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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXX EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE XXXXXX/MG URGENTE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por intermédio do Promotor de Justiça infra assinado, no exercício de suas atribuições legais e constitucionais, com fulcro nos artigos 6º, 129, inciso III, e 208, inciso VII, da Constituição Federal, artigos 201, inciso V, 208 e 210, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente e 11, inciso VI, da Lei nº 9.394/96, e em favor dos menores Fulano de Tal, representado por sua genitora Valdirene Domingos Lopes Soares, brasileiro, nascido em 25/08/2007, e Cicrano de Tal e Beltrana de Tal¸ representados por sua genitora Edna Alves Reis, brasileiros, nascidos respectivamente em 10/04/2004 e 08/07/2005, todos residentes no Córrego Santa Luzia, zona 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXX

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA

DA COMARCA DE XXXXXX/MG

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS

GERAIS, por intermédio do Promotor de Justiça infra assinado, no exercício de suas

atribuições legais e constitucionais, com fulcro nos artigos 6º, 129, inciso III, e 208,

inciso VII, da Constituição Federal, artigos 201, inciso V, 208 e 210, inciso I, do

Estatuto da Criança e do Adolescente e 11, inciso VI, da Lei nº 9.394/96, e em favor dos

menores Fulano de Tal, representado por sua genitora Valdirene Domingos Lopes

Soares, brasileiro, nascido em 25/08/2007, e Cicrano de Tal e Beltrana de Tal¸

representados por sua genitora Edna Alves Reis, brasileiros, nascidos respectivamente

em 10/04/2004 e 08/07/2005, todos residentes no Córrego Santa Luzia, zona rural de

XXXXXX/MG, vem, à presença de Vossa Excelência, a fim de ajuizar a presente

A Ç Ã O C I V I L P Ú B L I C A

(com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela)

em face do MUNICÍPIO DE XXXXXX/MG, pessoa jurídica de direito público

interno, representada pelo Prefeito Municipal, o Exmo. Sr. XXXXXXXX, e pela

Secretária Municipal de Saúde, Exma. Sra. XXXXXXXXX, com sede na Rua Nilo

Moraes Pinheiro, n. 322, centro, XXXXXXX/MG, nesta comarca e com fundamento

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nas razões de fato e de direito a seguir expostas:

I – SÍNTESE FÁTICA

Trata-se a presente de Ação Civil Pública, cujo objeto consiste na

determinação de que o ente requerido forneça o serviço de transporte escolar adequado

aos menores Fulano de Tal, Cicrano de Tal e Beltrana de Tal, residentes no Córrego

Santa Luzia e alunos da Escola Municipal de Alto Figueira.

Em 04/03/2015 as genitoras dos infantes procuraram a Promotoria de

Justiça de XXXXXX informando que seus filhos, que possuem entre 7 e 11 anos de

idade, estão matriculados na Escola Municipal de Alto Figueira, em XXXXXX/MG,

contudo “têm de caminhar cerca de 1 km para terem acesso ao transporte escolar” (fl.

02).

Ainda na denúncia, narraram que já haviam solicitado à Secretária

Municipal de Educação, Sra. XXXXXXX, e ao Prefeito Municipal, Sr. XXXXXXXX,

que o transporte escolar buscasse as crianças, ao menos, em local mais próximo da

residência delas, porém o pedido foi negado.

A demanda foi registrada nesta unidade ministerial como Notícia de Fato

nº MPMG 0312.15.000049-4, tendo sido oficiada a Sra. Secretária de Educação no dia

06/03/2015.

Através de missiva sem numeração, datado de 08/04/2015, a Sra.

mandatária da pasta de educação informou que:

“(...) referente ao transporte escolar daquela localidade é realizada uma

rota diária com pontos demarcados para que todos alunos daquele

Córrego sejam atendidos. Diante da demanda que o Município tem de

alunos dependentes do transporte escolar naquela rota, não é possível

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fazer um atendimento individual porta a porta as residências de cada

aluno, pois acarretaria prejuízo na carga horária, pois os alunos

chegariam atrasados na escola, uma vez que moram distantes uns dos

outros e da referida escola.” (fl. 07).

Diante dessa resposta, as representantes dos menores prejudicados foram

notificadas para comparecerem à Promotoria de Justiça, a fim de ratificarem a

necessidade do pleito inicial e, em caso positivo, apresentarem toda a documentação

pertinente, ocasião em que “noticiaram que é muito custoso e perigoso para as crianças

caminharem até a condução que as leva à escola, pois muitas vezes encontram vacas

bravas no caminho, além de que o horário das aulas mudou para 13:00 às 17:00, sendo

que têm de caminhar no escuro para retornarem às casas. Disseram que as estradas

estão em ótimo estado e que não é necessário que o transporte escolar busque as

crianças na porta de casa, basta que seja numa ponte que há no caminho, assim seria

mais tranquilo e não atrasaria o ônibus escolar” (fl. 08).

Mesmo já com elementos suficientes para requerer judicialmente a tutela

específica, mas vislumbrando uma eventual solução extrajudicial da demanda em

apreço, a Sra. Secretária Municipal de Educação foi oficiada para comparecer à sede do

Ministério Público em XXXXXX.

Primeiramente, ficou agendada a data de 24 de abril de 2015 para tal

reunião, porém a agente pública não compareceu (certidão de fl. 17).

Nova reunião foi agendada, desta vez para o dia 14 de maio subsequente,

tendo a Sra. XXXXXXXXX comparecido e, embora não tenha manifestado interesse

em celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta, se comprometeu a providenciar o

transporte escolar às crianças residentes no Córrego Santa Luzia até a ponte mencionada

na certidão de fl. 08, próxima à residência dos menores, a partir do dia seguinte, 15 de

maio de 2015.

