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Voltar A CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA - SUA DOUTRINA Trabalho apresentado no XVII Congresso Nacional de Criminalística pelo Perito Celito Cordioli. RESUMO As Instituições de Polícias dos paises ocidentais trazem um ramo de Polícia Científica, também chamada de Polícia Técnica, cuja atividade é denominada de Criminalística. Nesses paises esse ramo se identifica com os valores abrangidos pela Instituição Polícia, porque o Perito atua em prol da sua Instituição de Polícia. No Brasil a Criminalística, que deveria ser um simples ramo da Polícia Judiciária, como ocorreu em outros paises, adquiriu posição de Instituição Social Independente e Soberana, assegurada pelo Direito Processual Penal. No Brasil, cabe a Autoridade Policial requisitar a realização do Exame de Corpo de Delito e outros exames que julgar necessários ao Diretor do Órgão Coordenador das Perícias Criminais e não diretamente ao perito, deixando clara a inexistência de subordinação hierárquica do perito à autoridade requisitante. Assim, a Instituição do Corpo de Delito é exterior ao Poder de Polícia não cabendo a Polícia Judiciária a atribuição de proceder ao Exame de Corpo de Delito, cabendo a esta, tão somente, o direito de requisitar e alguém, fora da Instituição Polícia Judiciária, fazê-lo. Esse fenômeno que ocorreu no Brasil interferiu e influenciou sobremaneira na nossa Instituição de Criminalística, diferenciando-a da Criminalística praticada nos demais paises ocidentais e essa posição de Instituição Social Independente e Soberana foi garantida na Lei Processual Penal de l941, sem que muitos tenham se dado conta

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A CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA - SUA DOUTRINA

Trabalho apresentado noXVII Congresso Nacional de Criminalística

pelo Perito Celito Cordioli.

RESUMO

As Instituições de Polícias dos paises ocidentais trazem um ramo de Polícia

Científica, também chamada de Polícia Técnica, cuja atividade é denominada de

Criminalística. Nesses paises esse ramo se identifica com os valores abrangidos

pela Instituição Polícia, porque o Perito atua em prol da sua Instituição de Polícia.

No Brasil a Criminalística, que deveria ser um simples ramo da Polícia Judiciária,

como ocorreu em outros paises, adquiriu posição de Instituição Social

Independente e Soberana, assegurada pelo Direito Processual Penal.

No Brasil, cabe a Autoridade Policial requisitar a realização do Exame de Corpo de

Delito e outros exames que julgar necessários ao Diretor do Órgão Coordenador

das Perícias Criminais e não diretamente ao perito, deixando clara a inexistência de

subordinação hierárquica do perito à autoridade requisitante.

Assim, a Instituição do Corpo de Delito é exterior ao Poder de Polícia não cabendo a

Polícia Judiciária a atribuição de proceder ao Exame de Corpo de Delito, cabendo a

esta, tão somente, o direito de requisitar e alguém, fora da Instituição Polícia

Judiciária, fazê-lo.

Esse fenômeno que ocorreu no Brasil interferiu e influenciou sobremaneira na

nossa Instituição de Criminalística, diferenciando-a da Criminalística praticada nos

demais paises ocidentais e essa posição de Instituição Social Independente e

Soberana foi garantida na Lei Processual Penal de l941, sem que muitos tenham se

dado conta dessa realidade.

INTRODUÇÃO

O tema desta palestra foi apresentado pela primeira vez durante o IX Congresso

Nacional de Criminalística, na cidade de São Paulo, em 1987, quando foi lançado o

livro “Doutrina da Criminalística Brasileira” de autoria do Perito Criminal de São

Paulo, Benedito Paulo da Cunha. A apresentação deste tema, naquela

oportunidade, tinha como objetivo abrir à discussão dos operadores da

Criminalística, da Polícia Judiciária, do Ministério Público, da Justiça e demais

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carreiras jurídicas os princípios que norteiam a Criminalística Brasileira e que a

diferenciam da praticada nos demais paises. Com essa palestra queremos retomar

a discussão deste tema que gostaríamos de ver desenvolvido para o entendimento

da Criminalística Brasileira.

Naquela oportunidade o trabalho apresentado foi de suma importância,

pois além de propor a discussão da Doutrina da Criminalística Brasileira no seu

aspecto do Direito Processual Criminal, levantou outros aspectos abrangentes da

fenomenologia social do Instituto da Criminalística Brasileira. O Brasil atravessava,

naquela época, grandes mudanças. Estava em pleno processo a redemocratização

com a discussão de uma nova Constituição para o Brasil. Também a Criminalística

reunida no IX Congresso Nacional de Criminalística lançou as bases doutrinárias da

INSTITUIÇÃO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA.

O tema é bastante extenso, certamente uma palestra não é suficiente para discuti-

lo com mais profundidade. De forma sintetizada serão apresentados os seguintes

tópicos:

- A Instituição da Criminalística Brasileira é exterior a Instituição Polícia

Judiciária;

- Abrangência e a Consolidação do Instituto da Criminalística;

- Fenomenologia Social do Instituto da Criminalística Brasileira;

- Consolidação da Instituição da Criminalística Brasileira no Código de

Processo Penal;

- Instituto da Imparcialidade da Criminalística Brasileira;

- Origem dos Peritos Oficiais Criminalísticos Brasileiros;

- Princípios da Estrutura da Criminalística Brasileira;

- Laudo Pericial Criminalístico: o Instrumento do Perito Oficial;

- Postulados e Princípios da Criminalística Brasileira.

A INSTITUIÇÃO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA É EXTERIOR A INSTITUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

Benedito Paulo da Cunha no seu livro “Doutrina da Criminalística

Brasileira” demonstra ser a Instituição da Criminalística Brasileira EXTERIOR ao

Poder de Polícia. Inicia sua demonstração colocando: “É fundamental observarmos

o seguinte: Cabe à Autoridade Policial requisitar a realização dos Exames de Corpo

de Delito: a Instituição do Corpo de Delito é EXTERIOR ao Poder de Polícia. A

Autoridade Policial requisita que alguém proceda tal exame; se essa Instituição lhe

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e exterior, não lhe cabe subordinação. A Autoridade Policial seria responsável pelos

resultados dos exames de Corpo de Delito, se quem o fizesse pudesse ser ou fosse

um seu subordinado. Daí não caber à Polícia Judiciária a atribuição de proceder ou

fazer os exames de Corpo de Delito, mas apenas requisitar que alguém os faça.

Essa distinção foi um fenômeno que ocorreu no Brasil, o qual interferiu e

influenciou sobremaneira, na Instituição da Criminalística Brasileira, diferenciando-

a da dos outros povos”.

A Instituição da Criminalística Brasileira é exterior à Polícia Judiciária. A

esta cabe tão somente a requisição dos exames, sem qualquer interferência nos

resultados. O Laudo Pericial não necessariamente servirá de prova indiciária, mas é

o principal elemento de prova a ser incorporado no Inquérito Policial podendo servir

tanto para a acusação quanto para a defesa. Este será a única peça que não será

refeita no Judiciário onde passará a ser a peça de Instrução Criminal que

materializa o Instituto do Corpo de Delito.

No decurso do presente trabalho será buscada a comprovação desta afirmação.

ABRANGÊNCIA E A CONSOLIDAÇÃO DO INSTITUTO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA

O termo Criminalística, conforme hoje é entendido, foi utilizado pela

primeira vez por HANS GROSS em seu livro “Manual do Juiz de Instrução sobre o

Sistema Criminalístico”, sendo este trabalho considerado o primeiro tratado de

conjunto deste novo ramo do conhecimento.

O trabalho de HANS GROSS foi traduzido para o espanhol, dando origem

ao laboratório de Polícia Científica naquele pais. Magiore, em seu “Derecho Penal”,

faz referência ao termo Polícia Científica, com o mesmo sentido de Criminalística.

Aragon faz referência a Criminalística como sendo uma ciência a ser estudada por

toda a classe jurídica criminal.

A obra de Hans Gross foi traduzida para o francês em 1901. Locard, em

seu “Traité de Criminalistique” considera a Polícia Científica apenas como um

aspecto da Criminalística. Hans Gross, publicou novo livro sobre o tema intitulado:

"Enciclopédia de Criminalística". Este livro, após o término da II Guerra Mundial, foi

reeditado e atualizado pelo professor Ernest Seelig, sob o título "Handbuch Der

Kriminalistik" (Manual de Criminalística).

O termo Criminalística passou a ser aceito pacificamente, mas na sua

definição e abrangência são encontrados alguns conflitos, principalmente com

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relação à Medicina Legal. Alguns mestres desta especialidade da Criminalística

querem fazer crer que é a Criminalística que faz parte da Medicina Legal e não o

contrário.

Pela definição dada por Hans Gross e demais mestres que o seguiram,

fica evidente que o termo Criminalística passou a expressar todas as atividades,

métodos e técnicas científicas aplicadas com a finalidade de encontrar, recolher e

analisar os vestígios sensíveis deixados pela ação delituosa, na busca da prova da

prática do delito e de sua autoria, estando aí incluída a Medicina Legal, no que

tange a parte criminal, sendo esta responsável pelos exames dos vestígios da ação

delituosa deixados na pessoa, no corpo humano, quer ele esteja vivo ou morto e,

neste caso, não importando há quanto tempo.

Esta discussão não é importante para o que nos propomos a apresentar para os

senhores, pois foge do objetivo do nosso tema, mas é importante que fique claro o que

entendemos ser a Instituição da Criminalística Brasileira e o que é abrangido por ela.

Outro aspecto importante a ser observado nesta introdução é de que a

Criminalística, inicialmente, foi transmitida na ótica jurídico-criminal, sem se

preocupar em acrescentar algo à metodologia de perícia criminalística, continuando

esta a ser feita no modelo clássico de se fazer perícia.

No modelo clássico o perito atua livremente dentro de sua especialidade técnica,

guiado pelo seu bom senso e pela sua consciência. O perito apresenta seu laudo

conforme seu estilo, e isso lhe é assegurado pelo Direito, que lhe concede

soberania e liberdade de expressão no seu trabalho pericial.

Hoje, no Brasil, constatamos que existe uma grande diferença entre o modelo

clássico de fazer perícia e aquele preconizado pela Instituição da Criminalística

Brasileira. Pelo modelo da Instituição da Criminalística Brasileira, o perito oficial

goza igualmente de todas as prerrogativas dadas pelo Direito, contudo, ele não

goza de livre-arbítrio, o qual é substituído pelos ditames da Doutrina da

Criminalística Brasileira. Essa Doutrina, que nem sempre encontramos escrita, mas

que é transmitida de perito para perito, reúne uma série de normas e princípios,

que condicionam o Perito Oficial a agir segundo a visão da Doutrina da

Criminalística e, não segundo a visão de sua consciência individual.

A Doutrina em si, isolada, é ótimo modelo para ser aplicado em Perícias de

qualquer área científica, por qualquer indivíduo ou entidade, seja ela pública ou

privada; porém, observa-se que ela somente será obedecida, se o perito estiver

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“comprometido”, “obrigado”, em forma da lei, pela Instituição da Criminalística

Brasileira, que em si é a materialização do Instituto do Corpo de Delito (Corpus

Delicti), previsto formalmente no Código de Processo Penal.

As Instituições de Polícia nos demais paises ocidentais trazem um ramo de Polícia

Científica, também denominada de Polícia Técnica que desenvolvem os trabalhos

da Criminalística. Nesses paises esse ramo se identifica com os valores abrangidos

pela Instituição Polícia, porque o perito atua quase como uma “testemunha

técnica”, é livre para agir, conforme sua consciência individual, em prol da

Instituição de Polícia. O modelo pericial seguido nesses paises é o modelo Clássico

de fazer perícia, não obstante um pouco mais ordenado do que aquele aplicado

pelas empresas privadas. A Instituição de Polícia no Brasil tentou acompanhar este

mesmo modelo, mantendo as mesmas características destes outros paises, porém,

em decorrência da cultura jurídica aqui desenvolvida, produziram-se algumas

originalidades, tanto na própria Instituição de Polícia, quanto na Instituição da

Criminalística, isto é, a Criminalística, também conhecida como sendo a “Polícia

Técnica” ou “Polícia Cientifica”, que deveria ser um simples ramo da Polícia

Judiciária, como ocorreu em outros paises, adquiriu aqui plena força de Instituição

Social, independente e soberana, posição esta assegurada no Direito Processual

Penal.

No Brasil, desenvolveram-se dois tipos de Polícia, a chamada Policia Administrativa

que age preventivamente com sua presença, prendendo antes, durante ou logo

depois da prática de delito, com independência, sem consulta prévia ao Judiciário e,

a Polícia Judiciária, conforme o próprio nome diz, é auxiliar do Judiciário, na

investigação, nas buscas e apreensões, no cumprimento de mandados de prisão,

coletas de provas para formação do corpo de delito, etc..

A Polícia Judiciária pratica atos judiciais, os quais envolvem a tomada de

depoimentos, declarações de testemunhas, vítimas e indiciados, sem valor

probatório absoluto, porém com total independência da Justiça. Mas tudo isso é

refeito perante o Judiciário, com direito a ação de defesa e do contraditório; ações

estas inexistentes durante a fase policial.

Neste trabalho da Polícia Judiciária é fundamental observar o seguinte: Cabe a

Autoridade Policial requisitar a realização do Exame de Corpo de Delito e outros

exames que julgar necessários, mas a Instituição do Corpo de Delito é exterior ao

Poder de Polícia. A Autoridade Policial requisitará os exames ao Diretor da

Repartição (Art. 178 CPP) e este designará quem irá proceder aos exames.

Portanto, a autoridade requisitará as perícias que julgar necessárias ao Diretor do

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Órgão Coordenador das Perícias e não ao perito diretamente, deixando clara a

inexistência de subordinação hierárquica do perito à autoridade requisitante.

A Autoridade Policial seria responsável pelos resultados dos exames de Corpo de

Delito, se quem os realizasse fosse seu subordinado. Por ser a Instituição do Corpo

de Delito exterior ao Poder de Polícia não cabe a Polícia Judiciária a atribuição de

proceder ou fazer ao Exame de Corpo de Delito e os outros exames que se fizerem

necessários para a sua formação, cabendo tão somente o direito de requisitar e

alguém terá que fazer. Essa distinção foi o fenômeno que ocorreu no Brasil, o qual

interferiu e influenciou sobremaneira, na Instituição da Criminalística,

diferenciando-a do restante dos paises e isso foi colocado na lei Processual Penal

em l941 sem que muitos tenham se dado conta disso.

Na segunda metade da década de 60 e primeira da década de 70 o comando da

Polícia Judiciária buscou implantar uma reforma nos Órgãos Coordenadores das

Perícias Criminais, nos Institutos de Criminalística e de Medicina Legal, importando

o modelo Norte Americano. Até então os operadores da Criminalística utilizavam

literatura européia, Francesa, Suíça e Espanhola, basicamente e, então, com o

programa “Aliança para o Progresso” passou a fornecer livros Norte-Americanos

que traziam as técnicas e o modelo da Criminalística desenvolvida nos EUA. Um dos

livros mais conhecido e mais utilizado pelos peritos naquela época foi “Introdução a

Criminalística” de Charles E. O’Hora & James W. Osterburg.

A cúpula da Instituição Polícia Judiciária buscou com a reforma implantar esta nova

metodologia onde a perícia tinha compromisso coma Instituição Polícia, isto é, onde

o laudo pericial buscava servir de prova indiciaria, jamais de defesa. Esta reforma

buscou retomar, principalmente, o controle da perícia criminal, que em vários

estados tinha autonomia. Foram então criados os Departamentos ou Diretorias de

Polícia Cientifica, dirigidos por Delegados de Policia, reunindo sob o mesmo

comando o Instituto de Criminalística, de Medicina Legal e os Laboratórios

subordinando-os ao comando da Polícia Judiciária. Buscaram criar laboratórios nas

várias especialidades de Química, Física, Toxicologia, Biologia, Engenharia, etc.,

aos moldes norte-americanos. Da mesma forma começaram a ser criadas varias

categorias de peritos, nas varias especialidades como: Perito Engenheiro Legista,

Perito Odonto Legista, Perito Químico Legista, alem dos já tradicionais Peritos

Medico Legista e Perito Criminal.

Tentaram colocar peritos nos equipes policiais de investigação, mas não obtiveram

sucesso. No resultado final, do trabalho pericial, nada foi mudado. Os peritos

continuaram a atuar da mesma forma; isolaram-se do restante da Polícia Judiciária,

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não havia meios legais para subordiná-los a uma hierarquia e a filosofia da

Instituição Polícia. A reforma fracassou e a Instituição da Criminalística Brasileira

continuou a mesma dos anos 50, lutando para se modernizar e acompanhar os

avanços tecnológicos.

A partir de l987 a Criminalística Brasileira busca sua total desvinculação do

comando da Polícia Judiciária, buscando se firmar como Instituição Social,

independente e imparcial no resultado do seu trabalho.

CONSOLIDAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

É interessante observar que embora a perícia oficial esteja inserida no

capítulo pertinente às provas, o legislador colocou o perito como auxiliar do juiz,

tratando deste no Título VIII, do Livro I, que trata: “Do Juiz, do Ministério Público, do

Acusado e Defensor, dos Assistentes e Auxiliares da Justiça” .

Nesse mesmo Título, no Capítulo VI – “Dos Peritos e Intérpretes”

traz:

“Art. 275 – O perito, ainda quando não oficial, estará sujeito à disciplina

judiciária.

Art. 276 – As partes não intervirão na nomeação do perito.

E entre as partes está a Polícia Judiciária.

Art. 280 – É extensivo aos peritos, no que lhes for aplicável, o disposto sobre

suspeição dos juízes.”

Assim, se constata no ordenamento jurídico, que o legislador não

considerou o perito como um simples sujeito de prova, mas como auxiliar do Juiz.

