a abundância excessiva de palavras com poucas ideias;

verbosidade, verbiagem.

Verbos delocutivos

Verbos delocutivos ou delocutividade, segundo Valdir do Nasci-mento Flores et al. (2018, s.v.), é a formação verbal derivada de uma

locução de discurso.

Émile Benveniste, no texto “Os verbos delocutivos”, considera que,

além dos conhecidos processos “deverbativo” (que deriva verbos de

verbos) e “denominativo” (que deriva verbos de nomes) de derivação

verbal, existe o processo “delocutivo” que é um processo de formação

lexical por meio da locução. Ou seja, Émile Benveniste determina que

os verbos delocutivos se caracterizam especificamente por derivarem

de uma enunciação. O raciocínio elaborado por Émile Benveniste pode

ser mais bem entendido através de um exemplo dado por ele mesmo.

Considera-se, normalmente, a formação latina salutare (saudar) como

derivada de salus-tis (saúde, salvação) e, em função disso, interpreta-se salutare como um denominativo. Émile Benveniste propõe outra expli-

cação. Para ele, a relação salutare/salus exige outra abordagem: o salus

que é base para a derivação verbal latina não é, na opinião de Émile

Benveniste, o vocábulo salus, mas a saudação salus!, ou seja, a locução

salus!. Admitida essa explicação de Émile Benveniste, salutare não se

reduz a salus como signo nominal, e deve ser relacionado a salus como

locução do discurso. Tal argumentação leva Émile Benveniste a evi-

denciar, através de outros verbos, que o valor do signo linguístico pode

não transparecer todos os elementos formadores da língua, sendo ne-

cessário o resgate da atualização da língua, a fim de que, no discurso,

se revele o processo de origem dos termos (para Benveniste, dos verbos denominados delocutivos). Finalmente, Émile Benveniste resume da

seguinte forma o seu raciocínio: o traço essencial de um verbo delocu-

José Pereira da Silva

6715

tivo consiste em estar com sua base nominal na relação “dizer” e não

na relação “fazer”, que é própria dos denominativos. O mais importante

é, portanto, o fato de um signo da língua poder derivar de uma locução de discurso e não de outro signo.

Sugere-se a leitura do capítulo “Os verbos delocutivos”, de Émile

Benveniste.

Veja os verbetes: Aparelho formal de enunciação, Enunciação e

Subjetividade.

Verbum dicendi

Veja o verbete: Verbo declarativo.

Verbum pro verbo

Verbum pro verbo é locução latina equivalente a palavra por pala-

vra.

Vergaturas

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

vergaturas eram fios de latão colocados no fundo da forma no processo

de fabrico de papel na cuba. Na forma, os fios longitudinais, as verga-

turas. apresentavam-se separados por uma pequena distância, alguns

milímetros, e se cruzavam com os pontusais. Estas linhas cerradas e pa-

ralelas aparecem por transparência no papel fabricado deste modo. À

medida que o processo de fabricação avança e se vão obtendo papéis

mais finos, a vergatura se torna cada vez mais fina e cerrada. Na Época

moderna, as vergaturas são, por vezes, obtidas mecanicamente em pa-

péis fabricados em bobina e aos quais se quer dar a aparência de papel

antigo.

Veja o verbete: Vergões.

Vergleich

Veja o verbete: Comparação.

Vergões

Vergões são a filigrana contínua formada por linhas paralelas muito

próximas, geralmente associadas a linhas espaçadas dispostas perpen-

dicularmente às primeiras, os pontusais.

Veja o verbete: Vergaturas.

Vericondicionalidade

Em semântica lógica, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), um enun-

ciado é tido como provido de sentido se podemos especificar sua veri-

condicionalidade, ou seja, se podemos especificar as condições nas

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6716

quais a proposição que ele contém pode ser considerada verdadeira ou

falsa. Nessa perspectiva, a frase O escritório não suscitará os brotos

pendentes dos litros é desprovida de sentido, uma vez que, por qual-quer aspecto, é impossível estabelecer-se sua vericondicionalidade. Em

troca, o enunciado O reboco do prédio terminou no último fim de se-

mana é provido de sentido porque sua vericondicionalidade pode ser

estabelecida; a proposição que ele contém será considerada verdadeira

ou falsa de acordo com aquilo que a confrontação com o real não lin-

guístico demonstrará. A interpretação vericondicional de um enunciado

não depende da probabilidade de realização de seu conteúdo proposici-

onal. Uma asserção que exprima um processo cuja realização é impro-

vável (por exemplo, Eu compro uma tela de um mestre, todos os dias,

às 14:30h) deve ser considerado como um enunciado provido de senti-

do. Com efeito, o que é expresso aqui não afeta de maneira alguma a vericondicionalidade da proposição: as condições nas quais ela seria

considerada verdadeira ou falsa poderiam ser especificadas sem difi-

culdade.

Veja os verbetes: Analisabilidade, Contrafactual, Factivo, Mundo

possível, Universo de crença.

Verificação

Verificação é a fase da redação de um documento em que este, após

a sua forma final, é lido em voz alta, a fim de se detectarem possíveis

erros; controle sistemático de todos os volumes ou documentos que

compõem um fundo ou uma coleção.

Veja o verbete: Inventário.

Verificação por eco

Verificação por eco é o modo de comprovar a observância rigorosa

da transmissão por um canal, através da devolução dos dados recebidos

ao ponto emissor, para serem comparados com os de origem.

Verismo

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), verismo é o movimento lite-

rário italiano dos últimos decênios do século XIX, correspondente ao

Realismo e, sobretudo, ao Naturalismo, de extração francesa, centrado

especialmente nas figuras de Hippolyte Taine (1828-1893) e de Émile

Zola (1840-1902). Adotava, como eles, uma concepção literária funda-

da nas ciências, no caráter documental da narrativa ficcional, mas se

distinguia pela ênfase posta nas camadas mais humildes, os deserdados da fortuna, os marginais, os dignos de piedade, os “vencidos”, os “hu-

milhados e ofendidos”.

José Pereira da Silva

6717

Giovanni Carmelo Verga (1840-1922), decerto o nome mais repre-

sentativo dessa corrente, planejou um ciclo romanesco em cinco volu-

mes, à maneira de Émile Zola, sob o título de I Vinti (Os Vencidos), dos quais apenas dois vieram a público: I Malavoglia (1881) e Mastro-

don Gesualdo (1889).

No prefácio do primeiro, Giovanni Carmelo Verga expõe a sua pla-

taforma literária, apontando os tipos sociais que havia escolhido para

dar corpo ao ciclo: preconizando a exatidão científica da análise, escru-

pulosamente seguida com vistas à verdade, focalizava “os débeis que

ficam pelas ruas, os fracos que se deixam ultrapassar pela onda e desa-

parecem precocemente, os vencidos que elevam os braços desespera-

damente e inclinam a cabeça sob os pés dos emergentes, os vencedores

de hoje, apressados como estes, ávidos como eles de subir na vida, e

que serão ultrapassados amanhã”, em suma, “os vencidos que a corren-teza humana lança nas sarjetas depois de os haver arrastado e asfixia-

do”.

Verlan

Verlan, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), é o procedimento origi-

nalmente criptonímico, que consiste em inverter as sílabas das unidades

lexicais (Exemplo: Pourri “poder” > ripou). Entretanto, as manipula-

ções silábicas do “verlan” devem se adaptar à estrutura morfológica dos

lexemas da língua base, e esse princípio de formação, bastante elemen-

tar, tem frequentes e inevitáveis emendas. Essas manipulações silábicas

combinam-se, às vezes, com outros procedimentos, por exemplo, a

abreviação, o que confere ao “verlan” uma enorme irregularidade mor-

fológica.

Veja os verbetes: Criptonímia, Gíria, Jargão, Javanês, Largonji.

Vernacular

O adjetivo vernacular (versus veicular), segundo Franck Neveu

(208, s.v.), qualifica uma língua falada na região e na comunidade

donde são originários seus locutores, e que é utilizada normalmente na

comunicação. Trata-se, portanto, de uma língua, ou de um dialeto, cuja

difusão fica limitada. Assim, num país em que coexistem diversas lín-

guas, chamam-se vernáculas aquelas que são próprias a cada uma das

comunidades linguísticas que compõem o país.

Veja os verbetes: Dialeto, Língua, Veicular.

Vernaculidade

Vernaculidade é o caráter de vernáculo de uma língua, ou a quali-

dade do escritor que usa o vernáculo com maestria.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6718

Segundo João Ribeiro (1906, s.v.), vernaculidade é o caráter do dis-

curso em que somente são usados a sintaxe e o vocabulário autorizados

pelos escritores clássicos ou de boa nota. O exagero dessa virtude é uma afetação ridícula e se chama purismo. A vernaculidade não é, con-

tudo, a mera correção gramatical. Como diz Rui Barbosa: “... nem

sempre, quando se pauta a escrita pelo fio da gramática, se tem dado

conta da mão, no escrever bem, e no escrever para o povo. Há gramáti-

cos provectos, filólogos consumados que nunca escreveram senão com

pena de chumbo em papel borrador. Não pecando contra a gramática,

poder-se-á pecar, todavia, contra a boa linguagem ‘o que nem sempre é

a mesma coisa’. Um livro pode não infringir materialmente a as leis da

concordância e da regência, e, contudo, não estar redigido vernacula-

mente. A lexicologia e a sintaxe não são tudo num idioma. O projeto

(do Código Civil) estaria escrito nisso a que chamam brasileiro: em português, não está. Direi que o estaria em brasileiro, a querermos en-

xovalhar, contra a minha opinião, este adjetivo, associando-o ao aban-

dono dos bons modelos da linguagem, cuja história, cujos monumentos

e cujos destinos se entrelaçam com os da nossa raça e os da nossa naci-

onalidade. Cada língua tem no seu gênio uma força de espontaneidade

e seleção, um critério de acerto e um tipo de beleza, que se exercem, ou

enunciam, pela sensibilidade e o instinto dos que a falam. É essa intui-

ção da vernaculidade, esse como que sexto sentido, o da linguagem,

que parece ter por órgão o ouvido, e do ouvido recebe o nome.

Quando João de Barros, na sua Gramática, vai por quatro séculos, a

propósito da anteposição ou posposição dos adjetivos aos substantivos,

ensinava que ‘não temos nisto mais regra que o consentimento da ore-lha’, a autoridade ao ascendente da qual rendia tão subida homenagem,

era a mesma, cuja supremacia todos os gramáticos depois haviam de

reconhecer nas últimas dificuldades e sutilezas do falar’, Nela respeita-

ram sempre os competentes o árbitro derradeiro, assim nas questões de

harmonia, como nas de clareza, assim nas de clareza, como nas de ele-

gância e correção. Hoje ainda, e hoje mais que nunca, o ouvido, na fra-

se eternamente verdadeira do velho gramático do século XVI ‘julga a

música e a linguagem, e é censor de ambas’. Ora como preservarão es-

sa qualidade, tão cara e mimosa entre as nações desveladas pelo seu

idioma, os que incessantemente a embotam, desde os anos mais acessí-

veis aos benefícios da cultura, na convivência quase exclusiva, bem que as mais vezes superficial, das letras estrangeiras?”.

Veja o verbete: Vernáculo.

José Pereira da Silva

6719

Vernaculismo

Vernaculismo é o mesmo que vernaculidade.

Vernáculo

Diz-se do idioma de um povo naquilo que tem de autêntico, de não

contaminado de palavras e formas provenientes de uma língua estran-

geira. Em relação aos brasileiros, estudar o vernáculo é estudar o por-

tuguês.

Os gramáticos preocupados com a boa linguagem costumam autori-

zar como vernácula de preferência a maneira de dizer que encontra

apoio e chancela no uso clássico. Entre nós, causou sensação famosa

polêmica entre o Prof. Ernesto Carneiro Ribeiro e o Conselheiro Rui

Barbosa, em que se discutiu ardorosamente sobre a vernaculidade de

várias palavras e construções.

O amor exagerado ao vernáculo se chama purismo. A palavra é, na origem, um adjetivo (vernáculus,a,um), derivado de

um substantivo (verna,ae), que significa "escravo nascido em casa".

Daí o sentido primitivo de caseiro, doméstico.

As línguas pidgins têm sido chamadas, algumas vezes, de vernácu-

los de contato. Os vernáculos geralmente são vistos em contraste com

língua padrão, língua franca etc. Veja o capítulo 3 de Sociolinguistics:

An Introduction, de Peter Trudgill (1984).

Segundo Robert Lawrence Trask (2015, s.v.), vernáculo é a fala

corrente, do dia a dia, numa determinada comunidade. O termo verná-

culo é mais geralmente usado em contraste com língua padrão. O que

se costuma denominar vernáculo é a fala que usam correntemente as

pessoas de uma determinada comunidade, como Porto Alegre (RS), Dom Cavate (MG) ou Recife (PE), quando essa fala é percebida como

diferente da forma padrão da língua.

Especialmente no que diz respeito às línguas europeias, os linguis-

tas do passado normalmente se concentraram na forma padrão das lín-

guas. Silenciava-se a respeito das formas vernáculas não padrão, que só

não iram ignoradas no estudo dos dialetos regionais, para o qual se

considerava como material apropriado sobretudo a fala dos falantes

idosos das áreas rurais; enquanto isso, a fala dos jovens e dos falantes

urbanos eram objeto do mesmo descaso.

O interesse pelas formas vernáculas teve um desenvolvimento lento

durante o século XX, mas se tornou cada vez mais forte com o advento da sociolinguística, na década de 1960. Criou-se então um interesse in-

tenso nas formas de fala vernáculas, que hoje são consideradas tão dig-

nas de ser estudadas quanto as variedades padrão.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6720

No domínio da língua inglesa, o que mais se destaca até aqui em

matéria de pesquisa dos vernáculos é o estudo de um conjunto de for-

mas para as quais os sociolinguistas britânicos James Robert Dunlop Milroy (1933-2017) e Ann Lesley Milroy cunharam recentemente o

termo real English. Há nesse termo uma ponta de ironia, que resulta

parcialmente da constatação de que certas formas que são excluídas do

inglês padrão, como he don’t, são extremamente comuns nas formas

vernáculas do inglês, praticamente por toda parte.

Segundo Marcos Bagno (2017, s.v.), o termo vernáculo tem duas

acepções principais na sociolinguística. A primeira se refere a varieda-

des não padronizadas, relativamente homogêneas e bem definidas, em-

pregadas regularmente por certos grupos sociais (geográficos, étnicos,

socioeconômicos, etários etc.) e que existem em oposição a um padrão

dominante. Um exemplo clássico é o do inglês vernáculo afro-americano em relação às variedades de prestígio do inglês estaduni-

dense.

A segunda acepção deriva do trabalho de William Labov, que defi-

ne vernáculo como o estilo menos formal possível do repertório lin-

guístico de um falante. O vernáculo é empregado quando a pessoa fala

com amigos e familiares em contextos não monitorados. É adquirido na

infância e considerado linguisticamente mais regular do que os estilos

de fala mais monitorados, que exibem caracteristicamente graus varia-

dos de influência das variedades urbanas de prestígio ou a norma-

padrão canônica. Por sofrer menos influência dessas formas de prestí-

gio e/ou padronizadas, o vernáculo é objeto de maior interesse para a

pesquisa sociolinguística, uma vez que é nele que se encontram mais vivas as dinâmicas de variação que podem conduzir a mudanças futu-

ras. Na metodologia de pesquisa típica da sociolinguística variacionis-

ta, o vernáculo é apreendido por meio das diversas técnicas de entrevis-

ta desenhadas para tal fim.

Apesar de representar essencialmente uma variedade falada, os pro-

cessos de mudança em progresso no vernáculo podem aos poucos am-

pliar seus domínios de ação e se estender para os estilos mais formais,

chegando inclusive, em muitos casos, a ocorrer em gêneros textuais es-

critos mais monitorados. Quando indícios de formas inovadoras apare-

cem nesses gêneros escritos, é lícito supor que a mudança já se comple-

tou nas demais variedades faladas e escritas. Por exemplo, no portu-guês brasileiro, a inversão da ordem SV (sujeito-verbo) em VS (verbo-

sujeito) leva quase categoricamente, no vernáculo falado, à não con-

cordância do verbo com o sujeito, interpretado como um absolutivo.

José Pereira da Silva

6721

Essa não concordância é frequentíssima nos mais diversos estilos de fa-

la e começa também a se verificar na escrita mais monitorada, confor-

me se vê nos exemplos abaixo: 1) Em contrapartida ao benefício social do Bolsa Família, foi outor-

gada liquidez em moeda internacional aos ativos dos ricos e tornou-se

possível até fenômenos especulativos como aquele do grupo das empre-

sas X, de Eike Batista, além dos brutais ganhos do sistema financeiro

(Carlos Lessa, “Quem lidera”?, Carta Capital, n. 844, 2015).

2) Nesse contexto, podemos afirmar que resta ao professor de lín-

gua portuguesa apenas três caminhos a serem seguidos (...) (Erotilde

Goreti Pezatti e Aliana Lopes Câmara, “Da descrição ao ensino da ora-

ção adjetiva: a perspectiva dos livros didáticos de língua portuguesa”,

Linguística, vol. 30, n. 2, p. 141-170, 2014).

3) Pode caber tantas ideias num corpo tão miúdo? (Revista de Bor-do da Gol, março de 2009, p. 52).

4) Seria impossível tantos vazamentos sem um acordo entre todas as

partes da investigação (Marcelo Auler, “As marcas da Lava Jato”, Car-

ta Capital, n. 888, fev. 2016).

5) Inicialmente, um jornalista europeu que gravava o treino recla-

mou do pagode. Bastou alguns minutos para ele se juntar à imprensa

japonesa, esquecer as atividades no gramado e exibir o ritmo brasileiro

(www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk0706200624.htm, acesso em

28/4/2017).

As pesquisas sociolinguísticas empreendidas no Brasil nos últimos

quarenta anos têm permitido comprovar que muitas regras previstas na

tradição gramatical do português já não fazer parte do vernáculo geral brasileiro: a) o emprego do pronome relativo cujo; b) os pronomes

oblíquos o/a/os/as; c) o futuro simples e o pretérito mais-que-perfeito

simples (falarei; falara); d) o emprego de lhe com referência à terceira

pessoa do singular (e não à segundo, emprego exclusivo na fala dos

brasileiros que usam esse pronome); e) concordância com sujeito pos-

posto ao verbo; f) manutenção da preposição em orações relativas (a

fruta que eu gosto e não a fruta de que eu gosto); g) emprego de pro-

nomes oblíquos em construções com verbos causativo-sensitivos (man-

dei ela sair e não mandei-a sair) etc. Justamente por não fazerem parte

do vernáculo, essas regras têm de ser explicitamente ensinadas no pro-

cesso de educação linguística, já que constituem variantes mais con-servadores, cujo conhecimento contribui para a ampliação do repertó-

rio linguístico dos aprendizes.

Como leituras complementares, Robert Lawrence Trask sugere Ta-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6722

ming the Vernacular: From Dialect to Written Standard Language, de

Jenny Cheshire e Dieter Stein; e Real English: the grammar of English

dialects in the British Isles, de James Milroy e Lesley Milroy.

Veja os verbetes: Língua padrão e Vernaculidade.

Vernáculo geral brasileiro

Marcos Bagno (2017, s.v.) diz que se compromete, em sua gramáti-

ca do português brasileiro (2012a), a fazer uma descrição daquilo que

chama de vernáculo geral brasileiro. Para a delimitação de seu objeto,

o autor se vale do conceito de vernáculo da sociolinguística variacio-

nista (o estilo falado mais informal, menos monitorado) e molda esse

objeto com recurso à volumosa pesquisa sociolinguística que se tem

acumulado no Brasil nos últimos quarenta anos. Em contraposição a

esse vernáculo geral brasileiro, o autor perfila o que designa como tra-

dição gramatical do português, ou seja, a norma-padrão canônica que ainda vigora na cultura linguística brasileira como modelo de “língua

exemplar” ou “língua correta”: “Nessa gramática, vamos comparar

sempre o vernáculo geral brasileiro com a tradição gramatical do por-

tuguês, dando sempre ênfase e prioridade político-pedagógica ao ver-

náculo geral brasileiro. Com isso, estamos assumindo a postura, igual-

mente política, de legitimar no ensino os usos mais difundidos no ver-

náculo geral brasileiro, de forma a abandonar a arcaica separação entre

‘certo’ e ‘errado’” (BAGNO, 2012a, p. 33). A legitimação do vernáculo

geral brasileiro se justifica, segundo o autor, por duas razões principais:

1) o vernáculo geral brasileiro abrange as formas linguísticas inova-

doras que já se tornaram (praticamente) categóricas em todas as varie-

dades do português brasileiro, ou seja, os traços graduais que se insta-laram definitivamente nas variedades urbanas de prestígio e, por conse-

guinte, constituem variantes empregadas em todo o espectro socioeco-

nômico e sociocultural brasileiro, uma vez que as formas inovadoras

surgem no estrato social médio baixo da população e daí empreendem

sua trajetória tanto rumo às camadas ainda mais baixas quanto rumo às

de status mais elevados, como se pode ver nos verbetes Mudança de

baixo para cima e Princípio curvilíneo;

2) uma vez adotadas pelos grupos sociais privilegiados (urbanos,

altamente letrados), as formas inovadoras empreendem seu avanço

desde os gêneros textuais menos monitorados (sobretudo orais) até os

gêneros textuais mais monitorados (sobretudo escritos); uma vez em-pregadas na escrita monitorada (inclusive nos projetos estéticos dos es-

critores), as inovações linguísticas já podem ser consideradas como re-

gras firmemente instaladas na gramática intuitiva dos falantes da lín-

José Pereira da Silva

6723

gua.

Para confirmar suas alegações de que as formas próprias do verná-

culo geral brasileiro já pertencem à gramática do português brasileiro, à língua materna da imensa maioria da população, Marcos Bagno faz

amplo recurso, em seu compêndio, a textos escritos mais monitorados

que representam, segundo o autor, o último foco de resistência da nor-

ma-padrão canônica. Apesar disso, Marcos Bagno enfatiza: “Toda pro-

dução textual na atualidade, falada e/ou escrita, se configura inexora-

velmente como uma manifestação semioticamente híbrida que mobili-

za os multimeios sonoros, visuais, gráficos, tridimensionais etc. que as

novas tecnologias de comunicação e informação têm colocado ao nosso

dispor” (BAGNO, 2012a, p. 347), de modo que “escrever, hoje em dia,

é quase o mesmo que falar” (BAGNO, 2012a, p. 348). Apesar disso, o

recurso à escrita de gêneros mais monitorados serve como demonstra-ção empírica contra o argumento condescendente, caracteristicamente

purista e conservador, de que “na fala, tudo bem, mas na escrita não se

admite”, numa concepção equivocada de escrita como modalidade

sempre formal, monitorada.

Os fenômenos morfossintáticos mais relevantes do vernáculo geral

brasileiro, segundo Marcos Bagno, são os seguintes:

1) Na conjugação verbal, as formas correspondentes ao pronome tu

(e o próprio pronome tu) estão confinadas a algumas regiões e grupos

sociais, o que faz delas traços não compartilhados por todas as varieda-

des sociolinguísticas, ou seja, não pertencem ao vernáculo geral brasi-

leiro; o pronome você é a forma de segunda pessoa do singular que ca-

racteriza o português brasileiro, forma de tratamento íntimo, informal ou neutro, que ganha cada vez mais terreno também em interações mais

formais; você também constitui a forma mais amplamente empregada

para a indeterminação do sujeito (em Brasília, você tem oito meses de

seca, sem uma gota de chuva); no plural, tu e você assumem a forma

categórica vocês.

2) Ainda no campo do verbo, a forma a gente constitui, no vernácu-

lo geral brasileiro, o pronome de primeira pessoa do plural usado com

maior intensidade, superando de longe o uso de nós, reservado para as

elocuções mais formais; por seu turno, a forma oblíqua nos não perten-

ce ao vernáculo geral brasileiro, no qual se emprega a gente como su-

jeito e complemento (nós procuramos o deputado, mas ele se recusou a atender a gente).

3) Verbos de uso muito frequente já sofreram mudança em sua re-

gência: de transitivo direto para indireto (acarretar em, implicar em,

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6724

namorar com etc.), de transitivo indireto para direto (assistir, agradar,

agradecer etc.), com mudança geral na construção (preferir [mais] X

do que Y) etc. 4) Na formação do modo imperativo, o português brasileiro apre-

senta uma divisão regional bem demarcada: no Norte-Nordeste, prefe-

rência pelo uso das formas derivadas do subjuntivo (cante, deixe, faça),

no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, preferência pelo uso das formas deri-

vadas do indicativo (canta, deixa, faz), tanto para o imperativo afirma-

tivo quanto para o negativo (as formas previstas pela tradição gramati-

cal – não cantes, não deixes, não faças – não ocorrem em nenhuma va-

riedade); como se trata de tendência preferencial e não de emprego ca-

tegórico, o uso indiferente de formas derivadas do indicativo e do sub-

juntivo é frequentíssimo, até numa única elocução (como nas campa-

nhas publicitárias “Saia da Sibéria, vem pra Net” ou “Reinvente. Vem com a gente”, de um banco).

5) O surgimento e a implantação definitiva dos pronomes você, vo-

cês e a gente tornaram obrigatória a enunciação fonética do sujeito,

uma vez que uma forma como falava pode se referir a eu, você, ele, ela,

a gente; por outro lado, o objeto direto de terceira pessoa tende a não

ser retomado por pronome. Com isso, o português brasileiro se diferen-

cia radicalmente não só do português europeu (em que a elipse do su-

jeito é muito frequente, enquanto a retomada pronominal do objeto di-

reto de terceira pessoa é categórica), como também das demais línguas

românicas, em que a retomada de objeto direto de terceira pessoa por

um pronome é obrigatória, quando não redundante, como no espanhol

(ya se lo di el libro a Pedro). 6) O pronome se é interpretado única e exclusivamente: a) como re-

flexivo (ele se levantou) ou b) como sujeito semanticamente indetermi-

nado, de modo que o verbo se conjuga sempre no singular: aqui não se

tira fotocópias. Isto significa que no português brasileiro não existe a

voz passiva pronominal ou sintética conforme prevista pela tradição

gramatical, em que se recebe classificações ad hoc e inconsistentes até

mesmo com a doutrina gramatical tradicional (“partícula apassivadora”,

“índice de indeterminação do sujeito”). O pronome s como sujeito in-

determinado também ocorre com cada vez mais frequência entre prepo-

sição e infinitivo verbal (uso condenado pela tradição gramatical): lu-

gar bom para se morar; coisa triste de se ouvir. Ao mesmo tempo, como índice da chamada voz média, o pronome se tende a ser elidido:

aqui não se vende esse livro → aqui não vende esse livro. Com isso, o

verbo na terceira pessoa do singular se torna uma forma comum de ex-

José Pereira da Silva

6725

pressão da indeterminação do sujeito, junto com você: aqui não pode

estacionar; hoje em dia não usa mais esse tipo de saia. O apagamento

do se da voz média faz surgir construções ergativas, em que o sujeito sintático é, de fato, o paciente da ação de verbos transitivos que se tor-

nam intransitivos: o pneu se furou → o pneu furou; meu vestido novo

está se lavando → meu vestido novo está lavando.

7) Tempos verbais como futuro simples (falarei), pretérito mais-

que-perfeito simples (falara), futuro do pretérito simples (falaria) não

pertencem ao vernáculo geral brasileiro, onde foram há muito tempo

substituídos pelo futuro perifrástico com ir (vou falar), pretérito mais-

que-perfeito composto (tinha falado) e futuro do pretérito perifrástico

com ir (ia falar).

8) No uso dos chamados verbos causativo-sensitivos, o pronome

que atuava como objeto do causativo-sensitivo e sujeito do infinitivo (ou do gerúndio) não se expressa na forma oblíquo-acusativo (deixa-me

entrar), porém na forma reto-nominativa (deixa eu entrar), alterando a

interpretação sintática da construção (em “deixa eu entrar”, eu entrar

se torna uma minissentença, objeto direto de deixa). Dessa forma, cons-

truções do tipo mandei ela sair, não viram eu chegar, pequei eles fu-

mando etc. são de altíssima frequência no vernáculo geral brasileiro.

Nas sentença negativas, o pronome oblíquo pode ocorrer (não me vi-

vam chegar), mas nas imperativas o uso do pronome reto é categórico:

espera eu terminar! não deixa ela subir!

9) As construções de tópico são de altíssima frequência, com algu-

mas características importantes: a) quando o tópico é o objeto da sen-

tença, ele não é retomado por pronome (esse computador eu comprei [] no ano passado); b) quando é o sujeito, ele é retomado por pronome-

cópia (a nossa família, ela começou com imigrantes italianos em São

Paulo); c) quando o tópico é complemento oblíquo, a preposição é apa-

gada ([] futebol eu gosto, mas prefiro basquete; [] Paris eu nunca esti-

ve, só estive em Roma; [] o Antônio eu ainda não telefonei). Isso reflete

a tendência já fortemente estabelecida no vernáculo geral brasileiro de

explicitação do sujeito, de apagamento do objeto e de elipse da prepo-

sição quando deslocada de sua posição pós-verbal.

10) Na expressão de evento passado, o verbo haver é reanalisado

como advérbio e, portanto, invariável (ele estava ali parado há duas

horas) e não, como prescreve a tradição gramatical, ele estava ali pa-rado havia duas horas.

11) O verbo haver como apresentacional (“existencial”) foi substi-

tuído por ter e sobrevive apenas em frases feitas (O que é que há?);

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6726

como auxiliar, também foi substituído por ter nos poucos tempos ver-

bais compostos em que poderia ser empregado (havia feito > tinha fei-

to). 12) Os verbos inacusativos tendem a ocorrer na ordem verbo-sujeito

(chegou o carnaval), contrariando a tendência do português brasileiro

ao enrijecimento da ordem sujeito-verbo-(complemento). Com isso, o

constituinte posposto ao verbo sai do caso nominativo para se tornar

absolutivo, bloqueando a concordância: chegou as férias; veio todos os

convidados; não resta dúvidas etc.

13) Verbos inacusativos se transformam em verbos transitivos dire-

tos devido à topicalização do elemento a ser enfatizado no discurso,

transformando complementos genitivos, complementos instrumentais

ou adjuntos adverbiais em sujeito sintático: meu bebê está nascendo os

dentes; essa rua passa vários ônibus para o centro da cidade; esse xampu cresce o cabelo. Essa topicalização promove o apagamento da

preposição (os dentes do meu bebê estão nascendo → [] meu bebê está

nascendo os dentes; vários ônibus para o centro da cidade passam

nessa rua → essa rua passa vários ônibus para o centro da cidade; o

cabelo cresce com esse xampu → [] esse xampu cresce o cabelo).

14) Diversos substantivos apresentam novo gênero gramatical: a

alface, a dó, duzentas gramas etc.; o substantivo óculos é singular: meu

óculos novo é importado.

15) O pronome mim atua como sujeito de infinitivos quando ante-

cedido da preposição para: Ana pediu para mim te dizer que ela não

vem. Embora evitada por muitos falantes urbanos com algo grau de le-

tramento, essa sintaxe já se tornou traço característico, por exemplo, da variedade paulistana, mesmo de pessoas altamente escolarizadas, e de

falantes mais jovens em geral.

16) Na correferência entre pronomes retos e oblíquos de segunda

pessoa, a flexibilidade é total: você → te/lhe, tu → te/lhe. Numa mesma

elocução, é possível ouvir “você... te” e “você... lhe”, por exemplo, mas

principalmente nas variedades em que se faz uso de lhe (carioca, baia-

na e nordestina, entre outras). O pronome lhe, no vernáculo geral brasi-

leiro, se refere única e exclusivamente a você/tu e nunca a ele/ele e atua

como objeto direto (eu não lhe conheço) e indireto (vamos lhe dar mais

uma chance). Por seu turno, o plural lhes inexiste no vernáculo geral

brasileiro, substituído pelas formas analíticas a vocês, para vocês. Quanto aos possessivos, a flexibilidade também existe: você →

seu/te/de vocês/ tu → seu/teu; no plural, a única forma possível é vocês

→ de vocês. O pronome seu e flexões em referência à terceira pessoa

José Pereira da Silva

6727

(ele e flexões) só ocorre em gêneros textuais escritos monitorados; na

fala, seu e flexões se referem exclusivamente a você (no plural, vocês, o

possessivo é analítico: de vocês). Na referência a ele e flexões, empre-ga-se dele e flexões: Você e o Jonas vieram no seu [= de você] carro

ou no dele?

17) Para a retomada anafórica de objeto direto de terceira pessoa, o

vernáculo geral brasileiro recorre a duas estratégias principais: a) a aná-

fora zero: eu primeiro enrolo a massa em bolinhas pequenas e ponho []

pra fritar; b) o pronome reto: eu primeiro enrolo a massa em bolinhas

e ponho elas pra fritar. A segunda estratégia é empregada sobretudo

quando o objeto tem o traço semântico [+ humano]: Sílvia tá de namo-

rado ovo, mas até agora ela não me apresentou ele. Os pronomes oblí-

quos o/a/os/as não pertencem à língua materna dos brasileiros: sua

aquisição depende exclusivamente do letramento escolar; na fala das crianças e dos adultos não alfabetizados eles jamais ocorrem, a não ser,

no caso desses últimos, em locuções fixas (puta que o pariu; o diabo

que o carregue; Deus o livre; eu que o diga etc.), e mesmo assim com

forte tendência ao apagamento (puta que [] pariu).

18) A sintaxe dos clíticos acusativos no vernáculo geral brasileiro

segue uma única regra, a próclise ao verbo principal (eu me demiti da

escola; eu tenho me divertido muito com essas viagens; a gente pote se

encontrar amanhã; ele tinha durante muito tempo se preocupado com

o filho mais velho; me leva com você!); a ênclise ocorre em algumas

variedades regionais (nordestinas, por exemplo); a mesóclise inexiste.

19) Os demonstrativos no vernáculo geral brasileiro se reduzem a

duas séries: proximal (esse e flexões; isso) e distal (aquele e flexões; aquilo). Para a especificação dêitica se empregam os advérbios aqui e

aí: esse mesa aqui (próxima de quem fala), essa mesa aí (próxima de

com quem se fala). Para manter a simetria, também se usa ali/lá com

aquele: me traz aquela cadeira ali. Por conseguinte, as formas este (e

flexões) e isto não pertencem ao vernáculo geral brasileiro.

20) Alguns advérbios sofrem flexão de gênero: ela está meia gripa-

da; só durmo com a janela toda aberta.

21) O uso da preposição para já superou de longe o da preposição

a, confinada a algumas frases feitas ou a variedades regionais específi-

cas (nordestinas); nas construções dativas, o uso de para é quase cate-

górico: entreguei o livro para o professor; vou telefonar para você amanhã; não sei o que dou de presente para o Alberto.

22) o uso da preposição em já superou de longe o da preposição a

em construções locativas e instrumentais: falar no telefone; se sentar

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6728

na mesa; bater na porta etc.; na expressão de movimento e direção, em

também substituiu a: vou no cinema; cheguei em Brasília; ela nunca

veio nessa loja antes. O apagamento da preposição de antes de que (queísmo) é categóri-

co no vernáculo geral brasileiro falado: tenho certeza/impressão/ dúvi-

da/medo... [] que.

24) A forma que perdeu sua função de pronome relativo e se tornou

mero conectivo entre sentenças; a função de sujeito e/ou de comple-

mento é exercida por um pronome-cópia: Eu tenho um primo que ele é

embaixador no Japão (pronome-cópia sujeito: ele); a Ana é uma pro-

fessora que eu aprendi muito com ela (pronome-cópia complemento:

ela; preposição apagada antes do que e retomada depois do verbo:

aprendi com em lugar de com quem aprendi). Além da estratégia copi-

adora, existe a estratégia chamada cortadora (apagamento da preposi-ção sem retomada), de emprego muitíssimo mais frequente: esse é um

filme [] que eu gosto muito; a ponte [] que a gente passou ontem desa-

bou com a chuva; o timo [] que você torce nunca venceu campeonato.

25) O relativo cujo não existe no vernáculo geral brasileiro, onde

vigoram as estratégias copiadora (um romance que o autor dele mere-

cia ganhar o Nobel) ou cortadora (um romance que o autor merecia

ganhar o Nobel); também não existem no vernáculo geral brasileiro os

relativos o qual e flexões.

Diante desses fatos empiricamente comprovados pela pesquisa so-

ciolinguística, Marcos Bagno (2012a, p. 985) afirma: “Se é nosso obje-

tivo promover uma educação linguística que leve os estudantes a se

apoderaram da norma culta brasileira real, temos de reconhecer a dis-tância que existe entre essa norma real e a norma-padrão tradicional”.

O autor, porém, enfatiza imediatamente a seguir: “O reconhecimento

da norma culta real não deve servir de base para um novo tipo de pres-

crição e repressão linguísticas. É preciso adotar a posição do convívio

democrático e tranquilo ente as formas tradicionalmente padronizadas e

as formas inovadoras já incorporadas à atividade linguística dos falan-

tes urbanos. Não vamos praticar uma prescrição às avessas: rejeitar as

formas tradicionais para aceitar exclusivamente as inovadoras. Na prá-

tica linguística falada e escrita, existe lugar para todas elas. O impor-

tante é abandonar de vez a noção irracional de que as formas inovado-

ras constituem erros a ser evitados. É inútil tentar combater supostos ‘erros’ que já se fixaram nas variedades urbanas de prestígio, inclusive

na nossa melhor produção literária desde o Romantismo” (BAGNO,

2012a, p. 985).