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Todavia, mesmo comprometendo-se pessoalmente perante este órgão de

execução ministerial a regularizar (ainda que parcialmente) o transporte escolar

pretendido, o fato é que, em contato com as representantes, genitoras dos infantes, foi

informado que a avença verbal não foi cumprida, permanecendo o problema relacionado

à falta do transporte aos seus filhos (certidão de fl. 19, de 10 de junho de 2015).

Como se vê, mesmo após várias tratativas, o Município de XXXXX/MG

tem se recusado deliberadamente a cumprir sua obrigação legal e constitucional de

fornecer o serviço educacional que lhe compete, uma vez que o transporte à escola

constitui parte integrante deste direito individual indisponível, imprescindível para a sua

consecução.

Como narrado, todas as tentativas de uma composição amigável foram

realizadas, inclusive no sentido de que o transporte escolar fosse prestado de forma

parcial, buscando-se as crianças em uma ponte que se localiza próximo à residência

destas, tudo com vistas a regularizar mais rapidamente possível a rotina diária escolar

dos infantes, porém nem mesmo esta solução parcial foi honrada pela municipalidade.

Aliás, a conduta da agente política, além de caracterizar a recusa

indiscutível e deliberada de não fornecer o serviço público tal como exigido por lei,

demonstra rematado descaso para com as necessidades das crianças e respectivas

famílias daquele Município.

A alegação, manifestada através do ofício de fl. 07, de que “não é

possível fazer um atendimento individual porta a porta as residências de cada aluno”

caracteriza argumentação nitidamente evasiva das obrigações próprias do Poder

Público, a quem compete fornecer, de forma gratuita e integral, o serviço educacional.

Tal arrazoado denota inclusive uma indesejável inversão de valores,

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afinal, segundo a opinião do Gestor Público, os alunos é que teriam que se ajustar às

rotas de transporte escolar que o Município quer fornecer, e não o contrário, como

deveria ocorrer.

O Estado (aqui no sentido lato sensu) é que tem a obrigação de se

aparelhar melhor para atender adequadamente às necessidades dos munícipes caso a

demanda seja crescente, não bastando o oferecimento de meras justificativas infundadas

para o não cumprimento de suas obrigações.

Afora constituir obrigação do Município, porque se trata de alunos da

rede pública municipal de ensino, como será melhor demonstrado adiante, tem-se que a

recusa manifestada pela municipalidade acarreta, inclusive, por ordem constitucional,

responsabilidade pessoal na autoridade competente pela não oferta ou oferta irregular,

ex vi do parágrafo 2º do artigo 208 da Carta Magna1.

No caso dos autos, a recusa da oferta regular do serviço público pleiteado

ganha contornos de maior gravidade.

É que se trata de crianças entre 7 e 11 anos de idade, como se infere das

certidões de nascimento de fls. 09, 12 e 14, sendo, pois, uma temeridade deixar que tais

infantes se desloquem a pé por cerca de 1 km em estradas, quiçá sozinhas, para terem

acesso ao transporte escolar.

Restou ainda assentado nos autos que o horário de saída das aulas passou

para às 17h, de modo que o retorno das crianças se dará ao pôr do sol, podendo chegar

em casa já de noite, além de que se noticiou a existência de animais arredios pelo

caminho e, também, que as estradas na região encontram-se em bom estado de

conservação, não havendo motivos, portanto, para que o micro-ônibus não se dirija até

lá.

1 § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

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Assim, verifica-se que, diante do reiterado descumprimento aos direitos

prestacionais garantidos pela Constituição Federal de 1988, por parte do ente requerido,

não restou outra alternativa senão o ajuizamento da ação em referência, buscando

garantir a proteção ao direito fundamental da educação, na vertente relacionada ao

transporte.

II. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, diz que compete ao

Ministério Público promover a ação civil pública para a proteção dos interesses difusos,

coletivos e individuais indisponíveis.

O artigo 201, inciso V, da Lei nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do

Adolescente), dispõe, por sua vez, que cabe ao Ministério Público a promoção da ação

civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à

infância e à adolescência.

O artigo 208, caput, e inciso I e V, do mesmo diploma menorista, reza

que:

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de

responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao

adolescente, referente ao não-oferecimento ou oferta irregular:

I. do ensino obrigatório;

[...]

V. de programas suplementares de oferta de material didático-escolar,

transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental.

Por fim, o artigo 210, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente,

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dispõe que para as ações civis fundadas em interesses individuais, coletivos ou difusos o

Ministério Público tem legitimidade para a agir.

Portanto, o Ministério Público é parte legítima para propor a presente

ação, seja por amparo constitucional seja por amparo do Estatuto da Criança e do

Adolescente2.

II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS.

A Constituição Federal de 1988 assegura expressamente ao aluno da rede

pública de ensino o direito ao transporte escolar, como forma de propiciar seu acesso à

educação, conforme se infere dos seguintes preceitos;

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,

será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando

ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I. igualdade de condições para acesso e permanência na escola;

[...]