A leitura do Título VII – “Da Prova”, no Capítulo II – “Do Exame do

Corpo de Delito e das Perícias em Geral”, permite afirmar que o Perito Oficial

designado para realizar o exame de Corpo de Delito não está submetido a qualquer

vinculação hierárquica com a autoridade requisitante de seu trabalho técnico, não

existindo qualquer ascendência dessa sobre o Perito ou subordinação desse àquela.

O artigo l78 do CPP deixa clara esta posição.

“Art. 178 - No caso do artigo 159, o exame será requisitado

pela autoridade ao diretor da repartição, juntando-se ao processo o laudo

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assinado pelos peritos.”

Portanto, a autoridade requisitará as perícias que necessitar ao

Diretor do Órgão Coordenador das Perícias e não ao perito diretamente, deixando

clara a inexistência de subordinação hierárquica do perito à autoridade

requisitante. Competirá ao Diretor do Órgão Coordenador das Perícias proceder à

designação de quem realizará a perícia solicitada sem qualquer interferência da

autoridade solicitante.

Esta situação de total independência do Perito Oficial em relação à autoridade

policial já fica, igualmente, evidente no Livro I – “Do Processo em Geral”, Título II – “Do

Inquérito Policial”, em seu artigo 6º quando diz: 

“Art. 6º - Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a

autoridade policial deverá: 

I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se altere o estado e

conservação das coisas, até a chegada os peritos criminais;

II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos

peritos criminais;”...

A legislação determina que a autoridade policial “deverá”

providenciar condições para que os peritos possam realizar os trabalhos periciais e

não fala que nomeara os peritos para realizarem o exame de Corpo de Delito. Da

mesma forma os objetos relacionados ao fato somente serão apreendidos

formalmente depois de liberados pelos peritos, portanto, estes é que tem

autoridade sobre a liberação ou não do local a ser periciado.

No Título VII – “Da Prova”, Capítulo II – “Do Exame do Corpo de

Delito, e das Perícias em Geral”, no artigo 169 novamente a legislação determina

que a autoridade policial, “providenciará”, para que não se altere o estado das

coisas até a chegada dos peritos. Portanto, somente com a autorização destes as

coisas e objetos poderão ser manuseados ou alterados. 

“Art. 169 - Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada

a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o

estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com

fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.

Parágrafo único - Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do

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estado das coisas e discutirão, no relatório, as conseqüências dessas alterações na

dinâmica dos fatos.”

No parágrafo único a legislação penal já entra num outro aspecto da Doutrina da

Criminalística Brasileira, que será abordada oportunamente, que trata do

comportamento do perito no local do delito. Mas neste momento em que

discutimos a inexistência de vinculação de subordinação do Perito Oficial a

Autoridade Requisitante é importante observar que caso a preservação e

isolamento do local do delito não tenha sido procedida de forma correta, o perito

vai se dirigir ao Juiz através do registro em seu Laudo Pericial para que essa possa

tomar as providências cabíveis e não a Autoridade Requisitante do exame. É a

legislação processual penal que determina que os peritos registrarão no seu laudo,

se ocorrerem alterações que prejudicaram seu trabalho. Ficando evidente que não

existe qualquer subordinação dos peritos à autoridade solicitante, mas sim que

esta deverá dar condições aos peritos para bem desenvolverem seus trabalhos.

Já no artigo 176 do mesmo Título e Capítulo consta: 

“Art. 176 – A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da

diligência.”

Ficando evidente que a autoridade solicitante não poderá interferir no exame do

perito, tanto que, os quesitos terão que ser formulados antecipadamente ao “ato

da diligência”, isto é, antes que o perito realize o trabalho pericial.

Para completar cabe lembrar o Art. 181, com sua redação dada pela Lei nº 8.862,

de 28 de março de l994:

“Art. 181 - No caso de inobservância de formalidade, ou no caso de

omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a

formalidade, complementar ou esclarecer o laudo.”

Conforme se verifica está bem claro que somente “... a autoridade

judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo”,

ficando excluída a Autoridade Policial. Mais uma vez fica evidente que a Autoridade

Policial não tem qualquer ascendência sobre o Perito que realizou o exame por ele

requisitado.

Conforme se verifica, a legislação processual penal não deixa qualquer dúvida

sobre a autonomia da perícia em relação a autoridade requisitante. Na verdade a

Doutrina da Criminalística Brasileira determina que esta autonomia tem que ser em

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relação a todas as partes envolvidas no processo, Polícia Judiciária, Ministério

Público (acusação e defesa) e Judiciário.

Esta autonomia leva a outra característica particular do Instituto da Criminalística

Brasileira, o da imparcialidade absoluta, que determina que o perito deve manter-

se eqüidistante das partes envolvidas, sem defender aos interesses de qualquer

uma delas, inclusive da Polícia Judiciária.  

INSTITUTO DA IMPARCIALIDADE DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA

O Instituto da Criminalística Brasileira é ligado diretamente ao processo judicial,

como peça de instrução criminal do processo penal, através do Laudo Pericial, enquanto que a

Instituição da Polícia Judiciária entra no mesmo somente por via indireta, pois ali é totalmente

refeita a peça de instrução, de acusação, por ela elaborada.

Os juristas sempre se debateram, mas não conseguiram chegar a uma

solução final para o instituto da imparcialidade absoluta, no que tange ao Exame de

Corpo de Delito, cujo teorema ficou em aberto. Coube ao Brasil, através

daoInstituto da Criminalística Brasileira, por razões socioculturais, chegar a uma

solução.

Já foi dito que a ação judicial é como uma guerra privada, a qual não se

acaba em uma só batalha. Os contendores avançam, pouco a pouco, empregando

iniciativas rigorosamente previstas, num determinado contexto, cabendo ao Juízo

garantir ao vencedor o produto da vitória. Assim, um processo judicial não deixa de

ser um combate entre os chamados litigantes. Cada litigante nomeia para si um

“contendor”, formando o chamado triângulo CAUSA–JUÌZO-LITIGANTES: “causa”,

como o motivo da ação; “juízo”, como a autoridade de decisão; e “litigantes”, como

as partes em litígio ou em luta, que disputam entre si algo que acreditam lhes

pertencer por Direito. No Processo Penal os litigantes se dividem em “acusaçao” e

“defesa”.

Em todos os povos civilizados é aceito o postulado do triângulo causa–

juízo-litigantes, onde o Juízo se mantém sempre eqüidistante dos Litigantes. A

sua causa é a própria Lei Jurídica. Ele não a defende, mas representa a própria Lei

Jurídica.

Observou-se ao longo dos tempos que esse postulado mostrou-se

sensível a algumas perturbações quando em certas circunstâncias. Coube ao Papa

Inocêncio III, minimizar tais perturbações quando determinou em Bula Papal que

haveria necessidade de se provar primeiro a existência de um crime, para em

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seguida se proceder ao julgamento. Embora isso nos pareça mais do que obvio,

mas nem sempre foi assim. Era comum primeiro se acusar para depois buscar as

provas de que o acusado praticara um crime.

Historicamente a figura do Corpo de Delito (Corpus Delicti) apareceu no

século XVI, na chamada Contra-Reforma, na Bula Papal “Licet ab Inítio”, onde o

instituto do Corpo de Delito foi valorizado e passou a ser exigido para se poder

oferecer a denúncia.

Eliseo Mansini, recomendava: “perseguindo pessoas suspeitas de

bruxaria, o inquisidor não deve chegar ao encarceramento, à inquisição ou à

tortura antes que o “Corpus Delicti” seja juridicamente estabelecido. A presença de

uma doença num homem ou aquela de um cadáver não constitui em si mesma,

prova suficiente, pois a enfermidade ou a morte não estão necessariamente

associadas a atos de bruxaria, e, sim, podem resultar de um grande número de

causas naturais. A primeira medida a ser tomada é portanto, interrogar o médico

que tratou do paciente, examinando a residência da pessoa suspeita de bruxaria.

Neste caso fazer um inventário completo e consignar tanto os objetos que sirvam

de acusação quanto aquelas que ( tais como, imagens religiosas, livros pios, etc.),

testemunhariam em favor do réu. Se descobertos artigos duvidosos, como pós ou

ungüentos, é preciso mandar examiná-los por especialistas para determinar se eles

podiam ter sido usados para outros fins como a de bruxaria. Não devem os

inquisidores se deixar impressionar pela descoberta de grandes quantidades de

alfinetes e agulhas, artigos esses que, eram natural, as mulheres os possuírem”.

Desta recomendação pode-se concluir que já naquela época o Corpo de Delito

buscava ser imparcial, isto é, recolhia todos os elementos relativos ao delito, tanto

àqueles que poderiam “testemunhar” a favor do acusado, como os que poderiam

indiciá-lo. Já naquela época era recomendado aos inquisidores que qualquer pó

suspeito ou ungüentos, estes fossem examinados por especialistas, não devia o

perito tirar conclusões precipitadas, se impressionando com grandes quantidades

de agulhas ou alfinetes, pois seria natural uma costureira possuí-los.

Foi a partir deste princípio que foram elaboradas as primeiras diretrizes

para o estabelecimento do chamado Corpo de Delito (Corpus Delicti).

O Exame do Corpo de Delito foi absorvido pelo triângulo causa–juízo-litigantes,

dando-lhe melhor consistência, diminuindo as chamadas perturbações externas. O mundo

jurídico sabia que estava diante de um paliativo, mas sempre que tentaram reequacionar o

Instituto do Exame de Corpo de Delito, para colocá-lo no citado triângulo, chegaram ao mesmo

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denominador comum da necessidade dele manter absoluta eqüidistância das partes

envolvidas. Na maioria dos povos civilizados o Exame de Corpo de Delito foi assimilado pelo

triângulo causa–juízo-litigantes da seguinte forma: cada um dos litigantes pode nomear um

profissional técnico (o contendor) para defender sua causa; o Juízo igualmente nomeia um

profissional de sua confiança, com uma única diferença, o perito do Juízo tem a palavra final

do desempate, isto é, ele realiza o trabalho pericial, se o assistente das partes discordar cabe

a ele provar e convencer o Juiz de que o perito do Juízo está errado.

No Brasil desenvolveu-se uma metodologia que denominamos de

INSTITUTO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA: a sua função precípua é a de

equacionar os Exames de Corpo de Delito de uma forma tal que, ao ser colocado

nesse triângulo, o exame de Corpo de Delito passa a influenciar no mesmo, sem ser

assimilado por ele, permitindo-se um controle constante em qualquer circunstância,

aspecto ou tempo.

Essa metodologia, foi introduzida a mais de 60 anos com a aprovação

do Código de Processo Penal em l941, sem que o mundo jurídico tenha se dado

conta de sua importância como solução para o Instituto de Imparcialidade do

Exame de Corpo de Delito, e muito pouco se tem estudado ou escrito sobre o tema.

O Instituto da Criminalística Brasileira ao longo destes anos se firmou como o

Instituto da Imparcialidade no Processo Penal. Os Laudos Periciais elaborados pelos Peritos

Oficiais tem sido utilizado por todos os envolvidos no triângulo causa–juízo-litigantes. O Juízo

para prolatar sua sentença, condenando ou absolvendo, o Ministério Publico para oferecer a

denuncia ou pedir o arquivamento, a Polícia Judiciária para acusar e a defesa para inocentar

seu cliente.

ORIGEM DOS PERITOS CRIMINALÍSTICOS BRASILEIROS

Os primeiros Laboratórios de Polícia foram instalados em São Paulo, Rio de

Janeiro, Bahia, Minas Gerais e em outros estados influenciados pelos centros europeus, tais

como Lousanne, Lyon, Madri, Berlin, Roma, Londres e outros que haviam se transformado em

exportadores de conhecimentos Criminalísticos. Foram traduzidas e copiadas as obras

estrangeiras a respeito do assunto e assim iniciou-se a Criminalística no Brasil. A adaptação

desta nova ciência ao nosso triângulo “Causa–Juízo-Litigantes”, exigiu um somatório de

cuidados. O Exame de Corpo de Delito já era praticado no Brasil, mas dentro do contexto

universal. Havia uma grande dificuldade para realização dos Exames de Corpo de Delito. Era

difícil encontrar quem se dispusesse a realizar esses exames. Os riscos eram muitos e o

medo, uma constante. Dentre todos os ramos do Direito, o ramo Criminal era o que mais se

ressentia da dificuldade de encontrar quem se dispusesse a assumir o encargo de proceder

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aos exames de Corpo de Delito.

A formação jurídica no Brasil havia se desenvolvido e o nosso triângulo

“Causa–Juízo-Litigantes” tinha atuação marcante e dura, onde somente

profissionais competentes poderiam ter alguma chance de não sofrer revezes

danosos para si. A dificuldade de se encontrar profissionais que se dispusessem a

realizar os trabalhos periciais eram tantas que o Estado criou leis impedindo

funcionários públicos de se esquivarem quando “convidados” a atuarem como

PERITOS nos Exames de Corpo de Delito, dentre eles, principalmente, os médicos e

engenheiros.

Art. 277 - O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o

encargo, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, salvo escusa

atendível.

Parágrafo único - Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa

causa, provada imediatamente:

a) deixar de acudir à intimação ou ao chamado da autoridade;

b) não comparecer no dia e local designados para o exame;

c) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos

estabelecidos.

Ainda hoje consta da legislação processual penal tal penalização

visando obrigar o profissional nomeado para proceder ao Exame de Corpo de Delito

a aceitar o encargo. O perito nomeado está sujeito a penalização por multa,

quando infringir, injustificadamente, as disposições do artigo 277 e do seu

parágrafo único, do Código de Processo Penal. É prevista, igualmente, a permissão

para as autoridades policiais ou judiciárias conduzirem coercitivamente aos

indicados ou os chamados para esse mister.

Art. 278 - No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa,

a autoridade poderá determinar a sua condução.

Este artigo soa como um grande absurdo visto ser praticamente

impossível obrigar alguém a produzir algo de cunho intelectual.

Naquela época não era incomum um profissional liberal (médico,

engenheiro, farmacêutico, etc.), quando nomeado para atuar como Perito

Page 14: criminalistica

contratar um advogado particular para orientá-lo juridicamente na

realização do trabalho pericial, com o fim de evitar, o máximo possível,

reveses jurídicos.

Com o advento da Criminalística, na época chamada de Policia Científica, dentre

todos os ramos do Direito, o ramo Criminal foi o que mais se beneficiou.

Praticamente todos os Exames de Corpo de Delito passaram a ser executados por

essa nova instituição, sem levar em conta se a Criminalística contava ou não com

profissionais em número suficiente e com especialização necessária para realizar

todos os exames que lhe eram requisitados, como hoje ainda continua ocorrendo.

Os primeiros Peritos Criminalísticos Brasileiros foram os técnicos de Laboratório da

Policia Cientifica, que recém-investidos em suas funções, logo perceberam o “mito

da policia cientifica”. Estes, de um momento para outro passaram a não mais

praticarem missões de polícia, mas sim missões de Peritos Oficiais previstos no

Código de Processo Penal, onde toda sorte de exames técnico-científicos lhes eram

requisitados.

A partir do momento que adentrava no triângulo “Causa–Juízo-Litigantes”, o Perito

Oficial passou a se sentir sozinho; não podia receber proteção da Policia, do Juízo

ou dos Litigantes. Sua única alternativa era a de manter uma eqüidistância perene

e considerar a Polícia como parte integrante da acusação, no bojo dos litigantes.

Uma metodologia nova e diferenciada dos demais povos civilizados começou a ser

montada. Uma metodologia não escrita ou teórica que foi sendo passada de boca

em boca e de perito para perito e é esta metodologia que diferencia a

Criminalística Brasileira da praticada pelos demais povos.

Os primeiros Peritos Oficiais, ao se colocarem diante do triângulo

“Causa–Juízo-Litigantes”, perceberam, imediatamente, a existência de dois

mundos, um era o Mundo Jurídico e o outro o Mundo da Consciência com

propriedades estranhas e antagônicas ao seu “Mundo das Leis Naturais”. Cada um

deles interdependia do outro e ambos se harmonizavam entre si. Cada mundo

trazia em si um representante titular, sendo o Mundo Jurídico, representado pelo

Juízo, embora num contexto geral estivessem ai incluídos os Litigantes, enquanto o

mundo da Consciência era representado pelos Jurados e as testemunhas, os quais

preenchiam todos os hiatos de parcialidade, escapes e deixados pelo mundo

jurídico. Assim, o Perito Oficial colocava-se como titular e representante máximo do

Mundo Natural.

Page 15: criminalistica

É importante observar que nos outros povos, o perito passou a fazer

parte do mundo da Consciência, fenômeno não equacionado até hoje, enquanto

que no Brasil, assumindo o perito o Mundo Natural e não se intrometendo nos

demais mundos, diferenciou-se e se chegou a essa metodologia praticada pelo

Instituto da Criminalística Brasileira que a diferencia pela praticada pelos demais

povos.

Os primeiros peritos brasileiros logo perceberam que ambos os mundos

existentes não lhe seriam antagônicos somente se ele, o Perito Oficial, como

representante máximo do Mundo Natural, conseguisse manter-se em eqüidistância

constante entre aqueles e, principalmente, diante dos litigantes. Observou

imediatamente que a Polícia poderia estar localizada entre os litigantes, na parte

da acusação. Logo, ser ele representante da Polícia Judiciária, ali, naquele instante,

seria, além de absurdo, muito perigoso.

A partir deste instante, a Policia Cientifica já era um mito para o Perito

Oficial Brasileiro, uma utopia que podia gerar ”status” fora dos tribunais, porém,

quando diante do triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”, o seu papel era o de defender

o ministério das Leis Naturais, sob pena de responsabilidade civil, criminal e

administrativa. Para receber tais punições bastar-lhe-ia defender a causa da Polícia.

