Corrupção e poder: uma análise do esquema da fábrica de sopas no Governo José Inácio

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Livro reportagem sobre escândalos no Goveno capixaba de José Ignácio (1999-2002)

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CORRUPÇÃO E PODER: UMA ANÁLISE DO ESQUEMA DA

FÁBRICA DE SOPAS NO GOVERNO JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA

Débora Reis de OliveiraElisângela de Souza

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, minha força maior, por todas as maravilhas que ele me concedeu. A minha família, em especial meus pais pelo apoio e carinho mesmo estando distantes, ao meu irmão pela paciên-cia. Agradeço ao meu noivo pelo apoio nas horas difí-ceis e no corre-corre do dia- a -dia, e aos meus fu-turos sogros pelo carinho e atenção. (Elisângela)

Agradeço a Deus que me capacita a cada dia. A minha família que me dá muito apoio emocional para enfren-tar os desafios que me têm surgido ao longo da minha vida. A todos os professores que contribuíram decisi-vamente para a minha formação acadêmica. (Débora)

De forma especial, agradecemos a Max Mauro Filho por disponibilizar seu arquivo pessoal para nossas pesquisas, e a Joel Rangel por dispor de seu tempo para nos auxiliar. Nosso agradecimento sincero aos amigos , Rafael Arcanjo Jr. e Maithê Scherrer

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...07

INTRODUÇÃO...09

I.“No palco, José Ignácio Ferreira” Um começo marcado por suspeitas...14

II. Como funcionava o esquema da fábrica de sopas...28

III. E sopa que é bom... Nada!...33

IV. Análise da cobertura do jornal A Gazeta sobre as denúncias de corrupção no Governo José Ignácio Ferreira...37

V. Jornalista: Profissão Perigo...41 VI. Mídia e Mobilização Social...44

CONSIDERAÇÕES FINAIS...50 ENTREVISTAS...54

ANEXOS...112

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...117

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APRESENTAÇÃO

Compreender a história de uma sociedade exige um esforço – nunca alcançado plenamente – de com-preensão das múltiplas facetas da realidade social.

A atividade política é, com certeza, uma das que merece sempre ser analisada nesse esforço de com-preensão.

Política que deve ser entendida nas variadas relações de poder que se estabelecem entre os diversos gru-pos de uma sociedade, sejam eles partidos políticos, agentes políticos individuais ou organizações da so-ciedade civil.

Esse trabalho realizado pelas, ainda, estudantes de jornalismo Débora Reis de Oliveira e Elisângela de

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Souza coloca mais um “tijolo” na compreensão da história recente do estado do Espírito Santo.

Não tem ele, claro, a pretensão de esgotar o tema. A proximidade do fato, a falta de documentos e de-poimentos relevantes e a própria carência de decisões judiciais o impede.

Nem por isso, ou talvez até por isso, o trabalho deixa de ser uma importante contribuição. Graças aos de-poimentos que colheu e aos documentos que con-seguiu reverte-se de importância ímpar sobre o tema em questão.

Por isso estão as autoras do presente estudo de para-béns. Também merecem o reconhecimento pelos re-sultados alcançados que se encontram, ao meu juízo, dentro do que poderia ser esperado.

Vila Velha, junho de 2010.

Rafael Cláudio SimõesSecretário-geral da Transparência Capixaba e histo-riador.

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INTRODUÇÃO

Durante praticamente uma década, o Estado do Espí-rito Santo passou por um período político turbulento. De Albuíno a José Ignácio, o Estado ficou marcado por medidas governamentais onerosas à população, bem como por denúncias de fraudes contra a máquina pública e pelo crime organizado.

Nesse momento o Espírito Santo, esquecido em tan-tos aspectos pelo resto do país, ganhou destaque nas capas de jornais e revistas de todo o Brasil, sendo re-conhecido por suas bases políticas fragilizadas. No entanto, foi um período em que o jornalismo investi-gativo capixaba amadureceu, e o jornalista tornou-se

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peça-chave no processo de conscientização e mobili-zação social, ao revelar os bastidores da política local, cercada de episódios nebulosos envolvendo poderes institucionalmente legitimados pela sociedade civil.

O Espírito Santo passou a ser noticiado de forma ne-gativa e medidas intervencionistas, como o envio de comissões especiais para avaliar as condições sociais e o crime organizado no Estado, por exemplo, chega-vam ao conhecimento do povo por meio da imprensa. Foi um período de grande movimentação para driblar os obstáculos e permitir que os cidadãos pudessem participar do processo de reconstrução capixaba. Mas foi no mandato do governador José Ignácio Fer-reira (1999-2002), figura política conhecida no cená-rio estadual, que a famigerada crise atingiu seu ápice. Investigações do Ministério Público indicaram que havia uma rede criminosa muito bem articulada, for-mada por personalidades dos mais diversos setores da sociedade, que mantinha células infiltradas nos pode-res Executivo, Legislativo e Judiciário e trabalhava em prol de interesses particulares, fazendo questão de mostrar a força que exercia, sem temer represália.

Após ser acusado de corrupção e crimes contra a ad-ministração pública, José Ignácio teve seu impeach-ment articulado. Porém, a Assembléia Legislativa do Estado, comandada, à época, por José Carlos Gratz, arquivou o pedido de cassação de José Ignácio.

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Nesse contexto de total instabilidade política no qual o Espírito Santo estava inserido, observava-se a ascensão do jornalismo investigativo. Ao apurar de forma minuciosa os acontecimentos, cercando-se de provas e denunciando as ilegalidades e abusos de po-der, a imprensa colaborou para a mobilização da opi-nião pública e contribuiu para desarticular o esquema corrupto que comandava o Estado.

Dentre as denúncias que mais marcaram o governo José Ignácio está a de formação de quadrilha, apro-priação indébita e lavagem de dinheiro. O escândalo que ficou conhecido como o “esquema da fábrica de sopas,” foi uma denúncia feita pelo Ministério Públi-co.

A denúncia era sobre a construção de uma fábrica de sopa com dinheiro arrecadado por meio de doações de empresários que, depois, recebiam em troca be-nefícios fiscais concedidos pelo governo. O dinheiro que segundo a denúcia, deveria ir para o projeto social era desviado para um caixa dois destinado a pagar as despesas pessoais e de campanha de José Ignácio e de pessoas ligadas ao governador. No entanto, o escândalo da fábrica de sopas foi ape-nas uma das acusações, descoberta em um momen-to em que explodiam várias denúncias de corrupção contra o governo.

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Tudo começou por meio de um dossiê montado pelo ex-prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Theodorico Ferraço (DEM). Uma das partes mais quentes das de-núncias de Ferraço foi o conteúdo de seis fitas grava-das pelo consultor Nilton Antônio Monteiro, que no período era gerente de negócios da Conterv, uma das centenas de empresas especializadas na intermedia-ção de operações com o setor público que exploravam o mercado capixaba.

Vale a pena lembrar que foram vários os veículos de comunicação que abordaram os acontecimentos. Para não nos perdermos nas coberturas feitas pelos vários veículos, visto que houve repercussão nacional, cen-tralizamos nossa análise na cobertura feita pelo jornal impresso A Gazeta, mas consultamos outros veículos que inclusive constam em nosso trabalho

A escolha deste jornal como fonte de estudo para o li-vro-reportagem, se deve ao fato ter sido o jornal local que deu o furo dos escândalos de corrupção ligados ao ex-governador e também por, em nossa opinião, ter realizado uma apuração mais completa dos acon-tecimentos.

Segundo o jornalista Eduardo Belo, algumas repor-tagens não terminam ao serem publicadas, sejam em jornais ou revistas. Algumas delas exigem apurações detalhadas, mais entrevistas, busca de novas informa-

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ções e, finalmente, mais espaço. Sendo assim, bio-grafias, temas históricos, perfis, memórias e relatos de grandes acontecimentos podem se transformar em livros-reportagem.

Baseado nesse conceito e em várias outras bibliogra-fias que também abordam o tema livro-reportagem, é que buscamos desenvolver esse trabalho. Vimos nes-se formato um mecanismo de reavivarmos um mo-mento tão conturbado que marcou a história do Espí-rito Santo.

O autor Edvaldo Pereira Lima, cita na obra O que é livro–reportagem, talvez de forma mais precisa, a de-finição no que diz respeito exatamente à grandeza do que seja o livro-reportagem: “Avançar as fronteiras do jornalismo para além dos limites convencionais que ele próprio se impõe.” Para o autor, essa é uma das características mais marcantes do livro como veícu-lo jornalístico, pois é o mergulho profundo nos fatos, personagens e situações que garantem uma apuração detalhada e segura. Assim, “esse tipo de reportagem tem sempre a pretensão inequívoca de esgotar um as-sunto ou ao menos chegar muito perto disso.” (LIMA, 1993, p. 41 e 42).

O autor afirma ainda que para a reportagem ganhar status de livro – ou o livro ganhar status de repor-tagem, são necessárias algumas categorias, como o

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caráter não perecedouro ou pelo menos de maior du-rabilidade do assunto. Por não ser tão rápida quanto a cobertura midiática, o livro-reportagem geralmente abre lugar para abordagens diferentes , criativas, ori-ginais, menos urgente e mais aprofundada.

I. “NO PALCO JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA” - UM COMEÇO MARCADO POR SUSPEITAS

Após se lançar candidato a governador do Espírito Santo pelo PSDB, José Ignácio Ferreira foi eleito com a maioria dos votos em 76 dos 78 municípios capixa-bas (MOREIRA, 2007). No dia 1º de janeiro de 1999, José Ignácio tomava posse no Palácio Anchieta, com um déficit acumulado de R$ 832 milhões do governo anterior.

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Conforme publicado no jornal A Gazeta, no dia 2 de janeiro de 1999, José Ignácio apresentou o seguinte discurso em sua posse: “No próprio dia das eleições alertei aos eleitores do Espírito Santo, pelos jornais, para a gravidade da situação. Nunca quis ganhar a eleição a qualquer custo”. E prometeu: “No Espírito Santo vai ter quem manda e quem obedece! Com to-dos submissos à Lei, que a todos obriga!”.

Quem escreveu estas palavras ditadas pelo então go-vernador foi o jornalista de A Gazeta, André Hees. Sobre este momento ele relata o seguinte:“José Ignácio era presidente da OAB, era senador da República, era uma figura que chegou ao gover-no com um discurso de rompimento, eu cobri a pos-se do Zé Ignácio, eu era o repórter que entrevistava ele com freqüência, ele era minha fonte, tinha uma boa ligação com ele, eu cobri a campanha dele, eu entrevistei ele como candidato, eu estava lá no dia da posse, o discurso dele foi marcante. Se você pegar as Praças, as primeiras colunas que escrevi sobre o governo, eram colunas que refletiam esperança e oti-mismo com o governo dele. Era aquela idéia: agora tem quem mande e quem obedece, era um governo que prometia ruptura.”

No início do mandato, José Ignácio recebeu incenti-vo de grandes empresas dos mais diversos segmen-

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tos. Era comum abrir os jornais e se deparar com grandes anúncios, ocupando uma página inteira, nos quais instituições privadas homenageavam o político. O presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, também deixou explícita a simpatia do Legis-lativo para com a nova administração. Gratz decla-rou acreditar que o governador teria uma das maiores bancadas de apoio ao governo já registradas na his-tória do Espírito Santo. Até mesmo o ex-governador Vitor Buaiz declarou seu apoio a José Ignácio. No dia 2 de janeiro de 1999, o jornal A Gazeta publicou uma declaração de Buaiz dada no dia da posse: “Acho que 1999 vai ser um ano muito difícil para o país, mas o Espírito Santo vai dar a volta por cima. Tenho a cer-teza de que José Ignácio vai saber conduzir este barco que nós conseguimos trazer, em bons termos, a porto seguro”.

A trajetória política de José Ignácio como governa-dor do Espírito Santo foi marcada por denúncias de corrupção logo no início de seu mandato. Já nos pri-meiros anos da gestão José Ignácio, foram surgindo vários problemas que revelavam a fragilidade do go-verno e a sua ineficiência em administrar a máquina pública com seriedade.

Um dos escândalos de maior repercussão do gover-no José Ignácio envolveu o Banestes, uma instituição financeira do Estado. O caso veio à tona em 17 de

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setembro de 1999, quando o jornal A Gazeta estam-pou a manchete: “Ignácio usou Banestes para pagar campanha”. Segundo Hees, em entrevista, “quem deu o furo jornalístico foi o jornal Folha de São Paulo” e, um dia depois, A Gazeta soltou a cobertura completa.

Com menos de um ano de governo, no dia 16 de se-tembro de 1999, o jornal Folha de São Paulo noti-ciava o que era então a primeira denúncia formal na mídia nacional contra o governo do Estado.Sobre esse momento, veja o que o jornalista Sérgio Egito, que foi editor de política do jornal A Gazeta à época, nos disse em entrevista:

“O jornal Folha de São Paulo deu uma notinha em uma coluna no dia anterior, aí nós soltamos a cober-tura toda, estava tudo pronto já, nós estávamos es-perando... e todo dia nós tínhamos uma reunião com a diretoria e a diretoria falando: quero mais provas, quero mais provas. E nós, correndo atrás de provas. O material estava todo feito, foram dois meses de in-vestigação (...).”

Segundo a denúncia, tudo começou no final de 1998, quando José Ignácio já era governador do Estado. Ele tomou um empréstimo do banco Banestes no valor de R$ 2,6 milhões em sua conta pessoal, para qui-tar dívidas eleitorais. Esse empréstimo foi pago antes da virada do ano por duas empresas de São Paulo, a

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HMG e CEG, que o fizeram com recursos do próprio banco Banestes, mediante outro empréstimo e que, um ano após o empréstimo, não havia sido devolvido.

Em nota paga, publicada no jornal A Gazeta de 26 de setembro de 1999, o então governador se defendia: “Nesse episódio, objeto de vã tentativa de linchamen-to moral a que fui submetido, houve empresas que se dispuseram a contribuir para o fundo de campanha, mas não tinham ainda concretizado tais doações. Para cumprir meus compromissos, fiz um empréstimo em meu próprio nome, no Banestes, que foi integralmen-te resgatado”.

Porém, na matéria do jornal A Gazeta do dia 21 de agosto de 2002, ficou registrado que “o procurador--geral da República, Geraldo Brindeiro, denunciou Ignácio por ter usado um empréstimo do Banestes para cobrir gastos da campanha eleitoral de 1998”. Consta na publicação, ainda, que o governador fez saques a descoberto que chegaram a R$ 2,6 milhões.