VII. garantia de padrão de qualidade.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a

garantia de:

2 Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TRANSPORTE ESCOLAR - ALUNOS RESIDENTES EM ZONA RURAL - LEGITIMIDADE DO MP - DIREITO CONSTITUCIONAL - GARANTIA CONSTITUCIONAL - OBRIGAÇÃO DO ESTADO. 1. O Egrégio STJ já sufragou o entendimento de que o Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública visando à defesa de direito individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando a presença da relevância social objetiva a tutela da dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde ou a educação. 2. Cabe à Administração Pública disponibilizar os meios necessários para promover a educação escolar, que é direito de todos e dever do Estado. 3. Recurso desprovido. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0261.13.012335-7/001, Relator Des. Raimundo Messias Júnior, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/08/2014, publicação em 25/08/2014).

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VII. atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica,

por meio de programas suplementares de material didático-escolar,

transporte, alimentação e assistência à saúde; (sem os grifos no

original).

Destaca-se que o acesso ao ensino obrigatório é um direito público

subjetivo, e a irregularidade na oferta desse serviço público importa na responsabilidade

da autoridade competente (artigos 208, §§ 1º e 2º, da CF/88 e 54, § 2º, do ECA).

Por outro lado, a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da

Educação, com as modificações implementadas pela Lei nº 10.709/2003, também prevê

expressamente o direito do aluno ao serviço de transporte escolar, indicando as

competências de cada esfera da Federação:

Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:

[...]

VII – assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual.

Art. 11. Os municípios incumbir-se-ão de:

[...]

VI – assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal;

Com isso, resta hialina a legitimidade do Município de XXXXXX/MG

para figurar no polo passivo desta demanda, porquanto, sendo municipal o

estabelecimento de ensino em que os filhos das representantes estudam, compete, por

consequência, também à municipalidade fornecer o adequado transporte escolar dos

alunos.

Vale acrescentar que a Lei nº 10.709/2003 supraindicada, foi instituída

justamente com o escopo de alterar a LDB, incluindo os dispositivos colacionados para

não deixar quaisquer dúvidas acerca da competência dos estados e municípios em

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garantir o transporte para os alunos de suas respectivas redes de ensino.

Além disso, o artigo 3º da mesma lei apresenta um importante

instrumento para negociações entre tais entes públicos, de forma a garantir que um

atendimento de qualidade a todos os jovens que precisam de transporte público para ter

garantido o seu direito à educação:

Art. 3º Cabe aos estados articular-se com os respectivos municípios,

para prover o disposto nesta lei de forma que melhor atenda aos

interesses dos alunos.

E, considerando a capilaridade do Estado de Minas Gerais, é notório o

conhecimento sobre a realização de convênios entre ele e os municípios como forma de

proporcionar o transporte escolar, o que, pelo visto, não se preocupou o Município de

XXXXXX de realizar.

E nem poderia ser diferente, pois de nada adiantaria a oferta do serviço

de ensino gratuito se o Poder Público não fornece as condições necessárias para que tal

direito seja exercido de forma igualitária e integral pelas crianças e adolescentes.

Tais disposições existem porque é evidente que a falta de transporte

escolar para os alunos da rede regular do ensino fundamental, sobretudo da zona rural,

implica em uma severa desigualdade de condições de acesso e permanência na escola,

determinando, de fato, o não acesso ao ensino obrigatório e gratuito, ferindo-se, assim,

direito público subjetivo de muitas crianças e adolescentes, ensejando a

responsabilidade das autoridades competentes, pois a situação equivale ao oferecimento

irregular do ensino obrigatório pelo Poder Público.

Ora, é evidente que, tendo o município o dever de assegurar a todos o

ensino fundamental, o ingresso e permanência na escola e a conclusão desse ensino,

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também deve garantir o transporte escolar para os alunos da zona rural, que residem

distantes das escolas, pois se trata de insumo indispensável ao efetivo acesso à

educação.

Além do mais, o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001) que,

frise-se, não é uma mera carta de intenções, mas uma lei que deve ser cumprida, afirma

que:

A exclusão da escola de crianças na idade própria, seja por incúria do

Poder Público, seja por omissão da família e da sociedade, é a forma

mais perversa e irremediável de exclusão social, pois nega o direito

elementar de cidadania, reproduzindo o círculo da pobreza e da

marginalidade e alienando milhões de brasileiros de qualquer

perspectiva de futuro (nossos os grifos).

O referido Plano considera, ainda, que a existência de crianças fora da

escola e as taxas de analfabetismo estão estreitamente associadas, tratando-se de

problemas localizados, concentrados em bolsões de miséria existentes nas periferias

urbanas e nas áreas rurais.

Para contornar o problema das crianças fora da escola na idade adequada,

principalmente nas áreas rurais, o referido PNE estabelece como um de seus objetivos e

metas prover de transporte escolar as zonas rurais, quando necessário, com

colaboração financeira da União, Estados e Municípios, de forma a garantir a

escolarização dos alunos e o acesso à escola por parte do professor.

O Ministério da Educação reconhece que:

[...] percorrer longos trechos para chegar à escola é realidade de

milhares de alunos da rede pública, que vivem em áreas rurais. Outros

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precisam utilizar barcos para assegurar seu direito à educação. A

consequência imediata dessa dificuldade é a evasão escolar e a

repetência. Para contribuir na diminuição deste índice, facilitando o

acesso e a permanência dos alunos na escola, foi criado em 1994 o

Programa Nacional de Transporte Escolar – PNTE e em 2004, instituído

pela Medida Provisória nº 173, publicada em 17 de março, o Programa

Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar – PNATE (Disponível em:

www.fnde.gov.br/programas/pnte.index.html Acesso em: 21 de outubro

de 2006).

Por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE

criou-se o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar – PNATE, justamente

para garantir a oferta do transporte escolar aos alunos do ensino fundamental público,

residentes em área rural, por meio de assistência financeira, em caráter suplementar, aos

Estados ao Distrito Federal e aos Municípios.