Em outras palavras: aproximar-se dos litigantes. Como a Polícia era a que mais lhe

estava próximo, cabia-lhe a necessidade de não reconhecer a causa da polícia

como sua causa. A sua causa seria sempre a da Lei Natural ou do mundo das Leis

Naturais.

O principio básico da Criminalística Brasileira passou a ter por fundamento a causa

da Lei Natural, com independência e soberania, mantendo eqüidistância constante

e absoluta para com o Juízo e para com os Litigantes. Por eqüidistância se entende

evitar qualquer interferência, seja a que propósito ou circunstancia for, com a Lei

Jurídica ou a Lei da Consciência.

Por interferência na Lei Jurídica subentende-se fazer citações, interpretar, utilizar

termos jurídicos, induzir, fazer ilações próprias do mundo reservado as Leis

Jurídicas.

Por interferência na Lei da Consciência entende-se inferir, deduzir, fazer ilações

segundo os valores pessoais, isto é, emitir opiniões próprias emanadas da sua

consciência de Perito.

No triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”, esses mundos já tinham os seus titulares e

Page 16: criminalistica

representantes. Quaisquer que fossem os desvios do principio da imparcialidade, o

Perito, além de estar adentrando em mundo estranho, o estaria fazendo sem

competência ou atribuição assegurada em lei.

Os juristas brasileiros sabem como ninguém como deve se comportar um Perito

Oficial, quais suas atribuições, competências, direitos e deveres. Por parte do Perito

cabe apenas a necessidade de agir conforme os ditames pré-estabelecidos, de

forma a não ser surpreendido por reveses jurídicos.

Foi assim que nossa Criminalística tomou esse rumo que a diferenciou da praticada

pelos demais povos civilizados.

O presente trabalho visa apenas despertar o interesse pelo estudo da Criminalística

Brasileira, da sua Doutrina. O assunto deve ser aprofundado por todos os que a

realizam bem como por aqueles que se utilizam de seu trabalho.

A apresentação do trabalho pericial é feita através do Laudo Pericial Criminalístico,

Criminalístico para diferenciar dos demais laudos periciais. Este documento tem

características próprias e é importante abordá-lo dentro da Doutrina da

Criminalística Brasileira.

LAUDO PERICIAL CRIMINALÍSTICO BRASILEIRO

O Laudo Pericial é o instrumento básico da Criminalística, é a forma como ela entra

no triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”. O Laudo Pericial é construído dentro de

rigorosos princípios, os quais se apóiam fundamentalmente na lógica formal. Os

litigantes têm como instrumentos o Libelo e o Contraditório. O Juízo tem a

Sentença. O Júri tem os Votos. O Perito Criminalístico tem como instrumento o

Laudo Pericial Criminalístico. Ele procura ordenar o raciocínio, dando-lhe precisão e

rigor na apresentação das Leis Naturais evitando qualquer relação com as Leis

Jurídicas e com as Leis da Consciência. Uma vez voltado exclusivamente para as

leis naturais não há como se preocupar com triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”. Sua

eqüidistância natural, sua imparcialidade o leva a comportar-se tal qual um

satélite.

O Laudo Pericial Criminalístico na sua afirmativa, silêncio ou negativa, atinge

duramente os componentes do triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”. O Perito

Criminalístico através de seu instrumento básico, o Laudo Pericial Criminalístico

sabe que ninguém ouve em silêncio. Uma resposta é sempre esperada;

principalmente daqueles que se sentem prejudicados nos seus interesses

Page 17: criminalistica

fundamentais.

Para se garantir da resposta daqueles que se sentirem prejudicados o Laudo

Pericial Criminalístico deve estar solidamente estruturado, devendo ser: 

SISTEMÁTICO; isto é, não pode ser aleatório; dever ter um começo um meio e um

fim; os seus tópicos e enunciados devem interagir para formar o todo.

RIGOROSO; ou seja, não pode se basear na opinião pessoal do Perito que o

construiu; deve levar em conta as evidências demonstráveis; caso contrário, deve

silenciar. Ainda que tal silêncio possa ser interpretado como violação do bom

senso. Na verdade, este silêncio representa a fuga do Mundo da Consciência.

RESTRITIVO; deve restringir fenômenos a critérios Criminalísticos, evitar

abrangências e injunções do mundo das Leis Jurídicas ou do mundo das Leis da

Consciência. Observa-se que o conteúdo informativo do Laudo Pericial

Criminalístico não pode variar de Perito para Perito.

CONSISTENTE; como não pode se basear em regras mutáveis; a conclusão tem

que ser a resultante natural das evidências demonstráveis, mensuráveis, sensíveis

e racionais contidas no seu bojo.

Dentro desta estrutura o Perito Criminalístico deve examinar cada proposição

procurando possível existência de oposição, é muito mais seguro, senão o único

meio valido. Costuma-se dizer que o Perito Criminalístico deve ser o seu próprio

“advogado do diabo”, antevendo as possíveis oposições ao seu trabalho e

fundamentando a resposta.

O Laudo Pericial Criminalístico para atender a estas características necessita estar

devidamente estruturado e não pode variar de perito para perito. Ao longo do

tempo foi sendo estabelecida uma estrutura, uma forma de Laudo Pericial que hoje

é adotada, praticamente em todo o Brasil, com pequenas variações. O que vamos

apresentar aqui não é um modelo de Laudo Pericial Criminalístico acabado, mas

sim um estrutura básica a ser seguida.

Estrutura Básica do Laudo Pericial Criminalístico Brasileiro

-          PREÂMBULO

-          QUESITOS

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-          HISTÓRICO

-          DISCUSSÃO

-          CONCLUSÃO

-          RESPOSTA AOS QUESITOS

-          FECHO

-          ANEXOS 

Esta é a estrutura básica utilizada nos Laudos Periciais Criminalísticos. Cada área

abrangida pela Doutrina da Criminalística Brasileira exige tópicos diferentes uns

dos outros, os quais não reproduzem exatamente a estrutura acima; contudo,

sempre dentro de uma visão de conjunto, as partes são subsistemas constantes ou

variáveis. As partes citadas, tais como Discussão, Conclusão podem ser traduzidas

por outros tópicos, tais como “considerações”, “outras informações”, “aparelhos

utilizados”, da peça de confronto, Etc., que necessariamente estão incluídos como

parte integrantes dos subsistemas “discussão, conclusão”.

POSTULADOS E PRINCÍPIOS DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA

Conforme já foi colocado, com o advento do Instituto da Criminalística Brasileira,

praticamente todos os Exames de Corpo de Delito passaram a ser executados por

essa nova instituição, sem levar em conta se a mesma contava com profissionais

em numero suficiente e com as especializações necessárias para realizar todos os

exames que eram requisitados. Hoje isto ainda continua ocorrendo.

Os primeiros Peritos Criminalísticos Brasileiros foram os técnicos de Laboratório da

Policia Cientifica, que recém-investidos em suas funções, já perceberam o “mito da

policia cientifica”. Estes, de um momento para outro passaram a não mais

praticarem missões de policia, mas sim missões de Peritos Oficiais previstos no

Código de Processo Penal, onde deveriam se manter eqüidistantes dos

participantes do triângulo Causa-Juízo-Litivantes,

Diante da diversidade de exames requisitados, o natural e o lógico seria houvesse

nos órgãos responsáveis pela realização das perícias um profissional especialista

de cada ramo do conhecimento humano realizando as perícias de sua

especialidade, mas isso não ocorreu. Os Peritos Oficiais passaram a realizar os mais

variados tipos de perícias requisitadas independente de sua formação acadêmica,

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com a tolerância dos conselhos regionais fiscalizadores das profissões

reconhecidas. Assim, a Criminalística Brasileira passou a ser exercitada nas mais

variadas áreas científicas, com o apoio pacífico de todas as instituições e órgãos de

classes, através de um único profissional ao contrário do que era de se esperar.

A Criminalística atingiu esta metodologia diferente dos demais povos por vários

fatores, dente os quais pedem ser citados como principais: ser o trabalho realizado

pelos Peritos Oficiais uma função de Estado; a interdisciplinaridade da

Criminalística e a inexistência de um curso especializado de formação de Peritos

Oficiais; uma mesma perícia pode exigir a concorrência de diversos especialistas

para se chegar a um resultado; ser impossível para o Estado ter um especialista

para cada tipo de perícia a ser realizada; a existência de uma grande variedade de

especialistas acabaria esbarrando num grande conflito de competência entre eles;

por último, qualquer Conselho Regional ou entidade de classe que se propusesse a

fiscalizar o trabalho dos Peritos Oficiais iria se deparar sempre conflito de qual era a

competência de fiscalizar uma determinada perícia.

Assim uma metodologia nova e diferenciada dos demais povos civilizados foi sendo

montada. Uma metodologia não escrita ou teórica que foi sendo passada de perito

para perito e de boca em boca pelos peritos.

Da metodologia assim desenvolvida, Benedito Paulo da Cunha, no seu

livro “Doutrina da Criminalística Brasileira” coloca que a Instituição da

Criminalística Brasileira estabeleceu três postulados e quatro princípios para a

Doutrina da Criminalística Brasileira.

Os postulados e leis da Criminalística Brasileira apresentados por

Benedito Paulo da Cunha, Perito Criminal de São Paulo, estão sendo apresentados

sem uma análise crítica e sem comentários para que os Peritos Oficiais Brasileiros e

operadores do Direito Processual Penal analisem e discutam buscando assim

consolidar cada vez mais a Doutrina da Criminalística Brasileira. 

OS TRÊS POSTULADOS SÃO:

1º) O conteúdo de um Laudo Pericial Criminalístico é invariante com

relação ao Perito Criminal que o produziu.

A Criminalística baseia-se em leis naturais, ou seja, em leis específicas com teorias

e experiências consagradas, portanto, seja qual for o Perito Criminal que utilizar

tais leis para analisar um fenômeno criminalístico, o resultado não poderá

depender dele, indivíduo. Esse postulado afirma, em outras palavras, que cada

Page 20: criminalistica

laudo pericial criminalístico corresponde a uma tese sobre um fenômeno. 

2º) As conclusões de uma perícia Criminalística são independentes dos

meios utilizados para alcançá-las.

Pode ocorrer que não se disponha de meios para analisar a fundo um fenômeno

criminalístico. Neste caso, qualquer conclusão é suspeita. Mas se a conclusão for

alcançada, ela não pode depender dos meios utilizados, isto é, se todas as

circunstâncias que envolvem o fenômeno forem reproduzidas, as conclusões

periciais serão constantes, independentemente de se haver utilizado meios mais

rápidos, mais precisos, mais modernos ou não. O que é fundamental é que se

utilize os meios adequados para se concluir a respeito do fenômeno criminalístico

examinado. 

3º) A perícia Criminalística é independente do tempo.

Decorre da perenidade da verdade. O que é verdade hoje, não poderá deixar de sê-

lo amanhã. 

Dos três postulados acima, pode-se chegar à formulação das quatro leis (princípios)

da Criminalística Brasileira: 

OS QUATRO PRINCÍPIOS SÃO: 

1ª lei - Se sobre um mesmo fenômeno criminalístico existirem dois ou mais laudos

periciais discordantes, não podem todos, simultaneamente, ser denominados “laudos

periciais criminalísticos”.

Prova: Estaria sendo violado o 1º postulado se isso acontecesse; se forem examinados com

critérios criminalísticos puros, ver-se-á incursões do perito ou para o mundo da consciência ou

para o mundo jurídico ou para o mundo científico onde predominam as escolas de

pensamentos discordantes; a Criminalística Brasileira somente utiliza conhecimentos

científicos experimentados por ela mesma, com resultados consagrados, daí, a sua limitação

em relação às perícias clássicas. 

2ª lei - A conclusão de um laudo pericial criminalístico é independente da legislação

vigente.

Prova: O 3º postulado prova esta lei.

Nota: Vê-se que é proibido ao Perito Criminal afirmar que tal fenômeno ocorreu por infração de

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tal artigo de tal lei, etc. E se amanhã tal lei for revogada? Fica ferido o 3º postulado. Por outro

lado, ele estaria invadindo o mundo jurídico. Relativo às legislações técnico-científicas, tais

como aquelas oriundas do IPEM, ABNT, INMETRO e outras, a doutrina da Criminalística

brasileira determina que não sejam citadas, uma vez que o seu aspecto jurídico é o mesmo

daquelas contidas nos códigos de leis. Veja que tais instituições estão voltadas para

estabelecer as normas técnicas vigentes no país, em atenção ao desenvolvimento político-

tecnológico. Uma mudança política pode seguramente acarretar alteração das normas legais

ali contidas. Outrossim, o ato de citar uma lei, portaria ou regulamento e, em ato contínuo, tirar

conclusões, é um ato de julgamento, e isso é de pura competência do judiciário. Cabe à

Criminalística apenas demonstrar os fenômenos, deixando a critério da classe jurídica o ato de

julgamento (ou tipificação). Não é conveniente nem mesmo citar tais leis e os seus números de

códigos nos laudos periciais criminalísticos. 

3ª lei - O Laudo Pericial Criminalístico contém sempre, em seu mérito, as

condições de reprodutibilidade para a análise por outros Peritos ou

qualquer pessoa do público. 

Prova: Se isso não ocorresse estaria sendo ferido o 1º postulado.

Qualquer dúvida ou contestação que vier a sofrer um laudo, no caso de

uma comissão de Peritos Criminalísticos, eleita para julgá-lo ou uma contra-perícia,

deverá chegar unanimemente à mesma conclusão, pela análise do laudo em

questão; caso contrário, estará ferido o 1º postulado. É estranha a idéia de uma

comissão de número ímpar chegar a um resultado unânime sobre um fato

analisado por ela; contudo, em Criminalística isso é imperativo, uma vez que os

julgadores analistas aplicam os próprios recursos da Criminalística, dentro do

seguinte princípio: uma peça pericial concluída e construída sem evidências

reprodutíveis em seu mérito, equivale a uma prova testemunhal do Perito;

enquanto a peça que contenha os elementos acima citados equivale a uma

verdadeira prova pericial Criminalística. 

4ª lei - A verdade pericial obtida num determinado instante com a utilização de um

determinado equipamento não pode falecer se for utilizado equipamento mais

sofisticado para obtê-la no futuro. (prova 2º e 3º postulados). 

Prova: a prova desta lei são o 2º e 3º postulados.

A não observação desta 4ª lei da Criminalística, tem resultado em muitos percalços

na esfera judiciária. Muitas vezes, é até mesmo incompreensível para os leigos em

Criminalística, aceitar a diferença entre a verdade Criminalística, que é usada para

fins jurídicos, e a verdade científica, que é usada para fins tecnológicos. A limitação

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da perícia nesse campo é grande, de forma que se deve ser muito prudente em

utilizar evidências extrínsecas da literatura da ciência comum, sem que tal

evidência científica não tenha sido testada segundo os ditames da Doutrina da

Criminalística Brasileira. 

Florianópolis, 4 de setembro de 2003. 

Engº. Celito Cordioli

Perito Criminalístico de Santa Catarina

 

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CONCLUSÃO PERICIAL

Agradecimentos ao Dr. Alberi Espíndula

Técnicas Criminalísticas para Conclusão de Laudo Pericial.

I - INTRODUÇÃO

A criminalística por ser ainda uma técnica relativamente nova, carece de algumas definições e metodologias mais solidificadas para aplicação no dia-a-dia da perícia. Isso não quer dizer que faltam essas técnicas. Elas existem, algumas completas, outras não aceitas ou não adotadas por toda a comunidade de peritos oficiais. Isso tem gerado aplicações muito diversificadas e incompletas, incorrendo em riscos na qualidade final do trabalho apresentado pelos peritos.

Neste trabalho vamos nos restringir somente aos enfoques relativos ao laudo pericial emitido pelos peritos oficiais, pois as diferenças técnicas e de formatos são muito diferenciadas daquelas que tratam de perícias realizadas para a justiça cível e mesmo na esfera criminal, quando elaborado por peritos “ad hoc”.

Para falarmos das TÉCNICAS CRIMINALÍSTICAS PARA CONCLUSÃO DE LAUDO PERICIAL, faremos toda uma abordagem geral sobre o exame pericial e a própria estrutura e conteúdo que deva conter um laudo pericial, especialmente aqueles que tratam dos crimes contra a pessoa.

I - EXAME PERICIAL

a) Considerações gerais

A perícia em local de crime conta a pessoa, conhecido também como local de morte violenta, é uma das áreas da criminalística que mais oferece riqueza de vestígios, capaz de propiciar ao perito criminal um trabalho de desafio ao raciocínio lógico e à metodologia científica que devem ser aplicados em cada caso.

Uma coisa importante que devemos ressaltar desde o inicio deste trabalho, a fim de que os peritos que vierem a atuar nesta área da criminalística não sejam pegos

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de surpresa em algum exame futuro, é o fato de que não existem dois exames de local de morte violenta iguais.

Sabemos que a perícia é um trabalho de equipe, primeiramente no próprio exame em si e, em segundo lugar, pelos diversos exames complementares especializados que o perito necessita solicitar aos colegas de outras áreas, tais como exames de balística, laboratório, dactiloscopia, documentoscopia e fonética.

Assim, é importante que o perito de local tenha consciência de que está liderando um trabalho de equipe e terá, dessa forma, a responsabilidade de reunir todas essas informações para a sua análise final do caso.

b) Atitude de responsabilidade

O exame pericial em local de morte violenta, normalmente, é um dos mais ricos em quantidade de vestígios. Para se realizar um bom exame os peritos devem ter em mente três pressupostos básicos: a paciência, a perseverança e a atenção em todos os detalhes.

Paciência: Para se ter um exame bem feito, os peritos devem procurar estar devidamente condicionados e conscientes de que é preciso muita paciência; ou seja, muita calma na busca dos vestígios. Se fizermos um exame com rapidez ou eliminando etapas, certamente perderemos diversas informações.

