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TIAGO GONÇALVES DE OLIVEIRA RICCI CONTRATOS DE INVESTIMENTO COLETIVO Uni FMU / SÃO PAULO 2003

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TIAGO GONÇALVES DE OLIVEIRA RICCI

CONTRATOS DE INVESTIMENTO COLETIVO

Uni FMU / SÃO PAULO 2003

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

TIAGO GONÇALVES DE OLIVEIRA RICCI R.A. 447698-0 Turma: 329 C

DOS CONTRATOS DE INVESTIMENTO COLETIVO

Monografia apresentada à banca

examinadora da Faculdade de Direito da UNI

FMU, como exigência parcial para obtenção

do grau de bacharel em direito, sob a

orientação do professor Doutor Adalberto

Simão Filho.

SÃO PAULO 2003 Autor:

TIAGO GONÇALVES DE OLIVEIRA RICCI

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Título:

DOS CONTRATOS DE INVESTIMENTO COLETIVO

Banca Examinadora:

________________________________

Prof. Dr. Adalberto Simão Filho

________________________________

Prof. Dr.

_______________________________

Prof. Dr.

Uni FMU / SÃO PAULO

2003

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Em primeiro lugar à Deus, pela minha vida, e à minha avó pelo incentivo aos meus estudos e o amor incondicional que demonstra por sua família.

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”Agradeço ao meu Professor orientador Doutor

Adalberto Simão Filho que, com simplicidade,

demonstrou sabedoria em suas orientações.

Agradeço, também, aos Advogados Doutores

José Thomaz Figueiredo Gonçalves de

Oliveira, Jean Eduardo Aguiar Caristina e

José Saraiva, que me deram a chance de

iniciar minha vida no meio jurídico e me

influenciam como pessoas e profissionais.”

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SINOPSE

Os Contratos de Investimento Coletivo são regulamentados

por normas gerais de mercado de capitais. Diante das recentes alterações

sofridas nessas normas, torna-se cada vez mais necessário identificar as

possibilidades, garantias, hipóteses e legalidade da emissão dos contratos

de investimento coletivo pelas Sociedades Anônimas.

Tais contratos, a priori, constituem valores mobiliários, e são

regulados pelas Leis nº 6.385/76 e 10.411/02. Quando oferecidos

publicamente, geram direito a participação, parceria ou remuneração,

advindos do esforço do próprio empreendedor ou de terceiros.

Dessa forma, incumbe à Comissão de Valores Mobiliários

expedir normas para a execução da Lei n.º 10.198, de 14 de fevereiro de

2001, que dispõe sobre a regulação, fiscalização, e supervisão dos

mercados de títulos ou contratos de investimento coletivo.

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SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................................1

Capítulo 1 – Do Mercado de Capitais .....................................................................................................3

Capítulo 2 – Dos Valores Mobiliários.......................................................................................................5

Capítulo 3 – Dos Contratos de Investimento Coletivo.............................................................................9 3.1 – Da Origem dos Contratos de Investimento Coletivo como valores

mobiliários................................................................................................................................................9

3.2 – Natureza Jurídica dos Contratos de Investimento Coletivo................................................10

3.3 – Da classificação como Contratos de Parceria....................................................................10

3.3.1 – Dos Contratos de Investimento Coletivo como Contratos de Parceria

Rural......................................................................................................................................................11

3.4 – Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor..........................................................14

3.5 – Da Classificação do Crédito na Concordata e na Falência................................................18 3.5.1 – Do Direito Real de Garantia......................................................................................20

3.5.2 – Do Privilégio Especial................................................................................................24

3.5.3 – Do Privilégio Geral....................................................................................................28

3.6 – Exemplo Prático de Empresa Emissora dos Contratos de Investimento

Coletivo..................................................................................................................................................30

Capítulo 4 – Considerações Finais. .....................................................................................................35

Bibliografia ............................................................................................................................................36

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Introdução

O presente estudo foi elaborado de forma restrita ao tema,

porém, com fulcro nos aspectos gerais do Direito Comercial e Societário,

sendo utilizadas matérias de diversos ramos do Direito, como forma de dar

suporte ao tema versado no trabalho e para uma melhor conclusão do

estudo.

A grande motivação para a realização deste trabalho, é devida

às várias divergências encontradas na interpretação e aplicação dos Títulos

ou Contratos de Investimento Coletivo ao caso concreto, justamente por ser

uma inovação no mercado de capitais brasileiro e ainda pouco explorado

como Valor Mobiliário.

Por conseguinte, tais problemáticas fizeram com que

surgissem um grande número de ações no judiciário, com a finalidade de se

dirimir e suprir os entraves encontrados na aplicação deste tipo de contrato,

sendo isto, outro motivo para a realização da pesquisa em testilha.

A realização do trabalho monográfico teve como metodologia

ampla pesquisa, fundamentada em pesquisa bibliográfica variada, visitas a

órgãos e empresas reguladoras e emissoras dos contratos de investimento

coletivo, pareceres jurídicos e econômicos e a legislação sobre a matéria,

além de jurisprudência pátria e comparada.

Sem prejuízo das normas apresentadas, o trabalho trouxe à

baila outras normas infra-legais expedidas pelo órgão competente.

Para isso, foi utilizado o método de compilação, consolidando

todos os pontos pertinentes a pesquisa.

Dessa forma, visa esse estudo monográfico, alcançar uma

direção quanto a cobrança, a natureza, a modalidade e as formalidades

desta espécie de contrato nos induzindo, ainda, ao estudo de diversas

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vertentes que acabam por criar saudáveis discussões jurídicas que tem sido

um entrave em centenas de ações no judiciário brasileiro, inclusive após a

ocorrência de falências e concordatas de empresas.

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1. DO MERCADO DE CAPITAIS

Preliminarmente, é relevante que se façam breves

comentários a respeito do Mercado de Capitais.

Para que a economia tanto brasileira quanto de outros

estados soberanos, possa evoluir em bases sólidas, é necessário um

Mercado de Capitais com ampla capacidade gerencial e estrutural, a fim de

fornecer às empresas do país o subsídio necessário para se desenvolverem

e, conseqüentemente, gerando o crescimento do país.

Apesar de, via de regra, a livre iniciativa ser sempre

privilegiada nos estados capitalistas, sem a intervenção do governo nas

atividades desenvolvidas por ela, é notório o surgimento de problemas no

desenvolvimento do mercado, vez que, na busca de grandes lucros, alguns

integrantes do mercado atuam de forma ilícita e desigual.

Com isso, foram atribuídos à Comissão de Valores Mobiliários

(Lei 6.385/76), poderes de regular, fiscalizar e gerir o Mercado de Capitais.

A Comissão de Valores Mobiliários ganhou ainda mais

autonomia, e passou a disciplinar de maneira mais sistemática o Mercado

de Capitais, com o advento das reformas instituídas pelas Leis n.º 10.303/01

e 10.411/02.