José Pereira da Silva

6729

Com isso, Marcos Bagno busca refutar as acusações que muitos de-

fensores intransigentes da tradição gramatical, por exclusivo dogma-

tismo ideológico, têm lançado contra os (socio)linguistas, alegando que estes seriam a favor do “vale-tudo” na educação e que condenariam o

ensino das formas normatizadas de falar e escrever. Essa defesa intran-

sigente se faz por meio do recurso ao silenciamento das vozes contrá-

rias e de falsas afirmações que estas teriam feito, traços característicos

das ideologias autoritárias. É o que se dá nas seguintes palavras de

Evanildo Cavalcante Bechara (2005) ao comentar a proposta pedagógi-

ca de algumas escolas estadunidenses de empregar o inglês vernáculo

afro-americano como língua de ensino: “Em matéria de língua portu-

guesa, não se recomenta ainda o black potuguese vernacular, mas algo

muito parecido pela ineficácia cultural: a língua viva do povo”. Evanil-

do Bechara, no entanto, não cita nenhuma fonte em que possa sustentar sua afirmação.

Ora, já em 1986, Magda Becker Soares escrevia, sem ambiguidade:

“Um ensino de língua materna comprometido com a luta contra as de-

sigualdades sociai e econômicas reconhece, no quadro dessas relações

entre a escola e a sociedade, o direito que têm as camadas populares de

apropriar-se do dialeto de prestígio, e se fixa como objetivo levar os

alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adap-

tem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para

que adquiram um instrumento fundamental para a participação política

e a luta contra as desigualdades sociais” (SOARES, 1986, p. 78). De

igual modo, Sírio Possenti (1996, p. 17-18) afirmava: “Adoto sem

qualquer dúvida o princípio (quase evidente) de que o objetivo da esco-la é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar

condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um

equívoco político e ideológico”. Na mesma linha, nos Parâmetros Cur-

riculares Nacionais de Língua Portuguesa, publicados pelo Ministério

da Educação em 1997, entre os primeiros objetivos do ensino de língua

aparece, explicitamente, “utilizar diferentes registros, inclusiva as mais

formais da variedade linguística valorizada socialmente, sabendo ade-

quá-los às circunstâncias da situação comunicativa de que participam”

(PCN, 1997, p. 41, grifos de Marcos Bagno). Com orientação argumen-

tativa semelhante, o Guia do Livro Didático de Português, produzido

no contexto do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), também do Ministério da Educação, enuncia como fundamento para o ensino da

língua no ensino médio “o desenvolvimento da proficiência na norma-

padrão, especialmente em sua modalidade escrita, mas também nas si-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6730

tuações orais públicas em que seu uso é socialmente requerido” (2014,

p. 14, grifos de Marcos Bagno). Como se deduz facilmente, o “se” em-

pregado por Evanildo Bechara (“se recomenda – a língua vida do po-vo”) não tem nenhum referente empírico, autêntico é um sujeito cons-

truído, pedaço a pedaço, pela ideologia do autor.

Quanto ao que seria esse desejável padrão, objeto e objetivo do en-

sino, Carlos Alberto Faraco (2016, p. 213-214) assim se pronuncia:

“Somos praticantes e apologetas do ‘bom uso’; e defendemos a neces-

sidade de reabrir esta importante questão técnica e política no Brasil,

buscando caminhos que nos permitam superar a ‘dualidade de normas’

que perturba o encaminhamento positivo do uso, do ensino e do cultivo

da língua no nosso país há século e meio. É preciso, com urgência, re-

desenhar a norma brasileira do ‘bom uso (a chamada norma-padrão).

(..) Por tudo isso, insistimos na urgente necessidade de redesenhar a norma-padrão brasileira, atualizando suas fontes de referência e aban-

donando as invencionices do século XIX’” (grifos de Marcos Bagno).

As distorções ideológicas conservadoras procedem, assim, das filei-

ras dos especialistas filiados a uma ideologia política assumidamente

reacionária, como no caso de Evanildo Bechara acima (que considera

“a língua viva do povo” um patrimônio de “ineficácia cultural”), ou en-

tão, e sobretudo, dos não especialistas (com destaque para os que atuam

na mídia conservadora) que, reconhecendo na língua um instrumento

fundamental para a preservação das relações de poder desiguais na so-

ciedade, se apegam ao padrão tradicional porque, conscientes das difi-

culdades que sua aprendizagem representa para a grande maioria da

população (por ser eminentemente anti-intuitivo), impõem essa apren-dizagem em moldes autoritários, dogmáticos, obscurantistas, precisa-

mente para afastar os grupos sociais desfavorecidos do domínio esse

patrimônio sociocultural, grupos sociais desfavorecidos do domínio

desse patrimônio sociocultural, grupos sociais que passam então a re-

conhecer o valor da língua legítima sem, contudo, ter como conhecer

seu funcionamento.

Entretanto, há ocasiões em que a distorção ideológica intencional

provém de especialistas do universo acadêmico quando, para defender

uma tese, adotam uma argumentação em que atacam falsas premissas,

nunca postuladas pelos que se opõem àquela tese. É assim que procede,

por exemplo, Gilvan Müller de Oliveira em sua argumentação em prol do que chama de “normatização convergente” (OLIVEIRA, 2013, p.

70), um processo que supostamente criaria uma “língua portuguesa

comum” a todos os países que configuram a lusofonia, cavalo de bata-

José Pereira da Silva

6731

lha do autor. Ao avaliar as diferenças entre a realidade dos usos linguís-

ticos e o padrão tradicional, Gilvan Müller de Oliveira assim se mani-

festa: “Essa distância gramatical e simbólica entre a norma falada en-dógena e a norma escrita exógena tem trazido desconforto a uma

plêiade de intelectuais brasileiros, que discutem como o papel da norma

escrita exógena tem sido deletério para a escolarização e consequente

incorporação das classes populares à cidadania. Para muitos deles, co-

mo Marcos Bagno, a solução separatista parece conduzir diretamente a

uma ‘correção’ do processo histórico, trazendo a possibilidade de re-

forma da norma e sua aproximação com o português popular. Subjaz a

essa concepção, a ideia de que é Portugal que trava o processo de re-

forma da norma, e não forças conservadores internas ao Brasil” (OLI-

VEIRA, 2013, p. 68).

O caráter falacioso desse argumento se revela nas generalizações feitas pelo autor (“uma plêiade de intelectuais brasileiros”, “muitos de-

les”) sem a honesta apresentação do discurso do campo oposto, como

dita a ética acadêmica do debate de ideias: Gilvan Müller de Oliveira

não cita nenhum trabalho assinado pelos componentes dessa “plêiade”

nem, muito menos, nenhuma afirmação do próprio Marcos Bagno em

que este enuncie ipsissima verba o projeto de “correção do processo

histórico” de que Gilvan Müller de Oliveira o acusa. São, portanto, ila-

ções feitas por Gilvan Müller de Oliveira com base naquilo que ele

mesmo pensa, e não no que pensam de fato aqueles a quem ele se opõe.

Desse modo, exatamente ao contrário da afirmação de Gilvan Müller

de Oliveira, diversos trabalhos de marcos Bagno (2002, 2003, 2012a)

têm procurado mostrar que são as forças conservadoras da elite brasi-leira que refreiam a democratização das relações sociolinguísticas no

país: “A ausência da participação popular naqueles momentos históri-

cos [independência, proclamação da república, redemocratização após

a ditadura militar] revela o abismo que sempre existiu entre a imensa

maioria do povo e a pequena elite dominante, abismo que se perpetua

até hoje no país que apresenta alguns dos mais graves índices de injus-

tiça social de todo o planeta, ao lado de uma economia classificada en-

tre as quinze maiores do mundo. Essa pesada herança colonial, eviden-

temente, também tem seus efeitos sobre a definição da norma-padrão

brasileira e dos demais problemas que envolvem a língua portuguesa e

todas as outras muitas línguas faladas no país” (BAGNO, 2003, p. 86). Também Carlos Alberto Faraco (2001) argumenta que “a lusitanização

progressiva da norma escrita, num período de 65 a 70 anos (8824-

1891), se encaixa perfeitamente no projeto político da elite brasileira

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6732

pós-independência de construir uma nação branca e europeizada, o que

significava, entre outros muitos aspectos, distanciar-se e diferenciar-se

do vulgo (para usar uma expressão comum nos textos dos intelectuais do século XIX), isto é, da população etnicamente mista e daquela de

ascendência africana, que constituíam, sem dúvida, um estorvo grande

àquele projeto” (FARACO, 2001, p. 34). Percebe-se facilmente, por-

tanto, que ninguém “acusa” Portugal de “travar o processo de reforma

da norma”, como escreve Gilvan Müller de Oliveira, sem sustentar suas

afirmações.

Além disso, também não se encontra em nenhum trabalho de ne-

nhum linguista brasileiro de ampla circulação a defesa de uma “apro-

ximação” da “norma culta” à “norma popular”, em muito menos de

substituição daquele por esta. Ao contrário, “nós, linguistas, dizemos

que, do ponto de vista estritamente linguístico (gramatical/sistêmico), as normas se equivalem; mas do ponto de vista social não. Dizemos,

então, que há escalas sociais de prestígio e de aceitação diferentes nor-

mas. Dentro desta mesma linha de raciocínio, defendemos, em geral, o

ensino da norma culta como um bem sociocultural inquestionável – em

especial quando estabelecemos a estreita vinculação entre língua escrita

e norma culta ou entre cultura letrada e norma culta. E mais: esta linha

de raciocínio sustenta toda uma pedagogia da língua que tem, como

ponto de partida, o princípio de que esse ensino não precisa ser substi-

tutivo (...)” (FARACO, 2011, p. 261). De fato, também conforme es-

creve Roberto Gomes Camacho (2001, vol. 1, p. 72), “o ensino da vari-

edade padrão não necessita ser substitutivo e, por isso, não implica a er-

radicação do dialeto marginalizado. As formas alternativas podem con-viver harmoniosamente na sala de aula. abe ao professor o bom senso

de discriminá-las adequadamente, fornecendo ao aluno as chaves para

perceber as diferenças de valor social entre elas e, depois, saber tirar

vantagens dessa habilidade, selecionando a mais adequada conforme as

exigências das circunstâncias do intercurso verbal. Se a padronização

linguística é uma imposição institucional em sociedades estratificadas,

o sistema escolar tem um papel político relevante a desempenhar para a

promoção das camadas marginalizadas, que é o de propiciar-lhes aces-

so a todos os bens simbólicos, dentre eles a variedade padrão”.

O projeto educacional proposto pela maioria dos linguistas brasilei-

ros é, como escreve Carlos Alberto Faraco (2011, p. 261), “muito só-brio, muito ponderado, muito bem empiricamente informado e, diga-

mos com todas as letras, conservador”. O caráter conservador desse

projeto está no fato de que “aceitamos a hierarquização social das nor-

José Pereira da Silva

6733

mas como ela está dada e defendemos o ensino da norma culta como

um bem sociocultural inestimável e inquestionável” (FARACO, 2011,

p. 262). A questão, porém, está no que se qualifica de norma culta brasilei-

ra, que nada tem a ver com uma hipotética e quimérica “língua portu-

guesa comum” do projeto de “lusofonia” que escamoteia todos os pro-

blemas históricos, sociais, culturais e políticos que configuram as reali-

dades dos diferentes países “lusófonos”. Por outro lado, o padrão tradi-

cional, inspirado na literatura consagrada (“a língua como a têm utili-

zado os escritores portugueses, brasileiros e africanos do Romantismo

para cá”, conforme Celso Cunha e Luís Filipe Lindley Cintra, 1985, p.

XIV), também faz parte do projeto educacional dos linguistas e consti-

tui, muito provavelmente, o único ponto de convergência possível entre

as muitas “línguas portuguesas” existentes no mundo – justamente por esse padrão não constitui nenhuma variedade linguística autêntica, ver-

nacular, materna.

Assim, por exemplo, Marcos Bagno, em sua gramática (2012a), ao

comparar o vernáculo geral brasileiro com o padrão tradicional, sugere

diversas estratégias pedagógicas sobre “o que ensinar na escola” (for-

mas padronizadas que ainda têm emprego frequente nos gêneros dis-

cursivos falados e escritos mais monitorados: pronomes o/a/os/as; os

relativos cujo e o qual e flexões; os tempos verbais não usados no ver-

náculo; o modo subjuntivo; o verbo haver apresentacional e sua conju-

gação clássica; para + eu + infinitivo etc.), dentro da crença de que o

papel da escola é ensinar o que o aluno não sabe, ou seja, o papel da

escola é aplicar o repertório verbal e a competência comunicativa das pessoas que a frequentem. Assim, exatamente ao contrário do que ale-

gam Evanildo Bechara e Gilvan Müller de Oliveira, se trata de familia-

rizar o falante das variedades estigmatizadas (a “norma popular”) com

as formas cultas e padronizadas de falar e escrever.

Com isso, o discurso de Gilvan Müller de Oliveira repete o de Eva-

nildo Bechara no que tem de falacioso e incomprovável: “plêiade” e

“muitos deles” configuram o mesmo não sujeito que o “se” utilizado

por Evanildo Bechara (se recomenta... a língua viva do povo).

Veja os verbetes: Educação linguística, Graduais (traços), Inglês

vernáculo afro-americano, Língua legítima, Lusofonia, Mudança de

baixo para cima, Norma-padrão, Princípio curvilíneo, T/V, Tratamento

e Vernáculo.

Verner

Chama-se lei de Verner a uma lei fonética formulada em 1875 pelo

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6734

linguista dinamarquês Karl Adolf Verner (1846-1896), que permitiu

completar a lei de Grimm, de 1822, sobre a mutação em germânico an-

tigo, explicando aparentes exceções a essa lei. Karl Adolf Verner (1846-1896) mostrou que essas exceções são regulares se se leva em

conta a posição do acento, pois a passagem das aspiradas surdas do

germânico comum às aspiradas sonoras só se efetua quando a sílaba

precedente leva o acento tonal indo-europeu. A descoberta dessa lei

trouxe um novo fundamento à tese da regularidade das mudanças foné-

ticas defendida pelos neogramáticos.

Verossímil

Segundo Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2006,

s.v.), a noção de verossímil é tradicionalmente explorada na retórica ar-

gumentativa. A priori, característica de um modo de correlação entre o

enunciado e a realidade, o verossímil deve ser compreendido tanto co-mo um produto quanto como um fundamento do discurso.

O normal. O verossímil é uma qualidade da opinião, que a opõe ao

verdadeiro. Ele corresponde ao provável da estatística ou ao plausível

da doxa, ou seja, às representações, maneiras de fazer, de pensar e de

dizer normais, coerentes, frequentes numa comunidade (rotinas, cená-

rios, lugares comuns, estereótipos), que pré-formam as expectativas e

guiam as ações. Distinguem-se o verossímil dos argumentos e o veros-

símil dos esquemas argumentativos ou topoi, que, conjuntamente, de-

vem produzir a persuasão. Relativamente aos argumentos, o verossímil

é definido como aquilo sobre o qual não pesa a carga da prova. Assim,

para se defender de uma acusação de assassinato, uma atriz utilizará os

topoi da profissão e do tempo para se defender: “não se assassina o genro às vésperas de uma estreia”. (Pedro Almodóvar Caballero)

Paradoxos do verossímil. Os cálculos que contemplam ao mesmo

tempo o provável humano e o conhecimento que se pode ter, podem le-

var ao surgimento de paradoxos do tipo “a lebre e a tartaruga”, já subli-

nhados pelos sofistas:

1) uma atriz não assassina seu genro às vésperas de uma estreia

(probabilidade de primeiro nível);

2) mas, como a futura assassina sabe, em virtude de (1), que nin-

guém suspeitará dela, se assassinar seu genro às vésperas de uma es-

treia então...

3) ela assassina seu genro às vésperas de uma estreia (probabilidade de segundo nível)... etc. O que tem por consequências que “a verdade

pode algumas vezes não ser verossímil” (BOILEAU, Art Poétique, 3,

48). Esse paradoxo torna necessário o trabalho de produção discursiva

José Pereira da Silva

6735

da verossimilhança (narrativa ou argumentativa) a partir de um materi-

al sobre o qual não se sabe se é verdadeiro, falso um indecidível. Leva-

do a seu termo, ele produz uma sensação de evidência. Na literatura, a verossimilhança contribui para a produção de um efeito de realidade.

Veja os verbetes: Argumentação, Argumento, Doxa, Estereótipo,

Retórica e Tópos.

Verossimilhança

Veja os verbetes: Classicismo e Maravilhoso.

Vers

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), durante o florescimento da

lírica trovadoresca, “os provençais davam aos poemas mais simples o

nome de vers, e aos de maior artifício, cansó [canção]. Ainda que não

se estabelecesse estrita diferença entre vers e cansó, é evidente que os

separava o sentimento entre o maior e o menor empenho artístico. [...] Em resumo, o vers é uma canção mais simples e primitiva; a canção,

um vers mais complexo, em que as unidades e as harmonias se enlaçam

de maneira mais ampla e mais rica” (VOSSLER, 1960, p. 119-120;

ZUMTHOR, 1954, p. 145-187).

vers.

Vers. é abreviatura de versão.

Versal

Versal, caixa-alta ou letra maiúscula é a letra capital, em corpo

maior do que a do texto. Inicia um capítulo, os nomes próprios ou o

primeiro verso de um poema.

Versalete

Versalete é a letra que, num determinado corpo, tem a forma de

maiúscula e o tamanho da minúscula.

Versão

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

versão é o texto que comporta características próprias relativamente ao

texto original, nomeadamente depois de ter sido submetido a uma tra-

dução ou adaptação; ato ou efeito de traduzir de uma para outra língua.

É uma das várias formas intelectuais dadas à mesma obra. Pode se tra-

tar de um texto original, de sua tradução ou cada um dos textos numa

única língua, baseados na mesma obra original. Cada versão corres-

ponde a um original diferente. Em jornalismo, versão é a ênfase ou o

ângulo pelo qual é dada uma notícia. Em música, designa-se por versão

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6736

a transcrição na qual o trabalho original está de tal modo modificado

que surge virtualmente como um novo trabalho, seja para o mesmo, se-

ja para outro instrumento. Versão é termo relacionado com edição, que indica que a forma de um documento foi modificada, sem que se tives-

sem verificado alterações na sua identidade.

Veja os verbetes: Interpretação, Release, Tradução, Transladação,

Trasladação, Variante.

Versão abreviada

Versão abreviada ou versão reduzida é o extrato ou resumo de um

mesmo texto, escolhido e apresentado de maneira a dar uma represen-

tação sucinta do conjunto.

Versão ampliada

Versão ampliada ou versão aumentada é aquela que foi reformula-

da e que apresenta elementos que completam a versão original.

Versão autorizada

Versão autorizada é o texto com características próprias perante o

seu original e que, mediante uma permissão do detentor dos seus direi-

tos ou outra, é apresentado de novo.

Versão bíblica

Versão bíblica é a tradução do texto da Bíblia feita a partir das suas

línguas orientais ou da versão oficial latina para uma língua vernácula.

Versão concisa

Versão concisa é a edição de um texto isento de todos os elementos

considerados supérfluos, expressando o essencial em poucas palavras,

de forma clara, precisa e exata.

Versão dos Setenta

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

versão dos Setenta é o nome dado habitualmente a todas as versões

gregas do Antigo Testamento em homenagem aos 72 sábios que, insta-

lados na ilha de Pharos, ao norte de Alexandria (Egito), teriam traduzi-

do, no século III a.C. o Pentateuco, ou seja, os cinco primeiros livros da

Bíblia, a saber: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. É

conhecida vulgarmente por Septuaginta, palavra que em latim quer di-

zer setenta.

Versão eletrônica

Versão eletrônica é a representação derivada ou secundária de um

José Pereira da Silva

6737

livro impresso ou publicado ou de um texto inicialmente pensado para

ser editado sob forma impressa.

Versão final

Versão final é aquela que, após cuidadosa revisão e aperfeiçoamen-

to do texto por parte do autor, é considerada apta a ser dada à impres-

são e ser submetida à apreciação do público leitor.

Versão inicial

Versão inicial ou versão original é a obra na sua forma primitiva,

sem qualquer interferência posterior; opõe-se a cópia posterior.

Versão livre

Versão livre é o texto com características próprias em relação ao

original, no qual foram introduzidos elementos que não seguiram fiel-

mente o texto inicial.

Versão modificada

Versão modificada é aquela que sofreu alterações em relação à ver-

são original.

Versão original

Veja o verbete: Versão inicial.

Versão revisada

Versão revisada, edição revista ou versão revista é a variante em

que o texto foi corrigido ou atualizado.

Versão simplificada

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

versão simplificada é aquela que torna o texto mais fácil de compreen-

der e menos complicado de entender. Trata-se, geralmente, de uma

adaptação de um texto destinado a um público mais culto que foi objeto de uma adaptação a um outro público menos exigente do ponto de vista

cultural ou a um leitor mais jovem.

Verse-filler

Veja o verbete: Escansão.

Verseto

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

verseto ou versículo é o texto da Bíblia ou do Alcorão constituído por

duas ou três linhas, que tem sentido completo; sinal usado pela genera-

lidade dos tipógrafos para marcar o início de cada uma das divisões dos

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6738

capítulos da Bíblia rezados nos ofícios religiosos e a subdivisão do pa-

rágrafo, artigo etc., isto é, aquilo que compõe o versículo.

Versícula

Versícula é a estante de livros do coro.

Versiculário

Versiculário é a pessoa que tem a seu cargo os livros do coro; é a

coleção dos versículos do ofertório. Em geral, versiculário é parte de

um livro mais amplo que contém igualmente tropos e sequências.

Versículo

Em lei, regimento ou estatuto, versículo é cada subdivisão de um

artigo ou parágrafo, em forma de verso curto. Na Bíblia, alguns livros

sagrados são divididos em capítulos e versículos, e estes, na liturgia ca-

tólica, são empregados no ofício litúrgico, geralmente cantados (COS-

TA, 2018, s.v.).

Versificação

Técnica de fazer versos; conjunto ou sistemas de regras segundo as

quais se fazem versos dentro de determinadas orientações estéticas. A

obediência estrita a essas regras resultará numa versificação regular, e

o inverso, irregular. A expressão versificação regular se aplica tam-

bém ao emprego de versos de igual medida (isométricos) numa estrofe.

Em outra acepção, o termo designa a maneira de versificar ou as

particularidades versificatórias de um autor, de uma obra e de uma es-

cola ou época. Exemplos: A versificação de Camões em Os Lusíadas; a

versificação romântica, a versificação quinhentista etc.

Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.) prefere o termo técnica, deixando

para poesia a arte de fazer versos, algo diferente, como se vê. Versifi-cação regular é a que consta de unidades rítmicas iguais. Caso contrá-

rio, ela se dirá irregular ou livre. O francês, de acento intensivo de

pouco relevo (chegando o acento de insistência até mesmo a suplantá-

lo), fundamenta sua versificação no metro. O espanhol, ao contrário, de

acento relevante (e de caráter fonológico) estriba nesse jogo de tônicas

e átonas sua versificação, como se pode ver em Métrica Española, de

Tomás Navarro Tomás (1884-1979).

Veja os verbetes: Métrica, Metrificação, Poética, Verso, Rima, Es-

trofe e Alexandrino

Versificação rítmica

Versificação rítmica é a que se pauta pela distribuição dos acentos

no verso.

José Pereira da Silva

6739

Verso .

Unidade rítmico-melódica de uma sequência verbal, que se caracte-

riza pela oposição sistemática a outras unidades da mesma natureza, precedentes ou subsequentes. Essa unidade, em poesia, normalmente

coincide com a linha, onde há uma pausa (pausa métrica), exceto nos

casos de enjambement, segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.).

Outros preferem ver o verso na linha, sem atender à unidade de sen-

tido. Verso não implica necessariamente poesia. Há, de fato, prosa que

se evidencia pelo ritmo, como, ao contrário, muitas poesias já se pau-

tam pela desobediência ao ritmo. É o que podemos chamar de prosa

com verso ou prosa poética e poesia sem verso ou poesia prosaica. De

acordo com o número de sílabas, os versos podem ser: monossílabos,

dissílabos, trissílabos, tetrassílabos, pentassílabos (redondilha menor),

hexassílabos, heptassílabos, octossílabos, eneassílabos, decassílabos (heroicos ou sáficos), hendecassílabos (ou de arte maior), dodecassíla-

bos (alexandrinos) ou verso bárbaro, o de mais de doze sílabas.

O ritmo no verso de traduz pela volta regular de tempos marcados,

os quais podem ser uma sílaba mais longa ou uma sílaba mais forte.

Daí a distinção do ritmo do verso em quantitativo e intensivo.

Nas línguas clássicas (grego e latim), o ritmo era quantitativo e se

produzia em consequência da oposição longas-breves. Nas línguas mo-

dernas do mundo ocidental, o ritmo é normalmente intensivo (é o caso

do português) e se caracteriza pela oposição de tônicas e átonas.

Em grego, a unidade do verso era o metro, que se compunha de dois

pés desiguais. Daí a distinção dos versos em dímetros, trímetros, tetrâ-

metros. Em latim, a unidade é o pé; por isso, o verso que contém seis pés é o senário e não um trímetro, o que contém oito pés é um octoná-

rio e não um tetrâmetro. A denominação de "hexâmetro" é inexata em

latim, pois se trata de uma hexapodia. O termo "pentâmetro" aplicado

ao segundo verso do dístico elegíaco é ainda mais inadequado, pois tal

verso não é formado de cinco pés inteiros sucessivos, mas de dois pés e

meio.

Na fase românica, que se estende entre o latim e a das línguas neo-

latinas, o ritmo quantitativo vai lentamente cedendo lugar ao ritmo in-

tensivo, que acabou por predominar nas línguas modernas. É costume

fazer-se datar o ritmo intensivo românico a partir do poeta Comodiano

(século IV) Na época arcaica, a poesia portuguesa seguia os ritmos da chamada

medida velha, que compreendia os versos de arte menor e os de arte

maior. Os versos de arte menor consistiam principalmente nos octossí-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6740

labos, que se impuseram desde meados do século XIV. Já aparecem,

porém, nas poesias de Afonso X, o Sábio. Os versos de arte maior são

genuinamente galego-portugueses e estão em plena expansão a partir de 1400. São versos hendecassílabos; mas cumpre não esquecer o cará-

ter irregular da poesia arcaica.

Com Sá de Miranda (1481-1558), introduzem-se em Portugal os

versos italianos, ou medida nova. Daí para cá, triunfa a poesia renas-

centista, através do decassílabo heroico e de formas estróficas fixas,

como o soneto. Por influência francesa, introduziu-se o verso alexan-

drino.

Quanto ao número de sílabas, os versos mais importantes são os se-

guintes: redondilha menor (cinco sílabas), heroico quebrado (seis síla-

bas), redondilha maior (sete sílabas), octossílabo (oito sílabas), o ene-

assílabo (nove sílabas), o decassílabo heroico (acentuado na sexta e na décima sílabas), o decassílabo sáfico (acentuado na quarta e na oitava

sílabas), o decassílabo de gaita galega (medieval e atualmente da moi-

nheira galega, com variantes de nove e onze sílabas), hendecassílabo

ou de arte maior, o dodecassílabo ou alexandrino. Modernamente, es-

teve muito em voga o verso livre, sem número certo de sílabas, verso

em que a métrica é substituída pelo ritmo subjetivo, que acompanha an-

tes a ondulação do pensamento que os apoios fonéticos da expressão

oral.

Chama-se verso branco ou verso solto aquele que não rima com ne-

nhum outro.

O estudo da técnica da medida do ritmo objetivo do verso constitui

a *métrica. Damos, a seguir, exemplos de versos de várias sílabas, consideran-

do-se que não se contam as sílabas postônicas da última palavra do ver-

so, conforme Orlando Mendes de Morais (1965, s.v. Verso):

Versos de uma sílaba: De homem / Só / Tende / Dó.

Versos de duas sílabas, com acento na segunda: As testas / Cinja-

mos.'

Versos de três sílabas, chamados de redondilha quebrada, com

acento na terceira sílaba: De amor foge / Coração, / Não se arroje /

Num vulcão.

Versos de quatro sílabas, ou quebrado de redondilha maior, com

acento na quarta sílaba: Doces despojos / Tão bem guardados / Dos olhos meus, / Enquanto Deus / O consentiam!

Versos de cinco sílabas, ou de redondilha menor, com acento na se-

gunda e quinta ou na terceira e quinta sílabas: O inverno que importa /

José Pereira da Silva

6741

Se o fogo em meu lar, / Fechada esta porta, / Nos vem alegrar? / Adorai

desertos / Também as verduras, / Adorai desertos / E ser as floridas, / O

Deus dos secretos, / O Senhor das vidas. Versos de seis sílabas, ou heroico quebrado ou menor, com acento

na sexta sílaba: Salve florinhas símplices / Que em ditas me igualais. /

Belas sem artifícios, / Felizes sem rivais.

Versos de sete sílabas, ou redondilha maior, com acento a segunda

e sétima ou terceira e sétima, ou ainda na terceira e sétima sílaba: Que

eu fosse enfim desgraçado, / Escreveu do fado a mão: / Não se mudam

leis do fado, / Triste do meu coração!

Versos de oito sílabas com acento na quarta e oitava sílaba: Acom-

panhai meu vão lamento, / Auras ligeiras, que passais! / Tu, caro amor,

doce instrumento, / Casa cos meus teus frouxos ais!

Versos de nove sílabas, com acentos na terceira, sexta e nona sílaba: Que me importam de estranhos os louros? / Que me importa essa gloria

dalém? / Têm acaso estrangeiros tesouros, / Com que paguem a pátria a

ninguém?

Versos de dez sílabas, ou decassílabos: a) com acentos na sexta e

décima sílaba: "Que da ocidental praia lusitana"; b) com acentos na se-

gunda, sexta e décima sílaba: "As armas e os barões assinalados"; c)

com acentos na terceira, sexta e décima sílaba: "E também as memórias

gloriosas"; d) com acentos na segunda, quarta, oitava e décima sílaba:

"Salvar a glória da nação latina"; e) com acentos na quarta, oitava e dé-

cima sílaba: "Nuvem cerrada de feroz Mavorte".

Versos de onze sílabas, ou de arte maior, com acento na quinta e

décima primeira sílaba, mais usados pelos poetas românticos na tercei-ra, quinta e décima primeira sílaba: Ventania horrível, Noite de inver-

nada. / Pelo rancho antigo, sob a ramalhada / Das mangueiras negras –

trágico tropel... / As lufadas zunem, folhas secas voam, / Passos ora

lentos arrastados soam, / Ora acelerados como os de um corcel.

Versos de doze sílabas, alexandrinos, com acento na sexta e na dé-

cima segunda sílaba: Oh! santas que embalais os berços das crianças, /

E assim lhos revestis de flóreas esperanças, / Que andais sempre a cui-

dar das almas por abrir, / E a verter-lhes no seio o germe do porvir.

Versos de treze sílabas, com acentos na sexta e na décima terceira

sílaba: O saber, a virtude, o valor, a probidade, / Os homens engrande-

ce, em paz governa o mundo. Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), ao pé da letra, verso designa

o movimento de retorno, para a segunda linha métrica, depois que a

primeira se completou.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6742

Por verso, entende-se a sucessão de sílabas ou fonemas formando

unidade rítmica e melódica, correspondente ou não a uma linha do po-

ema. Cada verso pode se compor de subunidades ou células métricas, caracterizadas pelo agrupamento de sílabas, denominado pé na versifi-

cação greco-latina; ou compor-se de uma sequência de sílabas ou fo-

nemas, como de uso entre as línguas românicas. No primeiro caso, a

quantidade ou duração das sílabas é que importa; no segundo, o seu

número; ali temos o sistema quantitativo, aqui o silábico, qualitativo ou

acentuativo.

Na métrica greco-latina, o verso podia se classificar, de acordo co-

mo número de pés, em: dímetro, composto de dois pés; trímetro, três

pés; tetrâmetro, quatro pés; pentâmetro, cinco pés; hexâmetro, seis

pés1; o heptâmetro (ou setenário), sete pés; octâmetro, oito pés. São

considerados puros, quando utilizam o mesmo pé: o dímetro jâmbico resulta da soma de dois jambos; o trímetro trocaico, de três troqueus, e

assim por diante.

De todos, os mais importantes são: o pentâmetro elegíaco, de base

dactílica, podendo os dois pés iniciais serem também espondeus; o he-

xâmetro, composto de quatro dáctilos ou espondeus, mais um quinto pé

que pode ser dáctilo ou espondeu, e neste caso o verso se denominará

espondaico, e o sexto pé pode ser troqueu ou espondeu. O hexâmetro, o

mais célebre e o mais comum dos versos da Antiguidade greco-latina,

“o rei dos metros clássicos antigos”, era “o veículo único das gestas

épicas dos heróis, das genealogias dos deuses e também das lições de

vida ditadas pela experiência dos sábios. Mais tarde encarnou igual-

mente os afetos bucólicos, sem ficar de todo excluído nem dos trechos líricos corais da tragédia grega nem da comédia” (ERRANDONEA,

1954, vol. II, p. 1098). O pentâmetro somente se empregava como o

hexâmetro, e juntos constituíam o já referido dístico elegíaco.

Outras estruturas, menos relevantes, eram utilizadas, a saber: adô-

nio, alcaico, alcmânico, anacreôntico, arquilóquio, aristofânio, ascle-

piadeu, elegiambo, escazonte ou coliambo, falécio, ferecrácio, galiam-

bo, glicônio ou glicônico, itifálico, paremíaco, priapeu, sáfico, senário

e sotadeu.

Na metrificação românica, baseada no número de sílabas, temos os

seguintes tipos de versos: monossílabo, dissílabo ou bissílabo, trissíla-

1 O pentâmetro, chamado também verso elegíaco, em parelha com o he-

xâmetro compunha o dístico elegíaco.

José Pereira da Silva

6743

bo ou quebrado de redondilho maior ou redondilho quebrado ou cola,

tetrassílabo, pentassílabo ou redondilho menor, hexassílabo heroico

quebrado ou heroico menor, heptassílabo ou septissílabo ou redondi-lho maior, octossílabo, eneassílabo, decassílabo, hendecassílabo ou

verso de arte maior, alexandrino, bi-heptassílabo, tripentassílabo.

Considerados simples, os versos de uma a quatro sílabas, via de re-

gra, não apresentam cesura. Os de mais de quatro, chamados compos-

tos, podem ser pentassílabo ou redondilho menor, hexassílabo, hexas-

sílabo heroico quebrado ou heroico menor,, heptassílabo ou septissíla-

bo ou redondilho maior, bitetrassílabo, octossílabo, eneassílabo, de-

cassílabo, hendecassílabo ou verso de arte maior ou bipentassílabo,

alexandrino, tritetrassílabo, alexandrino trímetro, bi-heptassílabo, tri-

pentassílabo.

No geral, o verso mais longo, em estrofes isométricas, é o alexan-drino. Todavia, podem ser encontrados metros mais extensos, denomi-

nados metros bárbaros, “como são conhecidos na Itália, onde primeiro

apareceram” (ALENCAR, 1906, p. 37). Tais são, por exemplo, os bi-

heptassílabos, os tripentassílabos e os tri-hexassílabos.

Tais versos poderiam mais propriamente ser denominados “versos

compostos” (CARVALHO, 1974, p. 40-50), graças à sua regularidade,

reservando-se a classificação de bárbaros para os versos como os se-

guintes, desdobráveis “em dois redondilhos, o primeiro menor e grave

(cinco sílabas) e o segundo perfeito ou maior (sete sílabas)” (Silva Ra-

mos, in COUTINHO, 1986, vol. 4, p. 144). Exemplos: “A ânfora equi-

librando, com graça real na cabeça, / vai a jovem Romana pelo pórtico

umbroso” (Carlos Magalhães de Azeredo, “Afinidade”). Quando apresentam idêntico ritmo, ou melhor, cadência, os versos

de um poema são isorrítmicos. Exemplo: “A noite vem do mar chei-

rando a cravo / Em cima do dragão vem a sereia” (Sosígenes Costa,

“Abriu-se um cravo no mar”).

Quando se ostentam diversa modulação, denominam-se heterorrít-

micos. Exemplo: “Sonhei que me esperavas. e, sonhando, / Saí, ansioso

por te ver: corria...” (Olavo Bilac, soneto).

Quando contêm igual número de sílabas, diz-se que são isométricos

(os versos acima servem de exemplo); se variada a medida dos versos,

recebem a designação de heterométricos. Exemplo: “Amo-te, oh! cruz,

no vértice firmada / De esplêndidas igrejas” (Alexandre Herculano, “A Cruz Mutilada”).

Quando é arbitrária a medida dos versos, dizem-se livres. Exemplo:

“Na grande tarde, que é um arco vermelho / oscila o barco / sobre o es-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6744

pelho” (Cassiano Ricardo, “Viagem sobre o Espelho”).

No tocante à rima, os versos podem ser: brancos, soltos, agudos,

graves, esdrúxulos. Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

verso é também a página par; nas obras impressas e com o livro aberto,

corresponde sempre à página da esquerda e comporta em geral um nú-

mero par; face inferior ou interna num fólio, por oposição a reto; lado

do pergaminho que corresponde à carne, a parte que esteve em contato

com a derme. É mais poroso, esbranquiçado e áspero. Face de uma fo-

lha impressa que é lida em último lugar, num modo de leitura sequen-

cial normal.

Veja o verbete: Alexandrino, Ode, Sílaba métrica, Sotádico.

Verso acatalético

Verso acatalético é o que tem todas as sílabas necessárias a um nú-

mero completo de pés.

Verso acéfalo

Verso acéfalo é aquele a que falta a sílaba inicial.

Verso acentual

Verso acentual é o verso cujo ritmo se pauta pelo acento, isto é, pe-

lo contraste entre sílabas acentuadas e não acentuadas (tônicas e áto-

nas), em oposição ao silábico e ao quantitativo (JOTA, 1981, s.v.).

Verso aconsonantado

Verso aconsonantado é o de rima consoante.

Verso adônico

Verso adônico, verso composto de um dáctilo e um troqueu ou es-

pondeu; não se empregava solto; na companhia obrigatória do sáfico,

formava as estrofes sáficas.

