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A Moça sem Mãos Houve uma vez um moleiro que, pouco a pouco, foi caindo na miséria e nada mais lhe restou que o velho moinho, atrás do qual havia uma macieira. Certo dia, tendo ido catar lenha na floresta, aproximou-se dele um velho que nunca tinha visto antes, o qual lhe disse: - Por que te cansas tanto a rachar lenha? Se me prometeres o que está atrás do moinho, eu te tornarei imensamente rico. "O que mais poderá ser, senão a minha macieira?", pensou o moleiro, que respondeu: - Está bem, prometo. E o desconhecido fê-lo assinar um compromisso. - Daqui a três anos virei buscar o que me pertence - disse o velho sorrindo, sarcasticamente e indo embora. Ao voltar para casa, a mulher correu-lhe ao encontro e, admirada, perguntou-lhe: - Dize-me, marido, de onde vem essa riqueza que subitamente nos invadiu a casa? Todos os caixotes e caixas, de maneira inesperada e, repentinamente, ficaram cheios de coisas. Não vi pessoa alguma entrar em casa e trazer tudo isso e não sei explicar de onde veio. O marido, então, explicou: - Foi um desconhecido que encontrei na floresta. Ele prometeu-me grandes tesouros se lhe cedesse o que está atrás do moinho. Assinei um compromisso que lhe cederia; pois, bem podemos dar-lhe a nossa macieira, não achas? - Ah, marido - gritou espantada a mulher - esse desconhecido era o diabo! E não era a macieira que pretendia, mas nossa filha, que estava nessa hora varrendo o quintal atrás do moinho! A filha do moleiro era jovem, muito bonita e muito piedosa. Passou aqueles três anos no mais santo temor de Deus e sem cometer nenhum pecado. Decorrido o prazo estabelecido, no dia em que o diabo devia ir buscá- la, ela lavou-se bem e, com um giz, traçou um círculo ao redor. Logo cedo o diabo apareceu mas não lhe foi possível aproximar-se dela. Então, muito zangado, disse ao moleiro: - Tens de tirar-lhe toda a água a fim de que não possa lavar-se, porque, senão, não terei nenhum poder sobre ela. O moleiro, amedrontado, prontificou-se a obedecer. Na manhã seguinte, o diabo apareceu novamente, mas ela havia chorado sobre as mãos e estas estavam completamente limpas; de novo, disse ao pai: - Corta-lhe as mãos, do contrário não poderei levá-la. O pai, horrorizado, queixou-se: - Como poderei cortar as mãos à minha própria filha? O demônio, então, ameaçou-o, dizendo: - Se não o fizeres, tu serás meu e eu te levarei comigo! O moleiro, acabrunhado, prometeu obedecer-lhe. Foi ter com a filha e disse: - Querida filha, o diabo ameaçou levar-me se eu não cortar tuas mãos; dominado pelo medo, prometi fazê-lo. Ajuda-me nesta minha angústia e perdoa-me todo o mal que te faço. - Querido pai, - respondeu a jovem - sou vossa filha, podeis fazer de mim o que quiserdes. Estendeu-lhe as mãos, deixando que lhas cortasse. O diabo veio pela terceira vez, mas ela havia chorado tanto, durante todo o tempo, sobre os pobres cotos que estes ficaram limpíssimos. Tendo, assim, perdido qualquer direito sobre ela, o diabo foi obrigado a desaparecer. - Graças a ti - disse-lhe o pai - ganhei essas riquezas imensas, portanto, quero tratar-te daqui por diante, até o fim da tua vida, como rainha. - Não, meu pai, não posso mais ficar aqui e devo ir-me embora. Não faltarão por esse mundo além criaturas piedosas que me darão o necessário para viver! Depois mandou que lhe amarrassem os cotos atrás das costas e, quando o sol raiou, despediu-se e pôs-se a caminho. Andou, sem rumo certo, o dia inteiro até ao cair da noite. Chegou, assim, ao jardim do palácio real e, como estivesse o luar muito claro, pôde ver as árvores carregadinhas de frutos; mas não podia entrar no jardim, pois era cercado em toda a volta por um largo fosso. Ora, tendo caminhado o dia inteiro sem comer nada, sentia-se desfalecer de fome e pensou: "Ah, quem me

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A Moça sem Mãos

Houve uma vez um moleiro que, pouco a pouco, foi caindo na miséria e nada mais lhe restou que o velho moinho, atrás do qual havia uma macieira. Certo dia, tendo ido catar lenha na floresta, aproximou-se dele um velho que nunca tinha visto antes, o qual lhe disse:- Por que te cansas tanto a rachar lenha? Se me prometeres o que está atrás do moinho, eu te tornarei imensamente rico."O que mais poderá ser, senão a minha macieira?", pensou o moleiro, que respondeu:- Está bem, prometo.E o desconhecido fê-lo assinar um compromisso.- Daqui a três anos virei buscar o que me pertence - disse o velho sorrindo, sarcasticamente e indo embora.Ao voltar para casa, a mulher correu-lhe ao encontro e, admirada, perguntou-lhe:- Dize-me, marido, de onde vem essa riqueza que subitamente nos invadiu a casa? Todos os caixotes e caixas, de maneira inesperada e, repentinamente, ficaram cheios de coisas. Não vi pessoa alguma entrar em casa e trazer tudo isso e não sei explicar de onde veio.O marido, então, explicou:- Foi um desconhecido que encontrei na floresta. Ele prometeu-me grandes tesouros se lhe cedesse o que está atrás do moinho. Assinei um compromisso que lhe cederia; pois, bem podemos dar-lhe a nossa macieira, não achas?- Ah, marido - gritou espantada a mulher - esse desconhecido era o diabo! E não era a macieira que pretendia, mas nossa filha, que estava nessa hora varrendo o quintal atrás do moinho!A filha do moleiro era jovem, muito bonita e muito piedosa. Passou aqueles três anos no mais santo temor de Deus e sem cometer nenhum pecado. Decorrido o prazo estabelecido, no dia em que o diabo devia ir buscá-la, ela lavou-se bem e, com um giz, traçou um círculo ao redor. Logo cedo o diabo apareceu mas não lhe foi possível aproximar-se dela. Então, muito zangado, disse ao moleiro:- Tens de tirar-lhe toda a água a fim de que não possa lavar-se, porque, senão, não terei nenhum poder sobre ela.O moleiro, amedrontado, prontificou-se a obedecer. Na manhã seguinte, o diabo apareceu novamente, mas ela havia chorado sobre as mãos e estas estavam completamente limpas; de novo, disse ao pai:- Corta-lhe as mãos, do contrário não poderei levá-la.O pai, horrorizado, queixou-se:- Como poderei cortar as mãos à minha própria filha?O demônio, então, ameaçou-o, dizendo:- Se não o fizeres, tu serás meu e eu te levarei comigo!O moleiro, acabrunhado, prometeu obedecer-lhe. Foi ter com a filha e disse:- Querida filha, o diabo ameaçou levar-me se eu não cortar tuas mãos; dominado pelo medo, prometi fazê-lo. Ajuda-me nesta minha angústia e perdoa-me todo o mal que te faço.- Querido pai, - respondeu a jovem - sou vossa filha, podeis fazer de mim o que quiserdes.Estendeu-lhe as mãos, deixando que lhas cortasse. O diabo veio pela terceira vez, mas ela havia chorado tanto, durante todo o tempo, sobre os pobres cotos que estes ficaram limpíssimos. Tendo, assim, perdido qualquer direito sobre ela, o diabo foi obrigado a desaparecer.- Graças a ti - disse-lhe o pai - ganhei essas riquezas imensas, portanto, quero tratar-te daqui por diante, até o fim da tua vida, como rainha.- Não, meu pai, não posso mais ficar aqui e devo ir-me embora. Não faltarão por esse mundo além criaturas piedosas que me darão o necessário para viver!Depois mandou que lhe amarrassem os cotos atrás das costas e, quando o sol raiou, despediu-se e pôs-se a caminho. Andou, sem rumo certo, o dia inteiro até ao cair da noite. Chegou, assim, ao jardim do palácio real e, como estivesse o luar muito claro, pôde ver as árvores carregadinhas de frutos; mas não podia entrar no jardim, pois era cercado em toda a volta por um largo fosso.Ora, tendo caminhado o dia inteiro sem comer nada, sentia-se desfalecer de fome e pensou: "Ah, quem me

dera estar lá dentro e comer algumas frutas! Senão terei que morrer aqui de fome". Então ajoelhou-se e, rezando fervorosamente, invocou o auxílio de Deus. No mesmo instante, apareceu um anjo que abaixou uma comporta esgotando a água do fosso e, assim, ela pôde atravessá-lo.Entrou no jardim, sempre acompanhada pelo anjo. Viu uma árvore carregada de frutos. Eram peras bonitas e maduras, mas estavam todas contadas; a jovem aproximou-se da árvore e com a boca colheu uma pera a fim de aplacar a fome. O jardineiro viu-a mas, como o anjo estava junto dela, ficou com medo, julgando que a moça fosse uma alma do outro mundo e não disse nada, nem mesmo ousou chamá-la ou interrogá-la. Tendo comido a pera, que lhe matou a fome, ela foi esconder-se num bosque que havia ali por perto.Na manhã seguinte, o rei desceu ao jardim e foi direitinho contar as peras da pereira; notou que faltava uma e perguntou ao jardineiro que fim tinha levado, pois não a via aí no chão debaixo da árvore, portanto estava mesmo faltando. O jardineiro, então, contou-lhe o ocorrido.- Na noite passada, apareceu uma alma do outro mundo, faltava-lhes as duas mãos, mas colheu a pera da árvore com a boca e comeu-a.- Mas como conseguiu atravessar o fosso cheio de água? - perguntou o rei - E para onde foi depois de comer a pera?- Desceu alguém do Céu, trajando roupas alvas como a neve, baixou a comporta, prendendo a água para que a alma do outro mundo pudesse atravessar. Creio que devia ser um Anjo; então fiquei com medo, não fiz perguntas nem chamei. Tendo comido a pera, o espectro desapareceu por onde tinha vindo.- Se é assim como dizes, esta noite ficarei vigiando contigo - disse o rei.Quando escureceu o rei desceu ao jardim. Trazia junto um padre, que devia interpelar a alma do outro mundo. Sentaram-se os três: O rei, o padre e o jardineiro, debaixo da árvore e ficaram aguardando. Quando deu meia-noite, a moça saiu do bosque, chegou ao pé da pereira e comeu outra pera, colhendo-a com a boca; continuava-lhe ao lado o anjo de vestes brancas como a neve. O padre levantou-se, deu alguns passos em direção dela e perguntou:- Vieste de Deus ou do mundo? És um espectro ou um ser humano?- Não sou nenhum espectro - respondeu a moça - sou uma pobre criatura abandonada por todos, menos por Deus.O rei, ouvindo isso, aproximou-se e disse-lhe:- Se todos te abandonaram, eu não quero te abandonar; vem!Levou-a para o seu castelo e, notando quão bela e piedosa era, logo se apaixonou. Ordenou que se lhe fizessem duas mãos de prata e depois casou-se com ela.Passou-se m ano muito feliz; tendo, porém, que partir para a guerra, o rei recomendou a jovem rainha a sua mãe, dizendo:- Assim que ela der à luz a criança que está esperando, cuidai bem dela e escrevei-me imediatamente.E a rainha deu à luz um lindo menino. A velha mãe apressou-se a escrever ao rei, anunciando-lhe a feliz nova. Pelo caminho, porém, o mensageiro, muito cansado, deteve-se perto de um riacho a fim de repousar um pouco e não tardou a adormecer. Não demorou muito e apareceu o diabo, que não perdia a menor ocasião para fazer mal à rainha; pegou a carta que o mensageiro levava e trocou-a por outra, que dizia ter a rainha dado à luz um monstrengo.Ao receber a carta, o rei espantou-se e ficou profundamente desolado, porém respondeu dizendo que tratassem bem da rainha até seu regresso. O mensageiro, de volta com essa carta, deteve-se outra vez no mesmo lugar para repousar e adormeceu. Então o diabo, aparecendo, tornou a substituir também essa carta por outra, na qual era ordenado que matassem a rainha e o filho.Ao ler a carta, a velha mãe ficou horrorizada, não podendo acreditar em tal ordem; então escreveu novamente ao filho, mas não obteve resposta porque, todas as vezes aparecia o diabo e substituía as cartas. Aliás, na última, vinha a ordem expressa de conservar a língua e os olhos da rainha como prova de sua morte.A velha mãe chorava à idéia de ter que derramar aquele sangue inocente e, não sabendo como sair-se de tão penoso encargo, durante a noite mandou que lhe trouxessem uma gazela, cortou-lhe a língua, arrancou-lhe os olhos e guardou-os. Depois foi ter com a rainha, dizendo:- Não tenho coragem de executar as ordens do rei, que mandou matar-te; mas não podes continuar aqui. Vai, pois, por esse mundo afora com teu menino e não voltes mais.

Tendo dito o que devia, amarrou a criança nas costas da pobre mulher, que se foi toda chorosa. Chegando a uma grande floresta virgem, ajoelhou-se e pôs-se a rezar fervorosamente; o Anjo do Senhor apareceu-lhe e conduziu-a a uma casinha, na qual havia uma tabuleta com os seguintes dizeres: "Aqui mora quem quiser, livremente". Da casinha saiu uma donzela alva como a neve, que foi ao encontro da rainha, saudando-a:- Sê bem-vinda, minha rainha!Convidou-a a entrar, desamarrou-lhe a criança das costas e chegou-a ao seio para que a amamentasse, deitando-a depois num lindo bercinho adrede preparado. A pobre mulher, então, lhe perguntou:- Como sabes que sou a rainha?- Sou um anjo, enviado por Deus para cuidar de ti e do teu menino - respondeu a donzela.A ex-rainha viveu nessa casa durante sete anos, sempre magnificamente tratada e, graças a sua piedade, Deus permitiu que lhe crescessem novamente as mãos.Enquanto isso, o rei, voltando da guerra, quis ver a esposa e o filho. A velha mãe, prorrompendo em pranto, recriminou-o:- Homem perverso! Por que escreveste ordenando que matasse dois inocentes? - e mostrou-lhe as cartas falsificadas pelo demônio, acrescentando:- Fiz quanto me ordenaste - e apresentou-lhe as provas pedidas: A língua e os olhos.O rei não pôde conter-se e desatou a chorar e, bem mais amargurado, pela sua querida esposa e pelo filhinho. Chorava tão desesperadamente que a velha mãe, apiedando-se dele, confessou:- Acalma-te, não chores mais; ela ainda está viva. Mandei matar, em segredo, uma gazela e as provas que aí tens são a língua e os olhos dela. Quanto à tua mulher, amarrei-lhe o filho às costas e disse-lhe que fosse pelo mundo e prometesse nunca mais aparecer por aqui, pois tu estavas tão furioso que receei por ela. O rei, acalmando-se disse:- Irei até onde acaba o azul do céu, sem comer nem beber, à procura de minha querida esposa e de meu filhinho, se é que ainda não morreram de fome.Pôs-se a caminho. Andou vagando durante sete anos, sondando todos os penhascos e cavernas, mas não a encontrou e, então, julgou que tivessem morrido. Durante esse tempo todo não comeu nem bebeu conforme havia prometido; Deus, porém, o manteve vivo e são. Finalmente, depois de tanto perambular, passou pela floresta virgem e encontrou a casinha com a tabuleta na qual estava escrito: "Aqui mora quem quiser, livremente". Saiu de dentro dela a donzela alva como a neve que, pegando-lhe a mão, convidou-o a entrar.- Sede bem-vindo Majestade! - e perguntou-lhe de onde vinha. Ele respondeu:- Venho de longe! São quase sete anos que ando à procura de minha esposa e de meu filho, mas não consigo encontrá-los.O anjo ofereceu-lhe alimento e bebida, mas ele recusou, dizendo que só queria descansar um pouco. Deitou-se, cobriu o rosto com um lenço e fechou os olhos. O anjo, então, foi ao quarto onde estava a rainha com o menino, a quem pusera o nome de Doloroso e disse-lhe:- Vem e traz teu filho, acaba de chegar teu esposo.A mulher foi e aproximou-se de onde ele estava dormindo; nisso cai-lhe o lenço do rosto e ela disse ao menino:- Doloroso, meu filho, apanha o lenço de teu pai e cobre-lhe o rosto.O menino recolheu o lenço e cobriu o rosto do pai; este, semi-adormecido apenas, ouviu o que diziam e deixou cair outra vez o lenço. O menino, então, disse impaciente:- Querida mamãe, como posso cobrir o rosto de meu pai? Eu não tenho pai na terra! Aprendi a oração que me ensinaste: Pai nosso, que estais no céu. Tu sempre disseste que meu pai estava no céu e que era o bom Deus. Como posso agora reconhecer um homem tão selvagem? Este não é meu pai!A estas palavras, o rei sentou-se e perguntou à mulher quem era.- Sou tua esposa - respondeu a rainha - e este é teu filho Doloroso.Vendo que as mãos dela eram verdadeiras, disse o rei:- Minha esposa tinha mãos de prata!- Foi o bom Deus que me fez crescer estas mãos naturais - respondeu ela.O anjo, então, foi ao quarto dela e trouxe as mãos de prata, mostrando-as ao rei. Isso convenceu o rei que ela era realmente sua esposa e o menino seu filho. Apertou-o em seus braços e, beijando-os com grande ternura,

disse:- Agora caiu-me um grande peso do coração.O anjo do Senhor mais uma vez serviu-lhes comida e bebida. Depois regressaram todos ao palácio, para junto da velha mãe. Houve grande alegria por todo o reino e o rei e a rainha celebraram outra vez suas núpcias, vivendo felizes até a sua santa morte.

As Três Folhas da Serpente

Houve uma vez um pobre homem que não podia mais sustentar seu filho único. Este, então, disse ao pai:- Meu querido pai, vives tão miseravelmente e eu sou um peso para ti; quero, portanto, ir-me embora e tratar de ganhar o pão de cada dia.O pai deu-lhe a benção, despedindo-se dele com grande tristeza.Naquele tempo, o rei de importante reino estava na guerra; o jovem entrou ao seu serviço, acompanhando-o ao campo de luta. Quando chegaram à frente do inimigo, travou-se uma grande batalha; o perigo era assustador; o feijão azul (balas) caía de todos os lados e os companheiros eram terrivelmente dizimados. Tendo caído também o comandante, os outros tentaram fugir, mas o jovem postou-se à frente deles e incentivou-os, exclamando:- Não deixaremos perecer nossa Pátria! Avante! Os outros, então, seguiram-no; ele irrompeu contra o inimigo e derrotou-o. Quando o rei veio a saber que só a ele devia a vitória, elevou-o a grande dignidade, deu-lhe tesouros ingentes e nomeou-o primeiro-ministro de seu reino.O rei tinha uma filha belíssima, mas muito esquisita. Ela havia jurado que só aceitaria por esposo e senhor quem lhe prometesse deixar-se enterrar vivo com ela, se acaso ela morresse primeiro.- Se me amar realmente, - dizia ela - de que lhe servirá depois a vida?Em compensação, prometia fazer o mesmo: Descer à sepultura junto com o marido se ele morresse primeiro. Esse estranho juramento havia sempre desencorajado todos os pretendentes, mas o jovem, tão fascinado ficou com a beleza dela, que não deu importância a tal esquisitice e pediu-a assim mesmo em casamento.- Sabes, porém, o que deves prometer? - perguntou-lhe o rei.- Sei, - respondeu o jovem - se eu lhe sobreviver, terei de descer com ela à sepultura; mas o meu amor é tão grande que o risco não me causa receio algum.Assim, obtido o consentimento do rei, realizaram-se as núpcias com o máximo esplendor.Durante algum tempo, viveram os jovens alegres e felizes. Entretanto, aconteceu que a rainha ficou gravemente enferma e nenhum médico conseguiu salvá-la.Diante da falecida esposa, o jovem rei lembrou-se da promessa feita e ficou horrorizado por ter que se enterrar vivo, mas não tinha outra alternativa. O rei dera ordens para que todas as portas fossem vigiadas; assim não lhe era possível fugir ao próprio destino. Portanto, no dia em que o cadáver foi trasladado para a cripta real, o jovem foi obrigado a segui-lo. Uma vez lá dentro, fecharam e aferrolharam-lhe a porta.Perto do ataúde havia uma mesa e, em cima dela, quatro velas acesas, quatro pães e quatro garrafas de vinho. Quando terminasse essa provisão, ele teria de morrer à míngua. Cheio de angústia e tremendamente acabrunhado, o jovem comia, diariamente, apenas um pedacinho do pão e, do vinho, tomava um golinho apenas. Via, contudo, a morte aproximar-se inevitavelmente. Enquanto se achava assim absorto, olhando para a frente, viu uma serpente sair rastejando do canto da cripta e avizinhar-se do cadáver. Julgando que fosse mordê-la, desembainhou a espada dizendo:- Enquanto eu viver, ninguém lhe tocará - e cortou o réptil em três pedaços.Nisso, apareceu uma segunda serpente, que vinha rastejando do canto da cripta mas, quando viu a companheira morta e em pedaços, retirou-se voltando logo com três folhas verdes na boca. Pegou os três pedaços da serpente morta, juntou-os direito e sobre cada um dos talhos colocou uma folha. Os pedaços