Essa reforma, garantiu, sobretudo, com que o Comissão de

Valores Mobiliários agisse com maior liberdade e desvinculação ao Poder

Executivo, ante sua necessidade de autonomia para exercer um poder

fiscalizador em empresas ligadas ao Estado, como as de economia mista,

por exemplo.

Tal assertiva, encontra respaldo na doutrina dos advogados

Modesto Carvalhosa e Nelson Eizrik, conforme podemos verificar no texto

transcrito abaixo.

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1“...

Como seria possível que um órgão subordinado ao Conselho

Monetário Nacional e vinculado ao Ministério da Fazenda

exercesse efetivamente seu poder de polícia com relação ao

acionista controlador das sociedades de economia mista, na

época, como até hoje, com forte presença no mercado

secundário de ações?

....

De qualquer sorte, desde então se passou a propor que a

CVM deveria ter efetiva autonomia, para exercer seu poder

de polícia do mercado de capitais livre de pressões políticas

indevidas e sem subordinação hierárquica ao Poder

Executivo.”

Em linhas gerais, podemos concluir que: as reformas trazidas

com as Leis n.º 10.303/01 e 10.411/02, acrescentaram novas atribuições à

Comissão de Valores Mobiliários, entre elas, a normatização, fiscalização e

desenvolvimento do Mercado de Capitais.

1in A nova Lei das sociedades anônimas; p. 434 e 435; Saraiva:2002.

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2. DOS VALORES MOBILIÁRIOS.

É de grande importância a definição de valores mobiliários

para, no contexto do direito, delimitar o âmbito de aplicação da Lei n.º

6.385/76 e da regulamentação administrativa exercida pela Comissão de

Valores Mobiliários.

A Lei n.º 6.385/76 dispõe sobre o mercado de valores

mobiliários e a define de forma precisa, senão vejamos:

“Lei n.º 6385/76.

Art 2º. São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

I - as ações, partes beneficiárias e debêntures, os cupões

desses títulos e os bônus de subscrição;

II - os certificados de depósito de valores mobiliários;

III - outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades

anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional.

Parágrafo único - Excluem-se no regime desta Lei:

I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;

II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição

financeira, exceto as debêntures.”

Porém, a Lei n.º 10.303/2001 deu nova redação ao art. 1º da

Lei n.º 6.385/76, passando a dispor o seguinte:

“Art. 1º Serão disciplinadas e fiscalizadas de acordo com

esta Lei as seguintes atividades:

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I - a emissão e distribuição de valores mobiliários no

mercado;

II - a negociação e intermediação no mercado de valores

mobiliários;

III - a negociação e intermediação no mercado de

derivativos;

IV - a organização, o funcionamento e as operações das

Bolsas de Valores;

V - a organização, o funcionamento e as operações das

Bolsas de Mercadorias e Futuros;

VI - a administração de carteiras e a custódia de valores

mobiliários;

VII - a auditoria das companhias abertas;

VIII - os serviços de consultor e analista de valores

mobiliários.”

Nesse sentido, as mencionadas Leis consignaram,

expressamente que deverão ser disciplinadas e fiscalizadas as atividades

de: emissão e distribuição de valores mobiliários no mercado; a negociação

intermediação no mercado de valores mobiliários; negociação e

intermediação no mercado de derivativos; organização, funcionamento e as

operações das bolsas de valores e mercadorias, nas quais são negociados

os valores mobiliários e os serviços de consultor e analista de valores

mobiliários.

Assim, conforme definição dada pela legislação supra, é de

competência da administração pública a fiscalização das atividades

desenvolvidas no mercado financeiro. A competência será da Comissão de

Valores Mobiliários, quando se tratar de distribuição pública ou de

intermediação de valores mobiliários. Ao Banco Central, por sua vez,

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compete controlar os negócios que envolvam qualquer dos demais ativos

financeiros.

Outrossim, a Lei n.º 6.385/76 disciplina tanto as companhias

abertas como os demais emissores de valores mobiliários, conforme art. 2º,

§ 2º, com redação dada pela Lei n.º 10.303/2001, in verbis:

“Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

......

§ 2º Os emissores dos valores mobiliários referidos neste

artigo, bem como seus administradores e controladores,

sujeitam-se à disciplina prevista nesta Lei, para as

companhias abertas.”

Ademais, cabe à Comissão de Valores Mobiliários, de acordo

com o disposto no § 3º do art. 2º da Lei n.º 10.303/2001, poderá

regulamentar a emissão e distribuição de valores mobiliários, podendo

exigir: a) que os emissores de valores mobiliários destinados à distribuição

pública se constituam sob a forma de sociedade anônima; b) que as

demonstrações financeiras dos emissores ou informações sobre o

empreendimento sejam auditadas por auditor independente registrado na

Comissão de Valores Mobiliários; c) dispensar, na distribuição pública dos

valores mobiliários, a participação de instituição integrante do sistema de

distribuição previsto no art. 15 da mesma lei e, d) estabelecer padrões de

cláusulas e condições que devam ser adotadas nos títulos ou contratos de

investimento destinado à negociação pública, podendo recusar a emissão

caso não se satisfaça tais padrões.

Vale ressaltar que, os contratos de investimento coletivo,

também podem ser constituídos como valores mobiliários, quando ofertados

publicamente, conforme dispõe o art. 1º da Lei 10.198/2001.

Vejamos o texto da mencionada Lei.

“Lei. N.º 10.198/2001

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Art. 1° Constituem valores mobiliários, sujeitos a regime da

Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976, quando ofertados

publicamente, os títulos ou contratos de investimento

coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de

remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços,

cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de

terceiros.”

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3. DOS CONTRATOS DE INVESTIMENTO COLETIVO

Com o advento da Medida Provisória n.º 1.637/98,

posteriormente convertida na Lei n.º 10.198/01, o Contrato de Investimento

Coletivo, tornou-se, um valor mobiliário, desde que ofertado publicamente,

obrigando as empresas emissoras desses contratos a serem constituídas na

forma de Sociedade Anônima.

Vale ressaltar que, quando a venda de contrato de

investimento coletivo ou título não possuir os elementos que caracterizam a

distribuição pública, não se aplicará o art. 2º da Lei n.º 6385/76, que tem a

redação dada pela Lei. n.º 10.198/01, mesmo que apresentem requisitos de

Valores Mobiliários.

A partir de então, os Contratos de Investimento Coletivo, por

sua atualidade e importância, passaram a ser objeto não só de estudo

como, também, um instituto a ter seus problemas de interpretação e

aplicabilidade dirimidos pelo Poder Judiciário.

3.1. Da origem dos Contratos de Investimento Coletivo como Valores Mobiliários.

O Direito norte-americano exerce grande influência no

mercado de capitais brasileiro, dando inspiração à criação de leis e normas

reguladoras desse mercado.