Verso agudo

Verso agudo ou verso oxítono é o que termina em palavra oxítona

ou em monossílabo tônico. Exemplo: "Um grande sonho que nunca so-

nhei, / uma outra vida que nunca vivi, / um logo choro que nunca cho-

rei, / um bom sorriso que nunca sorri" (Guilherme de Almeida). “É

mineral o papel / onde escrever” (João Cabral de Melo Neto, poema

VII).

Verso alcmânico

Verso alcmânico, assim denominado em razão do poeta Acman (século

VII a.C.), constituía-se de um tetrâmetro dactílico, utilizado no teatro

José Pereira da Silva

6745

greto e, por vezes, no latino: formava, com o hexâmetro, a estrofe

alcmânica;

Verso alexandrino

Verso alexandrino é o verso de doze sílabas, também chamado de

dodecassílabo, com cesura medial obrigatória, dividindo-o em duas

partes de seis sílabas, chamadas hemistíquios. Exemplo: "Vês com

olhos do céu cousas que são do mundo". (Machado de Assis)

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), alexandrino é o verso com

doze sílabas; primeiramente usado na canção de gesta francesa do sécu-

lo XII (Le Pelérinage de Charlemagne à Jerusalém), o seu designativo

deriva do Roman d’Alexandre, outra composição no gênero, do mesmo

século, iniciada por Lambert le Tort e continuada por Alexandre de

Bernay; possivelmente a sua denominação também provenha do nome

desse trovador normando do século XII; colocado no ostracismo duran-te as centúrias finais da Idade Média, o alexandrino voltou a ser feste-

jado por poetas franceses do século XVI, como Pierre de Ronsard

(1524-1585), Jean-Antoine de Baïf (1532-1589) e outros), e a ser am-

plamente conhecido na Europa (Holanda, Alemanha, Inglaterra e Espa-

nha, sendo que aqui gerou a cuaderna-vía, verso de catorze sílabas se-

gundo a metrificação castelhana); conquanto os espanhóis houvessem

acolhido o alexandrino já nos tempos medievais, a sua introdução em

Portugal se deu apenas no século XVIII, com o Abade de Jazente

(pseudônimo de Paulino António Cabral de Vasconcelos, 1719-1789) e

Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage (1765-1805), em cuja es-

teira caminharam alguns dos nossos árcades, entre os quais José Basílio

da Gama (1741-1795) e Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749-1814). Parcamente utilizado ao longo do Romantismo, com a instaura-

ção do cânone parnasiano, retornou ao interesse dos poetas, inclusive

simbolistas como Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850-1923), Olavo

Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), Antônio Mariano Al-

berto de Oliveira (1857-1937), Eugénio de Castro e Almeida (1869-

1944), Alphonsus de Guimaraens (pseudônimo de Afonso Henrique da

Costa Guimarães, 1870-1921) e outros, mas é raramente empregado na

poesia moderna.

O alexandrino clássico ou alexandrino francês apresenta cesura na

sexta sílaba, o que o torna a soma de dois hexassílabos. Exemplos: “O

Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava: / A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...” (Olavo Bilac, “Inania Verba”).

A partir do século XVI, a cesura podia recair em outra sílaba que

não a sexta, e o verso todo, resultar da conjunção de três versos de qua-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6746

tro sílabas, constituindo o chamado tritetrassílabo. Exemplo: “Sono

d’arminho, colchão de terra, lençol de flores!” (Guerra Junqueiro, apud

CARVALHO, 1974, p. 47). Com acento na quarta, oitava e décima segunda, temos o alexandri-

no trímetro. Exemplo: “Perto de Tebas, junto a um monte, sobre o Is-

meno, / Águia e mulher, serpente e abutre, deusa e harpia” (Olavo Bi-

lac, “A Esfinge”, apud AZEVEDO, 1996, p. 84-89)

Verso anacíclico

Verso anacíclico ou verso retrógrado é o verso formado com epa-

nástrofe.

Verso anacreôntico

Verso anacreôntico é o verso composto de dois troqueus entre dois

pirríquios. Verso criado por Anacreonte (século VI a.C.), composto de:

pirríquio + troqueu + troqueu + pirríquio.

Verso anquilóquio

Verso anquilóquio, verso inventado por Arquíloco (século VIII ou

VII a.C.), também chamado metra episyntheta, por combinar metros de

vária espécie: somava quatro dáctilos e três troqueus, de forma que os

três primeiros dáctilos podiam ceder lugar a espondeus, e o último tro-

queu, substituído por espondeu;

Verso aristofânio

Verso aristofânio é o verso composto de dois dímetros anapésticos,

o segundo dos quais é catalético.

Verso aristofânio

Verso aristofânio, verso criado por Aristófanes (século V-IV a.C.),

composto de dois dímetros anapésticos, dos quais o segundo em pé

quebrado ou catalético;

Verso arquilóquio

Verso arquilóquio é o verso de sete pés: quatro dáctilos (ou três es-

pondeus e um dáctilo) e três troqueus (ou dois troqueus e um espon-

deu).

Verso asclepiadeu

Verso asclepiadeu é o verso composto de um espondeu, um cori-

ambo e dois dáctilos (ou um dáctilo e um crético). O asclepiadeu maior

difere desse apenas por ter, em vez de um, dois coriambos.

José Pereira da Silva

6747

Verso asclepiadeu

Verso asclepiadeu, inventado por Asclepíades (século III a.C.),

composto de: espondeu + coriambo + dáctilo + dáctilo ou crético; quando comparecem dois coriambos, tem-se o asclepiadeu maior; o

asclepiadeu foi usado antes do poeta que lhe deu o nome, no lirismo, o

lirismo monódico, no coral e na tragédia.

Verso assinarteto

Verso assinarteto é o verso cujos membros podem ser considerados

como versos independentes.

Verso assonantado

Verso assonantado é o que tem rima assonante ou assoante.

Verso bi-heptassílabo

Verso bi-heptassílabo, formado de dois hemistíquios de sete síla-

bas, somando quatorze versos. Exemplo: “Ai das Rainhas sem corte; das destronadas Rainhas!” (Eugênio de Castro, apud CARVALHO,

1974, p. 41).

Verso branco

Verso branco ou verso solto é o verso que não apresenta rima com

nenhum outro verso da estrofe, embora esteja dentro das demais leis

rítmicas. Exemplo: "Nova canção do exílio / Um sabiá / na palmeira,

longe. / Estas aves cantam / um outro canto". (Carlos Drummond de

Andrade, 1973, p. 157). “O cavalo mecânico arrebata o manequim pen-

sativo / que invade a sombra das casas no espaço elástico. / Ao sinal do

sonho a vida move direitinho as estátuas / Que retomam seu lugar na

série do planeta” (Murilo Mendes, “O Mundo Inimigo”).

Verso braquicatalético

Verso braquicatalético é aquele a que falta um pé.

Verso catalético

Verso catalético ou verso hipérmetro é o que tem o último pé in-

completo.

Verso clássico

Verso clássico é o verso dodecassílabo com icto na terceira, sexta e

nona sílabas.

Verso composto

Verso composto é o que se compõe de medidas de ritmos diversos.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6748

Verso de arte maior

Verso de arte maior é o que tem mais de oito sílabas.

Verso de arte maior castelhano

Verso de arte maior castelhano é o verso de onze ou doze sílabas,

dividido em dois hemistíquios, em cada um dos quais há duas sílabas

tônicas separadas por duas átonas.

Verso de arte menor

Verso de arte menor é o que tem oito sílabas ou menos.

Verso de pé quebrado

Verso de pé quebrado é o verso que não se conforma às normas dos

demais da mesma estrofe, quer pela extensão, quer pela cadência etc.

Verso de redondilha menor

Veja o verbete: Heptassílabo.

Verso decassílabo

Verso decassílabo, com dez sílabas; remontando ao século X, na

França. Já era cultivado, numa de suas modalidades, na poesia trovado-

resca galego-portuguesa; esquecido no declínio da Idade Média, foi

ressuscitado e posto em circulação pelo Classicismo italiano. Sá de mi-

rando o divulgou em Portugal após a sua estada na Itália (1521-1527), e

de lá para cá tem sido dos metros mais empregados no idioma portu-

guês. Geralmente, acentua-se na sexta sílaba. Quando o acento recai na

seta e na décima, recebe o nome de decassílabo heroico, por adaptar-se

perfeitamente à poesia épica, de cadência marcial solene. Os Lusíadas

(1572) estão vazados neste esquema de decassílabo e no seguinte: “De-

pois de procelosa tempestade, / Noturna sombra e sibilante vento” (can-

to IV, versos 1-2). Se o acento incide na quarta, oitava e décima síla-bas, o decassílabo é chamado de decassílabo sáfico. Exemplo: “Nauta

inexperto lhe dirige o leme, ; Chusma bisonha lhe mareia o pano” (Bo-

cage, “Ode”). Se na quarta, sétima e décima, chama-se decassílabo

provençal. Exemplo: “Por meu mal é que tan bem parcedes / e por meu

mal vos filhei por senhor” (Martim Soares, CBN, 131; CA, 46, in NU-

NES, 1943, p. 233).

Verso dissílabo

Verso dissílabo ou bissílabo, com duas sílabas. Exemplo: “Tu, on-

tem, / Na dança / Que cansa, / Voavas” (Casimiro de Abreu, “A val-

sa”).

José Pereira da Silva

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Verso elegíaco

Verso elegíaco é o mesmo que verso pentâmetro.

Verso elegiambo

Verso elegiambo, formado de três dáctilos e dois jâmbicos; quando

os membros se invertem, tem-se o iambelego ou iambelégico;

Verso eneassílabo

Verso eneassílabo, com nove sílabas, também denominado, no sé-

culo XIX, verso de Gregório de Matos, por considerar-se, erroneamen-

te, que o poeta baiano foi seu inventor; na verdade, o eneassílabo data

do lirismo trovadoresco, mas foi abandonado no século XVI. Gregório

de Matos tão somente o renovou, e durante o século XIX voltou a ser

cultivado. Exemplo: “Enquanto a vida não se desdobra, / E apenas

rompe, róseo botão” (Junqueira Freire, “A Freira”). Quando composto

de dois hemistíquios de quatro sílabas, constitui o bitetrassílabo. Exemplo: “Pobres de pobres são pobrezinhos, / almas sem lares, aves

sem ninho” (Guerra Junqueiro, apud CARVALHO, 1974, p. 32-33).

Verso escazonte

Verso escazonte ou coliambo, empregado por Hipponax de Éfeso

(século VI a.C.), em suas invectivas, constituía-se de seis jâmbicos, de

modo que o último podia ser substituído por um troqueu;

Verso esdrúxulo

Verso esdrúxulo ou verso proparoxítono é o que termina em palavra

proparoxítona. Exemplo: "Morreu sem deixar a gramática / de sua ma-

neira clínica: / essa maneira de médico / que toma a doença com pin-

ças". (Melo Neto, 1988, p. 272). “Eu, filho do carbono e do amoníaco, /

Mostro de escuridão e rutilância” (Augusto dos Anjos, “Psicologia de

um Vencido”)

Verso falécio

Verso falécio é o verso formado de um troqueu (ou espondeu), um

dáctilo e três troqueus (podendo ser substituído por espondeu, o últi-

mo).

Verso falécio

Verso falécio, rótulo proveniente do poeta Phalaikos (século IV

a.C.?), correspondia a um hendecassílabo, muito usado por Sófocles,

Aristófanes e os poetas de Alexandria, composto de: troqueu ou espon-

deu + dáctilo + troqueu + troqueu + troqueu ou espondeu;

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6750

Verso ferecrácio

Verso ferecrácio é o verso que se forma de um dáctilo e dois tro-

queus, dispostos os três de qualquer maneira. Derivado do poeta cômi-co Pherecrates (século V a.C.), aparece na obra de Anacreonte, Horácio

e nos coros da tragédia grega: troqueu + troqueu + dáctilo;

Verso galiambo

Verso galiambo é o verso composto de dois anacreônticos, o pri-

meiro perfeito, mas catalético o segundo, e separados por cesura. Trata-

se de metro associado com o remoto culto a Cybele, deriva o nome de

um de seus sacerdotes, Galli; empregado por Calímaco, Catulo e os po-

etas de Alexandria, consta de dois pés anacreônticos, o segundo dos

quais com falta de uma sílaba (catalético);

Verso glicônio

Verso glicônio (ou glicônico) é o verso composto de três troqueus e um dáctilo. O termo é derivado do poeta Glycon (de biografia obscura),

compõe-se de três troqueus e um dáctilo;

Verso grave

Verso grave ou verso paroxítono é o que termina em vocábulo pa-

roxítono. Exemplo: "A cana de açúcar, tão pura, / se recusa, viva, a es-

tar nua: / desde cedo, saias folhudas / milvestem-lhe a perna andaluza"

(Melo Neto, 1988, p. 238). “A garupa da vaca era palustre e bela, / uma

penugem havia em seu queixo formoso” (Jorge de Lima, soneto XV).

Verso hendecassílabo

Verso hendecassílabo, com onze sílabas, também chamado verso de

arte maior, com cesura na quinta sílaba e outros acentos variáveis, na

terceira, na sétima, na décima primeira. Exemplos: “No meio das tabas de amenos verdores; / Ceradas de troncos co-

bertos de flores, / Alteiam-se os tetos d’altiva nação” (Gonçalves Dias,

“I – Juca-Pirama”);

“Tange o sino, tange, numa voz de choro, / Numa voz de choro...

tão desconsolado...” (Vicente de Carvalho, “Pequenino Morto”).

Quando o hendecassílabo resulta da soma de dois hemistíquios de

cinco sílabas, recebe o apelativo de bipentassílabo. Exemplo: “Sobre

espigas d’oiro bailam as ceifeiras, / Na aleluia argêntea do clarão do lu-

ar!...” (Guerra Junqueiro, “Eiras ao Luar”).

Verso heptassílabo

Verso heptassílabo, ou septissílabo, ou redondilho maior, de lon-geva tradição e largo uso na poética luso-brasileira. Exemplo: “Vou-me

José Pereira da Silva

6751

embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei” (Manuel Bandeira, “Vou-

me embora pra Pasárgada”).

Verso hexassílabo

Verso hexassílabo, com seis sílabas, também chamado heroico

quebrado ou heroico menor, pois parece um hemistíquio do decassíla-

bo, emprega-se isolado ou em parelha com verso de metro mais amplo.

Exemplo: “Quer pouco: terás tudo, / Quer nada: serás livre” (ode de

Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa).

Verso hipercatalético

Verso hipercatalético é o que tem sílaba ou pé além do exigido.

Verso hipérmetro

Verso hipérmetro é o mesmo que verso hipercatalético.

Verso inteiro

Verso inteiro é o que termina com palavra paroxítona.

Verso intercalar

Verso intercalar é o verso introduzido, a intervalos mais ou menos

regulares, numa composição estíquica. É o mesmo que ritorneio (ge-

ralmente referido à latina: versus intercalaris).

Verso isométrico

Verso isométrico é o verso que é do mesmo metro (tem o mesmo

número de sílabas métricas).

Verso itifálico

Verso itifálico é o composto de três troqueus (o último dos quais

pode ser substituído por espondeu).

Verso itifálico

Verso itifálico, ligado às comemorações em homenagem a Baco, remonta a Safo e a Arquíloco; rara na poesia coral, aparece na obra de

Horácio e Plauto, e consta de três troqueus, dos quais o derradeiro pode

ser um espondeu;

Verso leonino

Verso leonino é o verso de rimas leoninas, ou seja, as que se evi-

denciam em palavras do mesmo verso.

Verso liberado

Veja o verbete: Verso livre.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6752

Verso livre

Verso livre é um verso sem número certo de sílabas, verso em que a

métrica é substituída pelo ritmo subjetivo, que acompanha antes a on-dulação do pensamento que os apoios fonéticos da expressão oral.

Também não costuma rimar com nenhum outro verso da estrofe. Os

versos livres não obedecem a nenhum critério senão as pausas espontâ-

neas do movimento lírico.

O verso livre se cinge ao ritmo da prosa, evidenciado apenas pelos

grupos de força de par com a entoação característica da poesia. Na poe-

sia, sobreleva o caráter afetivo da linguagem, ao contrário da prosa, na

qual predomina o conteúdo representativo (veja: Língua). O verso livre,

pois, perdido o conteúdo afetivo, passa a simples grupamento da prosa.

Um dos exemplos mais citados de prosa poética é o seguinte, extraído

do romance Iracema, de José de Alencar: “Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; verdes

mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente,

perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros”.

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), inicialmente empregado pelo

poeta francês Gustave Kahn, em 1880, o verso livre constituiu a mani-

festação mais emblemática das mudanças que os simbolistas e decaden-

tes pretenderam introduzir na poesia moderna. A novidade formal ca-

minhava a par e passo com as outras soluções experimentadas desde

meados do século XIX, das quais o poema em prosa não era, certamen-

te, a menos relevante. Para bem compreender o significado desse avan-

ço em matéria de arte poética, é necessário ter em conta que a tradição

vigente até aquela data obedecia a um cânone que, com algumas modi-ficações, remontava aos antigos gregos e latinos.

Na sua essência, acatava os pressupostos de regularidade, de sime-

tria, de isometria, não somente no sistema métrico, mas também na or-

ganização das estrofes. Pausas, cesuras, esquemas de rimas e de estru-

tura do poema, enfim todas as soluções formais inclinadas ao princípio

da regularidade eram fixas e religiosamente seguidas. E ainda quando

houvesse alguma divergência, fruto de um experimento ou um capri-

cho, respeitavam-se os demais ingredientes formais.

Em consequência da liberdade criadora inaugurada pela estética

romântica, começou-se a pensar na hipótese de libertar o verso da ca-

misa de força representada pelo cânone clássico. Em vez de simetria, propôs-se a assimetria, em lugar da isometria dos versos, tentou-se a

heterometria, ou polimetria, em suma, a irregularidade. Ao mesmo

tempo, emancipava-se o verso da sujeição à cadência, de andamento

José Pereira da Silva

6753

quase coloquial, que mostrava nitidamente a diferença intrínseca entre

a regularidade das sílabas do verso, assinalada pela cadência, e o ritmo.

Estava criado o verso livre, livre da noção de hemistíquios, de nú-mero de sílabas, de cesuras, ictos etc., enfim de tudo quanto constituía

herança métrica do passado. Liberto das amarras históricas, o verso pa-

recia ter perdido a sua peculiar fisionomia, aproximando-se temeraria-

mente da prosa, como se a poesia fosse decorrente apenas da estrutura

formal. Exemplo: “Ah, quem escreverá a história do que poderia ter si-

do? / Será essa, se alguém a escrever, / A verdadeira história da huma-

nidade” (Álvaro de Campos, “Pecado Original”).

E quando alguma coisa restasse da tradição em voga até o século

XVIII, de forma que a heterometria resultasse de versos ainda atrelados

a certos preceitos da métrica tradicional, à semelhança do que La Fon-

taine, Molière e outros haviam praticado no século XVII, – tinha-se o verso livre clássico. Exemplo: “Faz anos hoje a minha Mágoa, / Que

não se acalma e que não finda... / E de olhos rasos d’água / Sinto-a afli-

tiva, / Detalhada e viva, / Como se fosse de outro dia ainda” (Mário Pe-

derneiras, “Natal de Mágoa”).

Ainda se pode considerar o verso liberado, ou verso polimorfo, “a

primeira tentativa concreta de libertar o verso da contagem das sílabas

e apoiar o ritmo sobre os acentos. Acima de tudo, a alternância imposta

das rimas femininas e masculinas, o abandono das estrofes fixas. Toda

rigidez era inimiga deste tipo de verso” (PEYRE, 1974, p. 203-204); li-

vre de algumas regras da métrica tradicional (como a cesura inflexível

e regular), mas guardando respeito à isometria do verso e da rima, e

lançando mão do enjambement, do trímetro e de rimas pouco usuais, como se observa exemplarmente em Paul Verlaine, no emprego do ale-

xandrino cujo acento na sexta sílaba recai numa sílaba pretônica: “j’ai

l’estase et j’ai la//terreur d’être coisi” (Sagesse IV, VIII, apud MORI-

ER, 1975, p. 52) ou de um trímetro anárquico ou dissimétrico, “com-

posto dos números 3, 4, 5, dispostos numa ordem aparentemente qual-

quer:

A distância entre este tipo de verso e o verso livre ou o poema em

prosa é muito pequena, “não é senão uma diferença de grau, geralmente

pouco perceptível” (SCHMIDT, 1947, p. 62), e não poucos poetas sim-

bolistas, além de Paul Verlaine, como Rimbaud e Laforgue, a percorre-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6754

ram sem cálculo algum. Por isso, estudiosos há que titubeiam em admi-

tir que o verso livre não significa adesão involuntária à lógica da prosa,

ou seja, não ocasiona perda alguma de substância poética: “É verso ou prosa o verso livre?”, indaga especialista no assunto (PARAÍSO, 1985,

P. 390-392). E se apressa a declarar-se favorável ao verso, como quem

dissesse “poesia”, assim reduzindo-a simplesmente à forma, decerto

esquecida de que, desde Aristóteles e a sua Poética, é de conhecimento

geral que um tratado de medicina em versos não é obra poética.

Assim como, diríamos nós, a poesia pode ser encontrada em qual-

quer das estruturas literárias disponíveis, incluindo as várias modalida-

des de prosa de ficção e o drama, embora tradicionalmente o verso seja

a mais frequente de todas. De resto, sabe-se que desde Baudelaire “a

forma do verso como tal não mais se aceita como justificativa para o

emprego do vocábulo ‘poesia’, e longos poemas são pela primeira vez abertos à crítica, sob o fundamento de que muitos deles, a rigor, não

encerram poesia” (LEHMANN, 1950, p. 191).

Como complemento a este verbete, sugere-se a leitura de Para uma

teoria do verso, de Sânzio de Azevedo (1997); L’art des vers, de Au-

guste Dorchain (s.d.); Le vers français: Ses moyens d’expression. Son

harmonie, de Maurice Grammont (1967); Message poétique du Symbo-

lisme, de Guy Michaud (1947, vol. II); In: PREMINGER, Alex; BRO-

GAN, Terry V. F. (Orgs.). Le vers moderne. Ses moyens d’expression.

Son Esthétique, de Lucien-Paul Thomas (1943); Métrica española, de

Tomás Navarro Tomás (1972).

Verso métrico

O verso é chamado de métrico quando as palavras, que o formam,

são escolhidas segundo a quantidade longa ou breve de suas sílabas.

Verso monossílabo

Verso monossílabo, com uma sílaba poética; bastante raro, parece

fruto de puro virtuosismo ou constitui exercício de mestria formal.

Exemplo: “Vagas, / Plagas, / Fragas, / Soltam / Cantos” (Fagundes Va-

rela, “Predestinação”).

Verso octossílabo

Verso octossílabo, com oito sílabas, embora remonte à Idade Mé-

dia, é pouco usado na poética lusófona, salvo no caso das baladas de

tipo francês. Exemplo: “Edifiquei certo castelo / por uma esplêndida

Manhã” (Guilherme de Almeida, “Balada do Solitário”).

José Pereira da Silva

6755

Verso paremíaco

Verso paremíaco é o verso composto de três anapestos e uma sílaba

ancípite, isto é, um dímetro anapéstico catalético.

Verso paremiático

Verso paremiático, deriva o seu nome do fato de ser empregado na

linguagem dos provérbios e máximas, consta de três anapestos mais

uma sílaba longa ou breve; originou o decassílabo italiano;

Verso pentassílabo

Verso pentassílabo, ou redondilho menor, com cinco sílabas, lar-

gamente utilizado na poética luso-brasileira. Exemplo: “Eles verdes

são, / E têm por usança / Na cor esperança / E nas obras não” (Cantiga

de Camões).

Verso polar

Verso polar é o de estrutura ternária extremado por medidas iguais,

como 3-4-3, 4-34, 3-5-3 etc.

Verso priapeu

Verso priapeu é o verso composto de um glicônio e um ferecrácio,

separados por cesura.

Verso priapeu

Verso priapeu, utilizado nos coros das peças satíricas, por Catulo,

deve o nome a Priapus, deus da fertilidade, exaltado num poema por

Euphronius, poeta de Alexandria; compõe-se de um glicônio mais um

ferecrácio;

Verso puro

Verso puro é o verso formado de pés da mesma espécie.

Verso quadrado

Verso quadrado é o verso senário trocaico.

Verso quantitativo

Verso quantitativo ou verso cronemático é o que se caracteriza pela

duração das sílabas, marcadas por pés ou metros; noutras palavras,

marcadas pelo contraste entre sílabas longas e breves (JOTA, 1981,

s.v.).

Verso quebrado

Verso quebrado é aquele a que faltam sílabas métricas para ser

igual a outro com que alterna, embora a acentuação seja a mesma nas

sílabas comuns aos dois.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6756

Verso recíproco

Verso recíproco é aquele cujas palavras ficam dispostas em tal or-

dem que podem ser lidas também do fim para o princípio do verso. Exemplo: Bonita realmente ela é, é ela realmente bonita (JOTA, 1981,

s.v.).

Verso rítmico

Verso rítmico é o verso cujas palavras obedecem a certa acentuação

rítmica, tal como no alemão e no inglês.

Verso sáfico

Verso sáfico é o decassílabo com icto na quarta e na oitava sílabas.

Criado por Safo (século VII-VI a.C.), consta de: troqueu + troqueu +

dáctilo + troqueu + troqueu ou espondeu; quando se insere um coriam-

bo após o segundo troqueu, tem-se o sáfico maior

Verso senário

Verso senário, diz-se do verso latino de seis pés iguais, equivalente

ao trímetro jâmbico grego, com a diferença de que os poetas romanos

admitiam espondeus no segundo e quarto versos, e raramente emprega-

vam o jambo no quinto pé; entretanto, os poetas latinos da decadência

lançavam mão do trímetro em vez do senário;

Verso silábico

Verso silábico é o verso cujas palavras completam determinado

número de sílabas.

Verso simples

Verso simples é o que consta de medidas do mesmo ritmo.

Verso solto

Verso solto é o mesmo que verso branco. Versos soltos são os ver-sos que, postos emparelhados a versos rimados, não possuem rima.

Exemplo: “Se eu morresse amanhã, viria ao menos / Fechar meus olhos

minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria / Se eu morresse

amanhã!” (Álvares de Azevedo, “Se eu morresse amanhã”).

Verso sotadeu

Verso sotadeu é o verso formado de três jônicos maiores e um es-

pondeu.

Verso sotadeu

Verso sotadeu, derivado de Sótades, poeta alexandrino do século III

José Pereira da Silva

6757

a.C.; escassamente utilizado, consta de três jônicos maiores e um es-

pondeu.

Verso tetrassílabo

Verso tetrassílabo, com quatro sílabas, aparece isolado ou em com-

panhia de versos com diferente número de sílabas. Exemplo: “Tu, flor

de Vênus / Corada rosa” (Bocage, “A Rosa”).

Verso tonemático

Verso tonemático é o que se caracteriza pelo jogo contrastante de sí-

labas moduladas com não moduladas. Acredita-se, no entanto, que só

na aparência esses versos diferem dos outros, pois, na realidade, estari-

am capitulados uns no rol dos quantitativos e outros no rol dos acentu-

ais (JOTA, 1981, s.v.).

Verso tri-hexassílabo

Verso tri-hexassílabo, com três hemistíquios de seis sílabas, totali-zando dezoito sílabas. Exemplo: “O vosso gesto chora, o vosso gesto

geme, o vosso gesto canta!” (Eugênio de Castro, apud CARVALHO,

1974, p. 43).

Verso tripentassílabo

Verso tripentassílabo, com três hemistíquios de cinco sílabas, tota-

lizando quinze sílabas. Exemplo: “Por manhã doirada, galeão doirado

vinha cheio de oiro” (Guerra Junqueiro, apud CARVALHO, 1974, p.

46).

Verso trissílabo

Verso trissílabo, com três sílabas, também chamado quebrado de

redondilho maior, redondilho quebrado, cola; emprega-se isolado ou,

mais comumente, com o verso de sete sílabas. Exemplo: “És engraçada

e formosa / Como a rosa” (Gonçalves Dias, “A Leviana”).

Versos alcaicos

Versos alcaicos, versos utilizados por Alceu (século IV a.C.), cons-

tituíam uma quadra cujas duas primeiras linhas apresentam hendecassí-

labos, segmentos de onze sílabas (uma sílaba breve + troqueu + tro-

queu ou espondeu + dáctilo + troqueu), a terceira, eneassílabo, segmen-

to de nove sílabas (uma sílaba breve + troqueu + espondeu + troqueu +

troqueu ou espondeu), quarta, decassílabo, segmento de dez sílabas

(dáctilo + dáctilo + troqueu + troqueu ou espondeu);

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6758

Versos anisossilábicos

Versos anisossilábicos são os versos que divergem entre si no nú-

mero de sílabas métricas.

Versos ecólicos

Versos ecólicos são os que terminam pela mesma vogal.

Versos heterométricos

Versos heterométricos são os que têm número de metros diferentes.

Versos isossilábicos

Versos isossilábicos são os que têm o mesmo número de sílabas,

opondo-se aos versos anisossilábicos.

Versos monórrimos

Versos monórrimos são os de uma só rima.

Versuch

Veja o verbete: Ensaio.

Versus

O termo convencional versus (abreviação vs) significa "contra" ou

"contrário a" nas notações como masculino versus feminino, nominati-

vo vs acusativo etc.

Versus anacyclici

Veja o verbete: Palíndromo.

Versus echoici

Veja o verbete: Palíndromo.

Versus intercalaris

Veja o verbete: Verso intercalar.

Vertatur

Vertatur ou revertatur é palavra latina que significa vire-se. é usado em revisão de provas para indicar o sinal de virar letras, erro que é mais

frequentemente encontrado em letras como b, d, p e q; n e u.

Véspera

Véspera é a hora canônica que vem depois das nonas.

Vesperal

Vesperal é o livro litúrgico que contém as vésperas ou o ofício da

tarde, frequentemente limitado aos domingos ou a períodos especiais

como os dias de festas religiosas.

José Pereira da Silva

6759

Vespertino

Vespertino é o jornal diário que sai durante a tarde; que é publicado

durante o período da tarde.

Vestígio

Termo introduzido na teoria linguística gerativa em meados da dé-

cada de 1970, para indicar um meio formal de marcar o local anterior

de um constituinte na derivação, antes de ter sido removido para uma

outra posição por uma operação transformacional, segundo David

Crystal (1988, s.v.). A posição anterior do constituinte é chamada de

"vestígio" (v marca seu lugar na representação) que está "vinculado"

àquele constituinte. O constituinte retirado e o nódulo vazio deixado

por ele estão coindexados. Por exemplo, em uma regra que faz um "al-

çamento" do sujeito de uma oração encaixada para ficar como sujeito

da oração principal, o vestígio v marca a posição do sujeito encaixado (Exemplo: parece [que ele gosta de ouvir música clássica] – ele parece

que v gosta de ouvir música clássica). Diversos argumentos foram pro-

postos para sustentar uma teoria de vestígios das regras de deslocamen-

to, ou seja, que facilite a especificação das condições que afetam a in-

terpretação semântica das estruturas superficiais, e que permita uma

explicação mais objetiva da operação das regras sintáticas. Até que

ponto a convenção é aplicável (isto é, se todos os constituintes retirados

deixam vestígios) e os tipos de problemas e questões levantados pela

teoria têm gerado muita controvérsia.

Chamam-se vestígios, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), em gra-

mática gerativa, as categorias vazias deixadas por um constituinte após

transformação, ou seja, a indicação da posição original de um consti-tuinte deslocado (chamado antecedente). Essa indicação aparece soba a

forma de uma variável coindicada ao antecedente (ti). O antecedente li-

ga seus vestígios e define, com eles, uma cadeia. A teoria dos vestígios

foi desenvolvida por Noam Chomsky (1977b) no quadro da teoria “pa-

drão estendida”. Os vestígios permitem relacionar as propriedades se-

mânticas dos constituintes com a estrutura de superfície.

Sugere-se, como leitura complementar, o capítulo 11 de Transfor-

mational Syntax: A Student's Guide to Chomsky's Extended Standard

Theory, de Andrew Radford (1981).

Veja os verbetes: Gerativa, Ligação, Teoria do vestígio e Trans-

formação.

Véu do paladar

Veja os verbetes: Palato, Véu do palato, Véu palatino.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6760

Véu do palato

Denomina-se véu do palato, véu palatino ou palato mole a parte ex-

terior do palato, atrás do palato duro, cuja extremidade móvel, chamada úvula, pode fechar ou abrir a passagem das fossas nasais, permitindo,

assim, distinguir as articulações bucais das articulações nasais.

Veja os verbetes: Aparelho fonador e Véu palatino

Véu palatino

Designa-se pelo termo véu palatino, segundo Franck Neveu (2008,

s.v.), a região posterior do palato, formada por uma estrutura frágil e

móvel, chamada palato mole, que termina na úvula. O véu palatino

provoca a abertura ou o fechamento das fossas nasais, e desempenha,

portanto, um papel essencial na distinção das unidades fônicas orais e

nasais. Constitui a zona de articulação das realizações fônicas velares e

uvulares.

Veja os verbetes: Articulação, Nasal, Oral, Palato, Uvular, Velar.

Vez de falar

Veja o verbete: Intervenção.

Vezes

Vezes é o sinal (x) usado em matemática para indicar uma multipli-

cação.

VHS

VHS é o acrônimo de Video Home System, sistema de vídeo famili-

ar.

Via

Termo usado na fonologia gerativa natural com referência às regras

(não gerativas) que ligam as formas subjacentes. Veja o capítulo 5 de

Phonology: Theory and Analysis, de Larry M. Hyman (1975).

Via de acesso

Via de acesso ou porta é a parte de uma rede ou unidade central de

processamento com um canal, que serve para receber ou enviar dados

transmitidos de um terminal remoto ou outro mecanismo.

Viático

Viático é o livro com a liturgia dos enfermos e moribundos.

Viaticum

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

viaticum é o nome em latim da indenização instituída na França no ano

José Pereira da Silva

6761

de 1881 e dada aos operários tipográficos que, na impossibilidade de

arranjarem trabalho no mesmo lugar, haviam viajado para consegui-lo

numa outra terra.

Vibração

Vibração é o movimento da onda sonora. Ao vibrar uma corda, ob-

serva-se um movimento de vaivém, e isso nos daria o som fundamental

(chamemos primeiro harmônico). Mas, concomitante a esse movimen-

to, surge o segundo harmônico. E o ponto o, além de oscilar de o a c, de

c a o e de o a d, faz o papel de outro nó para o segundo harmônico. É

como se tivéssemos duas cordas ao e ob a vibrar. E esse movimento,

somando-se ao primeiro, vai dar como resultante forma diferente da

que teria se existisse apenas o fundamental. Como o terceiro harmônico

é como se tivéssemos três cordas menores a vibrar, dando à resultante

aspecto também diferente do que teria, caso só houvesse o segundo harmônico e o fundamental. E vêm mais outros harmônicos, e em cada

qual é como se fôssemos aumentando o número de cordas, diminuindo,

portanto, o comprimento de cada uma, e, concomitantemente, aumen-

tando sua frequência. À medida que se vai aumentando a ordem dos

harmônicos, vai diminuindo sua amplitude, chegando a um ponto que

pouco vai interferir na resultante, razão pela qual podem ser despreza-

dos os harmônicos de ordem maior (JOTA, 1981, s.v.).

Vibrante

Fonema consonantal que se caracteriza pela vibração do órgão mó-

vel da articulação, o que produz uma interrupção descontínua da cor-

rente de ar.

A vibrante é uma das subdivisões das líquidas: o /l/ é líquida e o /r/ é líquida vibrante.

Há dois tipos principais de /r/: o apical (de que o alveolar é uma va-

riedade), produzido com a vibração da ponta da língua, e o uvular, pro-

duzido com a vibração da úvula ou campainha. Os franceses os deno-

minam, respectivamente, roulé e grasseyé.

Na língua portuguesa, a articulação considerada "boa" é a roulé; é a

que se ensina nas aulas de califasia (declamação, teatro, rádio, televi-

são). Mas, na pronúncia corrente (do Rio de Janeiro, por exemplo), é o

r grasseyé que se ouve mais frequentemente.

Regionalmente, ouve-se, nas áreas paulista e sul-mineira um /r/ que

é articulado com o predorso da língua retraído na direção do alto da abóbada palatina: é o /r/ cerebral ou cacuminal.

Há duas vibrantes na língua portuguesa: o /r/ simples de caro, por

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6762

exemplo, e o /r/ múltiplo de carro, por exemplo.

Como, no mesmo ambiente fonético, funcionam com valor distinti-

vo, como se acabou de ver, muitos autores consideram cada uma dessas vibrantes como um fonema à parte. Por outros motivos, porém, Joa-

quim Matoso Câmara Júnior conclui que "a líquida vibrante é um fo-

nema único, e o /r/ brando (simples) deve ser interpretado como um

alofone de posição intervocálica".

A Nomenclatura Gramatical Brasileira inclui as vibrantes entre as

constritivas.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), vibrante se diz do fo-

nema constritivo que se caracteriza pela sucessão rápida de movimen-

tos do órgão ativo. A vibrante é uma das subdivisões das líquidas (late-

ral /l/ e vibrante /r/). A vibrante é simples (o r de caro) ou múltipla (o r

nos extremos da palavra, ou o geminado, no meio, como em rato, mar e carro). A vibrante múltipla (alveolar, ponta da língua vibra ao contato

com os alvéolos) tem uma variante uvular (vibração da úvula ao conta-

to da raiz da língua). Em tcheco, a vibrante /r/ se opõe à vibrante assibi-

lada /r/, o r velar domina hoje a França e a Alemanha. No português do

Brasil, exceto em posição intervocálica, caso em que há pares distinti-

vos (caro/carro), predomina ora o r alveolar, ora o velar, conforme a

região. O contato da vibrante é realmente oclusivo, mas há um r fricati-

vo (seja o simples, seja o múltiplo), em que a língua apenas roça a regi-

ão de contato, que ocorre na língua inglesa. Essa fricativa aparece tam-

bém no espanhol e em português, na linguagem corrente, rápida. No

espanhol, chega a desaparecer (paéce por parece), o que, em português

e em andaluz pode ocorrer somente no final de palavras (fazê(r), can-tá(r), parti(r), deci(r). O francês só conserva o r final ortograficamente.