uniram-se novamente, a serpente moveu-se e readquiriu a vida e, em seguida, fugiu com a companheira.As folhas ficaram caídas no chão e o infeliz, que assistira àquilo tudo, perguntou a si próprio se o poder mágico que continham, tendo ressuscitado a serpente, não poderia aplicar-se também a um ser humano? Recolheu então as folhas, colocou uma sobre a boca e as outras duas sobre os olhos da esposa falecida. Mal acabou de colocá-las, o sangue voltou a circular nas veias, afluindo-lhe ao rosto, dando-lhe natural colorido. Ela respirou, abriu os olhos e perguntou:- Oh, Deus meu, onde estou?- Estás comigo, minha querida mulher - respondeu o jovem.Em seguida, contou-lhe todo o sucedido e a maneira pela qual havia ressuscitado. Depois, deu-lhe um pedaço de pão e um pouco de vinho; assim que ela se reanimou, levantou-se e ambos foram bater à porta, esmurrando-a e gritando tão alto que os guardas ouviram e correram a avisar o rei. Este, em pessoa, desceu à cripta e abriu a porta, encontrando os dois vivos, sadios e viçosos como nunca; radiantes de alegria, abraçaram-se felizes por terem superado aqueles tormentos.O jovem rei levou consigo as três folhas e deu-as ao seu criado dizendo:- Guarda-as com cuidado e traze-as sempre contigo; quem sabe lá as circunstâncias que podem vir e se elas ainda servirão a alguém!Depois de ressuscitada, porém, a mulher mudara completamente; parecia que de seu coração se tivesse desvanescido todo o amor pelo marido. Este, decorrido algum tempo, quis fazer uma visita ao velho pai; ao embarcarem no navio que os levaria, a rainha esqueceu o grande amor e a dedicação que ele sempre lhe demonstrara, a ponto de tê-la salvo da morte e passou a nutrir uma paixão pecaminosa pelo comandante do navio. Certo dia, enquanto o rei estava dormindo, chamou o comandante e mandou que pegasse o marido pelos pés, enquanto ela segurava-o pela cabeça e atiraram-no ao mar. Consumado o crime, disse ela:- Agora voltaremos para casa. Diremos que ele morreu durante a viagem. Eu te exaltarei perante meu pai e tais elogios farei que ele consentirá em nosso casamento. Assim ficarás sendo tu o herdeiro da coroa.Mas o fiel criado, que tudo presenciara, foi, sem ser visto, destacar um bote salva-vidas e desceu ao mar. Entrou nele e foi vagando à procura de seu amo, deixando os traidores prosseguirem tranqüilamente a viagem. Assim que conseguiu pescar o cadáver, colocou-lhe nos olhos e na boca as três folhas verdes que trazia consigo, as quais lhe restituíram a vida.Juntos, então, puseram-se a remar dia e noite, com todas as forças e o bote voava por sobre as ondas com tamanha velocidade, que chegaram antes dos outros à presença do rei. Este, vendo-os regressar sozinhos, muito se admirou e perguntou qual o motivo. Ao ter conhecimento da crueldade da filha, exclamou:- Custa-me crer que tenha agido assim cruelmente, porém, a verdade logo virá à luz.Mandou que entrassem num quarto secreto e ficassem ocultos de todos. Não tardou muito e chegou o navio. A pérfida rainha apresentou-se ao pai muito aflita. Ele perguntou-lhe então:- Por que voltas sozinha? Onde está teu marido?- Ah, meu querido pai - respondeu ela - volto em grande luto; meu marido adoeceu repentinamente durante a viagem e faleceu. Se este bom comandante não me socorresse, não sei o que teria sido de mim. Ele assistiu-lhe a morte e pode contar tudo.- Eu vou fazer ressuscitar o morto - disse o rei.Abriu a porta do quarto secreto e fez sair os dois. Ao ver o marido, a rainha recebeu um choque tão grande como se lhe tivesse caído um raio aos pés. Prostrou-se de joelhos implorando perdão, mas o rei gritou-lhe:- Para ti não pode haver perdão! Ele mostrou-se pronto a morrer contigo; restituiu-te a vida e tu o assassinaste enquanto dormia. Deves, pois, receber o justo castigo.Conduziram-na, juntamente com o cúmplice, para um navio que fazia água e os lançaram ao mar, onde, não tardou muito, foram a pique e se afogaram.

O Lobo e os Sete Cabritinhos

Era uma vez uma velha cabra que tinha sete cabritinhos e os amava, como uma boa mãe pode amar os filhos. Um dia, querendo ir ao bosque para as provisões do jantar, chamou os sete filhinhos e lhes disse:- Queridos pequenos, preciso ir ao bosque; cuidado com o lobo; se ele entrar aqui, come-vos todos com uma única abocanhada. Aquele patife costuma disfarçar-se, logo o reconhecereis, porém, pela voz rouca e pelas patas negras.Os cabritinhos responderam:- Podeis ir sossegada, querida mamãe, ficaremos bem atentos.Com um balido, a velha cabra afastou-se confiante. Pouco depois, alguém bateu à porta, gritando:- Abri, queridos pequenos; está aqui vossa mãezinha que trouxe um presente para cada um!Mas os cabritinhos perceberam, pela voz rouca, que era o lobo.- Não abrimos nada, - disseram - não é a nossa mamãe; a mamãe tem uma vozinha suave; a tua é rouca; tu és o lobo!Então o lobo foi a um negócio, comprou um grande pedaço de argila, comeu-o e assim a voz dele tornou-se mais suave. Em seguida, voltou a bater à porta, dizendo:- Abri, queridos pequenos; está aqui a vossa mãezinha que trouxe um presente para cada um!Mas havia apoiado a pata negra na janela; os pequenos viram-na e gritaram:- Não abrimos, nossa mamãe não tem as patas negras como tu; tu és o lobo.O lobo correu, então, até o padeiro e lhe disse:- Machuquei o pé, queres esparramar-lhe em cima um pouco de massa?Quando o padeiro lhe espargiu a massa na pata, correu até o moleiro e disse:- Espalha um pouco de farinha de trigo na minha pata.O moleiro pensou: "Este lobo está tentando enganar alguém" e recusou-se a atendê-lo. O lobo, porém, ameaçou-o:- Se não o fizeres, devoro-te!O moleiro, então, se assustou e polvilhou-lhe a pata. Aliás, isso é comum entre os homens. O malandro foi, pela terceira vez, bater à porta dos cabritinhos, dizendo:- Abri, pequenos, vossa querida mãezinha voltou do bosque e trouxe um presente para cada um de vós!Os cabritinhos gritaram:- Mostra-nos primeiro a tua pata para que saibamos se és realmente nossa mamãezinha.O lobo não hesitou, colocou a pata sobre a janela e, quando viram que era branca, acreditaram no que dizia e abriram-lhe a porta. Mas foi o lobo que entrou. Os cabritinhos, amedrontados, trataram de se esconder. O primeiro escondeu-se debaixo da mesa, o segundo meteu-se embaixo da cama, o terceiro correu para dentro do forno, o quarto foi para a cozinha, o quinto fechou-se no armário, o sexto dentro da pia e o sétimo na caixa do relógio de parede. Mas o lobo encontrou-os todos e não fez cerimônias; engoliu-os um após o outro. O último, porém, que estava dentro da caixa do relógio, não foi descoberto. Uma vez satisfeito, o lobo saiu e foi deitar-se sob uma árvore, no gramado fresco do prado e não tardou a ferrar no sono. Não tardou muito e a velha cabra regressou do bosque.Ah, o que se lhe deparou! A porta da casa escancarada; mesa, cadeiras, bancos, tudo de pernas para o ar. A pia em pedaços, as cobertas, os travesseiros arrancados da cama. Procurou logo os filhinhos, não conseguindo encontrá-los em parte alguma. Chamou-os pelo nome, um após o outro, mas ninguém

respondeu. Ao chamar, por fim, o menor de todos, uma vozinha sumida gritou:- Querida mamãezinha, estou aqui, dentro da caixa do relógio.Ela tirou-o de lá e o pequeno contou-lhe que viera o lobo e devorara todos os outros. Imaginem o quanto a cabra chorou pelos seus pequeninos! Saiu de casa desesperada, sem saber o que fazer; o cabritinho menor saiu-lhe atrás. Chegando ao prado, viram o lobo espichado debaixo da árvore, roncando de tal maneira que fazia estremecer os galhos. Observou-o atentamente, de um e de outro lado e notou que algo se mexia dentro de seu ventre enorme.- Ah! Deus meu, - suspirou ela - estarão ainda vivos os meus pobres pequenos que o lobo devorou?Mandou o cabritinho menor que fosse correndo em casa apanhar a tesoura, linha e agulha também. De posse delas, abriu a barriga do monstro; ao primeiro corte, um cabritinho pôs a cabeça de fora e, conforme ia cortando mais, um por um foram saltando para fora; todos os seis, vivos e perfeitamente sãos, pois o monstro, na sanha devoradora, os engolira inteiros, sem mastigar.Que alegria sentiram ao ver a mãezinha! Abraçaram-na, pinoteando felizes como nunca. Mas a velha cabra lhes disse:- Ide depressa procurar algumas pedras para encher a barriga deste danado antes que ele desperte.Os cabritinhos, então, saíram correndo e daí a pouco voltaram com as pedras, que meteram, tantas quantas couberam, na barriga ainda quente do lobo. A velha cabra, muito rapidamente, coseu-lhe a pele de modo que ele nem chegou a perceber.Finalmente, tendo dormido bastante, o lobo levantou-se e, como as pedras que tinha no estômago lhe provocassem uma grande sede, foi à fonte para beber; mas, ao andar e mexer-se, as pedras chocavam-se na barriga, fazendo um certo ruído. Ele então pôs-se a gritar:Dentro da pança,que é que salta e pula?Cabritos não são;parece pedra miúda!Chegando à fonte, debruçou-se para beber; entretanto, o peso das pedras arrastou-o para dentro da água, onde se acabou afogando miseravelmente. Vendo isso, os sete cabritinhos saíram correndo e gritando:- O lobo morreu! O lobo morreu!Então, juntamente com a mãezinha, dançaram alegremente em volta da fonte.

Os Sete Corvos

Houve uma vez um homem que tinha sete filhos e, por mais que desejasse, nem uma filha. Finalmente, certo dia, a mulher deu à luz uma menina. Foi grande a alegria de ambos, mas a menina nasceu tão franzina e tão débil que tiveram que batizá-la às pressas.O pai mandou que um dos rapazes fosse depressa buscar água na fonte para a batizar; os outros seis foram junto e, como cada qual queria para si o privilégio de encher a bilha, esta caiu na água e desapareceu. Confusos, sem saber o que fazer e não ousando voltar para casa, quedavam-se lá parados. O pai, vendo que se demoravam tanto, impacientou-se:- Aposto que aqueles marotos estão lá brincando e esqueceram-se da água!E, com medo que a menina morresse sem batismo, gritou indignado:- Quisera que se transformassem todos em corvos!Mal acabou de pronunciar essas palavras, ouviu sobre a cabeça um ruflar de asas e viu sete corvos pretos como carvão alçarem vôo e desaparecerem.Era tarde demais para retirar a maldição pronunciada num assomo de raiva. Mas, embora desolado com a perda dos sete filhos, procurava consolar-se com a menina, que se foi fortalecendo e se tornando cada dia mais bonita.A menina ignorou, durante muito tempo, que tivera irmãos, porque os pais tinham o cuidado de não aludir a eles. Certo dia, porém, ouviu os vizinhos comentarem que ela era de fato muito linda, mas não deixava de ser a causa da desgraça de seus sete irmãos. Ouvindo isso, a menina ficou profundamente triste e perguntou aos pais se já tivera irmãos e o que era feito deles.Os pais, então, não puderam mais ocultar a verdade e contaram-lhe tudo, dizendo que fora um decreto do Céu e que seu nascimento não fora mais que inocente pretexto.A menina, porém, vivia amargurada com a idéia de ter sido a causa de seus males e achava que devia fazer tudo para libertar os irmãos. Não teve mais sossego e, um belo dia, saindo furtivamente de casa, foi pelo mundo afora, decidida a libertá-los, custasse o que custasse. Não levou consigo mais que um anelzinho ganho dos pais como lembrança; um pão para matar a fome, um cântaro de água para saciar a sede e uma cadeirinha para descansar quando estivesse cansada.Andou, andou, sempre para frente, longe, longe, até o fim do mundo. Chegou onde estava o Sol, mas ele era muito quente e assustador e gostava de devorar as crianças. Então fugiu depressa e foi onde estava a Lua, mas esta era muito fria, severa e má. Vendo a menina, disse:- Sinto cheiro, sinto cheiro de carne humana!A menina fugiu, correndo o mais rapidamente possível e foi onde estavam as estrelas, que a receberam gentilmente e com muita bondade. Estavam todas sentadas, cada qual em seu banquinho, mas a estrela d'alva levantou-se e, dando-lhe um ossinho de galinha, disse:- Sem este ossinho não conseguirás abrir a porta da montanha de vidro, onde se encontram teus irmãos.A menina aceitou o ossinho, embrulhou-o bem no lenço e foi andando até chegar à montanha de vidro. Ao chegar lá, viu que o portão estava fechado, então procurou o ossinho para abri-lo mas, infelizmente, o lenço estava vazio. Tinha perdido o presente das boas estrelas.Que fazer? Queria a todo o custo salvar os irmãos e não encontrava a chave para entrar na montanha de vidro. Então a irmãzinha bondosa pegou uma faca, cortou o dedo mindinho, introduziu-o na fechadura e, com grande facilidade, conseguiu abrir o portão. Quando entrou, veio um anão ao seu encontro e perguntou-lhe:- Que procuras aqui, minha filha?- Procuro meus irmãos, os sete corvos.- Os senhores corvos não estão em casa, mas, se quiseres esperar até que voltem, entra e fica à vontade.Depois o anãozinho serviu o jantar dos corvos em sete pratinhos e sete copinhos; a irmãzinha provou um pouco de cada pratinho e bebeu um gole de cada copinho; no último copinho, deixou cair o anel que trazia consigo.

Repentinamente, ouviu-se no ar um ruflar de asas e um forte crocitar. O anão disse:- Os senhores corvos estão chegando, ei-los!Chegaram, com efeito e queriam comer e beber; então cada qual procurou o seu pratinho e o seu copinho e logo exclamaram, um após o outro:- Quem comeu do meu pratinho?- Quem bebeu do meu copinho? Vejo que foi roçado por lábios humanos!Quando o sétimo foi beber, ao esvaziar o copinho, caiu-lhe na boca o anel. Pegou-o e reconheceu que era um anel de seus pais. Então exclamou:- Queira Deus que nossa irmãzinha esteja aqui! Assim seremos libertados.Ao ouvir essas palavras, a menina, que os espreitava de trás da porta, apareceu e os corvos imediatamente recobraram o aspecto humano.Então, abraçaram-na e beijaram-na muito contentes; depois, cheios de felicidade, regressaram todos para casa.

Os Quatro Irmãos Habilidosos

Era uma vez um pobre homem que tinha quatro filhos; quando já estavam crescidos, disse-lhes:- Meus caros filhos, já é tempo de que cuideis de vossa vida; ide, pois, pelo mundo afora. Eu nada tenho para vos dar; portanto, viajai para algum país estrangeiro e aprendei um ofício que vos permita viver honestamente.Os quatro irmãos despediram-se do pai, tomaram dos bordões e, juntos, saíram da cidade. Andaram algumas horas e chegaram a uma encruzilhada de onde partiam quatro estradas divergentes. Então, Pedro, que era o mais velho, disse aos irmãos:- Agora é melhor separarmo-nos; cada qual irá para um lado tentar fortuna; daqui a quatro anos, no mesmo dia e na mesma hora de hoje, devemos nos encontrar neste mesmo lugar.Cada qual seguiu por um caminho. O mais velho logo encontrou um homem, que lhe perguntou aonde ia e o que tencionava fazer.- Vou à procura de um ofício - respondeu o moço.- Pois bem, - disse o homem - vem comigo e aprenderás o ofício de ladrão.- Não, não, - respondeu Pedro - essa é uma profissão pouco honrada e, no fim da festa, acaba-se feito badalo na forca.- Oh, - retorquiu o outro - não deves temer a forca; eu te ensinarei somente como deves fazer para apropriar-te de objetos mais escondidos em lugar onde ninguém poderá ir no teu encalço.Pedro deixou-se persuadir e, nessa escola, tornou-se logo tão hábil na arte de roubar que nada mais estava em segurança desde que o desejasse.O segundo, que se chamava João, também encontrou um homem no seu caminho, que lhe perguntou para onde ia e o que desejava aprender.- Vou à procura de um ofício, mas ainda não sei qual.- Então vem comigo e aprenderás a ser um bom astrônomo; não há coisa melhor; nada haverá de oculto para ti.João aceitou e seguiu o mestre. Após algum tempo, tornou-se astrônomo perfeito e, quando apto a cuidar de si, quis continuar a viagem; o mestre fez-lhe presente um telescópio, dizendo:- Com este aparelho poderás ver tudo o que ocorre na Terra e no Céu e nada poderá ficar oculto de ti.O terceiro irmão, chamado José, entrou como aprendiz em casa de um caçador, que tão bem lhe ensinou tudo o que se relacionava com a arte de caçar, que ele se tornou caçador perfeitamente adestrado e insuperável. Quando terminou o aprendizado, despediu-se do mestre e este presenteou-o com uma espingarda, dizendo:- Esta espingarda nunca falha; com ela acertarás qualquer alvo.Miguel, o mais moço dos quatro irmãos, por sua vez encontrou um homem que lhe fez as mesmas perguntas e lhe sugeriu:- Não gostarias de aprender o ofício de alfaiate?- Não é do meu agrado; - respondeu o rapaz - não me entusiasma a idéia de ficar o dia inteiro curvado com uma agulha na mão!- Qual nada! - respondeu o homem - Isto é o que pensas; comigo aprenderás uma arte muito diversa. Uma arte digna e muito apreciada, mesmo honrosa!O rapaz convenceu-se; seguiu o mestre e acabou por se tornar um alfaiate de primeira ordem e muito hábil. Findo o tempo de aprendizado, despediu-se e o mestre presenteou-o com uma agulha, dizendo:- Com esta agulha podes coser seja lá o que for; quer seja mole como um ovo ou duro como o aço e a emenda ficará tão perfeita que ninguém poderá distinguir.Entretanto, os quatro anos passaram e, no dia marcado, os quatro irmãos encontraram-se no lugar combinado. Cheios de alegria, abraçaram-se e beijaram-se, dirigindo-se depois para a casa do pai. Este ficou radiante ao

tornar a vê-los.- Que bom vento vos trouxe novamente à casa? - disse, muito satisfeito.Os filhos contaram-lhe, então, todas as peripécias ocorridas com eles e a espécie de ofício que tinham aprendido. Estavam justamente sentados à sombra de uma frondosa árvore que havia em frente da casa e o pai, querendo certificar-se sobre o que diziam, propôs:- Desejo por à prova a vossa habilidade. Lá em cima, no topo da árvore, entre dois galhos, há um ninho de pintassilgos; dize-me, meu filho, - falou o pai dirigindo-se ao segundo - podes dizer-me quantos ovos há dentro dele?João, o astrônomo, pegou na luneta, dirigiu-se para a árvore e disse no fim de alguns segundos:- Há cinco.- Tu, - disse o pai ao mais velho - vai retirar os ovos, mas sem incomodar o pássaro que lá está chocando.O ladrão perito trepou pela árvore acima e, sem incomodar o pássaro, que nada percebeu, retirou os cinco ovos que estava chocando e trouxe-os para o pai, que os colocou sobre a mesa, um em cada ângulo e o quinto no centro. Dirigindo-se ao terceiro filho, disse:- Quanto a ti, tens de os furar pelo meio, com um só tiro de tua espingarda.O caçador apontou a espingarda e furou os ovos exatamente como lhe pedia o pai, acertando todos os cinco com um só tiro. (Com certeza ele possuía aquela espécie de pólvora que dobra as quinas!)- Agora a tua vez, Miguel - disse o pai. - Com tua famosa agulha, tens de coser as cascas dos ovos e os passarinhos que estão dentro, de maneira que o tiro não os prejudique.O alfaiate pegou a agulha e costurou tudo como exigia o pai. Quando terminou, Pedro tornou a ir por os ovos no ninho tão de leve que o pássaro não se apercebeu e continuou a chocar; alguns dias depois os filhotes saíram da casca como se não tivessem sido furados e tinham uma listrazinha vermelha em volta do pescoço, no lugar onde o alfaiate fizera a costura.- Muito bem, - disse o pai - só posso fazer os melhores elogios. Aproveitastes bem o vosso tempo, aprendendo com perfeição. Não sei a qual hei de dar o prêmio de destreza; veremos isso quando tiverdes oportunidade de empregar vossa arte.Algum tempo depois, o país todo estava em alvoroço, porque a filha do rei tinha sido roubada por um dragão. O rei, tremendamente aflito, mandou anunciar que aquele que a trouxesse de volta casaria com ela e, mais tarde, herdaria o trono.- Eis uma ótima ocasião para nos distinguirmos; - disseram os quatro irmãos - procuraremos juntos salvar a princesa.- Vou saber onde já onde ela se encontra - disse o astrônomo.Foi buscar a luneta e, olhando em todos os sentidos, disse:- Estou vendo-a; está sentada sobre um rochedo, no meio do mar, distante daqui muitas léguas; o terrível dragão está montando guarda junto dela.Apresentaram-se ao rei e pediram-lhe um navio; assim que o obtiveram, puseram-se a navegar em direção ao rochedo. A princesa continuava lá sentada e o terrível animal, deitado ao lado dela, dormia com a cabeça no seu regaço. O caçador disse:- Nessa posição em que se encontra, não posso atirar, pois mataria também a princesa.- Deixe isto por minha conta - disse o perito ladrão.Saltou para a terra, esgueirou-se sorrateiramente e retirou a princesa tão habilmente e com tanta destreza que o monstro não se apercebeu e continuou roncando.Radiantes de alegria, carregaram-na correndo para bordo e, soltando todas as velas, fizeram-se ao largo.Mas o dragão, despertando pouco depois e não vendo mais a princesa, saiu a persegui-los, rugindo furiosamente pelo espaço. Quando já pairava por cima do navio e ia precipitar-se sobre os fugitivos, o caçador apontou-lhe a espingarda e atingiu-o em pleno coração. O monstro despencou, fragorosamente, sem vida; mas era tão colossal que, ao cair, despedaçou completamente o navio.Felizmente, eles conseguiram agarrar-se a algumas tábuas e ficaram flutuando no vasto mar. Contudo, o perigo era imenso, mas o alfaiate, sem perder tempo, pegou a agulha prodigiosa e, num abrir e fechar de

olhos, coseu solidamente os destroços do navio, recolheu nele toda a ferragem, cosendo-a muito bem nos respectivos lugares. Executou o trabalho com tanta habilidade que, em breve, o navio ficou em condições de navegar e assim puderam voltar para casa.Ao ver a querida filha, o rei ficou transportado de alegria e disse aos quatro irmãos:- Cumprirei a promessa. Um dos quatro a receberá por esposa, mas, qual será, deveis decidi-lo entre vós.Então rebentou entre eles tremendo litígio, porque cada qual tinha as suas pretensões. O astrônomo dizia:- Se eu não tivesse descoberto com a minha luneta onde se encontrava a princesa, todas as vossas artes seriam vãs; portanto, sou eu que a devo desposar.- De que serviria saber onde ela estava, - protestou o ladrão - se eu não a tivesse subtraído ao dragão? Portanto, ela é minha.O caçador, por sua vez, dizia:- Qual nada; o monstro teria devorado todos vós e mais a princesa, se o tiro de minha espingarda não o tivesse matado; por conseguinte, ela me pertence.- E se eu, com minha agulha prodigiosa não tivesse recomposto o navio, teríeis todos perecido afogados; portanto, ela tem de ser minha.A discussão já ia longe, quando o rei interveio.- Na verdade, todos têm igual direito à mão de minha filha e, como ela não poderá casar com os quatro, nenhum a terá. Em compensação, cedo-vos a metade do meu reino para que o partilheis entre vós.Essa decisão agradou plenamente os irmãos, que exclamaram:- É bem melhor assim, antes que vivermos em desarmonia.Assim, cada qual instalou-se nos seus ricos domínios, vivendo muito felizes. O pai ia, alternadamente, passar três meses em companhia de cada um dos filhos, ficando todos satisfeitos, enquanto o bom Deus o permitiu.