Conseqüentemente, o contrato de investimento (como Valor

Mobiliário) sofreu influência da Lei Federal norte-americana denominada de

“Securities Act” de 1933.

O mencionado texto legal norte-americano foi enumerativo ao

determinar os títulos e contratos considerados “Valores Mobiliários”,

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chamados de “securities”. Porém, não existia uma definição própria do que

seriam esses Valores Mobiliários, incluindo o dos contratos de investimento.

A definição dos “securities” foi alcançada através da

jurisprudência norte-americana, que tomou como base os contratos de

investimento, entendendo que tais contratos não eram apenas um termo de

compra e venda conjuntamente com um contrato de serviços e, sim, um

contrato de investimento onde o comprador investia com recursos e

compartilhava os resultados.

3.2. Da Natureza Jurídica dos Contratos de Investimento Coletivo

O estudo da Natureza Jurídica de determinados institutos,

normalmente, necessita de tempo para amadurecer conceitos como sua

aplicabilidade e eficácia, problemas imprevistos no diploma legal.

Com os Contratos de Investimento Coletivo não é diferente,

devido à sua variedade de aplicação e interpretação aos casos concretos.

Por conseguinte, o Contrato de Investimento Coletivo

apresenta, características diversas, como a de um Contrato de Compra e

Venda, a de Valor Mobiliário quando ofertado publicamente e,

principalmente, a de um Contrato de Parceria Rural.

3.3. Da classificação como Contratos de Parceria

Trata-se – o contrato de investimento coletivo -, de uma

espécie diferenciada de contrato que tem suas normas reguladas em

legislação específica, como é o caso da Lei nº 10.198, de 14 de fevereiro de

2001, que trata sobre a regulação, fiscalização e supervisão dos mercados

e títulos ou contratos de investimento coletivo, conforme transcrição abaixo:

“Art. 1º. Constituem valores mobiliários, sujeitos a regime da

Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976, quando ofertados

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publicamente, os títulos ou contratos de investimento

coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de

remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços,

cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de

terceiros.”

Portanto, os contratos de investimento coletivo emitidos

garantem direito, além de participação e de remuneração, o de parceria

sobre o serviço prestado. Com isso, é possível aplicar a tais contratos a

definição de parceria, senão vejamos.

3.3.1. Dos Contratos de Investimento Coletivo como Contratos de Parceria Rural

Na maioria das vezes a aplicação dos contratos em tela, se

dam por empresas relacionadas ao meio rural, prestando serviços

agropecuários e captando investidores para a realização dos negócios.

Daí a necessidade de se fazer comentários acerca dos

contratos de Parceria Rural.

O instituto da Parceria Rural está até hoje bem definida na Lei

n.º 492/37.

A parceria rural, no caso, é decorrente da própria sistemática

deste negócio jurídico, cujos investidores tem a propriedade sobre a coisa e

a entrega à empresa fornecedora que nada mais é do que uma prestadora

de serviço.

Quando previstos no contrato em questão que, o

credor/investidor “adquire” um produto ou serviço, apesar de não lhe

transferir a detenção física tampouco a posse, a empresa fornecedora

admite que o credor exerce um direito sobre a coisa que lhe foi entregue

para a prestação do serviço.

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Uma das características dos contratos de parceria rural é a

cláusula resolutiva, isto é, a forma pela qual será encerrada a relação

jurídica em caso de descumprimento ou inadimplemento de uma das partes.

Esta cláusula resolutiva prevê que, em caso de desfazimento do negócio a

situação jurídica de ambos os parceiros retorne à situação anterior.

Tal situação só é possível à medida em que os contratos de

investimento coletivo na maioria das vezes são um desdobramento e

aperfeiçoamento para o campo das sociedades anônimas captadoras de

investimento no mercado aberto, de um contrato de parceria rural.

Acontece que tal parceria foi esculpida com base na definição

de parceria rural trazida pelo Código Civil de 1916, reformulada pela Lei nº

4.504, de 30 de novembro de 1964, que dispõe sobre o Estatuto da Terra.

Conforme bem pontifica Maria Helena Diniz2, Parceria Rural é:

“o contrato agrário pelo qual um pessoa cede a outra, por

tempo determinado ou não, o uso de prédio rústico, para que

nele exerça atividade de exploração agrícola, pecuária,

agroindustrial, extrativa vegetal ou mista, ou lhe entrega

animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de

matérias-primas de origem animal, partilhando os riscos,

frutos, produtos ou lucros havidos, nas proporções

estipuladas, observados os limites percentuais de lei.”

Assim, a Lei nº 10.198/01 que trata Dos Contratos de

Investimento Coletivos não pode contradizer a legislação civil, tampouco lei

específica, como a Lei nº 4.504/64. O ordenamento jurídico não pode ser

analisado individualmente, mas como um todo, aplicando-se a

regulamentação extraída da legislação de mercado de capitais, sem retirar a

natureza jurídica dos contratos de parceria rural que foram inseridos pela

Legislação Civil e posteriormente regulamentados pelo Estatuto da Terra e

demais normas reguladoras, aplicando-se concomitantemente todas as

legislações.

2 Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 2ªedição; 1996; Saraiva; p. 442

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Mesmo porque, os traços desenhados pelos Contratos de

Investimento Coletivo não deixam dúvida de que se trata de uma verdadeira

Parceria Rural, o que se pode notar ainda com mais clareza nos artigos 1º,

4º e 5º do Decreto nº 59.566/, in verbis:

“Art. 1º. O arrendamento e a parceria são contratos agrários

que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário

da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha

a livre administração de um imóvel rural, e aquêle que nela

exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial,

extrativa ou mista.

...................

................................................

Art. 4º. Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma

pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou

não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do

mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou

facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de

exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa

vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria,

invernagem engorda ou extração de matérias primas de

origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e

da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos,

produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem,

observados os limites percentuais da lei.

...........................................

........................................................

Art. 5º. Dá-se a parceria:

.................

II – pecuária, quando o objetivo da cessão forem animais

para cria, recria, invernagem ou engorda;”

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Também, a Instrução Comissão de Valores Mobiliários nº 270,

de 23 de janeiro de 1998.

“Art. 1º. ......

Parágrafo único. Considera-se título ou contrato de

investimento coletivo aquele gerador de direito de

participação, de parceria ou de remuneração, inclusive

resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos

advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.”

Ainda, a Instrução Comissão De Valores Mobiliários nº 296, de

18 de dezembro de 1998.

“Art. 2º. Constituem valores mobiliários, sujeitos ao regime da

Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, quando ofertados

publicamente, contratos de investimento coletivo, que gerem

direito de participação, de parceria ou de remuneração,

inclusive resultante de prestação de serviços, cujos

rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de

terceiros.”

