ContraClausewitz
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Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011 1
Contra Clausewitz
THIAGO TREMONTE DE LEMOS
Resumo
Este trabalho foi extrado da dissertao de mestrado intitulada Cultura e poltica: a
natureza da guerra moderna no pensamento de Carl von Clausewitz. As experincias
militares vividas por Clausewitz, entre o final do sculo XVIII e o incio do sculo XIX,
foram a fonte de sua reflexo. Traremos aqui o debate acerca de seu pensamento, a
partir de dois autores anticlausewitzianos: B. H. Liddell Hart e John Keegan.
Controvrsias, polmicas e anlises acerca do sentido de sua teoria. O artigo est
organizado em duas partes: B. H. Liddell Hart contra Clausewitz, a partir da obra de Liddell Hart, As grandes guerras da histria, e John Keegan contra Clausewitz, sobre o livro de Keegan, Uma histria da guerra.
Palavras-chave: Clausewitz, Liddell Hart, Keegan, guerra, cultura, poltica.
Abstract
This article is a docket of the thesis Cultura e poltica: a natureza da guerra moderna
no pensamento de Carl von Clausewitz. The military experiences lived by Clausewitz,
at the end of century 18th
and the beginning of century 19th
, had been the source of its
reflection. We will show here the discussion against Clausewitz from two authors: B. H. Liddell Hart and John Keegan. Controversies, polemics, and analysis of the meaning of
his theory. The paper is organized into two parts: "B. H. Liddell Hart contra
Clausewitz, from the Liddell Harts book Strategy and John Keegan contra Clausewitz; about the Keegans book A history of warfare. Keywords: Clausewitz, Liddell Hart, Keegan, war, culture, politics.
A influncia do pensamento sobre o pensamento
, na histria, o fator mais importante.
B. H. Liddell Hart
As guerras que Clausewitz conheceu,
as de que participou, foram as da Revoluo Francesa
e o motivo poltico que ele sempre considerou um fator de precipitao e controle da guerra
estava sempre presente, ao menos no incio.
Keegan
A guerra no a continuao da poltica por outros meios. O mundo seria mais
fcil de compreender se esta afirmao fosse absolutamente verdadeira. Pelo menos
para o general prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831), autor do tratado Da guerra.
Departamento de Histria da Universidade de Braslia. Doutorando em Histria Social pela Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, bolsista Mdulo II CAPES (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior).
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O general-filsofo descreveu as experincias mais intensas da guerra moderna e pensou
sobre a natureza de seu conceito.
Poderia constatar outra coisa seno a guerra como poltica? Ou no mnimo a
guerra como um instrumento da poltica? A Europa do sculo XIX poderia ser
compreendida por outro tipo de guerra seno aquela que obrigava os Estados a lanarem
mo do maior nmero possvel de soldados, obstinados em desarmar o adversrio de
qualquer jeito, como um duelo? Poderia ter fora se no estivesse apoiada na trindade
povo-exrcito-Estado1? A guerra moderna no foi isso?
O conceito de guerra, ontologicamente falando, apenas expressa as impresses
de um homem que conseguiu traduzir em palavras sua vida nos campos de batalha. Este
homem, contudo, no era uma folha em branco. Sua leitura de mundo era atravessada
pelos valores de sua cultura. Uma cultura que, apesar de seu forte apego tradio,
jogava-o contra os eventos que presenciava; obrigava-o a ter jogo de cintura para no
sofrer de esquizofrenia. Se, de um lado, os valores da nova e moderna Europa
desprestigiavam seus antigos mandatrios, ainda havia basties de resistncia da antiga
aristocracia em lugares como a Prssia. Nos paradoxos da modernidade e da tradio;
da fidelidade vasslica e do sentimento nacionalista, Clausewitz teve a perspiccia de
perceber que, se o mundo no seria mais o mesmo, a guerra tambm no poderia ser.
Mas as transformaes no aniquilam o passado. Este traduzido para os novos tempos.
A guerra moderna aceitaria os valores do guerreiro, porque, no front, so estes que
ainda contam. Mesmo racionalizada matematicamente, a guerra continua a ser uma ao
do homem. E este, por mais que deseje, no consegue se emancipar por completo de
suas paixes e afetos, ainda que seja possvel transcrev-los em um tratado poltico-
militar.
Todavia, o pensamento de Clausewitz no ficou circunscrito ao momento
histrico de sua produo. Seu alcance atravessou os anos e as fronteiras da Prssia. Da
guerra serviu de manual das polticas externas de algumas das potncias militares
1 A trindade que caracterizaria a guerra real e completaria sua definio como fenmeno total,
comportaria trs componentes que expressariam suas tendncias dominantes. O primeiro componente
englobaria uma violncia original, uma hostilidade e uma animosidade, considerados como um
impulso natural cego, todos ligados ao povo. Nesse contexto, as paixes que se manifestariam na
guerra seriam inerentes ao povo. O segundo componente diria respeito ao jogo de probabilidades e do
acaso que movem a livre alma criativa, que depender das caractersticas de seu comandante e de seu
exrcito. Por fim, a subordinao da guerra poltica e aos objetivos polticos, assunto de deciso
exclusiva do governo de um Estado [grifo nosso] (PASSOS, 2005: 8).
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mundiais (como Frana e Alemanha at 1914) e de revolucionrios socialistas2 (como
Lenin, que foi leitor de Clausewitz), desde a segunda metade do sculo XIX, quando o
general alemo Helmuth von Moltke3 (1800-1891), ao lado do chanceler Otto von
Bismarck (1815-1898) considerados os principais articuladores da unificao alem ,
incorporaram aspectos de sua teoria4. A Weltpolitik alem, a partir de ento, era
clausewitziana:
Batizando de clausewitzianos o pensamento e a prtica bismarckiana no que
se refere ao tema decisivo das relaes entre poltica e guerra, arrisco-me a
suscitar pelo menos diversos movimentos Pode o tratado de Frankfurt passar como moderado? A anexao da Alscia-Lorena no cavava um fosso
entre Alemanha e Frana que nada poderia preencher? No semeava os
germes de um dio que deveria explodir mais cedo ou mais tarde?
para julgar eqitativamente o chanceler de ferro, conveniente conformar-se com as regras clausewitzianas da crtica sim, sem dvida, Bismarck julgava que as guerras, em sua poca, constituam um meio normal
de se atingir as metas da poltica. Na conduta das operaes ele no se
perturbava com as consideraes humanitrias, mas tambm no imaginava
o equivalente ao massacre dos prisioneiros ou das populaes civis (ARON,
1986b: 24-25).
Conseqentemente, outros pases adotaram concepes similares5, no apenas
no sentido de conhecer melhor a mquina de guerra alem, mas tambm por ver no
2 extremamente significativo que Clausewitz tenha sempre gozado de prestgio entre os intelectuais
marxistas, com destaque para Lnin (KEEGAN, 1995: 34). [Da guerra] foi apreciada por Engels ( um estranho caminho para filosofar, mas, muito bom, em si mesmo) e lida por Marx. Lenin durante sua estadia em Zurique fez anotaes sobre o texto. Hitler disse que era fundamental e Eisenhower se
ateve firmemente a sua leitura em seus dias no US Army War College (CREVELD, 1991: 34).