Tanto do alveolar como do fricativo há variedades assibiladas foneti-

camente, que ocorrem respectivamente em Andaluzia e certas regiões

do Chile, México e Argentina.

Qualificam-se de vibrantes, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), as

consoantes cuja articulação se caracteriza por uma ou várias oclusões

produzidas pela vibração do ápice, dos lábios, ou da úvula, pela passa-

gem do ar. Por exemplo, o r ápico-alveolar do francês da Borgonha [r].

A articulação vibrante caracterizada por uma só oclusão é chamada

branda ou simples. A articulação vibrante caracterizada por várias

oclusões é chamada rolada (caso do r borgonhês). Em português, caro [‘karu] (branda simples), carro [‘kaRu] (rolada, forte ou múltipla).

Veja os verbetes: Alfabeto fonético internacional (AFI), Articula-

ção, Consoante, Oclusão.

José Pereira da Silva

6763

Vibrante múltipla

Termo usado na classificação fonética dos sons consonantais, com

base em seu modo de articulação, referindo-se a qualquer som feito por batidas rápidas de um órgão da articulação contra outro (neste caso, não

se considera a vibração das cordas vocais), segundo David Crystal

(1988, s.v.). Rolado e trill são os termos alternativos. Diversos dialetos

do português e do inglês usam um r articulado assim, como o português

do Rio de Janeiro e o inglês falado na Escócia e no País de Gales. Veja

os capítulos 4 e 8 de An Introduction to the Pronunciation of English,

de Arnold C. Gimson (1980) e o capítulo 7 de Fundamental Problems

in Phonetics, de John Cunnison Catford (1977).

Vibrante simples

Termo usado na classificação fonética dos sons consonantais, com

base em seu modo de articulação, segundo David Crystal (1988, s.v.). Também chamado flap, refere-se a qualquer som produzido por um

único e rápido contato entre dois órgãos da articulação (excluindo-se a

vibração das cordas vocais). Geralmente, o som ocorre no r, como em

caro, quando o ápice da língua bate contra o alvéolo. Contrasta com as

vibrantes múltiplas, articuladas com várias batidas. Alguns foneticistas

distinguem sistematicamente as vibrantes simples das taps, pois no ca-

so das primeiras o articulador que faz o contato volta à posição de re-

pouso, enquanto nas segundas isto não acontece, e o contato parece

uma rápida articulação de oclusiva. Essa distinção aparece nas línguas

haussá e tamil, mas não é comum. Veja o capítulo 7 de A Course in

Phonetics, de Peter Ladefoged (1982) e os capítulos 4 e 8 de An Intro-

duction to the Pronunciation of English, de Arnold C. Gimson (1980).

Vicária

Vicária é palavra que se emprega para evitar a repetição de outra.

Vicário

Palavra ou expressão de significação geral que pode substituir outra

de sentido mais restrito.

Os vicários podem ser nominais ou verbais, conforme sejam subs-

tantivos ou verbos de sentido geral.

Os substantivos de sentido geral constituem uma das grandes sub-

divisões da classe de palavras denominada "pronome". A palavra ho-

mem, no português arcaico, por exemplo, funcionava com valor pro-

nominal, tal como ainda hoje se dá com o francês on (do latim homo), com o inglês man, com o alemão man. O mesmo ocorre, ainda hoje,

com expressões como a gente, todo o mundo, o pessoal.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6764

As formas pessoais de tratamento apresentam vários exemplos de

vicários motivados por preocupação de modéstia ou respeito. Temos,

em português, por exemplo, para a pessoa com quem se fala: Vossa Mercê, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Reverendíssima, Vos-

sa Alteza, Vossa Majestade, Vossa Eminência e Vossa Santidade, além

de outras.

Para a pessoa que fala, ouve-se ou se lê: este seu criado, o degas, o

abaixo-assinado. Rodolfo Lenz (1863-1938) observa que "Em Java,

Coreia, Sião e no Japão, os substitutos cerimoniosos desterraram por

completo todos os verdadeiros pronomes pessoais e criaram um sistema

complicadíssimo de substitutos, cuja aprendizagem perturba muito o

europeu que não queira nem chocar por soberba, nem perder a própria

dignidade ante pessoas de condição inferior".

Os substitutos verbais mais frequentes são os verbos ser e fazer, em frase como "Se Deus castiga, é (= castiga) para alertar as almas" ou

"Ela toca piano e o faz (= toca piano) maravilhosamente".

Joaquim Matoso Câmara Júnior (1968, s.v.) encerra esse verbete

ensinando que podem se considerar também termos vicários as partícu-

las frasais sim e não que expressam por si sós a resposta a uma interro-

gação.

O verbo "fazer", por exemplo, é considerado um verbo vicário por-

que pode, numa oração, substituir qualquer outro verbo. Exemplo: "Os

ídolos antigos adorava / Como inda agora faz a gente inica" (Camões).

"Indignou-se o filho mais velho, e não queria entrar, mas o pai, saindo,

rogou-lhe que o fizesse".

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), se diz da palavra ou ex-pressão que substitui outra. Por exemplo, a pessoa que fala, quando se

representa como este seu criado, este seu amigo, este seu admirador

etc.; os pronomes pessoais de tratamento, porque substituem o pronome

pessoal direto por uma qualidade atribuída à pessoa com quem ou de

quem se fala (Sua Excelência, Vossa Majestade etc.); o pronome ele

que é, por excelência, a não pessoa, substituindo qualquer substantivo

na terceira pessoa (exemplos: a pedra... ela..., aquele rapaz... ele); os

advérbios sim e não, quando sintetizam uma resposta toda; os prono-

mes numerais em construções como Pedro e Manuel chegaram; um de

automóvel, outro de avião (este, de avião; aquele, de automóvel; o

primeiro de automóvel; o segundo, de avião). O verbo ser também po-de ser um vicário, em casos como: Se cantas é (= cantas) porque estás

alegre. É (estou fazendo isto) que meu pai pediu (resposta a Por que

José Pereira da Silva

6765

estás fazendo isto?). O verbo fazer acompanhado do pronome o (= is-

to): Ela veio a pé, mas o fez por necessidade (fez isto = veio a pé).

Vice-nome

Veja o verbete: Adnome e pronome (vice-nome).

Viciar

Viciar é falsificar um texto com uma interpretação errônea ou atra-

vés da introdução, retirada ou emenda de palavras ou frases.

Vício

Vício é o erro naquilo que se propõe como interpretação ou naquilo

que se escreve

Vício de expressão

Vício de expressão, segundo Tassilo Orpheu Spalding (1971, s.v.),

são incorreções léxicas ou sintáticas que desfiguram o estilo, compro-

metem a clareza da expressão e alteram a índole da língua. Estas incor-reções ou vícios são denominadas barbarismos, quando se referem à

palavra ou vocábulo, tomado isoladamente; no entanto, são denomina-

das solecismos, quando se referem às palavras tomadas no seu conjun-

to, isto é, dispostas no corpo da oração.

É o mesmo que vício de linguagem.

Vício de linguagem

Maneira de falar que contraria os padrões normativos fonéticos,

gramaticais ou lexicológicos de determinada língua.

Vícios de linguagem de natureza fonética são: a cacografia (erro de

escrita), a cacoépia ou cacoepia (erro de articulação) e a silabada (erro

de prosódia).

Vícios de caráter gramatical são o barbarismo (erro morfológico) e o solecismo (erro sintático).

Vícios de ordem lexicológica são o cruzamento (sentido de uma pa-

lavra e forma de palavra parecida) e a deformação (erro na fora da pa-

lavra).

Apesar de ser excessivamente parcimoniosa, a Nomenclatura Gra-

matical Brasileira alinhou entre os vícios de linguagem: o barbarismo,

a cacofonia, o preciosismo e o solecismo.

Veja o verbete: Barbarismo, Cacoepia, Cacofonia, Cacografia,

Eco, Norma culta, Palavra, Preciosismo, Queísmo, Silabada e Sole-

cismo.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6766

Vícios

Vícios, segundo João Ribeiro (1906, s.v.), são os defeitos de lingua-

gem contra o léxico, a sintaxe, a eufonia ou prosódia regular dos vocá-bulos. São denominados peregrinismo ou barbarismo, solecismo, cacó-

fato, eco etc. Alguns são puramente observados em alguns indivíduos

por defeito orgânico: lalação, mogilalismo, gaguez, tartamudez, cicio,

o fanhoso, o balbucio etc. São vícios mais ou menos condenáveis: dis-

sonância, eco (rima e consonância), arcaísmos (palavras em desuso),

equívoco (calimbur, trocadilho), cacófato (formação inesperada de pa-

lavras torpes ou mal soantes), hiato (sucessão de vogais), colisão (en-

contro de letras ásperas como os rr, os pp), hipérbato (quando exagera-

do), ambiguidade, anacolutia, homonimia, francesias, peregrinismos

etc. Alguns desses constituem elegâncias e não vícios, quando não há

desazo no empregá-los. São vícios de outra classe: o emprego ou abuso dos termos técnicos, de palavras difíceis, de construções anormais,

transpostas, de neologismos frequentes e o ornato excessivo, o asiati-

cismo do estilo. Alguns destes vícios só poderiam ser estudados em um

tratado de retórica, porque mais se referem à elocução e estilo.

Vida da linguagem

Vida da linguagem é a sucessão de transformações pelas quais pas-

sa uma língua através do tempo e do espaço. A expressão foi criada por

paralelismo com a própria vida: a língua, tal como um ser vivo, estaria

sujeita às mesmas vicissitudes: nascimento, crescimento, maturidade,

decadência e morte (JOTA, 1981, s.v.).

Vide

Vide é palavra latina equivalente a veja, ver, veja-se em, por exten-so ou sob a abreviatura v. ou vd. É palavra usada para sugerir ao leitor

que consulte uma outra passagem do mesmo texto ou uma determinada

obra.

Vide etiam

Vide etiam é a expressão latina que significa veja também, veja ain-

da, usada para remeter para uma segunda hipótese de explicação.

Videlicet

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

videlicet é a palavra latina equivalente a como é evidente. O sentido

primitivo, vivo no período arcaico, era “pode-se ver que”, “é evidente

que” e tinha como complemento uma oração infinitiva. Hoje em dia,

usa-se em textos e citações para realçar o assunto versado.

José Pereira da Silva

6767

Vídeo

Vídeo é a forma abreviada de videoclipe.

Videobanda

Videobanda é a banda magnética em que podem ser registradas

imagens e sons coordenados.

Videocassete

Videocassete é a caixa fechada que contém uma fita que permite

gravar e reproduzir sinais visuais e sonoros, também designado cassete

vídeo

Videocharge

Com as mesmas características de conteúdo e estilo da charge, o vi-

deocharge apresenta uma linguagem multissemiótica, produzida na in-

terface de várias mídias (verbais, textuais, sonoras, visuais), pois faz

uso de recursos de animação da computação gráfica, do cinema de animação, das histórias em quadrinhos e mesmo do rádio (sonorização)

(COSTA, 2018, s.v.).

Veja os verbetes: Caricatura, Cartoon, Cartum, Cartum eletrônico,

Charge, Charge eletrônica, Comics, HQs, Tira, Tirinha.

Videoclipe

Videoclipe é a curta-metragem em filme ou vídeo que ilustra uma

música e/ou apresenta o trabalho de um artista (COSTA, 2018, s.v.).

Veja os verbetes: Clipe e Vídeo.

Videoconferência

Videoconferência é a conversação, debate, discussão entre mais de

dois interlocutores, em ambiente de áudio e vídeo síncronos, realizado

por meio de computador ou telefone celular com internet. É muito usa-da em ensino a distância, reuniões, entretenimento, trabalhos coletivos

etc. (COSTA, 2018, s.v.).

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

videoconferência é a modalidade de comunicação oral e visual assente

na transmissão de sinais de vídeo por meio de canais de banda muito

larga, que permite que pessoas localizadas em lugares distantes possam

se comunicar.

Veja os verbetes: Audioconferência, Ciberconferência, Conversa,

Conversação, E-fórum, Fórum, Fórum de discussão, Fórum eletrônico

ou virtual, Grupo de discussão, Lista de discussão, Lista de distribui-

ção, Newsgroup, Teleconferência.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6768

Videoforma

Videoforma é a imagem textual ou gráfica registrada em fita magné-

tica destinada à transmissão por meios eletrônicos.

Videograma

Videograma é o registro que resulta da fixação, em suporte materi-

al, de imagens, acompanhadas ou não de sons, assim como a cópia de

obras cinematográficas ou audiovisuais.

Videolivro

Videolivro é o banco de dados onde pode estar contida a informação

equivalente à de uma grande biblioteca. Pode ser transmitida por ondas

hertzianas ou por cabo e é facilmente acessível ao usuário através de

uma tela de vídeo e um teclado.

Video-release

Com as mesmas características de conteúdo e estilo do release, o video-release se diferencia por ser gravado no suporte de vídeo, em

linguagem multissemiótica (recursos verbais, textuais, sonoros, visuais)

(COSTA, 2018, s.v.).

Veja os verbetes: Audio-release, Press release, Release.

Videotape

Videotape ou videoteipe é a fita magnética usada para gravação,

edição e reprodução de imagens, geralmente acompanhadas de sons;

sistema de gravação de imagens televisivas que utiliza como suporte

esse tipo de fita magnética; a gravação de um programa para posterior

transmissão.

Videotexto

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.), videotexto é o termo que designa os equipamentos e serviços que utili-

zam um teclado alfanumérico e uma tela para visualização de páginas

de informação; serviço interativo que, por meio do uso de procedimen-

tos normalizados, permite aos usuários de terminais de videotexto co-

municar-se com bancos de dados através das redes de telecomunica-

ções.

Veja o verbete: Viewdata.

Vidimus

Vidimus (palavra latina) é o ato pelo qual uma autoridade atesta sob

o seu selo ter visto um ato anterior com todas as características de au-

tenticidade, descrevendo eventualmente os caracteres externos, nomea-

José Pereira da Silva

6769

damente o selo e os atilhos, reproduzindo integralmente o texto sem

nada lhe modificar, a fim de dar autenticidade ao documento assim

transcrito.

Vient de paraître

Vient de paraître é a locução francesa equivalente a acaba de apare-

cer, acaba se ser publicado, frase que acompanha a publicidade de uma

obra acabada de sair.

Viewdata

Viewdata (palavra inglesa) é o sistema interativo de informação em

que através de uma linha telefônica se estabelece o contato entre o usu-

ário e o computador central. A pedido do usuário lhe é fornecido um

terminal de viewdata ou um microcomputador que funciona como tal

ou um adaptador ligado ao equipamento doméstico de televisão.

Vilancete

Vilancete é uma composição poética muito irregular quanto ao nú-

mero de sílabas de cada verso e ao número de versos. Começa por es-

tribilho ou mote, que vai sendo repetido no fim de várias estrofes (JO-

TA, 1981, s.v.).

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), vilancete ou vilhancete é um

poema lírico de velha orientação popular galego-portuguesa, surgido na

época do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516). Compunha-

se de uma estrofe (chamada mote ou cabeça), que funcionava como a

matriz do poema, seguida de um número variável de estrofes (chama-

das voltas ou pés ou glosas), em que se desenvolvia a ideia poética in-

serida no mote. Enquanto este continha no geral três versos, as voltas

podiam ter de cinco a oito versos, predominantemente de sete sílabas (redondilho maior). Por ser muitas vezes anônimo, o mote denunciava a

filiação tradicional, popular, do vilancete. “Os versos do mote podem

ser repetidos: um em cada estrofe, um só em todas, ou com variante

que a mesma palavra da rima, ao fim de cada estrofe” (CARMO, 1919,

p. 225).

Muito cultivado no século XVI (Camões e outros), o vilancete ainda

foi benquisto durante a hegemonia barroca (Sóror Violante do Céu –

1601-1693, e outros), mas caiu em esquecimento no século XVII. Para

o fim do século XIX e princípios do seguinte, retornou na poesia de

Antônio Patrício (1878-1930), Eugênio de Castro (1869-1944), Júlio

Dantas (1878-1962), João Saraiva (1866-1948), Goulart de Andrade (1881-1936).

O vilancete apresenta estrutura idêntica à do villancico espanhol.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6770

Veja o verbete: Vilancico.

Vilancico

Vilancico é o mesmo que vilancete.

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), introduzido nas letras espa-

nholas pelo Marquês de Santilhana (século XV), designava um tipo de

canção popular correspondente, na sua estrutura, ao vilancete portu-

guês: uma estrofe inicial, de dois a quatro versos (chamada refrão ou

estribilho), acompanhada de uma sequência de estrofes (glosas ou vol-

tas), que desenvolvem a ideia poética contida no refrão; cada volta se

compõe de três versos ou mais rimando entre si (constituem as mudan-

zas, na terminologia espanhola), um verso que rima com o estribilho (é

a volta propriamente dita) e a repetição do estribilho: AA, bbbaAA,

cccaAA etc. Emprega, no geral, o verso septissílabo, ou redondilho maior. Não se trata, portanto, de um poema de forma fixa.

Tal estrutura, semelhante à do virelai francês e estreitamente apa-

rentada à de outras composições medievais espanholas (o estribote, a

cantiga), provençais (a dansa), portuguesas (a cantiga de amigo) e ita-

lianas (as laude, as frottole e os madrigais), permite supor que essas

formas poéticas mergulham raízes na mesma origem, ainda envolta em

brumas (árabe e/ou litúrgica?) (ROMERALO, 1969, p. 23 e ss., 316 e

ss.).

Para o fim do século XVI, o villancico ganha caráter culto e novas

soluções estróficas, experimenta a aliança com a música, convertendo-

se “na forma mais abundante de canção lírica” (TOMÁS, 1972, p. 235),

penetra o interior das catedrais e se torna peça obrigatória de cerimô-nias religiosas (Natal, Reis, Páscoa). É com tal sentido que surge em

Portugal, na segunda metade do século XVII. O vocábulo assinalava a

extração rústica das personagens que nele intervinham: pastores, cam-

poneses, enfim, gente das vilas. Entretanto, os vilancicos pareciam,

nessa altura de sua evolução, verdadeiros autos sacramentais em minia-

tura.

A mais antiga publicação de vilancicos eclesiásticos se deu em To-

ledo, no ano de 1595, empreendida por Estevan de Zafra. E a primeira

que se fez em Portugal, graças a Manuel de Pinho, data de 1615: Vil-

lanciso y Romances a la Navidad del Niño Jesu, Nuestra Señora, y Va-

rios Santos. Não raro anônimos e escritos em espanhol, os vilancicos conhece-

ram grande aceitação até o século XVIII, quando se extinguiram por

completo: a sua trajetória corria paralela à da própria estética barroca,

José Pereira da Silva

6771

com a qual se identificavam estreitamente, embora sem exagero.

Sugere-se, como complemento a este verbete, a leitura de Manual

de versificación española, de Rudolf Baehr (1970); Vilancicos seiscen-tistas, de Darcy Damasceno (1970); La poésie lyrique espagnole et

portugaise à la fin du Moyen Âge, de Pierre Le Gentil (1949 e 1952).

Vilanela

Vilanela é um poema composto de vários tercetos e uma quadra fi-

nal, rimando, de um lado, os primeiros e terceiros versos (e o último) e

de outro, os segundos versos de cada estrofe entre si (JOTA, 1981,

s.v.).

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), primitivamente, a vilanela

consistia numa canção folclórica italiana, de temática pastoril e estrutu-

ra livre, despontada nos fins do século XV. Transitando para a França,

fixou-se como forma literária no século XVI, graças a Jean Passerat (1534-1602). E assim se manteve daí por diante: consta de tercetos,

frequentemente em número de cinco, apoiados em duas rimas, de modo

que o primeiro e o terceiro versos do primeiro terceto do poema, alter-

nadamente e repetindo juntos ao fim do poema numa quadra: a1ba2,

aba1, aba2, aba1, aba2, aba1a2.

Um segundo tipo de vilanela consta de quadras, em número variá-

vel, de modo que os dois versos finais da primeira estrofe constituem o

refrão das estrofes seguintes, dispostos em ordem alternada (MORIER,

1975, p. 1125-1126): aba1b2, abb2a1, aba1b2, abb2a1, ... aba1b2.

A vilanela, que entrara em desuso no século XVII, tornou a gozar

de relativa aceitação no século XIX, sobretudo no círculo de poetas

preocupados com experiências formais, como Andrew Lang (1844-1912), Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde (1854-1900), William Er-

nest Henley (1849-1903), Henry Austin Dobson (1840-1921), na Ingla-

terra, ou Leconte de Lisle (pseudônimo de Charles Marie Leconte,

1818-1894), na França. À mesma tendência pertencem os que, em ver-

náculo, também se exercitaram nesse terreno, como Luís Filipe Goulart

de Andrade (1933-2016), Homero Mena Barreto Prates da Silva (1890-

1957), Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968). Exem-

plo:

“Amor – chama, e, depois, fumaça... / Medita no que vais fazer: / O

fumo vem, a chama passa... // Gozo cruel, ventura escassa, / Dono do

meu e do teu ser, / Amor – chama, e, depois, fumaça... // Tanto ele queima! e, por desgraça, / Queimado o que melhor houver, / O fumo

vem, a chama passa... // Paixão puríssima ou devassa, / Triste ou feliz,

pena ou prazer, / Amor – chama, e, depois, fumaça... // A cada par que

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6772

a aurora enlaça, / Como é pungente o entardecer! / O fumo vem, a

chama passa... // Antes, todo ele é gozo e graça, / Amor, fogueira linda

a arder! / Amor – chama, e, depois, fumaça... // Porquanto, mal se satis-faça, / (Como te poderei dizer?...) / O fumo vem, a chama passa... // A

chama queima. O fumo embaça. / Tão triste que é! Mas, tem de ser... /

Amor?... – chama, e, depois, fumaça: / O fumo vem, a chama passa...”

(Manuel Bandeira, “Chama e Fumo”).

Em tempos mais recentes, a vilanela foi praticada vez por outra por

poetas como Edwin Arlington Robinson (1869-1935). Dylan Marlais

Thomas (1914-1953) e outros.

Veja o verbete: Pantum.

Vilhanesca

Vilhanesca é termo arcaico que designava poesia pastoril.

Veja o verbete: Vilancete.

Vinculação

Segundo David Crystal (1988, s.v.), trata-se de um termo usado na

linguística gerativa no final da década de 1970, com referência a uma

série de condições que formalmente associam, ou "vinculam", os ele-

mentos de uma sentença. Geralmente, o termo aparece na expressão

"regência e vinculação", que identifica a abordagem teórica. Um cons-

tituinte é vinculado se for um argumento coindexado com outro argu-

mento, que o c-comanda ("vinculação de argumento"), ou com um ope-

rador na posição complementizador ("vinculação de não argumento").

Em tais casos, os dois constituintes seriam correferenciais. Os elemen-

tos que não estão vinculados são livres. Geralmente se distinguem três

tipos de sintagmas nominais em relação à vinculação: as anáforas, os sintagmas nominais lexicais e os pronominais. As condições de vincu-

lação agem como uma espécie de filtro, especificando que estruturas

coindexadas são malformadas. Veja o capítulo 5 de Grammar, de

Frank Robert Palmer (1984) e o capítulo 11 de Transformational Syn-

tax: A Student's Guide to Chomsky's Extended Standard Theory, de

Andrew Radford (1981).

Vinculado

Termo usado na teoria de vinculação da linguística gerativa, se-

gundo David Crystal (1988, s.v.), com referência aos constituintes que

estão formalmente relacionados através da coindexação: X está vincu-

lado se for um argumento coindexado com o argumento que o c-comanda. Seu oposto é livre. Alguns constituintes (especialmente as

anáforas) precisam ser vinculados em sua categoria de regência, e al-

José Pereira da Silva

6773

guns (SNs lexicais e variáveis) devem ser livres, para que não sejam es-

truturas malformadas. Veja o capítulo 11 de Transformational Syntax:

A Student's Guide to Chomsky's Extended Standard Theory, de An-

drew Radford (1981).

Vínculo

Vínculo ou ligação é o sinal ou símbolo utilizado para ligar descri-

tores atribuídos a um mesmo documento ou, na recuperação documen-

tal, para evitar uma associação acidental destes descritores com outros;

linha ou fio que continua o radical e cobre o termo ou expressão abran-

gidos por ele.

Vinheta

Originalmente, pequenos elementos decorativos desenhados por

miniaturistas medievais nas margens dos manuscritos. Por serem moti-

vos de plantas com videiras, receberam esse nome (vignete, em francês, é o diminutivo de vigne = videira ou vinha). Trata-se, hoje, de um pe-

queno ornamento tipográfico ou ornamental, que ilustra um texto, um

livro, um capítulo etc. No discurso jornalístico, científico ou técnico,

refere-se à forma gráfica usada para caracterizar uma seção na página

de jornal ou revista: Ilustrada, Espore, Economia, Ciência, Saúde etc.

Também é empregada em rádio e televisão. Na radiofonia e na tele-

visão, trecho musical ou pequena música que se toca antes do início de

um programa de rádio ou televisão, ou separando suas seções, ou iden-

tificando o programa, a estação ou o patrocinador. Especificamente, na

televisão, pode ser desenho animado ou um texto curto ou plano fixo

de curtíssima metragem com os objetivos anteriores (COSTA, 2018,

s.v.). Veja os verbetes: Chamada, Cortina, Entrada, Flash, Frase-título,

Olho, Promo, Promoboxe, Remissão, rubrica, Título.

Vinheta de remate

Vinheta de remate é aquela que se encontra a finalizar capítulos ou

outros textos.

Vir a lume

Vir a lume é o mesmo que ser publicado, sair, ser posto à venda, vir

a público, vir à luz, ser editado, ser impresso, aparecer.

Viracento

Viracento ou vira-acento é o mesmo que apóstrofo (É o acento vi-

rado).

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6774

Virado

Virado é parte da cobertura de um livro que ultrapassa os planos e é

voltada para dentro.

Virelai

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), virelai é um poema lírico

francês, desenvolvido no século XIII, sob o nome de vireli, desinativo

de um refrão de dança. Na centúria seguinte, por contágio ou falsa ana-

logia com o lai, assumiu a forma em que se fixou. Nessa mesma época,

desligou-se da música e passou também a ser conhecido como chanson

balladée, decerto pela semelhança, ainda que relativa, com a balada.

Cultivavam-no, entre outros, os poetas Guillaume de Machaut (c.1300-

1377), Eustache Deschamps (1328-1415) e Jean Froissart (c.1337-

c.1405).

Idêntico, na estrutura, ao vilancete português e ao vilancico espa-nhol, o virelai é composto de um refrão ou estribilho, formado geral-

mente de dois versos, seguido de várias estrofes (as voltas), que glosam

a imagem poética transmitida pelo estribilho. E cada volta apresenta

três versos de rima comum, um verso que rima com o estribilho e a re-

petição do dístico inicial. No conjunto, pois, o virelai obedece ao se-

guinte esquema estrófico: AA, bbbaAA, cccaAA, etc.

O virelai é raro fora dos quadros da literatura francesa.

Sugere-se, como complemento a este verbete, a leitura de La poésie

lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen Âge, de Pierre Le

Gentil (1949 e 1952) e Dictionnaire de poétique et de rhétorique, de

Henri Morier (1975).

Vírgula

Sinal de pontuação que indica pequena pausa na leitura.

São os seguintes, os principais empregos da vírgula:

a) Para separar termos justapostos. Exemplo: "Vim, vi, venci".

b) Para separar os termos intercalados. Exemplo: "Foi a excelência

da Constituição, diz Tucídides, o que assegurou a Esparta o primeiro

lugar na Grécia". (Rui Barbosa)

c) Para separar termos deslocados da sua posição normal na frase

(inversão). Exemplo: "E a tolerância, que vem a ser senão a observân-

cia da igualdade legal?" (Rui Barbosa)

d) Para separar partículas, palavras ou expressões interpostas: pois

(conclusivo), porém, isto é, ou antes, aliás, parece-me etc. e) Para separar vocativos. Exemplo: "Quem te ensinou, guerreira

branco, a linguagem de meus irmãos?" (José de Alencar)

José Pereira da Silva

6775

f) Para separar apostos. Exemplo: "Pelas vossas mãos dadivosas...

Petrópolis, a encantadora cidade dos jardins, a pérola das nossas

montanhas, a filha do Rei filósofo, ... também ela contribuirá". (Rui Barbosa)

g) Para separar orações coordenadas, não iniciadas por e. Exemplo:

"O sino da liberdade não terá de dobrar sobre o sepulcro dos juízes,

mas sobre o ignominioso trespasse da república". (Rui Barbosa)

h) Para separar orações subordinadas, principalmente quando lon-

gas ou postas antes da principal. Exemplo: "Quando as leis cessam de

proteger os nossos adversários, virtualmente cessa de proteger-nos".

(Rui Barbosa)

i) Para indicar a supressão do verbo. Exemplo: "Eu sou empregado

público; / Tu (subentende-se serás), minha noiva bem cedo". (Artur

Azevedo) j) Para separar as orações adjetivas explicativas, claras ou latentes.

Exemplo: "O ideal, que era a liberdade, esmagou para sempre o inte-

resse, que era o cativeiro". (Rui Barbosa)

A palavra vírgula significa, etimologicamente, varinha e, daí, pe-

queno traço.

Veja o verbete: Adjunto adverbial, Aposto, Conjunção, Elipse, Fun-

ção sintática, Nome, Numeral cardinal, Oração, Ordem direta, Pala-

vra, Período composto, Ponto e vírgula, Pontuação, Sinal gráfico, Su-

jeito, Termo, Travessão, Verbo e Vocativo.

Virtual

Virtual é o que é imaterial, lembra Walmírio Macedo (2012, s.v.).

Portanto, o complemento de lugar virtual é aquele que indica um lugar imaterial. Exemplo: "Na minha inteligência, o fato se passou de forma

diferente".

Em linguística, os adjetivos virtual e atual devem ser compreendi-

dos, segundo Jean Dubois et al. (1998, s.v.), nos termos da oposição

saussuriana entre língua e fala. Para Ferdinand de Saussure (1857-

1913), a língua é o domínio das virtualidades, enquanto a fala é uma

realidade atual. A linguística pós-saussuriana cuidará de induzir, a par-

tir de um corpus (atual) de fatos de fala, a língua (virtual) que os sus-

tém. Sem dúvida, dever-se-ia, a partir daí, distinguir radicalmente como

virtual tudo o que pertence à língua e, como tal, tudo o que pertence à

fala. Assim, falar de fonema atual é inadequado, pois o fonema é a uni-dade fonológica (da língua) que corresponde ao som, unidade fonética

(da fala). Todavia, Charles Bally (1865-1947), preocupado com o estu-

do da atualização, isto é, a realização da língua em fala, distinguem fo-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6776

nema virtual e fonema atualizado: um fonema é virtual enquanto é iso-

lado, considerado em si, mas é atualizado desde que figure numa cadeia

falada significativa. Para Bernard Pottier (1978), a diferença entre de-notação e conotação remete à oposição entre atual e virtual. Assim, di-

ante dos semas atuais de vermelho, que permitem à classificação do

vermelho entre as cores, se considerará sema virtual de "vermelho",

que permitirá a conotação perigo, numa determinada combinação de

discurso. O conjunto dos semas virtuais constitui o virtuema, elemento

do classema.

Virtuema

Na terminologia de Bernard Pottier (1978), o virtuema é um conjun-

to de semas que constitui o elemento variável da significação de uma

unidade léxica. Esses semas variáveis, segundo Jean Dubois et al.

(1998, s.v.), são conotativos, isto é, só se atualizam em determinadas combinações do discurso. Por exemplo, o adjetivo vermelho possuirá

para muitos falantes um sema, perigo, que só se atualiza em certos con-

textos. O conjunto de semas atuais do adjetivo vermelho (perigo + clas-

sificação política + X) constituirá o virtuema da unidade léxica verme-

lho. O virtuema é, portanto, uma parte do conteúdo sêmico da unidade

léxica: o grupo de semas conotativos por ele constituído entra em com-

binação com os semas denotativos do classema e do semantema para

constituir o semema.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), o virtuema varia de in-

tensidade conforme o grau de probabilidade de aparecer no enunciado.

No exemplo Vi uma garça branca no lago, é claro que garça não suge-

re nem branco (já que muitas coisas podem ser brancas), nem lago (também muitas outras coisas podem ser vistas no lago). Mas tais asso-

ciações são muito prováveis. Como também Vi uma garça voando. Mas

haverá uma virtualidade muito fraca em Vi uma garça perneta, Vi uma

garça depenada, chegando mesmo ao absurdo Vi uma garça preta na-

dando num lago.

Visão do mundo

Veja o verbete: Cosmovisão.

Visarga

Visarga é a impressão acústica de aspiração surda em que se trans-

forma o s final, em decorrência de a corrente aérea se deter bruscamen-

te após a emissão da vogal anterior (JOTA, 1981, s.v.).

José Pereira da Silva

6777

Visto

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

visto é a fórmula que é colocada em alguns documentos, em alguns tex-tos ou originais de imprensa pelo editor, chefe de redação ou outro res-

ponsável pela publicação, dando autorização para que o texto seja di-

vulgado. Aprovação de livros religiosos; declaração posta num docu-

mento por uma autoridade ou por quem a substitui com a finalidade de

o autenticar ou validar.

Veja o verbete: Imprimatur.

Visto de tiragem

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

visto de tiragem ou ordem de impressão é a indicação escrita pelo autor

ou revisor nas últimas provas revistas, informando o impressor de que

pode imprimir o texto de acordo com aquelas provas e do número e da-

ta da ordem de impressão.

Vitela

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

vitela é a designação do couro de vitela ou vaca curtido, com superfície

lisa e brilhante. De cor castanha, clara ou escura, é empregado na enca-

dernação desde a alta Antiguidade. No século XVIII, utilizou-se tam-

bém vitela marmoreada, granitada, escamada ou pórfiro. A partir do

Romantismo, começou-se a tingir por vezes a vitela de cores vivas. É o

pergaminho mais fino, feito a partir de couro de animal novo (pergami-

nho virgem ou vitela uterina) ou que foi morto recém-nascido, para cu-

jo tratamento não foi necessário o uso da cal. O couro fino, a reduzida

acumulação de gorduras e a falta de pelo do jovem animal davam ori-gem a um couro macio, liso e suave, flexível e fino em que é difícil dis-

tinguir a olho nu a parte do pelo e a da carne. Tipo de papel assim de-

signado pela sua semelhança com o couro usado nos códices.

Vitela jaspeada

Vitela jaspeada ou vitela marmoreada é o couro de vitela colorido

ou pintado de modo a produzir um efeito semelhante ao de uma super-

fície marmórea.

Vitulinium

Veja o verbete: Velino.

Vitulus

Vitulus (palavra latina) é o couro de vitela a partir do qual se fazia o

velino e o pergaminho.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6778

Viva (língua viva)

Língua viva é toda língua que é o meio básico de comunicação oral

entre os membros de uma sociedade. Assim, o conceito de língua viva decorre, essencialmente, do seu uso na fala, embora daí resulte em re-

gra o seu uso na escrita; mas há casos de língua viva exclusivamente

oral (como muitos falares regionais, em que a língua comum do país é

que é usada na escrita) e até complementando-se na sociedade com

uma língua escrita que é língua morta.

Conjugação viva é aquela em que podem ser formados novos ver-

bos, como é o caso da primeira conjugação na língua portuguesa.

Viver da pena

Viver da pena é fazer da escrita a forma de ganhar a vida.

Vivido

Qualificativo de um tipo de discurso ou estilo em que as palavras de terceiros são reproduzidas em tom de discurso direto, mas sob a forma

gramatical (verbo na terceira pessoa do verbo no passado) de discurso

indireto.

A denominação é de Etienne Lorck (1860-1933): "erlebte Rede".

Todavia, o primeiro a chamar a atenção para o assunto foi Charles

Bally (1865-1947), numa série de artigos sob o título Le Style Indirect

Libre en Français Moderne (em 1912, na Germanisch-romanische

Monatsschrift). O livro de Etienne Lorck é de 1921.

Vocabulário

Elenco das palavras de uma língua, organizado em função de algum

caráter parcial digno de nota, podendo ser acompanhado ou não dos

respectivos significados. Posta assim, à parte, a significação da palavra na língua comum,

podem ser organizados vocabulários tendo em vista a grafia (vocabulá-

rio ortográfico), a acentuação tônica (vocabulário prosódico), a correta

emissão dos fonemas (vocabulário ortoépico), o emprego num determi-

nado autor (vocabulário anexo a um romance, por exemplo), a filosofia

de uma escola literária (vocabulário do Romantismo, por exemplo), o

uso de uma região (vocabulário regional) etc.

Na técnica da lexicografia, vocabulários são os registros de vocábu-

los sem a respectiva significação, em contraste com o dicionário. As-

sim, temos o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que rela-

ciona os vocábulos em ordem alfabética, para registrar sua grafia corre-ta. Veja o capítulo 4 de Aspects of Language, de Dwight L. Bolinger e

Donald A. Sears (1981).

José Pereira da Silva

6779

Vocabulário fonético é o vocabulário encarado sob o ponto de vista

de fonação, como lembra Walmírio Macedo (2012, s.v.), enquanto o

vocabulário significativo é o vocabulário encarado sob o ponto de vista de significação. Assim, um vocábulo fonético pode abranger mais de

um vocábulo significativo. Em Tu me viste, há três vocábulos significa-

tivos: "tu", "me" e "viste", mas só um vocábulo fonético: tumiviste. Em

vous aimez, não podemos distinguir dois vocábulos, mas encontramos

vous em outras situações. Esta é a "realidade linguística do vocábulo".