Portanto, resta evidente que os Contratos de Investimento

Coletivo podem ter a natureza jurídica de um contrato de parceria,

qualificação que se dá mesmo sendo um valor mobiliário.

3.4. Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, micro-sistema jurídico

criado justamente com o intuito de regular as relações comerciais e definido

na Lei 8.078/90, tem aplicação no caso em tela em virtude de se tratar de

relações de consumo, no que tange aos conceitos de consumidor, de

fornecedor, de produtos e serviços.

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Em atenção ao texto constitucional de 1998, o Código de

Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) especifica as partes integrantes da

relação jurídica conceituando, outrossim, consumidor, nos seguintes termos:

“Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que

adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”

Conforme apontam nossos doutrinadores:

"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou

utiliza produto ou serviço como destinatário final. (art. 2º).

Isso significa que é o elo final da cadeia produtiva,

destinando-se o bem ou serviço à sua utilização pessoal.

(...)

No outro pólo das relações, situam-se pessoas ou entidades

que fornecem bens e serviços. Em consonância com o

Código, encontra-se, de um lado, qualquer pessoa quer como

industrial, importador, comerciante, agricultor, pecuarista ou

prestador de serviços de qualquer natureza, a título individual

ou societário, e, de outro, o Estado e organismos públicos,

descentralizados ou não, empresas públicas, sociedades de

economia mista, concessionárias de serviços público e outras

entidades públicas ou privadas que exerçam as referidas

atividades (art. 3º).”3

A relação determinada por este tipo de contrato é composta

de todos os elementos necessários à configuração de uma relação de

consumo, seja em face da característica evidentemente mercantil das

empresas, seja em razão de se tratar de uma prestação de serviço nos

moldes do artigo 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

“Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública

ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes

despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, 3 Carlos Alberto Bittar, Direitos do Consumidor, editora Forense Universitária, 4ª edição, Rio de Janeiro, 1991, Págs. 28 e 29.

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montagem, criação, construção, transformação, importação,

exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou

prestação de serviços.

........

§2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de

consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza

bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as

decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Para se configurar a relação de consumo, necessário que se

verifiquem 4 requisitos básicos: fornecedor de serviços ou produtos

(empresa emissora dos contratos); consumidor (consumidor/investidor);

objeto (é o bem da vida pretendido = investimento e lucratividade/auferir o

rendimento previsto no contrato); e, causa (atividade finalista = o

consumidor não pratica tal atividade como meio de vida ou para insumo em

atividade comercial, mas como consumo final: investimento e lucro).

No mesmo sentido, a fim de garantir o respeito aos preceitos

constantes acima o Código de Defesa do Consumidor determina que os

fornecedores de serviço que cause danos ao consumidor serão

responsabilizados por este independentemente de culpa, vale dizer não

podendo alegar para se eximir desta responsabilidade que não contribuíram

para o evento comissiva ou omissivamente4, in verbis:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde,

independentemente da existência de culpa, pela reparação

dos danos causados aos consumidores por defeitos à

prestação dos serviços, bem como por informações

insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Outrossim, mesmo se tratando de contratos cuja

regulamentação é extraída de legislação específica (referentes a mercado 4 Como seria possível antes da vigência do código do consumidor quando a responsabilidade decorria unicamente do artigo 159 do Código Civil (apurado seu valor na

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de capitais), não se pode deixar de aplicar o Código de Defesa do

Consumidor, eis que existe uma antinomia entre o texto da legislação

comercial e a Lei nº 8.078/90, como determina o próprio Código de Defesa

do Consumidor em seu artigo 3º, parágrafo 2º, estão regulados pela lei

consumerista também os serviços.

“Não é fácil determinar a incompatibilidade entre duas leis. A

indagação do nexo entre as duas ordens de normas e o

fundamento da nova disposição, esclarece Ferrara, fornece a

solução para o caso.

A incompatibilidade se manifesta, à primeira vista, quando

entre as disposições da lei anterior e as da lei posterior o

conflito é evidente. As disposições são contraditórias. As

normas postulam conduta diferente. Trata-se de

incompatibilidade material.

Quando entre as duas leis o conflito emana do espírito das

disposições, dos fins que ditaram uma e outra, o aplicador, a

fim de caracterizar a revogação, tem de realizar um exame

psico-sociológico das leis.

A elaboração do direito escrito não é simples processo técnico.

Atende o legislador às condições do meio, às variações que se

operam no tempo, à cada época. Quando o aplicador tem de

concluir, por incompatibilidade, pela revogação ou não de uma

lei, o esforço a ser despendido para chegar a uma conclusão

segura é hercúleo, pois transcende a um mero confronto de

preceitos e regras escritas”5

Em razão disto, tem aplicação Código de Defesa do

Consumidor, principalmente no que se refere ao seu artigo 47 que assegura

a interpretação das cláusulas contratuais sempre da forma mais favorável

ao consumidor, utilizando-se do texto do artigo 85, do Código Civil que

forma do mesmo código, p.e. dano por homicídio), segundo o qual a responsabilidade civil depende de dolo ou de negligencia imperícia ou imprudência do agente. 5 Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro comentada, Editora Livraria Jacinto, Rio de Janeiro, 1944, pág. 49.

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afirma que nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção

que ao sentido literal da linguagem.

Vem bem ao caso lembrar que os contratos de investimento

coletivo são considerados contratos de adesão, nos exatos moldes do artigo

54 da Lei nº 8.078/90. Mesmo porque, o dispositivo 29 do mesmo Código

estabelece que “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se

aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às

práticas nele previstas”.

Como já referido, no conceito do art. 29, basta a mera

exposição da pessoa às práticas comerciais ou contratuais para que se

esteja diante de um consumidor a merecer a cobertura do Código.

Determinado conceito é importante, notadamente para fins de

controle preventivo e abstrato dessas práticas.

“O implementador – aí se incluindo o juiz e o Ministério

Público - não deve esperar o exaurimento da relação de

consumo para, só então, atuar. Exatamente porque estamos

diante de atividades que trazem um enorme potencial danoso,

de caráter coletivo ou difuso, é mais econômico e justo evitar

que o gravame venha a se materializar.”6

3.5. Da classificação do crédito na concordata e na falência

Os contratos de investimento coletivo são figuras atípicas

apesar de possuírem evidentes traços mercantis. Ao regulamentar o

mercado de sociedades anônimas emissoras de contratos desta espécie, a

Comissão de Valores Mobiliários e demais legislação correlata atribuíram a

tais documentos com semelhanças em diversos outros contratos, como o de

compra e venda, parceria rural etc.

6 Antônio Hermann de Vasconcelos e Benjamim. Código de Defesa do Consumidor; 5ª edição; 1997; p. 211

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Isto causa até hoje, uma enorme dificuldade de identificar com

exatidão as, características do documento e, abre a oportunidade de

diversas interpretações sobre a natureza desse crédito.