Ademais, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais

universalizou, desde 2003, o repasse às Prefeituras municipais de recursos do Programa

de Transporte Escolar para atendimento aos alunos do Ensino Fundamental residentes

em regiões distantes dos estabelecimentos de ensino.

Sob outro aspecto, não se pode olvidar também que o Estatuto da Criança

e do Adolescente revolucionou o Direito Infanto-Juvenil, inovando e adotando a

Doutrina da Proteção Integral, prevista no artigo 1º da referida norma, que assegura

os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de

qualquer tipo, baseando-se no reconhecimento de direitos especiais e específicos de

todas as crianças e adolescentes, decorrentes da condição peculiar de pessoas em

desenvolvimento.

Nessa linha, dispõe o artigo 3º do Estatuto que:

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Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção

integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros

meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições

de liberdade e de dignidade.

O artigo 4º, nesse mesmo diapasão, espelhado no artigo 227, caput, da

CF/88, diz o seguinte:

Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do

poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos

direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância

pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais

públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas

com a proteção à infância e à juventude. (sem os grifos no original).

No caso em comento, percebe-se facilmente que o Município de

XXXXX/MG, ao negar o transporte escolar para as crianças supraindicadas, residentes

na zona rural da cidade, está se afastando de sua obrigatoriedade constitucional de

ofertar mecanismos que propiciem um ensino regular e obrigatório a todas as crianças e

adolescentes em idade escolar.

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Frise-se, ainda, que a suposta falta de verbas, baseada no princípio da

″reserva do possível″, não é objeção suficiente para escusar o município da prestação de

insumo necessário ao exercício de um direito social fundamental, garantidor de um

mínimo existencial, do núcleo do princípio da dignidade da pessoa humana, consistente

no acesso à educação fundamental. Trata-se de norma vinculante, cujo descumprimento

é inescusável.

Nesse aspecto, vale a pena conferir os termos do voto proferido pelo

eminente Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível nº 70055624373:

O direito à educação deve ser compreendido em sentido amplo, não se

limitando à simples oferta de vaga em escola regular, mas

compreendendo também o acesso à escola, o que inclui o fornecimento

de transporte escolar, quando se mostrar necessário ante a distância

entre a escola e a casa do aluno, notadamente para alunos residentes na

zona rural, como é o caso do apelado Héctor.

O dever constitucional do Estado – em sentindo lato – de prover o acesso

à educação, notadamente em favor das crianças e adolescentes, tem

arrimo nos arts. 205 e 228 da Constituição Federal:

[...]

Do mesmo modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus arts.

53 e 54, estabelece que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é

direito público subjetivo da criança e do adolescente, visando ao pleno

desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e

qualificação para o trabalho.

Ainda que caiba o estabelecimento de tais critérios para concessão de

transporte aos alunos residentes na zona urbana, o mesmo não se pode

dizer em relação àqueles que, como o apelado, residem na zona rural,

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podendo-se até mesmo afirmar a presunção das dificuldades de

deslocamento e necessidade do transporte escolar.

Há que ter em mente que, na espécie, fornecer o estudo, porém sem o

transporte, é o mesmo que negar o direito à educação. Nesse sentido, os

precedentes deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MUNICÍPIO DE LAGOA

VERMELHA. TRANSPORTE ESCOLAR AOS ALUNOS

RESIDENTES NA ZONA RURAL E TRANSPORTE NOTURNO.

DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. CABIMENTO.

1. O direito à educação constitui direito fundamental social, que

deve ser assegurado de forma solidária pelos entes federativos,

incluindo-se neste conceito o transporte escolar gratuito às

crianças e adolescentes matriculados na rede pública de ensino,

não podendo o particular ter limitado o seu direito à educação,

garantido constitucionalmente, por ato da Administração

Pública. 2. Consideradas as particularidades do caso concreto,

cabível determinar que o Município de Lagoa Vermelha

disponibilize transporte escolar aos alunos residentes na zona

rural, nos moldes dos anos anteriores, bem como forneça

transporte escolar para os alunos que desejam estudar no turno

da noite. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

(Agravo de Instrumento Nº 70054304480, Oitava Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl,

Julgado em 27/06/2013).

APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE. TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO À

CRIANÇAS RESIDENTES NA ZONA RURAL. DEVER DO

PODER PÚBLICO. PRECEDENTE DESTA CORTE.

APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70048928303,

Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge

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Luís Dall'Anol, Julgado em 29/08/2012).

AÇÃO ORDINÁRIA. ECA. DIREITO À EDUCAÇÃO. DEVER

DO MUNICÍPIO. CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO AO

PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PARA DEFENSORIA

PÚBLICA. CABIMENTO. TRANSPORTE ESCOLAR.

CABIMENTO. 1. Constitui dever do Município assegurar às

crianças o acesso à educação, cabendo-lhe garantir vaga na

rede pública ou, então, na rede privada, às suas expensas,

abrangendo também o transporte escolar. 2. Considerando o

entendimento pacífico desta Corte quanto ao cabimento da

condenação do Município ao pagamento de honorários em

favor da Defensoria Pública, refletindo também a orientação

uníssona do STJ, submeto-me a esse entendimento para admitir

tal ônus, fixando a verba remuneratória destinada ao FADEP

em patamar adequado, considerando que se trata de questão

pacífica e de recurso repetitivo. Recurso do Município

desprovido e provido o recurso do autor. (Apelação Cível Nº

70054447453, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em

29/05/2013).