Os Três Anõezinhos do Bosque

Houve uma vez, um homem a quem lhe falecera a mulher e uma mulher a quem lhe falecera o marido. Cada qual tinha uma filha e as duas jovens eram amigas.Um dia saíram a passear juntas e depois foram à casa da mulher. Esta disse à filha do homem:- Escuta, dize a teu pai que desejo casar-me com ele; assim, depois, todas as manhãs, terás leite para te lavar e vinho para beber, enquanto a minha filha se lavará com água e beberá só água.A jovem, voltando para casa, contou ao pai o que a mulher lhe dissera. O homem, então, disse:- Que devo fazer? O casamento é uma felicidade e, também, um tormento.Por fim, incapaz de decidir-se, descalçou uma bota e ordenou à filha:- Toma esta bota, que tem um buraco na sola; vai ao alpendre, pendura-a no prego grande e põe-lhe água dentro. Se a água sair pelo buraco, não me casarei.A jovem fez o que lhe era ordenado; a água, porém, fechou o buraco e a bota ficou cheia até a borda. Ela comunicou ao pai o sucedido e este, pessoalmente, foi certificar-se. Quando viu que era verdade, dirigiu-se à casa da viúva, pediu-lhe a mão e, em breve, realizaram-se as bodas.Na manhã seguinte ao casamento, quando as duas jovens se levantaram, a filha do homem encontrou leite para lavar-se e vinho para beber, enquanto que a filha da mulher só tinha água para lavar-se e água para beber.Na segunda manhã, havia água para lavar-se e água para beber, tanto para uma quanto para outra. E, na terceira manhã, havia água para lavar-se e água para beber diante da filha do homem e leite para lavar-se e vinho para beber diante da filha da mulher. E assim continuou sendo daí por diante.A mulher tomou aversão pela enteada e não sabia o que inventar para torná-la sempre mais infeliz. Além disso, invejava muito a enteada, que era linda e gentil, ao passo que sua própria filha era feia e grosseira.Quando chegou o inverno e a montanha e o vale se cobriram de neve dura de partir, a mulher fez um vestido de papel, chamou a enteada e lhe disse:- Toma aqui este vestido; veste-o e vai ao bosque colher para mim um cestinho de morangos, pois morro de vontade de comê-los.- Bom Deus, - exclamou a jovem - no inverno não crescem morangos, a terra está enregelada e tudo está coberto de neve. E, por que é que devo ir com o vestido de papel? Lá fora o frio é tão intenso que chega a gelar o hálito; além disso, o vento, soprando com força, o rasgará e os espinhos mo arrancarão do corpo!- Ousas contradizer-me? - disse, enfurecida, a madrasta - Vai depressa e não me apareças sem o cestinho bem cheio de morangos.Depois deu-lhe um pedaço de pão duro, acrescentando:- Toma lá, assim terás o que comer durante o dia. Enquanto isso, ia pensando: "Lá fora acabará enregelando e morrendo de fome e, assim, nunca mais me aparecerá pela frente".Obedecendo a ordem recebida, a jovem vestiu o vestido de papel e saiu levando o cestinho. Por todos os

lados não se via senão neve e neve; nem um só fio verde de erva. Chegando ao bosque, deparou com uma casinha e, nela, três anões espiando. A jovem, mui gentilmente, saudou-os e bateu levemente na porta.- Entre! - disseram os anões.Ela entrou na sala e sentou-se num banco junto da lareira; queria aquecer-se um pouco e comer a sua pobre merenda. Os anões disseram:- Dá-nos um pouco disso, sim!- Com muito prazer - disse ela.Partiu o pedacinho de pão duro em duas metades e deu uma a eles.- Que estás procurando aqui no bosque, em pleno inverno e com esse vestidinho tão fino? - perguntaram-lhe eles.- Oh, - disse, pesarosa, a jovem - preciso colher um cestinho de morangos; se não os achar não poderei voltar para casa.Assim que terminou de comer o pedaço de pão, os anões deram-lhe uma vassoura, dizendo:- Pega esta vassoura e varre a neve acumulada em frente à porta dos fundos da casa.Quando ela saiu para fazer o que lhe mandaram, os anõezinhos disseram:- Com que vamos presenteá-la por ser tão boa e delicada? Pois repartiu conosco o seu pedacinho de pão!Então, o primeiro disse:- Eu dou-lhe o dom de tornar-se cada dia mais linda.Disse o segundo:- E eu, que da boca lhe caiam moedas de ouro a cada palavra que pronunciar.E o terceiro acrescentou:- Eu, então, quero que apareça um rei e com ela se case.A jovem, tendo executado o trabalho, varrendo toda a neve atrás da casinha, o que pensais que achou? Uma grande quantidade de morangos madurinhos e vermelhinhos que despontavam por entre a neve. Apressou-se alegremente a encher o cestinho, depois foi agradecer aos anõezinhos, apertando-lhes a mão de um a um; em seguida, correu à casa para entregar à madrasta o que esta lhe havia pedido. Ao entrar, disse:- Boa noite!Dizendo isso, caiu-lhe da boca um moeda de ouro. Passou depois a contar o que lhe havia acontecido no bosque e, a cada palavra que pronunciava, mais e mais moedas de ouro lhe caíam da boca, tantas que, em breve, o quarto ficou cheio delas.- Vejam só que insolência! - disse a irmã torta - Jogar o dinheiro dessa maneira!No seu íntimo, porém, estava se remoendo de inveja. Quis também ir ao bosque colher morangos, mas a mãe objetou:- Não, minha querida filhinha, faz muito frio lá fora e poderias enregelar-te.A filha, entretanto, não a deixou em paz, até que ela acabou consentindo. Fez-lhe um magnífico casaco de peles para que vestisse e deu-lhe pão com manteiga e bolo para comer no caminho.Tendo chegado ao bosque, a jovem avistou a casinha e, ainda dessa vez, os três anões estavam espiando para fora; mas ela não se deu ao trabalho de saudá-los e, sem mesmo olhar para eles, sem dirigir-lhes a palavra, foi entrando toda emproada pela sala adentro; sentou-se no banco junto à lareira e pôs-se a comer o pão com manteiga e o bolo.- Dá-nos um pouquinho, sim? - pediram eles.Mas ela respondeu com maus modos:- Mal chega para mim, como posso dar aos outros?Quando terminou de comer, pediram-lhe os anões:- Eis aqui esta vassoura, varre com ela a neve acumulada em frente à porta dos fundos da casa.- Pois sim! - retorquiu ela - Varrei vós mesmos, pois não sou vossa criada!Vendo que não a presenteavam e que não lhe davam os morangos, foi saindo sem cumprimentar ninguém. Os anõezinhos, então, disseram:- Como devemos presenteá-la, já que é tão grosseira e tem um coração tão perverso e invejoso e não tem caridade?O primeiro falou:

- Eu dou-lhe o dom de tornar-se cada dia mais feia.Disse o segundo:- E eu, que lhe salte da boca um sapo a cada palavra que pronunciar.O terceiro acrescentou:- Por mim, que tenha uma morte horrível.A jovem ainda se demorou fora procurando os morangos, mas, como só havia neve por toda a parte e não viu um só morango, voltou irritada para casa. Ao abrir a boca para contar à mãe o que ocorrera no bosque, a cada palavra que proferia saltava-lhe um sapo da boca. Vendo isso, todos sentiram horror dela.A madrasta enfureceu-se mais ainda e só pensava na maneira de causar o maior mal à enteada, cuja beleza aumentava de dia para dia. Por fim, lembrou-se de por a ferver, num caldeirão, um pouco de fio cru. Quando o teve fervido, chamou a pobre enteada e colocou-lhe o caldeirão nas costas, deu-lhe um machado e mandou que fosse ao rio gelado, abrisse um buraco no gelo e lavasse o fio fervido.A jovem obedeceu; foi ao rio, fez um buraco no gelo e, ainda manejava o machado, quando apareceu um esplêndida carruagem, dentro da qual estava o rei. O rei mandou parar a carruagem e, dirigindo-se à jovem, perguntou:- Quem és, minha menina? E que estás fazendo aí?- Sou uma pobre moça e tenho que bater o fio.Vendo que era tão linda, o rei compadeceu-se ela e disse:- Queres vir comigo?- Oh, sim, de todo coração - ela respondeu, ansiosa por abandonar a madrasta e a filha.Subiu na carruagem, sentou-se ao lado do rei e foi com ele. Quando chegaram ao castelo, passado pouco tempo, realizaram as bodas com grande fausto, conforme lhe haviam desejado os anõezinhos do bosque.Decorrido um ano, a jovem rainha deu à luz um menino. Tendo conhecimento da grande felicidade que lhe tocara, a madrasta e a filha dirigiram-se ao castelo sob pretexto de fazer-lhe visita. Mas, a um dado momento, tendo o rei se ausentado e ninguém se achando por perto, a megera pegou a rainha pela cabeça enquanto a filha a pegava pelos pés, arrancaram-na do leito e atiraram-na pela janela dentro do rio que corria lá embaixo. Em seguida, a horrível filha meteu-se no leito e a velha cobriu-a até a cabeça. Quando o rei voltou, querendo falar com sua esposa, a velha interpôs-se:- Psiu! Psiu! Agora não; a rainha está suando, por hoje deveis deixá-la repousar.Não desconfiando do embuste, o rei se foi e voltou só na manhã seguinte. Conversou com a esposa e viu que, ao responder-lhe, saltava de sua boca um sapo a cada palavra que dizia, enquanto que, antes, lhe caíam moedas de ouro. Surpreendido, perguntou a razão daquilo; a velha então respondeu que era efeito do forte suadouro, mas que logo desapareceria.Naquela noite, porém, o ajudante de cozinha viu chegar do rio uma pata nadando, a qual assim falou:- Ó meu rei, o que estás fazendo? Dormes ou estás velando?Como o criado não respondesse nada, ela continuou:- E as minhas hóspedes, que fazem?Então o ajudante de cozinha respondeu:- Dormem tranqüilamente.Ela perguntou:- E o que faz o meu filhinho?- Dorme no seu bercinho.Retomando o aspecto de rainha, ela então subiu as escadarias, amamentou o filhinho, ajeitou-lhe a caminha e deitou-o, cobrindo-o bem; depois, sob a forma de pata, foi-se embora nadando. Fez isso durante três noites seguidas; na terceira noite, ela ordenou ao ajudante de cozinha:- Vai dizer ao rei que venha aqui com a espada e, na soleira da porta, faça-a girar três vezes sobre a minha cabeça.O ajudante de cozinha foi correndo transmitir o recado ao rei. Este logo se apresentou com a espada e a fez girar três vezes sobre a pata; na terceira vez, viu surgir a esposa, cheia de vida, de saúde e tão linda quanto antes.Radiante de alegria, o rei escondeu-a num quarto até o domingo seguinte, que era o dia do batizado da

criança. Terminada a cerimônia, o rei perguntou à velha:- Que é que merece uma pessoa que arranca a outra da cama e a joga no rio?- Não há nada melhor, - respondeu a velha - do que meter essa malvada dentro de um barril forrado de pregos e depois fazê-lo rolar morro abaixo até o rio.O rei então exclamou:- Acabas de pronunciar tua própria sentença.Mandou buscar um barril, que fez forrar de pregos; meteu dentro dele a velha com a filha, pregaram bem os tampos e fizeram-no rolar pelo declive, até cair dentro do rio.

Os Filhos de Ouro

Houve uma vez um homem e uma mulher muito pobres, cujo único patrimônio era uma tosca choupana e que viviam do insignificante produto da pesca de cada dia.Ora, aconteceu que, um dia, estando o pescador sentado à beira da água a lançar a rede, apanhou, de permeio a alguns peixinhos inúteis, um grande e todo de ouro. Ficou aí embasbacado a contemplá-lo, sem saber que pensar e, nisso, o peixe abriu a boca e falou:- Escuta, meu bom pescador, se me jogares novamente dentro da água, eu transformarei tua pobre choupana em esplêndido palácio.O pescador respondeu, laconicamente:- Para que me serve um belo palácio se nada tenho de comer?O peixe de ouro replicou:- Isso também será providenciado; haverá no palácio um armário e, quando o abrires, encontrarás dentro numerosos pratos, contendo as mais finas iguarias que possas desejar.- Bem, - disse o pescador - se é assim, nada perco fazendo-te esse favor.- Porém, - acrescentou o peixe - há uma condição a observar; não deves revelar a pessoa alguma deste mundo, seja quem for, de onde provém a tua riqueza. Se disseres uma única palavra a este respeito, tudo desaparecerá imediatamente.O homem assentiu com a cabeça e tornou a jogar na água o peixe prodigioso; depois voltou para casa. Entretanto, no lugar da velha e tosca choupana, surgia agora um magnífico palácio. Ele arregalou os olhos, estupefato, e foi entrando. Numa sala muito luxuosa, viu a mulher sentada num divã, trajando roupas maravilhosas. Não cabendo em si de felicidade, ela disse ao marido:- Meu caro, como foi que isto aconteceu? Assim de um instante para outro? Ah, não calculas quanto me agrada e como estou contente!- Sim, - respondeu o marido - eu também estou contente e tudo isto me agrada muito, mas estou morrendo de fome. Arranja-me qualquer coisa para comer.- Mas não tenho nada que se coma! - respondeu a mulher - Ainda não me ambientei nesta nova casa e não sei onde achar as coisas.- É muito simples, - respondeu o marido - vejo lá naquele canto um armário; abre-o, quem sabe se não há alguma coisa dentro dele?Com efeito, ao abrir o armário, a mulher viu, maravilhada, excelentes broas, carne assada, frutas, doces,

vinhos, tudo do melhor e muito tentador à espera de ser bem aproveitado. No auge da alegria, ele exclamou:- Meu coração, que mais podes desejar?Com a melhor disposição deste mundo, sentaram à mesa, o marido e a mulher, comeram e beberam regaladamente; uma vez satisfeitos, a mulher lembrou-se de perguntar:- Mas de onde provém, marido, toda esta riqueza?- Não mo perguntes, mulher, não posso dizê-lo. Se revelar a alguém este segredo, nossa felicidade acabará.- Bem, - disse ela - o que não devo saber não me interessa!Mas não estava sendo sincera; por dentro remoía-se noite e dia. A curiosidade não lhe dava sossego e, tanto especulou e atormentou o marido, que este, num assomo de impaciência, acabou por confessar ser tudo aquilo obra e graça de um prodigioso peixe de ouro, que lhe caíra na rede e lhe pedira, encarecidamente, para ser lançado novamente na água. Mal acabou de falar, o magnífico palácio, com armário e tudo o mais, desapareceu e eles viram-se novamente instalados na tosca choupana.E o pescador teve que retornar ao rude trabalho. Mas a sorte favoreceu-o, fazendo com que pescasse outra vez o peixe de ouro.- Escuta pescador, - disse-lhe o peixe - se me jogares na água, dar-te-ei novamente o belo palácio com o armário, as boas comidas e tudo o que tinhas. Deves, porém, resistir à tentação e não revelar a ninguém quem te deu essas coisas; do contrário, perderás tudo como da primeira vez.- Oh, agora serei precavido! - respondeu o pescador e jogou o peixe na água.Em casa, tudo voltara ao esplendor de antes e a mulher estava felicíssima com sua riqueza. A curiosidade, porém, voltou a espicaçá-la sem tréguas e, passados alguns dias, não pôde conter-se mais. Tornou a indagar sem cessar como ocorrera aquilo e o que havia feito. O marido tentou por todos os meios eximir-se de responder, mas, finalmente, ficou tão amolado com a insistência dela que, num momento de impaciência, deixou escapar da boca o segredo.Imediatamente desapareceu o palácio e tudo o mais, encontrando-se eles na velha choupana.- Bem que o disse! - exclamou o marido - Aí tens; agora seremos obrigados a arrastar nossa existência lutando com unhas e dentes para viver!- Pois eu, - disse a mulher - antes prefiro renunciar a essa riqueza a ficar sem saber de onde vem. Não teria nunca um mínimo de sossego.O pescador voltou a pescar. O tempo foi passando, passando, até que, um belo dia, apanhou o peixe de ouro pela terceira vez e as coisas processaram-se como das outras vezes.- Ouve-me, pescador; - disse o peixe - vejo que é minha sina cair sempre nas tuas mãos. Portanto, desta vez leva-me para casa e corta-me em seis pedaços; darás dois à tua mulher, para que os coma; outros dois ao teu cavalo e os dois restantes enterra-os; terás muita sorte com isso.O pescador obedeceu: Levou o peixe para casa e fez tudo conforme lhe fora ordenado. Aconteceu, então, que, dos pedaços enterrados, brotaram dois pés de lírios de ouro; do cavalo, nasceram dois potrinhos de ouro e, da mulher, nasceram dois filhos inteiramente de ouro.As crianças iam crescendo belas e viçosas e, na mesma medida, cresciam também vigorosos os potros e os lírios. Tudo corria muito bem até que, certo dia, os filhos disseram:- Papai, nós queremos montar em nossos belos cavalos de ouro e correr o mundo.O pescador, muito triste, respondeu-lhes:- Se fordes embora, como agüentarei ficar sem saber como passais?- Ora, papai! - responderam os filhos - Aqui ficam os dois lírios de ouro, graças aos quais podes saber como passamos; quando estão viçosos, significa que estamos bem e, se murcharem, que dizer que estamos doentes. Mas, se caírem, isso significa que morremos.Depois de se despedirem dos pais, os jovens partiram nos corcéis de ouro. Tendo andado bastante, chegaram a uma hospedaria onde havia muita gente; assim que essa gente viu os dois rapazes de ouro, romperam em ruidosas gargalhadas, zombando deles. Ouvindo tais zombarias, um dos rapazes envergonhou-se e desistiu de ir mais longe; deu volta ao cavalo e regressou à casa do pai.O outro, porém, mais audacioso, continuou o caminho e foi dar a uma grande floresta. Dispondo-se a atravessá-la, alguém o preveniu, dizendo:- É impossível atravessar essa floresta; está infestada de bandidos, que poderão causar-te grandes males.