Além disso, o contrato de investimento coletivo possui

peculiaridades que lhe dão maleabilidade, para que possa surgir diversas

interpretações acerca de sua classificação como crédito diante de uma

concordata ou falência, como por exemplo, privilegiada ou de garantia real

em relação aos demais créditos.

Em se tratando de concordata, o contrato de investimento

coletivo pode ser interpretado como crédito quirografário, desde que, na

ausência de cláusulas que estabeleçam garantia especial ou que o

determine como privilegiado, passa a estar sujeito a este instituto.

A classificação como crédito quirografário se dá, quando os

contratos são representados por um documento assinado pelo concordatário

ou falido, sem nenhuma garantia real ou prioridade especial, ou seja, sem

qualquer regalia na prelação.

O artigo 147 da Lei de Falências demonstra quais os credores

sujeitos aos efeitos da concordata, nos seguintes termos: “A concordata

concedida obriga a todos os credores quirografários, comerciais ou civis,

admitidos ou não ao passivo, residentes no País ou fora dele, ausentes ou

embargantes”.

De certo, os possuidores de crédito privilegiado ou com

garantia real estão fora de seu alcance, como bem aponta o eterno mestre

Rubens Requião:

7“Os credores preferenciais, sejam os que possuem garantia

real, sejam os que gozam de privilégio especial ou geral, não

são por ela atingidos. Não estão, na concordata preventiva,

sequer obrigados à habilitação de crédito e, por isso, podem

7 in Curso de Direito Falimentar, 2º volume, 3ª edição, Ed. Saraiva, p. 34

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usar das respectivas ações, acionando desde logo o

concordatário.”

Em suma, a classificação desse crédito é um dos problemas a

ser dirimido pelo Judiciário, vez que o contrato em questão, como já

mencionado, é uma figura atípica, com peculiaridades e flexibilidade quanto

a sua aplicação. Passamos a verificar.

3.5.1. Da existência de direito real de garantia

Nas palavras do mestre Rubens Requião em alusão à

Carvalho de Mendonça, considera-se direito real de garantia 8“... uma

preferência que decorre de um acordo expresso entre contratantes, e

aferram-se à cousa, acompanhando-a na sua alienação”.

Já Amador Paes de Almeida9 vai ainda mais distante: “Direito

real é o que se caracteriza pelo jura in re aliena.

Washington de Barros Monteiro o define como 10“a relação

jurídica em virtude da qual pode o seu titular retirar da coisa, de um modo

exclusivo e contra todos, as utilidades que ela é capaz de produzir”.

O artigo 1.225 do novo Código Civil demonstra quais as

espécies de direito real, nos seguintes termos:

“Art. 1.225. São direitos reais:

............

VIII – o penhor;”

Considera-se penhor, nas palavaras de Silvio Rodrigues, “... o

direito real que submete uma coisa móvel ou mobilizável ao pagamento de

uma dívida”11.

8 Curso de Direito Falimentar; 1º volume; 13ª edição; 1989; p. 290 9 Curso de Falência e Concordata. 6ª edição; 1986; Saraiva; p. 296/297

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O artigo 1.431 do novo Código Civil conceitua penhor nos

seguintes termos:

“Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse

que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente,

faz o devedor, ou alguém por ele, de um coisa móvel,

suscetível de alienação”.

Distingue-se o penhor em diferentes espécies, entre elas o

penhor rural, que possui algumas características capazes de lhe diferenciar

do penhor tradicional. Isto porque, nesta espécie, o devedor conserva em

mãos o objeto e com qualidade de depositário.

Tal situação que se denota só é permitida em razão do artigo

1.431, § 1º do novo Código Civil, o qual pode ser inserido nos contratos de

investimento coletivo.

Vejamos o seu conteúdo:

“Art. 1.431, § 1º. No penhor rural, mercantil e de veículos, as

coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as

deve guardar e conservar.”

Quanto ao penhor rural, o Professor Silvio Rodrigues comenta

claramente:

12“Verdade que teoricamente o sistema ficou incólume, pois o

devedor guarda a posse da coisa dada em garantia, por força

da cláusula constituti. Além disso, ao credor é deferida a

posse indireta, a posse jurídica, enquanto o devedor conserva

a posse direta, a posse de fato, a detenção física. E o faz,

como já disse, na qualidade de depositário. Todavia,

efetivamente, suprimiu-se o requisito da tradição, sempre

havido como fundamental no penhor.”

10 Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil. Volume 3 – Direito das coisas - 34ª edição. 1998. p. 11. 11 Silv io Rodrigues. Direito Civil. Vol. 5; 24ª edição; 1997; p. 331 12 Silv io Rodrigues. Direito Civil. Vol. 5; 24ª edição; 1997; p. 336

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O penhor, ora em questão, possui cláusula constituti, já que a

coisa dada em garantia, ou melhor, a coisa sobre a qual recaiu o

investimento é específica, devendo a obrigação ser satisfeita conforme

previsão contratual. Tal disposição, embora muitas vezes possa estar

implícita no contrato, pode ser facilmente interpretada à medida em que a

inexecução do contrato acarreta ao inadimplente a obrigação de satisfazer o

pagamento com a coisa que detém em depósito.

Se a empresa emissora do contrato fosse uma instituição

financeira e, em razão de sua insolvência patrimonial não lhe sobreviesse

bens suficientes para garantir o pagamento dos contratos, justificaria a

inaplicabilidade do penhor pois, de fato, o correntista da instituição

financeira não possui seus investimentos sobre um fundo certo, específico e

divisível.

Estando inserta no contrato de investimento coletivo a

cláusula de penhor rural que garante ao credor o direito de expropriar a

coisa que se encontra na posse do contratado/devedor.

Os contratos de investimento coletivo não transferem a

propriedade ao investidor, já que se trata de um investimento em que o

credor aplica seu dinheiro em um fundo específico, o qual será gerido e

administrado pela empresa contratada.

Enquanto isso, exerce o credor apenas a posse indireta da

coisa sendo-lhe garantido, futuramente, o direito de expropriar os bens do

devedor inadimplente que deu causa à inexecução do contrato e, por isso

mesmo, tem que responder com seu patrimônio.

Ao investidor só é garantida a possibilidade de expropriação

quando, por culpa da empresa contratada, houver inexecução do contrato,

momento em que poderá exigir a entrega da coisa como forma de

pagamento e de cumprimento da obrigação.

Eis que surge o conceito de penhor rural – o devedor tem a

propriedade da coisa e, por força da cláusula do artigo 1.431, § 1º detém a

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guarda da coisa na condição de depositária e sob a condição de realizar e

cumprir as cláusulas contratuais sob pena de lhe ser expropriado aquele

bem em favor do investidor/credor, que fará a venda da coisa como quitação

de sua dívida.