Num sentido banal, atestado desde o século XVIII, um vocabulário

é uma lista de palavras. Assim, Jacques-Philippe-Augustin Douchet e

Nicolas Beauzée (1717-1789) escreveram na Encyclopédie de d'Alem-

bert e Diderot, publicada em 1784: "O vocabulário é simplesmente o

catálogo das palavras de uma língua, e cada língua tem o seu". Portan-

to, de acordo com essa definição, várias obras com objetivo pedagógi-co, receberão o nome de vocabulário.

Na terminologia linguística, vocabulário é uma lista exaustiva das

ocorrências que figuram num corpus. Todavia, a oposição entre léxico

e vocabulário nem sempre é feita: em expressões como vocabulário-

base, vocabulário comum, vocabulário geral, vocabulário do francês

elementar e vocabulário ortográfico, nada indica se as palavras que

constam na lista figuram enquanto ocorrências levantadas num corpus,

ou enquanto unidades da língua.

Nenhum dos linguistas estruturalistas faz, aliás, esta oposição.

Louis Hjelmslev (1899-1965) emprega, indiferentemente, os termos lé-

xico e vocabulário. Todavia, é um bom método opor léxico, que trata

das unidades da língua, e vocabulário, com lista das unidades da fala. Por exemplo: a estatística léxica, que trabalha com as ocorrências le-

vantadas num corpus, e, portanto, com o vocabulário de um texto, de

um autor ou de uma época, procura induzir as potencialidades léxicas

(o léxico). Trabalhando num corpus, a lexicologia estrutural só pode

visar ao vocabulário: nessa ótica, o léxico (que, aliás, só poderia ser o

léxico de uma língua) pode, com efeito, ser induzido unicamente da

soma dos vocabulários estudados (nos diversos corpora levantados).

Para a gramática gerativa, o problema se põe com menos acuidade:

como o modelo da performance foi provisoriamente afastado, apenas o

léxico deve ser integrado na gramática. É a análise do discurso que vol-

ta a propor essa questão a partir de um novo ponto de vista: com as po-tencialidades léxicas se atualizam num vocabulário? Reformulando o

conceito de competência, a análise do discurso é levada a rever a dico-

tomia léxico versus vocabulário à luz de uma problemática do sujeito

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6780

da enunciação.

O termo vocabulário fica plenamente motivado nos estudos sobre

corpora especializados: vocabulário da aviação, vocabulário político etc.

Para Robert Léon Wagner (1967), "o termo vocabulário designa,

convencionalmente, um domínio do léxico que se presta a um inventá-

rio e a uma descrição".

Segundo Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2006,

s.v.), o termo vocabulário é, no uso corrente, compreendido como um

sinônimo de léxico, essas duas unidades lexicais designando um con-

junto de palavras.

EM LINGUÍSTICA

O estatístico Charles Müller (1967) estabeleceu uma distinção entre o léxico – que se relaciona com o que Ferdinand de Saussure (1972)

chama de língua – e o vocabulário – que se inscreve na fala, ou seja,

no discurso. Posteriormente, essa distinção foi retomada por lexicólo-

gos como Robert Léon Wagner (1967, p. 17), que instaura uma relação

de inclusão entre o léxico, definido como o “conjunto de palavras por

meio das quais os membros de uma comunidade linguística se comuni-

cam entre si”, e o vocabulário, que vem a ser “um domínio do léxico

que se presta a um inventário e a uma descrição”. Jacqueline Picoche,

sem problematizar essa bipartição, a explica diferentemente propondo

“chamar de léxico o conjunto de palavras que uma língua coloca à dis-

posição dos locutores, e vocabulário o conjunto de palavras utilizadas

por um dado locutor em dadas circunstâncias”. (PICOCHE, 1977, p. 45)

EM ANÁLISE DO DISCURSO

É o funcionamento das palavras no discurso que interessa essenci-

almente aos analistas. Os vocábulos, isto é, as unidades lexicais reali-

zadas em um discurso (em oposição aos lexemas que são unidades vir-

tuais) constituem, nesta perspectiva, um dado observável pertinente. Na

observação de discursos especializados (e até de vulgarização), o exa-

me dos vocábulos ligados ao domínio é incontornável. Por exemplo, o

desconhecimento do vocabulário médico torna perigosa a interpretação

de uma receita aviada por um especialista. Sublinha-se, entretanto, que a atenção dispensada ao vocabulário não exclui o reconhecimento da

existência de um sistema lexical que preside à atualização das unidades

em discurso, o que leva a afirmar que a distinção léxico/vocabulário é

José Pereira da Silva

6781

fundamentada no princípio de uma relação interativa entre língua e dis-

curso. Essa relação se manifesta com uma intensidade particular quan-

do se introduz, por exemplo, no interior de uma comunidade discursiva, uma designação correferencial a uma denominação anterior, mas não

necessariamente neológica – o que corresponde ao que denominamos

de neonímia (CUSIN-BERCHE, 1998), para destacar que a inovação,

nesse caso, é essencialmente discursiva. Constata-se, com efeito, que o

novo uso que modifica a relação denominativa estabelecida anterior-

mente é suscetível de provocar uma modificação semântica do vocábu-

lo em questão e, como consequência, da representação que se tinha do

lexema. Por exemplo, a introdução, no domínio empresarial francês,

em concorrência com a denominação directeur (diretor), da designação

manageur – em uso anteriormente no meio esportivo (entraîner = trei-

nador) e artístico (imprèsario = enpresário) – amplificou a visibilidade do traço dirigeant (dirigente) – menos saliente nos empregos anterior-

mente usados.

Segundo Sérgio Roberto Costa (2018, s.v.), historicamente, na Ida-

de Média e na Renascença, vocabulário é um conjunto parcial ou total

dos vocábulos de uma língua, apresentado também em ordem alfabéti-

ca. Quando acresce as significações respectivas de cada palavra ou lo-

cução registrada, equivale ao dicionário. Como conjunto de termos que

são característicos de determinado campo de conhecimento ou ativida-

de, e sua codificação, com ou sem definições, equivale ao glossário

(COSTA, 2018, s.v.).

Veja os verbetes: Blogário, Ciberblogário, Ciberglossário, Dicio-

nário, Dicionário eletrônico, Discurso, Enciclopédia, Especialidade (discurso de / língua de –), Glossário, Lexema/vocábulo, Léxico, Nu-

pédia, Paradigma definicional/designacional, Twictionary, Webopédia,

Wikipédia.

Vocabulário ativo

Vocabulário ativo é aquele que é usado correntemente, quando se

fala ou escreve.

Vocabulário científico

Vocabulário científico é o conjunto de termos próprios de uma área

científica, usados por um grupo sociocultural e profissional.

Vocabulário comum

Vocabulário comum é o conjunto das formas que são atestadas em cada uma das partes do corpus, correspondendo a uma zona lexical

comum a todos os falantes de uma comunidade.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6782

Vocabulário corrente

Vocabulário corrente é o conjunto, teoricamente definido, que é

composto por termos que são usados por grupos socioculturais diver-

sos.

Vocabulário de base

Vocabulário de base é o conjunto de formas do corpus que, para um

limiar fixado, não apresenta especificidade (positiva ou negativa) em

nenhuma das partes.

Vocabulário de especialidade

Vocabulário de especialidade é a terminologia referente à lingua-

gem de determinado ramo do saber.

Vocabulário de indexação

Vocabulário de indexação ou linguagem de indexação é a lista de

termos usados na indexação de documentos.

Vocabulário fundamental

Vocabulário fundamental é a terminologia básica que representa

uma primeira fase no ensino; aprendizagem em especial de uma língua

estrangeira.

Vocabulário passivo

Vocabulário passivo é aquele que é conhecido, mas que não é utili-

zado com frequência.

Vocabulário técnico

Vocabulário técnico é o conjunto de termos próprios de uma arte ou

ciência, que é usado por um determinado grupo profissional e sociocul-

tural.

Vocabulário técnico-científico

Vocabulário técnico-científico ou vocabulário tecnológico é o con-

junto de termos próprios de domínios que ligam aspectos científicos,

técnicos e tecnológicos.

Vocabulário visual

Vocabulário visual é o conjunto das formas escritas (palavras, sin-

tagmas) memorizadas pelo sujeito.

Vocábulo

Vocábulo é a palavra considerada sob o aspecto fônico ou gráfico.

Desse ponto de vista, as classificações mais importantes dizem respeito

ao número de sílabas e à posição do acento tônico. Trata-se, portanto,

José Pereira da Silva

6783

da unidade do vocabulário, enquanto forma material, equivalendo-se a

uma palavra, não se levando em conta o seu conteúdo lexical.

Quanto ao número de sílabas, os vocábulos podem ser monossíla-bos (com apenas uma sílaba: mel), dissílabos (com duas sílabas: mola),

trissílabos (três sílabas: maleta), polissílabos (mais de três sílabas:

marmelada).

Quanto ao acento tônico, os vocábulos se classificam em átonos e

tônicos, sendo considerados vocábulos tônicos todos os que possuem

uma sílaba tônica. Neste caso, são chamados oxítonos os vocábulos que

têm acento tônico na última sílaba; paroxítonos, os que têm acento tô-

nico na penúltima sílaba; e proparoxítonos, os que têm acento tônico na

antepenúltima sílaba.

Normalmente, só podem ser considerados vocábulos átonos os que

têm apenas uma sílaba, e são os artigos, alguns pronomes, as preposi-ções e as conjunções.

Além do acento tônico principal, pode acontecer que certos vocábu-

los polissílabos apresentem um ou mais acentos secundários. Exem-

plos: cautelosamente. A sílaba men possui o acento principal; a sílaba

lo um primeiro acento secundário, e a sílaba cau, um segundo acento

secundário (ou acento terciário). Os vocábulos átonos se agregam ao

vocábulo tônico precedente ou seguintes, formando com ele um só gru-

po fonético, constituído de sílaba tônica e sílabas átonas que gravitam

em torno dele.

Os vocábulos átonos que se juntam, foneticamente, ao vocábulo se-

guinte se chamam proclíticos. Exemplo: o livro (pronúncia: ulívru), de

Pedro (pronúncia dipêdru). Os vocábulos átonos que se juntam foneticamente ao vocábulo pre-

cedente se chamam enclíticos. Exemplo: aluga-se (pronúncia: alúgas-

si).

Em português, só podem ser enclíticos os pronomes pessoais oblí-

quos.

O fenômeno da próclise dá origem ao vocábulo bisesdrúxulo ou so-

bredáctilo, isto é, com acento tônico na pré-antepenúltima sílaba.

Exemplo: recuse-se-lhe (pronúncia: recúsissilhi).

Em português, ainda existem os vocábulos átonos mesoclíticos, que

são pronomes oblíquos átonos que se colocam no interior das formas

verbais do futuro do presente ou do futuro do pretérito, como em amá-lo-ei ou em amá-lo-ía (pronúncias: amaluei e amaluía).

Joaquim Matoso Câmara Júnior (1968, s.v.) acrescenta outras in-

formações importantes sobre o vocábulo, como veremos a seguir.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6784

Do ponto de vista da fonação, acrescenta, o vocábulo corresponde a

uma divisão fonológica intermediária entre a sílaba e o grupo de força.

Como forma linguística, sequência de fonemas, resultante dessa divi-são, que é – a) forma livre (que pode constituir por si só uma frase) ou

– b) forma dependente (que pode desprender-se na frase de outra forma

a que necessariamente se liga, pela intercalação livre de outras formas

ou pela mudança de posição). Assim, em "o livro de Pedro", temos du-

as formas livres (Pedro e livro) e duas formas dependentes (o e de).

Na língua portuguesa, a estrutura fônica do vocábulo, como forma

livre, compreende: 1) uma ou mais sílabas, classificando-se os vocábu-

los em monossílabos, dissílabos, trissílabos ou polissílabos; 2) um

acento tônico na última, penúltima ou antepenúltima sílaba. Em pala-

vras de três ou mais sílabas, é possível ter um acento secundário antes

do acento primário, como se pode ver nas palavras somente, jacarezi-nho e bondosamente, em que o acento principal está na penúltima síla-

ba e o secundário, anteriormente, em "so", "re" e "do", respectivamen-

te.

Como forma dependente, o vocábulo é monossílabo ou dissílabo, e

pode ser apenas um clítico, integrado, sem acentuação própria, na

enunciação de outro vocábulo contíguo.

Na frase, a individualidade dos vocábulos é prejudicada pela juntu-

ra fechada dentro de um grupo de força, quando falta pausa de um vo-

cábulo para outro e se dá o enfraquecimento do acento de cada vocábu-

lo em proveito de um único, que é o do vocábulo mais importante do

grupo. Assim, em hábil idade, temos a ligação do /l/ final com o /i/ ini-

cial e uma sequência contínua /abilidadi/. Não obstante, mantém-se a delimitação vocabular por causa do acento secundário a que se reduziu

o de hábil e pela distribuição dos graus de atonicidade, que são diferen-

tes dos de habilidade, vocábulo único.

Quanto à estrutura mórfica, o vocábulo é indivisível, constituído de

uma única forma mínima: um morfema – de, ou um semantema, sem

afixo – mar; ou divisível, com mais de uma forma mínima (exemplo:

mares), podendo os ser – a) simples (semantema e afixos flexionais) –

exemplo: mares; ou b) complexos por derivação ou por composição –

Exemplos: marulho, maremoto.

Do ponto de vista da significação, os vocábulos podem ser lexicais

(palavras que encerram um semantema) e gramaticais (se são mera-mente morfemas). Pela significação e pela função na frase, os vocábu-

los se distribuem em classes ou categorias lexicais, as chamadas classes

de vocábulos.

José Pereira da Silva

6785

Na escrita, a praxe tradicional é separar os vocábulos por um espaço

em branco. Contudo, em documentos do português arcaico, isto nem

sempre se fazia. Veja o verbete: Acento gráfico, Consoante, Dissílabo, Ditongo de-

crescente, Encontro consonantal, Fonema, Fonética, Monossílabo,

Oxítono, Palavra, Paroxítono, Polissílabo, Proparoxítono, Semivogal,

Sílaba, Tonicidade, Trissílabo e Vogal.

Vocábulo auxiliar

Vocábulo auxiliar é o vocábulo que exerce a função de morfema.

Em vou amanhã, o verbo é semantema, mas em vou cantar, o vou está

apenas dando ao cantar caráter de futuro próximo (é um morfema)

(JOTA, 1981, s.v.).

Vocábulo clítico

Vocábulo clítico ou vocábulo átono é o vocábulo que, destituído de acento, se apoia no antecedente ou no seguinte.

Veja o verbete: Ênclise e Próclise.

Vocábulo expressivo

Veja o verbete: Onomatopeia e Expressividade.

Vocábulo fonético

Vocábulo fonético é a palavra ou conjunto de palavras subordinadas

a um acento dominante. No português Não vou lá, apesar de haver três

vocábulo, há apenas um vocábulo fonético, cujo acento dominante está

no final [nãwvowlá ou nũvowlá]. Essa unidade fonética (grupo de força

ou grupo de intensidade) levou alguns linguistas a negar a realidade do

vocábulo semântico. Entretanto, esse é facilmente depreendido pela

permutação. Realmente, comparando aquele vocábulo fonético com [nũvaylá], [nũvownãw], [vowlá] etc., logo deduzimos que aquelas síla-

bas [nũ], [vow] e [lá] são portadores de sentido e, pois, são palavras.

De qualquer maneira, porém, a unidade fonética depois do vocábulo

fonético é a sílaba e não a palavra (JOTA, 1981, s.v.).

Veja o verbete: Grupo fônico.

Vocábulo fonológico

O vocábulo fonológico pode diferir do vocábulo gramatical. O vo-

cábulo canto é a única realização de dois vocábulos gramaticais (canto

da sala e canto do pássaro), pois cada qual tem uma função distintiva e

combinatória diferente na frase.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6786

Vocábulo gramatical

Vocábulo gramatical é uma entidade abstrata de função distintiva e

combinatória. Ele constitui um complexo de elementos de expressão, complexo esse realizado através do vocábulo fonológico. Observe-se

que ambos são entidades abstratas. O vocábulo fonológico representado

graficamente por canto é a única realização de dois vocábulos gramati-

cais, porque cada qual com função distintiva e combinatória diferentes

na frase: canto da sala / canto do pássaro. De maneira contrária, ganho

e ganhado são realizações substanciais gráfica e fônica do mesmo vo-

cábulo gramatical, mas de dois vocábulos fonológicos (JOTA, 1981,

s.v.).

Vocábulo não cultural

Vocábulo não cultural ou vocábulo nuclear é o que, por sua im-

prescindibilidade em qualquer comunidade, não é específico de ne-nhuma cultura. Nomes designativos de partes do corpo, e outros como

dormir, nascer, morrer etc. são exemplos (JOTA, 1981, s.v.).

Vocábulo/lexema

Veja o verbete: Vocabulário/léxico.

Vocábulos mortos

Veja o verbete: Vocábulos vivos.

Vocábulos vivos

Vocábulos vivos são os que exprimem ação, empregados, pois, em

função verbal, em oposição aos vocábulos mortos (ou vocábulos passi-

vos), os de função nominal (JOTA, 1981, s.v.).

Vocabulum

Vocabulum (palavra latina) é o nome de uma coisa, palavra, termo,

vocábulo ou o nome próprio.

Vocação enunciativa

Segundo Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2006,

s.v.), essa noção, introduzida por Dominique Maingueneau (1984, p.

147), procura dar conta do fato de que um dado posicionamento filtra

uma certa população de locutores, que ela define tacitamente “as con-

dições que levam um sujeito a se inserir, ou, mais especificamente, a se

sentir ‘chamado’ a se inserir”. Um posicionamento, com efeito, não é

somente uma doutrina, é um dispositivo que, por sua própria natureza,

qualifica ou desqualifica certos tipos de locutores. É desse modo que os

autores ligados, na França, ao discurso humanista devoto (século

José Pereira da Silva

6787

XVIII), pertencem sobretudo às ordens religiosas regulares, no interior

das quais exercem responsabilidades: esse tipo de estatuto está estrei-

tamente ligado à doutrina defendida por essa corrente religiosa. Da mesma maneira, o discurso tecnocrático seleciona locutores que te-

nham um perfil determinado: o dos especialistas econômicos mais do

que o dos padres ou dos artistas.

Veja o verbete: Posicionamento.

Vocal

Vocal ou oral é uma das grandes categorias usadas para a classifi-

cação dos sons da fala.

Veja o verbete: Canal.

Vocálico

Adjetivo relativo a vogal, é um dos traços de classe principal esta-

belecidos por fonólogos gerativistas em sua teoria fonológica de traços distintivos. Segundo David Crystal (1988, s.v.), articulatória e linguis-

ticamente, os sons vocálicos são aqueles produzidos quando há uma

passagem livre do ar através do aparelho fonador – a construção mais

radical na cavidade oral não excede a que ocorre no [i] e [u] – as cor-

das vocais estão posicionadas de forma a permitir sons sonoros espon-

taneamente. Acusticamente, há uma estrutura de formante nitidamente

definida. Seu oposto, o som não vocálico, não tem uma ou outra dessas

condições. Veja o capítulo 9 de A Course in Phonetics, de Peter Lade-

foged (1982) e o capítulo 2 de Phonology: Theory and Analysis, de

Larry M. Hyman (1975).

Vocalismo

Sistema de vogais de uma língua ou, na gramática histórica, estudo da evolução dos fonemas vocálicos de uma língua comum primitiva pa-

ra cada uma das línguas em que se foi diferenciando ao longo do tem-

po.

Assim, tem o nome de vocalismo, na fonética histórica da língua

portuguesa, o estudo da transformação das dez vogais latinas (cinco

longas e cinco breves) nas sete vocais tônicas portuguesas e nas cinco

átonas.

No vocalismo, predominou o acento. Por isso, cumpre estudar, se-

paradamente, o vocalismo tônico do vocalismo átono e, neste, distin-

guir entre vogais iniciais, mediais (pretônicas e postônicas) e finais.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), vocalismo é o estudo da evolução das vogais de uma língua comum para cada uma das línguas a

que deu origem. O vocalismo latino, com suas dez vogais, teve sua

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6788

evolução condicionada à posição da vogal e do acento tônico, além da

característica fundamental de ter evoluído a quantidade para o timbre.

Em sílaba tônica: ā ou ă > a; ē > e; ĕ > é; ī > i; ĭ > ê; ŏ > ó; ō ou ŭ > ô e ū > u. Em sílaba átona final, as vogais latinas evoluíram para a, e e o.

As mediais pretônicas caíam ou não, de acordo com as consoantes vizi-

nhas, e as postônicas caíam em geral, para fugirem aos proparoxítonos.

O vocalismo indo-europeu, caracterizado pela alternância quantita-

tiva ou qualitativa, ou ambas, representava papel relevante na estrutura

da língua. O sistema de alternâncias apresentava seis graus: ĕ (grau

normal), ŏ (grau flectido), e ǝ (reduzido), ē, ō e grau zero (ausência de

vogal). No sânscrito, grego e nas línguas germânicas ainda se observa

muito do vocalismo indo-europeu. Exemplos: grego pétomai / eptómen

/ potáomai (ĕ/zero/o); patér / patéres / patrón (ĕ, ē, zero) etc. No latim,

contudo, alguns traços sobreviveram, como os exemplos vistos em al-ternância comprovam. A raiz indo-europeia kel (ocultar), por exemplo,

aparece no grego kalypto, koleos, no latim occulare, cella, clandesti-

nus, cilium, ocultare, color. Mas essas reminiscências não são privadas

das raízes; aparecem também nos sufixos e nas desinências, e ainda nos

prefixos, que eram semantemas livres. O Prof. Romanelli, em Os Prefi-

xos Latinos, nos dá exemplos elucidativos. O sufixo indo-europeu ter:

latim inter (grau normal), creator (grau ō), creatrix (grau zero); a desi-

nência indo-europeia és (genitivo singular): latim regis (< *reges, grau

normal), senatus (< *senatuos, grau ŏ), familias (genitivo antigo; grau

zero). O grau reduzido aparece em latim sob a forma de ă. Quanto aos

ditongos, o vocalismo também se faz presente: latim fĭdo (de *feido, ra-

iz indo-europeia *bheid) etc. (JOTA, 1981, s.v.). Veja o verbete: Acento de intensidade, Latim, Língua portuguesa,

Quantidade, Timbre e Vogal.

Vocalismo mínimo

Vocalismo mínimo é o sistema de três vogais (aberta, fechada e in-

termediária) da linguagem infantil, antes de desenvolver o vocalismo

integral. Geralmente essas vogais são a, i e u (JOTA, 1981, s.v.).

Vocalização

Passagem de fonema consonantal a vocálico.

Na evolução do latim para o português, verificaram-se várias voca-

lizações. O tipo de vogal em que se convertem essas consoantes é o

mais fechado, ou seja, i ou u. As consoantes só se vocalizam quando agrupadas.

Das oclusivas, a que mais se vocaliza é o c, no grupo ct. Passa, en-

José Pereira da Silva

6789

tão, para it ou ut: factu > feito; actu > auto; lectu > leito; doctore >

doutor; nocte > noite; fructu > fruito (arcaico) > fruto.

Mas outras oclusivas também podem se vocalizar, como o p de pt em conceptu > conceito; baptizare > bautizar > batizar; o b de bs em

absente > ausente; o d de dr em cathedra > cadeira e o g de gr em

flagrare > cheirar.

Das constritivas, vocaliza-se o l (em i ou u), quando é a primeira

consoante de vários grupos consonantais. Exemplos: alteru > outro;

palpare > poupar; multo > muito. Veja o primeiro capítulo de Funda-

mental Problems in Phonetics, de John Cunnison Catford (1977).

Veja o verbete: Consoante, Língua portuguesa, Metrplasmo, Norma

culta e Vogal.

Vocaloide

Vocaloide é o erre (r) capaz de funcionar como fonema em sílaba tônica.

Veja o verbete: Consonantoide.

Vocativo

Função sintática que consiste no chamamento ou interpelação.

O vocativo se coloca entre vírgulas, porque não se enquadra na es-

trutura da fase, o que, na linguagem oral, se traduz por uma entoação

diferente. Exemplo: "Bendita seja, Senhor, a mão que tantas graças em

mim tem derramado". (Rui Barbosa, A Mão do Senhor)

O vocativo pode ser precedido de interjeição, quase sempre "ó".

Exemplo: "Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito / A estas crianci-

nhas tem respeito". (Camões, Os Lusíadas, III, 127)

Em línguas que têm declinação, como o latim e o grego, ocorre o caso vocativo; mas, na maior parte das vezes, se confunde, formalmen-

te, com o nominativo.

Pode figurar isolado (Exemplo: Professor!...) ou concatenado numa

oração (Exemplo: Estou muito feliz, meus amigos!...) Veja o capítulo 7

de Introdução à linguística teórica, de John Lyons (1979) e o capítulo

10 de A Comprehensive Grammar of the English Language, de Rando-

lph Quirk et al. (1985).

Quando empregado para interpelar de modo enfático, constitui figu-

ra de pensamento denominada apóstrofe, como se pode ver no poema

“Acalanto de Ouro Preto”, de Murilo Mendes, em seu livro Poesia

Completa & Prosa (1994, p. 535): “Dorme, Ouro Preto, dorme / Teu sono de solidão. / Dorme, Ouro Preto, dorme / O sono da mineração. /

Encobre, Ouro Preto, encobre / Teus espectros familiares, / Tuas pobres

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6790

almas penadas, / No centro da cerração”.

Vocativo, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), é o caso das línguas

flexionais utilizado para expressar a função de apóstrofe. Exemplos: o latim Domine, veni!, “Senhor, vem!” (retirado de Les Structures du La-

tin, de Serbat). A instabilidade de marcação casual da função vocativa,

em latim, conduziu ao seu desaparecimento morfológico. Explica-se,

geralmente, essa instabilidade, que se manifesta pela concorrência des-

de o latim clássico entre o vocativo e o nominativo, pela redundância

do morfema flexional com a configuração entonativa do segmento des-

tacado alocutivo, que forma o traço verdadeiramente pertinente para o

reconhecimento da construção.

O termo vocativo tem, igualmente, empregos em gramática e em

semântica discursiva onde alterna, sobretudo, com o termo apóstrofe ou

com o termo de endereçamento. Visa-se, então, a função vocativa tanto no sentido gramatical como no sentido enunciativo.

Veja os verbetes: Alocução, Apóstrofe, Destaque, Discurso, Figura

de pensamento, Função apelativa, Imperativo, Interjeição, Língua,

Pessoa, Ponto de exclamação, Ponto e vírgula, Pontuação, Termo,

Termo de endereçamento e Vírgula.

Vocoide

Termo inventado pelo foneticista Kenneth Lee Pike (1912-2000)

para ajudar a distinguir as noções fonética e fonológica de vogal. Se-

gundo David Crystal (1988, s.v.), foneticamente, uma vogal é um som

que não tem nenhum fechamento ou estreitamento a ponto de produzir

uma fricção observável. Fonologicamente, é uma unidade que funciona

no centro das sílabas. Nos casos de [l], [r] [w] e [j], porém, esses crité-rios não coincidem, pois são parecidos com vogais, com função conso-

nantal. Para evitar confusões, Kenneth Lee Pike propôs o termo vocoi-

de para os sons caracterizados pela definição fonética, ficando o termo

vogal reservado para o sentido fonológico. Seu oposto é contoide. Veja

o capítulo 5 de Elements of General Phonetics, David Abercombrie

(1967) e o capítulo 4 de An Introduction to the Pronunciation of En-

glish, de Arnold C. Gimson (1980).

Veja o verbete: Contoide.

Vogais

Segundo Ana Ruth Moresco Miranda (CEALE, Glossário, s.v.),

vogais são os sons produzidos pelo aparelho fonador humano sem obs-trução à passagem do ar que sai dos pulmões. As vogais podem ser de-

finidas articulatoriamente com base em cinco parâmetros principais: al-

José Pereira da Silva

6791

tura da língua (baixa, média, alta); avanço da língua (mais ou menos

posterior); posição dos lábios (arredondados ou não); posição do véu

palatino ou palato mole (abaixado ou levantado, saída do ar pela cavi-dade nasal e oral, respectivamente); e posição das pregas vocais (glote

aberta ou fechada, isto é, sem ou com vibração na passagem do ar). No

caso das vogais portuguesas, há sempre vibração das pregas durante a

produção, o que as caracteriza como sonoras.

No que diz respeito à fonologia, o sistema vocálico do português

apresenta características peculiares. São sete os fonemas vocálicos na

língua que, com base no parâmetro da altura, podem ser assim distribu-

ídos: uma vogal baixa, /a/, como em casa; quatro vogais médias, sendo

duas média-baixas /ɛ, ɔ/, como em bela e bola, e duas média-altas /e, o/,

como em dedo e doce; e duas vogais altas, como em fila e fumo. A pe-

culiaridade do sistema vocálico fica por conta da perda de distintivida-de dos fonemas quando estão em posição não tônica, o que resulta da

diminuição de contrastes. As formas derivadas de palavras como bela e

bola sofrem mudanças em relação à qualidade da vogal média que pas-

sará de média-baixa para média-alta, como exemplificam as palavras

beleza e bolita. A neutralização é um fenômeno que elimina o contraste

existente entre esses fonemas na posição átona e também diante de

consoantes nasais - observe-se que não temos na língua palavras com

vogal média-baixa antes de consoante nasal, temos pente mas não

“pɛnte”. Essa neutralização é responsável pela possibilidade de varia-

ção nos distintos dialetos brasileiros, a partir da qual ouvimos pronún-

cias diferentes para um mesmo fonema vocálico. Pode-se dizer, por

exemplo, ‘b[ɛ]leza’ na Bahia e ‘b[e]leza’ no Rio Grande do Sul; ‘quent[e]’ em Cruz Alta e ‘quent[i]’ em Porto Alegre. É também em

consequência da neutralização que fenômenos variáveis tais como a

Harmonia Vocálica (HV) e o Alçamento podem ser observados, o que

resulta nas alternâncias entre [e~i] e [o~u], em produções de palavras

como “minino” e “curuja”, por HV, e “buneca” e “sinhora”, por Alça-

mento.

Para a representação ortográfica dos sete fonemas que constituem o

sistema vocálico do português e das variadas formas fonéticas observa-

das na língua, o sistema dispõe de cinco grafemas (“a”, “e”, “i”, “o”,

“u”), mais os acentos agudo e circunflexo e o til, que servem para mar-

car a nasalidade das vogais. A relação letra/som/fonema não é estável em razão da gama de variações observada nos distintos dialetos. No

que tange à relação entre a forma fonológica e a forma ortográfica das

vogais, é possível observar um alto grau de isomorfismo; a exceção fica

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6792

por conta dos grafemas vocálicos “e” e “o” que na fonologia se desdo-

bram em /e/-/ɛ/ e /o/-/ɔ/.

Sugere-se, para complementar o verbete, a leitura de Estrutura da língua portuguesa, de Joaquim Matoso Câmara Jr. (1995).

Veja os verbetes: Consoantes, Fonema, Fonética, Fonologia, Gra-

fema, Ortografia.

Vogais cardinais

Vogais cardinais ou vogais cardeais é o conjunto de pontos de refe-

rência padronizados, elaborado pelo foneticista britânico Daniel Jones

(1881-1967), para fornecer um meio preciso de identificar as vogais de

uma língua. O sistema de vogais cardinais se baseia em uma combina-

ção de critérios articulatórios e auditivos. São recunhocidos quatro ní-

veis teóricos de elevação da língua: (1) a posição mais alta que a língua

pode manter sem produzir uma fricção observável; (2) a posição mais baixa que a língua é capaz de atingir; (3) e (4) dois pontos intermediá-

rios equidistantes. Com a parte anterior da língua, são produzidos qua-

tro tipos primários de vogais, que recebem os seguintes símbolos (do

mais alto ao mais baixo): [i], [e], [ɛ] e [a]. Com o dorso da língua, são

produzidas mais quatro vogais primárias, simbolizadas como (da mais

baixa para a mais alta): [ɒ], [ɔ], [o] e [u] – as três últimas com arredon-

damento dos lábios. Além disso, estes valores primários são codifica-

dos numericamente de 1 a 8, respectivamente.

Invertendo a posição dos lábios, é produzida uma série secundária

de vogai: o arredondamento dos lábios nas vogais anteriores produz (da

alta para a baixa): [y], [ø], [œ] e [ɶ]; [a] é o equivalente arredondado

do cardinal 5, e [ʌ], [ȣ] e [ɯ] são os equivalentes não arredondados dos cardinais 6, 7 e 8, respectivamente. O códico numérico da série secun-

dária vai de 9 a 16. Duas outras vogais cardinais representam o ponto

mais alto que o centro da língua pode atingir: são simbolizadas por [ɨ]

para a vogal não arredondada e [ʉ] para a arredondada, codificados

com 17 e 18 respectivamente. O sistema todo geralmente é apresentado

na forma de um "diagrama de vogal cardinal" ou "quadrilátiro de vogal

cardinal", cujo objetivo é dar um quadro aproximado do grau e da dire-

ção do movimento da língua na produção das vogais. Linhas adicionais

ajudam a delimitar a área das vogais centrais. É importante salientar

que as vogais cardinais não são realmente vogais: são pontos de refe-

rência invariáveis (disponíveis em gravações), que devem ser aprendi-das de cor. Uma vez aprendidas, os foneticistas podem usá-las para lo-

calizar a posição das vogais de uma língua ou comparar as vogais de

diferentes línguas ou dialetos. Ficam seguros que as vogais se situarão

José Pereira da Silva

6793

em algum lugar dentro das demarcações da área cardinal. Marcas dia-

críticas ajudam a localizar a posição das vogais com maior precisão

(Exemplo: um gancho abaixo da vogal significa que a articulação é

mais aberta do que o valor cardina – como em [ę] ; um ponto abaixo da

vogal significa a articulçaõa é mais fechada – como em [e].

Diversas outras sugestões acerca da melhor maneira de dividir a

área da articulação das vogais foram propostas, mas o sistema de Dani-

el Jones ainda é o mais usado. Veja o capítulo 4 de An Introduction to the Pronunciation of English, Arnold C. Gimson (1980) e o capítulo 9

de Fundamental Problems in Phonetics, de John Cunnison Catford

(1977).

Diagrama de vogal cardinal. Disponível em:

http://www.oarquivo.com.br/variedades/ciencia-e-tecnologia/4197-

alfabeto-fon%C3%A9tico,-c%C3%B3digo-q,-otan-e-

interncacional.html

Vogais tensas

Vogais tensas são as que se articulam com grau de tensão dos ór-

gãos, em oposição às vogais frouxas. A tensão das vogais i e u as faz se

aproximarem respectivamente de nosso ê e ô; é como se déssemos a abertura do ê (ou ô) e emitíssemos i (ou u). As vogais longas são ten-

sas; as breves, frouxas. Representam-se as tensas com minúsculas, e as

frouxas com maiúsculas: [i], [I] (tensas); [u], [U] (frouxas) (JOTA,

1981, s.v.).

Vogal

Fonema que se produz sem interrupção da coluna de ar proveniente

dos pulmões, que vem ressoar na cavidade bucal (vogal oral), ou nas

cavidades bucal e nasal simultaneamente (vogal nasal).

Quanto à articulação, classificam-se as vogais em: anteriores ou pa-

latais (a língua avança na direção dos lábios e se eleva ligeiramente na

ponta); posteriores ou velares (a língua recua na direção do véu do pa-

ladar, com ligeira elevação do pós-dorso); fundamental (a língua se mantém na posição de repouso, sem avançar nem recuar).

As vogais: /e/ e /i/ são anteriores; as vogais: /o/ e /u/ são posteriores

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6794

e a vogal /a/ é fundamental.

Quanto ao grau de abrimento, o /a/ é a vogal que se produz com

maior distância entre os órgãos articuladores. O /i/, na séria palatal, e o /u/, na série velar, são os mais fechados. O /e/, na série palatal, e o /o/,

na série velar, ocupam uma posição intermediária, formando um siste-

ma triangular.

A classificação da vogal vai depender do critério estabelecido. Ob-

serve, a seguir, que o quadro das vogais orais é diferente do quadro das

vogais nasais:

Considerando-se que as vogais abertas /ε/ e /ɔ/ são sempre orais em

português, veja como fica o quadro geral das vogais orais:

O sistema triangular não possui par opositivo para a vogal a.

Quando essa oposição existe, o sistema toma o nome de quadrangular.

Há fonólogos que caracterizam o sistema de vogais tônicas do portu-

guês de Portugal como quadrangular, na base da oposição fonossemân-

tica entre amamos (presente) e amámos (passado).

Quanto ao timbre, as vogais podem ser abertas (á, é, ó) ou fechadas

(â, ê, ô). No português de Portugal ocorre a vogal a oral fechada (em

cada, por exemplo, em relação ao a tônico). A Nomenclatura Gramati-

cal Brasileira admite vogais reduzidas, por exemplo, em níveo, névoa.

Há uma distinção secundária entre vogais arredondadas (/o/, /u/) e vogais não arredondadas (/e/, /i/), conforme haja arredondamento ou

José Pereira da Silva

6795

distensão dos lábios.

Quanto ao efeito acústico, as vogais anteriores se dizem claras e as

posteriores, obscuras. Das claras, o i é agudo; das obscuras, o u é gra-ve. O a se chama vogal brilhante ("éclatante").

Quanto ao acento, classificam-se as vogais em tônicas, subtônicas e

átonas. Uma vogal de sílaba subtônica também é subtônica (o ô em

avozinho, por exemplo).

Quanto à quantidade ou duração, podem ser longas ou breves. O

português, como as demais línguas românicas, não possui oposição

quantitativa com valor representativo. A quantidade se usa apenas para

efeitos expressivos (em Boniiiito!, por exemplo). Mas nas línguas de

ritmo quantitativo, como o grego e o latim, a oposição quantitativa

(longa-breve) tem valor distintivo no sistema. Cícero, por exemplo, nos

diz que o ator que errasse em quantidade no palco levantava protestos do público.