Além disso, vendo que és de ouro, assim como teu cavalo, naturalmente matarão um e outro.Mas o rapaz não se amedrontou e respondeu:- Preciso e quero atravessá-la, custe o que custar.Então arranjou algumas peles de urso e cobriu-se inteiramente, fazendo o mesmo com o cavalo, de maneira que não se percebia a menor nesga de ouro; depois de assim disfarçado, penetrou calmamente na floresta. Tendo andado um certo trecho de caminho, ouviu um sussurro de vozes por entre as moitas, como de gente a falar entre si. De um lado diziam:- Eis um aí!Do outro lado, ouviu dizer:- Deixa-o ir! É um pele de urso, pobre e pelado como um rato de igreja, que faríamos com ele?Assim o rapaz de ouro conseguiu atravessar, sem maiores aborrecimentos, a floresta.Certo dia, passando por um povoado, viu uma jovem tão linda que, pensou ele, no mundo inteiro era impossível encontrar melhor. Apaixonou-se instantaneamente; então, aproximou-se dela, dizendo:- Linda jovem, amo-te de todo o coração; queres ser minha esposa?Ela também se apaixonou por ele e aceitou a proposta.- Quero sim - disse-lhe - e prometo ser uma esposa fiel e carinhosa por toda a vida.Então casaram-se e, quando estavam no melhor da festa, chegou o pai da moça que, ao ver a filha casando-se, ficou muito surpreendido e perguntou:- Mas onde está o noivo?- É este - disseram, indicando-lhe o rapaz de ouro, ainda revestido com a pele de urso.O pai não pôde conter o furor à vista do noivo e queria matá-lo.- Nunca, nunca darei minha filha a um vagabundo, um reles pele de urso!A noiva atirou-se-lhe aos pés, suplicando desesperadamente:- Ele agora é meu marido e eu amo-o de todo o coração!Tanto implorou e chorou que o pai se acalmou. Mas aquilo não lhe saía do pensamento, preocupando-o o tempo todo. Na manhã seguinte, levantou-se bem cedo e quis certificar-se com seus próprios olhos se o marido de sua filha era realmente um reles vagabundo.Dirigiu-se pé-ante-pé ao quarto deles e espiou pela fechadura da porta. Quando viu deitado na cama um belo rapaz de ouro e no chão as peles de urso, voltou pelo mesmo caminho, dizendo com os seus botões:- Ainda bem que dominei a tempo minha tremenda cólera, senão teria cometido um crime abominável.Durante o sono, o filho de ouro teve um estranho sonho. Parecia-lhe estar caçando na floresta e que perseguia um esplêndido cervo. Pela manhã, quando acordou, disse à mulher que desejava ir caçar na floresta. Ela, receando alguma desventura, suplicou-lhe que ficasse em casa, explicando:- Tenho pressentimento que te poderia acontecer alguma desgraça.Mas ele insistiu, não acreditando no pressentimento da mulher.- É preciso que eu vá; tenho de ir, custe o que custar.Levantou da cama, preparou-se e foi para a floresta. Não demorou muito, viu surgir pela frente um belíssimo cervo, exatamente como vira em sonho. Apontou a espingarda e ia atirar mas, de um salto, o cervo deitou a fugir, enquanto o moço o perseguia por entre vales e sebes. A correria durou o dia inteiro, mas, ao anoitecer, o cervo desapareceu sem deixar traços.O rapaz, desconsolado, pôs-se a olhar de um lado para outro e, nisso, avistou bem em sua frente uma casinha habitada por uma bruxa. Foi até lá e bateu na porta; saiu uma velhinha perguntando:- Que estás fazendo de noite nesta floresta?- Não viste por acaso passar um cervo por aqui? - perguntou o moço.- Ah, sim, - respondeu ela - conheço-o muito bem!Com a velha saíra também um cãozinho, que latia e investia furiosamente para ele.- Cala-te, sapo imundo, - disse o moço, exasperado - se não te mato.Então a bruxa gritou, revoltada:- Como? Pretendes matar meu cãozinho?E, instantaneamente, transformou o rapaz numa pedra. Enquanto isso, a recém-casada esperava em vão o marido.

- Certamente lhe aconteceu aquilo que tanto me amedrontava e me oprimia o coração - pensava ela aflita.Na casa paterna, o outro irmão estava contemplando os lírios de ouro quando, subitamente, viu um deles perder a haste.- Deus, Deus, meu Deus! - exclamou angustiado - Aconteceu uma grave desgraça a meu irmão! É preciso que eu parta imediatamente, talvez ainda consiga salvá-lo.Mas o pai tentou dissuadí-lo, dizendo com tristeza:- Não partas, meu filho! Fica aqui comigo; se perco a ti também, que farei depois?- Não, meu pai, - respondeu o moço - preciso de ir ver o meu irmão.Montou no cavalo de ouro e disparou rumo à floresta, onde seu irmão jazia petrificado.A velha bruxa saiu de dentro da casinha e convidou-o, querendo apanhá-lo também na rede; mas ele não se aproximou, gritando-lhe de longe.- Restitui a vida a meu irmão, se não te mato agora mesmo.Embora de má vontade, ela tocou com a ponta do dedo a pedra e logo esta se reanimou, recuperando a forma humana.

Loucos de alegria por se tornarem a ver, os dois irmãos de ouro abraçaram-se e beijaram-se muito comovidos. Em seguida, cada qual em seu cavalo, saíram da floresta, dirigindo-se um para os braços da esposa e o outro para a casa do pai, que, ao vê-lo de volta, exclamou:- Eu já sabia que conseguiras salvar teu irmão; porque o lírio de ouro endireitou-se repentinamente e refloresceu com todo o viço.Depois disso, todos eles viveram alegres e felizes durante muitos e muitos anos, até o fim de suas vidas.

O Patinho Feio

O campo estava maravilhoso. Era verão. As plantações de trigo estavam douradas; a aveia, verde; o feno fora empilhado em medas nos prados verdejantes e a cegonha, com suas longas pernas vermelhas, palrava em egípcio, pois foi essa a língua que aprendera com sua boa mãezinha. Rodeando os campos e os prados havia grandes florestas e, no meio delas, se estendiam grandes lagos. Sim: O campo estava maravilhoso. Alumiada pelo sol, desenrolava-se uma grande fazenda com profundos canais e, descendo dos paredões até a água, cresciam enormes bardanas, tão altas que as crianças podiam ficar em pé debaixo da mais alta dentre elas. O lugar era tão agreste quanto a floresta mais densa e havia ali uma pata sentada no seu ninho. Ela estava chocando os seus patinhos. Os outros patos e patas preferiam nadar nos canais a sentar-se debaixo de uma bardana para grasnarem entre si.Finalmente as cascas se romperam, uma após outra.- Pip! Pip! - ouvia-se piar e, em todos os ovos, patinhos pequeninos espichavam a cabeça para fora.- Quá! Quá! - faziam todos, saindo o mais depressa que podiam. Depois olhavam as folhas verdes ao redor e a pata os deixava olhar quanto queriam, pois o verde faz bem à vista.- Como o mundo é grande! - diziam os pequeninos, pois agora tinham, para se moverem, um espaço maior do que havia dentro dos ovos.- Estão pensando que o mundo é só isso? - perguntou a pata - Ora, o mundo se estende até o outro lado do jardim, quase até entrar no campo do pároco; mas eu nunca fui lá. Espero que todos vocês estejam aí - e a pata levantou-se. - Não, falta um. O ovo maior ainda não foi rompido. Será que demora muito? Já estou cansada dessa brincadeira! - e a pata tornou a sentar-se no ninho.- Então, como vai isso? - perguntou-lhe um velho pato que veio visitá-la.- O último ovo está demorando muito para se romper - disse a pata. - A casca não quer se partir. Olhe os outros: Não são os patinhos mais lindos do mundo? Parecem-se com o pai, aquele malandro... Nunca vem me visitar...- Deixe-me ver o ovo que não quer se romper - pediu o visitante. - Fique certa que é um ovo de peru. Uma vez fui logrado dessa maneira e tive um trabalhão com os pequenos, pois ele têm medo da água. Preciso dizer-lhe que não consegui fazê-los entrar? Cacarejava, cocoricava, qual nada! Deixe-me ver o ovo. Sim: É um ovo de peru. Largue-o onde está e vá ensinar os outros a nadar.- Acho que vou chocá-lo um pouco mais - disse a pata. - Já fiquei tanto tempo sentada que não me custa chocar mais alguns dias.- Como quiser - disse o visitante; e foi-se embora.

Afinal o ovo grande se rompeu.- Pip! Pip! - piou o filhotinho, saindo para fora. Mas como era grande e como era feio! A pata observou-o.- É um patinho muito grande! - disse a pata. - Nenhum dos outros se parece com ele. Não será porventura um peruzinho? Bem, logo descobriremos. Ele tem de entrar na água, mesmo que seja preciso empurrá-lo!No dia seguinte fez um tempo maravilhoso; o sol brilhava nas verdes árvores. A mãe pata dirigiu-se para o canal, levando toda a família. Quá! Quá! - chamava ela e um patinho após o outro foi mergulhando. A água cobria as cabecinhas, mas, logo em seguida todos vieram à tona, nadando magnificamente. Suas pernas se mexiam sozinhas e todos estavam dentro da água. O patinho feio nadava junto com os demais.- Não, não é peru - disse a pata. - Veja como sabe usar as pernas e com que aprumo se mantém! É meu filho mesmo - verdade! De modo geral é até bonito, se a gente o contempla de um ângulo favorável. Quá! Quá! Venha comigo e levarei você para ver o mundo. Quero apresentá-lo no terreiro dos patos, mas não se afaste de mim: Poderão pisá-lo. E olhe aqui: Cuidado com os gatos!E foram todos para o terreiro dos patos. Reinava ali uma grande balbúrdia, pois duas famílias brigavam por causa da cabeça de uma enguia e, afinal, foi o gato que ficou com ela.- Vejam: Assim é o mundo! - disse a mãe pata, amolando o bico, pois também ela era pretendente à cabeça da enguia.- Usem apenas as pernas - disse ela. - Vejam se podem se mexer e fazer um cumprimento de cabeça à velha pata acolá! É a mais importante de todos aqui. Tem sangue espanhol, por isso é tão gorda. E... vocês vêem? Traz um trapo vermelho ao redor da perna; isso é uma coisa particularmente excelente, a maior distinção que um pato pode receber. Significa que nós não queremos perdê-la e que ela deve ser conhecida não apenas pelos animais mas também pelos homens. Sacudam-se! Não virem os dedos para dentro. Um pato educado vira os pés para fora, exatamente como fazem papai e mamãe. Assim! Agora inclinem a cabeça e digam: Quá!E assim fizeram eles; mas os outros patos à volta fitaram-nos e disseram com grande ousadia:- Olhem ali! Agora temos de agüentar esse mundo de patos, como se só nós já não bastássemos. E... olhem ali: Vejam o aspecto daquele patinho novo, acolá! Não: Não podemos suportá-lo!E um pato voou em cima dele e deu-lhe uma bicada no pescoço.- Deixem-no em paz! - disse a mãe. - Ele não faz mal a ninguém.- Sim, mas é muito grande e esquisito - disse o pato que o bicara. - Por isso deve ser abatido.- Bonitos filhotes os que a mãe tem lá adiante - disse a velha pata que trazia na perna o trapinho vermelho. - Todos bonitos, menos um. Que infelicidade! Eu gostaria que ela tornasse a chocá-lo.- Isso é impossível, minha senhora - respondeu a mãe pata. - Ele não é bonito, mas tem bom gênio e nada tão bem quanto qualquer outro; diria até que, às vezes, nada melhor. Acho que será bonito quando crescer e com o tempo não parecerá tão grande. Ficou muito tempo dentro do ovo, por isso não é tão bem formado.Dizendo isso, a mãe pata beliscou-o no pescoço e alisou-lhe as penas.- Além disso, é macho - continuou a mãe pata. - Por isso, não faz mal que seja grande e desajeitado. Acho que vai ser muito forte: Já está progredindo.- Os outros patinhos são muito graciosos - disse a velha pata. - Fiquem à vontade; se encontrarem uma cabeça de enguia, tragam-na para mim.E todos ficaram à vontade. Mas o pobre patinho, que saíra por último do ovo e era tão feio, foi bicado, empurrado e ridicularizado, tanto pelos patos quanto pelas galinhas.- É grande demais! - diziam. E o peru velho, que nascera de esporas e que, por isso, se julgava imperador, estufou-se como uma vela de navio ao vento e foi direto para cima dele; depois deu um regougo e ficou com a cara muito vermelha. O pobre patinho não sabia se parava ou andava; estava triste porque era feio e porque toda a pataria o tomava por alvo das suas chacotas.Assim passou o primeiro dia; depois as coisas foram ficando cada vez piores. O pobre patinho era perseguido por todo mundo; até seus irmãos e suas irmãs tinham raiva dele e diziam:- Por que o gato não te come, bicho feio?E a mãe acrescentava:- Se ao menos você fosse para longe!E os patos bicavam-no e as galinhas batiam-lhe e a menina que trazia comida para as aves dava-lhe pontapés.

Um dia, o patinho alçou vôo e saltou a cerca, assustando os passarinhos do cerrado.- Assustam-se só porque sou feio! - pensou o patinho e fechou os olhos, continuando a voar. Foi assim que chegou a um grande pântano, onde moravam os patos selvagens. Ali ficou a noite inteira, cansado e deprimido.De manhã cedo, os patos selvagens levantaram vôo e viram o novo companheiro.- Que espécie de ave você é? - perguntaram-lhe.O patinho virou-se em todas as direções e foi cumprimentando o melhor que pôde.- É extraordinariamente feio! - disseram os patos selvagens. - Isso porém não nos importa, desde que não se case com alguém de nossa família.Pobre bichinho! Decerto nem pensava em casamento e só queria licença para descansar entre os juncos e beber um pouco da água do pântano.Ficou ali dois dias inteiros; depois viu chegarem dois gansos selvagens. Não fazia muito tempo que tinham saído do ovo e, por isso, eram muito pretensiosos.- Escute, camarada, - disse um deles - você é tão feio que até gosto de você. Quer vir conosco e virar ave de arribação? Perto daqui, em outro pântano, há muitas gansas selvagens, todas muito lindas e solteiras. Não há nenhuma que não saiba dizer: Quá! Você pode fazer fortuna, malgrado a sua feiúra.- Pif! Paf! - E o ar estrondejou, enquanto ambos os gansos caíram mortos no pântano, tingindo a água de sangue. Pif! Paf! - Tornou o ar a estrondejar e todo o bando de gansos selvagens levantou vôo dentre os juncos. Depois soaram outros tiros: Era uma caçada! Os caçadores estavam de tocaia ao redor de todo o pântano e alguns até tinham se empoleirado nos galhos das árvores que se estendiam por cima dos juncos. Uma fumaça azul se evolava como nuvens dentre as árvores escuras e era impelida para longe sobre o pântano. Depois surgiram os cães de caça - plac! plac! - e os juncos e os caniços se dobravam para ambos os lados. Que susto o do pobre patinho! Ele entortou a cabeça e enfiou-a debaixo da asa; mas, naquele instante, um horrível canzarrão aproximou-se dele. Tinha a língua de fora e seus olhos lançavam chispas medonhas. Afocinhou o patinho, arreganhou os dentes e... - plac! plac! - lá se foi, deixando-o em paz.- Graças a Deus! - suspirou o patinho. - Sou tão feio que nem o cão me quis morder!E ficou muito quieto, enquanto tiros pipocavam nos juncos e se disparava espingarda após espingarda. Até que, ao final do dia, tudo se aquietou; mas o pobre patinho não ousou levantar-se. Esperou muitas horas para enfim olhar à volta e sair do pântano o mais depressa que pôde. Correu no prado e na campina; desabara uma tempestade tão forte que lhe era difícil locomover-se de um lugar para outro.Quase ao cair da noite, o patinho chegou à cabana miserável de um camponês. Essa cabana estava de tal modo arruinada que nem mesmo se sabia de que lado iria cair. (E porque não se sabia, é que continuava de pé). A tempestade assobiava com tanta fúria em torno do patinho que o pobre foi obrigado a se sentar a fim de enfrentá-la. Mas o vento era cada vez mais forte. O patinho notou então que uma das dobradiças da porta tinha caído e que ela estava meio inclinada, de modo que havia uma fresta por onde o patinho podia entrar na cabana. E foi isso o que fez.Ali morava uma mulher com um gato e uma galinha. E o gato, que ela chamava de Filhinho, sabia arquear o dorso e ronronar. Podia até expedir faíscas; mas, para que isso acontecesse, a gente precisava alisá-lo a contrapelo. A galinha tinha pernas um tanto curtas e, por isso, se chamava Chicachica Chancacurta. Botava ovos muito bons e a mulher lhe queria como se ela fosse sua própria filha.Logo cedo notaram a presença do patinho e o gato começou a ronronar e a galinha a cacarejar.- Que será isso? - perguntou a mulher, olhando em volta. Mas, como não enxergava bem, pensou que o patinho fosse um gordo pato extraviado.- Que presente raro! - exclamou ela. - Agora sim, vou comer ovos de pato. Espero que não seja ganso. Vamos experimentar.E assim, a título de experiência, o patinho foi admitido na casa da mulher durante três semanas. Mas nenhum dono apareceu. E o gato era o dono da casa; e a galinha, a dona. Costumavam dizer: "Nós e o mundo!" - como se ambos fossem a metade do mundo e, de longe, a melhor metade... O patinho pensava que era permitido ter uma opinião diferente, mas quem disse que a galinha concordava?- Você põe ovos? - perguntou.- Não.

- Então cale a boca!E o gato disse:- Você pode arquear o dorso, ronronar e soltar faíscas?- Não.- Então não se intrometa quando falam pessoas sensatas.E o patinho foi sentar-se muito triste a um canto. Mas o sol e o ar fresco jorraram no lugar onde ele estava e sentiu uma tal saudade de nadar que não pôde deixar de dizê-lo à galinha.- Vejam só no que está pensando! - exclamou a galinha. - Não tem o que fazer, por isso é que se perde nessas fantasias. Bote ovos ou ronrone e elas passarão.- Mas nadar é uma delícia! - disse o patinho. - Refresca tanto quando a água cobre a nossa cabeça e damos um mergulho bem fundo!- Sim, deve ser um grande prazer - disse a galinha. - Acho que você ficou maluco. Pergunte ao gato: É o animal mais inteligente que conheço. Pergunte se ele gosta de nadar ou de mergulhar. Não falarei por mim. Pergunte a nossa dona: Não há no mundo ninguém mais inteligente do que ela. Pensa que ela sente algum desejo de nadar ou deixar que a água cubra a sua cabeça?- Vocês não me entendem - disse o patinho.- Não o entendemos! Então diga: Quem é que o entende? Decerto não pretende ser mais inteligente do que o gato ou a mulher. Do que eu muito menos. Criança, deixe de ser convencida e agradeça ao Criador por todas as bençãos que recebeu. Não dorme num quarto bem aquecido e não veio cair na companhia de gente que lhe pode ensinar alguma coisa? Mas você não passa de um tagarela: Sua companhia não é nada agradável. Acredite que falo para seu próprio bem. Digo-lhe coisas desagradáveis e é aí que se conhecem os verdadeiros amigos. Mas aprenda a botar ovos ou a fazer ronrom; ou a soltar faíscas!- Acho que vou sair pelo mundo - disse o patinho.- Então saia - respondeu a galinha.E o patinho saiu. Nadou e mergulhou quanto quis, mas era desprezado por todas as criaturas por causa de sua feiúra.O outono chegou. As folhas na floresta ficaram amarelas e castanhas; o vento as fazia rodopiar e o ar estava muito frio. Das nuvens, bem baixas, caía granizo e flocos de neve e, na cerca, o corvo crocitava de frio: Croc! Croc! Só de pensar nisso a gente tinha frio. O patinho, naturalmente, não estava se divertindo. Uma tarde - o sol se punha em toda a sua beleza - chegou um bando de lindas aves muito grandes, saídas de entre os juncos. Eram ofuscantemente brancas e tinham um longo pescoço flexível: Eram cisnes. Lançaram um grito peculiar, espalmaram as asas gloriosas e alçaram vôo daquela fria região, rumo a terras mais quentes, onde havia belos lagos escampados. Subiram alto, muito alto e o patinho feio se sentiu um tanto estranho ao contemplá-los. Girava e regirava na água como uma roda, esticava o pescoço em direção às aves e soltava um grito tão estrídulo ao ponto de ficar ele mesmo assustado. Oh! Não podia se esquecer daquelas lindas aves felizes! E, quando não pôde mais vê-las, mergulhou até o fundo, para depois vir à tona, inteiramente fora de si! Não sabia o nome daquelas aves, tampouco sabia para onde se dirigiam; amava-as, porém, como nunca amara antes. Não tinha inveja delas. Como podia desejar possuir a beleza que as revestia? Já se daria por satisfeito se somente os patos aturassem sua companhia, pobre bichinho feio que ele era!E o inverno ficava cada vez mais frio! O patinho viu-se obrigado a não parar de nadar, para impedir que a superfície da água gelasse por completo. Mas, noite após noite, a fenda onde ele nadava se tornava menor. Gelou tanto que a coberta de gelo tornou a se romper e o patinho foi obrigado a usar as pernas ininterruptamente a fim de impedir que a fenda se fechasse. Afinal, já não pôde mais e ficou quieto, deixando-se enregelar.De manhã cedo passou um camponês que, vendo o que acontecera, estilhaçou a crosta de gelo com seu tamanco e carregou o patinho para sua mulher. O patinho voltou a si. As crianças queriam brincar com ele, mas ele pensava que queriam machucá-lo e, assustado, voou para dentro da panela de leite, que espirrou por toda a sala. A mulher juntou as mãos e o patinho voou para a tina de manteiga, depois para o barril de farinha, de onde, afinal, saiu. Que figura fazia! A mulher gritava, batendo-lhe com as tenazes do fogão; as crianças caíam umas sobre as outras, num esforço para apanhar o patinho e todos riam e gritavam. Felizmente a porta estava aberta e o pobre bichinho pôde fugir por entre os arbustos até a neve caída há