Ademais, não há falar em violação ao princípio da separação de

Poderes, por indevida ingerência na tarefa administrativa. O tema foi

tratado com maestria pelo Em. Desembargador Eugênio Fachini Neto,

citado e reverenciado no acórdão lavrado na Apelação Cível

5960178971. Aludindo à teoria da tripartição de poderes sistematizada

por Montesquieu, constata:

‘Essa teoria clássica, porém, foi engendrada como tentativa de

colocar limites ao poder absolutista dos monarcas (que

representava o poder executivo da época). Para tanto via-se

no parlamento o órgão capaz de fazer frente ao rei. Quanto ao

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judiciário reservava-se-lhe o singelo papel de ‘a boca que

pronuncia as palavras da lei’, na conhecida expressão

montesquiana. Uma vez ultrapassada esta fase, e

definitivamente assimilada a ideia de que o poder não é

ilimitado, encontrando ele próprio limites na legislação, e

aceita igualmente a premissa de que os agentes do poder só

podem agir para defesa e efetiva consecução do bem comum,

chega-se a uma nova ideia sobre o papel desempenhado pelo

Poder Judiciário’.

É esse novo papel de agente do poder político transformador que não

permite que o Judiciário, uma vez provocado, quede inerte diante da

ação (ou omissão) do Executivo que, mesmo na esfera discricionária,

entre em confronto direto com o ordenamento jurídico e, sobretudo, a

Constituição Federal. Nesse sentido, prossegue o Magistrado:

‘Em primeiro lugar o Judiciário só pode ser entendido no

contexto do poder. Esse, como se sabe, é uno. O seu exercício é

feito através de funções diferenciadas (administrativas,

legislativas e jurisdicionais) não apenas como forma de

controle recíproco como também como meio de melhor

desempenho do ponto de vista técnico da jurisdição, que se

entende deva ela ser outorgada a agentes de poder recrutados

pelo caráter técnico (concursos públicos)’.

(...)

‘Pois bem, assentado que o judiciário também é órgão de Poder

(e, portanto, também comprometido, teleologicamente, com o

bem comum) e que é inafastável o caráter político de sua

atuação (não evidentemente no sentido partidário do termo, mas

entendida a política como a arte da busca do bem comum), não

há como afastar o juiz, aprioristicamente, do conhecimento de

opções ditas discricionárias dos demais poderes. O que jamais

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se poderá permitir é que o juiz busque substituir o critério do

administrador pelo seu próprio. Não é disso que se trata. O que

se defende é a possibilidade comportada (diria até, exigida)

pelo sistema de o juiz apreciar as manifestações de vontade

Política (no sentido supra assinalado) dos demais poderes,

confrontando-as com o sistema legal, especialmente

Constitucional, para verificar de sua adequação ao mesmo’.

Isso porque o poder discricionário da administração é, em verdade, um

dever de promover o bem comum. Nesse sentido a percuciente

observação de Celso Antônio Bandeira de Melo2:

‘Na Ciência do Direito Administrativo, erradamente e até de

modo paradoxal, quer-se articular os institutos do direito

administrativo, – inobstante ramo do direito público – em torno

da ideia de poder, quando correto seria articulá-los em torno da

idéia de DEVER, de finalidade a ser cumprida. Em face da

finalidade, alguém – a Administração Pública – está posta

numa situação que os italianos chamam de ‘deverosità’ isto é,

sujeição a esse dever de atingir a finalidade. Como não há

outro meio para se atingir esta finalidade para obter-se o

cumprimento deste dever, senão irrogar a alguém certo poder

instrumental, ancilar ao cumprimento do dever, surge o poder,

como mera decorrência, como mero instrumento impostergável

para que se cumpra o dever. Mas, é o dever que comanda toda a

lógica do Direito Público. Assim, o dever assinalado pela lei, a

finalidade nela estampada, propõem-se, para qualquer agente

público, como um ímã, como uma força atrativa inexorável do

ponto de vista jurídico’.

Conjugando-se a ideia de dever discricionário e função jurisdicional

com a principiologia vertida na Constituição Federal, dando prioridade

absoluta aos direitos da criança e do adolescente, está o poder público

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necessariamente vinculado à promoção, com absoluta prioridade, do

acesso à educação da população infanto-juvenil.

Por fim, não é outra a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais, valendo conferir, a título exemplificativo, os seguintes

precedentes;

CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DIREITO À

EDUCAÇÃO BÁSICA E ENSINO FUNDAMENTAL - TRANSPORTE

ESCOLAR GRATUITO - CRIANÇA E ADOLESCENTE - ABSOLUTA

PRIORIDADE - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ORDEM EDUCACIONAL

- OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL EM CUMPRIR

PRESTAÇÃO POSITIVA IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO -

CONTROLE JUDICIAL - ADMISSIBILIDADE - OFENSA AO

PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA -

OBRIGAÇÃO DE FAZER - INADIMPLEMENTO - MULTA DIÁRIA -

EXIGÊNCIA - INÍCIO DO PRAZO - INTIMAÇÃO PESSOAL DO

CHEFE DO PODER EXECUTIVO - SENTENÇA PARCIALMENTE

REFORMADA. Incumbe ao Poder Público Municipal assegurar

educação ao menor em idade escolar, com absoluta prioridade,

propiciando meios que materializem o direito constitucionalmente

assegurado, fornecendo passagem e/ou assumindo para si a efetivação

do transporte gratuito, de maneira permanente e contínua, como forma

de garantir aos alunos que residem a mais de 1 Km do educandário o

acesso à educação infantil e ao ensino fundamental. Não há ingerência

indevida nas atribuições do Poder Executivo, mas apenas exercício do

controle conferido ao Poder Judiciário quando impõe o cumprimento de

obrigação de fazer em processo que objetiva a tutela de direitos

assegurados à criança e ao adolescente, que, por se tratarem de pessoas

em desenvolvimento, merecem tratamento prioritário por parte dos

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administradores públicos. É vedado ao Poder Público, como forma de se