3 Da guerra revelou-se um livro de efeito retardado. Somente depois de quarenta anos de sua publicao, em 1832-35, que se tornou amplamente conhecido, e de uma forma indireta. Helmuth von Moltke,
chefe do Estado-Maior prussiano, tinha aparentemente dons mgicos de comando que haviam
derrubado o poder do Imprio austraco e depois do francs, numa campanha de poucas semanas, em
1871. O mundo queria evidentemente conhecer seu segredo, e quando Moltke revelou que, alm da
Bblia e de Homero, o livro que mais o influenciara fora Da guerra, a fama pstuma de Clausewitz
estava garantida. O fato de que Moltke fora aluno da escola de guerra da Prssia quando Clausewitz
era seu diretor no foi notado e, de qualquer forma, era irrelevante; o mundo interessou-se pelo livro,
leu-o, interpretou amide mal, mas desde ento acreditou que ele continha a essncia da guerra bem-
sucedida (KEEGAN, 1995: 37).
4 o marechal Hindenburg, depois da guerra de 1914-1918, pagara seu tributo de admirao e de reconhecimento quele que havia se transfigurado em pai fundador da teoria alem da guerra pelas
vitrias de Moltke: Existe um livro, De la Guerre, que jamais envelhecer. Seu autor Clausewitz. Ele conhecia a guerra e os homens. Devamos escut-lo e, quando seguamos suas prescries, era
para nosso bem. O inverso significava a infelicidade (HINDENBURG. Aus meinen Leben. Leipzig, 1930, p. 101 apud ARON, 1986b: 9-10).
5 Na Frana, a descoberta de Clausewitz se situa aps as derrotas de 1870, acompanhando a descoberta, ou a redescoberta, de Napoleo, exigindo assim um estudo particular. Pode ser que o Trait, bem ou
mal compreendido (mal compreendido, a meu ver) carregue uma parte de responsabilidade nas
concepes dos generais franceses de 1914 (ARON, 1986b: 10).
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pensamento de Clausewitz uma fonte segura para o sucesso das aes poltico-militares,
como foi o caso do marechal francs Ferdinand Foch (1851-1929):
O futuro marechal Foch entrara na Escola de Guerra em 1885, ano em que
Cardot6 apresentava pela primeira vez as ideias clausewitzianas aos futuros
chefes do exrcito francs. A descoberta do deus da guerra andava de par com seu profeta. A comparao entre a campanha de 1806 e a de 1870, entre
o gnio do mestre e o talento do discpulo, tornara-se um tema de moda da
histria e da crtica militares (ARON, 1986b: 27).
Clausewitz foi acusado de ser responsvel por alguns dos eventos mais terrveis
do sculo XX. Isso parece um juzo descomedido. Seguindo do mesmo modo a crtica
sarcstica de Raymond Aron em seu Pensar a guerra7, nos vemos impossibilitados de
aceitar passivamente a condenao das ideias de Clausewitz como a origem dos
acontecimentos poltico-militares na Europa entre 1860 e 1945.
Ao adotarmos a histria conceitual, reconhecemos a fora de um conceito para
alm de seu contexto social. No limitamos a produo intelectual de um pensador, ou o
significado de determinado termo apenas no mbito de uma poca especfica. Os
conceitos so ampliados e teorias tornam-se frmulas em outros momentos, sem que o
autor tivesse qualquer dimenso de seu alcance ainda que o desejasse, como foi o caso
de Clausewitz. Mas no pretendemos cair na investigao moral de qualquer
pensamento deslocado de seu tempo.
Os conceitos no nos instruem apenas sobre o carter singular de
significados passados; a par disso, eles contm possibilidades estruturais e
simultaneidades como no-simultaneidades, as quais no podem ser
depreendidas por meio da seqncia dos acontecimentos na histria.
Conceitos que abarcam fatos, circunstncias e processos do passado (KOSELLECK, 2006: 116).
A condenao de Clausewitz no apenas retrica. Nem sua exaltao. Ainda que
alguns no vejam nenhum problema de os eventos mais trgicos da humanidade estarem
vinculados ao pensamento clausewitziano, vem na teoria do general-filsofo frmulas
eficientes para a defesa dos interesses de Estado.
6 Lucien Cardot (1838-1920), general do exrcito francs.
7 Depois de 1945, os historiadores examinaram inmeras vezes Bismarck e sua obra com a finalidade de atingir as origens da catstrofe alem. Pesquisa inevitvel, sempre legtima e sempre v. Lus XIV
preparara a Revoluo Francesa e Bismarck tornara Hitler possvel. Uma Alemanha dividida ou uma
Alemanha unificada de outra maneira que no a ferro e fogo implica um outro curso dos
acontecimentos, da diplomacia e da guerra! No consigo ver em nome de que poderamos condenar a
unidade alem seno, vtimas da iluso retrospectiva de fatalidade, tomando como necessrios os
prosseguimentos desta unidade (ARON, 1986b: 19).
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Mesmo assim, pensamos que todo e qualquer tribunal da Histria no parece
legtimo nesse caso. Entendemos que suspender juzos de valor no negligenciar um
posicionamento frente ao passado, mas conseguir analis-lo sem o compromisso moral
que macula a reflexo, permitindo-nos observar pontos que excedam a avaliao
maniquesta da histria das guerras.
Tambm no desconsideramos o poder das teorias e a influncia do pensamento
na materializao das aes humanas. Vemos uma ntima relao entre os dois, mas no
os articulamos de maneira dedutiva e mecnica. Um no determina o outro, em nenhum
tipo de equao. Tambm no somos partidrios do determinismo histrico, que v as
ideias como estritos resultados de impresses empricas. Pensamos na relao
substancial entre teoria e prtica. No h primazia de uma sobre a outra, como tambm
no possvel deixar de perceber que uma est diretamente implicada outra.
Marx, em sua obra A ideologia alem ridicularizou seus colegas que
acreditavam fazer, no pensamento, uma revoluo maior que a Francesa8. No retirou,
por assim dizer, a importncia das ideias, apenas colocou a sua origem na prxis. Por
mais fora que tenha uma ideia, no deveria ela somente ser responsvel por
discusses? Mesmo que seja uma ideia sobre o que e como se faz a guerra? Se
aceitarmos isso, teremos de concordar com Kant em sua Uma histria universal sob o
ponto de vista cosmopolita, ao afirmar que o impacto das ideias da Revoluo Francesa
no mundo foi mais forte do que os prprios acontecimentos de 1789.
Escolhemos o meio-termo. Optamos por no separar teoria de prtica, fatos de
pensamento, matria de forma; por isso, entendemos que a adoo de ideias, em
contextos diferentes de sua produo, significa outras ideias, resultando em outras
aes, ainda que a teoria de Clausewitz tenha a pretenso de ser universal, pois sua
manipulao sempre conjunturalmente histrica.