pouco, onde se deixou cair, completamente exausto.Mas seria muito triste se eu tivesse de contar toda a desgraça e as dificuldades que o patinho teve de suportar naquele duro inverno. Ficou ali no pântano, entre os juncos, até que o sol brilhou de novo e as cotovias começaram a cantar: Era uma linda primavera que chegara!Então, de repente, o patinho sentiu que podia bater as asas. Elas bateram com mais força do que antes e o transportaram vigorosamente para o alto. Antes que ele se desse conta, encontrou-se num vasto jardim, onde as árvores velhas exalavam um doce perfume e inclinavam seus compridos galhos para o canal que serpeava a região. Ali era tão lindo, havia tanta alegria primaveril! E... de repente, saíram do bosque três maravilhosos cisnes brancos. Com as asas farfalhando, entraram na água e nadaram suavemente. O patinho já conhecia aquelas esplêndidas criaturas e sentiu-se oprimido por uma tristeza peculiar.- Vou voar para junto deles ... para junto dessas aves reais! Vão bater-me porque sou feio e porque me atrevi a aproximar-me. Mas não faz mal. Melhor elas me matarem do que patos me perseguirem, galinhas me bicarem, a tratadora do galinheiro me dar pontapés e eu sofrer fome no inverno! E o patinho voou para a superfície da água e saiu nadando em direção aos cisnes. Estes o fitaram e dirigiram-se para ele com as asas espalmadas...- Matem-me! - gritou-lhes o pobre bichinho e inclinou a cabeça para a água, esperando a morte. Mas, que viu ele no espelho transparente da água? A sua própria imagem! E eis que ela já não era a de uma canhestra ave cinzenta, feia e repugnante de se olhar: Era a de um cisne!Não importa a gente ter nascido num galinheiro de patos - uma vez que nascemos do ovo de um cisne!O patinho ficou até contente com as desgraças e agruras que tinha sofrido, agora que alcançara a sua felicidade e via todo o esplendor que o rodeava. Os grandes cisnes nadavam em torno dele, fazendo-lhe carícias com o bico.Naquele jardim vinham crianças, que atiravam pão e milho na água; a mais nova gritou:- Olhem, um novo cisne!E as outras crianças gritaram alegremente:- Sim: Chegou um novo cisne!E, batendo as mãos, puseram-se a dançar. Depois correram para seus pais para dar a notícia e atiraram pão e bolo dentro da água.- O que chegou por último é o mais bonito de todos! Tão novinho e tão lindo!E os cisnes mais velhos inclinaram a cabeça diante do patinho feio.Então chegou a hora de o patinho ficar envergonhado: Escondeu a cabeça debaixo da asa, pois não sabia o que fazer. Sentia-se muito feliz, mas nem um pouco orgulhoso. Lembrou-se de como fora perseguido e desprezado e agora ouvia dizer que era o mais bonito de todos! Até mesmo uma velhíssima árvore inclinou seus galhos para a água a sua frente e o sol lançou sobre ele seus raios tépidos e suaves. Nisso, as asas do patinho farfalharam; ele levantou o esguio pescoço e exclamou jubiloso, do fundo do coração:- Nunca sonhei com tamanha felicidade quando era apenas o patinho feio!

Chapeuzinho Vermelho

Era uma vez uma meninazinha mimosa, que todo o mundo amava assim que a via, mas, mais que todos, a amava a sua avó. Ela não sabia mais o que dar a essa criança. Certa vez ela deu-lhe de presente um capuzinho de veludo vermelho e, porque este lhe ficava tão bem e a menina não queria usar outra coisa, ficou se chamando Chapeuzinho Vermelho.Certo dia, sua mãe lhe disse:- Vem cá, Chapeuzinho Vermelho; aqui tens um pedaço de bolo e uma garrafa de vinho, leva isto para a vovó; ela está doente e fraca e se fortificará com isto. Sai antes que comece a esquentar e, quando saíres, anda direitinha e comportada e não saias do caminho, senão podes cair e quebrar o vidro e a vovó ficará sem nada. E, quando chegares lá, não esqueças de dizer bom-dia e não fiques espiando por todos os cantos.- Vou fazer tudo como se deve - disse Chapeuzinho Vermelho à mãe, dando-lhe a mão como promessa.A avó, porém, morava lá fora na floresta, a meia hora da aldeia. E, quando Chapeuzinho Vermelho entrou na floresta, encontrou-se com o lobo. Mas Chapeuzinho Vermelho não sabia que fera malvada era aquela e não teve medo dele.- Bom-dia, Chapeuzinho Vermelho - disse ele.- Muito obrigada, lobo.- Para onde vai tão cedo, Chapeuzinho Vermelho?- Para a casa da vovó.- E o que trazes aí, debaixo do avental?- Bolo e vinho. Foi assado ontem e a vovó fraca e doente vai saboreá-lo e se fortificar com o vinho.- Chapeuzinho Vermelho, onde mora a tua avó?- Mais um bom quarto de hora adiante no mato, debaixo dos três grandes carvalhos, lá fica a sua casa; embaixo ficam as moitas de avelã, decerto já sabes isso - disse Chapeuzinho Vermelho.O lobo pensou consigo mesmo: "Essa coisinha nova e tenra, ela é um bom bocado que será ainda mais saboroso do que a velha. Tenho de ser muito esperto, para apanhar as duas".Então ele ficou andando ao lado de Chapeuzinho Vermelho e logo falou:- Chapeuzinho Vermelho, olha só para as lindas flores que crescem aqui em volta! Por que não olhas para os lados? Acho que nem ouves o mavioso canto dos passarinhos! Andas em frente como se fosses para a escola e, no entanto, é tão alegre lá no meio do mato.

Chapeuzinho Vermelho arregalou os olhos e, quando viu os raios de sol dançando de lá para cá por entre as árvores e como tudo estava tão cheio de flores, pensou: "Se eu levar um raminho de flores frescas para a vovó, ela ficará contente; ainda é tão cedo, que chegarei lá no tempo certo".Então ela saiu do caminho e correu para o mato, à procura de flores. E, quando apanhava uma, parecia-lhe que, mais adiante, havia outra mais bonita e ela corria para colhê-la e se embrenhava cada vez mais pela floresta adentro.O lobo, porém, foi direto para a casa da avó e bateu na porta.- Quem está aí fora?- É Chapeuzinho Vermelho, que te traz bolo e vinho, abre!- Aperta a maçaneta, - disse a avó - eu estou muito fraca e não posso me levantar.O lobo apertou a maçaneta, a porta se abriu e ele foi, sem dizer uma palavra, direto para a cama da vovó e engoliu-a. Depois ele se vestiu com a roupa dela, pôs a sua touca na cabeça, deitou-se na cama e puxou o cortinado.Chapeuzinho Vermelho, porém, correu atrás das flores e, quando juntou tantas que não podia carregar mais, lembrou-se da vovó e se pôs a caminho da sua casa. Admirou-se ao encontrar a porta aberta e, quando entrou, percebeu alguma coisa tão estranha lá dentro que pensou: "Ai, meu Deus, Sinto-me tão assustada, eu que sempre gosto tanto de visitar a vovó!" E ela gritou:- Bom dia!Mas não recebeu resposta. Então ela se aproximou da cama e abriu as cortinas. Lá estava a vovó, deitada, com a touca bem afundada na cabeça e um aspecto muito esquisito.- Ai, vovó, que orelhas grandes que você tem!- É para te ouvir melhor!- Ai, vovó, que olhos grandes que você tem!- É para te enxergar melhor!- Ai, vovó, que mãos grandes que você tem!- É para te agarrar melhor!- Ai, vovó, que bocarra enorme que você tem!- É para te devorar melhor!E, nem bem o lobo disse isso, deu um pulo da cama e engoliu a pobre Chapeuzinho Vermelho.Quando o lobo satisfez a sua vontade, deitou-se de novo na cama, adormeceu e começou a roncar muito alto. O caçador passou perto da casa e pensou: "Como a velha está roncando hoje! Preciso ver se não lhe falta alguma coisa". Então ele entrou na casa e, quando olhou para a cama, viu que o lobo dormia nela.- É aqui que eu te encontro, velho malfeitor, - disse ele - há muito tempo que estou à tua procura.Aí ele quis apontar a espingarda, mas lembrou-se de que o lobo podia ter devorado a vovó e que ela ainda poderia ser salva. Por isso, ele não atirou, mas pegou uma tesoura e começou a abrir a barriga do lobo adormecido. E, quando deu algumas tesouradas, viu logo o vermelho do chapeuzinho e, mais um par de tesouradas, a menina saltou para fora e gritou:- Ai, como eu fiquei assustada, como estava escuro lá dentro da barriga do lobo!E aí também a velha avó saiu para fora ainda viva, mal conseguindo respirar. Mas Chapeuzinho Vermelho trouxe depressa umas grandes pedras, com as quais encheu a barriga do lobo. Quando ele acordou, quis fugir correndo, mas as pedras eram tão pesadas, que ele não pôde se levantar e caiu morto.Então os três ficaram contentíssimos. O caçador arrancou a pele do lobo e levou-a para casa, a vovó comeu o bolo e bebeu o vinho que Chapeuzinho Vermelho trouxera e logo melhorou, mas Chapeuzinho Vermelho pensou: "Nunca mais eu sairei do caminho sozinha, para correr dentro do mato, quando a mamãe me proibir de fazer isso".

Fátima, a Fiandeira

Numa cidade do mais longínquo Ocidente, vivia uma jovem chamada Fátima, filha de um próspero fiandeiro. Um dia, seu pai lhe disse:- Filha, faremos uma viagem, pois tenho negócios a resolver nas ilhas do Mediterrâneo. Talvez você encontre por lá um jovem atraente, de boa posição, com quem possa então se casar.Iniciaram assim a viagem, indo de ilha em ilha; o pai cuidando de seus negócios e Fátima sonhando com o homem que poderia vir a ser seu marido. Mas, um dia, quando se dirigiam a Creta, armou-se uma tempestade e o barco naufragou. Fátima, semiconsciente, foi arrastada pelas ondas até uma praia perto de Alexandria. Seu pai estava morto e ela ficou inteiramente desamparada.Podia recordar-se apenas vagamente de sua vida até aquele momento, pois a experiência do naufrágio e o fato de ter ficado exposta às inclemências do mar a tinham deixado completamente exausta e aturdida.Enquanto vagava pela praia, uma família de tecelões a encontrou. Embora fossem pobres, levaram-na para sua humilde casa e ensinaram-lhe seu ofício. Desse modo, Fátima iniciou nova vida e, em um ou dois anos, voltou a ser feliz, reconciliada com sua sorte. Porém, um dia, quando estava na praia, um bando de mercadores de escravos desembarcou e levou-a, junto com outros cativos.Apesar dela se lamentar amargamente de seu destino, eles não demonstraram nenhuma compaixão: Levaram-na para Istambul e venderam-na como escrava. Pela segunda vez o mundo da jovem ruíra.Mas quis a sorte que, no mercado, houvesse poucos compradores na ocasião. Um deles era um homem que procurava escravos para trabalhar em sua serraria, onde fabricava mastros para embarcações. Ao perceber o ar desolado e o abatimento de Fátima, decidiu comprá-la, pensando que poderia proporcionar-lhe uma vida um pouco melhor do que teria nas mãos de outro comprador.Ele levou Fátima para sua casa com a intenção de fazer dela uma criada para sua esposa. Mas, ao chegar em casa, soube que tinha perdido todo o seu dinheiro quando um carregamento fora capturado por piratas. Não poderia enfrentar as despesas que lhe davam os empregados e, assim, ele, Fátima e sua mulher arcaram sozinhos com a pesada tarefa de fabricar mastros.Fátima, grata ao seu patrão por tê-la resgatado, trabalhou tanto e tão bem que ele lhe deu a liberdade e ela passou a ser sua ajudante de confiança. Assim, ela chegou a ser relativamente feliz em sua terceira profissão.Um dia, ele lhe disse:- Fátima, quero que vá a Java, como minha representante, com um carregamento de mastros; procure vendê-los com lucro.Ela então partiu. Mas, quando o barco estava na altura da costa chinesa, um tufão o fez naufragar. Mais uma vez, Fátima se viu jogada como náufraga em uma praia de um país desconhecido. De novo chorou amargamente, porque sentia que nada em sua vida acontecia como esperava. Sempre que tudo parecia andar

bem, alguma coisa acontecia e destruía suas esperanças.- Por que será - perguntou ela pela terceira vez - que sempre que tento fazer alguma coisa não dá certo? Por que devo passar por tantas desgraças?Como não obteve respostas, levantou-se da areia e afastou-se da praia.Acontece que, na China, ninguém tinha ouvido falar de Fátima ou de seus problemas. Mas existia a lenda de que um dia chegaria certa mulher estrangeira, capaz de fazer uma tenda para o imperador. Como naquela época não existia ninguém na China que soubesse fazer tendas, todo mundo aguardava com ansiedade o cumprimento da profecia.Para ter certeza de que a estrangeira ao chegar não passaria despercebida, uma vez por ano os sucessivos imperadores da China costumavam mandar seus mensageiros a todas as cidades e aldeias do país pedindo que toda a mulher estrangeira fosse levada à corte.Exatamente numa dessas ocasiões, esgotada, Fátima chegou a uma cidade costeira da China. Os habitantes do lugar falaram com ela através de um intérprete e explicaram-lhe que devia ir à presença do imperador.- Senhora, - disse o imperador quando Fátima foi levada até ele - sabe fabricar uma tenda?- Acho que sim, majestade - respondeu a jovem.Pediu cordas, mas não tinham. Lembrando-se dos seus tempos de fiandeira, Fátima colheu linho e fez as cordas. Depois pediu um tecido resistente, mas os chineses não o tinham do tipo que ela precisava. Então, utilizando sua experiência com os tecelões de Alexandria, fabricou um tecido forte, próprio para tendas. Percebeu que precisava de estacas para a tenda, mas não existiam no país. Lembrando-se do que lhe ensinara o fabricante de mastros em Istambul, Fátima fabricou umas estacas firmes. Quando estas estavam prontas, ela puxou de novo pela memória, procurando lembrar-se de todas as tendas que tinha visto em suas viagens. E uma tenda foi construída.Quando a maravilha foi mostrada ao imperador da China, ele se prontificou a satisfazer qualquer desejo que Fátima expressasse. Ela escolheu morar na China, onde se casou com um belo príncipe e, rodeada por seus filhos, viveu muito feliz até o fim de seus dias.Através dessas aventuras, Fátima compreendeu que, o que em cada ocasião lhe tinha parecido ser uma experiência desagradável, acabou sendo parte essencial para a sua felicidade.

Pinóquio

Gepeto era um bom velhinho que fazia brinquedos de madeira na sua oficina de carpinteiro.Foi numa noite de lua cheia que ele terminou de fazer um boneco muito bonito.Seus braços e pernas pareciam de verdade e Gepeto amarrou uma corda no boneco para fazê-lo andar de lá para cá, dançando enquanto Gepeto cantava.O dia amanheceu e Gepeto se sentia muito feliz.Gepeto tinha um gatinho chamado Fígaro e também uma peixinha chamada Cleo. Eles eram seus únicos companheiros. Nada mais tinha vida naquela casa.Gepeto olhava para o seu boneco com carinho e lhe deu o nome de Pinóquio.- Eu queria tanto que Pinóquio fosse um menino de verdade! Ele seria meu filho.Fígaro e Cleo se acostumaram a ouvir o nome de Pinóquio e também achavam que seria lindo se os desejos de Gepeto se tornassem realidade.Numa noite muito clara de lua cheia e de muitas estrelas brilhando no céu, Gepeto pensou muito nessas coisas. Era uma noite especial, dessas em que os desejos do coração podiam se tornar realidade.Gepeto deu boa-noite para Cleo e Fígaro e foi dormir.Enquanto ele dormia, apareceu uma carinha risonha na janela. Olhou, olhou e entrou.Era o Grilo Falante. Ele estava cansado de viajar e com sono. Quando viu a casa de Gepeto tão confortável, entrou para dormir numa caixa de fósforos.Ele já estava lá, bem quietinho, quando apareceu uma luz na janela. Uma linda fada azul entrou.Tocou três vezes com a varinha de condão na cabeça de Pinóquio e disse:- Acorde, Pinóquio. O desejo de Gepeto será realizado. Acorda, anda, fala, cria vida!Pinóquio ficou em pé e começou a falar:- Viva! Agora sou um menino de verdade.- Ainda não. Mas, se você for bem educado, quem sabe, um dia...Pinóquio prometeu que ia se comportar muito bem. A fada perguntou para o Grilo Falante se ele gostaria de ser a consciência de Pinóquio. O Grilo Falante disse que seria e prometeu ajudar Pinóquio a se comportar como um bom menino.A fada azul foi embora. Pinóquio e o Grilo Falante conversaram tanto que acordaram Gepeto, Cleo e Fígaro.Todos ficaram muito felizes, quando viram que Pinóquio era como um menino de verdade. Cantaram,

dançaram e voltaram a dormir.No dia seguinte, Gepeto mandou Pinóquio para a escola, junto com o Grilo Falante.No caminho, encontraram Gedeão e João Pilantra, dois malandros que chamaram Pinóquio para dar uma volta. Ele foi sem prestar atenção no Grilo Falante, que era a sua consciência e lhe disse para não fazer isto.Pinóquio foi parar no grupo de teatro de bonecos que estava se apresentando na cidade.Lá encontrou o Sr. Stromboli, que ficou encantado com Pinóquio, pois ele era um boneco parecido com um menino.Stromboli resolveu mudar de artistas. Tirou seus bonecos do palco e pediu a Pinóquio para fazer um espetáculo.Ele achou uma ótima idéia. Dançou e cantou como astro principal. Foi muito aplaudido e Stromboli adorou o sucesso que Pinóquio fez. Quando o espetáculo terminou, o Sr. Stromboli não deixou Pinóquio e o Grilo Falante voltarem para casa. Prendeu os dois numa jaula de animais para que não pudessem fugir. Eles ficaram muito tristes sem saber o que fazer e o Grilo Falante pensou na fada azul.A fada azul apareceu e perguntou a Pinóquio o que estava acontecendo. Ele ficou com vergonha de contar a verdade e foi mentindo, mentindo e seu nariz começou a crescer, crescer. Arrependido, Pinóquio começou a chorar e resolveu contar a verdade. A fada azul tirou Pinóquio e o Grilo Falante da jaula, tocou o nariz dele com a varinha de condão e seu rosto voltou ao normal.Pinóquio prometeu que não ia mais mentir nem desobedecer a seu pai Gepeto e que prestaria sempre muita atenção no Grilo Falante.No dia seguinte, Pinóquio já tinha se esquecido do susto que passou. Encontrou outra vez Gedeão e João Pilantra e os malandros convidaram Pinóquio para ir à Ilha dos Prazeres.O Grilo Falante disse para Pinóquio não seguir os malandros, mas ele não obedeceu. Os dois seguiram em sua carruagem junto com outros meninos. Pinóquio ficou logo muito amigo de João Trapalhada.A Ilha dos Prazeres era um lugar cheio de brinquedos e doces. Lá todos podiam fazer de tudo: Quebrar vidros, destruir móveis, comer sem medida, muito mais do que se precisa e outras coisas bobas. No fim da tarde, João Trapalhada acabou virando um burrinho de orelhas compridas.Pinóquio e o Grilo Falante descobriram que os burrinhos que estavam puxando a carruagem já tinham sido meninos um dia. E assim resolveram fugir da Ilha dos Prazeres.Pinóquio foi procurar um barco para poder sair da ilha. Descobriu que suas orelhas tinham crescido e que também tinha um rabo estranho. Ele agora estava parecendo com um burrinho.Fugiram da ilha e foram para casa. Pinóquio já estava arrependido de ter faltado à escola e começou a chorar. O rabo e as orelhas de burro desapareceram.Pinóquio estava com muita saudade de Gepeto, mas, quando chegou em casa, não encontrou o velhinho. O coração de Pinóquio bateu muito forte. Gepeto tinha deixado um bilhete na porta avisando que saíra para procurar Pinóquio.Pinóquio e o Grilo Falante também foram atrás de Gepeto. Chegaram ao cais do porto. Os marinheiros contaram para Pinóquio uma história triste: Gepeto alugara uma jangada para navegar até a Ilha dos Prazeres, mas, no caminho, uma baleia muito grande engoliu Gepeto junto com a jangada.Pinóquio entrou no mar e flutuou como um barquinho. O Grilo Falante subiu nas costas dele. Ele nem pensou no perigo do mar, só queria salvar seu pai. Nadou muito tempo até que encontrou a baleia. Ela abriu a boca e engoliu Pinóquio e o Grilo Falante.Lá na barriga da baleia, Pinóquio encontrou Gepeto. Mas agora eles estavam ali, sem saber como sair.Pinóquio pensou e teve uma idéia para salvar os três. Ele precisava fazer a baleia abrir a boca.Pegou a madeira da jangada e fez uma fogueira. A baleia sentiu um bolo na garganta e espirrou. Espirrou tão forte que jogou Pinóquio, Gepeto e o Grilo Falante no mar. Formou-se uma grande onda e os três foram parar na praia. Pinóquio estava todo encharcado e não podia andar. Mas a fada azul apareceu no meio de sua luz e levou os três para casa.Como prêmio por sua coragem, transformou Pinóquio num menino de verdade e Gepeto teve então o seu sonho completamente realizado.