eximir em executar política específica visando assegurar o direito à

educação, alegar falta de disponibilidade financeira, invocando, para

tanto, a lei de responsabilidade fiscal e o princípio da reserva do

possível, mormente quando já passados mais de vinte e cinco anos de

vigência da Constituição da República e vinte e três anos da Lei nº

8.069/90. É cabível a aplicação de multa contra a Administração

Municipal em caso de descumprimento de obrigação de fazer. O prazo

de 90 (noventa) dias para o cumprimento da obrigação, sob pena de

multa diária, incide do trânsito em julgado da sentença favorável ao

autor da ação civil pública, e somente depois da intimação pessoal do

Chefe do Poder Executivo, providência determinada pela Instância

Revisora, uma vez que é o responsável pela implementação do encargo.

(TJMG Ap Cível/Reex Necessário 1.0024.12.112485-3/002, Relator

Edilson Fernandes, data do julgamento 22/07/2014).

REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO VOLUNTÁRIO. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. TRANSPORTE ESCOLAR. PRELIMINAR PERDA DE

OBJETO. REJEIÇÃO. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO PELO

TRANSPORTE ESCOLAR. DIREITO À EDUCAÇÃO. GARANTIA

CONSTITUCIONALMENTE PREVISTA. SENTENÇA CONFIRMADA

NO REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO VOLUNTÁRIO

PREJUDICADO.

- A antecipação dos efeitos da tutela, com consequente implantação do

transporte escolar gratuito aos necessitados, não enseja a perda de

objeto, mostrando-se imprescindível a confirmação do feito pela

sentença.

- É responsabilidade do Município a disponibilização de transporte

escolar gratuito aos alunos residentes na zona rural e urbana, para que

os mesmos tenham acesso aos estabelecimentos da rede pública de

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ensino.

- A determinação judicial de implementação de garantia

constitucionalmente assegurada à criança e ao adolescente não enseja

ingerência indevida do Poder Judiciário nas funções políticas exercidas

pelo Legislativo e pelo Executivo, mormente considerando a prova

quanto à necessidade do serviço.

- Sentença confirmada no reexame necessário, prejudicado o recurso

voluntário. (TJMG - Ap Cível/Reex Necessário 1.0133.12.005559-4/001,

Relator Des. Moacyr Lobato, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em

09/04/0015, publicação da súmula em 22/04/2015).

De fato, apenas a procedência integral do pedido poderá resguardar o

direito individual indisponível das crianças lesadas ao transporte escolar adequado à

condição deles de residentes na zona rural do município de XXXXXXXX/MG.

III – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA.

De acordo com o preceituado no art. 273 do Código de Processo Civil,

“O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da

tutela pretendida no pedido inicial, desde que: existindo prova inequívoca, se convença

da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano ou de difícil

reparação”.

No caso vertente, os requisitos da verossimilhança da alegação e prova

inequívoca defluem de forma clara e indiscutível do conteúdo dos autos da NF nº

MPMG 0312.15.000049-4, ora encartada aos autos, dando conta de que o Poder Público

municipal está se recusando a ofertar o transporte escolar regular para as crianças

Fulano de Tal, Cicrano de Tal e Beltrana de Tal, o que tem afetado frontalmente o

direito subjetivo dos menores de ter acesso à educação.

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O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação advém,

primeiramente, dos perigos que essas crianças vêm passando ao terem que caminhar por

mais de 1 km por estradas, à noite, sendo expostas a vários riscos, como acidentes com

veículos e animais, indivíduos mal-intencionados, além do desgaste desnecessário a que

elas estão sendo submetidas.

Ademais, tais dificuldades podem incentivar faltas às aulas e até mesmo

evasão escolar, causando perdas irreparáveis em sua formação.

A inércia e a falta de planejamento do Município de XXXXXXX para a

oferta a contento do transporte escolar entre duas localidades situadas na zona rural

poderá afetar, portanto, negativamente, de forma irreparável, a formação educacional

desses alunos.

Ainda, conforme previsão legal contida nos artigos 213 do Estatuto da

Criança e do Adolescente e 12 da Lei nº 7.347/85, pode o juiz, sendo relevantes os

fundamentos da demanda, presentes os demais requisitos, conceder o provimento de

urgência pleiteado initio litis para assegurar o resultado prático equivalente ao do

adimplemento.

Além disso, não se pode esquecer que a infância e juventude são

efêmeras. Se há algo para se fazer em seu benefício e evitar possíveis lesões de difícil

reparação ou irreparáveis, que se faça logo.

Assim, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, requer-se

liminarmente e inaudita altera parte3, seja determinado ao Município de

XXXXXXX/MG, através do seu representante legal, Exmo. Sr. Prefeito Municipal, que

3 Frisando-se que o próprio e. TJMG reconhece essa possibilidade, ainda que em face de pessoa jurídica de direito público, afirmando que [...] em situações de caráter excepcionalíssimo, admite se a dispensa da oitiva do Ente público, cuja medida só se justifica diante do poder geral de cautela conferido ao Juiz , quando necessário para evitar dano iminente e irreversível que poderia advir da demora do provimento jurisdicional liminar. (Agravo n.º 1.0245.07.121442-4/001).