Dialetalmente, tanto no Brasil como em Portugal, a chamada pro-

núncia padrão das vogais sofre numerosas alterações (mènino, minino;

róba, vale (e não vali) naviu, para o português do Brasil). Veja os capí-

tulos 4, 5 e 7 de An Introduction to the Pronunciation of English, de

Arnold C. Gimson (1980), o capítulo 4 de Linguística geral, de Robert

Henry Robins (1981) e o capítulo 9 de A Course in Phonetics, de Peter

Ladefoged (1982).

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), vogal é o fonema para

cuja articulação a corrente de ar não encontra obstáculo. De acordo

com a caixa de ressonância (volume e conformação), e a posição dos

lábios e da língua, a corrente aérea, já sonorizada pelas cordas vocais, vai tomando timbres diversos, que vão, no português, do i ao u, passan-

do por ê, é, a, ó e ô. As vogais se classificam quanto à zona de articula-

ção (em anteriores, média – central para outros – e porseriores), ao

timbre (em abertas, fechadas e reduzidas), ao papel das cavidades bu-

cal e nasal (em orais e nasais) e à intensidade (em tônicas e átonas).

Dois outros critérios ainda existem, não incluídos na Nomenclatura

Gramatical Brasileira: posição da língua e conformação dos lábios. No

caso da posição da língua, classificam-se as vogais em baixa (a), mé-

dias (é, ê, ó e ô) e altas (i e u); no caso da conformação dos lábios, as

vogais se dizem arredondadas ou labiais (que são as nossas vogais

posteriores) e não arredondadas (as nossas anteriores). Levando-se em consideração não ser correto enquadrar o a como

vogal média (bastando ver que no sistema quadrado o a é anterior e o

outro a, que não temos, posterior), casando a zona de articulação com a

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6796

posição da língua, temos, em português do Brasil: vogal anterior baixa

(a), anterior média de primeiro grau (é), anterior média de segundo

grau (ê), anterior alta (i), posterior média de primeiro grau (ó), posterior média de segundo grau (ô) e posterior alta (u). A consideração do arre-

dondamento ou não arredondamento das nossas vogais só tem impor-

tância no conjunto com outras línguas, onde esse critério tem caráter

fonológica, como o francês vu / vie, meuler / mêler e o alemão spülen /

splielen, por exemplo. Além dessas, há vogais intermediárias, como as

que combinam o adiantamento da língua com o arredondamento dos

lábios, ou a retração da língua com a retração dos lábios. Nossas vogais

anteriores (ê, é e i) são não arredondadas. Se combinamos a abertura do

ê e do é com o arredondamento dos lábios, temos, respectivamente o

[ö] e o [œ] do francês: peu, peur. Portanto, o [ö] é a combinação da po-

sição da língua para é e posição dos lábios para ô; o [œ] é a combinação da posição da língua para é e posição dos lábios para ó. E se tentamos

dar ao i português o arredondamento dos lábios, teremos o [ü] francês:

pur. Se ao nosso i (posição dos lábios) combinamos a retração da lín-

gua (posição para o u), temos o î do romeno mîna (foneticamente [w],

m invertido). Ao grau de abrimento intermediário de [w] e [a] corres-

ponde o ă da mesma palavra romena mîna. O fonema [bl] russo exige

os lábios para a prolação do i, mas a língua em posição intermediária

entre i e u. Também intermediária é a vogal neutra, como o são as vo-

gais tensas.

No ponto de vista fonético, a diferença entre vogal e consoante se

pauta na articulação, no fonológico, o caráter de poder ou não formar o

núcleo silábico. Portanto, vogal não se opõe a consoante, mas a constri-tiva (aspecto fonético); da mesma forma, consoante não se opõe a vo-

gal, mas a sonante (aspecto fonológico). Daí o motivo pelo qual tanto a

vogal pode ser consoante (o i e u nos ditongos) e uma constritiva pode

ser sonante (s, r, l, m, n, de acordo com a língua). Constritiva, aqui,

significando os fonemas, quer de constrição parcial, quer de constrição

total (caso em que as constritivas se opõem às oclusivas, como se cos-

tuma fazer, quando se opõe vogal a consoante). O ormanli (turco) tem

oito vogais: a, e, i, ï, o, ö, u e y. No entanto, /o, a, ö e e/, fechadas; /o, u,

a e ï/ são abertas, opostas a /u, ï, y ou ü e i/, fechadas; /o, u, a e ï/ são

posteriores, opondo-se a /ö, y, e e i/, anteriores; /o, u, ö e y/, arredonda-

das, em oposição a /a, ï, e e y/, não arredondadas. O francês tem um e longo (tête), além de e e i arredondados. No inglês, o sistema é maior: i

(beat), i (bit), ɛ (bed), ӕ (bad), Λ (but), ӡ (bird), ǝ (about), a (bain), α

(born), U (bush), u (boon). As vogais podem se distinguir pelo timbre e

José Pereira da Silva

6797

pelo grau de abertura (acusticamente, o grau de densidade ou de difu-

são dos formantes). O sistema de vogais pode ser linear, quando as vo-

gais se distinguem pelo grau de abertura, mas não pelo timbre; quadra-do, quando se distinguem pelo grau de abertura e pelo timbre; triangu-

lar, quando se distinguem como o quadrado, exceto na vogal mais

aberta.

Segundo Robert Lawrence Trask (2015, s.v.), vogal é qualquer som

da fala produzido sem obstrução do fluxo de ar. Do ponto de vista da

fonética, há interesse em dividir os sons da fala em dois tipos, confor-

me são produzidos com ou sem uma obstrução significativa do fluxo do

ar. Os primeiros são consoantes; os outros, vogais.

Pronunciando algumas vogais, como [a], [i] e [u], é possível perce-

ber que o fluxo do ar ao longo do trato vocal não sofre impedimento. O

que faz com que uma vogal soe diferente de outra é o tamanho e a for-ma do espaço no interior da boca: a mandíbula está alta ou baixa, a lín-

gua está alga ou baixa, estando levantada na frente ou no dorso; os lá-

bios podem adotar uma posição arredondada ou alongada na posição

horizontal. Essas variações afetam a maneira como o ar ressoa na boca,

e são responsáveis pelas diferentes qualidades sonoras das vogais.

Certos sons da fala que, estritamente, são vogais, são tratados como

consoantes, por razões que serão expostas a seguir. Por exemplo, o som

representado em inglês por y, como em yes e yard (sim, jarda), cujo

símbolo fonético é [j], de fato não é nada mais do que uma versão vre-

ve da vogal [i], que aparece em see (ver), e o [w] de weed (erva dani-

nha) e war (guerra) também é uma versão breve da vogal [u], que apa-

rece em moon (lua). Além do mais, para a maioria dos falantes de in-glês, o /r/ inicial de red é de fato apenas uma vogal levemente estranha,

que se pronuncia levantando alguma parte da língua. Ainda assim, to-

dos esses sons costumam ser classificados como consoantes.

A razão para isso é que há uma segunda maneira de definir as vo-

gais e as consoantes, e essa segunda maneira dá resultados diferentes da

primeira. Essa segunda abordagem é preferida em fonologia, em que o

principal interesse é pelo modo como os sons funcionam, e não por sua

natureza articulatória ou acústica. E a questão é que os sons que aca-

bamos de mencionar, embora sejam vogais de um ponto de vista foné-

tico, se comportam como consoantes em inglês.

Uma sílaba sempre contém um pico de sonoridade, uma parte que é pronunciada com volume maior e é mais sonora do que o resto, e, na

maioria das línguas, inclusive no inglês e no português, esse pico preci-

sa ser uma vogal. Na maioria das sílabas, essa vogal é precedida e/ou

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6798

seguida por um certo número de consoantes. Habitualmente, essas con-

soantes são consoantes em ambas as definições, com o em key (chave)

/ki:/, e eat (comer) /i:t/, sat (ele/ela se sentou) /sæt/, slap (estapear) /slæp/ e fleeced (laduno) /fli:st/. Todavia, os sons /j/, /w/ e /r/ se encai-

xam no padrão das consoantes, não no das vogais, como se pode ver

em yes (sim) /jes/, wet (molhado) /wet/ e red (vermelho) /red/, e, conse-

quentemente, são classificados como consoantes, a despeito de sua na-

tureza fonética.

Ao cruzar com a palavra vogal, torna-se, pois, necessário verificar

se está sendo usada em sentido fonético ou fonológico.

Segundo Franck Neveu (2008, s.v.), vogal é o tipo de som produzi-

do pela fonação, caracterizado por um livre escapamento do ar através

do canal bucal, por distinção com as consoantes. As vogais resultam de

uma vibração periódica do ar provocada pelo movimento das cordas vocais. Sua configuração varia de acordo com a forma tomada pelos

ressonadores.

Como leituras complementares, Robert Lawrence Trask sugere o

capítulo 4 de A Course in Phonetics, de Peter Ladefoged; o capítulo 9

de The Sounds of the World’s Languages, de Peter Ladefoged e Ian

Maddieson; e o capítulo 10 de Principles of Phonetics, de John Laver.

Veja os verbetes: Abertura, Alfabeto fonético internacional (AFI),

Anterior, Apofonia, Arredondamento, Articulação, Central, Consoante,

Ditongo, Fonema, Formante, Glide, Hiato, Labial, Letra, Líquida, Me-

tafonia, Monotongo, Nasal, Oral, Posterior, Quantidade, Retroflexa,

Schwa, Sílaba, Som da fala, Timbre, Tonicidade, Travamento, Triton-

go, Velar, Yod e Zona de articulação.

Vogal aberta

A vogal aberta, segundo Maria Margarida de Andrade (2009, s.v.),

é produzida com menor grau de elevação da língua contra o palato: a

/a/, e /ε/, o /ɔ/. Exemplos: vaso /vazu/, rádio /Radyo/, dez /dεz/, pedra

/pεdra/, voz /vɔz/, roda /Rɔda/.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), vogal aberta é a que

exige maior distância dos órgãos articulatórios que outra vogal da

mesma articulação (dita fechada): ó (oposto a ô) e é (oposto a ê). As

vogais abertas só se opõem às fechadas correspondentes em posição tô-

nica. Como postônico não final, o e é fechado, podendo se neutralizar

com o i (exemplo: célebre) e o o se neutraliza com o u, podendo ser fe-chado também, principalmente no sul do Brasil (exemplo: óbolo). Co-

mo postônico final, o e se neutraliza com i e o o se neutraliza com u,

como se pode ver em ríspido, célere etc. Como pretônico, o e se realiza

José Pereira da Silva

6799

[é], [ê] ou [i], e o o se realiza [ó], [ô] ou [u], sendo que o timbre aberto

é mais regional (principalmente no Nordeste do Brasil). Exemplos:

passear, voar, coruja. Portanto, há exceções, como se pode ver em mo-rar / murar, embora não seja constante a oposição em comprido / cum-

prido, comprimento / cumprimento. Em Portugal, nesse caso, o quadro

é um pouco diferente. Vogal aberta se opõe a vogal fechada.

Veja o verbete: Abertura, Boca, Língua, Timbre e Vogal.

Vogal acentuada

Vogal que tem maior proeminência no enunciado e recebe o acento

primário ou acento tônico. Vogais tônicas em português podem ocorrer

em oxítonas (ipê), paroxítonas (casa) ou proparoxítona (sílaba).

Vogal aguda

Vogal aguda é a vogal palatal. Na articulação dessas vogais, o res-

sonador bucal se divide e a faringe se alarga. Daí porque sua nota ca-racterística é mais alta que a correspondente vogal grave (ou vogal ve-

lar), para cuja emissão não se divide o ressonador, mas a faringe se es-

treita (JOTA, 1981, s.v.).

Veja o verbete: Timbre.

Vogal alta

Vogal alta é aquela cuja emissão se faz com alto grau de elevação

da língua, como i e u, tanto orais quanto nasais (/i/, /i/, /u/, /ũ/), deixan-

do, portanto, um abrimento mínimo. Ou seja, as vogais altas são tam-

bém as vogais mais fechadas. Exemplos: Saci /sasi/, assim /asi/, Cuca

/kuka/ e nunca /nuka/.

Veja como fica o quadro completo das vogais da língua portuguesa,

incluindo as vogais orais e as nasais no mesmo esquema:

Vogal alta se opõe a vogal baixa.

Veja o verbete: Língua, Palato e Vogal.

Vogal ambígua

Vogal ambígua é a vogal que podia ser breve ou longa, como, no

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6800

grego antigo, o alfa, o iota e o ípsilon, em contraste com o épsilon e o

ômicron (sempre verves) e o eta e o ômega (sempre longos) (JOTA,

1981, s.v.).

Vogal analisada

Vogal analisada ou nasalizada.

Veja o verbete: Nasalidade.

Vogal anterior

Vogal anterior ou vogal palatal é a vogal cujo ponto de articulação

se situa na parte anterior da cavidade bucal: é /ε/, ê /e/, /e/, i /i/, /i/.

Exemplos: café /kafε/, você /vose/, vencer /veser/, Saci /sasi/, saindo

/saido/. Em outras palavras, é a vogal para cuja emissão a ponta da lín-

gua vai se aproximando do palato (é, ê, i).

No triângulo das vogais, observe:

Vogal anterior se opõe a vogal posterior.

Veja o verbete: Lábio, Língua, Palato, Triângulo das vogais e Vo-

gal.

Vogal arredondada

A Vogal arredondada ou vogal labial se realiza com arredonda-

mento dos lábios: ó, ô, u. Exemplos: cipó /sipɔ/, avô /avo/ e nambu

/nãbu/.

Vogal áspera

Vogal áspera ou vogal forte é qualquer das vogais (a, e ou o, no

grego) em oposição a e e u, ditas suaves ou fracas.

Vogal assilábica

Vogal assilábica é o mesmo que semivogal.

José Pereira da Silva

6801

Vogal átona

Vogal átona, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.), é a vogal

emitida com menor intensidade quando comparada com a vogal tônica. Esta atonicidade se estende à sílaba como um todo. Exemplos: árvore,

emigrar, leite, casa.

A vogal átona pode ser pretônica, como as duas primeiras da pala-

vra emigrar e a primeira da palavra jornal, ou postônica, como as duas

últimas da palavra árvore, ou a última da palavra casa.

Vogal átona se opõe a vogal tônica.

Veja o verbete: Atonicidade, Intensidade, Sílaba e Vogal.

Vogal átona postônica

Vogal átona postônica, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004,

s.v.), é a vogal átona que, dentro do vocábulo, sucede a tônica, esten-

dendo-se à sílaba como um todo. Exemplos: dedo, árvore, exército e vaca.

Nesta posição, desaparece a oposição fonética entre /ε/ e /e/ e entre

/ɔ/ e /o/, e a vogal /a/ se torna fraca. Além disso, as vogais /e/ e /o/ ten-

dem, no Brasil, a ser pronunciadas /i/ e /u/, não havendo, portanto, dife-

rença fonética entre jure (verbo jurar) e júri (substantivo), entre anos e

ânus. Nesta posição fonética, as sete vogais tônicas se reduzem a três:

/a/, /i/ e /u/.

Veja o verbete: Sílaba, Substantivo, Verbo, Vocábulo e Vogal.

Vogal átona pretônica

Vogal átona postônica, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004,

s.v.), é a vogal átona que, dentro do vocábulo, antecede a tônica, esten-

dendo-se à sílaba como um todo. Exemplos: emigrar, imigrar, compri-mento, cumprimento, atoleiro. Nesta posição, desaparece a diferença

entre /ε/ e /e/, entre /ɔ/ e /o/, e a vogal /a/ se torna fraca. Além disso, as

vogais /e/ e /o/ tendem, em algumas regiões do Brasil, a ser pronuncia-

das /i/ e /u/, não havendo, portanto, diferença fonética entre emigrar e

imigrar, comprimento e cumprimento. Nesta posição fonética, as sete

vogais tônicas orais podem se reduzir a cinco (/a/, /e/, /i/, /o/, /u/ ou /a/,

/ε/, /i/, /ɔ/, /u/), ou mesmo a três (/a/, /i/, /u/). As vogais médias costu-

mam ser fechadas no em grande parte do Brasil, principalmente no Su-

deste, e abertas em outras partes, como no Nordeste, sendo que as na-

sais nunca são abertas em nenhuma região.

Veja o verbete: Sílaba, Vocábulo e Vogal.

Vogal baixa

A Vogal baixa é produzida sem elevação da língua, ou seja, a vogal

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6802

em cuja produção a língua fica em completo repouso, sem obstrução à

corrente de ar dos pulmões. São as vogais /a/ e /ã/, no português do

Brasil. Em Portugal ocorre também a vogal /ɐ/, em posição átona. Exemplos: caso /kazu/, árvore /arvore/, bela /bεla/ ou /bεlɐ/, rosa /Rɔza/

ou /Rɔzɐ/, lã /lã/ e órfã /orfã/.

Vogal baixa se opõe a vogal alta.

Veja o verbete: Língua e Vogal.

Vogal base

Veja Ditongo e Tritongo.

Vogal breve

Também denominada vogal curta ou monotongo.

Veja o verbete: Vogal leve.

Vogal cardeal

Ponto de referência fixo e imutável da área vocálica. Um monoton-go é caracterizado como um conjunto de pontos fixos e imutáveis. Os

ditongos são descritos como a transição ou o deslocamento entre dois

pontos fixos. O sistema ou método de vogais cardeais oferece a possi-

bilidade de caracterizar qualquer segmento vocálico em qualquer lín-

gua, apresentando adicionalmente o correlato acústico através da inte-

ração dos valores dos formantes (F1 e F2 ou formante 1 e formante 2).

Vogal cardinal

Vogal cardinal é a vogal de qualidades acústicas conhecidas e posi-

ção definida da língua e dos lábios.

Vogal central

A Vogal central é uma vogal cuja pronúncia acontece com a ajuda

da parte média do dorso da língua, próximo da parte central da abóbada palatina. As vogais centrais portuguesas /a/, /ã/ e /ɐ/, assim como as an-

teriores, não são arredondadas. Exemplos: casa /kaza/ ou /kazɐ/, mato

/mato/, lâmpada /lãpada/ ou /lãpɐdɐ/.

Para alguns autores, a vogal central pode se denominar média.

Veja o verbete: Boca, lábio, Língua, Triângulo das vogais, Vogal e

Zona de articulação.

Vogal clara

Vogal clara é cada uma das vogais palatais, em oposição às vogais

obscuras, surdas ou velares.

José Pereira da Silva

6803

Vogal contracta

Vogal contracta é a vogal proveniente de contração. Em cor (latim

colorem) o o é vogal contracta.

Vogal de apoio

Vogal que se desenvolve no interior de um grupo consonantal ou

após consoante final e que faz de uma consoante pré-consonantal ou

pós-vocálica uma pré-vocálica.

O gênio da língua portuguesa não favorece os encontros consonân-

ticos impróprios nem as consoantes finais que não sejam l, r, s, ou z.

Nesses casos, tende a fazer das consoantes unicamente fonemas pré-

vocálicos. Isto explica deformações como adimissão, *adevogado,

*abissoluto, *diguinar-se, opitar, invíquito, *pineu etc.

Ela ocorre também no final de palavras, por paragoge, por exem-

plo, porque as formas vernáculas do português ocorrem por vogal ou pelas consoantes l, r, s ou z. Exemplos: bonde (do inglês bond), chique

(do francês chic), cpipe (inglês clip), beque (back), bigue (big), boxe

(inglês box) etc.

No português do Brasil, a tendência é articular como pré-vocálica

qualquer consoante. Essa tendência, como é óbvio, se acentua nas clas-

ses populares.

Algumas epênteses e paragoges já estão consagradas, como bife,

boxe, buldogue, cavanhaque, chique, conhaque, craque, futebol, golfe,

lorde, piquenique, pingue-pongue, ponche, recorde, ringue, sanduíche,

tanque, teste, tique, toste, truste, turfe e vermute, por exemplo.

Como se vê, a vogal de apoio é /e/ ([i]), e ocorre também no início

de palavras (por prótese), para evitar o /s/ impuro (pré-consonântico). Exemplo: escore (score), esporte (sport), esnobe (snob), estoque

(stock) etc.

Vogal de ataque

Vogal de ataque é o mesmo que vogal protética.

Vogal de composição

Vogal de composição é o mesmo que vogal de ligação.

Vogal de infecção

Veja o verbete: Infecção.

Vogal de ligação

Fonema vocálico (silábico) que serve para unir dois elementos mór-

ficos numa derivação ou composição. Exemplos: camoniano, torriense, parisiense; boquiaberto, gasômetro, manietar, sanguissedento.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6804

Observe-se que a vogal de ligação é um fonema parasita. Ele não

afeta a significação das palavras, mas ocorre por eufonia ou por analo-

gia, para evitar encontros silábicos desagradáveis, ou por imitação for-mal de palavras mais conhecidas. Distingue-se, pois, nitidamente, dos

afixos, que têm relevância mórfica. Por isso, é um desacerto considerar

as vogais de ligação como infixos.

A vogal de ligação dá variantes de sufixo ou sufixos mistos. As

terminações -iano e -iense, por exemplo, são sufixos mistos, isto é, os

sufixos -ano e -ense acrescidos da vogal de ligação i.

A vogal de ligação se insere, em regra, no lugar da vogal temática

ou da desinência. Exemplos: pontiagudo (ponta + agudo); fruticultura

(fruto + cultura), arbitrariedade (arbitrário + dade); sanguissedento

(sangue + sedento); boquiaberto (boca + aberto).

As vogais de ligação mais frequentes são i e o. A vogal i, como fo-nema de ligação, é de origem latina. Exemplos: frutífero (fructiferu),

agrícola, silvícola, terrígeno, noctívago etc. Mas a vogal de ligação o é

de origem grega. Exemplos: geografia, biblioteca, aeronave, fotogra-

fia, gasômetro.

Ocorrem outras vogais para efeito de ligação, mas são mais raras.

Assim, e nas derivações verbais da primeira conjugação: guerrear, la-

dear, trotear, vaguear (cf. vagar), ziguezaguear (cf. ziguezagar). A

vogal u também ocorre, por exemplo, em atuar, estadual, habituar, si-

tuar, unduoso, como se vê, de origem latina.

Esse quase generalidade, segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.),

decorre do seguinte: em grego, o o não é propriamente de ligação, mas

o o (ômicron) do tema da segunda declinação, que dá uma percentagem extraordinária de nomes para compostos (as demais declinações, que

têm outras vogais no tema, entram em proporção muito reduzida); em

latim, o i igualmente é (com raras exceções para temas em consoante

da terceira declinação) vogal temática que a apofonia convergiu para i,

em decorrência do acento de intensidade inicial, e não vogal de ligação.

Veja o verbete: Composição, Língua portuguesa, Palavra, Radical,

Sufixo e Vogal.

Vogal débil

Vogal débil é cada uma das vogais menos audíveis (i e u).

Veja o verbete: Vogal forte.

Vogal densa

Vogal densa ou vogal compacta é o mesmo que vogal aberta.

José Pereira da Silva

6805

Vogal dura

Vogal dura é a que exige emissão dura da consoante precedente (em

eslavo).

Vogal eufônica

Vogal eufônica é aquela cuja finalidade é desfazer um hiato. Exem-

plo: latim sinum > seo > seio. Também a vogal de ligação costuma ser

chamada de vogal eufônica.

Vogal fechada

A vogal fechada é emitida com maior estreitamento da cavidade

bucal em consequência da elevação da língua em direção à região pala-

tal: ã, e, e, i, i, o, õ, u, ũ. Exemplos: antes /ãtis/, emprego [eprego], en-

sino /esinu/, imagem /imaʒey/, cômodo /kõmodo/ ou /kõmodu/, índio

/idyu/, acima /asima/, hoje /oᴣe/, onda /õdɐ/, sinônimo /sinõnimo/ ou

/sinõnimu/, uva /uvɐ/, undécimo /ũdεsimu/, espuma /espũma/ ou

/ispũma/ ou /ispũmɐ/. Observe-se que todas as vogais nasais ou nasali-

zadas são fechadas em português.

Vogal fechada se opõe a vogal aberta.

Veja o verbete: Abertura, boca, língua, Timbre e Vogal aberta.

Vogal forte

Vogal forte ou vogal plena é cada uma das vogais mais perceptíveis

(a, o, e). Note-se que nem a força das vogais fortes, nem a debilidade

das débeis têm algo de comum com força intensiva. Em banto, vogal forte é a vogal de valor constante, em oposição às chamadas vogais fur-

tivas (JOTA, 1981, s.v.).

Vogal fraca

Vogal fraca é cada uma das vogais menos perceptíveis (i e u).

Vogal frouxa

Veja o verbete: Vogais tensas.

Vogal furtiva

Vogal furtiva, em certas línguas (como o banto, por exemplo), vogal

furtiva é a vogal de conteúdo fonológico mal definido, podendo ser

identificada com o vocalismo zero. Em português, vogal furtiva é a vo-

gal mal perceptível, que se observa principalmente nos grupos ct, br, cl etc. No grupo crá, por exemplo, o dorso da língua encosta ao véu do

paladar, afasta-se na explosão e já agora a ponta da língua vai ao palato

para articular o r. Os lábios, sem função nessas duas articulações, de

antemão tomam a posição necessária à prolação da vogal que se segue

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6806

ao grupo cr (no caso, a). Enquanto a língua sai de uma posição para ou-

tra, o fim do esforço expiratório da explosão, encontrando a língua a

meio caminho (sem, portanto, oferecer obstáculo) e os lábios já em po-sição do a, deixa escapar um som vocálico surdo. Exemplos: c(a)rase,

c(u)ruz etc.

Vogal grave

Sobre vogal grave ou vogal velar, veja Vogal aguda.

Vogal indeterminada

Vogal indeterminada é a vogal não arredondada, nem anterior, nem

posterior, de abertura intermediária, como no inglês first.

Vogal inicial

Vogal inicial é a que pertence à sílaba inicial do vocábulo, como o e

de exato, repto, reto etc. Ela é chamada inicial absoluta, se não se

acompanha de consoante, ne mesma sílaba, como o e de exato.

Vogal intermédia

Vogal intermédia é a vogal que representa um som intermediário

anterior e posterior.

Vogal irracional

Vogal irracional é a vogal que, seja pela quantidade, seja pelo tim-

bre, tem sido refratária a cabal explicação através do que se sabe sobre

vocalismo. Assim: lār, lăris, hŏmo, hūmanus etc. (JOTA, 1981, s.v.).

Vogal labial

Vogal labial é o mesmo que vogal arredondada.

Vogal latente

Vogal latente é a que se supõe existir, em certas línguas, para expli-

car alterações fonéticas que se processam nos fonemas vizinhos.

Vogal linear

Vogal linear é aquela que se distingue em relação a outra pelo grau

de abertura e não pelo timbre.

Vogal livre

Vogal livre é a vogal de sílaba aberta.

Vogal longa

Segmento vocálico produzido com a duração maior do que uma

única vogal ou monotongo. A vogal longa é produzida continuamente,

com maior duração, mantendo, normalmente, a qualidade vocálica fi-

José Pereira da Silva

6807

xa.

Em línguas neolatinas, vogal longa é a que tem duração maior que a

breve. Embora sem conceito bem definido, a verdade é que na emissão normal de um vocábulo, podemos vislumbrar certo paralelismo entre

quantidade e tonicidade. No vocábulo estúpido, por exemplo, que se

pronuncia ixtúpidu, é fácil perceber que a tônica tu é mais longa que as

demais (ix, pi e du). O du é menos breve que o ix, por isso, sobre ele

recai o acento cadencial; e mais breve que os dois é a sílaba pi, tão re-

duzida que o próprio i mal se ouve. Independentemente disso, porém,

razões estilísticas (afetivas ou apelativas) nos levam a dar inequívoco

realce quantitativo a certas sílabas: Maaaário (no chamamento). Eu

disse INfeliz!... (no acento afetivo). Em outras línguas, contudo (latim e

grego, por exemplo), a duração breve ou longa da vogal tem caráter fo-

nológico distintivo (JOTA, 1981, s.v.).

Veja o verbete: Quantidade e Sílaba pesada.

Vogal média

Vogal média = central é aquela cujo ponto de articulação fica entre

a parte anterior e a posterior da cavidade bucal.

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), vogal média é aquela

cujo ponto de articulação fica supostamente entre a parte anterior e a

posterior da cavidade bucal. É a vogal cujo grau de abertura se situa en-

tre as vogais correspondentes de timbre aberto e fechado, como o e (en-

tre ê e é) e o o (entre ô e ó). Neste sentido, vogal média seria, em por-

tuguês, corresponde, mais ou menos, à vogal reduzida (/ə/ ou /i/, /ɐ/ e

/u/), como as vogais finais das palavras essa /εsɐ/, ese /esə/ ou /esi/ e is-

so /isu/. De modo geral, no entanto, o termo vogal média se refere à altura,

ficando, portanto, entre as vogais altas anteriores /i/ e /i/ e as baixas /a/

e /ã/ e entre as vogais altas posteriores /u/ e /ũ/ e as baixas /a/ e /ã/. Nes-

te sentido, as vogais médias podem ser vogais médias anteriores (/e/,

/e/, /ε/) ou vogais médias posteriores (/o/, /õ/, /ɔ/). Exemplos: cabelo

/kabelo/, vendendo /vededu/, aquela /akεla/ (vogais médias anteriores)

e senhor /seηor/, bondade /bõdade/, forte /fɔrte/ (vogais médias posteri-

ores).

Como se vê, o termo vogal média é duplamente ambíguo, devendo

ser evitado, ou usado apenas em contexto que desfaça a ambiguidade,

ou substituído por outro termo que melhor defina o seu conceito.

Veja o verbete: Abóbada palatina, Língua e Vogal.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6808

Vogal mista

Vogal mista é o mesmo que vogal média.

Vogal modal

Vogal modal é a vogal temática que serve de morfema modal: o i de

legimus e agimus caracteriza o indicativo, em oposição ao a de agamus

e legamus, do subjuntivo (JOTA, 1981, s.v.).

Vogal mole

Vogal mole é a que, em eslavo, serve para evidenciar ser mole a

consoante precedente.

Vogal não arredondada

Vogal não arredondada é cada uma das vogais a, é, ê e i, em cuja

emissão os lábios não se arredondam, como ocorre com as arredonda-

das (ó, ô e u).

Vogal nasal

Vogal nasal é aquela em cuja produção a corrente de ar é liberada

parcialmente pelas fossas nasais: ã, am, an, em, en, im, in, õ, om, on, u,

um e un. Exemplos: maçã /masã/, ambos /ãbus/, antes /ãtis/, câmara

/kãmara/, cabana [kabãna], sempre /sepri/, sistêmico /sistemico/, centro

/setru/, cena /sena/, ímpar /ipar/, partimos /partimos/, índio /idyu/, me-

nino [menino], ombro /õbru/, onde /õdi/, compõe /kõpõy/, muito

[mũyto], umbral /ũbraw/, triunfo /triũfu/.

Vogal nasal se opõe a vogal oral. Veja o verbete: Afinidade, Boca, Língua escrita, Nasalidade e Vo-

gal.

Vogal neutra

Vogal neutra ou vogal indiferente é a vogal e tendente ao fecha-

mento, anterior com tendência a ser posterior, entre retraída e arredon-

dada, sem movimento articulatório da língua. É representada na trans-

crição fonética por [ǝ].

Vogal obscura

Vogal obscura ou vogal sombria é a vogal pós-palatal, velar ou pos-

terior.

Vogal oral

Vogal oral é aquela em cuja realização a corrente de ar é liberada

apenas pela boca: /a/, /ε/, /e/, /i/, /ɔ/, /o/, /u/. Exemplos: abiu /abiw/,

ébrio /εbriw/, aquele /akeli/, isto /istu/, obra /ɔbrɐ/, ovo /ovu/, uva

José Pereira da Silva

6809

/uvɐ/.

Vogal oral se opõe a vogal nasal.

Veja o verbete: Boca e Vogal.

Vogal pospositiva

Vogal pospositiva ou vogal subjuntiva é a semivogal do ditongo de-

crescente (pai, réu). Opõe-se a vogal prepositiva, semivogal do ditongo

crescente: sé-rie, sé-rio. A rigor, no ditongo há a base, que é a vogal, e

a semivogal, que será pospositiva, no ditongo decrescente, e prepositi-

va, no ditongo crescente (JOTA, 1981, s.v.).

Vogal posterior

Vogal posterior ou vogal velar é aquela cuja produção determina a

aproximação do dorso da língua ao palato mole (céu do paladar, véu

palatino ou céu da boca), provocando um pequeno fechamento da boca

e um arredondamento dos lábios: /ɔ/, /o/, /õ/, /u/ e /ũ/. Exemplos: ovos /ɔvus/, ovo /ovu/, ontem /õtey/, uva /uva/, unguento /ũgweto/. Todas

elas são arredondadas no português brasileiro, mas podem ser não arre-

dondadas em outras línguas (JOTA, 1981, s.v.).

Vogal posterior se opõe a vogal anterior.

Veja o verbete: Boca, Lábio, Língua, Palato, Triângulo das vogais

e Vogal.

Vogal pura

Expressão que, na fonética, se refere a um som de vogal sem mu-

dança perceptível em sua qualidade durante a sílaba, como pó e pé. Seu

oposto é o glide ("grupo vocálico"), que pode ser um ditongo ou um tri-

tongo. Monotongo é um termo alternativo para vogal pura. Veja o capí-

tulo 4 de A Course in Phonetics, de Peter Ladefoged (1982) e capítulo 4 de An Introduction to the Pronunciation of English, de Arnold C.

Gimson (1980).

Vogal quiescente

Vogal quiescente, no hebraico, é a vogal que apenas marca o limite

silábico entre duas consoantes; não se pronuncia, portanto.

Vogal radical

Vogal radical é a que pertence à raiz, em oposição à vogal desinen-

cial.

Vogal reduzida

Segmento vocálico que, tipicamente, ocorre em posição átona e tem

duração mais curta e menor intensidade do que as vogais regulares. No

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6810

português, as vogais reduzidas ocorrem em posição postônica [ɪ, ʊ, ə].

Na realidade, portanto, segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.),

reduzida condiz com a quantidade e não com o timbre. No entanto, a Nomenclatura Gramatical Brasileira, opôs reduzida a fechadas e aber-

tas, donde inferir ser reduzida a vogal que não é fechada, nem aberta.

Como em jure, anos etc., temos um arquifonema (e consequente neu-

tralização das oposições júri / jure etc.), pode supor-se ser reduzida a

vogal átona que constitua um arquifonema. Isso é ilusório. Em áspero,

por exemplo, o o é apenas átono, mas não é reduzido; reduzido é o e,

que até pode desaparecer: ásp’ro. De acordo com o acento binário, em

áspero há a tônica ás e a subtônica (esta que é átona) ro (ru); a sílaba

pe é a reduzida. Depois da intensidade despendida na tônica, há um re-

laxamento quase que total, e novamente outra elevação, e assim suces-

sivamente. Por conseguinte, reduzida é a vogal da sílaba não inicial em que não incida nem o acento tônico nem o acento binário: júri, âmago,

ânos, virulêntu, têlefôni. Note que o e de le em têlefôni, apesar de ser

reduzido, não muda para i, ao passo que em cômprimênto, conquanto

seja átona a sílaba com, e possa neutralizar-se com cúmprimênto, nem

por isso é reduzido o o dessa sílaba, porquanto nele recai o acento biná-

rio. A sílaba inicial, mesmo que nela não incida nenhum dos acentos, é

apenas átona, porquanto o início da prolação sempre exige maior inten-

sidade que a sílaba que segue a uma de forte intensidade. Em amargo,

por exemplo, a sílaba a requer alguma força, por ser inicial, ao passo

que go se enfraquece, diante da tonicidade da sílaba mar.

Segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.), vogal reduzida é a

vogal em cuja produção ocorre uma abertura mínima da boca, neutrali-zando-se a oposição aberta/fechada. Acontece somente em sílaba átona,

podendo ser postônica ou pretônica. Classificam-se como reduzidas e,

consequentemente como de timbre reduzido, as vogais: /a/, /e/, /i/, /o/,

/u/. Nesta posição /e/ e /o/ se realizam como [i] e [u]. Exemplos: [ᴣuri]

tanto para jure quanto para júri; [ãnus] tanto para anos quanto para

ânus; [imigrar] tanto para emigrar quanto para imigrar; [kuprimetu]

tanto para comprimento quanto para cumprimento.

Veja o verbete: Abertura, Boca, Sílaba átona, Timbre e Vogal.

Vogal silábica

Vogal silábica é a vogal do ditongo ou do tritongo, em oposição à

semivogal, que se diz vogal assilábica, e à semiconsoante. É o mesmo

que base ou vogal base.

José Pereira da Silva

6811

Vogal suave

Veja o verbete: Vogal áspera.

Vogal subtônica

Vogal subtônica, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.), é a

vogal emitida com intensidade intermediária entre a tônica e a átona,

estendendo-se à sílaba como um todo. Ocorre em palavra derivadas por

sufixação, como, anzolzinho < anzol, somente < só, velozmente < ve-

loz. Nesta ocorrência, não existe acentuação gráfica, ao contrário do

que acontece nas palavras compostas por justaposição, que podem ou

não ter hífen e acentuação gráfica. Assim: gira + sol > gerassol; café

+ concerto > café-concerto; beija + flor > beija-flor.

Veja o verbete: Acentuação gráfica, Hífen, Intensidade, Justaposi-

ção, Palavra, Sílaba, Sufixação e Vogal.

Vogal surda

Vogal: Vogal clara.

Vogal temática

Vogal temática é a vogal final do tema, que facilita a afixação da

desinência consonantal ao radical; ou seja, é o elemento estrutural da

palavra variável constituído de vogal acrescida ao radical para formar o

tema.