Perseverança: A perseverança é fator fundamental no exame pericial de uma maneira geral e principalmente na perícia de morte violenta. É preciso a perseverança na busca de mais vestígios, até que tenhamos plena convicção do que ocorrera naquele local. Em determinadas situações pode parecer que não atingiremos a plenitude do exame com o completo esclarecimento e convencimento próprio acerca dos fatos, no entanto, se tivermos perseverança na busca de vestígios, via de regra chegaremos a um resultado satisfatório, reunindo todos os vestígios que ali foram produzidos.

Atenção: A atenção em todos os detalhes é condição essencial para chegarmos a um diagnóstico correto da cena do crime. As vezes um pequeno detalhe aparentemente insignificante poderá configurar-se num vestígio que será o ponto chave para iniciarmos a montagem do quebra-cabeça. Na perícia não se pode descartar nada sem antes analisar-se com cuidado e atenção, a fim de verificar se aquele vestígio realmente faz parte do contexto ou se é um vestígio ilusório ou forjado.

c) Metodologia para coleta de vestígios

A boa técnica pericial determina que o perito deve considerar como vestígio material somente o que ele próprio constatar como tal, jamais aceitando que terceiros lhe apresentem possíveis “corpos de delito” que estariam fazendo parte de um local de crime por ele examinado e não constatado no ato.

É comum chegarmos a um local de morte violenta e sermos abordados por partes envolvidas, terceiros e até policiais, portando objetos que supostamente estariam no local e que foram recolhidos para que fossem “preservados na sua integridade”. Exemplos disso ocorre com o recolhimento de projéteis e das próprias armas de fogo, facas, documentos da vítima, etc, que são recolhidos por outros que querem que o perito registre que tal objeto encontrava-se em determinado lugar e posição.

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Jamais deveremos registrar dessa forma, pois o perito somente deve consignar os vestígios por ele constatados. Nesses casos, os peritos não devem receber tais “corpos de delito”, orientando para que sejam encaminhados pela Delegacia da área, via ofício, ao Instituto de Criminalística, requisitando o tipo de exame que a autoridade policial julgar necessário.

Os peritos podem e devem somente registar no seu croqui os objetos que lhe forem apresentados, identificando-os e depois fazendo-os constar no laudo pericial respectivo, no item “de outros elementos”, relatando ali as circunstâncias que tais objetos lhes foram apresentados, porém, sem considerá-los no conjunto da sua análise.

O que o perito pode considerar é quando a autoridade remete algum desses vestígios ao Instituto de Criminalística, requisitando exames periciais onde formula quesitos sobre possíveis relacionamentos com o local examinado pelo perito. Nesse caso, o diretor do Instituto deve designar o mesmo perito para examinar tal corpo de delito, a fim de que ele examine-o e verifique se há coerência e dados técnico-científicos que possam lhe dar suporte para relacioná-lo com os demais vestígios encontrados no local do crime.

Chamamos a atenção dos peritos criminais que esses procedimentos técnicos mencionados, também estão consignados como uma exigência legal no Código de Processo Penal, conforme podemos verificar no artigo 6º., incisos I e II (art. 6º. - Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;).

Estas são algumas metodologias e procedimentos que devemos observar, todavia, tais requisitos dependerão em muito de cada Instituto de Criminalística e da própria Polícia Civil, no incentivo permanente ao aperfeiçoamento do trabalho investigativo, tanto policial quanto pericial. Recomendamos pois, aos Diretores dos Institutos, que promovam contatos e palestras com as autoridades policiais encarregadas desse mister.

d) Rotina do exame

d.1) Procedimentos preliminares

Ao começarmos um exame em local de morte violenta (vale para outros tipos de locais), em primeiro lugar devemos estabelecer a divisão do local em imediato e mediato, para, então, iniciarmos a realização dos exames. Ou seja, com este procedimento estaremos delimitando a área de exame que julgamos necessária para proceder à busca e coleta dos vestígios.

Outra providência que devemos definir é quanto ao sentido e forma de deslocamento no interior dessas áreas de exame, visando resguardar os vestígios na forma original, conforme foram produzidos pelos agentes da infração (vítima e agressor). Esse deslocamento deve tomar um sentido de direção (circular, varredura, etc.), por onde, ao passarmos, devemos proceder a todos os exames necessários naquelas áreas.

Para tanto, devemos ter em mente que o exame em um local de crime tem aspectos irreversíveis e quando examinamos determinado vestígio poderemos estar - ao mesmo tempo - destruindo-o. É o que chamamos de “ponte” que ao atravessarmos, poderá ser destruída. Exemplo disso é o de um fragmento de impressão digital, uma marca de calçado no solo, o formato de uma mancha de

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sangue, etc.

Tomados os procedimentos iniciais - tão importantes quanto os exames a seguir - e escolhida a rotina e metodologia a ser adotada (circular, varredura, etc.), iniciaremos a entrada (percurso) no local definido por nós como local imediato.

No local onde houver cadáver é sempre recomendável aos peritos checarem se realmente a vítima está morta, pois já houve casos em que, depois de passadas duas a três horas do fato, a vítima ainda estava com vida e - devido à aparente morte - ninguém se preocupou em verificar o óbito. É evidente que existem situações que não será preciso fazer tal verificação, tendo em vista, por exemplo, o início de estado de putrefação ou lesões graves que, ao observar de longe, já é possível saber que a vítima não sobreviveria.

d.2) Configuração do local

Tomadas as providências iniciais quanto às metodologias e técnicas que serão adotadas, os peritos devem passar para a observação detalhada de todo o local, no sentido de verificar toda a sua configuração.

Não se trata ainda do exame dos vestígios, mas sim o de observar o local quando a sua disposição e topografia. Se é área pública ou privada; área com ou sem edificações ou o local envolve situação mista; as vias de acesso existentes (e de possíveis rotas de fuga do agressor); se é área urbana, rural, industrial, comércio, residência e tudo sobre essas destinações de prédios e áreas existentes naquele local dos exames. Se o crime ocorreu à noite, deverá constar se o local possui iluminação artificial. Se foi em via pública, em pistas de trânsito asfaltada, terra, etc. Enfim, tudo o que puder ser observado naquele local, deverá ser objeto de anotações dos peritos, pois muitas dessas informações poderão ser valiosas para confrontar ou complementar análises de alguns vestígios.

Obviamente que estamos falando, neste momento, do exame pericial no local do crime. Depois disso os peritos terão outras fases de análises dos vestígios antes de elaborarem o laudo. Assim, ao elaborarem o laudo, somente incluirão em seu texto aquelas informações relacionadas e que são necessárias quanto ao que observaram no local. P.ex.: Se o crime ocorreu – exclusivamente - no estacionamento de um prédio residencial, segundo todos os exames e análises já realizados, não haverá necessidade dos peritos descreverem em todos os detalhes sobre uma piscina que exista na cobertura do edifício!

d.3) Fotografia e outros recursos

A fotografia auxilia sob dois aspectos muito importantes. O primeiro é em benefício do próprio perito, que terá - depois de desfeitas as mencionadas pontes - condições de visualizar posteriormente as condições exatas do local antes de qualquer exame e, com isso, poderá auxiliá-lo, em muito, na análise geral dos vestígios quando da elaboração do seu laudo pericial. O segundo aspecto é o da importância da fotografia constar como ilustração em todos os laudos, para servir de instrumento de convencimento junto aos seus usuários, acerca do que é descrito pelos peritos do local examinado (o delegado de polícia, o promotor de justiça, o advogado e o magistrado, como usuários do nosso trabalho, não são obrigados a possuir o conhecimento técnico que os peritos detêm, sendo imperativo que os peritos demonstrem visualmente o examinado).

O próprio Código de Processo Penal em seu artigo 164 assim determina: “os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem

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como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios encontrados no local de crime ”.

Já no início dos exames, a primeira providência é fotografar toda a área conforme se apresenta originalmente quando da chegada dos peritos. Se o local estiver sendo examinado durante a noite e não for possível a foto geral utilizando o recurso de abertura estática do obturador e disparo múltiplo do flash, os peritos devem retornar durante o dia e operar essa fotografia. É preciso mencionar posteriormente no laudo pericial que essa foto foi operada em horário diferente da realização da perícia, a fim de não gerar dúvida sobre aquela fotografia.

No início dos exames, em local que tenha cadáver e os peritos julgarem necessário fazer uma entrada no local até a vítima, devem tomar o cuidado de fotografar possíveis vestígios que se encontrem nesse trajeto.

Durante o desenvolvimento de todo o exame do local e do cadáver, a fotografia deverá preceder qualquer outra atitude, no sentido de evidenciar o vestígio na sua forma original. A partir daí, a cada detalhe que os peritos julgarem importante, deverão também fotografar. Nenhuma dúvida sobre a eficácia da fotografia deverá permanecer ao perito. Caso lhe restem dúvidas, deverá operar uma segunda chapa do mesmo objeto/vestígio que pretenda ver registrado na fotografia.

Costumamos orientar os peritos que devem fotografar sempre em excesso nos locais de crime, uma vez que é possível passarmos desapercebidos de um pequeno detalhe que, posteriormente, a fotografia poderá nos auxiliar. Depois, quando da elaboração do laudo, os peritos selecionarão quais as fotos que irão constar no laudo, não sendo necessário utilizar todas as chapas operadas no local.

Outro recurso importante e necessário que os peritos não podem prescindir é a confecção de um croqui do local examinado, onde deverá constar a localização do cadáver e principais vestígios, com respectivas medições. O importante do croqui é a visualização geral em planta baixa que ele proporciona, sendo que em muitos casos não será preciso confeccioná-lo em escala.

No caso do cadáver, é necessário utilizar as silhuetas com as subdivisões de cada membro do corpo humano, e nele marcar todas as lesões sofridas pela vítima. As silhuetas servem – a exemplo do croqui – para mostrar a exata localização das lesões.

d.3) Exame dos vestígios

Esta é uma das fases mais importantes do exame pericial em um local de morte violenta, tendo em vista que os vestígios encontrados vão ser fundamentais para o conjunto de informações que contribuirão para a formação da convicção dos peritos.

A função do perito em um local de crime é encontrar coisas que nenhuma outra pessoa consiga fazê-la, pois o seu treinamento visa enxergar determinadas coisas que as pessoas comuns não vêem.

O enxergar para o perito deve ser muito bem exercitado, porque a sua abrangência significa – inclusive – deduzir e inferir. O perito ao constatar um vestígio no local do crime, deverá, a partir da sua análise, deduzir pela existência de outros vestígios ou a probabilidade das suas existências e, portanto, buscá-los incansavelmente.

Independente dessa necessidade de estar sempre deduzindo se poderá haver

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outros vestígios, existem alguns que devam ser buscados rotineiramente em locais de crime. Assim, dentre outros vestígios que possam ser encontrados, devemos sempre buscar vestígios básicos em um local de crime. Estes vestígios podem até não ser encontrados no local, todavia devemos incluir a sua busca na rotina de nossos exames.

- As manchas de sangue são um dos principais vestígios em um local de crime, haja vista a quantidade de informações que elas podem nos oferecer para a dinâmica do local. Inúmeras podem ser as formas de produção dessas manchas, tais como o escorrimento, o espargimento, a alimpadura, o gotejamento, a concentração, a trilha. As manchas de sangue podem nos dizer se a vítima estava de pé ou caída ao ser ferida; se caminhou após receber os ferimentos; se fora transportada por terceiros ou se arrastada; se os ferimentos sofridos foram recebidos naquele local examinado ou se ali fora somente o local de ocultação e muitas outras informações que poderão surgir para cada caso;

- Vestígios de luta, ou seja, qualquer elemento que possamos encontrar no local de crime que venha a caracterizar ou indicar a ocorrência de luta entre agressor e vítima;

- Buscar a existência de armas, aqui entendido qualquer tipo, desde a arma de fogo até instrumentos contundentes. Neste item, se já fizemos um exame preliminar no cadáver, teremos mais noção do que devemos procurar;

- Estojos e projéteis de arma de fogo, principalmente quando a vítima fora agredida por esse tipo de arma, porém, mesmo não o sendo, devemos procurar, inclusive armas de fogo, pois esse tipo de instrumento pode ter sido utilizado durante o evento sem, no entanto, ter sido o instrumento do crime que ocasionou a morte da vítima;

- Fios de roupas, fibras, pêlos e outros materiais dessa natureza devem ser procurados em locais de crime, porque são elementos importantes na inter-relação com outros vestígios encontrados, ou para futuras comparações com suspeitos de autoria do delito;

- Fragmentos de impressões digitais são vestígios muitas vezes determinantes para buscar a autoria de um delito, por isso os peritos devem ter o cuidado de localizá-los simultaneamente à busca dos demais vestígios, uma vez que devemos ter o cuidado de, ao mesmo tempo, não destruir nem os fragmentos de impressões digitais, nem os demais vestígios porventura existentes. Em alguns Institutos de Criminalística a equipe de peritos é composta também por um datiloscopista, que fica encarregado de fazer a coleta dos fragmentos de digitais. Nesses casos, terá de haver uma perfeita coordenação por parte dos peritos, a fim de não comprometer ou adulterar nenhum vestígio;

- Outras manchas, tais como tintas, solventes, ácidos, esperma, fezes e outros materiais biológicos, são fundamentais e devemos ter como rotina a sua busca em locais de crime. Mesmo que - aparentemente - no local possa não haver esse tipo de substância. Devemos lembrar que num local de morte violenta, por mais insignificante que possa parecer alguma coisa, jamais os peritos poderão descartá-la a priori, deixando isso, somente, quando do momento da análise individual e conjunta dos vestígios nos trabalhos finais para elaborar o respectivo laudo;

- Lixo aparente ou qualquer coisa semelhante em um local que está sendo examinado, deve merecer a atenção dos peritos como qualquer outro vestígio, pois poderemos estar achando elementos importantes ou até conclusivos;

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- Material oculto poderá haver e ser encontrado pelos peritos, o que para tanto deve-se estar atento na busca de materiais, armas, roupas ou qualquer coisa que possa ter sido oculta no local ou nas suas proximidades. Este será um procedimento que deve ter a sua busca intensificada, especialmente no local mediato, caso os vestígios do local, ou no próprio cadáver, assim nos indiquem como provável;

- Quaisquer cartas, mensagens ou documentos deixados pela vítima ou pelo agressor, são vestígios que poderão ser encontrados em muitos casos. Em havendo, poderão ser bastante esclarecedores para a elucidação da ocorrência;

- Marcas e pegadas são dados que, se buscados e encontrados em um local, poderemos chegar a identificações precisas. Neste item poderemos encontrar a marca de uma pegada de pessoa descalça, de um solado de calçado (quando se tratar de tênis ou outro solado com desenho, poderemos efetuar comparações posteriores), de pneumáticos e tantas outras;

- Em ambientes fechados verificar se houve arrombamento em alguma das vias de acesso e qual o sentido de produção, a fim de poder averiguar se foi produzido de fora para dentro ou vice-versa;

Por fim, é sempre bom relembrar que num local de crime, além dos vestígios característicos do crime ali perpetrado, poderemos encontrar outros, os mais inusitados possíveis, que poderão estar relacionados aquele crime ou revelar a ocorrência de outros. Por isso a importância do perito tomar todos os cuidados na busca dos vestígios.

d.3.1) Técnicas de exames dos vestígios

O exame de um vestígio no local do crime sempre se torna mais complexo do que examiná-lo posteriormente no interior do Instituto de Criminalística, pois – no local – deverão ser acrescidas outras necessidades e metodologias no seu exame, tendo em vista os vários interferentes na execução dessas tarefas.

No entanto, várias análises necessariamente deverão ser feitas no próprio local, a fim de entender o que está a nos mostrar determinado vestígio e, em conseqüência, a probabilidade da existência de outros, como também sobre o entendimento geral dos fatos ocorridos naquele local de crime.

Existe toda uma seqüência para que os peritos examinem corretamente um vestígio no local do crime e em futuras situações. Se estamos diante de uma impressão palmar impressa com sangue sobre uma parede, teremos que primeiramente fotografar cuidadosamente aquele desenho digital de vários ângulos, a fim de utilizarmos em posteriores confrontos. A seguir, vamos descrever e registrar a exata localização daquele desenho no ambiente onde se encontra, desde a posição até as medições da correta posição. Somente ao final é que poderemos recolher uma amostra daquele sangue para exames de laboratório.

E assim vale para o exame de qualquer vestígio. Os peritos devem ficar sempre atentos em proceder dessa forma, visando extrair daquele vestígio todas as informações que possa fornecer. Dentro dessa preocupação, também vamos encontrar situações em que é preciso – além de examinar no próprio local – preservá-lo para outros exames.

d.4) Exame do cadáver

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Em um local de morte violenta, o exame do cadáver é de fundamental importância para interligar os vestígios do ambiente com os do próprio cadáver. Nesse sentido, os peritos criminais - ainda no local - devem fazer um primeiro exame e, depois, juntamente com os médicos legistas, complementarem o seu trabalho nos institutos de medicina legal (IMLs).

d.4.1) Exame do cadáver no local (perinecroscópico):

O exame do cadáver no local onde foi encontrado é rotineiro em nossas perícias, a fim de podermos interligá-lo - ou não - com os demais vestígios encontrados naquele ambiente.