A jurisprudência é clara neste sentido:

“Agravo Regimental. Recurso especial não admitido.

Execução. Garantia pignoratícia. Penhor rural.

1. A penhora, em execução de crédito pignoratício, recai

sobre o bem dado em garantia (art. 655, §2º, do Código de

Processo Civil).

2. Tratando-se de bem fungível, a garantia se aperfeiçoa

independentemente da tradição dos bens, continuando os

devedores em poder dos mesmos, devendo dar a destinação

mais viável à safra agrícola, contudo, apresentando-a no

momento oportuno ou quando lhes for exigido.

3. Agravo regimental improvido.

(STJ – AR em AI nº 181.838 – SP – 3ª Turma – Rel.: Min.

Carlos Alberto Menezes Direito)”

Se é regra de direito que o devedor responda com seu

patrimônio a obrigação inadimplida, deve a empresa contratada ser

compelida a entregar os bens que se encontram em seu poder, resolvendo-

se o negócio em favor dos investidores.

Assim, em se tratando de crédito com garantia real, na

espécie de penhor, mais especificamente de penhor rural, deve excluir-se o

crédito constante dos Contratos de Investimento Coletivo como

quirografário, a fim de que se confira o direito dos investidores que lhe é

garantido pela empresa fornecedora de serem excluídos do rol de créditos

sujeitos à concordata aqueles possuidores de direito real de garantia.

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3.5.2. Do privilégio especial

Pode se entender, também, que os contratos de investimento

coletivo não se enquadram nas formas acima delineadas, vindo bem ao

caso demonstrar as características de um crédito especial.

Conforme pontifica Amador Paes de Almeida13, “a preferência,

como já se afirmou, decorre da natureza do próprio crédito”.

E arremata:

14“Os títulos legais de preferência são o privilégio e o direito

real. O primeiro consiste no direito pessoal de ser pago

preferencialmente aos demais credores, em virtude da

qualidade do crédito”.

Como assinala Rubens Requião, escudado na lição de

Carvalho de Mendonça:

15“A lei, compondo a ordem social, por conveniência pública

ou privada, motivada sobretudo por princípio de humanidade,

equidade ou conveniência pública (Carvalho de Mendonça),

estabelece privilégios especiais a favor de determinados

créditos. Entre estes estão os privilégios especiais, que

favorecem alguns créditos, assegurando seu pagamento por

determinados bens que a eles se vinculam, por força de lei.”

Vale lembrar que a Lei de Falências, em seu artigo 102, §2º,

inciso I, atribui à legislação civil a classificação dos créditos privilegiados

considerados especiais e que, por sua vez, estão previstos no artigo 964 do

novo Código Civil, nos seguintes termos:

“Art. 964. Têm privilégio especial:

................

13 Curso de Falência e Concordata. 6ª edição; 1986; p. 297/298 14 Curso de Falência e Concordata. 6ª edição; 1986; p. 297/298 15 Curso de Direito Falimentar; 1º volume; 13ª edição; 1989; p. 294

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III – sobre a coisa beneficiada, o credor por benfeitorias

necessárias ou úteis;”

Primeiramente, vejamos as definições tanto de benfeitoria

necessária quanto útil. Consideram-se necessárias as benfeitorias que têm

por fim conservar a coisa ou evitar que se deteriore, conforme definição do

artigo 96, §3º do novo Código Civil.

Em suma, denominam-se benfeitorias necessárias as obras ou

despesas feitas na coisa, com o fim de conservá-la. Mais especificamente,

são as despesas indispensáveis à conservação da coisa na sua normal

função econômica. Nas palavras de Maria Helena Diniz, benfeitorias

necessárias 16“são obras indispensáveis à conservação do bem, para

impedir a sua deterioração”.

Para realização de tais benfeitorias, os contratos de

investimento coletivo podem prever que, os investidores paguem

adiantamentos para custos relacionados à administração, ou seja, uma

porcentagem sobre o valor do investimento.

Isto porque, as benfeitorias não precisam ser realizadas pelo

proprietário da coisa, podendo haver a hipótese deste contratar o serviço de

terceiros para tal tarefa. Acarretando que os investidores contratantes dos

serviços da empresa emissora do Contrato de Investimento Coletivo paguem

um montante incidente sobre o valor do investimento, isto é, uma

remuneração a empresa contratada para que esta realize as devidas

benfeitorias.

Já as úteis, são as benfeitorias que aumentam ou facilitam o

uso da coisa, conforme artigo 96, §2º do Código Civil, na mesma linha

seguida pelas benfeitorias necessárias, prevista no artigo 24, inciso II do

Decreto 59.566/66.

16 Curso de Direito Civil Brasileiro, Volume I; 18ª edição; p. 297

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Conforme Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon17, em sua obra

Embargos de Retenção por Benfeitorias, conceitua-se benfeitoria da

seguinte forma a seguir transcrita:

“O conceito de benfeitorias, vale advertir, não compreende

apenas os melhoramentos exteriormente verificáveis

introduzis na coisa, ou seja, não apenas obras, mas também

despesas.”

Washington de Barros pontifica:

18“o conceito deve estender-se também às despesas que se

materializam em obras e que, igualmente, concorrem para a

conservação, melhoria ou aformoseamento e tanto podem

realizar-se na coisa móvel quanto na imóvel”. A essas

despesas de conservação ou melhoramento, “as fontes

davam o nome de impensae (despesas), expressão que

também empregaram as Ordenações”.

Essas despesas, a nosso ver, podem se referir inclusive ao

pagamento de tributos, nas suas diversas modalidades. O adquirente a non

domino e de boa-fé terá direito de reembolso e de retenção, por exemplo,

pelas despesas efetuadas com o pagamento do imposto predial urbano, ou

eventual contribuição de melhoria. A colocação não tem os ares de

novidade que possa parecer, embora, na prática, sua relevância não tenha

merecido o devido destaque doutrinário.

Constituem despesas, portanto, não só os gastos feitos com a

coisa, relativos a obras, aparentes ou não – como é o caso, v.g., da

vacinação procedida no rebanho – mas ainda aqueles efetivados em razão

da coisa, tais os que derivam de imposição direta do poder público, ou

outros coativamente exigíveis, cuja satisfação é indispensável à

conservação da regularidade administrativa e fiscal do bem. O possuidor de

17 Embargos de Retenção por benfeitorias.RT; p. 97/98 18 Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 34ª edição. 1998. p. 157.

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boa-fé que os tiver suportado terá direito de, por eles, ser reembolsado,

podendo, em garantia de seu crédito, exercer o direito de retenção.

Abrangem as benfeitorias, para efeito da solutio retentio, tanto

as despesas necessárias ao resguardo da incolumidade física como da

integridade jurídica do bem.