8 Segundo anunciam idelogos alemes, a Alemanha passou nos ltimos anos por uma revoluo sem
paralelo. O processo de decomposio do sistema de Hegel, iniciado com Strauss, transformou-se
numa fermentao universal para a qual so arrastados todos os poderes passados. No caos geral, poderosos imprios se formaram para logo de novo rurem, emergiram momentaneamente heris para
serem de novo remetidos para a obscuridade por rivais ousados e mais poderosos. Foi uma revoluo
ao p da qual a Revoluo Francesa uma brincadeira de crianas; uma luta universal face qual as
lutas dos Didocos aparecem mesquinhas. Os princpios expulsaram-se uns aos outros, os heris do
pensamento derrubaram-se uns aos outros com uma pressa inaudita, e nos trs anos, entre 1842 e
1845, varreu-se mais do passado na Alemanha do que anteriormente em trs sculos Tudo isto teria ocorrido no pensamento puro (MARX, s/d: 9).
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Alis, se Clausewitz pudesse se defender no tribunal que o condenou, evocaria
seus aforismos de Da guerra e a sua prpria biografia como provas de que os que o
acusaram estavam equivocados, pois afirmava exatamente a associao entre teoria e
prtica. Ainda que desejasse uma obra atemporal, foi a partir de sua experincia de vida
que Da guerra foi escrita e, portanto, a adoo de sua teoria em outros tempos esteve
diretamente relacionada com as mais diversas conjunturas e no com seus desejos em
1815. Esta frmula serve-nos para suspender o julgamento de Clausewitz que mais
moral que histrico e discutirmos algumas das reflexes sobre a teoria clausewitziana.
O debate sobre as ideias do autor de Da guerra bastante exaltado. H quem
entenda ser necessria uma reviso urgente do conceito de guerra de Clausewitz; outros
preferem conhec-lo a fundo antes de recus-lo, e ainda outros buscam na relao entre
guerra e poltica, exposta por Clausewitz, alternativas para pensar a sociedade, num
profundo exerccio filosfico.
Dos historiadores da guerra que se opuseram, acusaram e condenaram a teoria de
Clausewitz como a responsvel pelas duas guerras mundiais do sculo XX, destacamos
os ingleses B.H. Liddell Hart e John Keegan. Liddell Hart atribuiu pelo menos a
crueldade dos eventos da Primeira Guerra Mundial ao pensamento clausewitziano.
Keegan foi mais longe e incluiu a Segunda tambm na acusao e condenao do
general prussiano, por sua influncia no pensamento de Hitler:
Clausewitz rejeitava a ideia de que h uma maneira engenhosa de desarmar e vencer o inimigo sem grande derramamento de sangue e essa
apropriadamente a tendncia da Arte da Guerra. Desprezava-a, como sendo uma noo nascida da imaginao de filantropos. No levava em conta que essa ideia talvez tivesse sido ditada por algum esclarecido, interessado em
servir a ptria e no apenas por apreciadores de uma luta de gladiadores.
Os seus ensinamentos, manejados por discpulos irrefletidos, serviram para
incitar generais a procurarem a batalha a todo custo, em lugar de criarem
uma oportunidade vantajosa para disput-la. Em conseqncia, a arte da
guerra foi reduzida, em 1914-18, a um processo de carnificina mtua
(LIDDELL HART, 1982: 273).
o deus da guerra no um arremedo. Quando os regimentos de recrutas da Europa marcharam para a guerra, em 1914, carregando sua retaguarda
de reservistas, a guerra que os enredou foi, de longe, a pior que os cidados
pudessem esperar. Na Primeira Guerra Mundial, a guerra real e a guerra verdadeira logo se tornaram indistintas; as influncias moderadoras que Clausewitz declarara sempre entrarem em ao para ajustar a natureza potencial e o propsito real da guerra reduziram-se invisibilidade;
alemes, franceses, ingleses e russos descobriram-se aparentemente
travando uma guerra pela guerra (KEEGAN, 1995: 38).
Hitler deve ser visto retrospectivamente como o lder guerreiro mais
perigoso que jamais atormentou a civilizao Hitler concebia a vida como luta e guerra, portanto, como meio natural pelo qual a poltica racial
alcanaria seus objetivos. Em 1934, afirmou em Munique: Nenhum de vocs
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leu Clausewitz, ou, se o fez, no aprendeu a relacion-lo ao presente. Em seus ltimos dias de vida em Berlim, em abril de 1945, quando sentou-se
para escrever seu testamento poltico ao povo alemo, o nico nome que
citou foi o do grande Clausewitz, ao justificar o que tentara realizar (KEEGAN, 1995: 383-384).
Porm, ainda que anticlausewitzianos e severos juzes do pensamento e das
conseqncias [atribudas] ao pensamento do prussiano, possuem trabalhos que
investigaram profundamente a teoria de Da guerra.
B. H. Liddell Hart contra Clausewitz9
Quem presenciou a Primeira Guerra Mundial avalia que no houve, at ento na
histria da humanidade, experincia mais brutal. A Primeira Guerra trouxe o que h de
mais terrvel na humanidade, por duas causas: a primeira, porque guerra; a segunda,
porque o motivo poltico ou era incompreensvel ou to explcito que a guerra era a pior
forma de resolver as antipatias entre as partes envolvidas. Sem dvida que a guerra
sempre a pior das solues, mas no caso europeu de 1914, parecia to evidente, mas,
paradoxalmente, completamente absurda, que os resultados do conflito deixaram o
mundo todo estarrecido, como pensa Hobsbawm em sua A era dos imprios:
A possibilidade de uma guerra generalizada na Europa fora, claro,
prevista, e preocupava no apenas os governos e as administraes, como
tambm um pblico mais amplo Na dcada de 1890, a preocupao com a guerra foi suficiente para gerar o Congresso Mundial (Universal) para a
Paz Nos anos 1900, a guerra ficou visivelmente mais prxima e nos anos 1910 podia ser e era considerada iminente.
E contudo sua deflagrao no era totalmente esperada. Nem durante os
ltimos dias da crise internacional j irreversvel de julho de 1914, os estadistas, dando os passos fatais, acreditavam que realmente estivessem
dando incio a uma guerra mundial. Uma frmula seria com certeza
encontrada, como tantas vezes no passado (HOBSBAWM, 1988: 419-420).
A experincia da Primeira Guerra, para todos os envolvidos, foi extremamente
marcante. Como conseqncia imediata, na Inglaterra, por exemplo, houve uma forte
reao contra tudo e todos que eram simpticos a qualquer tipo de guerra. Sir Winston
Churchill (1874-1965), em suas memrias sobre a Segunda Guerra Mundial, ao
descrever o ambiente ingls ps-Primeira Guerra, destacou o sentimento pacifista que
tomou um pas abismado com o que ocorrera com o mundo e que, segundo o ex-
9 O subttulo em questo inspirado na introduo do II volume de Pensar a guerra, Clausewitz a era
planetria, de Aron, intitulado exatamente da mesma forma. Ver ARON: 1986b.