(veja imagens a seguir)

De lá pra cá, as denúncias de mau uso do dinheiro público foram só aumentando.Foram várias acusações contra o governo José Igná-cio, as freqüentes concessões de favores e benefícios a certas empresas que atuavam no Estado em troca de

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Jornal A Gazeta, 17/09/99

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Jornal Folha de São Paulo - 16-09-1999

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Revista IstoÉ, 22-09-1999

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Jornal do Brasil, 20 de Julho de 2001

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“doações” em favor de entidades do Governo, trans-ferência de crédito de ICMS, com o próprio governa-dor despachando no verso da nota fiscal da empresa autorizando a transferência, a fábrica de sopa, entre outras.

No entanto, a derrocada do governo José Ignácio começou num despretensioso almoço, em 2001, na casa do então prefeito de Alfredo Chaves, Ruzerte Gaigher. Lá, entre uma garfada e outra de frango ao molho pardo, aconteceu o primeiro encontro que reu-niu as lideranças de oposição ao governo. Entre os presentes estava Theodorico Ferraço, que na época era prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, e que dizia ter um dossiê contendo denúncias contra o governa-dor que levariam ao seu impeachment.

Sobre esse encontro, o ex-prefeito de Vila Velha, Max Mauro Filho relata em entrevista:

“Eu era Prefeito de Vila Velha e era presidente de um partido político daqui do ES, o PTB. Nós inte-grávamos, enquanto partido, o Fórum dos Partidos de oposição ao governo do José Ignácio, deste partici-pavam o PTB, PDT, PT, PPS, PMM, PCDB e alguns outros partidos. E a gente viveu intensamente aquela época, porque os fóruns dos partidos de oposição se reuniam, de vez em quando, para discutir a situação do Estado e tudo mais (...). Houve uma reunião dos

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prefeitos e dos presidentes dos partidos lá na casa do Ruzerte Gaigher, em Alfredo Chaves, inclusive com cobertura da imprensa, com uma galinha com polenta e quiabo, onde se tornou muito conhecida e tal, e a partir dali houve uma atuação mais intensa de alguns atores políticos. Então, o fórum além de reunir com os prefeitos, estava também se reunindo com a socie-dade civil.”

A jornalista Andréia Lopes, atual editora de Política do Jornal A Gazeta e que, na época, era repórter de política, participou cobrindo o encontro. Sobre o fato ela relata:

“O Ferraço também já tinha reunido um grupo de pre-feitos no sul do Estado, que estavam insatisfeitos com o governador. Que foi aí que quebrou o monopólio político do José Ignácio. Foi num almoço em Alfredo Chaves, onde aconteceu aquele frango ao molho par-do. Daí ele foi desafiado a provar que aquilo que ele falava era verdade ou não. Porque ele insinuou lá que as empresas pagavam pedágio, apresentou e formali-zou essa denúncia.”

Ignácio, eleito em 1998 com grande aprovação popu-lar e que, até então, tinha uma ampla base de apoio político, cobrou provas. Ferraço apresentou um dos-siê contendo várias denúncias ao Ministério Público Estadual e Federal, que tratavam do recebimento de

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propina e de irregularidades nas transferências de cré-dito de ICMS.

As operações envolvendo transferências de créditos oriundos da Receita de ICMS do Estado envolvia vá-rios lobistas, cujas intervenções facilitavam as autori-dades do Governo à cobrança de propina. Cabe desta-car, a presença dos intermediadores Nilton Monteiro, Andréia Cássia Vieira de Souza, Alcyr Monteiro e sua esposa Maria Maciel. Destaca-se nesse aspecto, o envolvimento dos assessores diretos de José Ignácio, Gentil Antônio Ruy e Rodrigo Stefenoni no esquema envolvendo a cobrança de propina e a facilitação dos contatos entre lobistas e empresas detentoras de cré-dito de ICMS.

Várias investigações foram abertas e em 03 de setem-bro de 2001 foi protocolado na Assembléia Legislati-va um relatório elaborado pela Comissão Parlamen-tar de Inquérito (CPI da Propina) contendo acusações envolvendo o nome de diversas pessoas, entre elas a do próprio Governador do Estado e o da primeira--dama, Maria Helena. (Sobre a CPI da Propina, ver documento anexo nº 1).

Não poderíamos deixar de citar um personagem que ficou conhecido no cenário capixaba naquele momen-to. O consultor e lobista Nilton Monteiro, um dos al-gozes do governo José Ignácio Ferreira. Foi ele que

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municiou os adversários políticos de Ferreira com in-formações que ajudaram a expor o esquema corrupto que ficou conhecido como a cobrança de "pedágio" no Palácio Anchieta.

No auge da apuração de denúncias contra a admi-nistração do governador, foi o lobista quem disse ter recebido propostas do ex-ministro de Planejamento Aníbal Teixeira para intermediar as negociações com o governo. No depoimento à CPI da Propina, em 8 de maio de 2001 - que durou mais de 11 horas -, Nilton denunciou o esquema de cobrança de propina no Pa-lácio Anchieta e na Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa).

Segundo o lobista, o "pedágio" para negociações de transferência de crédito de ICMS entre empresas “era de 10% no Palácio Anchieta, e de 20% na Secretaria da Fazenda”. Ele entregou uma pasta com vasta docu-mentação e apresentou fitas gravadas sobre a denún-cia à CPI. (Ver documento anexado nº 2).

Sobre este personagem, Andréia Lopes acrescenta:

“Ele era um lobista, que fez boa parte das denúncias da fábrica de sopas e de pagamentos de pedágios e propinas. E era uma figura extravagante (...), vamos dizer assim. Depois ele se tornou conhecido em até outros episódios, como o dossiê Furnas, que surgiu

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depois do episódio do mensalão do governo LULA. (...) Ele não era uma pessoa envolvida diretamente com a política aqui do ES. Ele era de Minas Gerais. Mas ele era uma fonte, porque sempre esteve envol-vido nesses episódios. Como esteve envolvido no episodio da CPI, e na época ele denunciou o pedágio para operação de transferência de crédito do ICMS. No caso José Ignácio, ele foi uma figura importante”.

Na denúncia, foram citados nomes de empresários que atuavam no Estado, e que agentes públicos cobra-vam propinas pela autorização de operações de com-pensação com empresas que possuíam débitos tribu-tários com o Estado. Como por exemplo, a T.A.Oil, que foi uma das que pagou propina a intermediários em troca da concessão de regime tributário especial e transferência de crédito de ICMS.

A empresa T.A.Oil beneficiou-se do regime especial de tributação concedido pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa), em troca de favores aos projetos sociais da primeira dama, em especial a fábrica de sopas. Importante destacar ainda na denúncia, o cons-trangimento imposto aos proprietários da T.A.Oil pelo governador. Os representantes da T.A.Oil esti-veram em reunião com o governador em 29 de abril de 1999, para tratar do assunto referente a instituição da fábrica de sopa. Ficou combinado que em troca do Regime Especial de Tributação concedido pelo Esta-

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do, a empresa faria as “doações” do maquinário para a fábrica e desistiria do Mandado de Segurança junto ao Tribunal da Justiça local, que permitia a T.A.Oil o não recolhimento de ICMS sobre as operações inte-restaduais. (Ver documento anexado nº 3).

II. COMO FUNCIONAVA O ESQUEMA DA FÁBRICA DE SOPAS

De acordo com a denúncia do Ministério Público (MP) feita em 2001, desde o início do governo de Ig-nácio, foi montado um esquema de desvio de verbas por meio de uma fábrica de sopas. A Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social (SETAS), presidi-da por Maria Helena Ruy Ferreira, esposa de Ignácio, era responsável por vários projetos sociais, dentre eles se destaca o projeto da fábrica de sopa apresenta-do por Aníbal Teixeira e cuja construção seria viabili-zada pelo empresariado local. A função da SETAS se-ria exclusivamente o cadastro e distribuição de sopas.

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De acordo com a denúncia do MP, o idealizador do projeto da fábrica foi Aníbal Teixeira que também foi um dos instituidores da chamada FIS (Fundação de Integração Social) e que mantinha um liame íntimo com o governo do Estado, intermediando junto às empresas locais benefícios tributários.

Segundo relatório da CPI, o empresariado que atu-ava no Estado ora procurava, ora era procurado por agentes do governo a fim de negociar benefícios tri-butários, como a transferência de créditos de ICMS e a inclusão das empresas no "regime especial de tribu-tação". Agentes ligados ao governador concediam os benefícios às empresas mediante propina. Os advoga-dos Aníbal Teixeira, João Batista Cerutti e Wilson Vi-lhagra atuavam como intermediários desse processo na época. Em nome da então primeira-dama e secre-tária de Ação Social, Maria Helena Ruy Ferreira, eles negociavam o "acordo". Para encobrir o esquema, as propinas eram revestidas como "doações" para a Fundação de Integração Social - criada, em tese, para manter a fábrica de sopas funcionando.

A FIS - Fundação de Integração Social, era uma insti-tuição de direito privado, foi constituída em setembro de 1999, com a finalidade de promover a assistência social e educacional, a pesquisa cientifica e o fomento a instituição e planos de natureza econômico social entre outros. Era ligada diretamente à Secretaria de

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Estado de Trabalho e Ação Social. A principal fonte de arrecadação da entidade seria o Fundo de Desen-volvimento das Atividades Portuárias (Fundap).Para fazer escoar recursos do Fundap que eram re-passados em favor da FIS, saiu do papel o Programa de Alimentação Popular. A entidade era responsável pelo repasse de recursos à Associação Capixaba de Desenvolvimento Social (ACADS), que, por sua vez, teria a função de manter a fábrica de sopa. Abaixo, cópias de alguns recibos do repasse financeiro entre a FIS e a ACADS.

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Com sede em Vitória, a ACADS movimentava uma conta corrente aberta no município de Iconha. Esta associação foi criada, conforme seu Estatuto, como “entidade filantrópica, civil e sem fins lucrativos, cuja finalidade seria desenvolver atividades filantrópicas, em especial a aquisição e/ou elaboração de produtos alimentícios a serem distribuídos à população caren-

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te”.

Segundo depoimento de Wilson Vilhagra à CPI, a primeira dama criou esta entidade civil chamada ACADS, escolhendo sócios fundadores subordinados seus: Lea Maria Marconi Macedo (parente de Rodri-go Stefenoni, assessor direto do governador); Bruno João Dardengo e Maria do Carmo Bruneli Dardengo (sogro e sogra de Fernando Paterlini - coordenador da campanha e pessoa de confiança do governador).

Conforme a denúncia, todo o dinheiro depositado era desviado ilicitamente para contas pessoais do ex-co-ordenador de campanha de Ignácio, Raimundo Bene-dito de Souza Filho, conhecido como Bené e de Maria Helena, e indiretamente o dinheiro beneficiaria outras pessoas, especialmente José Ignácio.

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III. E SOPA QUE É BOM... NADA!

Inaugurada em dezembro de 1999, a pretexto de dis-tribuir latas de sopa para a população de baixa renda, a fábrica nunca chegou a funcionar, servindo como fachada. Apesar de ter saído do papel, ela não durou nem dois anos e em maio de 2001 foi desativada, as-sim que as primeiras denúncias sobre o desvio de ver-ba explodiram na mídia local.

Nesse ínterim, Bené, que era presidente da ACADS e foi colaborador na campanha de José Ignácio a gover-nador em 1998, foi intermediário em outro processo fraudulento. José Ignácio foi acusado de desvio de verba por meio da Cooperativa de Crédito Mútuo dos servidores da Escola Técnica (Coopetefes) e da conta de Bené teria saído altas somas para pagar gastos de campanha e da família do governador, como imóveis, carros e gastos pessoais. Para evitar a falência, o go-verno teria tirado recursos de bancos oficiais para co-brir o rombo feito na cooperativa.

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A denúncia cita irregularidades na liberação de cré-ditos de ICMS e a concessão de benefícios em favor da empresa T. A.Oil, que teria doado R$ 450 mil à fábrica de sopas. Segundo a denúncia, os acusados se organizaram de forma pré-ordenada e estável, desde o início do governo, para possibilitar o bom andamento do esquema fraudulento.

A empresa T.A.Oil se beneficiou do regime especial de tributação, bem como da cessação de cobrança de multas oriundas de Autos de infração, a partir da ingerência direta do advogado João Batista Cerutti junto ao governo do Estado e a Secretaria da Fazen-da. Vale ressaltar que a empresa ainda enviou para a primeira dama, Maria Helena Ruy Ferreira um valor de 50 Mil Reais, tendo ainda o fiscal Wilson Vilhagra recebido uma quantia de 30 Mil Reais, ao que se sabe sem qualquer destinação à fábrica de sopa.

Sobre a fábrica de sopas Andréia Lopes afirma:

“A gente sabia do projeto social, e na época cobrimos o projeto, mas na época a gente não sabia do desvio em si. Se alguém disse que foi a cereja do bolo das denúncias do governador, foi verdade. Realmente por ser um projeto social, por envolver a primeira dama, por, em tese, dar comida a quem precisava, eu acho que juntou assim o desgaste do desgaste. Porque você

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mexer com um dinheiro que deveria vir de empre-sários, para fazer alimentação de famílias carentes e você usar num desvio. Foi algo que mexe com a ima-ginação e indignação das pessoas (...)”.

Ainda sobre o funcionamento da fábrica,“Ela (a fábrica) funcionava, ela chegou a funcionar. A gente tinha foto até, do José Ignácio com a Maria

José Inácio e Maria Helena na inauguração da fábrica de sopas, A Gazeta, foto: Carlos Alberto da Silva – 16/12/99.

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Helena na inauguração com um pote de sopa. Mas ela chegou a funcionar, o problema foi que o propósito dela foi desvirtuado”, relembra Lopes, em entrevista às autoras.

Jornal A Gazeta, 19/08/2007

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IV. ANÁLISE DA COBERTURA DO JORNAL A GAZETA SOBRE AS DENÚNCIAS DE CORRUP-ÇÃO NO GOVERNO JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA

O período turbulento por que passou a história po-lítica do Espírito Santo representou também o ama-durecimento do jornalismo investigativo capixaba, que trabalhou incessantemente para tornar público os escândalos que encobriam a vida política do governa-dor e de vários nomes de destaque dentro do cenário político do Estado. Os jornalistas de A Gazeta foram peças-chave nessa triste, mas, ao mesmo tempo, emo-cionante história de poder, política e corrupção.

Para o advogado aposentado e ex-presidente da OAB do ES, Agesandro da Costa Pereira, que participou ativamente como mobilizador da sociedade civil no governo José Ignácio, a imprensa teve um papel deci-sivo ao desnudar os esquemas de corrupção que vigo-ravam no governo José Ignácio. Ele ressalta:

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“O jornal que nos acompanhou mais de perto foi A Gazeta (...). Nós temos que falar para o povo. O jornal é quem leva a mensagem, então o jornal são os olhos e a voz da sociedade, a sociedade fala através dele. Então, eu acho que o papel de A Gazeta foi funda-mental.”