Em latim, era pela vogal temática que se classificavam as declina-

ções e as conjugações. Em português, ainda serve para classificar as

conjugações.

Em latim, se tomarmos o tema lupo-, por exemplo, da segunda de-

clinação (temas em -o), podemos, acrescentando as respectivas desi-

nências, formar os diferentes casos: lupos (acusativo plural), luporum (genitivo plural), lupom (forma que precedeu o acusativo clássico lu-

pum) etc. Mas essa vogal o, embora pertença ao tema (e daí o nome de

"vogal temática"), pode faltar (por exemplo, não ocorre no genitivo

singular lupi). Ou, como também se pode dizer, pertence ao tema, mas

não à raiz.

As vogais temáticas nominais são: a, e e o átonos, podendo haver

também palavras atemáticas, em que já não ocorre a vogal temática

atualmente, quase sempre por causa da evolução, apesar de serem per-

ceptíveis nas formas hipotéticas, geralmente restauradas na formação

do plural das palavras terminadas em consoantes como pazes, senhores,

males, corações, cães etc. (vogal temática -e-). As vogais temáticas verbais do português são a, e, i, que identifi-

cam as três conjugações (a – primeira; e – segunda; i - terceira).

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6812

Em português, o verbo amar apresenta o tema ama- (primeira con-

jugação): -a é vogal temática: ama-s, ama-mos, ama-is, ama-va, ama-

ra etc. O -a, porem, não é elemento originário, como se pode ver de um

derivado como am-or, em que ele está ausente.

Nos temas verbais, a vogal temática, quando instável, tem o nome

de "vogal de ligação".

Veja o verbete: Palavra variável, Radical, Tema e Vogal.

Vogal temática modificada

Como lembra Walmírio Macedo (2012, s.v.), a vogal temática da

primeira conjugação (-a-) se modifica, transformando-se em -e- antes

de -i e em -o-, quando estiver antes de -u. Exemplos: amei < ama+i;

amou < ama+u.

A vogal temática da segunda conjugação (-e-) e modifica, transfor-mando-se em –i- antes do sufixo modo-temporal do imperfeito do indi-

cativo. Exemplo: recebia < recebe+a.

Vogal temática nominal

Vogal temática nominal, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004,

s.v.), é a vogal, sempre átona, dos nomes variáveis, representadas por -

a-, -e-, -o-, em palavras como vaca, alegre, ovo. Pode representar desi-

nência nominal de gênero feminino e masculino, simultaneamente,

constituindo, portanto, um caso de sincretismo. Assim, -o de bonito,

menino e belo são, ao mesmo tempo, desinências de masculino e vogal

temática; -a de bonita, menina e bela constituem, simultaneamente, de-

sinência de feminino e vogal temática. Para os linguistas e gramáticos

que admitem morfema zero (Ø) de gênero masculino, isto é, ausência de desinência, a vogal -o de bonito, lobo, menino, porco, pouco etc.,

por exemplo, será somente vogal temática nominal.

Os nomes terminados por vogal tônica ou por consoante não possui-

rão vogal temática no singular, não havendo também o tema, sendo, por

isso, nomes atemáticos. No plural, porém, pode ocorrer aparecimento

da vogal temática em forma de vogal /e/, no plural dos nomes termina-

dos por -r, -s, -z (mar > mares, país > países, raiz > raízes, assim co-

mo hífen > hifens e hífenes, dólmen > dolmens e dólmenes) ou o apare-

cimento da semivogal /y/, grafada i no plural dos nomes terminados por

l, como em capital > capitais, papel > papéis, amável > amáveis, fós-

sil > fósseis, anzol > anzóis e azul > azuis, por exemplo. No plural dos nomes em -ão, em uma análise sincrônica, ocorre

uma transformação da semivogal [w], grafada -o, em semivogal [y],

José Pereira da Silva

6813

grafada -e, em palavras como pão > pães e vilão > vilões. Efetivamen-

te, no entanto, trata-se da verdaeira vogal temática oculta na forma uni-

formizada do singular, herdada do latim e ainda presente no português arcaico ou medieval e até no início do período moderno do português,

como em panem/panes > pãe/pães, leonem/leones > leõe/leões, assim

como christianum/christianos > cristão/cristãos.

Veja o verbete: Consoante, Desinência nominal, Feminino, Gênero,

Masculino, Morfema, Nome, Plural, Semivogal, Sincretismo, Singular,

Tema, Vogal e Zero (Ø).

Vogal temática verbal

Vogal temática verbal, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.),

é a vogal temática dos verbos que os enquadra em uma das conjuga-

ções. Assim, a primeira conjugação – vogal temática -a- (amar, dar, es-

tar, cortar, apaziguar); segunda conjugação – vogal temática -e- (ser, ter, bater, correr, ver); terceira conjugação – vogal temática -i- (partir,

rir, sorrir, sobrevir), sendo que o verbo pôr e seus derivados possuem a

vogal temática -e- implícita, aparecendo na conjugação, por exemplo,

em formas como pões, põe e põem.

Ao receber as desinências verbais, esta vogal pode sofrer as seguin-

tes alterações:

a) crase, quando houver contato com outra vogal igual (Exemplos:

parti- + -i > parti, parti- + -ias > partias);

b) elisão, quando houver contato com vogal diferente (exemplos:

ama- + -o > amo, ama- + -e > ame, bate- + -o > bato, parti- + -a >

parta);

c) transformação das vogais i e e tônicas do infinitivo em semivogal /y/ nos verbos em -oer, -air, no presente do indicativo, na segunda e na

terceira pessoas do singular (exemplos: roer – duas sílabas > rói – uma

sílaba, sair – duas sílabas > sai – uma sílaba).

Veja o verbete: Conjugação, Crase, Desinência verbal, Elisão, In-

finitivo, Pessoa, Presente do indicativo, Semivogal, Singular, Verbo e

Vogal.

Vogal tônica

Vogal tônica, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.), é a vo-

gal emitida com maior intensidade quando comparada com as que lhe

ficam próximas. Assim, as vogais á de árvore, é de sério, í de sensível,

ó de cipó e ú de útil são tônicas em relação às outras vogais dos mes-mos vocábulos de que fazem parte. A tonicidade da vogal tônica se es-

tende à sílaba na qual está inserida, podendo ou não receber acento grá-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6814

fico, como se pode ver nas palavras emigrar, árvore, leite e casebre.

Vogal tônica se opõe a vogal átona. Veja o verbete: Acento gráfico, Intensidade, Sílaba, Tonicidade,

Vocábulo e Vogal.

Vogal travada

Vogal travada é a vogal da sílaba fechada.

Vogal-base

Vogal-base é a vogal do ditongo ou do tritongo: o a de pai, iaiá,

quais etc. É o mesmo que vogal silábica.

Voiceprint

Veja o verbete: Impressão vocal.

Voisé

Veja o verbete: Sonoro.

Voisement

Veja o verbete: Sonorização.

Volante

Volante é o texto publicado (anúncio, comercial, propaganda, re-

clame) impresso em um ou em ambos os lados do papel, sem dobras,

de pequeno formato, para distribuição pública.

Nos jogos de loteria, o impresso em que são anotadas as apostas que

serão transpostas eletronicamente para o comprovante do apostador

(COSTA, 2018, s.v.).

Veja os verbetes: Filipeta, Fôlder, Folheto, Panfleto, Prospecto,

Santinho.

Volapuque

Volapuque é a língua artificial criada por Johann Martin Schleyer

(1831-1912), em 1879. O nome é tirado de world Speak, donde seria

melhor que que volapique.

Segundo João Ribeiro (1906, s.v.), volapuque é a língua universal

inventada pelo poliglota João Martinho Schleyer em 1879, data de seus

primeiros escritos sobre o seu sistema, depois de um estudos profundo,

dizem seus adeptos, de vinte anos, acerca de mais de cinquenta línguas.

Volapuque é uma língua facílima de se aprender e incontestavel-

mente é de grande valor prático. Já é adotada e acatada em vários luga-

res da Europa e da América.

O governo alemão encarregou o professor Heinrich Schnepper de

José Pereira da Silva

6815

ensiná-la publicamente e recomendou-a a todos os funcionários e em-

pregados do ministério da guerra. O governo russo a adotou como lín-

gua telegráfica. Por outra parte, o sistema de João Martinho Schleyer tem propagandistas; muitos jornais são publicados na Europa, e já se

encontram gramáticas e dicionários do volapuque nas principais línguas

cultas. O vocabulário do vocapuque é formado sobre uma espécie de

raízes arianas, cujas formas são mais proximamente tiradas do grupo

teutônico, como se vê da própria palavra volapuque: vola, genitivo de

vol (mundo) + puk (fala, língua) = língua universal.

Indiquemos, resumidamente, a gramática do volapuque:

Nomes – Não existem artigos. Os nomes são declinados da seguinte

maneira: nominativo blod, o irmão; genitivo blod-a, do irmão; dativo

blod-e, ao irmão; ablativo blod-i, o irmão. Como se vê, são as vogais a,

e, i que servem de flexões de caso. O feminino se forma com a antepo-sição do prefixo ji: nominativo jiblod, a irmã; genitivo jiblod-a, da ir-

mã; dativo jiblod-e, à irmã; ablativo jiblod-i, a irmã. Número – O plural

se forma juntando o s em qualquer caso: blodes – aos irmãos (dativo

plural); jiblodas – das irmãs (genitivo plural).

Pronomes – Os pronomes são declinados da mesma maneira que os

substantivos:

O plural dos pronomes segue a mesma regra dos nomes: obs, obas etc. (nós, de nós etc.).

Graus – O comparativo se forma com o sufixo um, e o superlativo com

o sufixo ün: gletik, grande – Compatativo: gletikum; superlativo: gle-

tikün.

Verbos – Os verbos formam uma única conjugação regular, reduzida a

poucas flexões. As pessoas são expressas pela sufixação dos pronomes.

Verbo löfön (amar). Singular: löf-bob (eu amo), löf-ol (tu amas) etc.

Plural: löf-obs (nós amamos), Löf-ols (vós amais). Os tempos se distin-

guem por meio dos prefixos a, e, i, o, u: alöfob (eu amava e eu amei;

elöfob (eu tenho amado); ilöfob (eu tinha amado e amara), olöfob (ama-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6816

rei, hei de amar); ulöfob (terei amado). Os tempos do subjuntivo têm

iguais formas com o sufixo la: lölobla (que eu ame); alöfola (que eu

amasse). A voz passiva se forma com a prefixação de p ou pa, quando o verbo não começa por vogal. Exemplo: palöfob (eu sou amado). A in-

terrogação se designa por meio do prefixo li: lilofof? (ela não ama?).

Tais são, em resumo algumas das regras que constituem a gramática do

volapuque, que é, na verdade, simplificada tanto quanto é possível

imaginar-se. Por aí se vê que a dificuldade capital do volapuque consis-

te na aquisição do vocabulário. Esse mesmo não é de difícil apreensão

para aqueles que conhecem o léxico teutônico, como se vê das próprias

palavras que acima mencionamos para exemplos: loff – no inglês love,

amar; blod – no inglês brother, irmão; vol – no inglês world, mundo

etc. Na língua portuguesa já existem uma gramática do volapuque, e na

italiana existe a de Emanuele Bertolini, donde extraímos a presente no-tícia (Emanuele Bertolini – Grammatica del Volapük e o Compendio

distribuído como prospecto. Parece que o volapuque na Europa vai em

decadência e quase caído em descrédito, ao menos no conceito dos filó-

logos como Victor Henry, o chefe dos neogramáticos na França. De-

pois do Volapuque, outras tentativas apareceram de língua universal e

entre elas a do esperanto, que essencialmente pouco difere daquela)

Volitivo

Forma ou construção empregada para expressar a vontade, o desejo

ou uma decisão. Isso é expresso, normalmente, com o futuro do presen-

te do indicativo. Exemplo: Completarei cem anos na semana que vem.

Trata-se, portanto, de um futuro volitivo.

Em latim, o subjuntivo eamus, "vamos" é um volitivo.

Volsco

Volsco é a língua dos volscos, que habitavam a região entre o tirre-

no e o Sâmnio. Dele temos apenas uma inscrição de quatro linhas.

Volta

O termo volta designa, nos vilancicos e vilancetes, os versos que

repetem outros da estrofe inicial, ou as estrofes que desenvolvem a

ideia central do refrão ou estribilho que abre tais composições (MOI-

SÉS, 2004, s.v.).

Veja os verbetes: Estribote e Virelai.

Volume

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.), volume é o manuscrito antigo em forma de rolo; documento ou parte de

José Pereira da Silva

6817

um documento com mais de 48 folhas, sem contar com as da capa, que

em regra tem rosto próprio. Um volume pode compreender vários to-

mos, como um tomo pode compreender vários volumes. Distingue-se do tomo que constitui sempre uma parte de uma obra, porque pode

formar, por si mesmo, uma obra independente e também, embora mais

raramente, um tomo em dois volumes. Obra impressa com mais de 100

páginas, por oposição a brochura. Volume, em sentido físico, é todo

material encadernado em conjunto ou encerrado num mesmo contentor,

quer se apresente como foi originalmente publicado, quer tenha sido

encadernado após a sua publicação; unidade material que reúne, sob

uma mesma capa, um certo número de folhas, formando um todo ou fa-

zendo parte de um conjunto. É a designação aplicada ao livro que con-

tém uma obra completa. Parte de uma mesma obra encadernada inde-

pendentemente, quando tal obra apresenta paginação contínua da pri-meira unidade à última. Unidade de contagem utilizada par apreciar o

acervo de uma biblioteca. Em processamento de texto, volume é a por-

ção de um única unidade de armazenagem que é acessível a um único

dispositivo de leitura.

Veja os verbetes: Livro, Tamanho, Extensão, Dimensão.

Volume autônomo

Volume autônomo é aquele que é publicado independentemente de

qualquer obra.

Volume coletivo

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

volume coletivo é aquele que foi produzido por iniciativa ou sob a co-

ordenação de uma pessoa natural ou jurídica que o editou e publicou sob o seu nome e está constituído pela agregação de trabalhos de diver-

sos autores, cuja contribuição se funde numa criação única e autônoma

para a qual foi concebida sem que seja possível atribuir a qualquer de-

les em separado um direito sobre o conjunto da obra realizada.

Veja os verbetes: Compilação e Miscelânea.

Volume complementar

Volume complementar é o volume adicional, que se junta a uma

obra para a completar.

Volume compósito

Volume compósito é o volume formado pela reunião de unidades

codicológicas independentes.

Veja os verbetes: Compilação e Miscelânea.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6818

Volume cumulativo

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

volume cumulativo é o volume de um catálogo, índice, bibliografia etc. ao qual, no fim de um determinado período, é acrescentada uma se-

quência de entradas combinadas que apareceu em emissões antecipadas

durante aquele período.

Volume de estampas

Volume de estampas, numa obra em diversos volumes, é aquele que

é constituído apenas por material iconográfico que ilustra o texto dos

outros volumes.

Volume de folhetos

Volume de folhetos é o volume que pode apresentar frontispício e

sumário ou não e que é constituído por diversos opúsculos independen-

tes, que foram encadernados juntos.

Veja o verbete: Miscelânea.

Volume de homenagem

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

volume de homenagem é a publicação que inclui contribuições diversas

de vários autores, editada como prova de veneração de uma pessoa ou

entidade em data marcante da sua vida com a finalidade de registrar ou

festejar algum acontecimento ou efeméride.

Veja os verbetes: Livro de homenagem, Miscelânea de homenagem,

In memoriam.

Volume de panfletos

Volume de panfletos é aquele que é composto por um determinado

número de folhetos separados, encadernados juntos, com ou sem um tí-

tulo comum ou sumário de conteúdo.

Volume desaparelhado

Volume desaparelhado é o que está separado fisicamente do con-

junto dos outros volumes que com ele formam uma obra.

Volume fonético

Volume fonético é a porção fônica que assegura o equilíbrio rítmico

da palavra. A raiz védica vart-, por exemplo, através de suas flexões,

apresenta o volume fonético de cinco tempos, através do vocalismo ze-

ro / breve / longo. Poder-se-ia fazer, talvez, como temos pretendido, o

cálculo do peso fonético dos grupos de força. Parece-nos que a elocu-

ção se pauta por dois princípios gerais de harmonia: o jogo entre átonas

José Pereira da Silva

6819

e tônicas (veja Acento binário) e o peso fonético constante (que seria

determinado pelo esforço articulatório etc.). O desaparecimento de vo-

cábulo pelo reduzido volume fonético pode ser observado, tal como ocorre no francês és (português é < latim apis), ous (português ou < la-

tim ovum) (JOTA, 1981, s.v.).

Volume monográfico

Volume monográfico é o volume que contém uma monografia ou

parte dela.

Volumen

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

volumen é o termo latino que, no sentido literal, designa coisa enrolada,

rolo, e, por extensão, passou a designar os primitivos textos apresenta-

dos sob a forma de rolos constituídos por longas tiras de papiro ou per-

gaminho, usados pelos povos antigos como os gregos, romanos, he-breus etc. Caiu em desuso a partir do século I da era cristã com o apa-

recimento do códice ou livro encadernado, quadrado ou retangular, in-

venção atribuída ao ateniense Filácio. O volumen era etiquetado através

de uma pequena tabuinha de madeira que ficava pendurada com os

elementos de identificação inscritos, sendo o rolo guardado dentre de

uma caixa e colocado ao alto ou na horizontal. O sentido de volumen se

transformou radicalmente a partir do final da Antiguidade, dada a es-

cassez dos rolos de papiro e acabou por invadir, nos últimos séculos da

Idade Média, a terminologia ligado ao codex.

Veja os verbetes: Livro, Obra, Tratado, Volume.

Volumen evolvere

Volumen evolvere é a locução latina correspondente a percorrer,

compulsar um manuscrito.

Volumen explicare

Volumen explicare é a locução que significa desenrolar ou estender

um manuscrito.

Volume-súmula

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

volume-súmula se diz do volume que contém um índice ou uma biblio-

grafia que recapitula o texto dos volumes precedentes publicado no fi-

nal de um ano ou de um período mais longo e que funde, numa só série,

as entradas de todos os fascículos ou volumes aparecidos durante esse

mesmo período.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6820

Voluminho

Voluminho é a expressão usada para designar o volume de uma obra

de pequeno corpo.

Volvere

Volvere é palavra latina para significar enrolar sobre si mesmo, re-

volver; desenrolar um volume, folhear. Em retórica, volvere é desen-

volver um período.

Vorstellung

Veja o verbete: Imagem.

Vorticismo

Segundo Massaud Moisés (2004, s.v.), vorticismo é a corrente poé-

tica inglesa, na linha do “Cubismo e do Simultaneísmo” (SHATTUCK,

1968, p. 27). Liderada por Ezra Weston Loomis Pound (1885-1972),

que lhe inventou o nome) e Percy Wyndham Lewis (1882-1957), pin-tor, ficcionista e crítico, desenvolveu-se por pouco tempo, em torno de

Blast, the Review of the Great English Vortex, cujo primeiro número,

de 20 de junho de 1914, continha, “em adição aos seus condenados

(blasts) (Henri Bergson, 1859-1941; Rabindranath Tagore, 1861-1941,

e outros) e abençoados (o humor inglês, a pornografia e as mulheres

francesas), um manifesto assinado por onze nomes, incluindo Richard

Adldington (1892-1962), Henri Gaudier-Brzeska (1891-1915), Ezra

Weston Loomis Pound e Percy Wyndham Lewis” (COFFMAN, 1951,

p. 20). O número seguinte e último da revista, publicado em julho de

q915, trazia colaboração de Ford Madox Ford (1873-1939), Rebecca

West (pseudônimo de Cecily Isabel Fairfield, 1892-1983) e Thomas

Stearns Eliot (1888-1965). Ezra Weston Loomis Pound, transitando do Imagismo, que abando-

nou logo após a publicação da antologia do grupo (Des Imagistes,

1913), e Percy Wyndham Lewis reagiam contra o vitalismo das teses

futuristas e a representação em arte, herança da tradição clássica e re-

nascentista, propugnando por uma arte de inflexão abstrata e que refle-

tisse a energia da máquina como símbolo da modernidade. “Antirro-

mânticos, propunham-se a desvalorizar o significado do individual e

sua ‘inspiração’, encorajando o estudo mais sério dos aspectos técnicos

da arte – que visavam, entretanto, a definir, expressar, a matéria do sen-

timento de um modo tão vigoroso quanto o que o Futurismo glorifica-

va” (SHATTUCK, 1968, p. 212). O manifesto vorticista preconizava o seguinte:

“Nosso vórtice está alimentado pelos vossos avanços, homens:

José Pereira da Silva

6821

frangos burgueses. Nosso vórtice está orgulhoso de suas superfícies po-

lidas. Nosso vórtice não escutará outra coisa senão a sua dança desas-

trosa e sem relevos. Nosso vórtice deseja o rumo imóvel da sua rapidez. Nosso vórtice arroja-se como um cão raivoso contra a vossa bulha im-

pressionista. Nosso vórtice é branco e abstraído de sua cadente rapidez.

O vorticista atinge o ponto máximo de energia quando está mais imó-

vel. O vorticista não é escravo da comoção, mas o seu senhor. O vorti-

cista não sore o leite da vida. Deixa que a vida conheça o seu lugar num

universo vorticista. Não existe o presente: existem o passado e o futuro,

e existe a arte. Todo momento que não seja debilmente relaxado e re-

gressivo, ou – por outro lado – otimistamente sonhador, é arte. ‘A vida

deverás’, ou a presuntiva ‘Realidade’, é uma quarta quantidade, com-

posta do passado, do futuro e da arte. Nosso vórtice desdenha e ignora

este impuro presente” (TORRE, 1971, vol. II, p. 141-142). “O vorticismo foi [...] um dos mais efêmeros ‘ismos’ que jamais te-

nham existido” (TORRE, 1971, vol. II, p. 141)

Voseio

Voseio é o fenômeno que consiste no emprego de vos por tú, no es-

panhol americano. Em síntese, eis o que diz Samuel Gili Gaya (1892-

1976): usted, para pessoas gradas, desbancou vos, que ficou para a clas-

se inferior (que, por sua vez, deixou tú esquecido, sem função). E

acrescenta que persiste o oblíquo te, ouvindo-se desconexo como A vos

te parece bien. Em português, ocorre também, na mesma classe menos

culta, você com te. Exemplo: Você bem sabe que te esperei (JOTA,

1981, s.v.).

VOT

Abreviatura de Voice Onset Time, que é o tempo entre a soltura da

oclusão e o início do vozeamento. É geralmente utilizado na produção e

descrição das consoantes oclusivas.

Voz

Foneticamente, voz é o som ou conjunto de sons emitidos pelo apa-

relho fonador, sendo que a voz masculina difere da feminina, em mé-

dia, uma oitava. Em sentido restrito, voz é o fonema sonoro, o fonema

vozeado, a vogal. É o som produzido pelo aparelho fonador, quando a

coluna de ar que vem dos pulmões faz vibrar as cordas vocais e se pro-

jeta para o mundo exterior, através da cavidade buco-nasal, sem que te-

nha de transpor qualquer obstáculo. Nesse sentido, voz é o mesmo que vogal.

Em sentido mais amplo, voz é a linguagem articulada do homem,

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6822

em oposição aos gritos instintivos dos animais.

Morfologicamente, voz é a nomenclatura simplificada, de caráter

didático, para voz verbal, que é a maneira como se apresenta a ação ex-pressa pelo verbo relativamente ao sujeito. Neste caso, três hipóteses

são possíveis:

1ª) O sujeito pratica a ação. Caso em temos a voz ativa. Exemplo:

Deus criou o mundo.

2ª) O sujeito sofre a ação. Caso em que temos a voz passiva. Exem-

plo: O mundo foi criado por Deus.

3ª) O sujeito pratica e sofre a ação. Caso em que temos a voz refle-

xiva. Exemplo: O menino se feriu.

Como variante deste terceiro tipo, temos em português uma cons-

trução reflexiva em que a ação se passa no sujeito, que a sofre sem que

alguém haja atuado sobre ele. É o caso dos verbos essencialmente pro-nominais, como arrepender-se. Trata-se dos verbos médio-passivos.

Voz, morfologicamente, segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.),

é a forma com que se apresenta o verbo a fim de mostrar sua relação

com o sujeito, que pode ser a de atividade, de passividade, ou ambas,

donde as vozes ativa, passiva e reflexiva. Dentro do conceito de voz,

pode-se tratar em voz acusativa, bem caracterizada no indo-europeu

através do sufixo especial. Mas há quem julgue meras variantes da

mesma expressão voz ativa e passiva. Exemplo: O caçador matou o

pássaro. O pássaro foi morto pelo caçador. Não tanto pela ordem, mas

pelo fato de matou substituído por outra flexão foi morto (acrescido do

agente que exige a preposição). E note-se que em O pássaro foi morto

por faca (ou por doença), o por faca e por doença, que diríamos adjun-to adverbial, nem por isso deixaria de ser o agente (inconsciente, fortui-

to), como o caçador seria o instrumento (mas consciente). E há línguas

em que há dois nominativos, um ativo, outro passivo, como se, em por-

tuguês houvesse homem (x) matar leão e homem (y) matar leão, em

que x e y seriam os morfemas indicativos da voz. Mas Paul-Jules-

Antoine Meillet (1866-1936) acredita ter sido básica a oposição ativa /

impessoal; numa, a atenção se concentrava no ser que praticava a ação;

noutra, o interesse se fixa no fato em si. A impessoalidade de verbos

como chover, trovejar etc., cremos, é imanente: chover é cair a chuva

(confira chove a chuva miudinha), repontando o il do francês il pleut e

o it do inglês it rains apenas por simetria com verbos pessoais. E ver-bos como Envergonho-me de ter feito isto são de análise algo comple-

xa. Envergonhar-se a pessoa a si mesma é desconexo. O latim com me

pudet parece menos incoerente, como o português Envergonha-me tua

José Pereira da Silva

6823

falta, embora não resista a um comentário lógico. Há no envergonhar-

se uma pessoalidade formal, pois o conteúdo é de fato passivo (enver-

gonhar-se = ficar envergonhado). Mas o vivitur vitam latino parece ser algo diferente. Passivo na forma (vivitur), o conteúdo não chega a ser

ativo (pois nada se faz para viver), mas é passivo em grau mínimo, sem

que apareça um possível agente. Mas em português Vivo bem, o verbo é

apenas ativo na aparência e não há também senão um agente virtual,

embora haja um sujeito real (eu). No latim, pode formular-se, em fase

posterior vivitur vita; isso significa que podemos ter em português Vi-

ve-se a vida com sujeito real a vida, verbo passivo e agente real omiti-

do (por alguém); mas calçado no Vivitur vitam, devemos ter Vive-se a

vida com impessoalidade e a vida como objeto (confira Alguém vive a

vida com A vida é vivida por alguém).

Joaquim Matoso Câmara Júnior observa, em seu Dicionário, que na voz ativa, embora o sujeito "nem sempre seja o agente do processo ver-

bal, é pelo menos concebido como seu ponto de partida. Exemplos: O

lobo ataca, o lobo recebe uma bala, o lobo morre.

A voz passiva é regularmente formada com o auxiliar ser e o verbo

principal no particípio passado. Exemplo: O mundo foi criado por

Deus.

Mas existe também um tipo de passiva em que se emprega o pro-

nome se (esporadicamente me ou te, nos ou vos, como em Batizei-me =

Fui batizado, Chamas-te = És chamado), denominado passiva prono-

minal. Exemplo: Quebrou-se o copo (= o copo foi quebrado).

Usa-se a passiva pronominal quando não há interesse de mencionar

o agente, como no exemplo dado acima. Todavia, entre os clássicos, são encontrados exemplos de passiva pronominal com agente claro,

como neste exemplo de Camões: "Olha essa terra toda, que se habita /

Dessa gente sem lei, quase infinita" (Os Lusíadas, X, 92). Entenda-se:

"que é habitada por essa gente sem lei". O agente da passiva é regido

normalmente pela preposição por, mas também pode ocorrer a preposi-

ção de, como no exemplo supra, que tem cunho clássico.

O infinitivo de forma ativa pode ter valor passivo, quando precedi-

do da preposição de, que serve de regime a adjetivos como fácil, difícil,

bom, mau, duro, admirável e outros. Exemplo: Criança difícil de con-

tentar (= de ser contentada).

O infinitivo também pode ter valor passivo quando serve de com-plemento a verbos como mandar, deixar, fazer. Exemplo: "Codro, por-

que o inimigo não vencesse, / Deixou antes vencer da morte a vida" (Os

Lusíadas, IV, 53). Istoé, Codro deixou a vida ser vencida pela morte,

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6824

ou, em outras palavras, deixou-se matar.

Valor passivo ainda possui o infinitivo complemento de expressões

como estar por, estar para, ser por, ser para. Exemplos: "Estas casas estão para alugar (= serem alugadas)". "As cousas não eram para dizer

(= para serem ditas), nem são para ouvir" (= serem ouvidas). (Vieira,

Sermões).

Com o verbo estar e particípio passado, forma-se a passiva de esta-

do. Exemplo: O soldado está ferido.

A voz mediopassiva pode ter valor reflexivo ou recíproco. No pri-

meiro caso, o sujeito pratica e sofre a ação. Exemplo: O menino se feriu

ou Eu me feri. No segundo caso, o sujeito pratica a ação sobre outro, o

qual, simultaneamente, lhe devolve ação idêntica. A voz recíproca tem

sempre o sujeito no plural ou sujeito composto e a ação verbal é prati-

cada pelos sujeitos, uns aos outros ou uns contra os outros. Exemplo: Os adversários se cumprimentaram.

Quando o verbo tem valor reflexivo, pode-se acrescentar a expres-

são "a si mesmo" (feriu-se a si mesmo). Quando tem valor recíproco,

pode-se acrescentar "um ao outro" (cumprimentaram-se um ao outro).

Uma vez que o verbo mediopassivo indica que o sujeito é a sede da

ação, que nele se processa, sem projetar-se sobre qualquer objeto, é fá-

cil a sua identificação com um verbo intransitivo. Há mesmo verbos

que podem ser usados pronominalmente ou não, sem alteração de sen-

tido. Exemplo: "Ajoelhou-se e a igreja ajoelhou com ele. Quando casa-

ra, estava eu na Europa". (Machado de Assis) "... do filho que casar-se

não queria" (Camões, Os Lusíadas, III, 122). Mudar ou mudar-se para

outro sítio. No português do Brasil, existe a tendência para a supressão do pro-

nome nos verbos dessa natureza: "O rulo das águas precipita" (José de

Alencar). Veja o capítulo 8 de Introdução à linguística teórica, de John

Lyons (1979) e capítulo 3 de A Comprehensive Grammar of the En-

glish Language, de Randolph Quirk et al. (1985).

Na expressão "osso duro de roer", "roer" é depoente, porque tem

forma ativa, mas corresponde a "ser roído". Do mesmo modo, "lição

fácil de aprender" equivale a "lição fácil de ser aprendida", assim como

no verso "Já cinco sóis eram passados", "eram passados" equivale a

"passaram". A forma passiva – "eram passados" – em lugar da ativa:

"passaram". Walmírio Macedo (2012, s.v.) lembra que, na impossibilidade de

enquadrar todos os verbos nos três tipos tradicionais de vozes verbais,

Bernard Pottier (1978) estabeleceu oito tipos de vozes: existencial,

José Pereira da Silva

6825

equativa, descritiva, situativa, possessiva e subjetiva, além da ativa e da

passiva.

A visão do renomado linguista é fundamentalmente semântica, ape-sar de tratar de um enfoque muito importante para a compreensão do

verbo na oração portuguesa.

Na voz ativa, o sujeito pode ser submetido a um tipo de transferên-

cia, passando a uma função regida pela preposição por, denominada

agente da passiva, e o objeto direto passa a exercer a função de sujeito

paciente. Exemplo: Pedro anima o grupo > O grupo é animado por Pe-

dro.

Em outros termos, na voz ativa, a ação verbal é praticada pelo sujei-

to. Exemplo: O caçador matou o leão (O sujeito "caçador" pratica a

ação de "matar").

Na voz passiva, que se opõe à voz ativa, tem-se uma relação en-docêntrica, enquanto na ativa, a relação é exocêntrica, caso em que o

sujeito sofre a ação praticada pelo agente da passiva. Exemplo: O leão

foi morto pelo caçador (O sujeito "leão" sofre a ação praticada pelo

agente da passiva "caçador")

Para uma frase dita ativa poder ser transferida para a passiva, é pre-

ciso a caracterização exocêntrica, porque a oração passiva é, na reali-

dade, uma oração atributiva.

A voz passiva é expressa de forma sintética ou analítica.

Voz passiva analítica é aquela que apresenta o sujeito como pacien-

te, mas a construção se realiza com o particípio do verbo principal pre-

cedido do verbo auxiliar, que é, normalmente, o verbo "ser". Exemplos:

A casa foi vendida pelo corretor. O estudante foi salvo pelo mendigo. A voz passiva sintética é expressa pelo verbo seguido de um pro-

nome apassivador. Exemplos: Abriram-se as inscrições para o concur-

so. Destruiu-se o velho prédio da escola.

Na voz reflexiva (ou médio-reflexiva), ocorrem, simultaneamente,

uma relação endocêntrica e uma relação exocêntrica. Trata-se de uma

relação ativa que se reflete sobre o sujeito. Exemplo: Maria penteou-se.

Voz existencial ocorre nas orações em que o sentido é de existir.

Exemplos: Há muitos problemas. Existem muitas soluções. Apareceu a

moça. Ocorreu um fato.

Voz equativa ocorre com o verbo de ligação acompanhado de predi-

cativo que seja substantivo, como nos seguintes exemplos: João é pro-fessor. O gato é um animal. Você está uma mulher.

Voz descritiva ocorre com verbo de ligação acompanhado de predi-

cativo que seja adjetivo. Exemplos: O gato é preto. João é inteligente.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6826

Voz situativa ocorre com verbos intransitivos com adjuntos adver-

biais de lugar ou tempo. Exemplo: O gato está no jardim.

Voz possessiva ocorre com o verbo ter e sinônimos. Exemplos: O leão tem cor amarela. O gato tem bigode.

Voz subjetiva ocorre com verbos que indicam estados espirituais,

sentidos etc. Exemplos: O gato olha o cachorro. Sinto uma grande sau-

dade.

A tradição gramatical se restringe a apenas três vozes: ativa, passiva

e reflexiva. Outras terminologias gramaticais surgiram ao longo do

tempo, como: voz média, voz médio-passiva e outras, mas a permanên-

cia se tem realizado nos três tipos tradicionais.

A grande dificuldade era encaixar todos os verbos da língua nos três

tipos de vozes.

Para esse impasse, parece que o enfoque de Bernard Pottier (1978) é a solução, pois tem caminhos para enquadrar todas as possibilidades

de emprego dos verbos.

Segundo Robert Lawrence Trask (2015, s.v.), voz é a categoria

gramatical que determina o modo como o sujeito de uma sentença se

relaciona à ação do verbo. O português distingue apenas duas possibili-

dades quanto à voz. Na voz ativa, o sujeito da sentença é tipicamente

entidade que realiza a ação, como em Tamerlão capturou o sultão Ba-

yazid. Na voz passiva, o sujeito é, ao contrário, a entidade que sofre a

ação, como em O sultão Bayazid foi capturado por Tamerlão, ou O

sultão Bayazid for capturado. A primeira é chamada de passiva longa,

ou passiva com agente; a segunda é uma passiva curta.

Em inglês, a voz ativa é a não marcada (veja: Marcado); é gramati-calmente mais simples e bem mais frequente na fala. A voz passiva é

marcada, e é usada mais tipicamente ou para colocar a entidade que so-

fre a ação no centro da atenção, ou para retirar do centro de atenção a

entidade que faz a ação (o agente) e, possivelmente, removê-la de vez

da sentença. Escrevemos, por exemplo, O urânio foi descoberto em

1789, mas sua importância não foi reconhecida até meados do século

XX. Aqui, as datas são muito mais importantes do que o nome do des-

cobridor, e seria despropositado identificar as pessoas que deixaram de

reconhecer a importância do urânio, pois estas pessoas foram todo

mundo.

Nem todas as línguas têm o contraste entre voz ativa e uma voz pas-siva. Mas algumas línguas têm outras vozes, que permitem que o sujei-

to da sentença seja não só quem realiza a ação, ou quem sofre a ação,

mas também o instrumento por meio do qual a ação é realizada, ou o

José Pereira da Silva

6827

luar em que a ação é feita.

Como leituras complementares, Robert Lawrence Trask sugere as

páginas 44 a 46 de A Student’s Grammar of the English Language, de Sidney Greenbaum e Randolph Quirk; as páginas 6 a 8 e 154 a 157 de

Grammar: a student’s Guide, de James R. Hurford; Grammatical Voi-

ce, de M. H. Kiaiman; e a seção 2.5 de Grammar, de Frank Robert

Palmer.

Veja os verbetes: Diátese, Verbo e Voz verbal.

Voz ativa

Voz ativa é aquela em o verbo indica que é o sujeito que pratica a

ação. Exemplos: Colombo descobriu a América. Os pedreiros trabalha-

ram bastante. Nós todos ficamos alegres com a notícia.

Na voz ativa, o sujeito pode ser submetido a um tipo de transferên-

cia, passando a uma função regida pela preposição "por", denominada agente da passiva, e o objeto direto passa a exercer a função de sujeito

paciente. Exemplo: Pedro anima o grupo > O grupo é animado por Pe-

dro.

Em outros termos, na voz ativa, a ação verbal é praticada pelo sujei-

to. Exemplo: O caçador matou o leão (O sujeito "caçador" pratica a

ação de "matar").

Normalmente, o verbo transitivo direto pode ter a voz ativa e a voz

passiva, sendo que a voz ativa indicará uma ação praticada pelo sujeito

e sofrida ou recaída sobre o objeto, enquanto na voz passiva, o sujeito

sofre a ação que é praticada pelo agente da passiva. Exemplo: O gato

matará o rato X O rato será morto pelo gato.