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primeiro-ministro ingls, levou acomodao e negligncia quanto ao crescimento
militar da Alemanha de Hitler:
Nesse perodo obscuro, os sentimentos mais vis eram aceitos sem
questionamento pelos lderes dos partidos polticos. Em 1933, os estudantes
da Unio de Oxford, inspirados por um certo Mr. Joad, aprovaram sua
vergonhosa resoluo: Esta Casa no lutar, em nenhuma situao, por seu Rei ou Pas. Mal sabiam os tolos rapazes que aprovaram essa resoluo que muito em breve estariam destinados a vencer ou tombar gloriosamente na
guerra que viria (CHURCHILL, 2005a: 48).
Nosso interesse aqui no discutir a relao entre as duas Grandes Guerras, mas
como anunciamos que alguns pensadores atribuem a Clausewitz a culpa pelos conflitos,
entendemos que a sua meno seja pelo menos relevante para se entender esta
contradio: para Churchill, o que promoveu a tragdia da Segunda Guerra foi a paz do
entreguerras, ou seja, o afrouxamento da violncia foi exatamente a causa de uma
violncia ainda maior que a da Primeira Guerra.
O pacifismo, como ironiza Churchill, no se restringiu populao civil. Parte dos
militares ingleses que participaram da Primeira Guerra Mundial passou a pensar em
formas mais econmicas de se guerrear. Entre eles estava Sir Basil Henry Liddell Hart
(1895-1970), capito do exrcito ingls. Atuou na Primeira Guerra Mundial desde 1914.
Em 1916, foi ferido por um ataque de gs, sendo obrigado a dar baixa.
Crtico feroz da concepo clausewitziana de estratgia e ttica de guerra, Liddell
Hart entendia que a guerra deveria ser feita por gente mais especializada e, portanto, em
menor nmero. Dava s manobras de guerra de aes indiretas um lugar destacado nas
operaes militares. Em sua obra Strategy, traduzida para o portugus pela IBRASA
como As grandes guerras da histria, relata eventos desde Alexandre da Macednia at
a Segunda Guerra Mundial que, segundo pensava, demonstravam no s a eficincia da
ao indireta, mas tambm como os princpios da doutrina de Clausewitz estavam
equivocados. Aron que em sua pesquisa sobre o pensamento de Clausewitz entendeu
que boa parte de seus intrpretes e discpulos o interpretou mal julgou Liddell Hart,
apesar de adversrio terico do general prussiano, como um conhecedor autorizado de
seu pensamento e tambm como o maior escritor militar de nosso tempo:
ele me parece o mais inteligente e o mais tpico dos anticlausewitzianos de lngua inglesa reteve duas contribuies do Trait: a importncia das foras morais e a supremacia da poltica. O resto ele condena: a prescrio
implcita da luta at a morte, a recusa pela manobra, a busca do choque
brutal dos exrcitos de massa (ARON, 1986b: 9).
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Talvez o panorama antibelicoso ingls aps a Primeira Guerra Mundial tenha
afetado excessivamente um militar calejado como Liddell Hart, mas, novamente, no
pretendemos cair no determinismo histrico. Liddell Hart parece ser mais profundo do
que a rejeio emotiva de uma guerra levada ao extremo da violncia. Podemos supor
que a experincia da guerra inesquecvel e que a repulsa aos seus aspectos mais
explcitos seja comum. Agora, um historiador das guerras e tambm soldado, como
Liddell Hart, tem um entendimento mais racional desse evento. Sua noo sobre a
diminuio de derramamento de sangue nas guerras no um manifesto contra guerra,
mas uma teoria que envolve uma relao entre teoria e poltica que difere frontalmente
da de Clausewitz.
Em outra obra, The ghost of Napoleon, Liddell Hart critica a tese de Clausewitz,
mirando em seu centro: o continuum poltica e guerra:
estranho que ele no tenha percebido que ele prprio se contradizia, j
que, se a guerra a continuao da poltica, ela deve necessariamente ser
conduzida pensando-se nas vantagens do ps-guerra. Um Estado que gasta
suas foras at o limite do esgotamento condena sua prpria poltica ao
fracasso (LIDDELL HART, 1937: 121).
Muito da crtica de Liddell Hart a Clausewitz tambm se concentra no paradigma
da superioridade numrica como fator decisivo para as guerras. O capito ingls
apontava diretamente para isso como, alm de um equvoco estratgico, um custo
humano muito alto, no s para os exrcitos, mas para a populao dos pases de um
modo geral, j que para aumentar o contingente militar, os alistamentos em massa
mandavam homens absolutamente despreparados para o front. Evidentemente, Liddell
Hart no se preocupou com as relaes entre poltica e guerra que contaminaram os
pases europeus desde o sculo XIX, ainda que as visse. Tanto que os bons
exemplos utilizados em Strategy antecedem as guerras napolenicas vividas por
Clausewitz. Ao destacar as campanhas de Alexandre, Anbal, Cipio, Csar e Belisrio,
na Antiguidade e no incio da Idade Mdia, procurou demonstrar que, em muitas
ocasies, esses generais se encontravam em menor nmero que seus adversrios e,
valendo-se de aes indiretas, saram-se vitoriosos. Em contrapartida, aponta
inversamente para campanhas militares em que o general possua um exrcito mais
numeroso que o do inimigo, como o caso do prprio Napoleo e, por isso mesmo,
acreditando no paradigma da superioridade numrica, saiu derrotado.
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Clausewitz atribua superioridade numrica um dos princpios mais importantes
para o sucesso de um exrcito na guerra moderna. Todavia, apresenta algumas
excees, como a vitria de Frederico com 30.000 homens sobre 80.000 austracos em
Leuthen. Segundo Clausewitz, essa tese, que lhe parecia evidente, ainda no era tratada
de modo to aberto pela literatura militar. Cita, por exemplo, o livro Histria da Guerra
dos Sete Anos, do tambm general prussiano George Friedrich von Tempelhoff (1737-
1807), como o primeiro trabalho a tratar da superioridade numrica na guerra, ainda que
de forma superficial, como elemento fundamental para o sucesso de uma campanha.
Dessa forma, Clausewitz realmente definiu este como norte para a conduo da guerra:
Se estamos firmemente convencidos de que uma superioridade considervel
permite obter tudo pela violncia, esta convico no pode deixar de
influenciar os preparativos da guerra; pois tentaremos nos impor com maior
fora possvel e alcanar esta preponderncia para ns prprios ou pelo
menos nos precavermos contra a do adversrio. Eis o que pode dizer acerca
da fora absoluta com a qual a guerra tem de ser conduzida
(CLAUSEWITZ, 1996: 206).
indubitvel que a perspectiva de Clausewitz envolve um cenrio de paridade
tecnolgica e de unio entre governo, exrcito e povo. Talvez, nesse sentido, a
experincia vivida por Liddell Hart na Primeira Guerra Mundial seja uma amplificao
daquela vivida pelo prussiano. Liddell Hart preocupou-se em contestar a proposta
ttico-estratgica de Clausewitz e a relacionou com os horrores de uma guerra total.