É importante este exame para, numa primeira análise, sabermos se aquele local foi onde - de fato - a vítima foi agredida e/ou abatida. Somente por intermédio dos vestígios encontrados no cadáver e na área próxima é que teremos condições de dizer se a vítima foi morta naquele local ou se somente fora ali depositada (desova);

Inúmeros vestígios no cadáver podem ser registrados, o que leva a um trabalho meticuloso e sistêmico, na busca da maior quantidade possível de informações que possamos extrair da vítima. Portanto, assim como no local, devemos observar no cadáver alguns tópicos que desenvolveremos a seguir:

- Devemos seguir uma orientação geral para procedermos o exame, com o objetivo de não corrermos o risco de perder qualquer vestígio ou informação existente no cadáver;

- Os ferimentos são os primeiros vestígios que procuramos na vítima, pois, por intermédio deles, é possível interagir e complementar com outras buscas. Em determinadas situações, é possível constatar-se o tipo de ferimento existente já numa primeira visualização do cadáver;

- Sinais de violência são informações primárias que deve-se checar quanto a sua existência ou não no cadáver, pois essas possíveis constatações poderão auxiliar em muito na dinâmica do local. Entende-se como sendo sinal de violência, a ação sofrida pela vítima em conseqüência da intensidade dos ferimentos desferidos pelo agressor;

- Sinais de luta também se revestem de fundamental importância para auxiliar na montagem da dinâmica do local. O sinal de luta se caracteriza por vestígios que possam identificar o envolvimento entre vítima e agressor;

- Reação de defesa caracteriza-se pela presença de vestígios, produzidos pela ação da vítima, na tentativa de evitar os ferimentos desferidos pelo agressor;

- Vestígios intrínsecos, tais como sêmen, vísceras, vômitos, salivas, fezes fazem parte da rotina de busca que os peritos devem empreender durante a perícia no cadáver;

- O sangue, um dos principais vestígios intrínsecos, normalmente nos traduz inúmeras informações importantes quanto ao movimento da vítima na cena do crime, contribuindo sobremaneira para a determinação da reconstituição da dinâmica. Portanto, recomendamos especial atenção às manchas de sangue na vítima, observando as suas diversas formas de produção (escorrimento, gotejamento, concentração, etc), pois cada uma delas poderá conter informações individualizadoras ou, no mínimo, indicativas;

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Chamamos a atenção para os vestígios produzidos pelo sangue, onde os peritos devem ter o cuidado de anotar e fotografar na forma original como foi encontrado. Em situações que o sangue ainda está em estado líquido, é preciso que esse exame seja registrado antes de movimentarmos a posição do corpo.

- Vestígios extrínsecos, como manchas quaisquer, pêlos depositados, fibras, minerais, terra, areia, detritos, material orgânico, é comum serem encontrados no cadáver, os quais, por sua vez, podem nos trazer informações relevantes para a formação da conclusão pericial, ou mesmo indicar uma possível autoria;

- Material do agressor, normalmente presentes nas unhas, mãos e órgãos genitais, podem nos oferecer pistas para a identificação do agressor;

- Observar se anéis, alianças, brincos, relógios, etc. foram retirados da vítima, fato que pode ser averiguado pela marca que esses objetos deixam no local do corpo onde eram usados;

Algumas outras técnicas básicas devem ser observadas concomitantemente com os procedimentos até aqui já discutidas, dentre as quais destacaríamos:

- Antes de tocar ou mexer em qualquer vestígio, deve-se fotografar tudo, a fim de preservarmos a forma original encontrada. Também deve ser fotografado cada detalhe que for encontrado e que os peritos julgarem importantes.

- Antes de mexer ou mudar a posição do cadáver, marcar a posição original com um giz ou qualquer outro material semelhante.

- Preservar e proteger cada vestígio que possa ser necessário para o exame que os legistas realizarão no IML.

d.4.1.1) Exame das Vestes:

Todo o exame feito no cadáver, mencionado até aqui, é acompanhado simultaneamente pelo exame das vestes, que assumem uma importância destacada sobre vários aspectos, conforme discutiremos a seguir.

O exame das vestes deve ser bastante cuidadoso - como o são os demais - tendo em vista a quantidade de informações que poderemos dela extrair.

Quando iniciamos o exame em um cadáver, normalmente ele estará trajando vestes, o que necessita uma atenção redobrada por parte dos peritos, a fim de iniciarem as suas observações e buscas com todo o cuidado para não correrem o risco de perder qualquer elemento.

Desse modo, o exame das vestes, de uma maneira geral, deve merecer a atenção dos peritos antes mesmo de examinarem o cadáver, no intuito de constatarem qualquer vestígio passível de ser destruído ou adulterado quando começarem a examinar o corpo da vítima.

A partir desse exame inicial, deve-se examiná-las simultaneamente ao cadáver, observando todos os elementos passíveis de ter relação com o evento delituoso.

d.4.2) Exame do cadáver no IML:

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Concluído todo o exame possível do cadáver no local em que foi encontrado, seu corpo é liberado pelos peritos e recolhido ao IML para que o médicos legistas façam a necrópsia.

É importante que no momento da necrópsia, tanto o médico legista como o perito criminal estejam juntos. O médico legista realizando a perícia no corpo enquanto que o perito criminal, complementando alguma informação técnica sobre os vestígios verificados no próprio cadáver e passando ao médico legista alguma informação do local que possa vir a auxiliá-lo quanto ao diagnóstico da causa médica da morte.

Durante a necrópsia é possível o perito criminal complementar informações de lesões externas que não puderam ser definidas com clareza quando do exame do local, tendo em vista as condições verificadas. No IML, em melhores condições para examinar, pode-se verificar todas as lesões com maior clareza.

Também as lesões internas do cadáver, especialmente profundidade de lesões pérfuro-incisas e trajetórias de projéteis de arma de fogo, servirão ao perito para complementar informações que auxiliarão na reconstituição da dinâmica do local do crime.

Assim, concluída a necrópsia, tanto o perito criminal quanto o médico legista, terão todas as informações para a elaboração de seus respectivos laudos periciais. É esta a grande importância do trabalho conjunto, a fim de termos dois laudos coerentes entre si, contribuindo, dessa forma, para a busca da verdade por intermédio da discussão científica entre profissionais de áreas afins.

d.5) Exames de laboratório

Durante o exame realizado no local do crime, os peritos criminais estão, simultaneamente, coletando todos os vestígios que tenham relação com o delito e, nesse contexto, estarão inúmeros vestígios que serão analisados nos laboratórios do Instituto de Criminalística.

Assim, no local de crime poder-se-á recolher vários tipos de vestígios que necessitarão de exames laboratoriais, para que o perito tenha o maior número de informações técnicas quando da análise geral dos vestígios, visando a reconstituição da cena do crime.

Para cada uma das amostras que forem encaminhadas ao laboratório, os peritos devem obedecer alguns procedimentos básicos, no sentido de orientar o perito no laboratório sobre o tipo de exame que deseja ver realizado.

Esses vestígios recolhidos do local, serão devidamente catalogados pelos peritos, a fim de registrar precisamente a posição e as condições em que foram encontrados, pois todas essas informações poderão ser importantes na análise geral dos vestígios.

Os peritos devem identificar com precisão cada tipo de amostra a ser encaminhado ao laboratório, a fim de não correr o risco de misturar os vários resultados posteriormente, levando a erros de interpretação.

Depois de feitos todos os exames de laboratório, os respectivos resultados são encaminhados aos peritos que efetuaram a perícia no local do crime, - por intermédio de relatório interno - a fim de que eles tenham todas as informações

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necessárias às suas análises.

Os resultados dos exames feitos nos diversos setores laboratoriais da criminalística, retornarão aos peritos do local, a fim de que eles possam proceder ao exame e análise final de todos os vestígios no seu mais amplo conjunto.

d.6) Análise geral dos vestígios

Como já vimos, os peritos que fazem o levantamento pericial no local são os responsáveis por todo o conjunto de informações à respeito daquela perícia.

Observamos, então, que dentro desse contexto geral dos exames, eles foram subdivididos em três fases distintas:A primeira, e talvez a mais importante, é a do exame do próprio local, onde os peritos examinaram o local imediato, o cadáver e o local mediato, retirando todas as informações que julgaram necessárias.A segunda, é a do acompanhamento da necrópsia pelos peritos que realizaram o exame de local, onde vimos o quanto é importante a interação profissional entre os médicos legistas e os peritos criminais, pois todos buscam um mesmo objetivo, que é o de melhor realizar a perícia em questão.A terceira, é a dos diversos exames de laboratório que se fizerem necessários e que foram realizados por outros colegas peritos, especialistas nas respectivas áreas de atuação.

De posse das informações oriundas das três fases mencionadas, os peritos criminais farão a análise geral dos vestígios, a fim de poder formar as suas convicções técnicas dos fatos que ocorreram naquele local de crime.

Primeiramente, serão analisados cada um desses vestígios e os resultados dos exames efetuados para compreender seus significados, individualmente. Evidentemente que, nesta fase, os peritos já analisaram muitos dos vestígios encontrados, pois essa análise começa desde o momento da sua constatação.

A partir dessa compreensão técnica inicial e individual, os peritos criminais irão analisar os vestígios interligando-os uns com os outros, a fim de obter - passo a passo - uma informação geral e globalizada da cena do crime.

II - LAUDO PERICIAL

a) Croqui:

Antes de começarmos a nos referir sobre o laudo pericial, vamos fazer algumas considerações sobre as anotações e registros que os peritos devem fazer, para guardar as informações que serão necessárias à confecção do laudo pericial.

Para se desenvolver todo o trabalho de exames e análise a que nos referimos neste trabalho, os peritos utilizam como ferramenta inicial as suas anotações manuscritas em um formulário denominado genericamente de croqui.

Vale aqui um alerta aos companheiros peritos, baseado em nossa experiência de alguns anos. Qual seja, a de que devemos procurar anotar tudo o que for observado e com o máximo de detalhes, a fim de não corrermos o risco de deixar de registrar alguma informação que poderá ser de crucial importância no momento

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da confecção do laudo pericial.

Devemos também ter em mente, que o croqui, podendo ser também um documento probatório, é o que podemos chamar de rascunho, ou anotações pessoais do perito. Portanto, o perito deve usar a linguagem mais simples possível, sem preocupar-se com esmeros redacionais. O importante é que o perito traduza, para ele próprio, todo o entendimento que teve de cada observação que fez durante seus exames.

Mencionamos no parágrafo anterior que o croqui é também um documento probatório. É bom salientar que as nossas anotações no croqui, mesmo em forma de rascunho, porém feitas de nosso próprio punho, servirão como documento de comprovação para qualquer eventualidade que se fizer necessária. Deve, portanto, esse croqui ficar arquivado no Instituto.

b) Laudo pericial:

O laudo pericial é o documento formal em que o perito apresenta todo o trabalho da sua perícia. É ele que vai subsidiar, primeiramente a policia, depois o Ministério Público (Procuradoria) e Advogados das partes e, finalmente, como destinatária final, a Justiça.

No Brasil, mesmo não havendo hierarquia entre os tipos de prova, a prática confirma a esmagadora supremacia do laudo pericial em um processo criminal. A razão é muito simples para esta importância dispensada ao laudo: é que o laudo é o resultado de um trabalho técnico-científico, em que todas as informações nele contidas são baseadas em tratados científicos e leis da ciência como um todo, complementados pela técnica criminalística. Todas as análises e conclusões de um laudo são respaldadas por leis da ciência, complementadas pela técnica criminalística, derivando daí sua grande consistência.

O conteúdo de um laudo pericial é questão muito significativa no contexto da perícia criminal, pois de nada adiantará o perito realizar um excelente exame pericial, observando todas as técnicas e metodologias, se não souber transferir para o laudo todas as informações que colheu ao longo da sua perícia.

Os peritos devem ter em mente que estão redigindo um documento eminentemente técnico que irá ser usado e interpretado por pessoas leigas naqueles assuntos.

A primeira regra, portanto, de um laudo bem redigido, é empregar uma linguagem simples e clara ao leitor. Em situações que não há outra alternativa para determinadas expressões técnicas, cabe ao perito explicar o seu significado, utilizando a linguagem corrente.

Esta necessidade do perito utilizar a linguagem simples e clara, não pode comprometer as informações que devem ser colocadas. Desse modo, uma outra preocupação é quanto ao significado das palavras que esteja colocando, evitando a qualquer custo expressões que possam dar dupla interpretação do que o perito quis informar.

Outro procedimento fundamental na redação de um laudo é a objetividade que o perito deve empregar para esclarecer qualquer informação que for colocar no laudo. Ser objetivo em um laudo pericial é colocar as informações de forma direta,

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sem divagar na redação com excesso de linguagem nas suas explicações.

A objetividade não pode ser confundida com a concisão ou maior aprofundamento nas explicações sobre determinados vestígios tratados no laudo.

Essa questão é um dos grandes problemas que observamos nas redações dos laudos, pois os peritos devem ter presente em suas avaliações o que será necessário colocar no laudo. Para cada vestígio constatado e analisado, deve seguir uma avaliação sobre a sua relevância no contexto do conjunto dos demais elementos e descrevê-lo nessa medida. P. ex., num local de suicídio, ocorrido dentro de uma casa, onde a vítima utilizou uma corda para enforcar-se, encontrarmos num outro cômodo uma escada doméstica, enquanto que a vítima – que estava ainda suspensa pela corda quando da chegada dos peritos – utilizou uma cadeira como auxílio para chegar até o ponto superior de fixação da corda, nos dedicarmos a uma extensa e detalhada descrição dessa escada, informando de que material é composta, quantos degraus possui e que altura há entre um e outro, a altura total, o tipo do degrau – roliço, quadrado, retangular, a cor da escada e outros detalhes porventura existente, e que pelas análises verificarmos que ela em nada fora utilizada no evento, certamente para quem estiver lendo este laudo posteriormente, ao se deparar com um aprofundamento da descrição desse objeto, interpretará que ela tem muita importância naquela cena de crime. Só que ao final os peritos em nada mencionam essa escada nas suas conclusões. Fatalmente um desses usuários do laudo levantará essa questão, perguntando qual a participação daquela escada na ocorrência do delito.

O mais comum, porém, é o contrário. Os peritos deixam de descrever adequadamente um vestígio relevante naquele contexto, optando – erradamente – por uma concisão redacional que deixará inúmeras dúvidas aos usuários do laudo.

Portanto, os procedimentos quanto à concisão redacional ou aprofundamento descricional dos vestígios presentes em uma ocorrência delituosa, não é regra fixa. Para cada situação os peritos deverão fazer essa avaliação e dosar conscientemente como irão redigir o laudo pericial, tendo presente as omissões e exageros que não devem ocorrer na redação de um laudo.

Outro procedimento importante a ser seguido pelos peritos, refere-se aos exames complementares, ou seja, aqueles que foram encaminhados para outros peritos realizarem. Ao se referir no laudo sobre esses exames, haverá a necessidade de informar desde as condições e local da sua coleta no local do crime, a qual setor laboratorial foi encaminhado e, ao se referir ao resultado, informar também o nome do perito que realizou tal exame. Dependendo da complexidade do exame, é aconselhável que o relatório interno do perito do laboratório seja anexado ao laudo. Isso não exime o perito do local de seguir os procedimentos acima referidos. Essa anexação servirá apenas para fundamentar com mais propriedade as circunstâncias do exame, já que o resultado deverá fazer parte da interpretação geral sobre os fatos ocorridos no local periciado.

III - CONCLUSÃO PERICIAL

A conclusão de um laudo pericial é o desfecho final de todo um trabalho que os peritos desenvolveram durante a realização dos exames de uma determinada perícia. Para cada área de atuação da criminalística vamos encontrar as nuanças e abordagens características na formulação da conclusão do respectivo laudo. Também a conclusão de um laudo de morte violenta requer cuidados específicos.

Todavia, para qualquer ocorrência ou área da criminalística, existem as regras

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básicas que devam ser seguidas, para a formulação de uma conclusão pericial. Lamentavelmente, tivemos oportunidade de testemunhar inúmeros laudos de colegas, onde essas regras básicas não foram observadas, ocasionando contestações e até suspeição do resultado.

Não podemos partir do pressuposto que o perito tem fé pública e, por isso, não precisa dar maiores explicações sobre os fatos periciados. Na realidade não se trata de explicações mas de fundamentação técnico-científica. Ao chegarmos no item do laudo destinado a conclusão, o leitor/usuário já deverá ter quase a certeza do que irá encontrar sobre a conclusão daquela perícia, em razão da correta descrição de todos os exames realizados e respectivas análises e interpretações que tenha encontrado no corpo do laudo.

Além desse cuidado que o perito deve ter ao redigir o laudo, tão importante quanto isso, será obedecer os corretos procedimentos para se estabelecer uma conclusão pericial. Muitos laudos terão sua conclusão categórica e afirmativa do que ocorreu no evento periciado, outros tantos não haverá conclusão. O perito não está obrigado a concluir um laudo só porque os usuários assim esperam dele, independente de ter reunido os elementos necessários para tal.

Assim, depois de realizados todos os exames, analisados todos os vestígios e resultados laboratoriais, os peritos terão condições de formar a sua convicção sobre como foi que ocorreu aquele delito, ou seja, terão informações técnicas suficientes para restabelecer a “cena do crime”, o que convencionamos chamar de dinâmica do local.

Nessa formação de convencimento técnico, em que puderam remontar a “cena do crime”, os peritos criminais estarão - ao mesmo tempo - em condições de definir o diagnóstico diferencial da morte. Se aquela morte ocorrida foi em conseqüência de suicídio, homicídio, acidente ou morte natural. Ou seja, a própria conclusão pericial sobre aquela morte. É claro que num laudo de morte violenta, além do diagnóstico diferencial, outros fatos merecerão conclusões periciais, de acordo com os vestígios constatados e analisados.

Queremos destacar novamente e enfatizar a prudência que o perito deve ter nessa análise geral dos vestígios, onde deve partir sempre do pressuposto (até por absurdo) que, no local examinado ocorrera um homicídio. A partir dessa prudência chegará ao diagnóstico correto, mesmo por exclusão do homicídio.

Todo o trabalho técnico-científico do perito criminal tem como principal objetivo, determinar o diagnóstico diferencial da morte e, por conseqüência, a própria conclusão dos fatos. Cabe salientar que a causa da morte só é definida pelo médico legista. Caberá a ele, dentro de seus conhecimentos de medicina, examinar o cadáver a fim de estabelecer que tipo de lesão provocou a morte da vítima. Por sua vez, os peritos criminais são encarregados de fazer a perícia no local do crime – inclusive no cadáver - e outros exames complementares que se façam necessários para determinar o diagnóstico diferencial.