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providencie imediatamente o transporte escolar, de maneira regular e diária, às crianças

Fulano de Tal, Cicrano de Tal e Beltrana de Tal entre a residências destas (Córrego

Santa Luzia) e a Escola Municipal de Alto Figueira, sob pena de multa diária, no valor

de R$ 1.000,00 (um mil reais) a ser revertida para o Fundo Estadual de Defesa da

Criança e Adolescentes.

Nesse sentido, em caso análogo:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - TRANSPORTE

ESCOLAR PÚBLICO - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PRESENÇA

DOS REQUISITOS ATINENTES À ESPÉCIE - RESPONSABILIDADE

DO MUNICÍPIO.

Em consonância com o art. 211 da Constituição Federal, os entes

federados organizarão seus sistemas de ensino em regime de

colaboração e que o Município atuará prioritariamente no ensino

fundamental e na educação infantil.

É dever constitucional do Município promover o adequado e regular

serviço de transporte escolar local, em plenas condições de segurança,

visando efetivar o acesso das crianças e adolescentes à educação.

(TJMG - Apelação Cível 1.0775.04.002436-3/001, Relator Des. Vanessa

Verdolim Hudson Andrade, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em

11/02/2014, publicação da súmula em 19/02/2014).

III.1 – DA EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA

Como sabido, muito além de simplesmente se dizer a norma jurídica no

caso concreto, um dos maiores desafios na realidade forense é o de efetivar a

promoção de direitos, mormente quando, para isso, depende o Poder Judiciário da

intervenção de outros atores do Estado, na efetivação de políticas públicas.

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No caso vertente, a simples enunciação do dever de processamento e

efetivo pagamento dos custos inerentes ao tratamento fora do domicílio, não tem o

condão de, per se, mover a máquina estatal para satisfazer o direito fundamental

violado.

Assim, diante do caráter eminentemente assistencial do pronunciamento

liminar, entende-se que o Chefe do Poder Executivo municipal figura como a autoridade

com atribuição para o cumprimento da obrigação, muito embora não seja, pessoalmente,

integrante do polo passivo nos presentes autos.

Entretanto, mesmo sem ser a pessoa do edil parte do processo, é factível

juridicamente a imposição de sanções a ele pelo descumprimento de uma ordem

judicial, posto que o comando oriundo do Poder Judiciário, a par de cogente, in casu,

apenas determina que cumpra o seu dever constitucional e legal4, em nada tendo

pertinência com o direito discutido nos autos.

É esta a dicção do artigo 14, inciso V e seu parágrafo único, do Código

de Processo Civil:

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer

forma participam do processo:

[...]

V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar

embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza

antecipatória ou final.

Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam

exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V

deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição,

4 Destacando-se, inclusive, que o art. 5º, inciso II, alínea b, do Decreto Estadual n.º 45.015/2009 o autoriza a “comprar leitos/recursos assistenciais nos casos de urgência e emergência, quando as disponibilidades do SUS forem insuficientes para garantir a assistência ao paciente, observada a normatização da SES”.

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podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais

cabíveis, aplicar AO RESPONSÁVEL multa em montante a ser fixado

de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento

do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do

trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita

sempre como dívida ativa da União ou do Estado. (nossos os grifos).

O texto do dispositivo legal acima invocado é oriundo de uma das

reformas ao CPC, proveniente da Lei nº 10.358/2001. Sua grande novidade foi de

utilizar o termo “responsável” ao invés de “parte”, ressonando o texto do caput do

dispositivo – também por ela inaugurado – ao prever que a lealdade processual e a boa-

fé no procedimento em contraditório são deveres de todos, e não somente das partes,

independente de sua condição de estarem ou não nos pólos da relação processual.

A rigor, em se tratando de uma pessoa jurídica a cumprir a ordem

emanada (como o Município de XXXXXX), a sanção correspondente deveria ser

imposta unicamente ao ente fictício.

Porém, tendo em vista que esta multa é a única do CPC a não se

destinar ao prejudicado, mas sim ao Estado, quando o descumprimento da ordem

judicial advir de pessoa jurídica de direito público, aplicando-se esta regra, o credor

seria simultaneamente devedor do valor aplicado a título de multa, anulando os

efeitos buscados pela norma interpretada, uma vez que a confusão é causa extintiva

das obrigações.

Afinal, é de se presumir que o Poder Público não inscreva em dívida

ativa, nem muito menos proceda à execução, quando a responsabilidade pelo pagamento

da multa estipulada judicialmente seja dele próprio ou de um dos entes políticos.

Por isso, resta evidente que a penalidade de multa deve ser

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direcionada ao agente público descumpridor da ordem judicial.

Nesse sentido, HUGO DE BRITO MACHADO defende que “quando seja

parte no processo a Fazenda Pública, ou uma outra pessoa jurídica, a multa prevista

no parágrafo único do art. 14, do Código de Processo Civil, deve ser aplicada àquele

que a corporifica, ao agente público, ao dirigente ou representante da pessoa jurídica

ao qual caiba a conduta a ser adotada em cumprimento da decisão judicial”5.

De modo que, não é razoável que, sendo o Estado (aqui inclusive

mencionado lato sensu) responsável pela prestação jurisdicional, cuja presteza lhe cabe

preservar, tutelando e defendendo o interesse público primário, possa ele próprio,

cometer um ato atentatório à dignidade da jurisdição.

Quem comete esse ato na verdade é o servidor público que não está

realmente preparado para o desempenho de suas atribuições em um Estado de Direito.