Max Mauro Filho, ex-prefeito de Vila Velha, e que, na época, era presidente do Fórum dos Partidos de opo-sição ao governo, foi um dos delatores no processo. Sobre a atuação da mídia ele diz:

“Eu acho que a mídia não ocultou a realidade do go-verno José Ignácio, acho que ela cumpriu um papel até de um jornalismo investigativo, também acho que não foi parcial não, acho que foi o momento que ela teve mais independente, digamos assim, em relação ao governo. Diferente do quadro que estamos viven-do hoje no ES, onde eles estão mais identificados com o governo.”

Andréia Lopes relata que “A Gazeta manteve um ní-vel de cobertura que foi muito importante (...). Foi importante para o ES, que a gente tenha feito esse tipo de cobertura. Porque omitir esses fatos, seria não mostrar o que estava acontecendo de errado naquele momento e não contribuir como jornalistas. De certa forma, a gente contribuiu para a virada de página do ES (...).”

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Perguntada sobre a apuração dos fatos, Andréia nos respondeu que, “A Gazeta bancou todas as matérias. Houve total liberdade para apurar, desde que a gente tivesse todos os documentos, provando por A + B o que a gente estava dizendo ou o que as pessoas di-ziam.”

Ela acrescenta ainda: “O Serginho (Egito) orientava muito a gente quando ele era editor, de que a gente se resguardasse de todas as maneiras, até pra não tomar processo. Mas em nenhum momento de segurar algu-ma matéria, mas levantar o maior número de informa-ções e documentos possíveis”. André Hees destaca em entrevista às autoras, que “(...) A gente realmente agiu com total liberdade. A Rede Gazeta foi o único veículo de comunicação que teve uma postura de independência, desde o início, de denunciar os escândalos de governo de José Ignácio, a fábrica de sopas foi um deles.”

Nesse período, houve um crescimento do jornalismo investigativo. Os jornalistas buscavam dados impor-tantes com as fontes, fotos e tudo aquilo que poderia servir para embasar suas declarações. Sempre aten-tos a todas as minúcias das palavras, embasando com documentos que pudessem legitimar as denúncias. Hees, ao afirmar sobre sua atuação como repórter de

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política e colunista do Praça Oito, afirma:

“Foi um trabalho jornalístico muito bem feito. Teve investigação, teve fonte na classe política, fonte na polícia, no Ministério Público Estadual e Federal, empresários, gente de dentro do governo que cruza-vam informação. Gente que tinha informação bancá-ria. Até sigilo bancário a gente conseguiu, mostrando as transações.” Ele continua, “então, eu acho que foi um trabalho de investigação, de apuração muito cri-teriosa, muito desgastante e cansativa, pela a intensi-dade do trabalho, pelo volume de horas.”

“A gente trabalhava 10, 12, 13 horas. Muitas vezes, a gente saía daqui, mas continuava trabalhando, dormia pouco. Trabalhávamos sábado e domingo para con-cluir a apuração, mas foi muito gratificante porque a gente tinha consciência que estava fazendo um traba-lho consistente, um papel importante para a política capixaba.”

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V. JORNALISTA: PROFISSÃO PERIGO

Após os escândalos deflagrados, José Ignácio se apro-priou de um discurso que atribuía a destruição de sua imagem a um complô liderado pela mídia, em espe-cial pela Rede Gazeta. O ex-governador se colocava como vítima de todas as injustiças de que ele estava sendo acusado. Isso ficou bem explícito no episódio ocorrido no programa televisivo Bom Dia ES, quando ele praticamente invadiu o estúdio da TV Gazeta e alterou, em cima da hora, quem seria o entrevistado.

No programa, ele se escusava em responder os ques-tionamentos dos apresentadores e, em contrapartida, fez afirmações contundentes sobre perseguição da Rede Gazeta a sua família e fez acusações pessoais contra a família de Theodorico Ferraço.

Os entrevistados André Hees e Andréia Lopes afirma-ram que no auge das denúncias sofreram todo tipo de pressão. Ele afirma:

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“É claro que a gente se envolveu emocionalmente com aquilo, porque era um volume enorme de denún-cias. A gente sofreu ameaças, sofremos retaliações do governo. A gente chegou a trabalhar com segurança particular que foi contratado para dar proteção em volta do prédio. Houve ameaça de bomba, teve par-ticipação da Polícia Federal porque a gente recebeu telefonema dizendo que iam explodir o parque grá-fico. Vários jornalistas receberam ameaças por carta anônima, telegrama, telefonemas anônimos. A gente foi orientado a não fazer o mesmo percurso de casa para o trabalho. Então, nós sofremos muita ameaça velada.”

A jornalista Andréia Lopes relembra que quando co-bria, na época o caso, ficou responsável pela Assem-bléia Legislativa, e ela diz que estava no momento da em que a CPI da Propina foi instalada na Assem-bléia. “Eu participava daquelas coberturas em depoi-mentos até de madrugada. Depoimentos, inclusive, da Primeira-Dama, na residência oficial do governador do Estado. Momentos que foram até de muita tensão, porque a sessão era fechada e a gente bateu o pé que-rendo entrar. (...)Então, foi um momento de muito trabalho e tudo mui-to novo pra gente. Foi um dos maiores escândalos po-líticos do Estado. E foi, pelo menos pra mim e para alguns jornalistas, a primeira grande cobertura, envol-

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vendo denúncias relativas ao governador do Estado. Porque você há de convir, que é a autoridade máxi-ma, o chefe do poder executivo. Então, era um nível de estresse e de tensão e de responsabilidade muito maior, e também participei (...). Hoje em dia, olhando pra trás, poxa! Foi um momento muito marcante (...). E que hoje olhando pra trás, você pensa: participei daquele momento!

“(...) É lógico que gera um nível de tensão maior. Como gera um nível de tensão hoje fazer as matérias do Poder Judiciário (...). E é natural que gere, mas em nenhum momento deixamos de dar e bem dado, com manchetes apurando mais e mais informações. Cercando as informações de documentos de todos os lados. Eu faço essa comparação com o Tribunal hoje, porque o novo hoje é o Tribunal. Mas naquela época, o novo era falar do governador denunciado, da mu-lher dele também denunciada, do cunhado dele, que era o homem forte do governo, também denunciado. Falar disso hoje pode parecer uma coisa comum, por-que o José Ignácio já está enfraquecido politicamente, mas não era (...). Você, sentir o peso de uma respon-sabilidade de uma cobertura diferente, uma cobertura importante, mas em nenhum momento, de que não tivesse que dar aquela informação. Pelo contrário, va-mos dar com o maior nível de responsabilidade pos-sível (...)”.

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VI. MÍDIA E MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Enquanto a CPI investigava os casos, a imprensa de-nunciava e a opinião pública protestava. Essa ação conjunta formou a base necessária para gerar uma transformação no perfil do Estado que já era conheci-do no Brasil por seu crime organizado e por escânda-los de corrupção.

Sobre mobilização da sociedade, Dr. Agesandro da Costa Pereira destaca a importância que teve a Ordem dos Advogados do Brasil nesse momento do ES.

“As mudanças históricas são lentas. Na época do Governo José Ignácio, o Espírito Santo estava mer-gulhado em uma situação insustentável. Havia um verdadeiro desgoverno, os cofres públicos estavam sendo assaltados, os direitos fundamentais das pesso-

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as estavam sendo violados. Por isso, a Comissão de Direitos Humanos do Ministério da Justiça aprovou a intervenção federal no Estado, pedida pela OAB.”“O que mudou agora é que se estabeleceu uma certa lisura na ação política governamental. O Movimen-to Reage Espírito Santo combateu esse estado todo de incertezas e projetou a força da sociedade capixa-ba contra a impunidade e a falta de ética na política. Formou-se um movimento que obteve uma grande vitória que, de certa forma, afastou a bandidagem da política. Mas aquela bandidagem que foi afastada está aí presente e, às vezes, atuando na vida pública e eco-nômica. Hoje temos um Estado com novo perfil.”

No entanto, outro escândalo piorou a crise na gestão de José Ignácio. As denúncias envolvendo o empre-sário Edgard dos Anjos, acusado de envolvimento num esquema de superfaturamento de obras. Edgard teve seu sigilo bancário quebrado, revelando que, em

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1998, ele havia contribuído com R$ 800 mil para a campanha de José Ignácio, apesar de o governador ter alegado que devolveu a doação (MOREIRA, 2007, p. 164).A Intersindical, resultado da união de vários sindica-tos, pediu o impeachment do governador e ressaltou o descontentamento dos trabalhadores públicos com a

Jornal A Gazeta, 13/09/2001

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gestão. O pedido de impeachment foi elaborado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Fó-rum do Espírito Santo, mas a solicitação foi arquivada pela Assembléia Legislativa, então presidida por José Carlos Gratz. Neste momento houve cooperação entre várias enti-dades da sociedade, Igrejas, sindicatos, estudantes, partidos políticos, CUT e OAB. Sobre os sindicatos, Andréia Lopes relembra:

Cut se manifesta pelo impeachment do governador

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“Na época, os sindicatos tinham mais mobilização. Até por conta do contexto do Estado ter salário atrasa-do, então mais demandas junto aos servidores públi-cos, (...), os sindicatos faziam muito barulho. Os sin-dicatos, principalmente, tiveram um papel importante nos protestos em frente à Assembléia. Eles criaram os personagens da crise, Propinácio e a Sopa Helena, tinha um funk, tinha uma musiquinha. Na época eu acho assim, os sindicatos tinham uma força maior e o contexto era outro, tinha uma demanda do servidor público maior.”

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Manifesto nas escadarias da Assembléia Legislativa, após o arquivamento do impeachment

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando tivemos a idéia de fazer um livro-reportagem que abordasse o governo José Ignácio Ferreira, tínha-mos como principal meta conseguir uma entrevista com o ex-governador. Nosso trabalho contou com muita pesquisa e com a contribuição de pessoas, que de alguma forma, eram relacionadas a José Ignácio.

No entanto, sabíamos que para fazermos uma cober-tura fiel e, conseqüentemente, um jornalismo respon-sável, tínhamos que apurar os dois lados da questão e, sobretudo, dar voz ao principal envolvido no caso, José Ignácio.

Tentamos de várias formas chegar até ele, através de advogados, conhecidos e até de seu cunhado Gentil Ruy, mas José Ignácio se recusou em conversar co-

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nosco. Por fim, pensamos então em conseguir uma entrevista com ele por meio de e-mail, não seria o ideal, porém, era melhor do que nada. Quem interme-diou nesse processo foi Gentil Ruy, mas ainda assim, ele se recusou em responder as perguntas.

Durante todas as etapas de produção do trabalho, tentamos contato com José Ignácio, mas em todas as tentativas não tivemos sucesso. Numa ocasião esta-va viajando, noutra estava em reunião e, por fim, seu cunhado Gentil Ruy afirmou que o ex-governador es-tava irredutível.

Segundo Gentil Ruy, os fatos estavam muito recentes, a relação de José Ignácio com a imprensa ainda esta-va ruim, e também José Ignácio estava com a saúde debilitada. Gentil ainda nos relatou que o ex-gover-nador está com um projeto de escrever sua biografia ainda este ano.

Não desmerecendo a figura do ex-governador e nem toda sua trajetória política, chegamos à conclusão, durante as entrevistas e pesquisas para produção do trabalho, que do governo José Ignácio, tem-se muito a discutir em relação à impunidade política no Brasil. Pois a própria Lei já provou em 2009, quando houve o julgamento do caso, que as denúncias de corrupção envolvendo o governo eram verdadeiras. Pelo menos mais um caso no Brasil não acabou total-

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mente em “sopa” ou em “pizza”, como quiser o cardá-pio, assim como já presenciamos em outras ocasiões em nosso país. Mas a Justiça brasileira está longe ser um modelo a ser seguido. Haja vista, a condenação que saiu em maio de 2009.

Ignácio foi condenado por formação de quadrilha, apropriação indébita e lavagem de dinheiro, mas está recorrendo em liberdade. Ele foi sentenciado a quatro anos de prisão em regime fechado e ao pagamento de multa. Por causa da demora no julgamento do proces-so, porém, ele pode acabar sendo absolvido nas ins-tâncias superiores. Por lei, quando o réu tem mais de 70 anos na data da sentença, os prazos de prescrição são reduzidos. Ignácio completou 70 anos ano passa-do, e pode se beneficiar por meio desta brecha na Lei.

Na mesma ação movida contra o ex-governador, tam-bém foram condenados a mulher dele, Maria Helena Ruy Ferreira, funcionária de carreira do Senado, o ex-ministro Aníbal Teixeira, Raimundo Benedito de Souza Filho, o Bené, Wilson Vilhagra e João Batista Cerutti.

Bené recebeu condenação de multa e quatro anos em regime fechado. Já os advogados João Batista Cerutti e Aníbal Teixeira, que atuaram como intermediários entre os benefícios tributários concedidos a empresá-rios em troca de propina, receberam quatro anos e seis

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meses em regime semi-aberto e cinco anos de reclu-são.

Ao finalizar esse livro, gostaríamos que as pessoas ao lerem nosso trabalho, trouxessem de volta em sua me-mória não só a reflexão política contida aqui, mas que busquem refletir sobre todos os políticos que já esti-veram envolvidos em escândalos de corrupção, e que estão impunes ou, até mesmo, atuando politicamente em algum espaço que deveria ser ocupado por pessoas de bem.

Nosso país precisa de pessoas engajadas verdadeira-mente com a sociedade civil, trabalhando em prol de causas que beneficiem a sociedade como um todo, e não somente alguns. Mas, para que isso ocorra, faz-se necessário que cada um de nós se conscientize sobre nosso papel numa democracia, para assim, atuarmos como vigilantes dos direitos sociais, e não apenas como vigilante do nosso próprio direito.

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ENTREVISTAS

Andréia Lopes - editora de Política do Jornal A Ga-zeta. Em 20/04/10.

No último ano de Governo José Ignácio (2001 e 2002), qual era sua função dentro do jornal A Ga-zeta?

Eu era repórter de política do Jornal.

Qual foi sua participação nas denúncias feitas pelo Jornal A Gazeta?