Para chegar a este resultado, o perito deve basear-se, exclusivamente, em elementos técnico-científicos. Somente afirmar categoricamente qual o diagnóstico quando tiver esses elementos (vestígios) em quantidades e qualidades suficientes para fundamentá-lo. Se houver, pelo menos, duas opções possíveis os peritos não poderão declinar por um diagnóstico.

Portanto, para se estabelecer uma conclusão pericial, devemos partir do campo das possibilidades. E observem que esse universo de possibilidades é muito amplo, todavia, para se estabelecer uma conclusão pericial, somente poderá restar uma

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possibilidade para aquele evento.

Para chegarmos a essa única possibilidade, teremos apenas duas situações capazes para tal.

A primeira situação será quando, no conjunto dos vestígios constatados e examinados, tivermos um que, por si só, seja um vestígio determinante. Obviamente que vestígio determinante neste caso, deve estar caracterizado pela sua condição autônoma associada ao seu significado no evento periciado.

Dois exemplos para entendermos melhor esses conceitos: Uma impressão digital individualmente é um vestígio determinante, mas se encontrarmos um desses vestígios no local do crime, não quer dizer que teremos identificado o autor do crime e por conseqüência tratar-se-á de um homicídio. Por outro lado, o vestígio lesão pérfuro-incisa não é um vestígio determinante por si só, mas se tivermos esse vestígio repetido várias vezes em diversas partes do corpo de um cadáver, certamente esse vestígio (lesão pérfuro-incisa) será determinante para fundamentar o diagnóstico por homicídio.

A segunda situação em que os peritos poderão ter apenas uma possibilidade, será quando vários vestígios, em que nenhum deles por si só seja determinante, mas apenas probabilísticos e que, no seu conjunto de informações técnico-científica levem a uma única possibilidade. Neste caso, terão informações suficientes para respaldar as suas afirmações quanto ao diagnóstico diferencial daquela morte.

Todavia, existem várias situações que, apesar da riqueza de vestígios, mesmo analisando-os em seu conjunto, não será possível chegar a uma definição quanto ao diagnóstico. Neste caso, os peritos não poderão fazer qualquer afirmativa conclusiva quanto a ele, pois haverá mais de uma possibilidade técnico-científica para aquele evento.

Estamos nesta parte nos referindo mais sobre conclusão pericial no laudo, relativo ao diagnóstico diferencial da morte, todavia, as regras se aplicam também para outras conclusões que se façam necessários mesmo nos locais de crimes com cadáver.

Em não sendo possível concluir um laudo pericial, restam duas alternativas para auxiliar no contexto geral das investigações e, posteriormente, à justiça.

Na primeira situação, os peritos terão condições de eliminar algumas possibilidades e, com isso, delimitarem o trabalho dos investigadores da polícia. Tanto a investigação pericial, quanto a policial, especialmente esta última, iniciam uma investigação levando em conta todas as possibilidades e, na medida que o trabalho vai progredindo, essas possibilidades vão sendo eliminadas até chegarem a uma somente. Portanto, qualquer dado técnico que os peritos possam adicionar ao laudo será de extrema utilidade aos investigadores da polícia, principalmente então, nesses casos de laudos sem conclusão.

Na segunda, onde os vestígios forem menos suficientes, os peritos limitar-se-ão a indicar mera probabilidade para um dos possíveis diagnósticos. Encontraremos situações que os vestígios encontrados não serão capazes de embasar, sequer, uma eliminação de alguma das possibilidades levantadas na investigação, restando – de acordo com os dados técnico-científicos reunidos e analisados – apenas uma maior probabilidade para uma dessas possibilidades focalizadas.

Poderíamos dizer que haveria ainda uma terceira situação, onde a pouca

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quantidade de vestígios é tamanha, que os peritos se limitarão a informar no laudo a impossibilidade de concluírem o evento periciado, face a exiguidade de vestígios. Apesar de não haver nenhuma conclusão nesse caso, muitos laudos são expedidos dessa forma. Somente alertamos os peritos que essa situação pura e direta somente deverá ser utilizada quando – de fato – os vestígios forem insuficientes. Se se tratar de locais adulterados por falta de isolamento e preservação, obrigatoriamente os peritos deverão acrescentar tópico independente no laudo, discutindo esses fatos e a eles se referirem na conclusão.

Como vimos até aqui, para que os peritos criminais realizem um exame satisfatoriamente, do ponto de vista técnico-pericial, deverão observar uma série de requisitos e procedimentos técnicos, a fim de que possam - ao final - chegar à plenitude de um resultado possível.

Ressaltamos o quanto é fundamental que os peritos de local tenham plena consciência da necessidade de se transpor todos os obstáculos à execução do mister pericial, a fim de apresentarmos um resultado final capaz de atender a expectativa dos usuários do nosso trabalho, especialmente a Justiça Criminal que é a destinatária final do Laudo Pericial.

O exercício da função pericial deve ser perseguido pelos peritos com todo o profissionalismo e dedicação, pois ao exercê-la nos moldes previstos no Código de Processo Penal, estamos – a cada laudo emitido – mostrando a nossa capacidade de trabalho e a nossa qualificação profissional, uma vez que, apesar de sermos funcionários concursados do Estado, o exercício da função pericial é feita de forma extremamente autônoma pelo perito.

Os dois peritos que assinam um laudo são os únicos responsáveis pelo mesmo. O que temos em alguns Institutos é uma preocupação da direção em designar peritos mais experientes para verificarem o padrão de qualidade dos laudos, todavia, esses “revisores de laudos” podem apenas levantar as possíveis falhas e omissões, cabendo aos dois peritos que realizaram o exame, a responsabilidade de reanalisar todos os dados e, se for o caso, incorporarem as modificações propostas.

De um lado temos a completa autonomia do perito pelo laudo que emite, mas por outro cabe aos diretores dos Institutos zelarem pela qualidade dos laudos da instituição que administram. Dessa forma, é sempre recomendável que os Institutos mantenham um controle de qualidade, mediante a leitura de todos os laudos, antes da sua emissão final, a fim de solicitar aos peritos o melhoramento de alguns trabalhos porventura mal apresentados. Isso não é ingerência no laudo, desde que fique no campo estrito da melhoria de qualidade. A qualidade de um laudo é relativamente fácil ser detectada por um outro perito, pois ao ler tal conteúdo, como conhecedor experiente do mister, terá condições de levantar essas lacunas.

 

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ISOLAMENTO E PRESERVAÇÃO DOS LOCAIS DE CRIME COM CADÁVER

Agradecimentos ao Dr. Alberi Espíndula

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a) Considerações iniciais

Um dos grandes e graves problemas das perícias em locais onde ocorrem crimes, é a quase inexistente preocupação das autoridades em isolar e preservar adequadamente um local de infração penal, de maneira a garantir as condições de se realizar um exame pericial da melhor forma possível.

No Brasil, não possuímos uma cultura e nem mesmo preocupação sistemática com esse importante fator, que é um correto isolamento do local do crime e respectiva preservação dos vestígios naquele ambiente.

Essa problemática abrange três fases distintas.

A primeira compreende o período entre a ocorrência do crime até a chegada do primeiro policial. Esse período é o mais grave de todos, pois ocorrem diversos problemas em função da curiosidade natural das pessoas em verificar de perto o ocorrido, além do total desconhecimento (por parte das pessoas) do dano que estão causando pelo fato de estarem se deslocando na cena do crime.

A segunda fase compreende o período desde a chegada do primeiro policial até o comparecimento do delegado de polícia. Esta fase, apesar de menos grave que a anterior, também apresenta muitos problemas em razão da falta de conhecimento técnico dos policiais para a importância que representa um local de crime bem isolado e adequadamente preservado. Em razão disso, em muitas situações, deixam de observar regras primárias que poderiam colaborar decisivamente para o sucesso de uma perícia bem feita.

E, a terceira fase, é aquela desde o momento que a autoridade policial já está no local, até a chegada dos peritos criminais. Também nessa fase ocorrem diversas falhas, em função da pouca atenção e da falta de percepção - em muitos casos - daquela autoridade quanto a importância que representa para ele um local bem preservado, o que irá contribuir para o conjunto final das investigações, da qual ele é o responsável geral como presidente do inquérito.

Para falarmos em isolamento e preservação de local, em primeiro lugar vamos discutir genericamente sobre o local de crime.

a.1) Local de Crime

Os exames periciais realizados nos locais onde ocorreram as infrações penais, são tão variados e complexos que exigem dos peritos criminais uma série de cuidados e precauções, no sentido de bem desempenharem essa importante função.

Neste trabalho estaremos abordando os aspectos relacionados genericamente a todos os tipos de delitos ocorridos e que a perícia se faça necessária no próprio local onde ocorrera, a fim de subsidiar as autoridades policiais e demais segmentos da polícia com informações técnicas que evidencie a importância do exame pericial no local do crime, advindo, por conseqüência, a atenção maior para o isolamento e a preservação.

Conceito

O local de crime pode ser definido, genericamente, como sendo uma área física onde ocorreu um fato - não esclarecido até então - que apresente características

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e/ou configurações de um delito.

Mais especificamente, local de crime é todo espaço físico onde ocorreu a prática de infração penal. Portanto, entende-se como local de crime qualquer área física, que pode ser externa, interna ou mista.

Para robustecermos o nosso conteúdo e chamar a atenção logo de início para a importância que representa uma perícia em um local de crime, incluiremos uma sábia definição em forma de parábola do mestre Eraldo Rabelo, um dos maiores especialistas peritos do Brasil.

"Local de crime constitui um livro extremamente frágil e delicado, cujas páginas por terem a consistência de poeira, desfazem-se, não raro, ao simples toque de mãos imprudentes, inábeis ou negligentes, perdendo-se desse modo para sempre, os dados preciosos que ocultavam à espera da argúcia dos peritos."

O início de qualquer procedimento para o esclarecimento de um delito será o local onde ocorreu o crime. Nesse sentido, é necessário que a polícia tome conhecimento de imediato, a fim de providenciar as necessárias investigações daqueles fatos.

Um desses procedimentos é verificar se realmente ocorreu um crime naquele local e inteirar-se da existência de vestígios para que a perícia seja acionada.

Os tipos de delitos que podem ocorrer nos locais de crime são inúmeros. No entanto, para fins de facilidade no fluxo de realização dos exames periciais, procura-se fazer três divisões básicas: crimes contra a pessoa; acidente de tráfego; e, crimes contra o patrimônio.

Crimes contra a pessoa

Nesta classificação de crimes, procura-se colocar todos os tipos de delitos perpetrados contra as pessoas. Assim, poderemos ter aqui ocorrências que vão desde uma tentativa contra a pessoa até a morte da vítima.

Podemos colocar vários exemplos de crimes contra a pessoa, no entanto, os mais comuns, ou aqueles que ocorrem com mais freqüência, são os homicídios e os suicídios, envolvendo a morte da vítima; e, as tentativas de consumação de homicídios e os disparos de arma de fogo em geral, dentre aqueles em que a vítima não veio a falecer.

O estudo e metodologia dos exames periciais nos locais onde ocorreram esses tipos de crimes, fazem parte de estudo autônomo em face da sua complexidade e cuidados que devem ser observados pelos peritos criminais. Como aqui nos interessa, nesta fase, somente apresentar os aspectos gerais sem aprofundarmos esse assunto, uma vez que voltaremos ao tema mais adiante.

Acidente de tráfego

Os locais onde ocorreram os acidentes de tráfego trazem uma série de informações materiais, que propiciam a realização - na sua grande maioria - de uma perícia capaz de oferecer toda a dinâmica e a causa determinante do acidente.

A quantidade de ocorrências nessa área é muito grande, em função de uma série de interferentes no sistema de trânsito, desde a má conservação das nossas vias até - e principalmente - a imprudência e descumprimento das leis por parte dos

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motoristas.

Gostaríamos de chamar a atenção de todos para um cuidado que devemos ter nas ocorrências de trânsito. Tradicionalmente dentro da Polícia e da própria Perícia, costuma-se generalizar essas ocorrências, nominando-as com a expressão "acidente de trânsito".

Já aconteceram diversos casos em todo o Brasil, e certamente outros vão ocorrer, da perícia ser requisitada para atender um "acidente de trânsito" que, na realidade, após os peritos examinarem o local, constataram que se tratava de um homicídio e as vezes de um suicídio. Assim, os peritos já adotam o procedimento de chegar num local de ocorrência de trânsito sem qualquer pré-julgamento dos fatos.

Crimes contra o patrimônio

Os crimes contra o patrimônio, o próprio nome sugere, são todos os delitos praticados cuja intenção do autor era a de obter vantagem (ilícita) pecuniária ou patrimonial, por intermédio da apropriação de objetos, bens ou valores.

Além dos crimes tradicionais e mais comuns ocorridos contra o patrimônio, nesta classificação estarão todos os demais exames periciais externos, excetuando-se os de acidente de tráfego e os de crimes contra a pessoa.

Nesta classificação podemos incluir os casos de arrombamentos; furto ou roubo de veículos; danos materiais; local de lenocínio (prostituição); exercício ilegal da profissão; jogos de azar; exercício arbitrário das próprias razões; maus tratos contra animais; alteração de limites; parcelamento irregular de solo; furto de energia, telefone, água e TV a cabo; furto de combustíveis; incêndio, meio-ambiente, etc.

b) O isolamento e a preservação

Um dos requisitos essenciais para que os peritos possam realizar um exame pericial de maneira satisfatória, é que o local esteja adequadamente isolado e preservado, a fim de não se perder qualquer vestígio que tenha sido produzido pelos atores da cena do crime.

Este é um problema que os peritos encontram quase sempre nos locais de crime, pois não há no Brasil uma tradição de isolarmos e preservarmos o local de infração penal. Esta falta de tradição é da própria população que, ao passar por um local, acaba se aproximando de tal maneira que se desloca por entre os vestígios. Da população, em princípio, é até compreensível a curiosidade natural em olhar tais fatos, no entanto, as dificuldades são maiores quando a própria polícia, que é a responsável por esse mister, na grande maioria das situações não cumpre a sua obrigação prevista em lei.

Com a vigência da Lei 8862/94, a questão do isolamento e preservação de local de crime mudou de patamar, passando a fazer parte da preocupação daqueles que são elencados como os responsáveis por essa tarefa, ou seja, por intermédio da autoridade policial.

Tais determinações legais que garantem esse novo status para o local de crime, estão previstos nos dispositivos a seguir transcritos, do Código de Processo Penal.

Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

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I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.Parágrafo Único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as conseqüências dessas alterações na dinâmica dos fatos.

Como podemos observar, a questão do isolamento e preservação de local de crime está, a partir da edição da Lei 8862/94, tratada devidamente e a altura da importância que representa no contexto das investigações periciais e policiais.

O isolamento e a conseqüente preservação do local de infração penal é uma garantia que o perito terá de encontrar a cena do crime conforme fora deixada pelo(s) infrator(es) e pela vítima(s) e, com isso, ter condições técnicas de analisar todos os vestígios. É também uma garantia para a investigação como um todo, pois teremos muito mais elementos a analisar e carrear para o inquérito e, posteriormente, para o processo criminal.

No entanto, mesmo com a previsão legal, a preservação do local de crime é primeiramente uma questão de formação profissional dos próprios policiais que, por sua vez, quando passarem - todos - a proceder corretamente, estaremos iniciando uma cultura de isolamento e preservação capaz de se fazer respeitar pela própria comunidade. Só depois de todo esse trabalho é que poderemos dizer que haverá um perfeito isolamento e preservação dos locais de crime.

É preciso ficar muito claro para todos nós o quanto é importante se preservar adequadamente os vestígios produzidos pelos atores (vítima e agressor) da cena do crime, como única forma de reunirmos condições para chegar ao esclarecimento total dos delitos.

Qualquer investigação começará com muito mais probabilidade de sucesso se for observado dois fatores básicos, conforme discutiremos a seguir. · Iniciar imediatamente as investigações a partir do local onde ocorreu aquele delito, pois será ali que teremos mais chance de encontrar alguma informação, tanto sob os aspectos da prova pericial, quanto das demais investigações subjetivas, tais como testemunhas, relatos diversos de observadores ocasionais, visualização da área para avaliar possíveis outras informações de suspeitos, etc. · O tempo é fator que trabalha contra os investigadores e peritos para esclarecer qualquer delito. Quanto mais tempo gastarmos ou demorarmos para iniciar determinada investigação, fatalmente estaremos perdendo informações valiosas, que em muitos casos, poderão ser essenciais para o resultado final da investigação. A perícia, nesse mesmo diapasão, fundamenta o seu trabalho principal nos exames periciais efetuados diretamente no local onde ocorreu a infração penal. É, a partir do exame geral do local do crime, que poderemos ter uma visão técnica global de todo o ocorrido.

b.1) Técnicas a serem adotadas

Neste tópico queremos abordar, principalmente, as áreas que devem ser delimitadas e isoladas, para os casos distintos de crimes de morte violente.

Evidentemente que a preservação dos vestígios será uma conseqüência inicial do

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correto isolamento (delimitação) da área, além da conduta firme e vigilante do policial em não permitir nenhum acesso ao interior da área isolada.

Para que as autoridades policiais e quaisquer outros policiais tenham condições de fazer um correto isolamento e conseqüente preservação dos vestígios nos locais de crime, é preciso que detenham conhecimentos gerais de criminalística para, no mínimo, saberem distinguir tudo o que possa ser vestígio e, portando, de grande importância ao exame dos peritos. Dada a precariedade de grande parte dos cursos de formação policial nas Academias, é compreensível até observarmos erros de avaliação por parte dos policiais nesse campo pericial.