Cinderela ou O Sapatinho de Cristal

Era uma vez um fidalgo que se casou em segundas núpcias com a mulher mais orgulhosa e mais arrogante que já existiu até hoje. Ela tinha duas filhas com o mesmo temperamento seu e que se pareciam com ela em tudo. O marido, por seu lado, tinha uma filha que era a doçura em pessoa e de uma bondade exemplar. Tinha herdado isso de sua mãe, que havia sido a melhor criatura do mundo.Mal foi celebrado o casamento, a madrasta já começou a mostrar o seu mau humor. Ela não tolerava as boas qualidades da enteada porque faziam com que suas filhas parecessem ainda mais detestáveis. Por isso, obrigou a moça a fazer os trabalhos mais grosseiros da casa. Era ela quem lavava a louça e as panelas, que varria o quarto dela e das filhas. A moça dormia num quartinho no alto da casa, que servia de celeiro e sua cama era um punhado de palha. Suas irmãs, ao contrário, dormiam em quartos assoalhados, com camas das mais modernas e elegantes e grandes espelhos em que elas podiam mirar-se dos pés à cabeça. A pobre moça suportava tudo com paciência e não ousava queixar-se ao pai, sabendo que ele a repreenderia, pois era inteiramente dominado por sua mulher.Depois que terminava o seu trabalho, ela se recolhia a um canto da chaminé, no meio das cinzas do borralho, o que fez com que passasse a ser chamada na casa de Borralheira. A irmã caçula, que não era tão maldosa quanto a mais velha, chamava-a de Cinderela. Apesar dos trapos que vestia, Cinderela era cem vezes mais bela do que suas irmãs com seus suntuosos vestidos.Aconteceu que o filho do rei resolveu dar um baile, para o qual foram convidadas todas as pessoas importantes do lugar. As nossas duas senhoritas também foram convidadas, pois eram figuras de proa da cidade. Muito satisfeitas, ei-las preocupadas em escolher os vestidos e os penteados que lhes assentavam melhor, o que significava mais trabalho para Cinderela, pois era ela que passava e engomava a roupa de baixo das irmãs. As duas não falavam em outra coisa a não ser na maneira como iriam vestir-se. "Eu", dizia a mais velha, "vou pôr meu vestido de veludo vermelho enfeitado com renda da Inglaterra". "E eu", falava a mais nova, "só tenho aquela minha saia simples, mas, em compensação, vou usar minha capa bordada de flores com fios de ouro e o seu fecho de brilhantes, que não é de se desprezar". A chapeleira foi convocada para ajeitar-lhes os toucados, tendo sido encomendadas pintas de seda preta a uma boa artesã. Chamaram Cinderela para lhe pedir sua opinião, pois ela tinha muito bom gosto. A moça

aconselhou-as o melhor que pôde e até se ofereceu para penteá-las, o que elas aceitaram prazeirosamente.Enquanto eram penteadas, elas falaram: "Cinderela, você gostaria de ir também ao baile?" "Ai de mim, vocês estão brincando comigo", respondeu ela. "Não é isso que me convém". "Você tem razão", falaram as irmãs, "todo mundo ia rir se visse uma Borralheira no baile".Qualquer outra que não fosse Cinderela teria feito nas duas um penteado mal feito; mas ela tinha bom coração e penteou-as com perfeição. As duas passaram dois dias sem comer, tal era a excitação. À força de puxar os cordões dos espartilhos, para tornar mais fina a sua cintura, elas arrebentaram mais de uma dúzia deles; e o dia inteiro ficavam diante do espelho.Finalmente chegou o grande dia. Elas partiram para a festa e Cinderela ficou à porta, acompanhando-as com os olhos até perdê-las de vista. Quando não as viu mais, ela começou a chorar. Sua madrinha, ao vê-la em lágrimas, quis saber o que tinha acontecido. "Eu queria muito... eu queria muito..." Ela chorava tanto que não conseguia falar mais nada. Sua madrinha, que era uma fada, disse: "Você queria ir ao baile, não é isso?" "Ai, ai, queria sim!", respondeu Cinderela com um soluço. "Pois bem, se você se comportar bem, eu farei você ir".Levou Cinderela para o quarto e disse: "Vá até a horta e me traga uma abóbora". Cinderela foi depressa apanhar a abóbora mai bonita que encontrou e a trouxe para a madrinha, sem conseguir entender como aquela abóbora poderia ajudá-la a ir ao baile. A madrinha retirou toda a polpa da abóbora, deixando-a oca, depois tocou nela com sua varinha de condão e a abóbora se transformou imediatamente numa linda carruagem toda dourada.Em seguida, foi dar uma olhada na ratoeira e encontrou lá seis ratos bem vivos ainda. Mandou Cinderela desarmar a ratoeira e ia dando um golpe com a varinha em cada rato que saia. No mesmo instante, o rato se transformava num belo cavalo e assim ela formou três lindas parelhas de cavalos com uma linda pelagem de um tom cinza cor de rato.Como tivesse encontrado dificuldade em arranjar um cocheiro, Cinderela lhe disse: "Vou ver se ainda há algum rato na ratoeira, aí poderemos fazer dele o cocheiro". "Você tem razão, vá ver", falou a madrinha. Cinderela trouxe a ratoeira, onde ainda restavam três gordos ratos. A fada escolheu um dos três, que tinha uma respeitável barbicha e depois de tocá-lo com a sua varinha, transformou-o num rotundo cocheiro, dono dos mais belos bigodes já vistos até hoje.Ela falou em seguida: "Vá até a horta e lá você encontrará seis lagartos atrás do regador". Mal Cinderela trouxe os lagartos, a madrinha transformou-os em seis pajens, com seus trajes recamados de galões, os quais subiram imediatamente na parte de trás da carruagem e ali se postaram como se nunca tivessem feito outra coisa na vida.A fada disse então a Cinderela: "Muito bem, aí está como você poderá ir ao baile. Está contente agora?" "Estou, mas irei assim, com essa roupa horrível?" Então a madrinha tocou nela de leve com a sua varinha e, no mesmo instante, ela se viu toda metida dentro de um rico vestido bordado a ouro e prata e todo marchetado de pedrarias. Depois a madrinha lhe deu um par de sapatinhos que eram a coisa mais linda do mundo. Assim preparada, ela subiu na carruagem, com severa recomendação da madrinha de só ficar na festa até a meia-noite, avisando-a que, se demorasse um minuto a mais, sua carruagem voltaria a ser uma abóbora, os cavalos voltariam a ser ratos e os pajens voltariam a ser lagartos; além disso, ela tornaria a ficar vestida de andrajos.Ela prometeu à madrinha que deixaria o baile antes de soar a meia-noite. Não cabendo em si de contente, ela parte. O filho do rei, avisado de que tinha chegado uma ilustre princesa que ninguém conhecia, correu a recebê-la. Oferecendo sua mão para ajudá-la a descer da carruagem, conduziu-a até o salão, onde estavam os convidados. Fez-se então um grande silêncio, todos pararam de dançar e até os violões se calaram, de tal forma ficaram todos maravilhados com a grande beleza da desconhecida. Ouviam-se apenas murmúrios confusos: "Oh, como é linda!" O próprio rei, velho como era, não se cansava de contemplá-la e de dizer baixinho para a rainha que, havia muito tempo, ele não via uma criatura tão bela e amorável. Todas as damas puseram-se a examinar com toda a atenção o seu penteado e os seus trajes, para, no dia seguinte, copiá-los, contanto que pudessem encontrar tecidos tão belos quanto aqueles e artesãos suficientemente habilidosos.O filho do rei instalou-a no lugar de honra e logo a seguir convidou-a para dançar. Ela dançava com tanta graça que ainda causou mais admiração. Foram servidos doces muito finos, dos quais o jovem príncipe nem

provou, de tal maneira estava ocupado em admirar a moça. Ela foi sentar-se ao lado das irmãs e lhes fez mil e uma gentilezas, dividindo com elas as frutas que o príncipe lhe oferecera, o que as deixou muito espantadas, já que não a conheciam.Quando faltavam quinze minutos para a meia-noite, Cinderela fez uma grande reverência a todos os presentes e se retirou o mais depressa que pôde. Chegando à casa, foi procurar a madrinha e, depois de agradecer a ela, disse-lhe que gostaria muito de ir de novo ao baile no dia seguinte, porque o filho do rei tinha pedido isso a ela. Como demorasse muito a contar à madrinha tudo o que tinha acontecido, suas irmãs chegaram e bateram na porta. Cinderela foi abrir. "Como vocês custaram a voltar!", falou ela, bocejando, esfregando os olhos e se espreguiçando, como se tivesse acordado naquele momento. Entretanto, não sentia nenhuma vontade de dormir depois que deixara a festa. "Se você tivesse ido ao baile", falou uma de suas irmãs, "iria gostar muito. Esteve lá uma princesa linda, a mais bela princesa que já existiu. Ela nos fez mil gentilezas e nos ofereceu frutas e doces".Cinderela não cabia em si de contente. Perguntou o nome da princesa, mas as irmãs responderam que não a conheciam e que o filho do rei estava disposto a dar qualquer coisa no mundo para saber quem era ela. Cinderela sorriu e disse: "Ela era tão linda assim? Meu Deus, como vocês são afortunadas! Será que eu poderia vê-la? Ai de mim! Por favor, senhorita Javotte, empreste-me seu vestido amarelo, aquele que a senhorita usa todos os dias!". "Ora veja", respondeu a senhorita Javotte, "quem você pensa que eu sou! Emprestar minhas roupas para uma borralheira tão horrorosa! Só se eu fosse louca". Cinderela não se importou com essa recusa; ficou até satisfeita, pois ia ficar muito embaraçada se a irmã tivesse concordado em lhe emprestar o vestido.No dia seguinte, as duas irmãs foram para o baile e Cinderela também, com um vestido ainda mais lindo do que o da primeira vez. O filho do rei ficou o tempo todo ao seu lado, sempre a lhe dizer palavras doces. A moça não se aborreceu em nenhum momento e até se esqueceu da recomendação da madrinha, de sorte que, só quando ouviu a primeira badalada da meia-noite, é que se levantou e fugiu, com tanta rapidez quanto a de uma corça assustada. O príncipe correu atrás, mas não conseguiu segurá-la. Ela deixou cair um de seus sapatinhos, que o príncipe apanhou com toda a presteza. Cinderela chegou em casa esbaforida, sem carruagem, sem pajens e vestida com seus velhos trapos. Nada havia restado de toda a sua magnificência, a não ser um sapatinho, já que o outro ela perdera. Os guardas do palácio foram interrogados se não tinham visto passar por eles uma princesa. Eles responderam que não passara ninguém a não ser uma moça muito mal vestida, que parecia mais uma camponesa do que uma moça fina.Quando as duas irmãs voltaram do baile, Cinderela quis saber delas se, de novo, se divertiram muito e se a bela dama estava lá. Elas disseram que sim, mas que ela fugira ao soar a meia-noite e com tanta pressa que deixara cair um de seus sapatinhos, que era a coisa mais linda do mundo. Disseram ainda que o filho do rei apanhara o sapatinho e passara o resto da noite a contemplá-lo, sendo mais do que evidente que ele estava apaixonado pela dona do sapato.Elas tinham dito a verdade, pois, passados alguns dias, o filho do rei mandou anunciar, ao som de trombetas, que ele se casaria com a moça cujo pé coubesse naquele sapatinho. Começou-se, pois, a experimentar o sapato primeiro nas princesas, depois nas duquesas e, por fim, em todas as mulheres da corte, mas em vão. O sapatinho foi levado então à casa das duas irmãs, que fizeram o possível para calçá-lo. Nada conseguiram, porém. Cinderela, que as observava e tinha reconhecido seu sapato, disse, em tom de brincadeira: "Deixe ver se ele me serve". As irmãs começaram a rir e a zombar dela, mas o cavalheiro que tinha trazido o sapatinho olhou bem para Cinderela e a achou muito bonita. Disse, então, que era muito justo o que ela pedia e que ele tinha ordens de fazer a experiência com todas as moças. Fez Cinderela sentar-se e calçou nela com toda a facilidade o sapatinho, que se ajustou ao seu pé com perfeição. O espanto das duas irmãs foi grande e maior ainda quando Cinderela tirou do bolso o outro sapatinho e o calçou. Nesse momento apareceu a madrinha que, com um toque de sua varinha de condão nas roupas de Cinderela, fez com que se transformassem em trajes ainda mais esplendorosos que os outros.Foi então que as irmãs a reconheceram como sendo a linda princesa que tinham visto no baile. Elas se atiraram aos seus pés para pedir perdão por todos os maus tratos que lhe tinham feito. Cinderela fez as duas se levantarem e disse, abraçando-as, que as perdoava de bom coração e lhes pedia que a amassem sempre. Ela foi levada ao palácio do jovem príncipe em seu lindo vestido e ele a achou mais bela do que nunca.

Poucos dias depois eles se casaram. Cinderela, que tanto tinha de bela quanto de bondosa, levou as irmãs para o palácio e casou as duas, naquele mesmo dia, com dois ricos fidalgos da corte.

Os Doze Caçadores do Rei

Há muito tempo atrás aconteceu que um príncipe ficou noivo da filha do rei de um país vizinho. Eles se amavam muito e, quando festejavam o noivado, veio a notícia de que o pai dele estava muito mal. Então, despedindo-se apressadamente, o príncipe colocou um precioso anel no dedo da noiva e lhe disse:- Este anel é para você não se esquecer de mim. Tenho que deixá-la agora, mas, assim que me tornar rei, virei buscá-la.E, beijando-a, partiu. Chegando ao castelo do pai, encontrou-o já moribundo e seu pesar foi tão grande que nem se lembrou de comunicar-lhe o noivado.- Filho querido, - disse o velho rei com voz muito fraca - dentro em breve partirei para a Grande Viagem. E só irei tranqüilo se você me prometer casar-se com aquela que eu escolhi. E ele disse o nome de uma princesa de um distante reinado.Não querendo contrariar o velho e querido pai em seus últimos instantes de vida, o príncipe respondeu:- Sim, meu pai, Ela será minha esposa.O velho rei morreu serenamente e, passado o período de luto, o príncipe tornou-se rei e foi obrigado a cumprir o prometido. Pediu em casamento a princesa escolhida pelo pai e foi aceito.Quando a primeira noiva soube disso, quase morreu de desgosto. Seu pai, vendo-a tão abatida, disse:- Filha, se o seu noivo não cumpriu a promessa que lhe fez, é porque não a merece. Não fique triste. Peça o que quiser que lhe darei.E ela respondeu:- Paizinho, será que podia me arranjar onze moças iguaizinhas a mim? Com a minha altura, o meu tipo?- Nem que seja para revirar o mundo, você vai ter as suas moças - prometeu-lhe o pai.

E, naquele mesmo dia, mandou procurar por todo o reino as onze moças que a filha queria.Passou uma semana e elas estavam no palácio. Então a princesa mandou fazer doze costumes de caçador, todos iguaizinhos e, quando ficaram prontos, ela e as moças vestiram-se com eles. Depois despediu-se do pai, montou seu cavalo e, acompanhada das moças, dirigiu-se para o reino de seu ex-noivo, a quem continuava amando. Chegando lá, apresentou-se ao rei e perguntou-lhe se não estava precisando de caçadores e se não queria tomar a seu serviço todos eles juntos. O rei não a reconheceu, mas gostou daquela turma de rapazes jovens e bonitos. E, desde esse dia, eles se tornaram os doze caçadores do rei.Contudo, o rei tinha um leão que o acompanhava por toda a parte, um animal maravilhoso que sabia falar e adivinhava as coisas mais secretas e ocultas. Uma noite, estando os dois conversando, o leão disse:- Então você imagina que tem doze caçadores... - Imagino não! Eu tenho - corrigiu o rei.- Seria mais exato dizer "doze caçadoras" - tornou o leão.- Por que diz isso?- Por que são doze moças.- Não é possível! - e o rei exigiu que ele provasse o que dizia.- Isso é fácil! Mande espalhar ervilhas na sua ante-sala, chame os caçadores e verá. Homens têm o passo firme. Quando pisam sobre ervilhas, elas não saem do lugar. Mulheres... Bah! Vai ver só como tropeçam, escorregam e espalham ervilhas para todos os lados.O rei gostou do conselho e assim fez. Aconteceu que o camareiro real ouviu a conversa e, como simpatizava com os caçadores, assim que pôde, foi procurá-los e contou-lhes tudo. A princesa agradeceu-lhe e, depois que ele saiu, ordenou às companheiras:- Amanhã vocês têm que se controlar e pisar firme sobre as ervilhas. Nem uma só pode rolar.No outro dia, quando foram chamados pelo rei, os caçadores entraram na ante-sala pisando as ervilhas com tanta firmeza que nem uma só rolou. Depois que se retiraram, o rei chamou o leão e disse:- Desta vez você se enganou. Meus caçadores pisam como homens!- É porque elas souberam que iam ser postas à prova e se prepararam - respondeu o leão. - Mande trazer doze rocas para a sua ante-sala e vai ver o que acontece. Quando passarem por elas, mulheres que são, vão se deter e se alegrar. Homens não fazem isso.O rei concordou. Porém, o camareiro real, também desta vez, escutou a conversa e foi prevenir os caçadores. Quando ficaram a sós, a princesa recomendou às companheiras:- Cuidado! Vocês têm que passar pelas rocas sem olhar para elas!No dia seguinte, atendendo ao chamado do rei, elas atravessaram a ante-sala sem dirigir sequer um olhar para as rocas. Depois que saíram, o rei disse ao leão:- Viu? Eles nem repararam nas rocas!- Claro! Elas vieram prevenidas! Experimente...- Não vou experimentar mais nada! E pare de se referir aos meus caçadores como "elas"!O leão retirou-se com um ar ofendido e o assunto foi esquecido. O rei continuou com suas caçadas, sempre com seu grupo de rapazes, cada vez gostando mais deles e, entre todos, o seu preferido era a princesa. Um dia, durante uma caçada, vieram avisar que a noiva oficial estava a caminho. Ao ouvir isso, a princesa ficou tão magoada que desmaiou. O rei correu em sua ajuda e, querendo reanimá-la, tirou-lhe a luva. Então viu o anel que lhe havia dado e, observando seu rosto, reconheceu-a. Quando ela abriu os olhos, beijou-a, dizendo:- Nós nos pertencemos um ao outro. Nada no mundo mudará isso!E ela respondeu baixinho, aninhando-se nos braços dele.- Entre doze caçadores semelhantes, você me preferiu e agora sabe porque...E o rei mandou uma mensagem à outra noiva, pedindo-lhe que voltasse para o seu reino, pois ele encontrara a esposa que havia perdido. Dias depois o casamento realizou-se com uma linda festa e, mais feliz que os noivos, estava o leão. Seu dom de adivinhar, mais do que nunca, foi reconhecido e valorizado e ele era agora o conselheiro do rei.

Os Músicos de Bremen

Era uma vez um burro que durante anos serviu ao moleiro seu dono, carregando pesadas sacas de grãos. Nessa faina, foi envelhecendo, suas forças enfraquecendo, até que um dia o moleiro pensou: "Esse aí não serve mais para nada... O melhor é matá-lo, vender sua pele e arranjar um burrico mais jovem".O burro não ficou sabendo disso, mas percebeu que a sua situação estava perigando e decidiu: "Vou para Bremen. Lá, poderei ganhar a vida como músico". E saiu pela estrada, descansando aqui, comendo um capinzinho ali, até que encontrou um cão de caça estirado no caminho, ofegando como se tivesse corrido quilômetros e quilômetros.- Que é isso, companheiro? Por que está assim tão esbaforido?- Ai! Ai! - gemeu o cão - Meu dono resolveu acabar comigo, porque estou velho e não posso mais tomar parte nas caçadas. Fugi e não sei o que vai ser de mim!- Venha comigo! Estou indo para Bremen e lá vou ser músico. Nós dois podemos formar uma boa dupla. Eu toco alaúde e você, bumbo.Gostando da idéia, o cão acompanhou-o. Mais adiante, encontraram um pobre gato com a cara mais triste que uma semana de chuva.- Que cara é essa, meu amigo! - exclamou o burro - Por que está assim tão sorumbático?- Que cara queria que eu fizesse? - e o gato contou: - Minha dona resolveu me afogar, porque estou velho, meus dentes estão gastos e prefiro ficar ronronando ao pé do fogo em vez de caçar ratos. Então fugi e não sei mais o que fazer.- Tenho uma ótima idéia! Venha com a gente. Vamos para Bremen, onde poderemos ganhar a vida como músicos. Você, que é especialista em serenatas noturnas, vai ajudar muito.O gato entusiasmou-se e acompanhou-os. Mais adiante, passaram por um sítio e viram um galo empoleirado na porteira, cantando desesperadamente com quantas forças tinha.- Pare com isso! - pediu o burro - Seus gritos varam a alma da gente! Por que canta assim?