Para isso, utilizou-se de um outro pensador da guerra, para ele, absolutamente diferente
do prussiano10
: Sun Tzu (544-496 a.C.).
Sun Tzu, a quem atribuda a obra A arte da guerra conhecido manual chins
sobre natureza da guerra, ttica e estratgia militar apresentou, para Liddell Hart,
teorias mais consistentes sobre o que e como um general deveria agir no campo de
batalha. Segundo o ingls, os aforismos de Tzu eram mais eficientes do que os do
prussiano. Para averiguar isso bastaria enumerar a quantidade de citaes do autor
chins no incio de Strategy, entre elas, O ideal, na guerra, quebrar a resistncia do
inimigo sem luta (LIDDELL HART, 1982: 13).
A contraposio de Clausewitz e Tzu artificial. Mesmo porque no possvel
afirmar que Clausewitz conhecesse A arte da guerra de Tzu, apesar de esta ter sido
10 A quem se referia como Mahdi das massas e dos massacres mtuos.
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traduzida para o francs em 177611
. No h problema nesse artifcio de Liddell Hart; seu
propsito fundamentar-se em outro referencial que o afaste dos paradigmas do
prussiano. Tzu demonstrava que era desejvel a utilizao da menor violncia possvel,
pois a vitria poltica como deveria ser sobre algum minimamente preservado,
em que os efeitos da derrota no repercutam nem como ressentimento, nem mesmo o
custo para a reconstruo do que foi destrudo seja muito alto. Em tese, parece ser um
pensamento mais racional que o do prussiano, alcanar cem vitrias em cem
batalhas no o pice da excelncia. Subjugar o exrcito inimigo sem lutar o
verdadeiro pice da excelncia (TZU, 2002: 62).
Curiosamente, quanto finalidade da guerra, Tzu e Clausewitz se parecem:
ambos defendem a guerra submetida poltica, ainda que entendam a sua execuo por
meios distintos (Clausewitz, se leu Tzu, o incluiu no rol das almas ingnuas e
filantrpicas que desejam uma guerra sem violncia). Tirando esse aspecto, Tzu e
Clausewitz tm paradigmas absolutamente diferentes, o que facilitou a adoo dos
princpios do pensador chins por Liddell Hart como fundamento para sua crtica a
Clausewitz. Michael I. Handel, em sua obra Masters of war, traz um significativo
estudo comparativo entre as teses principais de Clausewitz e Tzu12
, em que as
perspectivas quanto ao ideal de vitria e utilizao de foras, por exemplo, so
absolutamente divergentes. Enquanto Clausewitz, como j vimos, defende a utilizao
de todas as foras possveis para desarmar o inimigo, Tzu opta por uma via mais
econmica e, teoricamente, menos violenta. Nesse ponto Liddell Hart traz o seu estudo
sobre a ao indireta e se ope vigorosamente ao pensamento clausewitziano, como no
exemplo dos combates da Primeira Guerra Mundial, no Oriente Mdio:
difcil precisar se essas operaes [combates entre britnicos e turcos] na
Palestina devem ser classificadas como uma campanha ou como batalha,
completada com uma perseguio, porque embora com as foras em contato
ela terminou antes que esse contato fosse rompido, o que a classificaria
como batalha, porm a vitria foi obtida, principalmente, por aes
estratgicas e a parte da luta armada foi insignificante.
Isso motivou uma depreciao do seu resultado final, especialmente por
parte daqueles cuja escala de valores governada pelo dogma de
Clausewitz, de que o sangue o preo da vitria (LIDDELL HART, 1982:
241).
11 Segundo Sueli Barros Cassal, na edio de A arte da guerra, de Sun Tzu, pela L&PM (TZU, 2001: 7).
12 Ver HANDEL, 1996: 19, Table 2.1.
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A leitura de Liddell Hart do dogma tem fundamento, mas substancialmente
mais exagerada do que pensava Clausewitz: O que significa dominar o inimigo?
quase sempre a destruio da sua fora militar, por morte ou ferimento, ou qualquer
outro meio, de modo que a destruio seja integral ou simplesmente suficiente para
impedi-lo de continuar a combater (CLAUSEWITZ, 1996: 258).
Clausewitz, com isso, no defende a destruio total do inimigo, mas a realizao
do objetivo de desarm-lo13
. Entretanto, Liddell Hart est correto ao entender que, se o
inimigo pensar como Clausewitz, os combatentes provavelmente se destruiro, caso
haja igualdade de foras.
Liddell Hart, ainda assim, no deixa de reconhecer as contribuies de Clausewitz
para os estudos sobre as guerras, principalmente a nfase dada pelo prussiano ao nimo
e aos aspectos psicolgicos. Contudo, para Liddell Hart, no foram os mritos de
Clausewitz seu legado, e sim seus erros, em especial o paradigma da superioridade
numrica. Sem dvida, Clausewitz atribui a esse fator um papel determinante, mas no
mbito da guerra moderna. Enquanto Liddell Hart v, de outras pocas at a Segunda
Guerra Mundial, a ao indireta como a estratgia mais eficiente do que os paradigmas
clausewitzianos:
Foram seus erros, entretanto, que exerceram maior influncia no curso
subseqente da Histria a superioridade em nmero se torna dia a dia mais decisiva. Esse mandamento serviu para reforar o instinto conservador dos militares em sua resistncia s possibilidades da nova
forma de superioridade que a inveno mecnica cada vez mais
proporcionava. Deu, tambm, poderoso impulso extenso universal e ao
estabelecimento permanente do mtodo de conscrio, como um meio
simples de aumentar os efetivos dos exrcitos. A aplicao desse processo,
por falta de adaptao psicolgica, tornou, entretanto os exrcitos mais
sujeitos ao pnico e a colapso repentino (LIDDELL HART, 1982: 427-428).
A contestao de Liddell Hart, contudo, nesse sentido, parece no dar crdito ao
pensamento de Clausewitz em toda sua extenso. No captulo III, do Livro V de Da
guerra, intitulado A relao de fora, o tema da superioridade numrica retomado,
mas acrescentada a a determinao dos combatentes e dos recursos tecnolgicos dos
exrcitos:
13 A violncia isto , a violncia fsica (uma vez que a violncia moral no existe fora dos conceitos de
Estado e Lei) constitui, portanto, o meio, o fim ser impor a nossa vontade ao inimigo. Para se atingir com total segurana este fim, tem de se desarmar o inimigo, sendo este desarmamento, por
definio, o objetivo propriamente dito das operaes de guerra. Acaba por vir a constituir o prprio
fim, que afasta, por assim dizer, como se tratasse de algo que no fizesse parte da prpria guerra (CLAUSEWITZ, 1996: 8)
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No captulo VIII do livro III sublinhamos a importncia da superioridade
numrica Se examinarmos com total imparcialidade a histria militar moderna, precisaremos reconhecer que a superioridade numrica se torna
dia aps dia mais decisiva A coragem e a moral do exrcito aumentaram em todos os tempos a sua fora fsica, e ser sempre assim; mas existiram
pocas na histria em que a superioridade dependia da organizao e do
equipamento dos exrcitos, e outras em que a superioridade moral dependia
da sua maior mobilidade (CLAUSEWITZ, 1996: 346).