Assim, quando os peritos estiverem orientando os policiais sobre esses importantes procedimentos de apoio ao trabalho pericial, devem primeiramente fazer uma apresentação do trabalho pericial realizado em um local de crime, no sentido de fundamentar a necessidade deles executarem corretamente o isolamento da área dos exames e respectiva preservação dos vestígios.

A área a ser isolada nos casos de crimes contra a pessoa compreenderá, a partir do ponto onde esteja o cadáver ou de maior concentração dos vestígios até além do limite onde se encontre o último vestígio que seja visualizado numa primeira observação. Essa área terá formato irregular, pois dependerá da disposição dos vestígios e também não se poderá estabelecer tamanhos ou espaços prévios.

Dependerá sempre da visualização que o policial fará na área, com o objetivo de observar até onde possam existir vestígios. Como prudência, é de bom termo proceder ao isolamento tomando-se um pequeno espaço além do limite dos últimos vestígios visualizados, pois nesses tipos de ocorrências poderão haver elementos técnicos a serem buscados em áreas adjacentes, os chamados locais mediatos.

Nesses locais de morte violenta a visualização de alguns vestígios, em determinados casos, não é tarefa fácil, dadas as variedades e sutilezas desses elementos presentes numa cena de crime.

Nas situações em que haja vítima no local, a única providência é quanto à verificação se realmente a vítima está morta. A partir dessa constatação, não se deve tocar mais no cadáver, evitando-se uma prática muito comum de mexer na vítima e em seus pertences para estabelecer a sua identificação.

b.2) Procedimentos policiais

Quando ocorre um delito, fatalmente chegará ao conhecimento da polícia, tanto a militar quanto a civil. Normalmente numa seqüência rotineira, quem primeiro é chamada a atender locais de crime é a Polícia Militar, tendo em vista o próprio telefone 190 que é muito conhecido.

Porém, isso não é regra sempre, pois qualquer policial que for comunicado de um possível fato delituoso, deverá de imediato tomar as providências para averiguar a ocorrência.

b.2.1) Responsabilidade do primeiro policial

Quando o primeiro policial chega num local de infração penal, ele terá que observar uma rotina de procedimentos, a fim de não prejudicar as investigações futuras.

Os procedimentos levam em conta se existem vítimas no local ou se trata apenas

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de um delito sem vítimas a serem socorridas.

Num local onde existam vítimas vivas no local, a primeira preocupação do policial deverá ser em providenciar o respectivo socorro, a fim de encaminhar para o hospital de atendimento de emergência. Tomadas as providências de socorro, o policial deve isolar o local e garantir a sua preservação, não permitindo nenhum acesso ao interior daquela área. Deve ainda, sempre que possível, rememorar a sua movimentação na área do delito, a fim de informar aos peritos quando do exame pericial, no sentido de colaborar com eles para que não percam tempo analisando possíveis vestígios (ilusórios) deixados pelo policial e que nada terá a ver com os vestígios do crime, mas que demandará tempo de análise por parte dos peritos até chegarem a essa conclusão.

Uma outra situação de local é quando há vítima aparentemente morta. Nesses casos, deve o policial dirimir qualquer dúvida (mesmo por excesso de zelo), verificando se a vítima realmente já está morta. A verificação do óbito pode até parecer fato simples, todavia, quando estamos tratando da vida das pessoas, todo o cuidado será pouco e, portanto, toda ação deverá ser excessiva nesse sentido. Por menor que seja a dúvida, o primeiro policial deverá adentrar no local do crime e verificar se a vítima realmente está morta.

Falamos isso porque existem casos reais em que os policiais não fizeram tal averiguação e, somente quando os peritos chegaram ao local é que, ao checarem, verificaram que a vítima ainda estava viva.

Porém, para adentrar no local onde está a vítima deve fazê-lo mediante deslocamento em linha reta. Chegando junto à vítima, fará as verificações para constatar o óbito. Caso esteja viva, deverá providenciar o socorro o mais urgente possível, deixando de se preocupar – naquele momento - com possíveis preservações dos vestígios, pois o mais importante é aquela vida que deve ser salva. No entanto, constatado que a vítima está morta, deve então se preocupar exclusivamente com a preservação dos vestígios.

Neste caso, não deverá movimentar o cadáver e nem tocá-lo por qualquer motivo, pois, a partir daquele momento, somente os peritos é que devem trabalhar naquele local, até a sua liberação à autoridade policial. Assim, deve voltar de maneira mais lenta pelo mesmo trajeto feito quando da entrada e, ao mesmo tempo, observar o seu percurso para verificar o acréscimo ou adulteração de qualquer vestígio que ele tenha produzido naquela sua movimentação. Guardará essas informações para repassar aos peritos quando chegarem ao local.

Atingindo a área externa da cena do crime, observará visualmente todo o espaço que possa ter algum vestígio e providenciará o isolamento de toda a área, utilizando fitas amarelas, cordas ou quaisquer instrumentos que possam propiciar a delimitação da área, no sentido de demarcar os limites de acesso de quaisquer outras pessoas, inclusive os próprios policiais. Este policial será o responsável por qualquer irregularidade que venha a ocorrer nesse espaço de tempo, até a chegada da autoridade policial ou seu representante.

Se esse policial tiver que sair do local por motivos quaisquer, deve passar para a autoridade policial as informações relativas ao seu deslocamento no interior da cena do crime, a fim de que esta repasse aos peritos. Caso ele permaneça no local, ele mesmo dará as informações aos peritos.

A seguir vamos dar um exemplo, em gráfico, de uma área delimitada pelo primeiro policial que chega ao local do crime, com a sua respectiva entrada até a vítima

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para verificação e confirmação do óbito.

b.2.2) Responsabilidade da autoridade policial

Conforme determina o artigo 6º do Código de Processo Penal, cabe à autoridade policial a obrigatoriedade de dirigir-se, logo que tomar conhecimento, imediatamente para o local do crime, a fim de tomar várias providências, dentre as quais a de isolar e preservar os vestígios produzidos naquele evento.

Com o advento da Lei 8862/94, passou a ser obrigatória a presença do delegado de polícia no local do crime, a fim de tomar as providências que determina o mencionado artigo 6º. No entanto, é importante analisarmos essa obrigatoriedade à luz da nossa realidade brasileira, onde não há efetivo suficiente em nenhum segmento policial para atender toda a demanda.

Assim, em muitos casos a autoridade policial não poderá se deslocar até a área onde ocorreu o delito, porém, nessas situações, deve tomar providências e determinar que um agente seu compareça e realize aquelas tarefas em seu nome. Portanto, o fato de - mesmo justificadamente - não puder comparecer ao local do crime, não o exime da responsabilidade legal.

Nesse sentido o artigo 169 quando fala em “... a autoridade providenciará...”, deixa-nos esse entendimento de que é possível atender o disposto no inciso I do artigo 6º se mandar o seu agente até o local do crime. Evidentemente que essa é uma interpretação bastante limitada e só se justificaria em situações que a autoridade policial, comprovadamente, esteja envolvida em outras atribuições naquele período.

Na realidade, o delegado de polícia tem dupla responsabilidade na questão da preservação e isolamento de locais de crime, dificultando operacionalmente em determinados casos a sua atuação.

Lhe é cobrada a obrigatoriedade de comparecer ao local da infração penal e

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providenciar o respectivo isolamento e preservação dos vestígios ali produzidos. Esta, podemos dizer, é a responsabilidade que está diretamente prevista no Código de Processo Penal.

Porém, a partir dessa obrigação decorre uma outra, qual seja, a de que é ele o responsável por todo esse processo operacional. E, em sendo, deverá ter o controle dos fatos ocorridos antes da sua (ou de seu agente) chegada ao local do crime.

Como sabemos, a partir da ocorrência de um delito qualquer, temos alguns interferentes que devem ser considerados. Em primeiro lugar, em quase todas as situações de crimes em local público ou de fácil acesso, devemos saber que pessoas - por mera curiosidade - estarão se aproximando do local e, por conseqüência, alterando os vestígios deixados pelos atores da cena do crime. Este é um dos interferentes mais difícil de administrar, haja vista que eles chegam primeiro que a polícia e não existe nenhum conhecimento ou tradição cultural de se preocuparem com esse tipo de coisa. São movidos pela curiosidade e, para satisfazê-la, acabam prejudicando o trabalho da polícia e da perícia.

Essa falta de preocupação por parte de populares nós ainda vamos conviver por muito tempo, uma vez que não temos no Brasil nenhum trabalho de campanha educativa nesse sentido. Este fator é também agravado porque a grande maioria dos policiais (civis ou militares) não tiveram uma formação adequada nas Academias, ressaltando a importância do isolamento e preservação de local, acarretando erros primários provocados por aqueles que deveriam ser o exemplo para a população.

Um outro interferente são os próprios policiais em geral, que chegam antes da autoridade policial ao local do crime e que - como dissemos - não possuem conhecimentos técnicos necessários para executarem com regularidade essa atribuição. Acabam também cometendo erros de procedimento, contribuindo também para alterar vestígios no local de crime. É comum observarmos nos locais onde tenham vários policiais presentes, as suas despreocupações com esse atributo, ao ficarem transitando inadvertidamente por toda a área.

 

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A MULTIDISCIPLINARIEDADE NA PERÍCIA CRIMINAL

Agradecimentos ao Dr. Alberi Espíndula

INTRODUÇÃO

A Criminalística utiliza-se do conhecimento de profissionais com formação

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acadêmica em vários ramos da ciência, como também das suas próprias técnicas que estabelecem diversas metodologias para a execução dos exames periciais.

No início da estruturação da Criminalística, a formação de seus profissionais era genérica, no entanto, com o seu desenvolvimento e a complexidade dos crimes, aliados com a utilização do conhecimento tecnológico, os crimes passaram a ser executados com maior grau de sofisticação e, por conseqüência, exigindo dos peritos a especialização correspondente para fazer frente às necessidades de conhecimento que devem ser aplicados em cada caso.

Assim, surge no contexto pericial a especialização profissional, como forma de atender com maior eficácia a demanda existente. No entanto, para que esses especialistas atinjam seu grau de proficiência devem, primeiramente, conhecer genericamente de toda a técnica criminalística.

OS FUNDAMENTOS BÁSICOS NA PERÍCIA CRIMINAL

A criminalística, por intermédio de seus peritos, para que possa realizar as suas tarefas diariamente, necessita utilizar-se de inúmeras metodologias de trabalho e seguir determinados critérios e técnicas que já são consagradas no âmbito da perícia criminal.

Apesar da criminalística ser, ainda, uma ciência relativamente nova, vem caminhando a passos largos na busca dessa solidificação científica. Assim, todos sabemos que o nosso cotidiano começou a ser atendido por intermédio de exames muito mais empíricos do que técnicos.

No entanto, pela própria demanda no meio da investigação policial e do processo criminal, ela solidificou sua atuação, por intermédio de técnicas consistentes, agregadas aos conhecimentos de outras áreas da ciência.

Portanto, a criminalística se utiliza de suas próprias técnicas e de regras de outras ciências.

O FAZER CRIMINALÍSTICA NO DIA-A-DIA

A atividade pericial do nosso cotidiano é muito abrangente e oferece inúmeras possibilidades de análise, tanto do ponto de vista dos aspectos positivos, como os de deficiências estruturais.

Como não é objetivo falarmos neste trabalho sobre as deficiências, vamos nos ater aos ricos elementos que a criminalística oferece para o seu próprio fortalecimento como instrumento auxiliar da justiça.

Cada trabalho que o perito realiza, representa – de fato – uma possibilidade de pesquisa científica. É esta a base que propicia as possibilidades de desenvolvimento da criminalística, ou seja, ela mesma cria as condições – pela execução do seu mister – para a pesquisa científica. Esta é a razão de enfatizarmos em toda oportunidade, de que uma perícia ao ser realizada, deve estar dissociada de qualquer comparação com outras anteriores já efetuadas.

Assim, em cada perícia que venha a ser realizada, poderemos estar empregando determinados tipos de conhecimentos e técnicas, muitas vezes, várias delas, dentro de um conjunto de análise que tenha de ser realizada para cada vestígio. Normalmente, para qualquer perícia, empregamos mais de uma técnica ou conhecimento científico, pois seu exame compõe-se de muitos vestígios que, por

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sua vez, exigem essa variedade de metodologias e técnicas.

A FORMAÇÃO (REQUISITO TÉCNICO) BÁSICA DO PERITO

Os encarregados da execução pericial, no âmbito da perícia criminal, devem ser profissionais com formação acadêmica, contratados pelo Estado mediante concurso público específico para esta finalidade. É o que determina o Código de Processo Penal (artigo 159) e a própria Constituição Federal.

Portanto, a formação básica de um profissional que venha a realizar exames periciais criminais, deverá contemplar dois requisitos básicos: a formação acadêmica, e o respectivo curso de formação técnico-profissional.

A formação acadêmica do perito oficial

Todos sabemos que é preciso a formação acadêmica para que o profissional faça um concurso público à função de perito oficial (criminal ou legista), no entanto, queremos discutir alguns aspectos relacionados com as áreas do conhecimento que poderão estar incluídas nesse rol de profissionais.

Alguns peritos - dirigentes administrativos ou lideranças políticas – entendem que pode-se aproveitar profissionais de qualquer formação acadêmica, sob o argumento de que a criminalística – em tese – engloba exames periciais que necessitam de qualquer conhecimento científico e, portanto, deverá ter todos esses profissionais para utilizar em uma eventualidade de exames afetos às suas áreas de especialização.

Por outro lado, outra corrente – na qual nos incluímos, entende que deve se restringir as áreas de formação para aquelas mais relacionadas aos exames periciais diários, pois assim procedendo, estaremos adequando com maior eficiência os recursos humanos na distribuição de tarefas da criminalística.

Para entendermos as argumentações do parágrafo anterior, necessário se faz o entendimento das tarefas afetas aos Institutos de Criminalística e de Medicina Legal.

No que diz respeito às tarefas da medicina legal, estas devem ficar restritas aos exames nas pessoas (vivas ou mortas), evitando-se a criação de laboratórios no âmbito daquelas instituições, pois os exames laboratoriais e complementares de que necessitam, podem – perfeitamente – também ser realizados nos laboratórios da criminalística, onde estão concentrados os profissionais (peritos criminais) com maior qualificação específica à execução daqueles exames. Mesmo porque, a medicina legal é apenas mais uma das perícias criminais realizadas cotidianamente que – é claro – exigem o concurso de profissionais com formação acadêmica em medicina, as quais, por sua vez, estariam incluídas no rol dos exames criminalísticos. Apenas temos separado em duas instituições (IMLs e ICs) por razões históricas, por ter iniciado a perícia criminal através do exame nas pessoas, como primeiro campo de especialização e subdivisão a partir da ciência filosófica.

Por sua vez, as perícias criminais realizadas nos Institutos de Criminalística englobam os mais diversos tipos de exames e, por conseqüência, precisam contar com profissionais habilitados nas várias áreas da ciência.

Essa variedade de tipos de perícias criminais, que estão sob a responsabilidade dos Institutos de Criminalística, podem ser divididos em dois grandes grupos. As

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perícias específicas e as de natureza genérica.

As específicas são aquelas em que somente determinado perito, com formação acadêmica correspondente, poderá realizar, em consequência de ser – por força de lei – atividade exclusiva daquele profissional de nível superior. É a chamada competência legal que, por sua vez, pressupõe a competência técnica em torno dos conhecimentos necessários para a realização do exame pericial. Um exemplo dessa atribuição específica seria uma perícia contábil, onde somente o perito criminal com formação acadêmica em Ciências Contábeis estaria habilitado legalmente a realizá-la. Já as perícias genéricas são todas as demais que não sejam atribuição exclusiva (competência legal) de nenhuma profissão de nível superior. Neste rol de exames é onde vamos encontrar a maior demanda diária de perícias nos Institutos de Criminalística. Na verdade, essas perícias genéricas são a maioria do nosso trabalho, tendo em vista, ainda, a menor incidência da investigação criminal sobre os crimes mais sofisticados.

Neste universo das perícias genéricas podemos citar alguns exemplos, como: documentoscopia; exame em local de crimes contra a pessoa; balística forense; exame em local de ocorrências de trânsito; exame em local de furtos e roubos; e tantos outros.

Assim, se contarmos no quadro de peritos criminais com profissionais de formação acadêmica nas áreas de ciências contábeis, engenharias, farmácia, química, geologia, informática, biologia, odontologia, veterinária, e outras específicas, teremos todos os profissionais para atender as perícias de competência exclusiva, os quais, por sua vez, também – por força do curso de formação técnico-profissional – estarão em condições de realizar as perícias de natureza genérica.

Independente de contarmos com quadro restrito à determinadas profissões ou não, é imprescindível a formação acadêmica e, de preferência, que ao ingressar na carreira de perito criminal, já tenha um certo tempo de experiência na sua profissão, pois isso auxiliará no desenvolvimento das atividades periciais. A formação superior, além das necessidades já discutidas, também é fator de qualificação e base para o dicernimento e interpretação de algumas questões complexas que são encontradas no cotidiano do mister pericial, inclusive naquelas que classificamos de genéricas...

O curso de formação técnico-profissional

A segunda mola-mestra necessária para os peritos criminais reunirem condições adequadas de exercerem a função pericial é o curso de formação técnico-profissional, que fazem dentro do processo de seleção para ingresso no serviço público.

Lamentavelmente, todos os cursos de formação técnico-profissional oferecidos aos peritos no Brasil, deixam muito a desejar, em consequência da reduzida carga-horária e exiguidade de conteúdos e, em muitas situações, a inclusão equivocada de algumas disciplinas ou supressão de outras.

É o curso de formação técnico-profissional que irá proporcionar as primeiras informações sobre os conhecimentos básicos da técnica criminalística dos exames periciais. Independente da formação acadêmica, o curso de formação é essencial para transmitir os conteúdos específicos dessas metodologias próprias para a realização das perícias criminais.