A esse, portanto, cabe suportar a sanção correspondente.

O próprio colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em

idêntico teor no julgado paradigma abaixo colacionado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. DESCUMPRIMENTO

DE ORDEM JUDICIAL. ATO ATENTATÓRIO AO EXERCÍCIO DA

JURISDIÇÃO. MULTA DO ART. 14 DO CPC. APLICABILIDADE ÀS

PARTES E A TODOS AQUELES QUE, DE ALGUMA FORMA,

PARTICIPAM DO PROCESSO. (...) 4. O inciso V do art. 14 do Código

de Processo Civil, incluído pela Lei 10.358/2001, prevê como dever das

partes e de todos aqueles que, de alguma forma, participam do

processo, "cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não

criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza

5 Descumprimento de Decisão Judicial e Responsabilidade Pessoal do Agente Publico In Revista Dialética de Direito Tributário n.º 86, p. 50-59, Oliveira Rocha, São Paulo, 2002.

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antecipatória ou final". 5. Não há como se admitir, no entanto, que um

membro do Ministério Público, a quem incumbe a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis (art. 127 da CF/88), deixe de dar cumprimento à ordem

judicial que suspendeu a realização do evento, sob a alegação de que

não era parte na ação mandamental, máxime porque o provimento

liminar era extremamente claro no tocante à extensão dos seus efeitos. 6.

‘Os deveres enumerados no art. 14, pois, são deveres das partes. E por

partes devem-se entender todos os sujeitos do contraditório. Em outros

termos, o conceito de partes a que alude o art. 14 não se refere apenas

às partes da demanda (demandante e demandado), mas a todas as

partes do processo (incluindo-se aí, também, portanto, os terceiros

intervenientes e o Ministério Público que atua como custos legis). É

mais amplo ainda, porém, o alcance do art. 14. Isto porque não só as

partes, mas todos aqueles que de qualquer forma participam do

processo têm de cumprir os preceitos estabelecidos pelo art. 14.’

(Alexandre Freitas Câmara, ‘Revista Dialética de Direito Processual’, n.

18, p. 9-19, set. 2004).(...) 8. Recursos especiais desprovidos. (REsp nº

757.895/PR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA,

julgado em 02/04/2009, DJe 04/05/2009).

Assim, pleiteia o Parquet que, já no corpo do ofício determinando a

imediata regularização do transporte escolar aos menores em epígrafe, esteja expresso

que o seu descumprimento importará na imputação ao oficiado da conduta de ato

atentatório ao exercício da jurisdição, na forma do art. 14, inciso V, do Código de

Processo Civil, significando a aplicação de multa equivalente a 20% (vinte por cento)

do valor da causa6, além das sanções correspondentes ao crime de desobediência.

IV – DOS PEDIDOS

6 Entende-se que a multa deverá por bem ser arbitrada em seu montante máximo diante da gravidade dos fatos aqui narrados.

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Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

MINAS GERAIS requer:

a) a autuação e o recebimento desta petição inicial, com a juntada dos

documentos a ela colacionados, seguindo-se os trâmites legais previstos na Lei n.º

7.347/1985, com a prioridade na tramitação, em razão da urgência e emergência

verificadas do caso;

b) o deferimento, in limine litis e inaudita altera parte, na forma do art.

12 da Lei nº 7.347/1985, determinando ao município réu que forneça o transporte

escolar, de maneira regular e diária, às crianças Fulano de Tal, Cicrano de Tal e

Beltrana de Tal entre a porta das residências destas, no Córrego Santa Luzia, e a

Escola Municipal de Alto Figueira, sob pena de multa diária, no valor de R$ 1.000,00

(um mil reais), multa esta destinada ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente,

nos termos do caput do artigo 214 da Lei nº 8.069/90;

c) a citação do Município de XXXXXXX/MG, na pessoa dos Exmos.

Srs. Prefeito Municipal e Secretária Municipal de Educação, na forma dos artigos 12,

inciso I, e 222, alínea “c”, do Código de Processo Civil, para, querendo, contestar o

presente pedido, no prazo da lei, sob pena de confissão e revelia, nos termos do disposto

nos artigos 285 e 319, também do Código de Processo Civil;

d) ao final, que seja julgado procedente o pedido formulado, a fim de

que, confirmando-se a antecipação dos efeitos da tutela, seja o Município de

XXXXXX/MG condenado ao cumprimento da OBRIGAÇÃO DE FAZER consistente

em fornecer o transporte escolar, de maneira regular e diária, às crianças Fulano de Tal,

Cicrano de Tal e Beltrana de Tal entre a porta das residências destas, no Córrego

Santa Luzia, e a Escola Municipal de Alto Figueira, sob pena de, nos termos do artigo

11 da Lei nº 7.347/95, pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) pelo

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descumprimento, a ser revertida para o fundo de reconstituição dos interesses meta-

individuais lesados, criado pelo artigo 13 do mesmo diploma legal, sem prejuízo de

outras providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial, como o bloqueio

compulsório de valores; e

e) ato contínuo ao pedido contido na alínea anterior, seja o requerido

condenado ao pagamento das custas e despesas processuais de praxe.

Pretende o Parquet provar o alegado por todos os meios de prova

admitidos em direito, mormente o documental, o testemunhal e a realização de perícia.

Dá-se à presente causa, para fins do art. 258 do CPC, o valor de R$

50.000,00 (cinquenta mil reais).

Nestes termos, espera deferimento.

XXXXXXX/MG, 22 de julho de 2015.

Promotor de Justiça

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