Vale verificar, também, o artigo 591 do Código Civil Argentino,

em comparação ao nosso ordenamento jurídico:

“591. Son mejoras necesarias aquellas sin las cuales la cosa

non podría ser conservada. Son mejoras útiles, no sólo las

indispensables para la conservación de la cosa, sino también

las que sean de manifiesto provecho para cualquier poseedor

de ella. Son mejores voluntarias las de mero lujo o recreo, o

de exclusiva utilidad para el que las hizo. “

Mais uma vez, vale frisar: “Benfeitorias são obras ou

despesas, que se fazem num bem móvel ou imóvel, a outrem pertencente, a

fim de conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo”19.

A doutrina portuguesa, por meio do excelso Luiz da Cunha Gonçalvez20, comparando o Código Civil Português com o Brasileiro,

delineia com clareza ímpar o verdadeiro conceito de benfeitoria e sua

possibilidade de aplicação também na agropecuária, senão vejamos:

“Frutos industriais são os que a cousa produz mediante

indústria do homem, acrescenta o citado §1º do artigo 495;

definição igualmente insuficiente, porque a indústria do

homem, como trabalho empregado na sementeira ou

plantação, nos amanhos, colheita, transporte e valorização

dos produtos, é factor indispensável também dos produtos

naturais. Sem a indústria do homem, assim entendida,

nenhum produto e possível: nem as pedreiras dariam pedras,

19 Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil; parte geral; 34ª edição; 1996; p. 154 20 Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português. 2ª edição; volume III, tomo I, p. 719

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nem as florestas produziriam madeiras ou lenhas. Frutos

industriais, por isso, em rigor, são somente aquêles que o

homem produz transformando as matérias-primas fornecidas

pela natureza, e que o art. 2.204 designa por industriais

fabris para os distinguir dos industriais agrários. Entre frutos

naturais e industriais há só esta diferença: naqueles

predominam as fôrças da natureza, sendo acessório o

trabalho humano; nestes acontece a inversa.”

Em suma, devido a maleabilidade do contrato de investimento

coletivo, este, também, pode ser caracterizado como um crédito com

privilégio especial e que garante preferência em relação aos demais

créditos inferiores. Além do mais, sendo um crédito com privilégio especial,

podem os investidores exigir a entrega da coisa cujo investimento recaiu,

uma vez que se trata de uma aplicação financeira específica e lastreada

numa atividade que permite a identificação do bem para efeito de

expropriação.

3.5.3. Do privilégio geral

É de se reconhecer a existência de um crédito com privilégio

geral, senão vejamos.

A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º, garante

que:

“quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com

a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

Isto porque, os contratos de investimento coletivo são

bastante confusos, à medida em que, deve-se reconhecer que há uma

lacuna legal que não permite a adequação integral destes contratos a

nenhum outro modelo já existente, de modo que é lacunosa a definição de

sua natureza jurídica e regime jurídico aplicável.

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Mas o Direito deve prevalecer e a justiça deve ser preservada

e alcançada a todo custo, aplicando-se, para tanto, o artigo 4º da Lei de

Introdução ao Código Civil no que tange a utilização da analogia.

Por tal razão é que se diz lacunosa a regulamentação destes

contratos pois se a lei não permite saber com certeza qual a natureza

jurídica dos mesmos, não permite a aplicação de imediato de um ou outro

tratamento e, tendo em vista tais peculiaridades, deve-se permitir a

aplicação da analogia, justamente para que se note a semelhança dos

contratos de investimento coletivo com as debêntures, senão vejamos.

Conforme pontifica Rubens Requião21:“O privilégio geral

confere preferência sobre todo o patrimônio do devedor, excluídos os

créditos com direito real de garantia ou com privilégio especial”. E

prossegue o autor:

“Possuem, além disso, privilégio geral sobre o patrimônio do

falido os portadores das obrigações (debêntures), quando não

forem garantidos com hipoteca, convindo lembrar nesse

sentido o art. 1º, §1º, do Decreto nº 177-A, de 15 de setembro

de 1893...”

Diz o artigo 1º, §1º do Decreto 117-A/1893:

“Art. 1º. .....

§1º. As obrigações que as sociedades anônimas emitirem

(debêntures) terão por fiança todo o ativo e bens de cada

companhia, preferindo a outros quaisquer títulos de dívida.”

Em outras palavras, as debêntures emitidas pelas sociedades

anônimas terão privilégio geral em relação aos demais créditos.

A semelhança das debêntures com os contratos de

investimento coletivo são notórias e, em razão disso, em face de sua

21 Curso de Direito Falimentar; 1º volume; 13ª edição; 1989; p. 297

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semelhança, são aplicáveis à espécie as mesmas disposições das

debêntures.

“Debêntures são “títulos de crédito causais, representativos

de frações de mútuo, com privilégio geral sobre os bens

sociais ou garantia real sobre determinados bens, emitidos

por sociedades anônimas, no mercado de capitais.”22

O motivo desta analogia é simples. Para que uma empresa

qualquer possa emitir debêntures, necessário que seja uma sociedade

anônima, constituída sob a égide das leis da S.A.

Além disso, conforme pontífice de Waldírio Bulgarelli,

“conferem elas aos seus titulares direito de crédito contra o emitente, pelo

valor nominal e os juros nelas estipulados” e, desta forma, comparando-se

aos contratos de investimento coletivo vê-se com clareza ímpar a

semelhança entre as duas ações, já que os contratos de investimento

coletivo também garantem ao credor o pagamento justo e certo de um

determinado crédito, expresso num valor nominal, além dos juros que

podem e são estipulados nos contratos.

Além destes requisitos, como o valor do pagamento acrescido

dos juros pré-fixados, encontra-se semelhança nos demais requisitos

formais, onde a comparação de um sistema e de outro como por exemplo a

regulação pela Comissão de Valores Mobiliários nos termos da lei nº

10.198/01, que não deixam dúvida de que é possível aplicar-se aos

contratos de investimento coletivo o mesmo regime jurídico das debêntures

em razão de sua semelhança tanto no momento de sua emissão quanto no

do resgate.

3.6. Exemplo prático de empresa emissora de Contratos de Investimento Coletivo.

Fazendas Reunidas Boi Gorda S/A.

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Atualmente, podemos ter como exemplo notório o caso da

Concordata Preventiva das Fazendas Reunidas Boi Gorda S/A., gerando e

expondo à sociedade, várias dúvidas e problemas de aplicação e

interpretação quanto aos Contratos de Investimento Coletivo.

No caso acima mencionado o contrato de investimento é

específico e tem sua liquidação com a venda do gado ao final do prazo de

engorda, ou seja, 18 (dezoito) meses.

Durante este período, não pode haver abate dos animais,

tampouco antes, pois, 18 meses é a data cujo animal alcança o auge de sua

capacidade de engorda. A própria Boi Gordo não permite a permanência dos

animais além deste prazo em seu pastoril pois após tal período terá um

grande gasto na manutenção das rezes sem obter qualquer rendimento das

mesmas.

Em tese, a empresa deveria funcionar da seguinte forma: a

Boi Gordo fechava novos contratos e, em razão disso, adquiria no mercado

as respectivas cabeças de gado para engorda (para cada arroba de

investimento deveria existir o mesmo número de arrobas de animais). Ao

mesmo tempo, comprovava junto à Comissão de Valores Mobilíarios a

existência de patrimônio suficiente para quitar aquele respectivo contrato

que, por sua vez, homologava tal pedido (para cada R$ 1,00 de obrigação

contraída no mercado pela Boi Gordo, deveria ser comprovado o mesmo R$

1,00 em patrimônio para pagar a obrigação). Ao término do período de

engorda, a Boi Gordo vendia os animais e revertia em favor dos investidores

o rendimento no contrato.

Porém, na pratica houve a inexecução do contrato a partir do

momento em que a Boi Gordo não possuia o número de animais

correspondentes ao número de arrobas vendidas a seus

parceiros/investidores e tampouco possuia lastro patrimonial equivalente ao

valor das obrigações por elas contraídas!

22 Waldírio Bulgarelli. Manual das Sociedades Anônimas; 2ª edição; Atlas; p. 122

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A bem da verdade, a Boi Gordo só possuia cerca de 30% de

ativo em relação ao seu passivo, é porque cada cabeça de gado existente

em seu pastoril já foi objeto de pelo menos três diferentes contratos, ou

seja, sobre cada animal existem três diferentes investidores, embora seja

uma atividade em que cada contrato deve corresponder especificamente a

um determinado bem.

Em matéria publicada no Jornal “O Estado de São Paulo” de

09 de abril de 2001, foi bem demonstrada qual a situação da empresa

perante o mercado:

“... Para o professor da USP e sócio-diretor da Austin Asis,

Alberto Borges Matias, a empresa vai precisar capitalizar-se,

pois apresentou um prejuízo de R$ 23 milhões no balanço

trimestral encerrado em 31 de novembro de 2000. “Ela tem

um imobilizado de R$ 212 milhões (fezendas), que a deixa em

situação delicada caso se dê um grande volume de saques.”

A inexecução do contrato por parte da Boi Gordo ocasionou a

enxurrada de várias ações judiciais para a expropriação forçada de bens de

propriedade da Boi Gordo. É certo que o contrato gera direitos e obrigações,

porém foi cumprido unilateralmente: apenas o credor integralizou seu

investimento, enquanto à Boi Gordo, que caberia especificar o animal

(investimento específico e indivisível), engorda-lo e reverter o lucro de sua

venda a favor do investidor, acumulou passivo três vezes superior ao seu

ativo.

A situação desta empresa ficou ainda mais problemática, ao

se verificar que a Instrução Comissão de Valores Mobiliarios n.º 350/01

possibilitou em seu artigo 3º, inciso I, que a Fazendas Reunidas Boi Gordo

S.A. apresentasse apenas 50% de lastro patrimonial, para a emissão de

novos Contratos de Investimento Coletivo, assim a empresa deveria ter

capacidade de arcar apenas com 50% da obrigação.

Assim, foi permitido que a Boi Gordo instituísse legalmente

uma negociação perigosa e com possibilidade de prejudicar seus credores,

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pois confere proteção demasiada àquele que não tem patrimônio para pagar

suas dívidas.

No que se refere às atividades desenvolvidas pela Fazendas

Reunidas Boi Gordo S.A. – embora seja uma sociedade anônima - deve

haver sua subsunção à esfera cível para efeito de conceituação e

identificação da natureza jurídica de seus contratos, como forma de se

reconhecer que os contratos de investimento coletivo, no caso, nada mais

são que contratos de parceria rural e que, a Boi Gordo, por conta disto,

apenas presta um serviço de engorda de gado sem que tenha em si a

condição de proprietária da coisa que efetivamente é do investidor.

Neste sentido, o professor Camillo Nogueira da Gama23, em

sua obra Penhor Rural, salienta que:

“14. – Sociedades anônimas agro-pastoris. Preceitua o §

único do artigo 2º do Decreto-Lei nº 2.627, de 26 de setembro

de 1940 que dispõe sôbre as sociedades por ações:

“Qualquer que seja o objeto, a sociedade anônima ou

companhia é mercantil e rege-se pelas leis e usos do

comercio.

.............

E vemos então o seguinte: Póde ser objeto da sociedade

anônima ou companhia qualquer êmpresa de fim lucrativo,

não contrário à lei, à ordem pública, ou aos bons costumes”.

(Dec. Lei cit., nº 2.627, art. 2º).

........

Ora, se a lei permite o exercício dessas atividades pelas

sociedades anônimas, e se agricultor é também a pessoa

jurídica, que explora a agricultura ou a pecuária, por conta

própria e fim lucrativo, como negar a uma sociedade assim o

direito de pactuar penhor rural sôbre os bens objetos de sua

exploração?

23 Penhor Rural. 1942; p. 23/25

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.........

Portanto, o vocábulo mercantil diz respeito à fórmula da

sociedade, à sua disciplina legal, ao sistema legislativo

comercial a que se filia. Nada tem a ver com a sua natureza,

porque só esta se póde classificar a sociedade em mercantil

ou civil.”

Com isso, em hipótese alguma poderia argüir a Boi Gordo

que, por se tratar de uma sociedade anônima, não está sujeita à norma

civilista, pois, apesar de sua característica societária (S.A.) deve se sujeitar,

para efeito de cumprimento das obrigações comerciais por ela contraídas,

aos idos do Direito Civil comum e comercial, em especial no que se refere à

proteção dos credores.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, resta evidente que os Contratos de

Investimento Coletivo apresentam novidades no Mercado de Capitais

brasileiro, os quais serão solucionados no decorrer da sua aplicação pela

sociedade e na solução dos problemas de interpretação pelo Poder

Judiciário.

Assim, podemos concluir que:

Os Contratos de Investimento coletivo são Valores Mobiliários

quando ofertados publicamente, estando assim, sujeito as normas

reguladoras do Mercado de Capitais brasileiras;

Sua origem tem nítida influência da Lei Federal norte-

americana “Securities Act” de 1933, que regula o seu Mercado de Capitais e

Valores Mobiliários;

Apresenta Natureza Jurídica de difícil definição devido a

manifestação de características de diferentes contratos, porém sua principal

natureza é típica de Contrato de Parceria;

Tais contratos podem perfeitamente estarem inseridos no

âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor em proteção aos

investidores;

Devido a sua maleabilidade, pode apresentar diferentes

imposições como crédito a ser habilitado em falência e ainda como crédito

quirografário na concordata.

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