Eu era uma repórter relativamente nova no Jornal. Entrei para equipe em 98, então eu tinha três anos de experiência, mas era relativamente nova. Até porque a equipe era muito experiente na época, tinham jor-

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nalistas muito experientes. Mas eu acompanhei ati-vamente os escândalos até porque foi um escândalo muito grande, e que cada um ficava com uma área de cobertura.Eu cobria, na época, a Assembléia Legislativa, en-tão, eu acompanhei desde a CPI que foi instalada na Assembléia Legislativa - que foi a CPI da propina, então eu participava daquelas coberturas em depoi-mentos até de madrugada. Depoimentos, inclusive, da Primeira-Dama, na residência oficial do gover-nador do Estado. Momentos que foram até de muita tensão, porque a sessão era fechada e a gente bateu o pé querendo entrar. Então ficamos até de madrugada na residência oficial, primeiro do lado de fora, depois conseguimos entrar. Até de madrugada acompanhando depoimentos na Assembléia. Depois, no dia seguinte de novo, en-tão foi um momento de muito trabalho e tudo muito novo pra gente. Porque foi a primeira vez desde mui-to tempo. Foi um dos maiores escândalos políticos do Estado. E foi, pelo menos pra mim e para alguns jornalistas, a primeira grande cobertura, envolvendo denúncias relativas ao governador do Estado. Porque você há de convir, que é a autoridade máxi-ma, o chefe do poder executivo. Então, era um nível de estresse e de tensão e de responsabilidade muito maior, e também participei. De uma coisa que eu lem-brei agora, e que eu acho interessante. De quando o deputado Theodorico Ferraço apresentou formalmen-

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te a denúncia ao Ministério Público Federal e Minis-tério Público Estadual, quem foi acompanhá-lo fui eu. Então, eu fui no momento do protocolo. Ele foi pri-meiro no Fábio Rusk (edifício), que é o Ministério Público Estadual. Depois ele foi a pé até o Ministério Público Federal, que fica em frente à FAFI. Ele foi andando, com aquele monte de papel de baixo do bra-ço, então a gente já sabia que aquilo era nitroglicerina pura a partir do momento que ele formalizou aquilo. É hoje em dia olhando pra trás poxa! Foi um momen-to muito marcante. Que foi o momento que portaram as denúncias, formalizaram as denúncias. E teve um fato curioso até, porque no meio do caminho andando do Fabio Rusk até o MPF alguém pediu dinheiro. O Ferraço, no meio da rua, tirou do bolso uma grana, não me lembro quanto dinheiro, mas era uma grana. Tirou do bolso, para dar a uma pessoa desconhecida no meio da rua. Então, tinha a gravidade da denúncia em si. E que hoje olhando pra trás, você pensa participei daquele momento. E ainda tinha essas coisas periféricas, do gesto em si de um político que estava com um pacote de denúncias, que para no meio da rua e dá uma grana para um cidadão comum. Mistura um pouco de po-pulismo.Então, eu participei da Assembléia, da CPI, e partici-pei desse momento inicial da apresentação da denún-cia em si. Que veio de um movimento que já devem ter falado para vocês, dos prefeitos, da galinha ao mo-

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lho pardo. Então não preciso falar não?

Andréia afirma: O Ferraço também já tinha reunido um grupo de prefeitos no sul do Estado, que estavam insatisfeitos com o governador. Que foi ai que que-brou o monopólio político do José Ignácio. Foi num almoço em Alfredo Chaves, onde aconteceu aquele franco ao molho pardo. Daí ele foi desafiado a provar que aquilo que ele falava era verdade ou não. Porque ele insinuou lá que as empresas pagavam pedágio, apresentou e formalizou essa denúncia.Foi ai que Ferraço trouxe um personagem, através dessa denúncia que foi muito marcante também nessa historia da CPI e as investigações do José Ignácio. Foi o Nilton Monteiro, não sei se as pessoas já fala-ram pra vocês também. Que era um lobista, que fez boa parte das denúncias da Fábrica de Sopas, e de pagamentos de pedágios e propinas. E era uma figura extravagante, não sei qual é a palavra. Deixa eu pen-sar, uma figura extravagante vamos dizer assim. De-pois ele se tornou conhecido em até outros episódios, como dossiê Furnas, que surgiu depois do episódio do mensalão do governo Lula.

Você poderia considerá-lo uma fonte política?

Ele não era uma pessoa envolvida diretamente com a política aqui do ES. Ele era de Minas se eu não me en-gano, ele não é capixaba. Mas ele era uma fonte, por-

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que sempre esteve envolvido nesses episódios. Como esteve envolvido no episodio da CPI, e na época ele denunciou o pedágio para operação de transferência de credito do ICMS. No caso José Ignácio, ele foi uma figura importante.

Em relação a fábrica de sopas, quando se forma-lizou a denúncia, a imprensa já tinha informação sobre isso, sobre o projeto social?

A gente sabia do projeto social, e na época cobrimos o projeto, mas na época a gente não sabia do desvio em si. Se alguém disse que foi a cereja do bolo das denúncias do governador foi verdade. Realmente por ser um projeto social, por envolver a primeira dama, por em tese, dar comida a quem precisava, eu acho que juntou assim o desgaste do desgaste.Porque você mexer com um dinheiro que deveria vir de empresários, para fazer tipo alimentação de famí-lias carentes e você usar num desvio. Foi algo que mexe com a imaginação e indignação das pessoas. Logo depois que ele foi eleito veio a história de fi-nanciamento de campanha. Que foi aquela coisa do empréstimo no Banestes, que gerou aquele estresse e que já desgastou politicamente o governador.Então ali foi o primeiro tiro que a imagem do gover-nador sofreu, mas ele sobreviveu politicamente aqui-lo ali. Quando vieram as denúncias lá das cobranças de propinas diversas, e que são vários episódios. Tem

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o episódio da transferência de crédito de ICMS, que envolveria o suposto pagamente de propina, e tinha esse episódio de desvio da fábrica de sopas de dinhei-ro que vinha de empresas, captavam esse dinheiro junto com empresas Fundapianas, e que deveriam re-passar para a fábrica de sopas. Mas esse dinheiro não chegava lá.

Alguma vez vocês chegaram a ir até a fábrica para ver se efetivamente funcionava?

Assim, ela funcionava, ela chegou a funcionar. A gen-te tinha foto até, do José Ignácio com a Maria Helena na inauguração com um pote de sopa. Mas ela chegou a funcionar, o problema foi que depois ela se desvir-tuou, o propósito dela foi desvirtuado. Segundo foi investigado, quero deixar bem claro isso, segundo o documentado, eu não posso condenar nem acusar nin-guém. Os processos estão todos em andamento ainda, quero me resguardar de tudo com que eu falo. Como você avalia a cobertura feita pelo jornal A Ga-zeta sobre o escândalo da fábrica de sopas. Houve parcialidade? Houve total liberdade de imprensa?

Eu acho que o Jornal A Gazeta cumpriu um papel social muito importante. Porque como eu disse pra vocês, foi um momento novo para gente, porque en-volveu o chefe do executivo, e A Gazeta bancou todas

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as matérias. Houve total liberdade para apurar, desde que a gente tivesse todos os documentos, provando por A + B o que a gente estava dizendo ou que as pessoas diziam. E o Serginho (Egipto) orientava mui-to a gente quando ele era editor, de que a gente se resguardasse de todas as maneiras, até pra não tomar processo. Mas nenhum momento de segurar alguma matéria, mas de levantar o maior número de informa-ções e documentos possíveis. Acho que esse trabalho de A Gazeta de não ter se intimidado, apesar de havido manifestações públicas do governador de que o jornal estava contra ele. Ele foi no Bom Dia ES e surtou, se descontrolou num de-terminado momento no auge do escândalo. A Gazeta manteve, teve um nível de cobertura que eu acho que foi muito importante. Não só para nós que trabalha-mos aqui como jornalistas, mas acho que olhando hoje por esse lado do ES, foi importante de certa for-ma.Foi importante para o ES, que a gente tenha feito esse tipo de cobertura. Porque omitir esses fatos, seria não mostrar o que estava acontecendo de errado naquele momento e não contribuir como jornalistas. De certa forma, a gente contribuiu para a virada de página do ES. Porque seria se acomodar e dizer: “ele é gover-nador, não vamos mexer com isso não, ele é governa-dor, porque o que pode acontecer?”.A gente teve um trabalho muito corajoso, assim de bancar essas informações, dosando, lógico sem acusar

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ninguém, mais de forma contundente, acompanhando não só a CPI, mas todas as denúncias que surgiram, como foram vários problemas eu não destacaria tanto a fábrica de sopas, eu não me recordo só da fábrica. Eu me recordo mais do episódio em si, do evento em si como um todo.

Alguma vez se sentiu coibida ou pressionada a não informar a opinião pública sobre os fatos?

Não. É lógico, como eu disse pra você, gera um nível de tensão maior. Como gera um nível de tensão hoje fazer as matérias do Poder Judiciário, vou dizer que não gera. Tinha um presidente do Tribunal de Justi-ça preso, e com o filho, a nora, e venda de sentença. É novo, nunca participamos de uma cobertura como essa. Gera tensão? Gera! E é natural que gere, mas em nenhum momento dei-xamos de dar e bem dado, com manchetes apurando mais e mais informações. Cercando as informações e documentos de todos os lados. Eu faço essa com-paração com o Tribunal hoje, porque o novo hoje é o Tribunal. Mas naquela época, o novo era falar do governador denunciado, da mulher dele também de-nunciada, do cunhado dele que era o homem forte do governo, também denunciado. Falar disso hoje, pode parecer a uma coisa comum, porque o José Ignácio já está enfraquecido politica-mente, mas não era. E depois, vieram outros escânda-

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los de peso, contra o presidente da Assembléia, con-tra o Tribunal de Contas, contra o Tribunal de Justiça agora mais recentemente. Você, sentir o peso de uma responsabilidade de uma cobertura diferente, uma co-bertura importante, mas em nenhum momento, de que não tivesse que dar aquela informação. Pelo contrá-rio, vamos dar com o maior nível de responsabilidade possível, mas dando muito bem dada e de uma forma ampla. Porque A Gazeta deu de forma muito ampla, ser for fazer uma pesquisa nas páginas do jornal, o jornal fez uma cobertura que eu acho que foi exemplar. Se fizer uma comparação com outros veículos, você vai ver que durante parte da crise do governo José Ignácio, teve veículos que ignorou a crise. E só entrou, quan-do a coisa cresceu de forma que não dava mais para esconder no noticiário, isso na época ficou muito evi-dente.

Como você avalia a participação popular no mo-mento de crise do governo?

Olha, engraçado, porque na época os sindicatos ti-nham mais mobilização. Até por conta do contexto do Estado ter salário atrasado, então mais demandas jun-to aos servidores públicos, então os servidores eram muito bem representados pelos sindicatos, os sindica-tos faziam muito barulho. Os sindicatos, principalmente, tiveram um papel im-

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portante nos protestos em frente à Assembléia. Eles criaram, não sei se alguém já falou isso pra vocês, os personagens da crise, Propinácio e a Sopa Helena, tinha um funk, tinha uma musiquinha. Na época eu acho assim, os sindicatos tinham uma força maior e o contexto era outro, tinha uma demanda de servidor público maior. E hoje, muitos sindicatos têm até seus representantes fazendo parte do governo. Ex-presidente de sindicato, hoje fazendo parte do atual governo. Então na época, o sindicato dos policiais teve uma participação im-portante. Agora eu acho que provocou uma indigna-ção muito grande nas pessoas, por causa do tamanho da crise. Mas não foi uma coisa assim de ir pra rua né, porque a nossa geração acho que não é uma geração de ir para rua. Mas os sindicatos conseguiram levar algum movi-mento pra frente da Assembléia, pra frente do palá-cio, o enterro do governador. Havia uma desmorali-zação política do governador nas ruas, através desses movimentos.

Qual foi a participação do Jornal A Gazeta nessa mobilização da opinião pública?

Tem também o caso de caça aos corruptos, que eles lavavam que surgiram coincidentemente nessa época também. Mas o movimento de caças aos corruptos eles se vestiam desse pessoal de exterminador de fan-

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tasmas e começaram com esse negócio de limpeza nas escadarias da Assembléia, escadarias do governo. E ai eu acho assim, se A Gazeta teve algum papel, foi em noticiar, em mostrar e talvez provocar indignação nas pessoas, de que aquilo estava acontecendo e de que precisava de alguma manifestação do sindicato ou de alguma manifestação popular. E ai as formas de manifestação, acho que são essas dos protestos sin-dicalistas e desse negócio de comando de caça aos corruptos. Esse comando em especial, depois a gente fez uma matéria especial para saber quem eram essas pessoas que iam lá, e se dispunham em ir para porta da As-sembléia a varrer e jogar corrupticida. Fomos tam-bém atrás das pessoas, (essa matéria foi até eu que fiz) que confeccionavam as máscaras José Ignácio e Maria Helena. Porque viraram personagens, o escân-dalo foi de certa forma pra rua, uma coisa que a gente não vê hoje, é um outro nível. Nem sei se hoje haveria esse tipo de protestos na rua, porque já faz quase 10 anos. As formas de protestos de hoje são diferentes, as pessoas protestam por email, no twitter, é diferen-te.

Como cidadã comum, como se sentiu após as de-núncias?

Não sei como as outras pessoas têm respondido, mas eu sempre acho difícil, se eu estou dando uma entre-

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vista como jornalista dar uma entrevista como cidadã. Porque eu tento ser jornalista o tempo inteiro e me indignar, e a forma de eu me indignar é como jorna-lista, é o que eu escrevo nos meus textos. É o que eu tento anotar nas minhas apurações e tento provocar nas minhas entrevistas.Então eu vou opinar como jornalista, foi um momen-to de muito aprendizado, mas de certa forma também de muita indignação com o que acontecia. E a forma de expressar essa indignação, acho que foi produzin-do esse material todo que A Gazeta fez. Uma cober-tura tão extensa e tão completa era uma indignação, mas ao mesmo tempo era uma vontade de mostrar isso tudo. Eu acho que você mostrando o que está acontecendo, é uma forma de contribuir pra que aquilo não aconte-ça mais. Para que haja mudanças, para que haja uma evolução política no Estado. Então, ao mesmo tempo em que provocava indignação, provocava certa sen-sação de que, com o trabalho que a gente estava fa-zendo, podia trazer algum tipo de mudança. E eu não estou falando de uma mudança de liderança política, para favorecer uma liderança política ou ou-tra. É uma mudança de conceito mesmo, do que acon-tecia mesmo no Estado. Então é mais essas coisas de que era difícil, mais ao mesmo tempo era necessário que aquilo acontecesse. Pra que as pessoas abrissem os olhos, de que a gente não podia mais conviver com esse tipo de governo, que acontecia segundo o que

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mostraram as coisas daquele nível, debaixo do pano. Eu lembro que tinha financiamento de campanha, então era um momento de muita tensão e de muita indignação. Mas que bom que veio a tona, e que bom que a gente pôde mostrar com imparcialidade e com independência. Para que de alguma forma, a gente tenha contribuído pra que as coisas tenham mudado politicamente no ES.