Veja o verbete: Oração, Sujeito, Verbo e Voz.

Voz causativa

Voz causativa é a que se evidencia pela ação do sujeito sobre um

objeto-sujeito. A voz causativa se expressa em português em frases

como Fiz as crianças partir – o sujeito eu atua sobre o objeto crianças

que é, por sua vez, sujeito de outro verbo. Outras, em vez do fiz partir –

valendo-se do auxiliar (fazer), daria a mesma noção, acrescentando cer-

ta desinência ao verbo partir, como já ocorria no sânscrito (todáyati =

faz bater) e no gótico (raisyan, fazer levantar) (JOTA, 1981, s.v.).

Voz média

Voz média é a voz na qual o sujeito pratica a ação sobre si mesmo

ou em proveito próprio. Exemplo: grego lýomai (desligo-me ou desligo para mim). Em português difere Fiz algo e Fiz algo para mim. O grego

empregaria a ativa no primeiro caso e a média no segundo, para signifi-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6828

car fiz para mim. Ao português lavo os pés (quer dizer os meus pés)

corresponde ao grego loúomai toús pódas. Outro exemplo: skopein é

apenas observar com interesse, examinar. Para a reflexiva propriamen-te, o grego empregava a ativa seguida do pronome reflexivo (em acusa-

tivo): emantón apokteío (mato-me).

Morfologicamente, a passiva e a média, em grego, apenas diferem

nas formas do futuro e aoristo. Acredita-se que tenha sido, a princípio,

idêntica à ativa, no sentido, o que testemunham certos verbos ativos

com forma média e até verbos que usam formas ativas ou passivas, mas

com significação sempre ativa. A passiva, por sua vez, advém da mé-

dia, suprindo-se quase que totalmente das formas desta, razão de ser do

nome médio-passivo. Também há verbos de forma ativa e sentido mé-

dio. O latim, despido de formas características para a voz média, vale-

se, para tanto, de verbos depoentes, de verbos transitivos com forma passiva ou pronome reflexivo (objeto). Aliás, no próprio grego, a refle-

xividade era rara nos verbos (phainomai, mostrar-se; phaíno, mostrar).

Em português, a média pode se identificar com reflexiva.

Voz médio-recíproca e médio-reflexiva são termos que se identifi-

cam respectivamente com voz recíproca e voz reflexiva (JOTA, 1981,

s.v.).

Voz médio-dinâmica

Voz médio-dinâmica é a que caracteriza o verbo de sentido ativo,

mas da forma média.

Voz médio-passiva

Voz médio-passiva é a passiva latina com valor reflexivo.

Veja o verbete: Voz média.

Voz passiva

Voz passiva é aquele em que o sujeito da oração sofre a ação ou a

recebe. Por isto, são os verbos transitivos diretos que, mais frequente-

mente, têm voz passiva, apesar de não ser exclusividade dos verbos

transitivos diretos. Exemplos: O menino foi mordido pelo cão. O pás-

saro foi morto pelo caçador. O filho é amado pelo pai.

Na voz passiva, que se opõe à voz ativa, tem-se uma relação en-

docêntrica, enquanto na ativa, a relação é exocêntrica. Neste caso, o su-

jeito é que sofre a ação, que é praticada pelo agente da passiva. Exem-

plo: O leão foi morto pelo caçador (O sujeito "leão" sofre a ação prati-

cada pelo agente da passiva "caçador") Para uma frase dita ativa poder ser transferida para a passiva, é pre-

ciso a caracterização exocêntrica, porque a oração passiva é, na reali-

José Pereira da Silva

6829

dade, uma oração atributiva.

A voz passiva é expressa de forma sintética ou analítica.

Voz passiva analítica é aquela que apresenta o sujeito como pacien-te, mas a construção se realiza com o particípio do verbo principal pre-

cedido do verbo auxiliar. Exemplos: A casa foi vendida pelo corretor.

O estudante foi salvo pelo mendigo.

A voz passiva sintética é expressa pelo verbo seguido de um pro-

nome apassivador. Exemplos: Abriram-se as inscrições para o concur-

so. Destruiu-se o velho prédio da escola.

Na conjugação passiva, o sujeito sofre a ação expressa pelo verbo.

Exemplo: O mundo foi criado por Deus. Forma-se a passiva em portu-

guês por meio do auxiliar ser acompanhado do particípio do verbo

principal (que deve ser um verbo transitivo). É a chamada passiva de

ação. Exemplo: amar (infinitivo ativo), ser amado (infinitivo passivo). Ao lado da passiva de ação, existe também a passiva de estado, que

se forma com o auxiliar estar. Exemplo: "Toda a Gália está dividida em

três partes". Há outras maneiras de apassivar um verbo, fora desses

dois tipos de conjugação. Assim, muitas vezes, o pronome pessoal áto-

no se comunica o valor passivo ao verbo (passiva pronominal ou passi-

va sintética). Exemplo: "Desfez-se a nuvem negra" (= a nuvem negra

foi desfeita).

Também o infinitivo que serve de complemento a certos adjetivos

como fácil, difícil, admirável, duro, claro etc. pode indicar o valor pas-

sivo ao verbo. Exemplos: coisa admirável de dizer (= de ser dita), osso

duro de roer (de ser roído). Aliás, o próprio infinitivo, servindo de

complemento sintático a verbos como mandar, deixar, fazer, ver, ouvir, pode ter valor passivo. Exemplo: "... a qual gente sempre ouvira nome-

ar (= ser nomeada) por guerreira" (João de Barros).

A passiva pronominal pode não se referir a nenhum sujeito deter-

minado. Chama-se, então, passiva impessoal. Isso ocorre com verbos

transitivos indiretos e intransitivos, segundo Sílvio Edmundo Elia

(1962, s.v. Verbo). Exemplos: Precisa-se de operários. Assim se vai

aos astros.

A voz passiva pronominal pode ocorrer nos seguintes casos, segun-

do Tassilo Orpheu Spalding (1971, s.v.): a) sempre que o sujeito for

nome de coisa ou ser abstrato. Exemplo: A justiça não se vende. b)

sempre que o sujeito, ainda que seja pessoa, não exercer a ação do ver-bo. Exemplo: No meio do fumo e da algazarra, discutiam-se as leis... c)

sempre que o sujeito for uma oração subordinada subjetiva. Exemplo:

"Sabe-se que as línguas evoluem".

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6830

A voz passiva semiótica ou voz passiva infinitiva é aquela que se

exprime, apenas pelo sentido, pois o verbo, exteriormente, não possui

sinal de passividade. Dão-lhe o nome, igualmente, de voz passiva laten-te. Exemplos: "De Portugal mandou el-rei despachar formosa frota"

(Frei Luís de Sousa), que assim é compreendida: "De Portugal mandou

el-rei ser despachada (ou: que fosse despachada) formosa frota".

Este processo de apassivamento é privativo do infinitivo, que, por

não ser nem ativo nem passivo, se adapta a qualquer das funções.

Exemplos: "Se alguma coisa há para admirar é que a baixa não fosse

mais rápida, mais violenta ainda" (Rui Barbosa). "Fizemo-lo carregar

pelo criado". "Ouviu-o e viu-o louvar por todos" (João Ribeiro).

Segundo Zélio dos Santos Jota (1981, s.v.), voz passiva é a forma

verbal que apresenta o sujeito como paciente. Exemplo: É querido das

mulheres. Está sendo sacrificado pelo filho. Cercou-se de maus ele-mentos. Está cercada pelos inimigos. Está cercado de inimigos. Anali-

semos alguns exemplos, com verbos transitivos e intransitivos: 1) tran-

sitivo direto: O pássaro foi morto. Matou-se o pássaro. 2) transitivo in-

direto: Preciso de empregados. Precisa-se de empregados. 3) intransi-

tivo: Sou feliz. Vive-se. É-se feliz.

No primeiro caso, como Matou-se o pássaro também Matou-se o

homem, com a ordem natural, ficando o objeto (pássaro e homem) de-

pois do sujeito, o segundo exemplo, contudo, em decorrência de poder

o homem ser agente (sujeito) começou a gerar ambiguidade naqueles

que preferem ver a língua mais no seu aspecto irregular. Para esses é

que a frase podia ser ambígua, porquanto homem também pode se des-

locar de sua posição, estando a frase por O homem se matou. A rigor, isto é falso. Falamos naturalmente o homem se matou (se queremos dar

a homem o caráter de sujeito); de outro lado, a indeterminação fica evi-

denciada em, por exemplo, Hoje, mata-se por qualquer motivo, inde-

terminação essa que não se apaga por darmos objeto ao verbo: Hoje,

mata-se um homem por qualquer motivo, da mesma forma que, se ve-

mos indeterminação em Aqui se vive tranquilamente, não podemos dei-

xar de vê-la em Aqui se vive uma vida tranquila. É claro que, com inde-

terminar o sujeito, o conteúdo da frase concentra mais no verbo (pro-

cesso), razão da sua precedência. Exemplo: Vende-se esta casa. E tanto

é evidente o fato, que se pode notar diferença entre Faz-se tudo nesta

casa (= Faz-se de tudo nesta casa). Lá, a indeterminação; aqui, a passi-vidade. Difere muito a frase Pedro relacionou-se ao fato da frase Rela-

cionou-se Pedro ao fato. Também difere A barreira se rompem com o

furor das águas (passividade) de Rompeu-se a barreira com dinamite

José Pereira da Silva

6831

(indeterminação). No primeiro exemplo, o agente indireto foi o furor

das águas, com a capa de adjunto adverbial de causa; no segundo, a di-

namite foi o instrumento de que se valeu o agente (indeterminado) para romper a barreira. O que não se pode desprezar, nesses casos, é o cará-

ter semântico do verbo, imbricado na estrutura semântica da f rase. Em

O pássaro foi morto ontem, a passividade da ação verbal se cumpriu

num momento do passado; depois disso, fica a passividade apenas, mas

não passividade da ação verbal (que caracteriza a voz passiva), já agora

ultrapassada. Fica, sim, a passividade, mas passividade como que em

caráter permanente, passando a representar um estado ou qualidade

atribuída ao sujeito: Fulano é morto, está morto. Em A casa está sendo

cercada pelos fascínoras, a passividade está se processando. Assim,

pois, há voz passiva (e, portanto, passividade) em A casa foi inundada

pelas águas do rio; mas não há senão passividade em A casa ficou inundada. Aqui houve simples mudança de estado: casa não inundada

→ casa inundada. Se à construção acrescentarmos algo, como A casa

ficou inundada pelas águas do rio, havemos de considerar pelas águas

do rio (= com as águas do rio) mero adjunto adverbial de causa. Por

conseguinte, a voz passiva se caracteriza pela passividade manifestada

em dado momento. Fora daí, pode haver simples passividade, como em

A casa está inundada. Nesses casos, o verbo como se destaca do parti-

cípio, tomando este o caráter adjetival, e aquele o de simples verbo de

ligação. O sujeito, de paciente da ação verbal passa a depositário da

qualidade implícita nessa mesma ação, e já não se faz necessário o

agente, como é óbvio, por exemplo, em A cidade está cercada, ficou

cercada, ficou iluminada etc. Note-se não haver dúvida quanto à voz passiva em A cidade foi invadida, A cidade será invadida (passiva po-

tencial). A cidade esta sendo invadida. Com o verbo no presente, toma

este o aspecto durativo, passando a verto de ligação, e o particípio toma

o caráter adjetivo, por exemplo, em A cidade é (cidade) invadida. Ora,

passiva condiz com a ação verbal, ao passo que passividade se atém à

significação do verbo. Portanto, em A cidade está cercada ou A cidade

ficou cercada, temos apenas, respectivamente, estado e mudança de es-

tado (nada de ação, pois). O verbo estar só é auxiliar com gerúndio (es-

tou fazendo), emprestando aspecto durativo ao verbo principal. Nos

exemplos tocados, por conseguinte, é mero verbo de ligação, e cercada

será predicativo. E não muda de figura o acrescermos algo à constru-ção: A cidade está cercada pelos soldados ou A cidade está cercada de

soldados, pois teremos pelos soldados como complemento nominal de

cercada, e de soldados (= com soldados) simples adjunto adverbial. A

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6832

porta se abriu, se escancarou. Não vemos passividade em construções

desse tipo. Ao contrário, quer-se justamente atribuir ao sujeito (porta)

alguma participação ativa no fato, uma ação inconsciente, digamos as-sim, já que não é ela (a porta), no caso, capaz de ação consciente. Cor-

responde o se a um índice de intransitividade, que transforma um verbo

transitivo (de ação) em intransitivo. Há verbos que, a um tempo, são

uma e outra coisa, sem necessidade do se: Pedro estourou a bomba. A

bomba estourou. Semelhantemente, dir-se-ia também Pedro abriu a

porta e A porta abriu (o se aqui positiva, de modo inequívoco, a intran-

sitividade do verbo, sem tirar ao sujeito o caráter de ativo). A analogia

explica o se de Partiu-se fulano, Foi-se Pedro, e a contaminação pode

justificar a mesma partícula em construções como Morreu-se de amo-

res pela Fulana. Com verbos intransitivos e verbos de ligação, a inde-

terminação é mais que evidente. Exemplos: O mal de que se padece. Por vários caminhos se vai a Deus. É-se feliz quando se ama e se é

amado. Os que defendem a tal passiva impessoal, isto é, passiva sem

sujeito, admitem que Itur ad astra mais se aproxima de nosso Há ida

para os astros do que de Alguém vai aos astros. A proximidade é fato

relativo, antes de tudo; segundo, a carga semântica e afetiva é diferente

em cada uma das três construções. Logo, Por vários caminhos se chega

a Deus é algo diverso de Por vários caminhos alguém chega a Deus ou

Por vários caminhos qualquer pessoa chega a Deus. Com o infinitivo,

a indeterminação dispensa o se. Exemplo: É possível fazer(se) tal coisa.

Osso duro de roer (= ser roído). Aqui, a indeterminação (e não passi-

vidade) é facilmente comprovada por darmos qualquer sujeito determi-

nado sem alterar as construções. Exemplo: É possível fazeres (tu) tal coisa. Ossos duros de roermos (nós). Não cremos, pois, haver passiva

pronominal. Havia, sim, construções diferentes em Matou-se a raposa

com um tiro certeiro (indeterminação) e A raposa foi morta com um ti-

ro certeiro. O mito da identidade entre as duas construções, auxiliado

pela omissão do agente (lá, por ser o agente sujeito indeterminado; aqui

por sua omissão facultativa) levou o português arcaico a estilisticamen-

te dar agente à primeira construção, fazendo-a, agora sim, igual à pas-

siva: Matou-se a raposa pelo caçador. Tão artificial era o fato, que teve

vida efêmera. Mas a construção sem essa excrescência, porque inde-

terminada, vige até hoje ao lado de outra, a passiva, porquanto não fa-

zem concorrência entre si, o que fatalmente ocorreria se ambas fossem passivas, acabando por ser relegada uma delas, ou, pelo menos, terem

emprego em campos diversos, tal como ocorre a Dizem que... (popular,

ao lado de Diz-se que... (oculto). Mas o poder do tabu é algo extraordi-

José Pereira da Silva

6833

nário, a ponto de se evitar dizer Vende-se casas aqueles que presumem

defender a pureza da língua. Que vendem-se casas nunca foi peça inte-

grante do sistema, mas imposição gramatical, é que nos incapacita de dizer que Vende-se casas é norma. Realmente, apesar das gramáticas e

dos gramáticos, a construção Concerta-se relógios é a preferida da

grande parcela de usuários da língua portuguesa, e o encontro se – o

vem se impondo cada vez mais entre os escritores.

No indo-europeu, ocorria a oposição ativa e média. O sentido medi-

al indicava apenas que o sujeito tinha algum interesse na ação verbal,

interesse que se manifesta de várias modalidades, uma das quais, real-

mente, muito se aproxima da passiva. No grego, firmou-se a passiva,

para a qual tinha formas características no futuro e no aoristo. Em la-

tim, contudo, a passiva se valia de sufixo apropriado nos tempos do

perfectum e recorria a uma perífrase (particípio + verbo sum) nos tem-pos do infectum.

Veja o verbete: Conjugação, Objeto, Oração, Sujeito, Verbo e Voz.

Voz passiva analítica

Voz passiva analítica, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.),

é a voz passiva que se vale da locução formada pelo verbo ser (mais ra-

ramente pelo verbo estar) + particípio do verbo principal + preposição

+ agente da passiva. Exemplo: O processo foi solicitado pelo juiz. A vi-

ga está sendo erguida pelo trator.

As preposições que regem o agente da passiva são por ou de, esta

última de uso mais restrito. Algumas vezes, o agente da passiva deixa

de ser expresso por economia ou pela obviedade de sua existência.

A voz passiva ocorre com o verbo transitivo direto, que admite pas-sagem da voz ativa para a passiva analítica, como no seguinte exemplo,

graficamente apresentado:

Nem todo verbo transitivo direto, dado o significado interno, admite

voz passiva, como ter e querer. Por exemplos: Eu tenho um livro >

*Um livro é tido por mim – que é uma frase malformada. Eu quero um

biscoito > *Um biscoito é querido por mim – que é uma frase malfor-

mada.

Tais verbos admitem voz passiva se houver mudança do significado

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6834

original, como em Eu sou tido por mentiroso pelo diretor (= o diretor

me considera mentiroso). Ele é querido pelos pais (= ele é estimado pe-

los pais). A voz passiva analítica exige concordância do verbo conjugado

com o sujeito em número e pessoa, e do particípio em gênero e número.

Exemplos: Eu sou elogiado pelo chefe. Nós somos elogiados pelo che-

fe. Ela tem sido elogiada pelo chefe. Elas têm sido elogiadas pelo che-

fe.

Veja o verbete: Agente da passiva, Asterisco, Concordância, Frase,

Gênero, Número, Objeto direto, Particípio, Pessoa, Preposição, Signi-

ficado, Sujeito, Verbo e Voz.

Voz passiva pronominal

Voz passiva pronominal é a passiva com o pronome apassivador se.

Também se diz voz passiva sintética.

Voz passiva sintética

Voz passiva sintética é o mesmo que voz passiva pronominal.

Voz passiva sintética, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.),

é a voz passiva que se constitui de verbo em terceira pessoa do singular

ou do plural + pronome pessoal oblíquo átono se, denominado pronome

apassivador (Exemplos: Aluga-se esta casa. Alugam-se estas casas);

que estabelece concordância com o sujeito posposto (nos exemplos

acima, aluga-se e alugam-se, respectivamente); e admite forma correla-

ta em voz passiva analítica (Exemplos: Aluga-se esta casa > Esta casa

está sendo alugada. Alugam-se estas casas > Estas casas estão sendo

alugadas).

Nesta modalidade de voz passiva, não há presença de agente da passiva.

Veja o verbete: Agente da passiva, Concordância, Pessoa, Plural,

Pronome pessoal oblíquo, Singular, Sujeito, Sujeito indeterminado,

Verbo e Voz passiva.

Voz recíproca

Veja o verbete: Voz reflexiva.

Voz reflexa

Segundo Tassilo Orpheu Spalding (1971, s.v.), voz reflexa é aquela

na qual o sujeito pratica e sofre a ação verbal. Exemplo: "O menino se

feriu". Com os verbos reflexivos, sempre aparece um pronome oblíquo,

da mesma pessoa que o sujeito. Exemplos: Eu me feri. Ele se feriu.

José Pereira da Silva

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Voz reflexiva

Voz reflexiva é aquela em que o sujeito pratica a ação que, afinal, se

reflete nele mesmo. Por conseguinte, o sujeito pratica e sofre a ação. Para haver reflexibilidade, há de haver agente e paciente, donde se infe-

re ser mero reforço o se de sentar-se, levantar-se etc. Em O rapaz se

matou não se pode interpretar senão como voz reflexiva, pois ele prati-

cou uma ação que repercute nele mesmo. Já em O rapas se esqueceu do

fato, o sujeito não pratica nenhuma ação; esta, sim, é que se processa

nele; mas independentemente dele, há passividade do sujeito, mas não

há voz passiva, porquanto não há agente; a ação se desenvolve por si

mesma. Ocorre o mesmo com zangar-se, aborrecer-se, ferir-se, orgu-

lhar-se etc. Mas outros verbos há, igualmente pronominais, apesar de

alguns deles, noutras construções, admitirem objeto direto, em que se

pode vislumbrar uma ação do sujeito (esforçar-se), mas ação que se processa nele; há, pois, agente, mas não há paciente. Já em A parede se

rompeu, vemos no se apenas um intransitivador, isto é, elemento que

torna intransitivo um verbo usualmente transitivo. Tipo particular de

voz reflexiva é a recíproca. Nela, a ação, exercida pelo sujeito, se refle-

te também no sujeito, não em sua totalidade, mas num dos elementos

que o constituem. Exemplo: Pedro e Paulo se abraçaram. Pedro e

Paulo praticam a ação, mas acontece que o ato de Pedro se reflete em

Paulo, e o de Paulo em Pedro (JOTA, 1981, s.v.).

Voz reflexiva pronominal

Voz reflexiva pronominal, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004,

s.v.), é a voz reflexiva em que aparece verbo essencialmente pronomi-

nal, como arrepender-se, atrever-se, compadecer-se, condoer-se, dig-nar-se, orgulhar-se, queixar-se, suicidar-se e ufanar-se. Exemplos: Eu

me arrependo, tu te atreves, ele se ufana, ela se compadece, nós nos

condoemos, vós vos dignais, eles se orgulham, elas se suicidaram.

Neste caso, não há possibilidade de se retirar o pronome pessoal

oblíquo reflexivo, pois não existe a forma *eu arrependo alguém ou al-

guma coisa (frase malformada). Em análise sintática, basta dizer que

me, te, se, nos, vos constituem parte integrante do verbo.

Veja o verbete: Análise sintática, Asterisco, Conjugação, Frase,

Pronome pessoal oblíquo reflexivo, Verbo pronominal e Voz reflexiva.

Voz reflexiva recíproca

Voz reflexiva recíproca é a voz reflexiva em que o verbo, sempre no plural, indica ser a ação exercida por dois ou mais sujeitos (ou grupos

de sujeitos), refletindo-se um no outro, ocorrendo, portanto, circulari-

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6836

dade da ação. Exemplos: João e Maria se insultaram > João insultou

Maria e Maria insultou João, sendo que a ação de um se reflete no ou-

tro. O significado pode ser realçado por meio da locução um ao outro,

uns aos outros, uma à outra ou umas às outras, ou pela preposição en-

tre, desfazendo-se, assim, a ambiguidade, quando houver. Exemplos:

Os meninos e as meninas se olharam uns aos outros. Os meninos e me-

ninas se entreolharam.

Veja o verbete: Ambiguidade, Locução, Plural, Preposição, Signifi-

cado, Sujeito, Verbo e Voz reflexiva.

Voz verbal

Voz verbal, segundo Gilio Giacomozzi et al. (2004, s.v.), é a forma

assumida pelo verbo para indicar a relação existente entre ele e o sujei-

to. Pode ser voz ativa (Exemplos: O pedreiro atravessa a rua. O moto-rista acelerou o carro), voz passiva (Exemplos: A rua está sendo atra-

vessada pelo pedestre. O carro foi acelerado pelo motorista) e voz re-

flexiva (Exemplos: Maria se penteia. Nós nos amamos).

Veja o verbete: Sujeito e Verbo.

Vozeado

Diz-se dos sons e fonemas caracterizados pela presença da voz, isto

é, de vibrações das cordas vocais – consoantes vozeadas. É o mesmo

que sonoro, na nossa nomenclatura. O contrário de vozeado, na respec-

tiva terminologia, é áfono.

Traço distintivo relacionado aos sons produzidos com vibração das

cordas vocais, que caracteriza os sons vozeados e os distingue dos sons

desvozeados.

Veja os verbetes: Traço distintivo, Sonoro e Vozeamento.

Vozeamento

Propriedade de vibração das cordas vocais ou pregas verbais, que se

opõe ao desvozeamento.

Segundo Robert Lawrence Trask (2015, s.v.), vozeamento ou sono-

ridade é a vibração das cordas vocais. As cordas ou pregas vocais são

duas massas móveis de tecido localizadas na laringe, na caixa vocal.

Elas podem ser aproximadas de modo que vibrem em toda a sua exten-

são enquanto o ar flui dos pulmões para a faringe, a boca e o nariz. Es-

sa vibração é o vozeamento, e toda fala que é produzida com essa vi-

bração é vozeada (sonora). Exemplos de sons vozeados ou sonoros: [a], [w], [n], [l], [z]. [b] e [ᴣ]. Colocando os dedos no pescoço, na altura da

garganta, enquanto esses sons são pronunciados, é possível sentir a vi-

José Pereira da Silva

6837

bração.

Quando as cordas vocais ficam mais afastadas, elas não vibram. Um

som da fala produzido sem vibração é um som não vozeado ou surdo. Exemplos de sons surdos são: [f], [s], [p], [k]. [h] e [ʃ]. A oclusiva glo-

tal [ɂ] também é surda, mas por uma ração diferente: quando é pronun-

ciada, as cordas vocais se aproximam, e são pressionadas com tanta

força que não passa ar por elas e, portanto, não acontece nenhuma vi-

bração.

As cordas vocais também podem funcionar de maneiras mais com-

plicadas, produzindo alguns tipos de fonação complexos, além do vo-

zeamento e da ausência de vozeamento.

Note-se que o termo vozeamento é sinônimo de sonoridade, mas

não de sonorização: sonorização se aplica normalmente a outra coisa (a

mudança de pronúncia na qual um som surdo se torna vozeado). Por exemplo, o fonema espanhol /s/ é normalmente realizado como o som

surdo /s/, mas, em certas circunstâncias, se torna o som vozeado [z],

como em mismo (essa é a pronúncia europeia padrão, mas nem todos os

falantes a seguem). A sonoridade é também um fenômeno diacrônico:

na passagem do latim para o português, as consoantes surdas intervocá-

licas passaram a sonoras, caso de lupu- > lobo, latu- > lado, ficu- > fi-

go.

O vozeamento, segundo Franck Neveu (2008, s.v.), é uma resso-

nância produzida pelas vibrações periódicas das cordas vocais na arti-

culação de determinados fonemas. Ele determina o traço distintivo de

sonoridade que se sobrepõe a outros traços. Por exemplo, os fonemas

/b/, /d/, /g/, /v/, /z/, // são fonemas vozeados, que correspondem a uma

parte da série de consoantes sonoras, por distinção com os fonemas /p/,

/t/, /k/, /f/, /s/, //, que correspondem à série das consoantes surdas. A

oposição vozeado/não vozeado é representada num grande número de

línguas.

Chama-se desvozeamento a passagem de um fonema de uma articu-

lação sonora para uma articulação surda:

“[...] determinadas consoantes vozeadas perdem seu vozeamento ao contato com uma consoante não vozeada. Esse fenômeno não é nor-

malmente percebido no discurso. Assim, poucas pessoas se apercebem

que o d de médicin (médico) se pronuncia desvozeado ou mesmo como

um t na pronúncia corrente” (LÉON, 1992).

Como leituras complementares, Robert Lawrence Trask sugere o

capítulo 3 de A Practical Introduction to Phonetics, de John Cunnison

Catford; e o capítulo 7 de Principles of Phonetics, de John Laver.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6838

Veja os verbetes: Alfabeto fonético internacional (AFI), Articula-

ção, Consoante, Sonora, Surda e Tipo de fonação.

Vozeamento espontâneo

Um dos conceitos utilizados na definição dos traços distintivos. O

vozeamento espontâneo diz respeito às diferenças de pressão do ar

abaixo e acima da glote e à configuração do trato vocal.

Vozes do verbo

Veja o verbete: Voz, Voz ativa, Voz passiva, Voz reflexiva etc.

VRDDHI

VRDDHI é palavra sânscrita que indica estado da raiz de grau longo

da vogal radical, caracterizado pelo vocalismo äi, äu, em confronto com

e, o (de äi, äu), grau este a que chamamos guna. O guna é, pois, um es-

tado intermediário entre o grau normal e o VRDDHI (JOTA, 1981,

s.v.).

vs.

Abreviatura de Versus.

Vulgar

Diz-se de palavra, expressão ou linguagem próprias das classes in-

feriores da sociedade ou dos padrões mais informais da fala. Língua

vulgar é o contrário de língua culta, e é a de consumo diário, no lar

(familiar), na conversação informal (coloquial), no meio popular (po-

pular) etc.

Como é bastante frequente a compreensão de que popular seja si-

nônimo de classe inferior da população, a palavra costuma ser interpre-

tada a partir dessa ideia, quando, na verdade, a palavra "vulgar", que é

sinônimo de "popular", refere a tudo que o conjunto da população as-similou e usa. Este é o sentido da "vulgar" na expressão "latim vulgar",

por exemplo.

Latim vulgar é o oposto de latim clássico, isto é, o latim verdadeiro,

vivo, falado por todos, visto que o "latim clássico" é o latim da classe

(= da escola, da academia). Tanto que o latim vulgar é falado (oraliza-

do) e o latim clássico é escrito e descrito com base na língua escrita dos

textos exemplares dos melhores autores.

É o latim vulgar que foi transportado para as províncias conquista-

das pelos romanos e deu origem às línguas românicas ou neolatinas. As

características principais desse latim vulgar eram: léxico popular (com

ingredientes de dialeto e gíria), sintaxe mais analítica (preposições em vez de desinências casuais), ordem direta da frase, conjugação passiva

José Pereira da Silva

6839

também analítica, redução dos casos e das flexões em geral, substitui-

ção da duração vocálica pelo timbre (vogais breves > vogais abertas;

vogais longas > vogais fechadas), monotongação dos ditongos (ae > é, au >o), síncope de vogais átonas, deslocamentos de acento etc.

Trata-se, em síntese, de um desvio das normas estilísticas consoli-

dado pelo uso da massa popular: usá (usar), fazê (fazer), eu lhe vi (eu o

vi), me dá (dá-me), sobem (por subam), sastifação (satisfação), mor-

tandela (mortadela), fecha (com e aberto), roba (por rouba).

Veja os verbetes: Romance e Romanço.

Vulgarismo

Uso linguístico popular, em contraposição aos preceitos da norma

culta praticada na mesma região.

O vulgarismo é um fenômeno de vida urbana e não deve ser con-

fundido com o regionalismo, maneira de falar própria de determinadas regiões e que se insinua irresistivelmente no contexto verbal até dos fa-

lantes cultos da mesma região.

O vulgarismo é combatido na prática escolar, por ser passível de

correção. Distingue-se o vulgarismo em fonético, morfológico, sintáti-

co e vocabular.

O vulgarismo fonético se traduz na maneira defeituosa de articular

determinados fonemas. Manifesta quase sempre tendências profundas

difíceis de retificar, perante as quais, muitas vezes, capitula o ensino

das escolas.

Na área fluminense, a que pertence a cidade do Rio de Janeiro, são

os seguintes os vulgarismos fonéticos mais frequentes: a) a queda dos

erres finais (amá, comê, parti, professô); b) a vocalização do l pós-vocálico (jornau, papéu, caracóu); c) a redução de certos ditongos (ba-

xo, quexo, tesôra, pôco); d) o abrimento do timbre da vogal-base de di-

tongos radicais, em formas rixotônicas, reduzidos, em consequência, a

monotongos (róbo, róbas, róba etc. por roubo, roubas, rouba etc.); e) a

anaptixe para desmanchar grupos consonantais (peneu, pissicologia etc.

por pneu, psicologia etc.).

São vulgarismos de ordem morfológica a simplificação das flexões

nominais e verbais (os home, dois pão, tu vai, os minino foi passeá

etc.).

São vulgarismos de natureza sintática: a) o emprego das formas re-

tas dos pronomes pessoais da terceira pessoa com valor de objeto direto (vi ele, deixei ela); b) o emprego de lhe/lhes por o, a, os, as como com-

plemento verbal (eu lhe vi por eu o vi); c) a instabilidade na colocação

dos pronomes átonos em relação ao verbo de que são complementos

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

6840

(me dá, estou te vendo, quero que digas-me etc.).

Os vulgarismos léxicos são constituídos de deformações de palavras

da língua culta (mortandela, sastifação, areoporto, avoar etc.) ou de autênticas criações populares como encrenca, enguiço, xinfim, pirar-se

etc.

O vulgarismo classifica socialmente aquele que o utiliza.

Vulgarização

Segundo Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2006,

s.v.), definida primeiramente por Jules Michelet (1846 e 1988) como

“uma ação de pôr à disposição de todos” (MICHELET, 1846, p. 60),

essa operação é mais frequentemente associada à difusão dos conheci-

mentos científicos e técnicos para o grande público. No uso corrente,

por contaminação do adjetivo vulgar, o termo acaba impregnado por

uma conotação pejorativa, o que leva a propor termos equivalentes mais valorizados, tais como informação científica, comunicação cientí-

fica (JACOBI, 1999), divulgação científica, cultura científica e técni-

ca; entretanto, nenhum dentre eles parece apropriado ao objeto desig-

nado.

A emergência da noção no século XIX não é fortuita, na medida em

que “a vulgarização científica é uma prática que se desenvolve no inte-

rior de uma sociedade diferenciada pelas competências em grupos de

especialistas” (MORTUREUX, 1983, p. 54). Essa atividade só pode,

então, realizar-se numa sociedade caracterizada pela presença de um

patamar científico elevado e estimulada por um cuidado democrático.

Numerosos estudos forneceram diversos esclarecimentos sobre esse

problema: “A filosofia colocou em evidência os paradoxos de uma transumância do saber; a semiologia deixou claro que vulgarizar é, an-

tes de mais nada, uma questão de signos; a sociologia se interrogou so-

bre os atores implicados na vulgarização; a história destacou a extrema

diversidade das formas da atividade vulgarizadora” (JEANNERET,

1994, p. 8). O discurso de vulgarização, no interior dessas múltiplas

abordagens, é, pouco a pouco, percebido como uma tradução e/ou co-

mo uma traição.

Em análise do discurso, os discursos de vulgarização tomam lugar

entre os discursos de transmissão de conhecimentos, uma vez que sua

vocação é a de colocar um saber à disposição de não especialistas. Tra-

ta-se, então, de um discurso segundo, “cuja produção, funcionamento e legitimidade remetem a discursos ‘primários’ [...], que são as publica-

ções por meio das quais os pesquisadores expõem a seus pares os resul-

tados de seus trabalhos” (MORTUREUX, 1988a, p. 119). Por isso, um

José Pereira da Silva

6841

dos primeiros quadros de observação privilegiados pelos analistas se

construiu em torno de uma abordagem comparativa entre discurso fonte

e discurso de divulgação. Esse procedimento favorece a multiplicação dos “contatos entre enunciados que decorrem da mesma sincronia e que

tratam do mesmo tema, ou de temas estreitamente dependentes, mas

produzidos em condições sociais diferentes: enunciadores, destinatá-

rios, objetivos, efeitos” (MORTUREUX & PETIT, 1989, p. 43). Entre-

tanto, Jean-Claude Beacco, sem negar a necessidade dessa primeira

abordagem, sugere “não restringir as condições de produção, de circu-

lação e de recepção dos discursos de divulgação apenas às incidências

que podem ter os discursos científicos eruditos sobre suas formas lin-

guísticas e genéricas” (BEACCO, 2000, p. 16). O linguista que é leva-

do a estudar esses discursos vulgarizadores se interessará, particular-

mente, pelas reformulações, pelas paráfrases, pelos paradigmas desig-nacionais que põem em foco as especificidades vergais constitutivas

desse tipo de texto.

Jean-Claude Beacco e Sophie Moirand explicitaram uma nova for-

ma de vulgarização que se exprime no interior de discursos midiáticos

ordinários, os quais “se tornam lugares de transmissão de saber, já que,

na narrativa, no anedótico, no singular, são introduzidas a generaliza-

ção, colocações em perspectiva, corpos de saberes ‘reconhecidos’ de

natureza enciclopédica, ou empréstimos dos dizeres dos eruditos”

(BEACCO & MOIRAND, 1995a, p. 41). Essa emergência é estudada

por Dominique Wolton como um deslizamento “da vulgarização da ci-

ência à comunicação das ciências”, que possui implicações metodoló-

gicas uma vez que se trata, daqui por diante, “de considerar a passagem de duas para quatro lógicas: o meio científico, a sociedade com seus in-

teresses econômicos e políticos, o mundo da mediação e os públicos

com níveis culturais e de exigência crescentes” (WOLTON, 1997, p.

11). Todavia, como observa Sophie Moirand, dois discursos sobre a ci-

ência coexistem, atualmente, na imprensa ordinária: um que vis expli-

car a ciência, e outro, motivado pelos acontecimentos político-

científicos, que tende “a construir, sobretudo, representações do mundo

científico e de suas relações com a política e a sociedade, por meio de

um entrelaçamento de falas emprestadas de diversos tipos de especia-

listas”. (MOIRAND, 2000, p. 46)

Veja os verbetes: Especialidade (discurso de -/língua de –), Expli-cação e transmissão de conhecimentos, Terminologia e Vocabulá-

rio/léxico.

BASES PARA UM DICIONÁRIO LINGUÍSTICO-GRAMATICAL

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Vulgarização científica e técnica

Vulgarização científica e técnica é o discurso sobre a ciência e/ou a

técnica exterior ao quadro escolar ou universitário e destinado a não especialistas ou a especialistas de outras áreas diferentes da disciplina

em questão.

Vulgata

Segundo Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão (2008, s.v.),

vulgata, em sentido lato, é a versão de um texto mais difundido ou

aceito como autêntico. Em sentido restrito, vulgata é a versão latina da

Bíblia feita por São Jerônimo entre 382 e 404 d.C., a pedido do papa

Dâmaso. Baseia-se nas antigas versões latinas, mas também nos textos

hebraico e greto. Essa versão foi reconhecida (embora com algumas re-

sistências) como a versão oficial da Igreja a partir do século VII e defi-

nitivamente aprovada pelo Concílio de Trento em 1546.