- É o meu jeito de profetizar bom tempo. - explicou o galo - Hoje é dia da minha dona lavar as fraldinhas do bebê e tem que ter sol para secá-las. Mas amanhã... Amanhã é domingo, ela vai receber convidados para o almoço e, pobre de mim! Vou ser servido assado. Estou cantando pela última vez porque hoje à noite vou ser degolado!- Deixe disso, Crista Vermelha! - e o burro convidou: - Venha com a gente! Vamos para Bremen e lá, com sua bela voz, podemos formar um conjunto musical que vai ser um sucesso!O galo aceitou a proposta. Agora eram quatro a caminho de Bremen. Mas não era possível chegar lá num dia. Quando a noite veio, eles se acharam numa floresta e resolveram acampar ali. O burro e o cão de caça deitaram-se ao pé de uma grande árvore. O gato e o galo acomodaram-se nos seus galhos. O galo escolheu um bem alto, onde se sentiu mais seguro. Antes de dormir, olhou a sua volta em todas as direções e descobriu uma luzinha brilhando à distância. Todo alvoroçado, avisou os companheiros:- Estou vendo uma luzinha brilhando ao longe! Só pode ser uma casa!O burro levantou-se prontamente.- Vamos para lá, minha gente, que esta pousada é bem ruinzinha!- Quem sabe se vou encontrar lá um osso com um pouquinho de carne? - disse o cão.- E um calorzinho ao pé do fogão - ajuntou o gato.E, andando em direção à luz, chegaram a uma casa toda iluminada. O burro, que era o mais alto da turma, aproximou-se da janela e espiou.- O que você está vendo, Mestre Burro? - perguntou o galo.- O que estou vendo? Pois uma mesa coberta de deliciosas comidas e bebidas e, ao redor dela, um bando de ladrões se regalando!- A gente é que devia estar lá - observou o gato.- Já vamos cuidar disso!Assim dizendo, o burro reuniu os companheiros para discutir a melhor maneira de expulsar os ladrões. Depois de alguns cochichos e tudo combinado, entraram em ação. O burro apoiou as patas dianteiras no peitoril da janela, o cachorro subiu nas costas dele, o gato pulou para as costas do cachorro e, por último, o galo voou para a cabeça do gato. Depois, a um sinal, começou a função. Miados, latidos, zurros e cocoricós irromperam numa barulheira infernal, fazendo tremer a vidraça, que se abriu de supetão. Os ladrões fugiram, de cabelo em pé, acreditando que um bando de almas penadas tivesse invadido a casa. A pressa foi tanta que, num piscar de olhos, estavam no meio da mata, de olhos arregalados, a tremer como folhas.Donos do terreiro, os quatro amigos sentaram-se à mesa e devoraram tudo o que restou, como se estivessem em jejum há mais de um mês. Depois apagaram as luzes e foram dormir, cada um de acordo com o seu gosto. O burro deitou-se numas palhas do pátio; o gato, ao lado das cinzas do fogão; o cachorro, atrás da porta e o galo empoleirou-se numa viga do telhado. Cansados de tanta tropelia, adormeceram na hora.Nesse ínterim, os ladrões perceberam que não havia mais luz na casa e tudo parecia em paz. O chefe achou que se haviam assustado sem motivo e mandou um de seus homens ir lá investigar.Encontrando tudo tranqüilo, o enviado foi confiadamente até a cozinha acender uma luz e aproximou um fósforo de duas brasinhas que luziam no fogão. Estas, porém, nada mais eram que os olhos chamejantes do gato, que, não gostando da brincadeira, pulou na cara dele arranhando-o com fúria. O coitado tratou de fugir pela porta dos fundos, mas não passou por ela sem levar do cachorro uma boa mordida na perna. E, lá fora, o burro ajudou-o a fugir mais depressa, com um belo coice. Então o galo, que acordou com a confusão, voou para o telhado e cantou muito bem disposto: - Quiquiriqui!Em desabalada carreira, o ladrão foi parar diante de seu chefe e, quase num desmaio, contou:- Ai, meu chefe! Uma bruxa horrorosa está morando lá! Mal entrei, saltou sobre mim e me arranhou a cara toda! Depois, um homem enorme saiu de trás da porta e me espetou a faca na perna. Corri para o pátio e um monstro negro que lá me esperava me deu uma bordoada que me fez voar longe. E um juiz, sentado no telhado, começou a gritar: "Peguem esse patife! Peguem esse patife!" Nem sei como cheguei aqui!Depois do que ouviram, os ladrões perderam toda a vontade de retornar à casa. Preferiram se estabelecer em outras paragens.Mas os músicos... Ah! Gostaram tanto do lugar que desistiram de ir para Bremen. Pelo que eu sei, ainda estão morando lá.

Branca de Neve

Há muito e muito tempo, bem no meio do inverno, quando os flocos de neve caíam do céu leves como plumas, uma rainha estava sentada costurando junto a uma janela com esquadrias de ébano. Costurava distraída, olhando os flocos de neve que caíam lá fora e, por isso, espetou o dedo com a agulha e três gotas de sangue caíram na neve. Aquele vermelho em cima do branco ficou tão bonito que ela pensou: "Eu queria ter um neném assim, que fosse branco como a neve, vermelho como o sangue e negro como a madeira da moldura desta janela".Algum tempo depois, ela teve uma filha, que era branca como a neve, vermelha como o sangue e tinha cabelos negros como o ébano. Deram a ela o nome de Branca de Neve, mas, quando ela nasceu, a rainha morreu.Um ano mais tarde, o rei casou de novo. A nova rainha era linda, mas muito orgulhosa e prepotente; tão vaidosa que não podia suportar a idéia de que alguém pudesse ser mais bonita do que ela. Tinha um espelho mágico e gostava de se olhar nele e perguntar:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?E o espelho respondia:- Senhora Rainha, tu és a mais linda de todo o país.Então ela ficava satisfeita, porque sabia que o espelho dizia sempre a verdade.Mas, à medida que Branca de Neve crescia, ia ficando cada vez mais bonita e, quando tinha sete anos, já era tão bela quanto o dia e mais bonita do que a própria rainha. Um dia, quando a rainha perguntou ao espelho:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?

O espelho respondeu:- Senhora Rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas Branca de Neve é mil vezes mais linda que todas as lindas que há por aí.A rainha engoliu em seco, ficou amarela e verde de inveja. Cada vez que ela olhava para Branca de Neve, depois disso, tinha tanto ódio dela que seu sangue até fervia no peito. A inveja e o orgulho cresceram como ervas daninhas dentro do coração da rainha até que ela não conseguia ter um momento de sossego, nem de noite nem de dia. Finalmente, mandou chamar um caçador e disse:- Suma com essa menina da minha frente. Quero que você a leve para o fundo da floresta e a mate. Para provar que você fez mesmo isso, traga-me os pulmões e o fígado dela.O caçador obedeceu. Levou a menina para a floresta, mas, quando puxou seu facão de caça e se preparava para atravessar o coração inocente de Branca de Neve, ela começou a chorar e disse:- Por favor, querido caçador, deixe-me viver. Eu fujo para o fundo do mato e nunca mais volto para casa...Ela era tão bonita que o caçador ficou com pena e disse:- Está bem, menina, pobre coitada. Fuja!Mas, para si mesmo, pensou: "Num instante os animais selvagens vão devorá-la". Porém, como nesse caso não era ele mesmo quem ia matar a criança, isso já tirava um peso enorme de cima dele. Logo depois, um filhote de javali saiu correndo do mato. O caçador meteu a faca nele, tirou os pulmões e o fígado e os levou para a rainha, como prova de que tinha cumprido sua missão. A malvada mandou o cozinheiro salgar e assar esses miúdos e comeu tudo, certa de que estava comendo os pulmões e o fígado de Branca de Neve.Enquanto isso, a pobre menina estava sozinha no meio da grande floresta. Apavorada, ela se assustava com todas as folhas das árvores e não sabia para onde ir. Começou a correr. Correu, correu, por cima de pedras afiadas e pelo meio de moitas de espinhos e os animais ferozes passavam por ela sem fazer mal nenhum. Correu enquanto as pernas agüentaram até que, finalmente, pouco antes de anoitecer, avistou uma casinha e entrou nela para descansar. Lá dentro tudo era pequenininho, mas limpo de fazer gosto. A mesa estava posta com uma toalha branca e sete pratinhos, cada um com sua faca, seu garfo, sua colher e sete canequinhas. Do outro lado, junto à parede, havia sete caminhas enfileiradas, cobertas por lençóis brancos imaculados. Branca de Neve estava morrendo de fome e sede, mas não queria comer a comida toda de ninguém, por isso comeu um pouquinho de pão e de legumes de cada prato e bebeu um gole de vinho de cada caneca. Depois estava tão cansada que resolveu se deitar em uma das camas, mas nenhuma servia exatamente para ela - algumas eram compridas demais, outras eram curtas demais, até que a sétima era do tamanho perfeito. Resolveu ficar por ali, rezou suas orações e caiu no sono.Quando já estava bem escuro, chegaram os donos da casa. Eram sete anões que, todos os dias, iam para as montanhas minerar prata, com suas pás e picaretas. Acenderam suas sete velinhas e, quando tudo ficou iluminado, eles perceberam que alguém tinha estado por ali, porque algumas coisas estavam fora do lugar. O primeiro disse:- Quem sentou na minha cadeira?E o segundo:- Quem comeu no meu prato?E o terceiro:- Quem deu uma dentada no meu pão?E o quarto:- Quem andou beliscando os meus legumes?E o quinto:- Quem usou o meu garfo?E o sexto:- Quem cortou com minha faca?E o sétimo:- Quem bebeu na minha caneca?Depois, o primeiro olhou em volta e viu que a cama dele estava amassada, como se tivesse uma coisa cavada no meio e perguntou:

- Quem deitou na minha cama?Os outros vieram correndo e gritaram:- Alguém deitou na minha cama também!Mas quando o sétimo olhou para a cama dele, viu que Branca de Neve ainda estava deitada lá, dormindo. Chamou os outros, que chegaram num instante. Começaram a gritar muito espantados, foram buscar as velas e as levantaram bem alto por cima de Branca de Neve:- Deus do céu! - gritaram - Deus do céu! Que menina tão linda!Ficaram tão maravilhados com ela que nem a acordaram, mas deixaram que ela continuasse dormindo na caminha. O sétimo anão dormiu com seus companheiros, uma hora com cada um e depois a noite já tinha acabado.Na manhã seguinte, Branca de Neve acordou e, quando viu os sete anões, levou um susto. Mas eles foram muito simpáticos, com um jeito amigo e perguntaram:- Qual é o seu nome?- Meu nome é Branca de Neve - respondeu ela.- Como é que você veio parar na nossa casa? - os anões quiseram saber.Então ela contou a eles tudo o que tinha acontecido, como a madrasta queria matá-la, como o caçador poupou a vida dela, como ela tinha caminhado o dia todo até que, finalmente, encontrou a casinha deles. Os anões disseram:- Se você tomar conta de nossa casa, cozinhar para nós, fizer as camas, lavar, costurar e cerzir as nossas roupas e deixar tudo bem limpinho e arrumado sempre, pode ficar morando conosco e nunca vai lhe faltar nada.- Que bom! - disse Branca de Neve - Eu ia adorar...E foi assim que ela ficou tomando conta da casa. Todas as manhãs eles saíam para a montanha, para garimpar ouro e prata e, todas as noites, voltavam para casa e ela tinha que ter feito o jantar. Mas ela passava o dia todo sozinha e os bondosos anões acharam bom avisar:- Muito cuidado com sua madrasta. Ela vai descobrir logo que você está aqui. Não deixe ninguém entrar nunca.Pois bem, a rainha que pensava ter comido os pulmões e o fígado de Branca de Neve, agora tinha certeza de que era a mais bonita do lugar. Foi até diante do espelho e perguntou:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?E o espelho respondeu:- Senhora Rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas Branca de Neve, que já foi-se embora com os sete anões, na montanha onde mora, é mil vezes mais linda que todas as lindas que há por aí.A rainha engoliu em seco. Como ela sabia que o espelho não mentia nunca, compreendeu que o caçador a enganara e que Branca de Neve ainda estava viva. Ficou então pensando sem parar, imaginando que jeito podia dar para matar a menina, porque ela tinha que ser a mulher mais linda do mundo... Se não, a inveja não ia deixá-la em paz. Afinal, acabou fazendo um plano. Sujou o rosto todo e se vestiu como se fosse uma velha vendedora ambulante, para que ninguém pudesse reconhecê-la. Com esse disfarce, atravessou as sete montanhas até a casa dos sete anões, bateu na porta e anunciou:- Belas coisas para vender! Quem quer comprar? Bonito e barato!Branca de Neve olhou pela janela e perguntou:- Bom dia, minha boa velha, que é que a senhora tem para vender?- Corpetes lindos, de todas as cores - respondeu ela. E estendeu um corpete brilhante, tecido em seda colorida."Esta senhora tem um ar tão honesto", pensou Branca de Neve, "não pode fazer mal se eu deixar que ela entre..." Por isso, abriu a porta e comprou o belo corpete.- Minha filha, você está toda mal-ajambrada! - disse a velha - Venha cá, deixe que eu dê o laço direito...Sem desconfiar de nada, Branca de Neve se aproximou dela e deixou que a velha a vestisse e amarrasse o corpete novo. Mas ela teve um gesto tão rápido e apertou tanto o cadarço do colete, que Branca de Neve ficou sem fôlego e caiu como se tivesse morrido.- Muito bem, - disse a rainha - agora você não é mais a mais linda do mundo.

E foi embora correndo. Um pouco mais tarde, quando caiu a noite, os sete anões voltaram para casa. Ficaram horrorizados ao ver sua adorada Branca de Neve caída no chão! Ela estava tão imóvel que eles pensaram que ela estivesse morta. Levantaram-na com cuidado e, quando viram que a roupa estava apertada demais, cortaram o corpete. Com isso, ela respirou um pouquinho e, bem devagar, foi voltando à vida. Quando os anões ouviram o que tinha acontecido, disseram:- É claro que essa velha vendedora era a rainha malvada e mais ninguém. Você tem que ser mais cuidadosa e não pode deixar ninguém entrar em casa.Quando a malvada chegou em casa, foi direto para a frente do espelho perguntar:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?E o espelho respondeu, como sempre:- Senhora Rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas Branca de Neve, que já foi-se embora com os sete anões, na montanha onde mora, é mil vezes mais linda que todas as lindas que há por aí.Quando ouviu isso, a rainha sentiu um aperto tão grande no peito que parecia que o sangue ia ferver, pois compreendeu que Branca de Neve ainda estava viva.- Mas não faz mal... - disse - Desta vez vou pensar em alguma coisa que vai mesmo destruir você de uma vez por todas...Com a ajuda de uns encantamentos mágicos que conhecia, fez um pente envenenado. Depois se disfarçou de novo, como se fosse outra velhinha. E, mais uma vez, atravessou as sete montanhas até a casa dos sete anões, bateu na porta e disse:- Belas coisas para vender! Quem quer comprar? Bonito e barato!Branca de Neve olhou pela janela e disse:- Vá embora! Não posso deixar ninguém entrar.- Mas você pode olhar, não pode? - perguntou a velha, mostrando o pente.A menina gostou tanto dele que esqueceu de tudo e abriu a porta. Combinaram o preço e aí a velha disse:- Agora eu vou pentear você direitinho.Sem desconfiar de nada, Branca de Neve ficou bem quieta, deixando que a velha a penteasse, mas, assim que o pente tocou seu cabelo, o veneno fez efeito e ela caiu desmaiada, como se estivesse morta.- Aí está, minha beleza, - disse a malvada - agora vai ser o seu fim.E foi-se embora. Mas, felizmente, a noite já vinha caindo e logo os anões chegaram em casa. Quando viram Branca de Neve caída no chão como se estivesse morta, imediatamente desconfiaram da madrasta. Examinaram Branca de Neve com cuidado e encontraram o pente envenenado. Assim que o arrancaram dos cabelos dela, a menina despertou e contou como tudo tinha acontecido. Mais uma vez, eles avisaram que ela precisava ter cuidado e não devia abrir a porta para ninguém. Quando a rainha chegou ao castelo, foi direto para o espelho e perguntou:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?O espelho respondeu do mesmo jeito que antes:- Senhora Rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas Branca de Neve, que já foi-se embora com os sete anões, na montanha onde mora, é mil vezes mais linda que todas as lindas que há por aí.Quando ouviu o espelho dizer isso, ela tremeu e se sacudiu de raiva, gritando:- Branca de Neve tem que morrer! Mesmo que isto custe a minha própria vida.Então ela foi até um quarto secreto e isolado onde ninguém entrava, nem se sabia que existia e fez uma maçã muito venenosa. Tinha um aspecto tão bonito por fora, branca com faces vermelhas, que qualquer pessoa que a visse ia querer comer. Mas qualquer um que comesse um pedacinho ia morrer. Quando a maçã ficou pronta, ela sujou bem o rosto e se disfarçou de camponesa. E, mais uma vez, atravessou as sete montanhas até a casa dos sete anões. Bateu na porta e Branca de Neve pôs a cabeça para fora da janela.- Não posso deixar ninguém entrar. Os anões não querem.- Não faz mal - disse a camponesa - eu só quero me livrar dessas maçãs. Tome. Eu lhe dou uma de presente.- Não posso - disse Branca de Neve - não posso aceitar nada.- Você está com medo de que esteja envenenada? - perguntou a velha - Bobagem... Veja, vou cortar a maçã pelo meio. Você fica com a banda vermelha e eu fico com a banda branca.Mas a maçã tinha sido tão bem feita que só a banda vermelha é que tinha veneno. Branca de Neve estava

morrendo de vontade de comer a maçã e, quando viu a camponesa dando uma dentada na fruta, não conseguiu resistir. Estendeu a mão e pegou a metade envenenada. Assim que deu uma mordida, caiu morta no chão. A rainha deu um olhar cruel, uma gargalhada terrível e disse:- Branca como a neve, vermelha como o sangue, negra como o ébano... Desta vez os anões não vão conseguir reviver você...E, quando chegou ao castelo, perguntou ao espelho:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?E o espelho finalmente respondeu:- Senhora Rainha, tu és a mais linda de todo o país.Então seu coração invejoso ficou sossegado - se é que um coração invejoso pode ficar sossegado. Quando os anões voltaram para casa ao cair da noite, encontraram Branca de Neve caída no chão. Não saía nem um pouco de hálito de sua boca e ela estava morta realmente. Eles a levantaram, procuraram bem para ver se encontravam alguma coisa venenosa, afrouxaram as roupas dela, despentearam o cabelo, lavaram a menina com água e vinho, mas não adiantou nada - sua bem-amada estava morta e morta ficou. Puseram-na numa maca, sentaram-se todos em volta, choraram e se lamentaram durante três dias. Depois iam enterrá-la. Mas ela ainda tinha aspecto fresco e cheio de vida e continuava com suas lindas bochechas vermelhas.- Não podemos botar essa menina na terra escura - disseram.Então fizeram um caixão transparente, de vidro, de modo que ela pudesse ser vista de todos os lados. Deitaram Branca de Neve no caixão e escreveram o nome dela em letras de ouro, acrescentando que ela era filha de um rei. Depois puseram o caixão no alto de uma colina e um deles sempre ficava ao lado, montando guarda. E os pássaros foram chegando e também choraram por Branca de Neve; primeiro uma coruja, depois um corvo e depois uma pomba. Branca de Neve ficou no caixão por muitos e muitos anos. Ela não se decompunha e parecia dormir, continuando sempre branca como a neve, vermelha como o sangue e negra como o ébano. Até que um dia um príncipe veio por aquela floresta e parou para passar a noite junto à casa dos sete anões. Viu o caixão no alto da colina, viu a linda Branca de Neve dentro dele, leu as letras de ouro no caixão. Então, disse aos anões:- Eu quero esse caixão, por favor. Pagarei por ele o quanto vocês pedirem.Mas os anões responderam:- Não nos separaríamos dele nem por todo o dinheiro do mundo.- Então, por favor, me dêem o caixão, - insistiu ele - porque não vou poder continuar vivendo se não puder ficar olhando Branca de Neve. Vou honrá-la e respeitá-la para sempre.Aí os anões ficaram com pena e resolveram dar o caixão a ele. Quando os criados do príncipe o levantaram e foram carregá-lo nos ombros, um deles tropeçou numa raiz. Com o tropeção, o pedaço envenenado da maçã que ela havia comido se soltou da garganta, Branca de Neve desengasgou, abriu os olhos, levantou a tampa do caixão, sentou e voltou à vida.- Onde é que eu estou? - perguntou.- Está comigo! - respondeu o príncipe, todo alegre.Então ele contou o que tinha acontecido e disse:- Eu amo você mais do que qualquer outra coisa no mundo. Venha comigo até o castelo de meu pai e vamos nos casar.Branca de Neve também se apaixonou pelo príncipe e foi com ele. Começaram logo os preparativos para uma festa maravilhosa de casamento. A madrasta malvada de Branca de Neve também foi convidada. Depois de se arrumar toda, com suas roupas mais bonitas, foi para a frente do espelho perguntar:- Espelho, espelho, vem já e me diz, quem é a mais linda de todo o país?O espelho respondeu:- Senhora rainha, tu és a mais linda que está aqui, mas a jovem rainha é mil vezes mais linda que todas as lindas que há por aí.Ouvindo isso, a malvada xingou e amaldiçoou. Ficou tão horrorizada que não sabia o que fazer. Primeiro não queria ir ao casamento, mas não podia resistir à curiosidade de ver a jovem rainha. No momento em que entrou no salão, reconheceu Branca de Neve e ficou tão apavorada que nem conseguiu se mexer. Mas já tinham mandado botar dois sapatinhos de ferro na brasa. Alguém os tirou de lá com umas tenazes e os pôs

diante dela, que foi obrigada a calçar os sapatinhos em brasa e dançar até cair morta.