Sérgio Ricardo de O. Egito, Diretor de produção do Diário Oficial do ES. Em 27/04/10.

No período do escândalo da fábrica de sopas, qual cargo o senhor exercia?

Era editor de política do jornal A Gazeta.

Como o senhor avalia a cobertura do jornal A Ga-zeta sobre os escândalos do governo José Ignácio?

As matérias foram investigativas, nós levamos qua-se dois meses investigando. Na verdade a fábrica de sopas é uma coisa, os escândalos são outra. Tudo co-

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meçou com um extrato bancário, se eu não me enga-no eram 2 milhões e meio no Banestes, em nome do governador. Ele fez um empréstimo, ai umas firmas de São Paulo fizeram empréstimo também e pagaram para ele. Mas como extrato bancário é uma prova, en-tão nós tivemos que esquentar aquilo ali né. Então, como nós fizemos um pacto com o Ministério Público e eles passariam para nós em primeira mão. Os es-cândalos foram todos paralelos, concomitantemente, paralelamente, explodiu a cooperativa dos funcioná-rios das escolas técnicas, coopetefes. O José Inácio fez isso através do Bené. O Bené sacou o dinheiro lá e faliu a cooperativa. Os caras perderam dinheiro de uma vida inteira. Compraram apartamentos para José Inácio, até abadá para os filhos do José Inácio o Bené comprou.

Como vocês conseguiram essas informações?

Aí ficou fácil. Porque os caras que perderam dinhei-ro na cooperativa denunciaram, ai eles correram atrás dos papéis (provas). Então, nós mostramos os fatos, com as provas que entregaram para nós havia docu-mentos, bilhetes, livro caixa.

Tudo começou então por causa do extrato bancá-rio?

Tudo por causa do extrato bancário. Quando o José

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Inácio entrou no governo ele era uma pessoa da mais absoluta credibilidade. Todo mundo tinha ele como um cara correto, respeitado, ai subiu no poder, deu com os pés pelas mãos. Botou o cunhado no secre-tariado, a mulher também, ai vem a fábrica de sopa. Eles montaram a fábrica de sopas com o dinheiro de T.A.Oil, uma distribuidora de combustível. Em com-pensação eles fariam uma lei para beneficiar essa T.A.Oil para não recolher imposto. Então, entra ou-tro aspecto de atuação, ai é a Assembléia que entrou. Confirmamos a aprovação da denúncia, denunciamos a T.A.Oil, o José Inácio, a fábrica de sopas, foi ai que surgiu tudo. Ele fazia leis para beneficiar as pessoas, e as pessoas darem o dinheiro para ele.

Como que surgiu esse projeto da fábrica, ele chegou a funcionar?

Na verdade, a fábrica tinha latas, tinha tudo, bonito por sinal!

E como vocês chegaram até esse caso? Qual foi a primeira indicação que vocês tiveram, houve denún-cia ou descobriram com investigação?

A primeira informação que descobrimos era que a fá-brica ficava lá em Viana. Aí nós fomos saber por que isso, porque a empresa era lá em Viana, não tinha ex-plicação. Então corremos atrás, os inimigos dele dan-

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do munição. Mas nós demos a notícia, depois dela to-talmente apurada. Nós até ganhamos um prêmio com a matéria, se eu não me engano foi até minha mulher. Não pela fábrica de sopas, mas pelo escândalo todo. Aliados dele também deram informações, secretários deles foram nossos informantes.

Por que os próprios aliados dele começaram a en-tregá-lo dessa forma?

Você nunca viu bandido não? Quando vê o outro ga-nhando mais que ele, denuncia.

Você acha que a imprensa foi crucial para mobili-zar a opinião pública para exigir algum tipo de mu-dança no governo?

A sociedade civil ficou indignada. Acho que foi, mas não foi proposital não. Foi por causa dele mesmo, saiu escorraçado, você nunca mais viu falar dele.

Como foi a movimentação dentro do jornal quando houve a descoberta, foram vocês que deram o furo?

O Jornal Folha de São Paulo deu uma notinha em uma coluna no dia anterior. Aí nós soltamos a cober-tura toda, estava tudo pronto já. Todo dia nós tínha-mos uma reunião com a diretoria, e diretoria falando: “quero mais provas, quero mais provas,” e nós cor-

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rendo atrás de provas. O material estava todo feito.

Então a Folha de São Paulo também estava ava-liando o caso?

Não com tanta informação. Quando saiu nossa ma-téria, saíram umas 6 ou 7 páginas, como se faz isso num só dia?

Como foi a organização dos jornalistas dentro de editoria para cobrir o caso?

As pessoas não dormiam. Meu time era bom, precisa-mos de muita gente depois para apurar.Após as denúncias, houve represália?Não. Ele já foi condenado.

No momento do escândalo, algum jornalista foi ameaçado?

Ele (José Ignácio) invadiu o estúdio da TV Gazeta, quando Abdo Chequer apresentava o programa Bom Dia ES. Pois o Abdo também sabia muita informação. Tem até a foto dele, aliás, uma foto belíssima, com a sobrancelha levantada e com os olhos esbugalhados.

O senhor ficou por trás dos bastidores?

Eu mexia os meus pauzinhos também. Um dos meus

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informantes estava dentro do governo. Tinha grava-ções e eu tinha tudo.

No caso do escândalo da fábrica de sopas, qual foi a participação da esposa dele, Maria Helena?

Ela e o irmão dela estavam por trás de tudo.

Qual foi a participação deles?

Os caras (empresários) bancavam o Projeto. Você sabe fazer sopa não sabe? Não precisa de tanto di-nheiro para fazer sopa. Se eu não me engano era coisa de 200 mil reais por mês.

O que mais lhe marcou após os escândalos?

Eu me decepcionei. Eu acompanhei toda vida pública dele, eu achava ele um santo. Depois eu vi que não era.

O senhor votou nele?

Votei.

Saiu no ano passado a condenação, o que o senhor tem a dizer?

Foi pouco perto do estrago que ele fez.

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André Hees - Diretor Executivo do Jornal A Gaze-ta. Em, 19/05/10.

No último ano de Governo José Ignácio (2001 e 2002), qual era sua função dentro do jornal A Ga-zeta?

Eu era colunista, escrevia o Praça 8.

Como o senhor avalia a cobertura feita pelo Jornal A Gazeta e como foi a atuação dos jornalistas na redação? Vocês sofreram algum tipo de retaliação?

Eu integrava a equipe de política e eu tinha muita informação sobre tudo o que estava acontecendo até porque estava numa posição que tinha muita fonte. Eu participava com colegas do planejamento e da cobertura, quem era o editor na época, no inicio do governo Jose Ignácio, o editor era o Sergio Egito, em 2001 o Sergio virou editor-chefe e o Eduardo Cali-

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mam virou o editor de política. Eu fui colunista du-rante o governo dele inteiro. Então, eu participava, mas, quem planejava e coordenava a cobertura era o Sérgio e o Calimam. Eu participava do processo tro-cando informação, porque eu tinha muita informação que publicava na coluna.A gente se sentiu coagido e pressionado sim pelo go-verno por fazer denuncia contra o governo. A gente re-almente agiu com total liberdade. Tivemos liberdade para trabalhar. A Rede Gazeta foi o único veiculo de comunicação que teve uma postura de independência, desde o inicio, de denunciar os escândalos de gover-no de José Ignácio, a fábrica de sopas foi um deles, houve vários, logo no primeiro ano de governo você teve o financiamento que ele obteve o empréstimo no Banestes, que foi considerado irregular pelo Banco Central, houve um processo depois. Depois ele pegou outros empréstimos para cobrir este empréstimo, en-tão ficou claro que ele utilizou o Banestes irregular-mente para financiamento de campanha. Depois teve irregularidade no programa de saneamento do gover-no José Ignácio, que começou se chamando Prodes-pol na época do Albuino, mudou para o Prodesan e agora se chama Águas Limpas, mas é um Programa que na época houve suspeitas de superfaturamento. Houve denuncias com relação ao superfaturamento na compra de carteira escolar. É..., houve a denun-cia da construção de ginásios escolares (que era do final do governo Vitor, mas que tinha ligação já com

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o financiamento de campanha do governo Ignácio). No inicio de 2001, teve uma carta aberta da empresa Xérox denunciando o que eles chamavam de inter-mediação onerosa para liberação de financiamento do Fundap, então foi uma sucessão de escândalos e a fa-brica de sopas era uma delas.

A fabrica de sopas foi montada para captar recursos de empresas, essas doações eram feitas pela Funda-ção de Integração Social que utilizava parte do finan-ciamento do Fundap para a fabrica de sopa, depois as empresas disseram na CPI da propina que foi criada na Assembléia, teve empresário que disse que paga-va propina por meio da fabrica de sopas como forma de obter financiamento ou credito de ICMS, enfim, a gente teve total liberdade para cobrir. É claro que a gente se envolveu emocionalmente com aquilo claro, porque era um volume enorme de denuncias, a gen-te sofreu ameaças, sofreu retaliações do governo, a gente chegou a trabalhar com segurança particular foi contratado para dar proteção em volta do prédio, hou-ve ameaça de bomba, teve participação da policia fe-deral porque a gente recebeu telefonema dizendo que iam explodir o parque gráfico, teve vários jornalistas que receberam ameaças por carta anônima, telegra-ma, telefonemas anônimos, a gente foi orientado a não fazer o mesmo percurso de casa para o trabalho.

Então gente sofreu muita pressão de pessoas que li-

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gadas ao governo, muita ameaça velada. E claro que não foi uma cobertura fria, neutra, isenta. Primeiro, a gente muita convicção de que tinha muita coisa erra-da no governo porque era muita gente denunciando em on e em off, empresários, políticos, os próprios aliados do José Ignácio romperam com ele e começa-ram a denunciar. Gente que era aliada lá trás, o vice--governador Celso Vasconcelos, o Jorge Anders, o PSDB, ele foi expulso do PSDB, ai foi para o PMDB e foi expulso do PMDB. Entao, era tanta corrupção que a gente se assustava com o volume de informa-ções. Foi uma época em que foi muito gratificante do ponto de vista do trabalho, eu acho que a gente fez um trabalho de muito boa qualidade jornalística (o Zé Ignácio é advogado e se tivesse alguma coisa errado a gente seria processado, eu sou formado em Direito também), então toda matéria que a gente dava tinha sustentação, tinha documentos, tinha provas, enfim, tinha elementos para publicar porque a gente tinha muito cuidado porque a gente sabia que estávamos fazendo denuncias graves contra o governo e sabía-mos que estávamos sujeitos a todo tipo de retaliação, inclusive processos judiciários.

Então, eu acho que foi um trabalho jornalístico que foi muito bem feito, teve investigação, tinha fonte da classe política, fonte na policia, no Ministério Públi-co Estadual e Federal, empresários, gente de dentro do governo que cruzavam informação que tinham in-

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formação bancária, até sigilo bancário a gente conse-guiu, extratos bancários a gente conseguiu mostran-do as transações, então eu acho que foi um trabalho de investigação, de apuração muito criterioso, muito desgastante e cansativo pela a intensidade do traba-lho, pelo volume de horas. A gente trabalhava 10, 12, 13 horas, muitas vezes, a gente saia daqui, mas continuava trabalhando, dor-mia pouco. Trabalhávamos no sábado e domingo para concluir a apuração, mas foi muito gratificante por-que a gente tinha consciência que estava fazendo um trabalho consistente, um papel importante para a política capixaba.

José Ignácio era presidente da OAB, era senador da Republica, era uma figura que chegou ao governo com um discurso de rompimento, eu cobri a posse do Zé Ignácio, eu era o repórter que entrevistava ele com freqüência, ele era minha fonte, tinha uma boa liga-ção com ele, eu cobri a campanha dele, eu entrevistei ele como candidato, eu estava lá no dia da posse, o discurso dele foi marcante. Se você pegar as Praças, as primeiras colunas que escrevi sobre o governo, eram colunas que refletiam esperança e otimismo com o governo dele. Era aquela idéia: agora tem quem mande e quem obedece, era um governo que prometia ruptura. Pouco a pouco eu fui vendo que não era ruptura que o governo queria, alem de haver uma certa continuidade acabou sendo

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pior do que o Governo Vitor. Então foi uma decepção muito grande porque no inicio as primeiras cobertu-ras eram positivas no sentido de que refletiam o cli-ma de austeridade, Ignácio começou cortando gastos, deu entrevista nas paginas amarelas da Veja na época como símbolo de um governante que faz ajuste fiscal. Ele pegou o Estado com três meses de salário atrasa-do, com divida com o fornecedor. Ele começou com uma clara iniciativa que parecia que ele ia acertar. Co-meçou com austeridade, cortando gastos, muito tra-balho, com principio da autoridade exercendo o car-go porque no governo Vitor, o governador era muito apático, ele tinha secretários que pareciam que tinham mais autoridade do que ele.

O Zé Ignácio retomou o controle dos presídios no Es-tado, o que é uma coisa muito importante também. Porque na época os presos passaram a controlar os presídios na época do PT, o Peri Cipriano, era o secre-tário de justiça, ele entregou a gestão dos presídios para os presos, se me permite é até uma ironia por-que hoje ele é subsecretário nacional do Ministério da Justiça, e setores do PT atacam a política prisional do Estado hoje, tudo bem, os presídios estão super lotados, mas quando o PT governou o estado quem controlava os presídios aqui era os presidiários, eles saiam de dia para assaltar banco e a noite voltavam para o presídio, era isso que acontecia e o noticiário mostrava isso. Justiça seja feita, ele fez um trabalho

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importante que foi na época retomar o controle dos presídios, e ele retomou isso. Era isso que acontecia e os noticiários mostravam isso. E o José Ignácio reto-mou o controle dos PMs. Eu me lembro que quando eu era âncora da CBN ele anunciou quase 05:00 horas da amanhã, reuniu a PM e falou vamos invadir, e ele avisou deu um jeito de avisar, ele falou olha, claro que ele não queria um Carandiru, mas nós vamos retomar os presídios que tiver alguma baixa, faz parte do nos-so trabalho, esse foi o discurso dele meio retórica, que se algum homem caia eu prometo amparar a família, e o comandante e chefe da policia Militar transmitin-do confiança para a tropa , mas a justiça seja feita ele fez um trabalho importante que foi retomar na época o controle dos presídios, e ele retomou, foram os pri-meiros 6 e 7 meses do governo José Ignácio. Ai logo no final do primeiro ano, em 1999 teve a história do empréstimo, ai em 2000 começou, enfim começaram essas outras denuncias, e 2001 estourou tudo, foi cria-da a CPI da Propina.

Como o senhor avalia a atuação da população? A imprensa foi importante nesse momento?

Eu acho que foi porque a população se informava por meio das matérias da A Gazeta, eu faço questão de frisar o seguinte: a imprensa não agiu de forma uniforme, o único veiculo no inicio que cobria isso com independência era o veiculo da rede Gazeta, o

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jornal A Gazeta a Rádio CBN e a Tv Gazeta, os outros veículos entraram na cobertura quando o leite estava derramado, quando não tinha jeito, quando tinha uma CPI da propina funcionando, o governo federal anali-sando o pedido de intervenção federal, ai teve muita participação da sociedade civil na época, a OAB, as Igrejas, ai foi criado o Fórum Reage ES, os partidos políticos se mobilizaram na época, o PT teve uma participação muito importante, teve algumas figuras muito importantes, vamos dar nomes, Dom Silvestre, Drº Agesandro, Irini Lopes, Claudio Vereza, Theo-dorico Ferraço, posso está cometendo injustiça, Max Mauro, Max Filho, todos esses que eu citei tiveram uma participação muito importante no processo de mobilização dessa cidade.

Então, trouxeram aqui o Ministro da Justiça Jose Car-los Dias, o Dr. Miguel Reali que chegou a pedir, a formular o pedido de intervenção federal mais aí um problema, porque a intervenção federal é rompimento do pacto federativo, é uma coisa muito grave, porque você interrompe, paralisa o funcionamento e o anda-mento do Congresso Federal. Havia os pré-requisitos para a intervenção federal. Tinha o Legislativo e o Executivo tomados por organizações criminosas, comprometimento da ordem publica, o Estado sitia-do, sitiado no sentido assim não se tinha governo e não se tinha legislativo. Se fosse pegar do ponto de vista constitucional-jurídico-legal, você tinha ele-

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mentos para pedir intervenção, tanto que o juiz na época protocolou esse pedido, e a OAB se posicio-nou pela intervenção e também fez o pedido de inter-venção federal. Então do ponto político sem duvida, mas a intervenção federal tem que ter pressupostos jurídicos também, então tinha pré-requisitos consti-tucionais, mas a decisão é sempre política, e era uma decisão muito complicada. Era o Fernando Henrique na época o presidente, significa no caso uma medida muito radical. Então se você me perguntar, devia ter havido? Eu não sei, acabou que o Estado encontrou o seu caminho e se resolveu. A gente não torceu que houvesse uma intervenção. Então foi uma coisa mui-to doída assim, às vezes eu lembro que o Gentil Rui deu na época uma resposta atravessada, era o cunhado do Jose Ignácio, irmão da Maria Helena, ele deu uma resposta atravessada para o Andre Junqueira que era repórter da TV Gazeta, insinuou que ele tinha muito prazer com que agente estava fazendo, eu não sentia prazer não, era uma coisa dolorida para gente fazer aquelas matérias, a gente não estava se divertindo muito não, era muito cansativo, muito desgastante no inicio, no inicio a gente ouvia muito desaforo para entrevistar os políticos, o próprio Jose Ignácio que deu uma entrevista ao vivo aqui na rádio me disse desaforos, no Bom Dia com Abdo também, tinha um monte de coisas absurdas. Ele disse: você esta sendo observado. Lá na radio CBN disse: cuidado que você esta sendo observado, o governador do Estado falan-

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do isso pra mim ao vivo na CBN, o que significa isso “você esta sendo observado”? Isso, pra mim, é uma ameaça ao vivo, estão me seguindo na rua, e eu efe-tivamente estava sendo seguido na rua, eu tive clara sensação mais de uma vez, eu me sentia observado mesmo, gente seguindo, carro seguindo.

Como cidadão comum, como se sentiu após a explo-são de escândalos contra o governo?

Olha, primeiro foi uma decepção, o governo José Ig-nácio pra mim foi uma decepção muito grande, pri-meiro, porque nunca tive tanta decepção, a gente não esperava que virasse o que virou. Para o ES eu acho que é muito importante ter superado essa crise, e eu acho que superou bem, foi um processo que contou com a participação de muita gente, esse governo é um governo que teve colaboradores muito importan-tes, como gestores como Guilherme Dias, Etheófilo, Ancelmo Tosse, Andrea Rocha, Rodney, o Rodney Miranda apesar de não ter tido resultado bom na Segurança Pública. Zé Ignácio era identificado pela população como um cara comprometido com a segu-rança no combate ao crime organizado, então foi um governo que conseguiu reorganizar as finanças, reor-ganizar a Administração Pública e recuperar a credibi-lidade do Estado, não só internamente na interlocução do Estado com o setor privado, com os empresários, mas inclusive externamente. A questão da Segurança

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Publica não está resolvida, mas em termos de corrup-ção de organização administrativa, isso você não fala mais no ES. Isso virou um case positivo. O ES hoje é citado por colunistas como Merval Pereira, Mirian Leitão, como case de um Estado que conseguiu se re-organizar. Então como cidadão acho que o Estado se superou bem politicamente. Na verdade não começou no governo Jose Ignácio, isso começou nos anos 90 com a Assembléia Legislativa, quando foi tomada por organizações criminosas. Agora a punição do José Ignácio, ele foi condenado em um processo, são vários processos, isso comprova que as denuncias tinham fundamento, agora mostra que a justiça brasileira precisa se aperfeiçoar, isso não me surpreende, o fato de ter demorado tanto, porque eu sei como a justiça funciona no Brasil. Então o Es-tado, politicamente, conseguiu avançar, amadurecer num processo que teve a participação da Imprensa, da OAB, da Igreja, de partidos políticos, então não foi o governador Paulo Hartung que reorganizou o Estado, claro ele liderou um processo porque ele se elegeu, mas acho que não é a figura dele que eu es-tou destacando aqui, é esse processo de reorganização que teve ele como governador , teve uma boa equipe, e teve envolvimento empresarial do ES em ação que foi importante. Na época a FINDES deixou de representar parte dos empresariados, foi criado o movimento empresarial no ES em ação, é assim quem eu vejo a criação do

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movimento, em minha opinião foi isso que aconteceu, então é um movimento empresarial é um movimen-to também importante, um setor produtivo que tem comprometimento com a boa governança publica, com um bom ambiente de negócios, não é porque eles são bonzinhos não, eles querem viver num ambiente de negócios que seja competitivo, saudável, que não esteja baseado no achaque, na corrupção, na sacana-gem, porque isso eu ouvi de grandes empresários, que falavam em off que não é nada agradável, você ter fi-nanciamento para receber do governo ou do Bandes, pelo Sistema Fundap e você ter que molhar a mão de alguém da turma, grana aqui para receber, grana lá na frente, estão você operava se não você morre, se não a sua empresa morre, então você tem que pagar propina para operar, tem que participar do esquema que nem sempre era vantajoso, então o empresariado também estava insatisfeito.

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Nome: Max Freitas Mauro Filho – Ex-Prefeito de Vila Velha. Em, 10/04/10.

No último ano o governo do José Inácio qual era a posição política que o senhor ocupava?

Eu era Prefeito de Vila Velha e era Presidente de um partido político daqui do ES, o PTB. Nós integráva-mos, enquanto partido, o Fórum dos partidos de opo-sição ao governo do José Ignácio, deste participavam o PTB ,PDT, PT, PPS, PMM, PCDB e alguns outros partidos. E a gente viveu intensamente aquela época, porque os Fóruns dos partidos de oposição se reu-niam, de vez em quando, para discutir a situação do Estado e tudo mais, e até antes desse período, antes de novembro, aconteceram alguns fatos que foram, assim, muito marcantes. Houve uma reunião dos Prefeitos e dos presidentes dos partidos lá na casa do Ruzerte Gaiguer, em Alfre-do Chaves, inclusive com cobertura da imprensa, com

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uma galinha com polenta e quiabo, onde se tornou muito conhecida e tal, e a partir dali houve uma atu-ação mais intensa de alguns atores políticos. Então, o fórum além de reunir com os prefeitos, estava tam-bém se reunindo com a sociedade civil. Fizemos um encontro em Nova Venécia, na Câmara municipal e discutimos publicamente a situação do Estado. Fizemos um encontro aqui em Vila Velha, aqui no Teatro Municipal, e a partir de algumas de-núncias, a coisa ganhou corpo, principalmente, de-pois de uma entrevista que o José Ignácio concedeu ao Bom Dia Espírito Santo, onde estava programada a ida do Secretário da Casa Civil, acho que o José Tasso de Andrade, e na hora H chegou o José Ignácio e disse: “não, quem vai falar sou eu,” aí ele desafiou a imprensa, desafiou A Gazeta nominalmente, desafiou então o prefeito de Cachoeiro, inclusive com afirma-ções, assim na minha ótica, muito levianas, dizendo que ele não tinha nenhum filho, cuja cartilagem do nariz já não tivesse sido corroída pela cocaína, numa indireta ao Ferraço, então foi uma coisa muito dura né. E a partir dali o José Ignácio começou a entrar numa espiral. Se descobriu muita coisa do governo dele, a fábrica de sopa, andar pedindo dinheiro aos empresários e fazendo concessões assim absurdas, transferência de crédito de ICMS, o próprio governa-dor despachando no verso da nota fiscal da empresa autorizando a transferência, foi uma coisa absurda, coisas surreais e depois vieram á tona as gravações

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de advogados, muitos ligados ao governador, reve-lando todos os bastidores etc, especialmente, essas transferências de créditos da Escelsa em favor de uma outra empresa , e aquilo tudo se flagrou nas conversas telefônicas e que tinham sido mediante a negociatas. Teve um personagem que ganhou notoriedade que foi um lobista, o Nilton Monteiro, ele tinha essas fitas gravadas e o Teodorico Ferraço obteve essas fitas. O Nilton Monteiro chegou a procurar o meu pai aqui nessa sala, mostrando as fitas, mas dizendo que que-ria vender as fitas, o meu pai falou: “olha, a gente não é desse ramo,” aí não sei como o Ferraço apareceu com essas fitas, eu não sei qual foi a forma que ele obteve essas fitas, mas apareceu com as fitas e as fitas vieram a público, e aquilo ajudou a detonar a imagem do governo José Ignácio, e ai a coisa cresceu na sociedade. E os partidos políticos se dividiram, nós defendemos naquela ocasião um pedido de intervenção Federal no Espírito Santo, e fomos atrás, coletamos assinaturas, etc. Demos entrada, fomos recebidos pelo chefe da Procuradoria Geral de República aqui em Vitória, a OAB encampou também depois essa luta em nível Nacional, o Ministro da Justiça chegou a colher essa solicitação, era o Ministro Miguel Reali Junior, ele consultou o Presidente da República, que era Fernan-do Henrique, ele que admitiu essa intervenção no ES, e o ministro deu seqüência, mas à frente, certamente com interferência de alguns políticos da bancada Fe-

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deral ligados ao governador, principalmente Gerson Camata, interferiu junto ao Presidente, e o Presidente recuou, fato esse que levou o Ministro da Justiça, Mi-guel Reali Junior, a pedir demissão do cargo, ele saiu do Governo Federal, era Ministro da Justiça, porque o Presidente recuou na questão da intervenção Fede-ral.Mas, os outros partidos do Fórum das oposições, tive-ram uma posição e apoiaram o pedido de intervenção, nisso fomos unânimes, mas eles também votaram um pedido do governador junto a Assembléia. Mas nós fomos contra, nós não pedimos o impeachment na Assembléia, até porque a Assembléia era parte dos problemas. Quem presidia a Assembléia era o Gratz, e achar que o Gratz ia ser a solução do ES, nós dis-cordamos daquilo, não assinamos, não pedimos o im-peachment, nem fomos lá, mas os partidos deram en-trada, o PT assinou, o PPS assinou (e o PPS na época era presidido pelo Ricardo Ferraço a mando de Paulo Hartung), o PSB assinou, eu lembro que PTB, PDT, PMM e o PCDM não assinaram, não pediram solução do problema do ES ao senhor José Carlos Gratz, nós não pedimos solução porque nós não esperávamos solução nenhuma daí que viesse melhorar.

Qual foi o seu envolvimento nas denúncias contra o governo?

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Nós fomos ao Ministério Público Federal, porque o Ministério Público Estadual era chefiado pelo José Maria de Oliveira, homem da cozinha do José Igná-cio, homem da confiança dele. O José Maria de Oli-veira tinha sido sócio do José Ignácio no escritório dele, o MPE não ia ser solução também, nós fomos ao Ministério Público da União, porque MPE estava totalmente comprometido também com o governo do José Ignácio, aliás, não somente com o governo dele como também com o de José Carlos Gratz. O Misté-rio Público do ES, até os setores da magistratura eram muito ligados a essa gente. O Gratz foi presidente da Assembléia e o Madureira foi presidente da comis-são de finanças da Assembléia, e eu era deputado até 2000 eu fui deputado, e eu cansei de ver os membros da magistratura e do MP freqüentarem a Assembléia Legislativa porque dependiam de orçamentos no Es-tado, então havia um envolvimento muito grande. O José Carlos Gratz chegou a receber um título de amigo da magistratura do ES e no Ministério Publico, enquanto o José Maria esteve lá, nenhuma denúncia prosperou contra ninguém, aliás, José Ignácio está até hoje impune, saiu impune, os secretários dele saíram impunes, o único que foi cassado foi o Gratz. Ele foi cassado por uma representação movida por mim na época, eu era Prefeito de Vila Velha e ele contratou obras públicas sem licitação para asfaltar ruas em Cobilândia e Santa Mônica Popular e aquilo ali nos deu condições de representar contra a can-

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didatura dele, nos entramos com representação no Ministério Público Eleitoral, e o Ministério Público denunciou e ele foi cassado. Na verdade, cassaram o registro da candidatura dele, então ele foi eleito, mas não pôde ser diplomado, foi cassado o registro dele. Mas além de representar no Ministério Publico Elei-toral, nós também representamos no Ministério Pú-blico Estadual contra o crime da contratação sem li-citação, e também por improbidade administrativa. O MP não tomou nenhuma providencia, e quando você representa, sobretudo, na criminal e o MP se omite, você tem direito de entrar com ação penal, quem en-trou com ação penal fui eu. Estava tudo comprome-tido, era um câncer, era uma metástase, que alcança-va essas instituições todas, quem entrou com a ação criminal fui eu, então entrei com uma representação no Ministério Publico Eleitoral com ação criminal e também com a representação por improbidade admi-nistrativa.

Quais então seriam essas instituições que estariam com essa metástase na hora em que o senhor solici-tou a punição das irregularidades?

O governo do José Ignácio, a Assembléia Legislativa comandada pelo Jose Carlos Gratz. Eu cheguei a ser procurado aqui, quando eu vim fazer as obras aqui em Vila Velha, eu era prefeito e ele me procurou dizendo que ia fazer as obras, e eu falei tudo bem, nós agra-

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decemos a atenção ao município, então eu disse a ele a forma de fazer. Fiz o ofício e protocolei na Assem-bléia, nós vamos fazer um convênio; o município re-cebe o recurso e realiza as obras mediante a licitação como manda o figurino, na forma da lei. Ele não me ouviu, ele contratou a obra pela Assembléia, tocou a obra pela Assembléia e depois pagou com o próprio mandato, foi cassado por causa daquilo.

Existiu uma ligação direta de José Carlos Gratz com o governo do José Ignácio?

Olha, nós vivíamos na época, um modelo parlamenta-rista, nós tínhamos o chefe de Estado que era José Ig-nácio e o chefe de governo que era o Gratz. Eu estou dizendo a vocês, eu fui procurado, enquanto prefeito, pelo presidente de Assembléia dizendo que ia fazer obra em Vila Velha, você já parou pra pensar o que é isso? A Assembléia Legislativa anunciando que vai realizar obra de pavimentação, asfalto de vias públi-cas dentro do município. Nós vivíamos num arreme-do de parlamentarismo, quem era o chefe do governo era Gratz, ele se metia nas questões dos outros pode-res. Abocando para eles, para a Assembléia, posições que são próprias do poder executivo.

Houve, durante as denúncias, algum tipo de subor-no ou pressão por parte do governo estadual?

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Eu sofri pressões, eu era deputado estadual e era can-didato a prefeito de Vila Velha no ano de 2000, e nós fizemos uma denúncia contra o prefeito de Vila Velha de então, sobre as fazendas que ele tinha comprado em Minas, em Nanuque, etc. E fizemos um programa do partido, eu era presidente do partido, fizemos as denúncias com a documentação, cópia da escritura, fizemos as imagens, mostramos as imagens na tele-visão, aquilo teve impacto muito grande, o prefeito daqui era do mesmo partido do José Ignácio, que por sua vez era do mesmo partido do Presidente da Re-pública.

Em 2000 que foi o ano da eleição, para vocês terem uma idéia, o Fernando Henrique Cardoso abriu ano eletivo no Brasil aqui em Vila Velha, inaugurando uma escola da Prefeitura de Vila Velha. E eu era can-didato a Prefeito da oposição, com o apoio dos par-tidos da oposição, e Fernando Henrique, José Inácio e Jorge Anderson, estavam todos juntos aqui naquela ocasião, José Ignácio estava bem, estava com pres-tígio, e nós fizemos um golpe muito duro neles to-dos, com aquelas imagens que a gente mostrou e a denúncia que nos fizemos contra o prefeito de Vila Velha, que foi uma pedra de sustentação do José Igná-cio, pois até na convenção ele foi decisivo, foi quem escolheu o José Ignácio a candidato ao governo. E eu candidato a prefeito, a coisa caminhando bem, lide-rando as pesquisas de intenção de voto, aí inventaram

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uma historia de que as imagens aéreas que nós mos-tramos no programa do PTB tinham sido gravadas a bordo do helicóptero do governador José Ignácio, do governo do Estado. Eu fui o narrador das imagens, porque a moça que fez o programa falou: olha nós colocamos um locutor aqui, mas, na época acho que ele ficou um pouco amedrontado, o tom da denuncia uma coisa muito forte né , ai disse: vai ser melhor se você colocar sua voz e tal, fazer descrição das ima-gens e tal, e eu gravei o texto ali no bairro repúbli-ca na Adalberto Simão Nader, num estudiozinho que tem lá, me botaram no estúdio para gravar a voz e o texto da narrativa, esse texto tinha um pecadilho né. O que dizia o texto: “estamos sobrevoando”, esse foi meu erro! Se eu dissesse essas são imagens aéreas.... Agora eu botei estamos sobrevoando porque a visão é de um sobrevôo mesmo, e eu gravei, e o moço do áudio botou no fundo da minha voz o som de heli-cóptero tá...tá...tá...e eu gravei e deixei lá, ela editou, botou a minha voz assim num tom elevado, “estamos sobrevoando”... “Essas são imagens e tal, a entrada da fazenda é asfaltada e iluminada como muitos bair-ros de Vila Velha gostariam de ser”, ai mostramos a casa (era um troço de doido, a piscina circulava toda a casa), mostramos, e aqui em vila Velha todo mundo sabia, ele tinha fazenda, levava gente daqui para fazer festa lá, garotas de programa, bacanagem eles faziam lá, etc, enfim, aqui em Vila velha já tinha ouvido fa-lar, cópia de escritura já tinha circulado, mas enfim,

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ninguém tinha visto as imagens. Quando as imagens foram ao ar, as imagens falam por si só, ainda mais eu narrando e o som do helicóptero no fundo que o cara botou, mas ai inventaram esse negócio que eu esta-va dentro do helicóptero do José Ignácio, que nada eu gravei aqui na Adalberto Simão Nader. Ai abriram um processo contra mim na Assembléia Legislativa, o Gratz era presidente da Assembléia, vamos cassar o Max Filho...Vamos cassar o Max Filho... então, mon-taram um processo para me cassar na Assembléia, se eu fosse cassado eu ficava inelegível , eu não podia me candidatar.

Diretamente relacionado ao José Ignácio você so-freu alguma pressão?

Sim, quem fez a denúncia contra mim foi o cunha-do dele o Gentil Rui, que era secretário de governo, ele que me denunciou na Assembléia dizendo que eu realmente tinha usado o helicóptero do governo do Estado. Então, nós tivemos em campos opostos bem definidos, e numa radicalização muito grande né, en-tão eu apanhei muito, mas também bati né.

Qual é sua avaliação da cobertura do Jornal A Ga-zeta no período do escândalo, mais precisamente de 2001 a 2002?

Acho que A Gazeta nesse período cumpriu um papel

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importante, sobretudo, A Gazeta tinha um âncora na televisão que era uma cidadão chamado Abdo Che-quer, ele apresentava o programa Bom Dia ES, e ele era uma criatura no ES de muita credibilidade.O José Ignácio, quando foi lá no programa, peitou A Gazeta, peitou perante o Abdo Chequer, e o Abdo teve muita firmeza ali, foi muito positivo. Eu me lem-bro que o Secretário da Fazenda também, no governo José Ignácio. Eu estava concedendo uma entrevista a CBN, não me lembro mais se foi 2000 ou 2001, não me lembro se eu estava falando como deputado esta-dual ou como prefeito, mas entrou ao vivo, pelo te-lefone, o Secretário da Fazenda, José Carlos da Fon-seca Junior e ele, tipo assim, no ar, falou: A Gazeta está achando o quê? O governo do Estado é o maior cliente dela e tal, insinuando, vamos cortar a verba de vocês, gente! No ar! O cara dizer isso entendeu? Se eu não me engano quem era o apresentador desse programa na CBN era o André Hess, e eu me lembro perfeitamente, porque eu estava no estúdio na ocasião dando entrevista. Então era um governo assim, meio que sem tanto escrúpulo. Essas práticas não mudaram até hoje não.

Qual foi o papel do Jornal A Gazeta no que diz res-peito à mobilização social?

Eu acho que a mídia não ocultou a realidade do go-verno José Ignácio, acho que ela cumpriu um papel

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até de um jornalismo investigativo, também acho que não foi parcial não, acho que foi o momento que ela teve mais independente, digamos assim, em relação ao governo. Diferente do quadro que estamos vivendo hoje no ES, onde eles estão mais identificados com o governo. O episódio do Hélio Gaspari que publica uma coluna todo domingo na Folha de São Paulo, no Globo e na A Tribuna. No dia 07 de março A Tribuna não publicou, ele estava criticando o governo do Estado, Helio Gas-peri quando soube disso retirou do jornal os direitos de publicação.Então, eles tratam o governo do Estado como clientes deles e tal (a maior verba publicitária), então prote-gem muito o governo.

Como cidadão comum, como se sentiu após as de-núncias dos escândalos, especialmente o da fábrica de sopas?

Eu acho que a fábrica de sopas foi a cereja do bolo, agora como cidadão, hoje assisti a indicação do José Antonio Pimentel para conselheiro do Tribunal de Contas. A unanimidade pela Assembléia de um cara que foi diretor financeiro da fábrica de sopas, o ES não mudou nada, não mudou nada, esse cara foi o diretor financeiro da fábrica de sopas, esse homem é um símbolo. O que o governo do Estado e a Assem-bléia Legislativa fizeram com ele: foi nomeado pelos

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senhores deputados estaduais.

Nome: Agesandro da Costa Pereira – Ex-Presiden-te da OAB-ES. Em 26/05/10.

Na ocasião do governo José Ignácio, onde o senhor trabalhava e qual era sua função?

Eu exercia a presidência da Ordem dos Advogados, de 85 a 90 e de 91 a 2006, então esse período em que ocorreu a compulsão política e social aqui do estado do ES, eu era presidente da Ordem.

O senhor possuía algum envolvimento direto ou in-direto com a política?

Eu nunca tive nenhum ato ou ação em política parti-dária não. Eu cumpria no exercício das minhas fun-ções na Ordem a política institucional, sem vincula-ção a nenhum dos partidos existentes. Apesar disso, em virtude do movimento que a Ordem desencadeou

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aqui no ES, que junto com os líderes da sociedade civil, representou a reação da reconstrução política--moral e econômica do Estado.Então isso é uma atividade política, mas uma ativida-de política desvinculada de partidos. Embora nós ti-véssemos no movimento vários políticos, os políticos de bem do ES, formaram a nossa linha. O governador Paulo Hartung, o ex-governador Max Mauro, alguns deputados, os líderes, sobretudo do PT, a entidades sindicais, as Igrejas. Nesse movimento, nós tivemos a figura exponencial de Dom Silvestre Escandian, ele esteve conosco em todas as oportunidades e partici-pou do comando da reconstrução política e moral do Estado.

O poder judiciário cumpriu o papel no momento po-lítico?

Não. O poder judiciário já vinha numa fase difícil e não atuou como esperava nenhum ministério, a atua-ção do Poder Judiciário, do Ministério Público ocor-reu já no final, quando se partiu para a destituição do bicheiro que presidia a Assembléia. Ai se vê aonde nós chegamos. Um bicheiro era o líder mais impor-tante do Estado, mas são as coisas que, infelizmente, a política derrama em cima do país.

E qual foi a postura da Ordem mediante ao fato?

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As mudanças históricas são lentas. Na época do Go-verno José Ignácio, o Espírito Santo estava mergulha-do em uma situação insustentável. Havia um verda-deiro desgoverno, os cofres públicos estavam sendo assaltados, os direitos fundamentais das pessoas esta-vam sendo violados. Por isso, a Comissão de Direitos Humanos do Ministério da Justiça aprovou a inter-venção federal no Estado, pedida pela OAB.”“O que mudou agora é que se estabeleceu uma certa lisura na ação política governamental. O Movimen-to Reage Espírito Santo combateu esse estado todo de incertezas e projetou a força da sociedade capixa-ba contra a impunidade e a falta de ética na política. Formou-se um movimento que obteve uma grande vitória que, de certa forma, afastou a bandidagem da política. Mas aquela bandidagem que foi afastada está aí presente e, às vezes, atuando na vida pública e econômica. Hoje temos um Estado com novo perfil.Nós vimos que o Estado estava se desintegrando, as instituições fraquejavam, a confiança do povo na se-gurança política, social e econômica estava fragiliza-da. Era o império da violência, a violência contra as pessoas, os assassinatos políticos, isso inclusive cul-minou, como além do assassinato de líder sindicais, houve o assassinato do juiz. Os rumos da violência assumiram tais proporções, que eu entendi ouvindo os companheiros de ação, de provocar através da Ordem a intervenção federal do Estado. Ai em cooperação com as entidades, com

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as Igrejas, etc, eu reuni uma grande documentação. E com essa documentação eu pedi a intervenção do Conselho Federal no Estado. Abriu-se o processo com uma comissão competen-te do Ministério da Justiça, aprovou-se o pedido de intervenção a unanimidade. O então Ministro da Justiça solicitou ao presidente da república, as provi-dências adequadas. Era o presidente na época, o Fer-nando Henrique Cardoso. Inicialmente ele ascendeu aos reclamos do Esta-do, já que as comissões competentes do Ministério da Justiça e o próprio ministro da justiça entendiam que a insegurança do estado do ES era de tal ordem que justificaria a intervenção federal. Esse pedido foi boicotado pela política local e o presidente recuou e imediatamente o Ministro da Justiça se demitiu. En-tão houve várias manifestações de insatisfação aqui no Estado, mas que foram assumindo proporções bem avantajadas. O presidente da república então tentando conciliar a situação que ele criou, com a irresponsabilidade com que se conduziu no episódio, então se criou uma força tarefa aqui no ES, comandada pelo Ministério Púbico Federal. Então se desenvolveram procedimentos, de forma a respaldar juridicamente as ações políticas da sociedade civil. Nessa linha se obteve o afastamento do presidente da Assembléia e houve um certo controle. Não o contro-le que se esperava, mas um certo controle das autori-

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dades estaduais, que elas ou apoiavam ou pelo menos não compactuavam com a conduta de violência, de atentado aos direitos humanos, a segurança pública e um horror de mazelas advindas do governo estadual. Então o governo estadual tinha pelo menos a omissão dos outros poderes, e a reação popular se agigantava. Já amparada no Ministério Público Federal, que co-mandou de forma efetiva esse movimento, inclusive o procurador chefe de então, hoje ele é procurador da república em Brasília, ele desenvolveu um trabalho notável. Eu vivi ameaçado por vários meses, inclusive estive sob a proteção da Polícia Federal, porque as ameaças que surgiram eram de forma muito grave. Efetiva-se que até dinamitaram a sede da Ordem, essa dinami-tação ocorreu e causou danos menores, mais repre-sentou um dano moral muito grande, porque a crimi-nalidade dessas forças do ocultismo e da violência queriam demonstrar o seu potencial. Esses atos todos que não são tão longínquos assim, eles, ao meu ver, determinaram a mudança da postura da sociedade capixaba. A sociedade capixaba devol-veu isso ao país, o movimento Reage ES foi um mo-vimento da sociedade capixaba.O movimento Reage ES, foi um movimento que pro-duziu frutos, então a tranqüilidade que nós desfruta-mos hoje, a reconstrução política e moral das institui-ções, foi fruto desse movimento. Nós vivemos um período de recuperação, recupera-