Ora, o fato de Clausewitz presenciar o nivelamento dos recursos tecnolgicos
utilizados pelos exrcitos no implica que seja possvel projetar a manuteno dessa
igualdade. Lembremos que Clausewitz teve como fonte para seu trabalho sua prpria
experincia de vida, o que revela, pelo menos para termos de entendimento de sua obra,
uma localizao temporal e, conseqentemente, uma evidncia: o maior vencedor
militar da poca de Clausewitz, ainda que contra o seu desejo, foi Napoleo e este
utilizou a superioridade numrica como fiel da balana nas batalhas que disputou (como
Cnsul e imperador, principalmente). Mesmo a derrota do exrcito francs encarada
por Clausewitz como o resultado de uma relao de foras em que Napoleo se
encontrava mais fraco:
As relaes numricas entre os exrcitos russo e francs opostos um ao outro
no incio da campanha de 1812 eram ainda mais desfavorveis Rssia do
que a relao entre Frederico e os seus inimigos durante a Guerra dos Sete
Anos. Mas os russos tinham a perspectiva de reforar muito no decurso da
campanha. Bonaparte tinha toda a Europa em segredo contra ele
(CLAUSEWITZ, 1996: 887).
Outro aspecto a ser ressaltado na crtica de Liddell Hart teoria de Clausewitz
a sua noo da finalidade da guerra. Para o capito ingls, talvez sentindo na prpria
carne os efeitos da Primeira Guerra Mundial, a guerra tem por fim garantir a paz14
.
Nesse sentido, faz um juzo moral sobre as naes, diferenciando as que so pacficas e
as que so agressoras. Liddell Hart no discorre muito sobre esse assunto, no entanto,
fica evidente que o critrio para a distino frgil. O discurso que serve para justificar
a defesa de uma nao pode ser visto tambm como justificativa para se antecipar e
atacar um possvel inimigo que demonstre ser agressor. A conjuntura poltica no se
mantm imvel. Talvez quem defensor da paz num primeiro momento pode continuar
defendendo esse discurso para conquistar e anexar territrios de inimigos agressores ou
14 A finalidade da guerra, em nosso ponto de vista, assegurar uma paz em melhores condies
(LIDDELL HART, 1982: 425).
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submet-los politicamente, mantendo-os sempre vigiados. Os papis se alteram
conforme o desenrolar dos eventos. Quanto a isso no h previso. Talvez, nesse
sentido, Clausewitz tenha sido explcito demais, ao no declarar o que seria uma
vontade poltica legtima para se comear uma guerra, pois, segundo seu sistema, fazer
isso seria coroar os argumentos daqueles que vem na poltica uma pureza de esprito
incapaz de sair do plano da sociabilidade natural. Ora, se a guerra a continuao da
poltica por outros meios porque atende vontade poltica de um Estado e no a um
princpio moral superior que seria a manuteno da paz. Algumas passagens do Livro
VIII trazem a posio de Clausewitz:
O objetivo da guerra deveria sempre ser, segundo o seu conceito, a derrota
do inimigo.
j admitimos que a natureza do objetivo poltico, a vastido das nossas prprias exigncias ou das do inimigo e o conjunto das nossas condies
polticas tm uma influncia mais decisiva sobre a guerra.
Sabe-se evidentemente que s as relaes polticas entre governos
engendram a guerra; mas imagina-se geralmente que essas relaes cessam
com a guerra e que uma situao totalmente diferente, submetida s suas
prprias leis e s a elas, se estabelece nesse momento.
Ns afirmamos, pelo contrrio: a guerra nada mais seno a continuao
das relaes polticas, com o complemento de outros meios. Dizemos que se
lhe juntam novos meios, para afirmar ao mesmo tempo em que a guerra em
si no faz cessar essas relaes polticas, que ela no as transforma em algo
inteiramente diferente, mas que estas continuam a existir na sua essncia,
quaisquer que sejam os meios de que se servem, e que os principais
filamentos que correm atravs dos acontecimentos de guerra e aos quais elas
se ligam no so mais que contornos de uma poltica que prossegue atravs
da guerra at a paz (CLAUSEWITZ, 1996: 853-865-870).
Ao pensar o objetivo na guerra, Liddell Hart seguiu o mesmo expediente de
Clausewitz: percebeu o continuum entre poltica e guerra e que os objetivos, poltico e
militar, eram diferentes, mas inseparveis. A tese de Clausewitz no exatamente esta?
A diferena reside no olhar moral que se tem em relao ao meio e no ao fim. O
propsito, ainda que no falado por Clausewitz, o mesmo que formulado por Liddell
Hart, mas os valores so diferentes. A cultura de Clausewitz, bem como a conjuntura
poltica em que viveu no lhe dava nenhuma oportunidade para pensar na paz.
John Keegan contra Clausewitz
O historiador ingls John Keegan, diferentemente de Clausewitz e Liddell Hart,
no foi um guerreiro, mas seu pai foi soldado durante a Primeira Guerra Mundial, e ele
cresceu na regio onde estavam estacionados os exrcitos para a invaso do Dia D na
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Segunda Guerra Mundial. De modo que, mesmo sem ter experimentado no front os
horrores da guerra, a sua presena o ronda desde criana. Seu envolvimento com a
histria militar foi alm de sua graduao, Na faculdade, a maioria de seus amigos havia
feito o servio militar, ele, por sua vez, foi declarado incapaz para o exrcito devido a
uma doena contrada na infncia que o deixou, segundo suas palavras, aleijado. Mas
enquanto seus pares resolveram seguir carreira como mdicos, engenheiros e
advogados, ele tornou-se historiador militar.
Talvez a frustrao por no ter se envolvido, na prtica, com a guerra, tenha-o
moldado como um grande pensador que prefere ver a guerra atravs mais de seus
valores simblicos e de seus mecanismos de funcionamento, do que pela sua trgica
realidade. Isso no significa que seja ignorante nos assuntos tticos e estratgicos; pelo
contrrio, dispe de um vasto repertrio, sem contar suas vigorosas pesquisas dos
acontecimentos militares e descries minuciosas sobre guerras.
Foi sua obra Uma histria da guerra que nos cativou para a pesquisa. Portanto,
seria evidente que, ao tratarmos do pensamento de Clausewitz, adotaramos o estudo de
Keegan. E, de fato, isso ocorreu. Contudo, suas concluses e crticas que, no primeiro
momento em que tivemos contato com seu livro, nos pareciam to verdadeiras,
passaram a ser questionadas. Por isso, sua importncia para ns ainda maior. A leitura
de Uma histria da guerra no foi apenas a contemplao e a aceitao passiva de suas
teses, mas a provocao para se estudar Clausewitz, to criticado por Keegan e que,
honestamente falando, conhecamos apenas pela mxima e por ouvir dizer de que a
guerra a continuao da poltica por outros meios.
Keegan categrico ao abrir com a seguinte frase sua anttese fundamental: a
guerra no a continuao da poltica por outros meios15
. Desse modo, sentamo-nos
obrigados a pelo menos entender, alm da crtica, o objeto criticado. E, em vez de
reforarmos as posies anticlausewitzianas de Keegan, ficamos desconfortveis a
tomar algum partido. Se a guerra no a continuao da poltica, o que ? Para Keegan,
a guerra , antes de poltica, cultural.
Em resumo, no plano cultural que a resposta de Clausewitz pergunta o que a guerra falha. Isso no de forma alguma surpreendente. Todos ns achamos difcil tomar distncia suficiente de nossa prpria cultura para
perceber como ela faz de ns, como indivduos, o que somos. Para o homem
15 A guerra no a continuao da poltica por outros meios. O mundo seria mais fcil de compreender
se esta frase de Clausewitz fosse verdade (KEEGAN, 1995: 19).
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ocidental moderno, com seu compromisso com o credo da individualidade,
essa dificuldade to grande quanto o foi para gente de outros lugares e
pocas. Clausewitz era um homem de seu tempo, filho do Iluminismo,
contemporneo dos romnticos alemes, um intelectual e um reformista
prtico, um homem de ao, um crtico de sua sociedade e um apaixonado
crente na necessidade de mud-la. Era um observador perspicaz do presente
e um devoto do futuro. No que fracassou foi em ver quo profundamente
enraizado estava em seu prprio passado, o passado de um oficial prussiano
de um Estado centralizado europeu. Se sua mente tivesse apenas mais uma
dimenso intelectual e se tratava de uma mente j muito sofisticada , talvez pudesse ter percebido que a guerra abarca muito mais que a poltica,
que sempre uma expresso da cultura, com freqncia um determinante de
formas culturais e, em algumas sociedades, a prpria cultura (KEEGAN,
1995; 28).
Para Keegan, Clausewitz no percebeu essa condio porque no quis. Sua
experincia junto aos cossacos, na Rssia, contra a invaso de Napoleo, em 1812, seria
suficiente para ver que no se guerreia apenas por um Estado, mas por elementos de
uma cultura guerreira que est para alm da poltica. Essa , para Keegan, assim como a
guerra, um outro aspecto das diferentes culturas16
. A guerra cultural e no poltica,
pois a prpria poltica uma manifestao da cultura. Ora, cultura tambm no um
conjunto de hbitos e costumes intransponveis, que servem apenas como critrio
identitrio das sociedades. Cultura um processo dinmico; fluxo. Momentos de
ruptura social so tambm momentos de rupturas simblicas, psicolgicas e de valores.
A cultura tambm se transforma. Ainda que a mxima de Keegan, o homem um
animal cultural, seja vlida, s o exatamente por conter uma pluralidade de culturas17.
Lembremos a distino de civilizao e cultura apresentada por Norbert Elias18
; mesmo
no ocidente, tomar uma pela outra um equvoco.
curioso, tambm, que Keegan no tenha citado sequer uma s vez o trabalho de
Raymond Aron, Pensar a guerra, em sua obra. Talvez, se o tivesse utilizado, perceberia
o quo importante foram as crises pelas quais Clausewitz passou. No h dvidas
quanto qualidade da pesquisa de Keegan, mas o dilogo com outro intelectual
16 Clausewitz foi incapaz de reconhecer uma tradio militar alternativa no estilo de guerrear dos
cossacos porque s podia reconhecer como racional e valendo a pena uma nica forma de organizao
militar: as foras pagas e disciplinadas do Estado burocrtico. Ele no admitia que outras formas
tambm pudessem servir bem suas sociedades, e defend-las ou ampliar seu poder, se fosse esse o objetivo (KEEGAN, 1995: 235).
17 A no ser que o homem seja um animal de uma determinada cultura e no o caso, o prprio Keegan,
em sua Uma histria da guerra, mostrou a guerra atravs das mais diferentes culturas e nem por isso
julgou o que era mais ou menos cultural.
18 Ver ELIAS, 1994a.
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autorizado para falar de Clausewitz, como Aron, renderia um aprofundamento sobre as
questes pessoais do prussiano, ao mesmo tempo em que envolveria suas perspectivas
polticas e os valores de classe.
Clausewitz viveu um grande dilema poltico-cultural: o que ser um nobre
bastardo (segundo as palavras de Aron), no momento em que a Europa de um modo
geral rompia com os valores sustentados pela nobreza e passava a valorizar o modo de
vida e a poltica liberal? E a sua Alemanha, que ainda no era um pas, ia para o outro
lado e a nobreza continuava a determinar a vida poltica dos diversos estados
germnicos. A contradio social era, segundo Elias, maior que a francesa e, como
resultado dessa tenso, no houve revoluo, e sim a manuteno da tradio
germnica, incorporada, desde a poca de Clausewitz, ao nacionalismo. A cultura de
Clausewitz era a do nobre guerreiro, mas que conseguiu ir alm de um mero
representante de classe e passou a pensar nas transformaes polticas que estava
vivendo. Ainda assim, era um aristocrata, fiel ao monarca e contrrio democracia. Foi
a cultura de Clausewitz que o levou a pensar no continuum da guerra e da poltica.
O modelo do Estado nacional colocava-se de forma impetuosa como a nica
forma de sobrevivncia das sociedades europeias, e a guerra, tanto para Clausewitz
como para Keegan, refletia isso. Ento, por que o prussiano poderia pensar que o futuro
seria diferente? Por que desejaria ele a paz? Por que se preocupar com um desejo apenas
e no com o que de fato acontece nas relaes humanas? Keegan tambm concorda com
o fato de que h guerra e haver guerra, mesmo que no a desejemos. Clausewitz no
notou que a cultura era a essncia da guerra? Evidentemente que no! No era sua
preocupao; contudo, jamais negou a importncia da virtude guerreira, e isso no um
aspecto da poltica.
Keegan no foi ingnuo e, certamente, leu Da guerra melhor do que ns, mas
tinha um propsito: apresentar uma definio mais ampla e verdadeira do conceito de
guerra que a de Clausewitz. Desse modo, no era possvel fazer tantas concesses.
Mesmo assim, no pode ser acusado de forma alguma de ter sido leviano na anlise do
pensamento de Clausewitz, j que apresenta de forma franca e aberta suas referncias
para pensar a guerra, a poltica e a cultura e suas contraposies teoria do prussiano.
No entanto, o plano de Keegan aparentemente o mesmo que o do prussiano: escrever
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uma obra atemporal sobre a guerra, seus fenmenos e sua essncia. Nesse caso, temos
de verificar como se d o afastamento de seu pensamento em relao ao de Clausewitz.
Como dissemos, para Keegan, a guerra no a continuao da poltica por outros
meios. Portanto, precederia a prpria ideia de Estado. Mas, por que a poltica seria
exclusivamente uma manifestao do Estado Civil? verdade que Keegan no disse
isso, mas apontou para esta definio do conceito de poltica adotado por Clausewitz.
E est certo. Da guerra trata da guerra entre Estados e, logo, a guerra a continuao da
poltica dos Estados. Contudo, o conceito de Estado, historicamente moderno e,
conseqentemente, fruto do universo social de onde e quando surgiu, no universal. A
isso no necessria nenhuma petio de princpio a Clausewitz quanto ao seu estatuto
conceitual de poltica, pois pensa a guerra como sua extenso apenas depois de anunciar
que a guerra a ampliao de um duelo ( a prpria cultura de Clausewitz que fala aqui
e no sua frieza analtica e dedutiva). Mas a urgncia histrica o pressionava, no havia
motivos para tratar da guerra em outros termos e, mesmo assim, somente trinta anos
aps a escrita de Da guerra, que temos a utilizao de seus preceitos de forma prtica
entre os Estados beligerantes.
A filiao que Keegan faz de Clausewitz ao pensamento aristotlico19
parece-nos
tambm descontextualizada da tradio filosfica qual o prussiano estava vinculado. O
paradigma do homem como animal poltico j havia cado por terra com o pensamento
hobbesiano. No havia mais lugar para acreditar na sociabilidade natural do ser humano.
Mesmo Kant, de quem Clausewitz era leitor, formulou a ideia de insocivel
sociabilidade 20, ou seja, fundamental que os homens vivam em sociedade, mas
estaro sempre em competio uns com os outros. Hobbes fundou teoricamente a
filosofia do Estado Civil, a partir de uma natureza humana no-poltica e, se a noo de
poltica de Clausewitz estava diretamente ligada ao conceito moderno de Estado,
ele no poderia pensar em termos aristotlicos.
A crtica de Keegan seguiria assim por um caminho aparentemente muito seguro.
Ao enunciar contrariamente a Clausewitz que o homem , antes de ser um animal
19 O homem um animal poltico, disse Aristteles. Clausewitz, herdeiro de Aristteles, disse apenas
que um animal poltico um animal que guerreia. Nenhum dos dois ousou enfrentar o pensamento de
que o homem um animal que pensa, em quem o intelecto dirige o impulso de caar e a capacidade
de matar (KEEGAN, 1995:19).
20 Ver KANT, 1986.
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poltico, um animal cultural, Keegan re-funda a natureza humana em outros termos. Em
primeiro lugar, questiona-se se o sentido aqui no seria apenas semntico, pois um
homem isolado produz cultura? Se retomarmos o fundamento terico de Hobbes quanto
confeco do Estado, aquilo que pensado como cultural somente pode ser visto com
o surgimento da poltica: o pacto entre indivduos deliberando um rbitro capaz de p-
los em paz, detentor legtimo da violncia, pacificador e portador legal das armas.
evidente que estivesse sobre este registro o pensamento de Clausewitz, de modo que a
noo de cultura na prtica humana da guerra fosse apenas uma mera curiosidade para
as discusses etnogrficas do sculo XIX. Na prpria teoria hobbesiana contratualista
e apoltica da natureza humana , o estgio pr-estatal do homem uma fase da guerra
de todos contra todos os homens. A crtica de Keegan, nesse sentido, vai atrelada a esta
confirmao antropolgica hobbesiana de que a guerra antecede a prpria poltica.
Contudo, o princpio de Hobbes antiaristotlico; portanto, ainda que a dimenso
apoltica da guerra esteja privilegiada por Keegan, no a em detrimento da teoria
clausewitziana. O general prussiano ponderou com cautela a importncia dos aspectos
morais na guerra e, portanto, deu nfase cultura do guerreiro, que tambm era sua
cultura.
Em segundo lugar, para haver cultura, conceito to caro e to maltratado
atualmente, necessrio mais do que um nico indivduo isolado e isento de relaes;
fundamental que este se relacione com outros, com o espao e o tempo em que vive e
com elementos que permeiam tambm sua histria21
.
Keegan, ao criticar os pressupostos metafsicos de Clausewitz, parece entender a
sociabilidade como condio natural do ser humano (numa aproximao muito mais
evidente ao princpio aristotlico de substncia humana do que aquela que feita pelo
prussiano). Mesmo que o homem esteja vivendo nas mais distintas formas de
organizao social pr-poltica cl, tribo, famlia, horda , pressupe-se certa
sociabilidade imanente ao homem capaz de produzir cultura sem que algum Estado o
regule. No entanto, o paradigma da sociabilidade se instaura como uma verdade
indemonstrvel, compreensvel, mas indeterminada. Logo, no compete saber a
21 O pensamento de Clausewitz aos olhos de alguns intrpretes, como prisioneiro de iluses,
alimentadas pelo meio, pelo esprito do tempo uns viram a uma sobrevivncia do racionalismo, outros do realce vontade mais do que racionalidade e desvendam a constncia do pensamento
clausewitziano (ARON, 1986a: 82).
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ontologia da guerra em termos metafsicos estaramos jogados num processo
infinitamente repetitivo , mas entender que, ao atribuir o fundamento poltico da
guerra, Clausewitz manifestou o que viveu, em toda sua cultura e, por que no dizer, em
sua poltica.
Talvez a definio de Florestan Fernandes (1920-1995), apresentada na
introduo de sua obra A funo social da guerra na sociedade tupinamb, responda
melhor pergunta de Keegan, o que a guerra?, num plano mais amplo que o cultural
e poltico. E isso no implica abandonar o que pensou Clausewitz, nem mesmo o
prprio Keegan:
A GUERRA UM FENMENO HUMANO. No se pode dizer precisamente
como e quando ela surgiu, no passado remoto da humanidade. Nem
tampouco se pode presumir a que necessidades existenciais ela correspondeu originariamente. At onde alcana a investigao emprico-
indutiva, atravs da reconstituio arqueolgica, da reconstruo histrica e
da observao direta, a guerra se apresenta como fato social, no sentido
restrito de existir como uma das instituies sociais incorporadas a
sociedades constitudas (FERNANDES, 2006: 21).
Em suma, a guerra um hbito, como gostaria Keegan, mas tambm poltica
para o habitus de Clausewitz. A cultura ou a poltica no podem ser entendidas como
origem de nada. Porm a histria nos ensina a entender que as prticas sociais so
construes humanas e no valores etreos ou universais. A guerra, para Clausewitz,
somente poderia ser entendida no plano da poltica. Ele a viu com os olhos de quem foi
soldado e a viveu numa conjuntura absolutamente impregnada de poltica. Teorizou
sobre o que poderia narrar e no sobre o que desejaria ver e, mesmo assim, no se
esqueceu de que a virtude do guerreiro um dos aspectos determinantes da guerra.
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