Um-Olhinho, Dois-Olhinhos e Três-Olhinhos

Era uma vez um homem que tinha três filhas. A primeira se chamava Um-Olhinho, porque tinha um olho só, bem no meio da testa. A segunda era Dois-Olhinhos, porque tinha dois olhos, como todas as outras meninas. A mais moça era chamada de Três-Olhinhos, porque tinha três olhos, dois dos lados e o terceiro no meio da testa. Como Dois-Olhinhos não era diferente das outras pessoas, as irmãs e a mãe tinham ódio dela. E diziam:- Você, com seus dois olhos, não passa de mais uma no rebanho. Não é uma de nós.E empurravam a irmã, só davam trapos velhos para ela vestir, só deixavam as sobras para ela comer e faziam tudo o que podiam para infernizar a vida dela. Um dia, mandaram Dois-Olhinhos ao campo tomar conta da cabra, mas ela ainda estava com muita fome porque as irmãs não tinham dado quase nada para ela comer. Ela se sentou junto de uma sebe e começou a chorar. Chorava tanto que dois riachos de lágrimas começaram a correr pelo seu rosto. De repente, num momento em que levantou a cabeça no meio de toda aquela tristeza, viu uma mulher parada a sua frente.

- Dois-Olhinhos, por que é que você está chorando? - perguntou ela.A menina respondeu:- E como é que eu posso não chorar? Minha mãe e minhas irmãs não gostam de mim, só porque eu tenho dois olhos como todo mundo. Aí ficam me botando de castigo, só me vestem de farrapos e não me dão nada para comer, a não ser as sobras dos pratos delas. Hoje era tão pouquinho que eu estou morrendo de fome.A Mulher Sábia disse:- Dois-Olhinhos, enxugue as lágrimas. Vou lhe ensinar uma coisa que não vai deixar você passar fome nunca mais. É só você dizer para a sua cabra:Linha cabrinha, põe a mesa bem bonitinha.Aí vai aparecer uma mesa posta, bem arrumadinha, com a melhor comida que houver e você vai poder comer tanto quanto quiser. Depois, quando você acabar e não precisar mais da mesa, é só dizer:Linha cabrinha, leva a mesa bem bonitinha.E a mesa desaparecerá.Dizendo isso, a Mulher Sábia foi embora e Dois-Olhinhos pensou: "Vou experimentar agora mesmo para ver se é verdade, que estou morrendo de fome". E disse:- Linha cabrinha, põe a mesa bem bonitinha.Assim que acabou de falar, apareceu uma mesa toda arrumada, com uma toalha bem branca, um prato, talheres de prata e os pratos mais deliciosos no centro, bem quentinhos, como se tivessem acabado de vir direto da cozinha. Dois-Olhinhos rezou a Ação de Graças mais curta que sabia:- Deus querido, esteja sempre conosco. Amém.E se atirou na comida. Saboreou cada bocadinho e, quando achou que já tinha comido o bastante, disse as palavras que a Mulher Sábia tinha ensinado:- Linha cabrinha, leva a mesa bem bonitinha.A mesa e tudo o que nela estava desaparecam instantaneamente. Dois-Olhinhos ficou muito feliz.- Meu Deus! Que mesa maravilhosa!De noite, quando voltou para casa, achou um resto de comida que as irmãs tinham deixado para ela numa tigela de barro. Mas nem tocou na comida. No dia seguinte, ela saiu de novo com a cabra e, na volta, outra vez nem tocou nas migalhas que as irmãs deixaram. Na primeira e na segunda vez elas nem prestaram atenção. Mas, quando isso começou a acontecer todo o dia, elas acabaram reparando.- Alguma coisa esquisita está acontecendo. - disseram - Dois-Olhinhos costumava comer toda a comida que dávamos a ela e agora nem toca em nada. Deve ter descoberto outro jeito de comer.Resolvidas a descobrir a verdade, decidiram que, quando Dois-Olhinhos levasse a cabra para pastar, Um-Olhinho ia seguir atrás para vigiar o que ela fazia e ver se alguém estava levando comida e bebida para ela. Quando Dois-Olhinhos estava partindo, Um-Olhinho foi até junto dela e disse:- Acho que vou com você até o campo, para ter certeza de que a cabra está pastando direitinho e sendo bem cuidada.Mas Dois-Olhinhos sabia o que andava pela cabeça dela. Foi com a cabra até o meio do capinzal alto e disse:- Venha, Um-Olhinho, vamos sentar que eu canto uma canção para você.Um-Olhinho sentou. Mas como não estava acostumada a andar e ficar no sol, naquele calor, estava muito cansada. Dois-Olhinhos ficou cantando.- Um-Olhinho, dormes tu?Um-Olhinho, velas tu?Um-Olhinho acabou fechando seu olhinho e dormiu. Assim que Dois-Olhinhos viu Um-Olhinho dormindo sem poder ficar espionando, disse:- Linha cabrinha, põe a mesa bem bonitinha.Sentou-se junto à mesa, comeu e bebeu até se fartar e depois ordenou:- Linha cabrinha, leva a mesa bem bonitinha.E, num instante, tudo desapareceu. Em seguida, Dois-Olhinhos acordou Um-Olhinho e disse:- Um-Olhinho, você ia tomar conta da cabra e veja o que aconteceu. Você dormiu. A cabra podia ter saído correndo e sumido por aí. Venha, vamos para casa.E para casa foram. Mais uma vez, Dois-Olhinhos não tocou na tigela de restos de comida, mas Um-Olhinho

não foi capaz de explicar à mãe por que é que a irmã não comia. Só conseguiu dar uma desculpa:- Eu dormi...No dia seguinte, a mãe disse a Três-Olhinhos:- Agora, desta vez, quero que você vá e vigie bem, para ver se alguém dá comida e bebida a ela, porque ela deve estar comendo e bebendo escondido.Assim, Três-Olhinhos foi até junto de Dois-Olhinhos e disse:- Acho que vou com você até o campo, para ver se a cabra está pastando direitinho e sendo bem cuidada.Mas Dois-Olhinhos sabia o que andava pela cabeça dela. Levou a cabra até o capinzal alto e disse:- Venha, Três-Olhinhos, vamos sentar que eu canto uma canção para você.Três-Olhinhos sentou. Mas, como não estava acostumada a andar e ficar no sol, naquele calor, estava muito cansada. Dois-Olhinhos começou a cantar a mesma canção outra vez:- Três-Olhinhos velas tu?Mas em vez de cantar: "Três-Olhinhos, dormes tu?", como devia ter cantado, se distraiu e cantou:- Dois-Olhinhos, dormes tu?Quer dizer, ficou cantando uma canção assim:- Três-Olhinhos, velas tu?Dois-Olhinhos, dormes tu?Então dois dos olhos de Três-Olhinhos se fecharam e dormiram, mas o terceiro não, porque não foi mencionado na canção. Três-Olhinhos fechou seu terceiro olho, como se ele também fosse dormir, mas era um truque, porque deixou uma fresta aberta e via tudo o que estava acontecendo. Quando Dois-Olhinhos achou que Três-Olhinhos já estava dormindo profundamente, disse seus versinhos mágicos:- Linha cabrinha, põe a mesa bem bonitinha.E depois de ter comido e bebido até se fartar, mandou a mesa embora de novo, dizendo:- Linha cabrinha, leva a mesa bem bonitinha.Mas Três-Olhinhos tinha visto tudo. Depois Dois-Olhinhos acordou a irmã e disse:- Três-Olhinhos, você não disse que ia tomar conta da cabra? Como é que você dormiu? Vamos para casa...E para casa foram. Mais uma vez, Dois-Olhinhos não comeu nada. Mas Três-Olhinhos disse à mãe:- Agora sei por que aquela peste não come nada. Ela diz à cabra:Linha cabrinha, põe a mesa bem bonitinha.E, num passe de mágica, aparece uma mesa posta com tudo o que precisa e a comida mais gostosa, muito melhor do que a que a gente tem aqui em casa e, depois que ela enche a barriga, diz:Linha cabrinha, leva a mesa bem bonitinha.E aí tudo desaparece. Eu vi tudo. Ela disse umas palavras mágicas e fez dois olhos meus dormirem, mas eu tive sorte e o do meio da testa ficou acordado.Ouvindo isso, a mãe invejosa gritou:- Que é isso? Você pensa que é melhor do que a gente? Mas não vai pensar muito tempo...Dizendo isso, pegou a faca da cozinha e enfiou no coração da cabrita, que caiu morta. Dois-Olhinhos quase morreu de tristeza. Saiu para o campo, sentou no seu cantinho preferido e chorou lágrimas amargas. De repente, a Mulher Sábia estava de pé ao lado dela:- Por que você está chorando, Dois-Olhinhos? - perguntou ela.- E não tenho motivos? - respondeu a moça - Minha mãe matou a cabra que me trazia coisas tão boas para comer e agora vou ficar outra vez com fome e infeliz.A Mulher Sábia disse:- Dois-Olhinhos, vou lhe dar um bom conselho. Peça a suas irmãs as tripas da cabra. Depois enterre as tripas no quintal, perto da porta da frente. Elas vão lhe dar sorte.Dizendo isso, desapareceu. Dois-Olhinhos foi para casa e disse às irmãs:- Queridas irmãs, será que eu não podia ficar com algum pedaço da minha cabra? Não estou pedindo os pedaços gostosos não. As tripas mesmo servem.Elas riram e disseram:- Se o que você quer são as tripas. pode ficar com elas.Dois-Olhinhos pegou as tripas e, de noite, quando tudo estava sossegado, ela as enterrou perto da porta da

frente, bem como a Mulher Sábia tinha aconselhado. Na manhã seguinte, quando todos acordaram e saíram, uma árvore maravilhosa tinha crescido no local. Tinha folhas de prata e frutas de ouro e nada no mundo poderia ser mais bonito ou mais esplêndido. Ninguém podia imaginar como é que uma árvore daquelas tinha brotado ali da noite para o dia. Só Dois-Olhinhos é que sabia que ela tinha nascido das tripas da cabra, porque estava no lugar exato onde as tinha enterrado.- Vamos filha, - disse a mãe a Um-Olhinho - suba na árvore e tire umas frutas para nós.Um-Olhinho subiu na árvore, mas, quando tentou pegar uma maçã de ouro, o galho escorregou e saiu do seu alcance. E, toda a vez que ela tentava, acontecia isso. Por mais que ela se esforçasse, não conseguia pegar uma única maçã.- Três-Olhinhos, - disse a mãe - suba você agora. Na certa, com seus três olhos, vai conseguir enxergar muito melhor do que sua irmã.Um-Olhinho desceu da árvore e Três-Olhinhos subiu. Mas não foi nem um pouco mais jeitosa e, apesar de toda a boa vista que tinha, as maçãs de ouro escaparam. Finalmente, a mãe perdeu a paciência e resolveu que ela mesma ia subir na árvore, mas não conseguiu também ser mais capaz do que Um-Olhinho e Três-Olhinhos e suas mãos só ficavam agarrando o ar em vez de colher as frutas. Depois de algum tempo, Dois-Olhinhos disse:- E se eu experimentasse? Talvez tenha mais sorte.As irmãs gritaram:- Você com seus dois olhos? Mas que bobagem!Mas, apesar disso, Dois-Olhinhos subiu na árvore e, em vez de fugir dela, as frutas vinham encontrá-la na metade do caminho. Pegou quantas quis e desceu com o avental cheio. A mãe pegou todas. Mas, em vez de tratá-la melhor, ela e as irmãs ficaram com tanta inveja porque ela tinha conseguido colher as frutas, que passaram a ser ainda mais malvadas com ela. Acontece que, um dia, quando estavam todas juntas debaixo da árvore, aproximou-se um jovem cavaleiro.- Depressa! - gritaram as duas irmãs - Esconda-se, Dois-Olhinhos, ou você vai fazer nossa desgraça.Rápidas como um raio, pegaram um barril vazio que estava ali por perto da árvore e jogaram por cima dela. Depois esconderam ali embaixo também algumas frutas de ouro que tinham acabado de colher. Quando o cavaleiro chegou mais perto, viram que ele era muito bonito. Ele parou para admirar a esplêndida árvore de ouro e prata e disse para as duas irmãs:- De quem é essa árvore maravilhosa? Se alguém me desse um galho dela, eu daria em troca qualquer coisa que essa pessoa quisesse.Um-Olhinho e Três-Olhinhos disseram que a árvore era delas e tentaram tirar um galho para ele. Mas, por mais que fizessem força, não conseguiam, porque os galhos e as frutas se encolhiam e iam para longe delas quando se aproximavam. Finalmente, o cavaleiro disse:- Se a árvore é de vocês, é muito esquisito que não consigam quebrar um pedaço dela.Mais uma vez elas disseram que a árvore era delas. Mas, enquanto falavam, Dois-Olhinhos, que estava zangada com Um-Olhinho e Três-Olhinhos porque elas não estavam dizendo a verdade, empurrou algumas maçãs de ouro para fora do barril e elas rolaram para junto dos pés do cavaleiro. Ele ficou assombrado ao ver uma coisa daquelas e perguntou de onde vinham. Um-Olhinho e Três-Olhinhos explicaram que tinham outra irmã que não podia aparecer diante das pessoas porque só tinha dois olhos, como as pessoas comuns. Mas o cavaleiro insistiu em vê-la e acabou dizendo:- Dois-Olhinhos, apareça!Confiante, Dois-Olhinhos saiu debaixo do barril. O cavaleiro ficou maravilhado com a beleza dela e disse:- Tenho certeza de que você, Dois-Olhinhos, vai poder tirar um galho da árvore para mim.- Acho que sim, - disse ela - porque a árvore é minha.Subiu na árvore e não teve o menor problema para conseguir tirar um galho lindo, cheio de finas folhas de prata e frutas de ouro. Entregou-o ao cavaleiro e ele perguntou:- O que é que você quer em troca, Dois-Olhinhos?- Meu Deus... - disse Dois-Olhinhos - Tenho passado fome e sede, miséria e privações, desde que o dia amanhece até tarde da noite. Se o senhor puder me tirar daqui, me levar embora e me salvar disso tudo, ficarei muito feliz.

O cavaleiro levantou-a, montou-a em sua sela e a carregou para o castelo de seu pai, onde lhe deu roupas, comida e bebida, tanto quanto ela quisesse. E a amou tanto que se casou com ela, numa festa celebrada em meio a grande alegria. Quando viram Dois-Olhinhos partir com o cavaleiro, as duas irmãs a invejaram amargamente. "Mas, pelo menos", pensaram, "ainda temos a árvore maravilhosa. Mesmo que não consigamos colher as frutas, todo mundo vai parar para olhar, vai entrar para nos ver e vai elogiar suas maravilhas. Quem sabe a boa fortuna que isso não nos pode trazer?"Mas, no dia seguinte, a árvore tinha desaparecido e suas esperanças se acabaram. E, quando Dois-Olhinhos olhava para fora de sua janela, tinha o grande prazer de ver a árvore diante de si, porque ela a tinha seguido. Durante muito tempo, Dois-Olhinhos viveu alegre e feliz. Um dia, duas mendigas vieram pedir esmolas no castelo. Dois-Olhinhos olhou para elas e reconheceu as irmãs, que tinham ficado tão pobres que iam de porta em porta mendigando pão. Dois-Olhinhos lhes deu as boas-vindas, as recebeu com carinho e cuidou delas tão bem que elas se arrependeram sinceramente de todo o mal que tinham feito a sua irmã quando eram jovens.

O Lobo e os Sete Cabritinhos

Era uma vez uma velha cabra, que tinha sete cabritinhos novos e gostava deles como uma mãe gosta dos filhos. Um dia, ela quis ir para a floresta buscar comida; então chamou todos os sete e disse:- Filhos queridos, eu quero sair para a floresta; tomem cuidado com o lobo. Se ele entrar, come-os todos com pele e osso. O malvado se disfarça muitas vezes, mas vocês poderão reconhecê-lo pela sua voz grossa e pés negros.Os cabritinhos disseram:- Querida mãe, nós vamos ter muito cuidado. Pode sair sem receio.Então a velha despediu-se e pôs-se a caminho sossegada. Não demorou muito e alguém bateu na porta da

casa e gritou:- Abram, filhos queridos, a sua mãe está aqui e trouxe alguma coisa para cada um de vocês!Mas os cabritinhos perceberam pela voz grossa que era o lobo.- Não vamos abrir! - gritaram eles - Você não é nossa mãe; ela tem uma voz fina e delicada, mas sua voz é grossa; você é o lobo!Então o lobo foi a uma venda e comprou um grande pedaço de giz, que ele comeu e, com isso, afinou sua voz. Então ele voltou, bateu na porta e gritou:- Abram, filhos queridos, a sua mãe está aqui e trouxe alguma coisa para cada um de vocês!Mas o lobo pusera a sua pata preta na beira da janela, os pequenos viram isso e gritaram:- Não vamos abrir, nossa mãe não tem um pé preto como o seu; você é o lobo!Então o lobo correu até um padeiro e disse:- Eu machuquei o pé, passe-me massa de pão nele.E, quando o padeiro lhe untou a pata de massa, ele correu para o moleiro e disse:- Salpique farinha branca na minha pata.O moleiro pensou: "Ele quer enganar alguém" e recusou. Mas o lobo disse:- Se você não fizer o que mando, vou devorá-lo!O moleiro ficou com medo e branqueou-lhe a pata.Agora o malvado foi lá pela terceira vez, bateu na porta e disse:- Abram para mim, a sua querida mãezinha voltou para casa e trouxe da floresta alguma coisa para cada um de vocês.Os cabritinhos gritaram:- Mostre-nos primeiro a sua pata, para que vejamos se você é a nossa querida mãezinha!Então ele pôs a pata na janela e, quando eles viram que a pata era branca, pensaram que era tudo verdade e abriram a porta. Mas quem entrou foi o lobo! Os cabritinhos se assustaram e tentaram esconder-se. Um pulou para baixo da mesa, o segundo na cama, o terceiro no forno, o quarto na cozinha, o quinto no armário, o sexto na bacia do lavatório e os sétimo na caixa do relógio de parede. Mas o lobo descobriu todos e não fez muita cerimônia: Um atrás do outro, ele os engoliu com sua bocarra. Só o mais novinho, que se escondera no relógio, ele não conseguiu encontrar. E, quando o lobo aplacou sua fome, arrastou-se para fora, deitou-se no campo verde debaixo de uma árvore e começou a dormir.Pouco depois a cabra voltou da floresta para casa. Ai, o que os seus olhos viram! A porta da casa estava escancarada; mesas, cadeiras e bancos estavam derrubados, a bacia estava em cacos, cobertores e travesseiros arrancados da cama. Ela procurou pelos filhos, mas não os achava em lugar algum. Chamou cada um pelo nome, mas ninguém respondia. Finalmente, quando ela chamou o menorzinho, uma vozinha fina respondeu:- Mamãe querida, estou na caixa do relógio!Ela tirou-o de lá e ele contou-lhe que o lobo viera e devorara todos os outros. Na sua aflição, a mãe saiu correndo da casa e o cabritinho menor correu atrás dela. E, quando chegou ao campo, lá estava o lobo deitado debaixo da árvore, roncando de fazer tremer os galhos. Ela examinou-o por todos os lados e reparou que, na sua barriga estufada, algo se mexia e esperneava. "Ai, meu Deus", pensou ela, "será que os meus pobres filhos que ele engoliu para o jantar ainda estão vivos?"Então o cabritinho teve que voltar correndo para casa, buscar tesoura, agulha e linha. Aí ela abriu a barriga do monstro com a tesoura e, nem bem ela fez o primeiro corte, um cabritinho já pôs a cabeça para fora e, quando ela continuou a cortar, todos os seis foram pulando para fora, um atrás do outro e eles nem sequer estavam machucados, porque a fera, na sua gana, os tinha engolido inteirinhos.Foi uma grande alegria! Eles abraçavam a sua mãezinha querida e pulavam e saltavam como um alfaiate no seu próprio casamento. Mas a velha disse:- Vão agora e achem umas pedras grandes. Com elas vamos encher a pança desta fera selvagem, enquanto ela ainda dorme.Então os sete cabritinhos arrastaram depressa umas pedras e as enfiaram na barriga do lobo, quantas cabiam. E a velha, mais que depressa, costurou a barriga e ele nem percebeu nada e nem se mexeu.Quando o lobo se fartou de dormir, pôs-se de pé e, como estava com muita sede, quis ir até um poço para

beber água. Mas quando ele começou a se mover, as pedras na sua barriga começaram a se chocar e a barulhar. Então ele gritou:"Na minha pança, o que faz barulho?Pensei que eram cabritos seis,Mas o que eu percebo, ao invésÉ um rebolar de pedregulho!"Quando ele chegou ao poço e se debruçou para beber, as pesadas pedras arrastaram-no para o fundo e ele morreu miseravelmente afogado. Quando os sete cabritinhos viram isso, vieram correndo e gritaram bem alto:- O lobo está morto! O lobo está morto!E puseram-se a dançar de alegria junto com sua mãe em redor do poço.

O Caracol e a Roseira

Era um jardim todo cercado de aveleiras e, para além do jardim, ficavam os campos e os prados, onde pastavam as vacas e as ovelhas. No centro do jardim ostentava-se uma roseira em plena floração. Embaixo da roseira morava um caracol, que se tinha em grande conta.- Esperem, esperem que chegue a minha hora - dizia ele - hei de fazer muito mais do que produzir rosas ou avelãs ou dar leite como as vacas!