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ção institucional, que avançou bem em alguns setores e mais modestamente em outros, mas evidentemente tivemos. No Tribunal de Justiça, por exemplo, há um propósito de mudanças, quer dizer essas mudanças não são tão rigorosas, são, no entanto, vagarosas. Mas elas já se mostram efetivas, então nós entramos numa melhoria muito grande. O Tribunal está atento, nós estamos vendo juízes afas-tados, não se chegou ao ideal não, está longe disso, mas já se começou a dar passos definitivos. O Tribu-nal naquele tempo (não todos os desembargadores), mas havia uma predominância no sentido de abafar a reação legítima da sociedade civil, na perseguição dos seus compromissos democráticos de liberdades. Eu acho que nós viramos a página, mas é preciso virar outras páginas. O ES é um Estado de gente boa, de gente aficionada ao compromisso da cidadania e da democracia, e tem mostrado isso. Logo após o movimento, e a reação da população nas elites começaram as mudanças, uma mudança muito acentuada no Executivo, uma mudan-ça mais acomodada no Legislativo e no Judiciário, mas há de saudar essas mudanças. Eu acho, que não é possível construir um Estado repu-blicano sem a fidelidade aos princípios republicanos. Nós vivemos momentos difíceis no país inteiro. A de-mocracia tem entre outros defeitos, de que se ganha quem tem mais votos. Então os bons começam a fazer compromissos com os maus, esse é o grande perigo

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da democracia. Quando os maus assumem um controle muito grande, eles excluem os bons, então os períodos autoritários que nós vivemos aqui foi isso mesmo. Então a cor-rupção política destruiu ou avariou as instituições e ofereceu o ensejo aos autoritários. Quer dizer, a his-tória do Brasil é isso. Quando há degradação política e institucional, a falta de fidelidade, a ética, a política na administração publica, ela é normalmente em perí-odos ditatoriais.Aqui(ES) o povo apático se tornou político, quer dizer o povo se assumiu na responsabilização da construção da cidadania e a restauração dos ideais democráticos, isso nos deu um avanço. Mas agora, por exemplo, eu estou vendo que aquelas pessoas que foram afastadas em virtude daquele movimento, elas estão voltando, elas estão inscritas em partidos políticos, estão desen-volvendo atividades políticas, e pior, elas estão sendo aceitas no convívio dos bons. É preciso sentir que uma maçã podre no cesto de ma-çãs sadias, vai apodrecer o cesto inteiro, essa preocu-pação, eu já disse um horror de vezes aos jornalistas que tem conversado comigo.Eu acredito no povo, eu acho que tudo que se cons-truiu nesse país é obra do povo. O povo derrotou o regime autoritário, exigiu as reformas políticas, e o povo engrandece o país. Quem desprestigia são as li-deranças caducas, reacionárias, comprometidas com o passado, sobretudo como interesse deles próprios,

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os interesses de grupos, então no Brasil as pessoas pensam que são donas do poder público. Os agentes executivos acham que são donos, até os funcionários, os mais graduados acham que são do-nos daquilo. Acham que a função pública foi feita para servir as pessoas e não a coletividade, isso é uma tradição dos portugueses. Porque os portugue-ses compravam e vendiam os cargos públicos, e hoje se pensam nesse sentido, então tem muita gente que exerce um cargo público e acha que aquilo é dele. Ele não acha que está ali para servir ao povo. Então, são situações que ocorrem do desenvolvimento social e que exige que a sociedade esteja em plena vigilância. O brigadeiro Eduardo Gomes que dizia que o preço da liberdade é a eterna vigilância.

Em algum momento o senhor se sentiu coibido ou pressionado?

Fui sempre pressionado, fui ameaçado, colocaram di-namites na Ordem. Vivi sobre um largo tempo sobre a proteção da Polícia Federal, não que eu tivesse pe-dido. O Ministro Paulo de Tarso me convocou ao gabinete dele em Brasília, e me disse que me colocaria sob se-gurança, eu disse: não faça isso, eu acho que eu sou um cidadão comum e não mereço nenhuma proteção especial. Mas ele me disse que o problema não era meu, o problema era dele, eu fiquei sob essa proteção

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certo tempo.

As ameaças vinham do Governo ou da Assembléia? O governo e a Assembléia eram extremamente liga-dos, eram aliados. O Secretário de Segurança no tem-po era gente ligada ao Gratz. Então, era o Secretário ligado ao crime organizado, e que tinha sobre sua res-ponsabilidade apurar atividades criminosas. Houve uma inversão de valores aqui muito grande, as elites dominantes se aliaram ao poder dos maus. Então as elites se aliam a todos os que comandam. As elites que se aliaram ao Fernando Henrique são as mesmas que comandaram o governo do presidente Lula. O que ocorre é o seguinte no Brasil, as elites sempre flutuam a aglomeração política muda de lado imedia-tamente. A ARENA era o maior partido do ociden-te, depois se tornou o menor. Depois o MDB vira o maior, e vai tudo assim. Então o que ocorre é que as elites comandam e merendam o poder. Quer dizer, é uma ilusão dizer que o poder é exer-cido em favor do povo, excepcionalmente é. Então quem comanda e usufrui da riqueza da nação é um grupo dominante e a orientação política é do grupo dominante. O grupo dominante atua se a estrutura de poder for de direita, for de esquerda, for totalitária ou democrática, ele se acomoda e comanda. Brasília é o centro da corrupção, então aquilo tudo

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é planejado, então é tudo negócio, então a adminis-tração publica é negócio. É claro que tem gente boa, até então há político da melhor qualidade. Mas os políticos da melhor qualidade não comandam não. Observa-se o senado, quer dizer, então os senadores mais eminentes comprometidos com os anseios repu-blicanos, e os populares eles não estão com força.

As ameaças, de alguma forma, coibiram a atuação do senhor como presidente da OAB?

Não. Porque, felizmente, Deus me privou do medo, eu nunca tive medo. Quando se aceita certas respon-sabilidades, é preciso que essas responsabilidades estejam acima dos temores. Porque, sobretudo nos países desenvolvidos, então a ação política das forças reacionárias se desenvolvem em duas linhas. Quando elas não podem se efetivarem através da corrupção, elas se efetiva através violência. Isso é uma coisa tranqüila (ameaças), então nós ti-vemos quanta gente ai assassinada e perseguida. Não foram perseguidas pelos seus defeitos. Foram perse-guidas por suas qualidades.

Qual a sua avaliação sobre o esquema que ficou conhecido como o escândalo da fábrica de sopas?

Isso é apenas um episódio menor inserido num mar de lamas. Então o problema é o seguinte, esse mar

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de lama que abateu sobre o Estado, na linha política, na linha moral, na linha administrativa, então tinha vários tumores. A fábrica de sopas não é a mais im-portante não, a fábrica de sopas é corriqueiro, talvez até um dos menores.

Qual foi o momento mais conturbado para Ordem durante as denúncias?

Olha o problema é o seguinte, o José Ignácio antes de assumir o governo tinha uma áurea de respeitabi-lidade, era tido como bem preparado para exercício do governo. Ele era tido como comprometido com as instituições, eu não sei o que aconteceu. Antes ele foi cassado, ele foi perseguido durante a revolução, então, ele até determinado ponto da vida dele, guardava certa sintonia com os anseios da so-ciedade civil. Eu na verdade, não sei por que ocorreu essa mudança. O problema é o seguinte, nas primeiras acusações que surgiram, havia uma certa postura de incredulidade, face ao passado, se pensava que aquilo podia não ser verdade. Mas depois se foi constatando que era verdade. E quando em certo momento, no início das colocações do deputado Theodorico Ferraço, então em virtude das acusações políticas dele. Ele tinha um grande dossiê, sobre muitas situações que era menos do que eu tinha, eu tinha muita coisa, porque todas as informações me chegavam.

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Mas ele me municiou bastante, ele em certa época aqui, deu uma resposta a uma interpelação que lhe foi feita, deu aqueles documentos e muitos outros, que eu encaminhei ao Ministério da Justiça. Essa coisa é um crescente, eu não sei como aconteceu, eu sei que ha-via uma certa boa expectativa, e ela depois se tornou uma má expectativa. Como isso aconteceu, e o porquê, eu na verdade não sei como. Relativamente ao bicheiro era sempre bi-cheiro, qualificações morais para um bicheiro é muito difícil descobri-las. Agora o ex-governador, ele tinha uma tradição sintonizada com a sociedade civil até certa época da vida dele, depois mudou, não sei por-quê mudou. Se o fato ocorresse no momento atual o senhor mu-daria alguma coisa em relação a postura da Ordem?Não. Eu teria feito a mesma coisa, porque todas as minhas iniciativas na revolução que se fez, foi con-vocar a sociedade civil. Então eu estava lá na Ordem muito desanimado, quando o Weverton Guimarães, que foi um perseguido político, ele conversava co-migo e dizia que as instituições estavam inconfiáveis. Então a dissolução institucional era evidente. Ele me disse: presidente porque você não convoca a socieda-de civil. E ai me veio a idéia, então era novembro de 99. Nós fizemos uma reunião lá na Ordem, nessa reunião a Polícia Federal recebeu informações de que haviam dinamites, então o delegado foi lá para que nós sus-

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pendêssemos a reunião. Acabou não havendo a explosão, porque o rebate era falso. Telefonaram para a telefonista da Ordem e tam-bém para a Polícia Federal. Eu disse aos mesários nós não vamos sair, nós vamos ficar aqui. Não houve ex-plosão nenhuma e o movimento frutificou.

Qual é sua avaliação sobre a cobertura feita pelo Jornal A Gazeta dos escândalos, mais precisamente de 2001 a 2002?

O jornal que nos acompanhou mais de perto foi A Ga-zeta. O problema é o seguinte: eu certa vez comentei em Brasília que embora a Rede Globo tivesse uma postura muito conservadora, A Gazeta aqui do ES es-tava sempre na linha dos acontecimentos populares. O diretor era o Cariê, ele é um poeta, é um sujeito profundamente ligado a cidadania, então foi ele quem desempenhou um grande papel. A postura da A Gazeta se deve ao Cariê, eu não canso de dizer isso. Ele era um sujeito que estava sempre pronto a abrir o debate, a facilitar. Se nós não tivésse-mos contado com A Gazeta, eu acho que a produção da nossa atividade seria muito prejudicada. Eu ia às reuniões do sindicato dos jornalistas, ele era membro do sindicato. Ele ficava lá com os jornalistas discutindo, é um sujeito profundamente democrático, um sujeito profundamente ligado, aquilo que a im-prensa deve e pode representar.

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O Jornal A Gazeta foi importante na mobilização social?

Nós temos que falar para o povo. O jornal é que leva a mensagem, então o jornal são os olhos e a voz da so-ciedade, a sociedade fala através dele. Então eu acho que o papel de A Gazeta foi fundamental.

E o senhor, como cidadão comum, como se sentiu após as denúncias e o julgamento dos envolvidos nos escândalos?

O que ocorre é o seguinte, eu tenho uma grande de-cepção em tudo isso. O que ocorre é que a visão nossa de cidadão comum é de que devemos ter governos honrados, governos éticos, governos comprometidos com o progresso social, governos sérios. Quando nós vemos que não temos isso, é uma decepção muito grande e essa decepção ela está muito evidente, na opinião publica hoje. Quando se pensa, por exemplo, o povo apresenta o projeto fichas limpas, então que dificuldade de se transformar em lei aquilo que o povo quer. E o pior, o líder do governo no senado disse isso é interesse do povo, e não interesse do governo. É como se o inte-resse do governo, não tivesse sintonia com o interesse do povo. Então o que ocorre é o seguinte, nós tivemos um grande avanço na constituição.

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É uma constituição cidadã mesmo, como diria o Ulis-ses Guimarães, mas o problema aqui vai lembrar São Paulo há 200 anos atrás, a lei é boa, se for bem usada. Então não adianta ter uma constituição como se tem, se ela não é usada. Uma constituição em que se de-claram todos os direitos, mais não os tornam efetivos. O problema do mundo de hoje, não é o problema de declaração de direitos, o problema hoje é de examinar como esses direitos podem ser efetivados, e quando e como o são.O problema do Brasil é que acontece uma coisa, vem uma lei, só tem que não se aplica nada. O problema é que a lei parece com injeção da farmácia, você tem dor de cabeça, é só você tomar a injeção que sara. Na verdade tem a lei, mas não têm as formas de efetiva-ção. Então todos os direitos fundamentais que estão lá na constituição, a maioria deles não são efetivos, porque dependem de regulamentação. Então isso já é feito assim, então as classes dominantes elas tem o interesse de permanecerem fluentes, ricas, poderosas e opulentas. O problema é que ninguém quer melhorar nada não, então na verdade o que ser quer é piorar o que se tem. No congresso, na câmara dos deputados, me infor-mam que tem 4 terços de deputados processados, no senado tem outro tanto. Então o que ocorre é que essa gente quer alguma coisa que torne efetiva a impuni-dade das pessoas que não tem comportamentos com-patíveis com os interesses sociais.

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Quando eu era presidente da Ordem, me procurou um advogado, era no tempo daquele governo (Jose Igná-cio), e me disse que tinha estado na secretaria, e havia pedido uma certidão de qualquer coisa lá. O funcio-nário falou para ele: O Sr. tem que pagar 50 mirreis, aqui é uma guia que você vai lá paga e depois vem buscar. Ai quando ele foi buscar estava outro cara lá, ai o cara falou 50 mirreis. Ai ele disse: mas eu já pa-guei. Ai o cara falou: É propina, o meu chefe rouba, o chefe do meu chefe rouba, todo mundo rouba, o go-vernador rouba, você acha que eu não posso roubar?Então isso é um mau exemplo, você observa que nes-se governo (atual) não tivemos isso, porque quando o pináculo é sério, em baixo o sujeito conta até 10 antes de furtar.

O senhor votou no ex-governador?

Votei. Ele foi um sujeito cassado pela revolução. Agora eu não sei o que aconteceu, a coisa mudou.

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ANEXOSAnexo 1 - Trechos do documento final da CPI instaurada para investigar a corrupção no govenno José Ignácio

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Anexo 2 - Declaração de Nilton Monteiro

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Débora Reis de Oliveira & Elisângela de Souza118Anexo 3- Nota da TAoil, assinada pelo Governador e com timbre oficial autorizando a transferencia de crédito de ICMS

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