Por intermédio de um curso de formação bem elaborado é que teremos um perito oficial preparado para desenvolver suas atividades mais elementares e cotidianas

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da Criminalística. O conteúdo passado ao perito novo – em formação – deverá envolver o maior espectro possível das rotinas, metodologias e técnicas do mister pericial, criando as condições para formarmos um profissional com os conhecimentos genéricos dos vários tipos de perícias criminais.

A partir de um curso de conteúdo qualitativo (e por consequência, também quantitativo em termos de carga-horária), teremos um perito com uma formação básica que lhe servirá para iniciar na função pericial, como lhe dará a base suficiente para continuar em futuros cursos de especialização ou, mesmo, pelo direcionamento da sua atividade em determinado setor da Criminalística.

Mesmo para determinada perícia específica, não basta somente a formação acadêmica para que execute com qualidade o trabalho. É preciso associar os conhecimentos da sua profissão com aqueles oriundos do curso de formação técnico-profissional, uma vez que – somente este – prepara o perito naquelas técnicas específicas do mister criminalístico.

Assim, entendemos que é preciso que as autoridades administrativas procurem reformular os cursos de formação, introduzindo uma maior carga-horária, aliada a uma nova abordagem qualitativa na seleção dos conteúdos. Dessa forma, em termos quantitativos, é preciso pensar numa carga-horária não inferior a 900 horas-aula para podermos atingir uma formação básica indispensável ao perito criminal.

A NECESSIDADE DAS PERÍCIAS PARA O INQUÉRITO E PROCESSO

É inegável, dentro de um sistema moderno de investigação e de se fazer justiça, a importância que a perícia criminal representa para alavancar esses dois sistemas. Esse reconhecimento da necessidade da perícia criminal vem crescendo, onde – hoje – já podemos observar muitas autoridades administrativas e políticas se preocuparem diretamente com esse assunto. Isso é uma evolução significativa, pois até bem pouco tempo, essa voz era uníssona somente dos peritos.

A demanda atual

Apesar do crescimento desse reconhecimento que a perícia criminal representa, ainda a executamos na forma tradicional, com enormes lacunas e demandas reprimidas.

Mesmo sem dispormos de estatísticas confiáveis, é de conhecimento dos peritos e dos delegados de polícia, que os Institutos de Criminalística e de Medicina Legal, em todo país, não dispõem de efetivos suficientes para atender a demanda atual das perícias, nos moldes que determina (desde 1941) o artigo 158 do Código de Processo Penal: “Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”

Em razão do reduzido efetivo de peritos (criminais e legistas) muitas ocorrências delituosas, que seria obrigatório o exame pericial, deixam de ser contempladas com esse serviço essencial que o Estado deveria prestar ao cidadão. O número de peritos acaba sendo concentrado nas respectivas capitais dos estados, deixando as cidades do interior praticamente sem esse atendimento pericial.

A demanda oculta (nos moldes e modalidades atuais – perícias comuns)

Vejamos o quanto a demanda está reprimida em termos de necessidade de perícias criminais. Se nas ocorrências regularmente registradas em distritos policiais, ainda

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deixamos de atender inúmeras situações, imaginem se analisarmos o sistema de segurança pública e justiça como um todo, o quanto vamos ver de demanda oculta que existe nas perícias.

Algumas estimativas preliminares sobre estudos dos índices de violência e criminalidade demonstram que grande parte de infrações penais deixam de ser registradas nas instituições policiais. Dessas, muitas – certamente – haveria necessidade de perícia. Mas também, mesmo dentro daquelas infrações registradas nos distritos policiais, por motivos semelhantes aos da perícias, também a polícia não tem condições de atender, face ao reduzido efetivo, o que também inclui – nesse rol – muitas que deveriam ter sido periciadas.

Assim, se formos fazer um estudo razoável da demanda pelos serviços periciais oficiais, devemos levar em consideração essa demanda oculta que está implícita no âmbito dos problemas e carências dos demais órgãos da segurança pública.

A demanda na investigação criminal

No âmbito da Polícia Judiciária (Polícia Civil), a utilização da perícia deve ser analisada sob a ótica da Criminalística Estática e da Criminalística Dinâmica. É nesse contexto que a investigação criminal terá possibilidade de formar uma base abrangente para otimizar todos os recursos e possibilidades, tudo, visando um só objetivo: esclarecer o crime.

A Criminalística Estática é aquela tradicionalmente utilizada pela Polícia Civil, ao requisitar a realização de exames periciais com o objetivo de cumprir o artigo 158 do Código de Processo Penal e também para auxiliar no trabalho investigativo dessa polícia.

A Criminalística Dinâmica é um ramo que está iniciando a sua utilização agora e que pode colaborar em muito com a Polícia Judiciária na investigação dos crimes. Esse ramo de aplicação da Criminalística trata de utilizar o conhecimento técnico do perito para interagir com a autoridade policial ou seus agentes, no processo de investigação, mediante o trabalho de equipe para determinados casos ou por intermédio de contatos informais dos investigadores com os peritos, a fim de discutirem linhas de investigação a partir de possíveis elementos e/ou provas técnicas.

Esse tipo de atividade, como dissemos, ainda é muito pouco utilizada (a Polícia Federal já utiliza em alguns casos), mas que tende a crescer a partir do momento em que for dada certa prioridade aos serviços periciais com o respectivo aumento de efetivo dos peritos, pois tal atividade demanda tempo que estará sendo desviado da confecção dos exames e laudos periciais.

Essas duas vertentes de utilização da perícia também podem ser utilizadas pelo Ministério Público, tendo em vista o seu amplo espectro de atuação. No entanto, o Ministério Público utiliza, basicamente a Criminalística Estática.

A Justiça se utiliza da Criminalística Estática desde o momento que a autoridade policial requisita algum exame pericial, pois a ela o laudo pericial terá destinação final. Pode ainda, a Magistratura, requisitar diretamente ao Diretor da Criminalística todo tipo de exame que julgar necessário em qualquer fase do processo criminal.

A Criminalística Dinâmica é utilizada também pela Justiça, porém com objetivos e momentos diferentes da Polícia Judiciária. Enquanto esta procura buscar os primeiros passos na investigação que está empreendendo, a Justiça utiliza com a

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finalidade de trazer maiores esclarecimentos para o processo de julgamento.

Portanto, devemos considerar também essa demanda na investigação criminal, visando dar maior qualidade, agilidade e transparência para a investigação nos organismos policiais. Essa é uma pequena parte de um grande esforço que devemos – todos – empreender na busca da integração dos trabalhos executados pelos diversos órgãos da Segurança Pública.

AS NOVAS NECESSIDADES DE PERÍCIAS (AS ESPECIALIZADAS)

A demanda por perícias envolve uma gama de modalidades, cuja característica geral é a de contemplar desde as mais simples até aquelas mais sofisticadas, que exigem um maior grau de especialização dos peritos para que consigam executá-la.

No Brasil encontramos uma variação muito grande na qualidade dos serviços periciais oficiais, em consequência da maior ou menor atenção que o respectivo Estado dispensa aos Órgãos Periciais. Todavia, os tipos de perícia – na sua grande maioria – envolvem todos os tipos de crime, comuns ou sofisticados tecnologicamente.

Nas perícias especializadas

Diante do rápido desenvolvimento tecnológico dos últimos tempos, também os crimes são cometidos com a utilização dessas novas ferramentas e, por conseqüência, a perícia criminal deverá se valer desses mesmos conhecimentos tecnológicos para investigá-los.

Todavia, em razão do sucateamento dos Órgãos Periciais, seus profissionais não puderam acompanhar esse desenvolvimento tecnológico do ponto de vista institucional, ficando por conta de alguns peritos a busca desses novos conhecimentos.

As ferramentas tecnológicas que a ciência disponibiliza a cada dia é impressionante. Precisam, portanto, os peritos oficiais se valerem desses recursos para investigar os crimes mais sofisticados.

Podemos, então, observar que são inúmeros os tipos de crimes que estão acontecendo atualmente, cujas ferramentas utilizadas pelo infrator, são esses conhecimentos que a ciência dispõe. Está surgindo, dessa forma, a necessidade – cada vez mais – de uma multidisciplinariedade de conhecimentos para aplicação no desenvolvimento dos exames periciais. E, portanto, será necessário contar com um grupo de peritos em que tenhamos profissionais com pós-especializações em cada um desses ramos da criminalística, já que é impossível termos em todos os peritos essas multi-especializações.

Vejam que a realização desses exames periciais especializados requer, do perito que a executa, três níveis de conhecimento: o curso de formação técnico-profissional, a formação acadêmica correspondente, e a especialização no assunto periciado.

Aqui é onde queremos chamar a atenção de que o perito somente será capaz de realizar esses exames sofisticados se contar com os três requisitos que discutimos no parágrafo anterior. Trata-se de um conjunto de conhecimentos que o profissional só adquire se tiver aqueles três níveis de aprendizado de maneira adequada.

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Não basta ter o perito um curso de especialização em um determinado conhecimento para estar em condições de executar com eficiência perícia correspondente. É preciso que tenha a formação acadêmica, para lhe dar o universo geral dos conhecimentos científicos. É preciso ter recebido um bom curso de formação técnico-profissional, para que seja capaz de dominar completamente as técnicas criminalísticas próprias aos exames periciais criminais. E é preciso ter especialização naqueles conhecimentos necessários, para realizar a respectiva perícia.

TREINAMENTO E ATUALIZAÇÃO PROFISSIONAL

O mister pericial exige periodicamente o treinamento e a atualização de conhecimentos dos profissionais que a executam. Discutimos no tópico anterior os níveis de formação que o perito deve ter, todavia, além disso, deve ser constante essa atualização dos conhecimentos, mesmo que para uma determinada área de atuação da criminalística ou medicina legal.

Para fazer frente também a essa demanda de perícias de maior complexidade tecnológica, não encontramos profissionais preparados somente com a formação acadêmica e o curso de formação técnico-profissional.

Até bem pouco tempo, essa necessidade era apenas um discurso de reinvidicação dos peritos, pois nenhuma autoridade da área de segurança pública se preocupava ou reconhecia a sua importância. Vivemos hoje, ainda, os reflexos desse descaso com os peritos oficiais, pois encontramos profissionais que estão exercendo a função cujo o curso de formação durou apenas 15 dias ou, como é o caso em um Estado, de recente e vergonhosa contratação “emergencial” sem concurso público, cuja emergência (necessidade de peritos) já perdura por meio século e o respectivo “curso de formação técnico-profissional” está sendo de 80 horas-aula.

Somente reuniremos condições de atender a demanda de perícia oficial, desde aquelas comuns até as mais sofisticadas, se – além do curso superior e o curso de formação técnico-pericial – contarmos com um programa de treinamento sistemático, em que esteja contemplado desde as perícias genéricas até as especializadas.

É, portanto, muito vasta essa multidisciplinariedade de conhecimentos que empregamos no desenvolvimento dos exames periciais. E, é claro, estamos caminhando para formar contingentes de peritos que reunam profissionais com pequenos grupos especializados em determinadas áreas da criminalística.

Esta é uma necessidade já em franco desenvolvimento no presente momento, onde já verificamos centros de excelência em vários estados de alguns peritos que – a partir da formação básica (acadêmica e formação pericial) estão se especializando para cumprir essas demandas. São exemplos os crimes de informática e comunicação, de DNA, de fonética e tantos outros.

Mas insistimos, somente teremos um grande especialista se ele tiver a base de formação técnico-pericial e, ainda, experiência de campo naquelas perícias mais tradicionais. Sem essa experiência/conhecimento básico não teremos um especialista dentro do que preconiza e necessita a criminalística. Não basta o conhecimento puro daquela área de especialização, uma vez que a experiência e os conhecimentos básicos são fatores preponderantes para um desempenho adequado daquela especialidade criminalística.

 

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A GENÉTICA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL (DNA)

Agradecimentos ao Instituto de Criminalística do Paraná

 

Histórico

Muito se passou desde a proposta de Bentham, em 1832, nos Estados Unidos, em empregar a tatuagem como processo de identificação civil, ou nos tempos mais ou menos remotos, quando, premidos pela necessidade de identificar seus semelhantes, empregavam-se os mais bárbaros e desumanos processos de identificação. Destituídos de quaisquer recursos científicos, tais "tratamentos" consistiam na marcação com ferro em brasa em indivíduos que houvessem praticado, por exemplo, um roubo, ou se tratasse simplesmente de um escravo em fuga. Já neste século, com a descoberta dos antígenos eritrocitários, tornou-se possível a idéia de discriminar indivíduos através de análises sangüíneas.Mas em agosto de 1986, na Inglaterra, um caso criminal envolvendo o estupro e homicídio de duas adolescentes foi solucionado com a determinação da autoria do delito após toda a população masculina de dois vilarejos do condado de Leicester ter contribuído com a doação de amostras de sangue para confronto com vestígios de sêmen coletados do corpo das vítimas. Estava assim inaugurada uma nova página no emprego da biologia molecular e sua utilização na identificação humana criminal.

O exame de DNA

Apontada como a maior revolução científica na esfera forense desde o reconhecimento das impressões digitais como uma característica pessoal, as técnicas de identificação fundamentadas na análise direta do ácido desoxirribonucléico (significado da sigla DNA, de Deoxyribonucleic Acid) ostenta pelo menos duas vantagens sobre os métodos convencionais de identificação: a estabilidade química do DNA, mesmo após longo período de tempo, e a sua ocorrência em todas as células nucleadas do organismo humano, o que permite condenar ou absolver um suspeito com uma única gota de sangue ou através de um único fio de cabelo encontrado na cena do crime.

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Do ponto de vista das aplicações práticas na atividade pericial forense, os exames de DNA são empregados, dentre outros, nos seguintes casos:

· Identificação de suspeitos em casos de violência sexual (estupros, atentado violento ao pudor, atos libidinosos).

· Identificação de cadáveres carbonizados ou em decomposição

· Identificação de corpos mutilados

· Identificação de peças ósseas e órgãos humanos

· Investigação de paternidade

· Produção de perfis de material genético recuperado a partir de evidências de natureza biológica presentes em suportes diversos encontrados em locais de crimes (manchas de sangue, manchas de esperma, manchas de saliva, pêlos e outros)

 

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SEGURANÇA COM ARMAS DE FOGO

Agradecimentos ao Instituto de Criminalística do Paraná

O cidadão ao adquirir uma arma de fogo, o faz unicamente com o intuito de defender a si mesmo, sua família ou seu patrimônio. Esquece que uma arma de fogo, utilizada por pessoa inabilitada ou guardada sem os requisitos de segurança, pode acarretar sério risco à sua integridade física e a dos seus familiares.Anualmente o Instituto de Criminalística atende a inúmeros casos de disparo de arma de fogo involuntário envolvendo menores, especialmente crianças até a faixa etária de dez anos.A seguir, elencamos algumas medidas que poderão evitar tais acidentes:

· Guardar as armas de fogo no interior de cofres, armários ou gavetas, dotados de dispositivos de segurança (chave);

· Armazenar a munição embalada e separada da arma;

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· Colocar a haste de um cadeado por trás do gatilho (conforme ilustração). Este procedimento inviabiliza a realização do disparo na maioria das armas de fogo.

Devemos lembrar, ainda, que o acesso a uma arma de fogo é de responsabilidade do seu proprietário, e, qualquer que seja ela, deve ser registrada e é obrigatório o "Porte de Arma de Fogo", para se transitar com ela.

 

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ORIENTAÇÕES NO PREECHIMENTO DE CHEQUES

Agradecimentos ao Instituto de Criminalística do Paraná

Ao se proceder o preenchimento de uma folha de cheque, deve-se observar algumas regras básicas, quais sejam:

1. Lançar o valor numérico do cheque, sempre inutilizando os espaços que antecedem e sucedem a expressão numérica com dois traços horizontais entrecortados por traços verticais. ( ex. #123,00# ). Esta simples operação, impede, praticamente, que se adicione algarismos antes ou depois do valor original, adulterando assim o valor do documento;

2. Sempre antes do lançamento do valor por extenso, deve-se repetir o valor numérico, antecedido da sigla da moeda. (ex. R$ 123,00 == cento e vinte três Reais ). Tal procedimento tem por finalidade inserir um dado a mais no preenchimento do cheque, o que irá seguramente, aumentar o grau de dificuldade numa falsificação.

3. Lançar o valor numérico por extenso inutilizando o espaço restante. ( ex.: (R$123,00) Cento e vinte e três Reais_------------- x ----------------- x --) Assim

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procedendo, o campo será restringido, o que impedirá que se insira vocábulos antes ou depois, com o intuito de alterar o valor;

4. Ao se lançar uma assinatura, deve-se procurar sempre inserir em seu traçado, letras ou caracteres que a tornem legível ou mesmo parcialmente legível. Desta forma, a assinatura apresentará maior grau de dificuldade para ser falsificada. Vale lembrar que a assinatura mais segura e mais difícil de ser falsificada é exatamente aquela representada pelo nominal ( prenome, nome e sobrenome ), grafados por extenso. As assinaturas representadas por "rabiscos" ininteligíveis e completamente destituídas de expressão alfabética, são passíveis de serem falsificadas com maior facilidade;

5. Sempre que possível, inserir alguma característica própria no preenchimento de cheque, personalizando assim o documento;

6. Nunca se utilize de "rubricas" para assinar um cheque. A rubrica pode ser uma assinatura reduzida e simplificada ao extremo, é a figuração que apresenta maior facilidade de falsificação.

7. Um artifício utilizado é o uso do papel carbono invertido, que irá produzir uma cópia no verso do próprio cheque

Vale salientar, que o que acaba de ser mencionado, não irá impedir a falsificação ou adulteração de um cheque, mas seguramente, irá dificultar sobremaneira a ação dos falsificadores.

Modelo de um Cheque Preenchido: