CUIDADOS PALIATIVOS DE ENFERMAGEM: perspectivas para...

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Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais CUIDADOS PALIATIVOS DE ENFERMAGEM: perspectivas para técnicos e auxiliares Alexandre Ernesto Silva Divinópolis – MG 2008

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Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG

Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais

CUIDADOS PALIATIVOS DE ENFERMAGEM: perspectivas para técnicos e auxiliares

Alexandre Ernesto Silva

Divinópolis – MG 2008

Alexandre Ernesto Silva

CUIDADOS PALIATIVOS DE ENFERMAGEM: perspectivas para técnicos e auxiliares

Dissertação apresentada à Fundação Educacional de Divinópolis (FUNEDI), como requisito parcial do Programa de Pós-graduação stricto sensu: Mestrado em “Educação, Cultura e Organizações Sociais”. Área de Concentração: Estudos Contemporâneos Linha de Pesquisa: Saúde Coletiva Orientador: Prof. Dr. Paulo S. Carneiro Miranda Co-orientadora: Ms. Eliete A. Azevedo Guimarães

Divinópolis – MG 2008

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Silva, Alexandre Ernesto S586c Cuidados paliativos de enfermagem: perspectivas para técnicos e auxiliares [manuscrito] / Alexandre Ernesto Silva. – 2008. 131 f., enc. il . Orientador : Paulo Sérgio Carneiro Miranda Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 90-99

1. Cuidados paliativos - Tendências. 2. Cuidados de enfermagem - Educação. 3. Dor – Terapia. 4. Assistência paliativa – Técnicos. 5.Guerra M.

A. T., 2001 .- Tese. 6. Menezes, R. A., 2004 . – Tese. 7. Schraiber, L. B., .-Tese. I. Miranda, Paulo Sérgio Carneiro. II. Guimarães, Eliete Albano A. III. Universidade do Estadual de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. IV. Título.

CDD: 610.736

Dissertação defendida e APROVADA pela Banca Examinadora constituída pelos

Professores:

__________________________________________________

Prof. Dr. Paulo Sérgio Carneiro Miranda

UFMG

__________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Simões Ribeiro

FUNEDI/UEMG

__________________________________________________

Profª. Drª. Maria Ambrosina Cardoso Maia

Fundação de Ensino Superior de Passos/UEMG

Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais

Fundação Educacional de Divinópolis

Universidade do Estado de Minas Gerais

Divinópolis, 17 de Maio de 2008.

AUTORIZAÇÃO PARA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA DISSERTAÇÃO

Autorizo, para fins exclusivamente acadêmicos e científicos, a

reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de

fotocopiadoras e/ou eletrônicos, desde que mencionada a fonte.

Autorizo, igualmente, sua exposição integral nas bibliotecas e no banco

virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG.

Alexandre Ernesto Silva

Divinópolis, 17 de maio de 2008

Dedico este trabalho aos profissionais que atuam em cuidados paliativos.

AGRADECIMENTOS

Aos técnicos e auxiliares de enfermagem do Hospital São João de Deus,

que participaram desta pesquisa.

Ao professor doutor Paulo Sérgio Carneiro Miranda, que brilhantemente nos orientou.

À mestra Eliete Albano de Azevedo Guimarães, co-orientadora, pela gentileza de nos assistir.

Ao Hospital São João de Deus e toda Ordem Hospitaleira de São João de Deus,

pelo tanto que me ensinam e incentivam.

Ao Irmão José Raimundo Evangelista e ao colega Juliano, pelas demonstrações de amizade e estímulo.

À minha esposa Aldeneide, ao meu filho Alexandre e à minha mãe Conceição,

por acreditar em mim, me compreender e me apoiar.

Aos professores e colegas do Programa de Mestrado da FUNEDI, pelo conhecimento compartilhado, pela amizade e companheirismo.

E a Deus, senhor da Vida e da Morte, que nos protege e nos conduz.

Seja qual for o amor que sintamos por alguém, não podemos impedi-lo de morrer, se esse é o seu destino. Também não podemos evitar um certo sofrimento afetivo e espiritual que faz parte do processo de morrer de cada um. Podemos somente impedir que essa parte de sofrimento seja vivida na solidão e no abandono; podemos envolvê-la de humanidade.

Hennezel

RESUMO

Resultado de um estudo teórico dedutivo, de natureza reflexiva, composto de revisão de literatura e de pesquisa de campo, sob enfoque da abordagem hibrida. A revisão de literatura desenvolve a temática dos cuidados paliativos que podem ser prestados por técnicos e auxiliares de enfermagem, especialmente na perspectiva da morte. A pesquisa, por meio de questionário com questões abertas e fechadas, envolveu dezenove profissionais, que atuam no complexo oncológico do Hospital São João de Deus, no município de Divinópolis (MG), cidade polo da região administrativa do Centro-Oeste Mineiro. O referencial teórico trata da construção do conhecimento em enfermagem de cuidados paliativos, sob o olhar pós-moderno da hibridação e da transdisciplinaridade. Aborda o conceito do corpo humano contemporâneo e sua vulnerabilidade perante a morte, e enumera as habilidades, possibilidades e responsabilidades dos técnicos e auxiliares de enfermagem para com os doentes terminais, enfatizando o desenvolvimento espiritual no processo de cuidar. Na pesquisa, estudam-se as quatro condições mais comuns em cuidados paliativos: dor, angústia, solidão e estresse; conceitos de cuidados paliativos; dificuldades e sentimentos em relação aos pacientes oncológicos; concepção da fase final da vida e da morte e a inclusão de cuidados paliativos como disciplina nos cursos técnicos de enfermagem. A literatura revisada e a análise do conteúdo oferecido pelos profissionais pesquisados, confirmam a hipótese inicial, segundo a qual a prestação de cuidados de enfermagem a paciente terminal deve incluir o atendimento integral das suas necessidades bio-psico-socio-culturais e, para isso, deve ampliar seus conhecimentos sobre a morte e o processo de morrer. Por fim, constata que os técnicos e auxiliares não estão satisfeitos com seu trabalho, por nada poderem fazer diante da morte inevitável, restando evidente não estarem preparados adequadamente para executar os cuidados paliativos que essa fase requer.

Palavras-chave: cuidados paliativos, morte, enfermagem, pacientes

oncológicos, ortotanásia, hospice

ABSTRACT

Result of a deductive theoric study, with reflexive nature, compounded by literature review and field research, under the focus of the hybrid approach. The literature review develops the themathic of palliative care rendered by the nursery professionals, specially on the perspective of death. The research has realized on the oncology complex of Hospital São João de Deus, in Divinópolis (MG), pole city of Central-West administrative zone of Minas Gerais state. The theoric referencial treats the construction of knowledge in nursery of palliative care, under the post-modern eye of the hybridation and the transdisciplinarity. Approaches the concept of contemporary human body and it´s vulnerability in front of death, and enumerates the habilities, possibilities and responsabilities of the technics and nursery helpers with the terminal sick people, enphasizing the spiritual development in careing process. In research, it studies the four basics conditions in palliative care: pain, anguish, loneliness and stress; concepts of palliative care; dificulties and feelings related to oncologic patients; conception of the final phase of life and death and the inclusion of palliative care as subject on technician nursery courses. The revisited literature and the analysis of content offered by the participants in the research, confirms the inicial hypothesis, according to the care taking of nursery to terminal patients must includes the full treatment of his bio-psycho-social-culturals needs and, for this, must enlarges its knowledge of death and dying process. Therefore, it notices that the technicians and helpers are not satisfied with his work, thus they can do nothing, facing the inevitable death, leaving evident they are not properly prepared to execute the palliative care that this phase requires.

Keywords: palliative care, death, nursery, oncologic patients,

ortotanásia, hospice

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Distribuição dos participantes................................................ 78

Tabela 2 Participantes: escolartidade .................................................. 78

Tabela 3 Participantes: tempo de profissão ............................... 78

Tabela 4 Questão II: capacitação ........................................................ 80

Tabela 9 Questão VI: relação profissional .......................................... 80

Tabela 10 Questão VII: 1) entrosamento com pacientes ..........................81

Tabela 11 Questão VII: 2) entrosamento com familiares ......................... 81

Tabela 5 Questão IV: primeira ocorrência ............................................ 85

Tabela 6 Questão IV: segunda ocorrência ........................................... 87

Tabela 7 Questão IV: terceira ocorrência ............................................. 89

Tabela 8 Questão IV: quarta ocorrência .............................................. 90

LISTA DE QUADROS

Quadro 1M Questão III - Idéia sobre Cuidados Paliativos ...................... 94

Quadro 1F Questão III - Idéia sobre Cuidados Paliativos ...................... 95

Quadro 2M Questão V - Dificuldaes na lida com pacientes oncológico.... 97

Quadro 2F Questão V - Dificuldades na lida com pacientes oncológico.. 98

Quadro 3M Questão VIII - O que é a morte ......................................... 100

Quadro 3F Questão VIII - O que é a morte ......................................... 100

Quadro 4M Questão IX - Como deveria ser a fase final da vida............. 103

Quadro 4F Questão IX - Como deveria ser a fase final da vida ............ 104

Quadro 5M Questão X - Cuidados paliativos como disciplina ............... 105

Quadro 5F Questão X - Cuidados paliativos como disciplina ............... 106

Quadro 6M Questão XI - Lidando com pacientes oncológicos .............. 108

Quadro 6F Questão XI - Lidando com pacientes oncológicos .............. 109

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 13

2 ANÁLISE DO REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................... 20

2.1 A ENFERMAGEM CONTEMPORÂNEA ................................. 20

2.1.1 A contemporaneidade e o pós-moderno .......................20

2.1.2 O conceito de hibridismo de Canclini .......................... 22

2.1.3 Transdisciplinaridade e hibridação .............................. 27

2.2 CUIDADOS PALIATIVOS DE ENFERMAGEM ......................... 32

2.2.1 A construção do conhecimento .................................. 32

2.2.2 A transdisciplinaridade do cuidado/cuidar.................... 34

2.2.3 Uma atuação educativa............................................... 37

2.3 VULNERABILIDADE HUMANA.............................................. 41

2.3.1 O corpo contemporâneo ............................................. 41

2.3.2 A importância da morte ..................................... ........ 45

2.3.3 Um verdadeiro tabu ................................................... 49

2.4 PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES ................................. 55

2.4.1 O papel do profissional de enfermagem....................... 55

2.4.2 Habilidades e responsabilidades profissionais ............. 59

2.4.3 Dos agentes técnicos e auxiliares de enfermagem ....... 63

2.4.4 Do desenvolvimento espiritual e o processo de cuidar .. 70

3 METODOLOGIA ........................................................................................... 71

3.1 MÉTODOS E TÉCNICAS .................................................... 71

3.2 UNIVERSO DA PESQUISA ................................................. 73

3.2.1 Amostragem .............................................................. 75

3.3 COLETA DE DADOS .......................................................... 75

3.4 ANÁLISE DE DADOS ......................................................... 76

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................................................................... 78

4.1 Perfil da população pesquisada ............................................ 78

4.2 As quatro condições mais comuns em cuidados ..................... 84

4. 2.1 A dor crônica ............................................................ 84

4.2.2 A angústia existencial ................................................ 87

4.2.3 A solidão do abandono ............................................... 89

4.2.4 O estresse psicossomático ......................................... 91

4.3 Conceitos de cuidados paliativos ......................................... 93

4.4 Dificuldades com pacientes oncológicos ............................... 97

4.5 Concepção sobre a morte ................................................... 99

4.6 A fase final da vida ........................................................... 102

4.7 Cuidados paliativos em cursos técnicos de enfermagem ....... 105

4.8 Lidando com pacientes oncológicos .................................... 108

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 112

REFERÊNCIAS ......................... ................................................................... 115

APÊNDICE I ................................................................................................. 127

APÊNDICE II ................................................................................................ 128

APÊNDICE III ............................................................................................... 131

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1 INTRODUÇÃO

As representações sociais do corpo humano na contemporaneidade

incluem a integralidade da assistência digna, na manutenção da saúde,

no tratamento da doença e no acompanhamento da morte. Os Cuidados

Paliativos, um conjunto de práticas e discursos voltados para o período

final da vida de doentes fora de possibilidades terapêuticas de cura, é

uma nova especialidade de saúde, que reflete uma mudança de

paradigma e de conceitos sobre o corpo humano, o adoecimento e a

morte.

A pessoa já não é vista apenas como um indivíduo de estudos

acadêmicos ou epidemiológicos, como um paciente submisso e

indefeso ou como objeto de pesquisas científicas e tecnológicas. Ela é

vista como um sujeito de cuidados, com liberdade para decidir sobre

sua própria vida e com direito garantido pelo Estado de ter sua

totalidade bio-psico-social-espiritual respeitada, assistida, atendida e

orientada para uma existência salutar, ou pelo menos confortável, até à

morte que escolher.

A Organização Mundial de Saúde (OMS, 1990), reconhece que

pacientes sem possibilidades terapêuticas de cura, em fase terminal ou

a caminho dela, quase sempre apresentam fragilidade, imobilidade,

perda de interesse por alimentos e bebidas, dificuldades de engolir,

astenia, sonolência, além de elevados níveis de ansiedade, tensão e

emoções, devendo receber os devidos cuidados paliativos.

Originalmente, esses cuidados foram propostos como uma

especialidade médica, em 1967, na Inglaterra, desenvolvendo-se assim

também na França e nos Estados Unidos, na década seguinte. No

Brasil, eles passaram a ser praticados a partir dos anos 1980, por

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equipes multidisciplinares de saúde, envolvendo médicos, enfermeiros,

fisioterapeutas, assistentes sociais, religiosos e psicólogos

especializados em assistência paliativa. (SAUNDERS, 1988; MENEZES,

2004)

Segundo a OMS, Cuidados Paliativos são aqueles que

[...] consistem na assistência ativa e integral a pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo, sendo o principal objetivo a garantia da melhor qualidade de vida tanto para o paciente como para seus respectivos familiares. A medicina paliativa irá atuar no controle da dor e promover alívio nos demais sintomas que os pacientes possam desenvolver. (OMS, 1990)

Para a médica Dra. Rachel Aisengart Menezes (2004, p. 18), essa assistência é

“a busca de uma boa morte”, em cujo caminho os profissionais de Cuidados

Paliativos trabalham, tentando reduzir, ao mínimo possível, a dor e os demais

sintomas dos doentes, possibilitando simultaneamente sua maior autonomia e

independência. Em seu ultimo período de vida é fundamental para o doente

discutir alternativas terapêuticas possíveis e realizar escolhas decisivas. Sem

isso, só lhe resta a dor e o sofrimento.

Aliás, é essa a realidade das relações de trabalho realizadas pela

enfermagem, junto a pacientes fora de possibilidades terapêuticas de

cura. As atividades ainda estão concentradas, basicamente, em

horários e ritmos que privilegiam apenas a administração de

medicamentos, os banhos (e higiene geral) e a verificação dos sinais

vitais. A interação com os pacientes torna-se uma questão pessoal,

limitada pelo conceito profissional de ser rápido e útil, conforme

terminologia adotada por diversos autores. (MENEZES, 2004),

A enfermagem contemporânea, entretanto, evoluiu da tradição

muldisciplinar do cuidado geral do paciente, procedimental, para uma

fase transitória de interdisciplinaridade, que envolve diversas estruturas

discretas, habilidades, saberes e fazeres profissionais, como se verifica

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na formação profissional e na prática cotidiana. Nesse processo de

hibridação, supõe-se que o conhecimento de enfermagem passe a

envolver os contextos cultural, social e emocional da pessoa, de forma

que, ao aplicar-lhe o conhecimento científico do cuidado, o profissional

acrescenta o afeto que, sem dúvida, é um fator que contribui para a

melhoria das condições gerais do indivíduo (CAMPOS & BOOG, 2006).

Para Pessini & Barchifontaine (2002), a enfermagem pressupõe o

trabalho de profissionais que se aproximam nas equipes

interdisciplinares de saúde e lidam, de modo intensivo e integral, com

as respostas imediatas dos pacientes, interagindo com seus

sofrimentos, ansiedades e medos, em meio às estratégias terapêuticas.

No Brasil, o câncer constitui a terceira causa de mortalidade e já se

tornou um caso de saúde pública, tal a magnitude para a população e

para o sistema de saúde. (IBGE, 2008) Para a população significa dor,

sofrimento, medo, incapacidades, tratamentos agressivos e morte. Para

o sistema, representa investimento em tratamentos onerosos, nem

sempre com bons resultados, que poderiam ser redirecionados para a

prevenção efetiva de doenças como a do próprio câncer. Mas ele, como

se sabe, não é uma doença homogênea, pois acomete pessoas de

todas as idades, expostas a diferentes fatores de risco e que

respondem diferentemente às diversas maneiras de tratamentos. E

talvez seja por isso as dificuldades de avançar na terapia do câncer.

Para alguns tipos, a terapia medicamentosa contemporânea possibilita

o aumento da taxa de cura e da sobrevida; para outros, tais avanços

são lentos e insuficientes e não conseguem debelar a malignidade da

doença.

Uma boa parte dos conhecimentos acumulados pela enfermagem,

ocorreram graças ao incremento tecnológico, confome anotou Secoli et

al. (2005), que inclui técnicas, drogas, equipamentos e procedimentos

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usados pelos profissionais de saúde, tendo como referência de fundo a

noção do trabalho puro, simples e técnico (MCCONNEL, 1994). O

trabalho em saúde, no entanto, é distinto dos processos produtivos, em

que os equipamentos e saberes tecnológicos ordenam o ritmo de

trabalho e o tempo gasto em cada etapa. Aqui, é a prestação do

cuidado – diferente também da prestação de serviços pura e simples –

que emprega avançadas tecnologias de ação estratégica, porém

adicionando ao ato de intervenção os encontros e relações de caráter

subjetivo como os sentimentos e as emoções (positivas e negativas), a

amizade, o acolhimento etc., que estão para além dos saberes

tecnológicos estruturados (MERHY et al., 1997).

Mas o profissional de enfermagem paliativa, em função desses equipamentos e

instrumentos revolucionários e aparentemente seguros, enleva-se na

administração de procedimentos, medicamentos e nutrição. Talvez porque esses

expedientes técnicos, na maioria dos casos, possam reduzir os sintomas, aplacar

a dor e amenizar o desconforto físico do paciente.

Assim sendo, o que a prática de enfermagem de nível técnico poderia

oferecer aos pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura,

especialmente, na forma de cuidados paliativos?

A idéia deste estudo surgiu no cotidiano de um hospital de alta complexidade da

região centro-oeste de Minas Gerais, sediado em Divinópolis (MG), com cerca de

25 pacientes sem esperança de cura e em fase terminal, no mes de maio de

2005. Em nosso convívio diário com alguns doentes oncológicos e com

profissionais que atuam nesse setor, observamos que a maioria dos técnicos e

auxiliares de enfermagem, apesar de terem recebido alguma informação de

cuidados paliativos, freqüentemente, demonstram despreparo em lidar com

pacientes terminais, manter a própria saúde mental e auxiliar na assistência

paliativa adequada. Este é o fato que nos motiva na realização desta pesquisa,

pois são estes mesmos técnicos e auxiliares os que mais têm contato com tais

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pacientes e seus familiares, tornando-se testemunhas diárias do sofrimento e da

dor por que passam.

Assim, o presente trabalho também se justifica por tentar produzir um estudo

sobre cuidados paliativos, no âmbito da enfermagem, com a expectativa de que

os resultados possam ser úteis para um melhor entendimento da importância

destes profissionais na melhoria da assistência hospitalar ou domiciliar dos

pacientes sem esperança de cura. Vivemos num tempo de vivenciar

emoções intensas, de fazer ou escutar revelações e de conceder ou

receber o perdão do próximo. Depressão, raiva, tristeza podem ser

vivenciados na esperança, no amor e na sabedoria, sugere Mallet

(1995).

No desenvolvimento da dissertação, trabalhou-se com a hipótese inicial,

de que é bem provável que a prestação de cuidados de enfermagem a

paciente terminal deva incluir o atendimento integral das suas

necessidades existenciais, o que procuramos demonstrar na revisão de literatura.

Em cuidados paliativos, parece importante que os os profissionais de enfermagem

reconheçam os pacientes como seres humanos únicos, que devem ser ajudados

a morrer bem, com algum conforto e dignidade, satisfazendo suas necessidades

físicas, emocionais, sociais e espirituais.

As variáveis consideram que os técnicos e auxiliares talvez não estejam

satisfeitos com seu trabalho, por nada poderem fazer diante da morte

inevitável e nem estejam preparados adequadamente para executar os

cuidados que essa fase requer. Portanto, a qualidade e os benefícios do

atendimento integral, dependem da satisfação dessas condições, sem

as quais o cuidado paliativo, o alívio do sofrimento humano e a

satisfação pessoal não seriam eficientes:

I - Conhecimentos sobre a morte – Para um profissional de enfermagem

lidar com pacientes em fase terminal ou que inspire cuidados paliativos,

quanto mais conhecimentos sobre a morte tiver, para além de seus

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aspectos clínicos e legais, melhor assistência poderá prestar às

pessoas sob seu cuidado ou proteção.

A diversidade de noções sobre a morte, orientada pelas religiões, pelas crenças

populares, pelas assim chamadas ciências ocultas ou metafísicas, pelo

espiritismo e suas várias escolas e tendências, deveriam fazer parte do processo

de construção do arcabouço de conhecimentos da enfermagem. Ensinam as

ciências da vida e da saúde, a reflexão filosófica e religiosa e sobretudo a própria

experiência cotidiana, que morte, finitude e vulnerabilidade são características

ontológicas dos sistemas vivos.

Morrer seria um dos pontos culminantes e críticos da existência,

condição essencial para se pensar a vida com suas tristezas e sofrimentos. O

homem é o único ser vivo que acredita na vida além-túmulo, que pratica

ritos fúnebres e que possui uma mitologia da morte.

II - Capacitação profissional – O processo de construção do

conhecimento de enfermagem em cuidados paliativos, enseja uma

reflexão sobre o trabalho dos técnicos e auxiliares de enfermagem.

Ainda que possuam competências, habilidades e base tecnológica

apropriados, adquiridos em sua formação e qualificação profissional,

salvo algumas raras exceções, não estão devidamente capacitados e

preparados para lidar com os pacientes sem possibilidades

terapêuticas de cura.

Desde os tempos antigos, a prática da enfermagem sempre esteve

intimamente relacionada com o cuidado e alívio do sofrimento humano.

Mas, na contemporaneidade, com as oportunidades de formação e

capacitação, exige-se mais dos enfermeiros, levando-os à constante

atualização de conhecimentos em diversas áreas, além dos

aperfeiçoamentos técnicos essenciais à profissão.

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Acredita-se que o acesso a conhecimentos e informações sobre

cuidados paliativos possam servir a uma melhor organização do

trabalho de enfermagem, preparando seus profissionais para prestar

mais atenção à qualidade de vida, à vida interior e às relações

humanas, num novo tempo de que fala a psicologia, a filosofia, a

antropologia e a religião.

Frente à relevância do tema em foco, no presente estudo, procurou-se alcançar

os seguintes objetivos:

• Geral: descrever e analisar a prática assistencial de enfermagem de níveis

técnico e auxiliar para com os pacientes fora de possibilidades terapêuticas de

cura, em um setor de internações do convênio do SUS de um hospital de alta

complexidade, instalado em Divinópolis (MG);

• Específicos:

- refletir sobre a vulnerabilidade humana, a morte e o trabalho de

enfermagem, em cuidados paliativos;

- verificar as perspectivas de enfermeiros técnicos e auxiliares

de enfermagem locais, tanto do ponto de vista pessoal como do

profissional, para lidar com pacientes sem possibilidades de cura.

20

2 ANÁLISE DO REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 ENFERMAGEM CONTEMPORÂNEA

2.1.1 A contemporaneidade e o pós-moderno

Os termos “contemporâneo” e “contemporaneidade”, assim como seus

transversais “pós-moderno” e “pós-modernidade”, são densos e sem limites

precisos. Ainda assim, neste estudo, adotou-se o conceito de contemporâneo que

se refere à pessoa que existe, existiu ou começou a existir no mesmo tempo em

que um objeto ou evento (tomado como referência) também existe, existiu ou

começou a existir. É relativo. Segundo Mendonça (2006, p. 127) esse significado

envolve “coisas diferentes para pessoas diferentes e acentua, simultaneamente, a

idéia de proximidade por geração”.

Em relação à pós-modernidade, a noção que se emprega é a de

Canclini (2006), segundo a qual ainda estamos no final da modernidade,

observando os eventos contemporâneos e construindo uma nova era.

Para o autor, a pós-modernidade é uma “plataforma de observação,

estudo e experimentos” dos eventos históricos modernos e suas

implicações para a Humanidade e o planeta. O processo de hibridação,

a transdisciplinaridade, a interdependência entre pessoas e países e

fatos, são algumas das características desse posto de observação.

As transformações da sociedade contemporânea podem ser agrupadas

em “mundialização, planetarização e globalização”, conforme sugere

Dreifuss (2003), com o sentido de: mundialização, para as alterações

nos modos de viver, atreladas sobretudo ao campo cultural;

planetarização, para as alterações relacionadas à dimensão política,

dos Estados, da “gestão civil e estratégica”; e globalização, para as

alterações com base nos adventos tecnológicos e na instantaneidade

comunicacional.

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Num rápido olhar pós-moderno pela contemporaneidade ficam evidentes

alguns fatos que marcam esta fase de transição entre duas idades

históricas. O capitalismo deixou de ser apenas um modo de produção

de lucros e assumiu um caráter civilizatório. “Ao mesmo tempo em que

globaliza suas forças produtivas e as suas relações de produção,

transforma em modelos globais instituições, padrões e valores

sócioculturais, comportamentos, atitudes e pensamentos. (Mendonça,

2006, p. 129). De fato, em diversos países desenvolvem-se padrões e

valores em conformidade com as exigências da racionalidade,

competitividade e qualidade, considerados imprescindíveis à produção e

consumo de mercadorias, bens e serviços.

Uma série de problemas de minoria – jovens, estrangeiros, verdes,

homossexuais, feministas etc., excluídos do sistema, que se mostram

mais conscientes – reforçam os movimentos contestatórios na

atualidade, convergentes para o futuro da humanidade, a defesa

ambiental e a preservação da vida. Procuram-se mudanças não só por

meio dos partidos políticos, sindicatos ou igrejas, mas também e

principalmente pelas organizações não-governamentais. A saúde, a

profissão e a segurança financeira são as principais inquietações.

No cenário contemporâneo, a crise da modernidade revela, não

somente seu lado cruel, mas também a fragilidade de três sólidos

pilares da sociedade moderna – o Estado, a Ciência e a Ética:

• o Estado, porque, limitado em sua esfera de poder pelo interesse

coletivo, manifestado em tratados ou transferências de competências a

organismos internacionais - como acontece com a Amazônia e a

Antártica - não consegue resolver o descompasso entre o vertiginoso

ritmo de inovação tecnológica e a lenta difusão dos benefícios para a

maior parte da humanidade;

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• a Ciência, porque o enorme avanço das ciências médicas

(privilégio de poucos) e das técnicas de cultivo e industrialização de

alimentos, ainda não conseguiu impedir o surgimento e permanência de

doenças, fome, miséria, falta de higiene e estruturas inadequadas, que

caracterizam os países periféricos, pobres, terceiro-mundistas,

conforme ressalva Mendonça (2006);

• a Ética, porque, nem o capitalismo liberal nem os sistemas

socialistas foram capazes de sobreviver às mudanças tecnológicas e às

aspirações democráticas, passando a tolerar o crescimento do racismo,

da xenofobia e dos nacionalismos, das desigualdades, injustiças,

corrupções e violências por todos os lugares – traços negativos da

contemporaneidade.

Cada época tem as suas próprias crenças, percepções e indagações

que são referências para a compreensão das transformações, moldes e

modelos de agir em determinado tempo e lugar. É o caso da sociedade

pós-moderna, que apresenta características compreensíveis por

inúmeros ângulos. No universo da tecnologia, da internet e das redes,

por exemplo, é possível perceber as implicações contemporâneas da

velocidade e do redimensionamento constante, que atinge também as

pessoas, levando-as à reflexão e a obter diferentes opções e

alternativas para a extensão de suas vidas.

2.1.2 O conceito de hibridação de Canclini

O hibridação é uma característica do desenvolvimento histórico, que

tem seus antecedentes no tempo em que surgiram os primeiros

intercâmbios entre sociedades, que migraram para além de suas

fronteiras ou se mestiçaram com outros povos. Os Impérios Romanos, a

Grécia clássica, a invasão dos bárbaros e dos mouros, a expansão

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européia em direção da América, o atual processo de globalização

econômica, a coexistência de linguagens cultas e populares, entre

outros eventos, podem ser estudados sob o conceito da hibridação. É

um conceito que vem assumindo notável importância desde o final do século XX,

quando ele passou a descrever processos interéticos e de descolonização,

globalizadores, de viagens e cruzamentos de fronteiras, de fusões artísticas,

literárias e comunicacionais, de gastronomias, de associativismo público-privado,

de museografia ocidental e de tradições periféricas.

O hibridação tem sua raiz na biologia, muitas vezes associado à

esterilidade, assim, tido por prejudicial ao desenvolvimento social. Mas

esta concepção foi alterada por Mendel, a partir de 1870, quando

demonstrou as vantagens do cruzamento genético em botânica. A partir

daí, diversos autores aperfeiçoaram o conceito em seus aspectos

lingüística e social, reelaborando seus elementos para que pudessem

ser empregados nas análises socioculturais. Nesses estudos, uns

preferiram falar de sincretismo, quando se tratava de assuntos

religiosos; outros, de mestiçagem, nas questões de história e

antropologia; e outros mais, de fusão, no caso das artes e outras

misturas culturais modernas. Por isso, os termos mestiçagem,

sincretismo e crioulização são muito utilizados na antropologia e na

etno-história para indicar formas particulares de hibridação clássica.

O antropólogo argentino Néstor Canclini (1990, p. 233) foi quem

ampliou o conceito clássico de hibridação dos fatores socioculturais,

admitindo que, além das combinações de elementos étnicos ou

religiosos, havia também as de produtos das tecnologias avançadas e

processos sociais modernos e pós-modernos. Essa situação levou-o a

definir hibridação como “processos socioculturais nos quais estruturas

ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam

para gerar novas estruturas, objetos e práticas”. O autor esclarece que

as práticas ou estruturas discretas também foram resultado de

24

hibridações, “razão pela qual não podem ser consideradas fontes

puras”. (Canclini, 2006, loc. cit.)

Essas fusões ocorrem, às vezes, sem planejamento, sendo resultado

imprevisto de processos migratórios, turísticos e de intercâmbio

econômico ou comunicacional; mas, de um modo geral, elas surgem da

criatividade individual e coletiva, nas artes, na vida cotidiana ou no

desenvolvimento tecnológico. Para Canclini (2006), nelas se buscam a

“reconversão de um patrimônio” – uma empresa, uma capacitação

profissional, um conjunto de saberes e técnicas – para recolocá-lo em

novas condições de produção e mercado. É uma estratégia que

interessa tanto aos setores hegemônicos (políticos e econômicos) como

aos populares que desejam apropriar-se dos benefícios da

modernidade.

Segundo o antropólogo argentino, os processos de hibridação, por

serem variados e incessantes, levam a uma noção de identidade

bastante relativa, colocando por terra sua pureza ou autenticidade. Ele

explica que, ao se definir uma identidade, pelo método da abstração de

traços (língua, tradições, condutas estereotipadas), freqüentemente, se

desvincula dessas práticas a história das misturas em que se formaram,

advindo daí uma absolutização do modo de entender a identidade, que

fecha “a possibilidade de modificar a cultura e a política”. Por isso,

afirma Canclini (2006, p. 234), não é possível falar de identidades de

traços fixos, nem tê-las como essência de uma etnia ou de uma nação,

considerando, que, no mundo atual, tão interconectado, sedimentações

identitárias históricas como essas se reestruturam em meio a conjuntos

interculturais que transcendem as etnias, classes e nações.

A abordagem cancliniana das fusões socioculturais pode ser

perfeitamente empregada na análise da construção do conhecimento de

Enfermagem, pois esta é uma disciplina transdisciplinar que passa por

25

um intenso processo de hibridação, estimulado pela política estatal de

Saúde Coletiva, a tecnologia médico-hospitalar avançada, os

conhecimentos tradicional e moderno do cuidar/cuidado, a cultura

popular e a demanda social.

As práticas de saúde vêm enfrentando, desde alguns anos, uma

sensível crise de legitimação, ainda que se sirva de um notável

desenvolvimento científico e tecnológico. A procura de respostas a

essa questão faz surgir diversas propostas para reconstrução do campo

da saúde, sob a conformação de integralidade, promoção da saúde,

humanização e vigilância da saúde, entre outros. (Schraiber, 1997;

Czeresnia & Freitas, 2003)

Nesse afã, é imprescindível a conjugação de esforços coletivos e

pragmáticos – como sugerido por Habermas (1988) – num processo

público de interação entre diversas pretensões, exigências e condições

de validade das diversas proposições e interesses em disputa. É o que

vem acontecendo na saúde coletiva brasileira, que passa por um

processo de reconstrução das práticas de saúde, ancoradas

principalmente na humanização da atenção à saúde (Deslandes, 2004).

O significado dessa proposta inclui não somente atribuições técnicas

do profissional, mas também a capacidade de compreender o

cliente/usuário enquanto ser humano, com seus valores, suas crenças,

seus desejos e suas perspectivas. (Bettinelli et al., 2004)

O cuidado como prática fundamental em saúde, por exemplo, é uma

palavra que vem assumindo significados diversos, ao longo dos anos.

Em latim antigo, significa cura (com o sentido de amor e amizade),

estando relacionada também a cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar

interesse, revelar uma atitude de desvelo e de preocupação. O cuidado

faz parte do ser humano e tudo que tem vida clama por cuidado

(Pinheiro et al., 2005)

26

Esse cuidar é fundamental para o pessoal da saúde. Na realidade, ele

é o sustentáculo da criatividade, da liberdade e da inteligência humana,

que implica no desenvolvimento da afetividade, tendo como princípio

uma forma de viver plenamente (Waldow, 1999) e não apenas como

uma execução de tarefas para promover o conforto de alguém.

“Ao se cuidar do outro, passa-se a respeitá-lo e a vê-lo na sua individualidade, sendo imprescindível o conhecimento acerca da ética e da moral, princípios que propiciam uma nova razão, instrumental, emocional e espiritual.” (Pinheiro et al., 2005)

Para Morse e cols. (1990, 1991), o conceito de cuidado humano

envolve cinco perspectivas epistemológicas, possuindo: característica

humana; imperativo moral ou ideal; afetividade; relação interpessoal; e

intervenção de enfermagem.

Para Griffin (1983), o cuidar/cuidado engloba atividades e

atitudes/sentimentos. As atividades, definidas como assistir, ajudar e

servir, mediadas na relação enfermeiro-cliente/usuário, podem ser

chamadas de cuidados, se estiverem acompanhadas da expressão de

emoções. Quando isso não ocorre, a pessoa é vista como um paciente

(ou o que é pior, como um cliente), que perde temporariamente sua

autonomia e, às vezes, até sua dignidade. Nesta circunstância, o

cliente/usuário precisa ser moral e emocionalmente reconhecido naquilo

que ele foi e espera ser para não prejudicar a sua identidade.

As atividades de cuidado são geradas pela percepção e julgamento do

profissional de enfermagem acerca das necessidades da pessoa

cuidada, em um dado período. De fato, o reconhecimento da

importância do paciente/usuário (ou cliente que seja) como pessoa,

percebendo os elementos emocionais, implica em motivar e energizar o

ato de cuidar. (Griffin, 1983)

27

Investigando a literatura de enfermagem, que aborda o cuidado,

constata-se a influência norte-americana na construção de seus

preceitos e princípios, que estão difundindo-se em outros países, dentre

os quais o Brasil. (Waldow, 1995) Nesse sentido, o cuidado humano

passa a ser percebido como um instrumento dos profissionais da saúde,

principalmente da enfermagem, para promoção holística da saúde

(Patrício, 1992); ou como um conceito central da enfermagem, que

envolve um trabalho invisível (Santos, 1993).

O cuidado ao paciente/usuário implica a ação de diferentes

profissionais da saúde; e o trabalho conjunto exige que representantes

de várias especialidades saiam do estatuto científico estreito para uma

nova conformação de equipe, considerando o processo atual do

trabalho em saúde. E aqui também o processo de hibridação é bem

nítido.

2.1.3 Transdisciplinaridade e hibridação

Complexidade tem sido uma palavra muito empregada para caracterizar

o panorama mundial e seus problemas, tais como a rapidez do

crescimento demográfico, a acentuada diferença entre ricos e pobres e

o fenômeno da globalização que, em conjunto com as novas tecnologias

de comunicação, leva à difusão da produção cultural das grandes

potências mundiais, provocando erosão nas especificidades culturais de

países menos desenvolvidos e conflitos declarados entre nações, etnias

e comunidades religiosas. É um “mundo multirrisco” complexo e

inseguro, como observa Delors (2000)

Vários desafios do mundo contemporâneo estão relacionados com o

pensamento fragmentado, fruto do racionalismo da era moderna, (Morin,

2000; Capra, 1988) e da proliferação do conhecimento, que se

28

transforma rapidamente e se encontra dividido em áreas isoladas. É o

fenômeno conhecido por “disciplinaridade” (Nunes, 1995), que desafia a

nova prática da Enfermagem, resistindo à sua interdisciplinaridade.

O conceito de interdisciplinaridade surgiu no início do século XX e, só a

partir da década de 60, começou a ser enfatizado como meio de

transcender e atravessar o conhecimento fragmentado, embora sempre

tenha existido, em maior ou menor medida, uma certa aspiração à

unidade do saber. (Minayo, 1991)

A interdisciplinaridade caracteriza-se pela “intensidade das trocas entre

especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior

de um mesmo projeto de pesquisa” (Japiassu, 1976, p. 76) O termo não

possui ainda um sentido único e estável, mas esta definição pode ser

considerada um começo para as suas inúmeras distinções

terminológicas (Fazenda, 1996)

Interdisciplinaridade, portanto, “é uma relação de reciprocidade, de

mutualidade, que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida

diante do problema do conhecimento, que é a de substituir uma

concepção fragmentária por uma unitária do ser humano”. (Torres,

1998, p. 124) Está associada ao desenvolvimento de certos traços da

personalidade, tais como: flexibilidade, confiança, paciência, intuição,

capacidade de adaptação, sensibilidade em relação às demais pessoas,

aceitação de riscos, aprender a agir na diversidade, aceitar novos

papéis ( Fazenda, 1996). Ela é fundamentalmente um processo e uma

filosofia de trabalho que entra em ação na hora de enfrentar os

problemas e questões que preocupam cada sociedade (Torres, 1998).

A partir do conceito de disciplina como “uma maneira de organizar e

delimitar um território de trabalho, de concentrar a pesquisa e as

experiências dentro de um determinado ângulo de visão”, podem ser

estabelecidos diferentes níveis de interdisplinaridade, conforme o grau

29

de integração das disciplinas que são reagrupadas num determinado

momento. Existem inúmeras classificações para as modalidades

possíveis de interdisciplinaridade, sendo a mais conhecida a distinção

realizada por Erich Jantsch (apud Torres, 1998), que consta de cinco

níveis:

a) multidisciplinaridade – justaposição de disciplinas diversas, com a intenção de

esclarecer os seus elementos comuns, mas desprovidas de relação aparente

entre elas;

b) pluridisciplinaridade – justaposição de disciplinas, mais ou menos

próximas, nos domínios do conhecimento, visando a melhoria das

relações entre elas;

c) disciplinaridade cruzada – abordagem baseada em posturas de força,

em que a possibilidade de comunicação está desequilibrada, pois uma

das disciplinas predomina sobre as outras;

d) interdisciplinaridade – interação existente entre duas ou mais

disciplinas, em contexto de estudo de âmbito mais coletivo, no qual

cada uma das disciplinas em contato é, por sua vez, modificadas e

passa a depender claramente uma(s) da(s) outra(s). Resulta em

enriquecimento recíproco e na transformação de suas metodologias de

pesquisa e conceitos;

e) transdisciplinaridade – nível superior da interdisciplinaridade, em que

desaparecem os limites entre as diversas disciplinas; a cooperação é tal

que se fala no aparecimento de uma nova macrodisciplina. Cita-se,

como exemplo, a elaboração de marcos teóricos como a teoria geral dos

sistemas, o estruturalismo, a fenomenologia, o marxismo, o hibridismo

sociocultural etc.

O modelo transdisciplinar de Jantsch (apud Torres, 1998) pressupõe

que os campos disciplinares sejam estruturas compostas por uma

30

axiomática teórica e uma matriz metodológica, com princípios e

conceitos decodificáveis, interagindo entre si e produzindo relações

convergentes. A produção organizada do conhecimento científico se

realiza em uma complexa rede institucional operada por agentes

históricos concretos, ligada estreitamente ao contexto sóciopolítico mais

amplo.

A transdisciplinaridade também foi definida por Nicolescu (2001, p. 34),

como uma “transgressão das fronteiras entre as disciplinas”. Em sua

obra Manifesto da Transdisciplinaridade, ele aborda a atitude

transreligiosa referindo-se à presença do sagrado como algo capaz de

ligar, unir. Na sua visão, a falta, anulação ou violação do sagrado gerou

o totalitarismo e a sacralização absoluta do homem. O sagrado passou

a ser, então, o espaço de encontro entre a informação e a consciência,

nos diferentes níveis de realidade e de percepção. É a origem dos

valores humanos, da liberdade e da responsabilidade.

Com a transdisciplinaridade Nicolescu (2001), propõe estar, ao mesmo

tempo, no campo disciplinar, entre as diversas disciplinas, e ir além

delas, em busca da compreensão por meio da unidade do

conhecimento, formado pela inter, pluri, dis e transdisciplinaridade, o

que, sem dúvida, ultrapassa o pensamento tradicional. Para o autor, a

transdisciplinaridade pode contemplar a pesquisa pluri e interdisciplinar,

abrangendo os vários níveis de realidade multidimensional.

Abordando o aspecto humano, Nicolescu (2001, p. 116) relaciona

efetividade e objeto (níveis de realidade) e afetividade e sujeito (níveis

de percepção), como um desafio necessário para a harmonização do

homem pós-moderno. A dissolução da sociabilidade, que vem com a

degradação dos laços sociais, é apenas um sintoma da autodestruição

humana. E embora “a morte do homem” tenha esse lado perverso, ela

representa uma etapa necessária ao crescimento interior, num equilíbrio

31

entre as duas polaridades do mundo. Assim, segundo o autor, a atitude

transdisciplinar estará sempre em busca de pontes (novos laços

sociais), informada por uma revolução da inteligência com vistas à

dimensão poética da existência.

De se destacar, é que não são os campos disciplinares que interagem

entre si, mas sim os sujeitos, na prática científica cotidiana. O modelo

de transdisciplinaridade – ou como se refere Canclini (2006): trabalho

transdisciplinar – requer uma revisão baseada na possibilidade de

comunicação entre os agentes em cada campo. Não se trata de campos

disciplinares e seus discursos próprios, mas do trânsito dos sujeitos

nesses discursos e campos. (Almeida Filho, 1997)

A saúde, como todas as áreas do conhecimento, está vivendo os efeitos

de um choque de paradigmas, que se revela em várias dimensões.

Feuerwerker (2003) aponta que a complexidade leva a ciência a

produzir novas explicações para além das fronteiras entre os diversos

campos científicos, colocando sob suspeita a lógica da especialização e

do conhecimento racionalistas. O autor observa que nas ciências

naturais existe uma crescente tendência de se buscar “micropadrões de

desordem e indeterminação, ao invés de construir explicações

baseadas em modelos teóricos elegantes, construídos sobre uma

expectativa de ordem e determinação”.

Constata Feuerwerker (2003), que são cada vez mais tênues os limites

entre disciplinas, ciências sociais, biológicas e exatas. O desafio da

ciência passou a ser o diálogo com todas as formas de conhecimento,

capaz de ampliar sua explicação. E, sob essa luz, ainda não se

verificou plenamente no mundo acadêmico a produção de conhecimento

e sua difusão e a formação profissional, que não estejam “marcadas

pela especialização, pela fragmentação e pelos interesses econômicos

32

hegemônicos”, o que limita suas respostas em relação aos temas

complexos e contemporâneos, como os da saúde. Por isso,

“... há necessidade de reorientação da atenção, ampliando a promoção e articulando-a com as ações de cura e reabilitação, buscando a util ização mais racional da tecnologia e dos diferentes equipamentos de saúde. Tendo em vista a profunda insatisfação da população com a qualidade da atenção (o mais alto nível de satisfação em relação a um sistema de saúde é observado no Canadá e a taxa de satisfação é de apenas 50%), é indispensável redefinir a relação entre os profissionais da Saúde e a população e redefinir os papéis na produção social da saúde.” (Feuerwerker, 2003)

De fato, todo profissional de saúde, independente de sua área de

atuação, defronta-se com processos mais gerais de vida e sofrimento,

de várias ordens, que envolvem necessidades relativas à esfera da

intersubjetividade e demandam a adoção de tecnologias que as

observem e absorvam em alguma medida (Merhy, 1997).

3.2 CUIDADOS PALIATIVOS DE ENFERMAGEM

2.2.1 A construção do conhecimento

A proliferação das ciências e das técnicas, em que predominam o modo de fazer,

a eficácia, a experiência e as distribuições das correlações estatísticas, delineia

um horizonte feito de lógicas. (PETITAT, 1998) A influência do conhecimento

racional ou científico é muito forte, sendo para muitos a única espécie de

conhecimento. Entretanto, atualmente, existem alguns indícios de uma mudança

de paradigma que conduz a novos pensamentos, percepções e valores sobre a

realidade. É a transição da visão mecanicista – baseada na postura cartesiana-

newtoniana da separação das partes – para uma visão holística, do todo

dinâmico, indivisível, sistêmico, em que as partes estão inter-relaciondas, como

numa rede. (BATISON, 1978; KAPRA, 1982; WALDOW, 1998)

33

A enfermagem, especialmente, vem sofrendo influências desse novo

paradigma, que permite discutir o cuidado humano em suas múltiplas

dimensões. Para os profissionais de enfermagem, as pessoas são seres

totais, com família, cultura, passado e futuro, crenças e valores, que

interferem nas experiências de saúde e doença. A enfermagem é uma

ciência humana que não deve limitar-se à utilização do conhecimento

das ciências naturais, pois lida com seres humanos, que possuem

comportamentos peculiares construídos a partir de valores, princípios,

padrões culturais e experiências que não podem ser objetivadas e nem

tampouco considerados por partes. (WATSON, 1985)

A enfermagem tem a sua própria estrutura de referência, o seu tipo

particular de conhecimento, que não se enquadra totalmente dentro do

que se conhece por conhecimento científico. É freqüente na

enfermagem deparar-se com situações que requerem ações e decisões

“para as quais não há respostas científicas”, muitas vezes provindas de

insight e compreensão, como assinala Waldow (1998, p. 145).

O que caracteriza as teorias de enfermagem é o fato de que elas

englobam outros padrões de conhecimento, além do empírico. A

enfermagem envolve as idéias dos teóricos sobre a saúde e os

aspectos que refletem crenças e valores; envolve a pessoa do

profissional, as pessoas com quem interage e também os insights que

resultam da arte de enfermagem. A enfermagem apropria-se de

conhecimentos de outras áreas como a religião, a cultura imaterial, o

folclore, artes e fazeres etc. para lidar com a vida e a morte.

(WALDOW, 1998, p. 57)

34

2.2.2 A transdisciplinaridade do cuidado/cuidar

No caso da enfermagem, a racionalidade científica, dentre outros

processos que organizam e regulam a assistência, exerce controle

sobre o trabalho do profissional, orientando e restringindo a sua

autonomia e criatividade (DALMASO, 2000). Entretanto, as ações

profissionais não são reflexos puros do meio social, do processo de

trabalho em enfermagem ou do conhecimento organizado em disciplina,

mas, sim, da transdisciplinaridade do cuidado/cuidar e em face das

relações, tensões e reflexões que as envolvem. (SCHRAIBER &

PEDUZZI, 2000)

O processo de socialização que se dá através de idéias e rituais acerca da morte

- intersubjetividade com a qual lidam os enfermeiros, sobretudo aqueles que

atuam no campo dos cuidados paliativos – é um outro exemplo dessa mistura de

saberes chamada de hibridação. (CANCLINI, 2006) Como outros fenômenos da

vida social, o processo do morrer pode ser vivido de distintas formas, de acordo

com os significados compartilhados pela experiência, que sofrem variações

segundo o momento histórico e os contextos sócioculturais. O morrer não é então

apenas um fato biológico, mas um processo construido socialmente – afirma

Menezes (2004) – e morrer não se distingue das outras dimensões do universo

das relações sociais; em cada momento histórico, há uma produção de práticas e

de representações significativas.

Nesse processo de hibridação, que perpassa a enfermagem, em todas

as suas estruturas e finalidades, a conceituação de cuidados paliativos,

como assistência ativa e integral, confronta a visão fragmentária da

medicina (que atua apenas contra a doença e o órgão afetado) com a

qualidade do viver.

Para Menezes (2004), a ideologia da saúde e da perfeição corporal

constituem referências centrais na sociedade ocidental contemporânea.

35

No enfrentamento da falência do corpo e da saúde, surge a necessidade de estabelecer uma significação para a vida ainda possível. A morte precisa de um novo sentido e os CP tomam a si a responsabilidade de produzi-lo, em um projeto ambicioso, que busca um impacto social de grande amplitude. (MENEZES, 2004, p. 45)

A autora pondera que a proposta pedagógica dos cuidados paliativos

pela aceitação da morte, seja por sua maior visibilidade social ou por

uma nova construção de significados e emoções em seu entorno,

representa uma certa ruptura com o modelo moderno de morte – que

busca o prolongamento da vida à custa de sofrimento e culpa o doente

e seus familiares pela criação da doença – opondo-lhe um outro

modelo, o da “boa resolução” da vida. Assim, a pedagogia é dirigida

[...] aos personagens inseridos na assistência paliativa: profissionais, pacientes e familiares. Cada ator deve incorporar um papel e desempenhá-lo adequadamente para a produção coletiva da ´boa morte’.” (MENEZES, 2004, loc. cit)

Segundo Menezes (2004), o exercício prático dos cuidados paliativos é

constituído por um processo contínuo de desconstrução e reconstrução

de identidades, o que, para Canclini (2006, p. 235), são recursos de

hibridação, que ele nomeia como “descoleção de patrimônios”,

“desterritorialização” e “reconversão” de saberes e costumes,

observados no controvertido mundo da modernidade. Ao doente, cabe

então uma nova identidade – a de estar fora de possibilidades

terapêuticas de cura, mas inserido na vida – certamente, ocupando um

lugar especial, a ponto de tornar-se objeto de intervenção de uma rede

extensa de profissionais, na qual a morte é tematizada, discutida e

avaliada em detalhes.

Em que pesem os conceitos de vida, morte, finitude, vulnerabilidade e

proteção estarem bem construídos, existem sérias dificuldades para se

definir diretamente o que seja a morte, “visto que, em condições

36

normais, não temos experiência direta dela”, como lembra Schramm

(2002, p. 17). De fato, se é relativamente fácil ter uma experiência

indireta da morte, observando à morte dos outros, é quase impossível

pensar na própria morte sem pensar também na própria vida e/ou em

alguma vida após a morte.

[...] a morte enquanto tal é praticamente impensável e quando, por alguma razão de força maior, ela se impõe à consciência e à elaboração, isso só se dá com muito sofrimento, em situações de vulnerabilidade e através as experiências sofridas do desamparo, que de fato são experiências dos seres humanos vivos que vivenciam a precariedade da condição humana mas não a morte.” (SCHRAMM, 2002, p. 17)

Talvez seja por isso que as sociedades contemporâneas – que se

tornaram sociedades de risco, com múltiplas situações de

vulnerabilidade e violência – encontram dificuldades em pensar a

questão da morte e do morrer (como processo e significação). É um

paradoxo: de um lado está o recalque do pensamento da morte (do não

querer falar sobre ela), e de outro, as inúmeras ocasiões e maneiras de

se experimentá-la.

Segundo Norbert Elias (2001, p. 19), não querer falar sobre a morte é

uma conseqüência do processo civilizador, que empurra para os

bastidores da vida social, como faz com tantos outros aspectos animais,

o processo de morte e sua imagem mnemônica. “Para os próprios

moribundos, isso significa que eles também são empurrados para os

bastidores, são isolados”.

A medicalização da vida é colocada como uma das razões deste

afastamento dos moribundos, graças à crescente incorporação

tecnológica à medicina, fato este que permitiu praticamente estabilizar

muitas doenças terminais, como no caso de doentes que podem ser

mantidos artificialmente em vida durante longos períodos, senão

indefinitivamente.

37

Entretanto, conforme anota Elias (2001, p. 19), nas mesmas sociedades

tecnologicamente avançadas, cresce paralelamente “a consciência da

legitimidade moral da cultura do respeito à autonomia do

paciente/usuário” e, com isso, surge também uma nova atmosfera ao

redor do morrer “na qual aparece questionada e relativizada a tarefa

médica de fazer tudo o possível, mesmo contra os desejos do paciente,

para impedir ou postergar a morte.” (KOTTOW, 1995)

Atualmente, segundo ressalta Schramm (2002, p. 20), os cuidados

paliativos vêm justamente preencher o espaço existente entre a

competência técnica da medicina e da cura, “que apesar dos incríveis

avanços continua sendo limitada”, e a cultura do respeito à autonomia

do paciente em suas decisões extremas, as quais “implicam também em

poder dizer quando não quer mais viver sofrendo”.

A concepção de cuidados paliativos, por estar firmemente baseada no princípio

da qualidade de vida para o paciente e seu entorno e nos preceitos de

sacralidade da vida, envolve uma noção de integralidade do paciente e de suas

necessidades (físicas, emocionais, espirituais, religiosas, morais, mentais etc.),

que se constituem complementos (e, às vezes, até mesmo alternativas), do assim

chamado positivismo médico.

2.2.3 Uma atuação educativa

Na enfermagem, as tecnologias são expressas na preocupação integral

com a saúde – necessidades físicas, psicológicas, sociais, espirituais –

na sistematização dos cuidados, na utilização do método clínico e na

educação de familiares e cuidadores. Representam a ação profissional

sobre um indivíduo, com ou sem ajuda de instrumentos, evidenciando-

se como uma forma de expressão social e cultural, oriunda das

38

inovações e aplicações de pesquisas científicas e da criatividade na

forma de se produzir o cuidado. (CECCIM, 1998)

As tecnologias envolvidas no trabalho de saúde podem ser classificadas

em duras, leve-duras e leves, como propôs Merhy (1997), ou

simplesmente de hardware e software, como classificou Amara (1975).

Nas tecnologias hardware ou dura são incluídos os artefatos de uso

terapêutico como os equipamentos, produtos químico-farmacêuticos,

procedimentos médico-cirúrgicos e dispositivos de uso terapêutico. Nas

tecnologias software ou leve estão incluídas os instrumentos sociais,

que utilizam tecnologias de relações como produção de vínculo,

acolhimento e o cuidado. (Merhy, 1997; JONES & ALEXANDER, 1993;

AMARA, 1975).

Enquanto a tecnologia hardware vai proporcionado uma melhoria de

expectativa e qualidade de vida – a partir de novas práticas de biologia

molecular e genética, dos avanços da farmacologia e da nutrição, da

diagnose radiológica e da cirurgia menos invasiva – as tecnologias

software estão sendo cada vez mais empregadas pela enfermagem,

cujo foco principal é a manutenção da qualidade de vida da pessoa

tratada. Estas são utilizadas em todas as fases do processo da doença,

desde o diagnóstico, tratamento, reabilitação, até com os pacientes fora

de possibilidades terapêuticas de cura, destacando-se, conforme Secoli

et al. (2005), as terapias cognitivo-comportamentais (TCC), os métodos

físicos e as técnicas de orientação educativa.

Segundo Pimenta (2003) e McCaffery et al. (1998), as técnicas

cognitivo-comportamentais (TCC) são utilizadas para controlar sintomas

como a dor, o medo e a ansiedade. Seu fundamento é que os

comportamentos humanos são socialmente aprendidos, e reforçados ou

não, pela interação com o meio ambiente, pois o indivíduo não é

receptor passivo de informações, e pode aprender ou reaprender

39

comportamentos mais adaptativos, que lhe tragam maior funcionalidade

e bem-estar (KINGDON et al., 1998; PIMENTA, 2003). Nesta estratégia

agrupam-se intervenções de análise e reorganização do comportamento e

pensamento, como os trabalhos em grupos, e de aquisição de estratégia para

alívio do medo e da ansiedade – técnicas de relaxamento, distração e imaginação

dirigida. O paciente é levado a refletir sobre os efeitos da doença na sua vida;

aprende a enfrentar as situações estressantes, e participa do estabelecimento das

metas para sua vida, observam Secoli et al. (2005).

Os métodos físicos mais utilizados em enfermagem compreendem o uso de

massagens e a aplicação de calor e frio superficiais. Há uma crença de que as

técnicas que utilizam as mãos, reforçam a confiança do paciente, especialmente

em situações de vida limítrofes, registram Pimenta (2003) e McCaffery et al.

(1998). É um método intuitivo e muito antigo, que melhora a circulação local,

relaxa a musculatura, traz uma sensação de conforto e bem-estar ao paciente e

alivia a tensão psíquica. Os autores recomendam ainda a aplicação de bolsas de

água quente ou compressa para minimizar a dor, por causarem redução da

isquemia tecidual, alívio do espasmo muscular e melhora do processo inflamatório

local. Em contrapartida, eles recomendam o efeito analgésico do frio, obtido por

meio do uso de bolsas de água fria, imersão em água fria, por causarem a

vasoconstrição e a redução da velocidade de condução de estímulos nervosos.

A atuação educativa em enfermagem, conforme Secoli et al. (2005), tem

como meta tornar os pacientes e familiares agentes do próprio cuidado

e participantes ativos do processo terapêutico. As estratégias

educativas incluem consultas individuais, discussões em grupos,

demonstração, filmes, fitas cassetes, vídeos/DVD, folhetos educativos,

manuais, internet, entre outros, podendo ser desenvolvidas em

diferentes contextos, incluindo o domicíliar.

Para Pimenta (2003) e McCaffery et al. (1998), a finalidade principal

dessas técnicas é ajudar a melhorar o funcionamento físico e psíquico

40

do indivíduo e reduzir a utilização dos serviços de saúde. De fato, o

câncer (enfatizado nesta revisão) é uma doença que interfere em

diversas dimensões da vida - física, emocional, social e espiritual - e a

interferência em algum deles pode modificar a apreciação da

experiência existencial.

Em seu estudo, Secoli et al. (2005) constatam que as tecnologias

software são, em sua maioria, de baixo custo e fácil aplicação,

enquanto a tecnologia hardware é complexa, onerosa e limitada a uns

poucos indivíduos. As primeiras podem ser ensinadas aos pacientes e

aos seus familiares para uso domiciliar, fazendo delas recursos

acessíveis a um maior número de doentes por câncer (PIMENTA, 2003).

A do tipo hardware está sob controle de profissionais altamente

especializados, que prestam serviços sofisticados e caros.

A prestação de cuidados ao adulto com câncer tem sido fortemente

influenciada pela tecnologia avançada, especialmente em hardware,

que permite quantificar tamanho ou redução de um tumor e seu melhor

tratamento. Mas, tão importante quanto esta, é a correta avaliação do

estado de ânimo de um paciente e o seu fortalecimento emocional para

o enfrentamento da doença.

[...] não há quimioterapia mais eficiente do que uma palavra amena, nem radiações mais benéficas do que o toque de uma mão que afaga. O médico em si pode ser um grande remédio, mas nem ele, nem seu arsenal terapêutico de drogas e radiações podem ser mais eficazes que o potencial curativo do próprio paciente. (ANDRADE, 2003)

41

2.3 VULNERABILIDADE HUMANA

2.3.1 O corpo contemporâneo

A sociedade se modifica, mas as estruturas viabilizadoras de mudanças

determinam que as noções de cidadania, pessoa e participação no

processo se dêem pela capacidade de fruição dos benefícios da nova

cultura da informação e de adaptação ao que é propagado pela mídia

de massa. Ao indivíduo, não basta apenas estar inserido nesse

contexto. É preciso, segundo aponta Dreifuss (2003), que ele possa

manifestar seus gostos e desgostos, prazeres e desprazeres, sabores e

dissabores; e que ele tenha domínio da linguagem dos meios midiáticos

pós-modernos para ser ouvido e percebido.

De fato, a sociedade contemporânea enfatiza muito a imagem, o efêmero e o

espetáculo sensacional, deixando a dimensão e a grandeza humanas a serem

delimitadas pela mídia de massa, centrada na produção, projeção e reprodução

de imagens mimetizadas, fetiches e representações individuais como se fossem

atributos e valores. O ser social da contemporaneidade parece se agrupar ao

redor de uma noção abstrata de união (igualdade no modismo) que é dada pela

representatividade das relações de consumo e preferências diversas (música,

moda, arte, cinema etc) e não pelas preferências pelas mesmas ideologias e

pontos de vista. (DALBOSCO, 2006)

Numa breve digressão histórica sobre a percepção do corpo humano é

possível observar como as transformações afetam o mundo, a

sociedade, o indivíduo e a sua subjetividade. Segundo Esper & Neder

(2004), inicialmente, o corpo foi sacralizado, identificado como corpo

religioso (cristão), preocupado unicamente em se ocultar. Depois,

vieram os conhecimentos da anatomia e da fisiologia avançadas,

quando o corpo passou a ser mais funcional que sagrado. Em seguida,

com o advento do capitalismo e do industrialismo, o corpo funcional,

menos sagrado, passou a ser visto como força de trabalho (produtivo).

42

Com o avanço das ciências psíquicas, principalmente da psicanálise e da

psicologia, o corpo funcional de trabalho passou a incorporar a dimensão

pulsional, erógena, para se tornar um suporte de signos e desejos ideológicos de

consumo veiculados pela mídia. Na atualidade, esse corpo funcional de trabalho,

dessacralizado, pulsional e erógeno foi reconhecido em sua totalidade de prazer e

transformado em objeto de culto narcisista. Para estes autores,

[...] à medida que a humanidade vai avançando na construção do conhecimento, percebemos uma mudança na relação dos indivíduos com o seu corpo, e na transformação do mesmo, através da interação histórica e dialética que vai se processando. Nessa perspectiva talvez se possa falar de um corpo transformado - um corpo contemporâneo - que abarca e imprime as transformações de uma transição social, que ainda está por se completar, por estar constituindo a realidade atual e, por ser fruto de um processo dialético. (ESPER & NEDER, 2004)

No mundo contemporâneo, há um intenso e aleatório bombardeio de informações

que não se constituem como um todo. A realidade é fragmentada em retalhos,

composta por vivências parciais, sem uma crença na totalidade. A totalidade

contemporânea é “plural”, como salienta Lipovetsky (1983, p. 28), caracterizando-

se a sociedade pós-moderna por dispositivos abertos e plurais, individualismos

hedonistas e personalizados.

O ambiente pós-moderno está permeado pela cibernética, pela robótica

industrial, pela biologia molecular e pela medicina nuclear. É um mundo

traduzido por imagens e signos e regido pela informação, processada

em “bits”. A velocidade com que o avanço da tecnociência se

estabeleceu desenhou uma nova cartografia contemporânea comandada

pela transitoriedade e efemeridade. (TOFFLER, 1970)

Nesse sentido, Ester & Neder (2004) anotam que “o mergulho contemporâneo

nas mudanças maciças”, pode levar as pessoas a uma superexposição e a

perturbações em seu desempenho, afetado pelo estresse da decisão e da

adaptabilidade, o que, por conseqüência, se reflete na percepção distorcida da

43

realidade e nos processos cognitivos, prejudicando sua habilidade de pensar, de

elaborar e de fazer ressignificações.

A superexposição à transitoriedade, conforme preconizam Marty & McDougall

(representantes do pensamento da psicossomática psicanalítica, segundo Esper

& Neder, 2004), pode ser detonadora de sintomas psicossomáticos num corpo

com excesso de sobrecarga psíquica, que não podem ser simbolizados. É como

se o psiquismo ficasse privado de palavras, diante da transitoriedade da vida, da

cultura do descartável, da relação homem-coisas, que vão se justapondo num

ritmo alucinante.

O sentido da estética, em busca da sedução, e a criação do desejo, são

apontados por Baudrillard (1995, p. 115), como uma mudança

paradigmática da atualidade, estando o consumo no lugar de

“organizador da vida cotidiana”. O que se consome tem pouco a ver com

a necessidade e a utilidade do objeto, porque a lógica do consumo é

estruturada na manipulação dos signos. O consumo é regido por um

“pensamento mágico”, que se conecta à posse de algo valorizado

socialmente e que transitoriamente o enriquece. Segundo o autor, a

opulência e a onipotência estariam diretamente ligadas à acumulação

de signos de felicidade – exteriores e alienados da subjetividade.

Os desejos das pessoas são capturados pelo “grande outro”, assim

chamado por Kehl (2000, p. 66), que esclarece e fornece os itens a

serem desejados. As pessoas passam assim a viver num vazio interior

(“melancólico”) e dependente de seus desejos. Esse processo de

esvaziamento do ser foi chamado por Santos (2000, p. 35) de

“dessubstancialização do sujeito pós-moderno”, porque ele se degrada

em fantasias e decepções, perde sua consistência espiritual, entrega-se

à apatia e ao conformismo e mantém sua visão do corpo real distante

do corpo imaginário, saturado de consumo e informação.

44

As conseqüências desse processo para a saúde são as chamadas patologias

contemporâneas como a depressão, a obesidade, a anorexia, a drogadição, a

bulimia e o estresse, que se intensificam no vazio e nas questões narcísicas. Na

contemporaneidade, anotam Esper & Neder (2004), encontram-se também

“doenças e agravos que se referem às percepções patológicas da imagem

corporal como as dismorfias e outras, cujo referencial passa a ser a dor corporal

disseminada, como no caso das fibromialgias.” Ao que se acrescenta o notável

aumento das doenças crônico-degenerativas (como o câncer de pulmão,

provocado pelo fumo, ou as doenças cardíacas, o colesterol e o diabetes), as

diversas compulsões, o fenômeno do vício e a síndrome do pânico.

Apesar dos avanços biotecnológicos, dos novos procedimentos médicos

e dos novos processos de enfermagem, colocados à disposição da

pessoa, a cura da maioria das doenças contemporâneas ainda não é

possível. Por isso, o período final de vida de pessoas sem

possibilidades terapêuticas e sob o avanço impiedoso da morte, passou

a ter uma nova espécie de cuidado/cuidar pouco relacionada aos

métodos e mecanismos da morte moderna, cheia de aparelhos e

medicamentos. (Menezes, 2004) Aliás, esta nova forma de

acompanhamento, realizada por profissionais de saúde, é uma

contraposição a uma prática médica, eminentemente tecnológica e

institucionalizada, na qual o doente era excluído do processo de tomada

de decisões relativas à sua vida e, em especial, à sua própria morte.

Com o advento e a implementação prática desta nova proposta, o processo do morrer passou a ser debatido entre todos os atores sociais envolvidos – profissionais, doentes e seus familiares – gerando uma nova administração do período final da vida do enfermo. (MENEZES, 2004)

Essa nova forma de acompanhamento vem promovendo diversas transformações

sociais relativas à morte e ao final da vida, influenciando suas representações

coletivas e traduzindo a emergência de novas preocupações voltadas à gestão do

morrer.

45

3.3.2 A importância da morte

A morte ou finitude do ser humano tem uma importância primordial para

a enfermagem, principalmente quando desenvolve atividades em

cuidados paliativos ou tratam de pacientes sem possibilidades

terapêuticas de cura. E o conhecimento da morte não pode se dar

somente na direção do conhecimento científico, que não é suficiente

para apreender-lhe o significado, que as religiões, as culturas dos

povos, a própria consciência humana, os costumes e crenças procuram

desvelar.

As classificações e os tipos de morte propostos pela tecnociência, no seu afã de

prolongar a vida ou postergar a morte, tem muita importância para os profissionais

de saúde, principalmente o médico, a quem cabe, normalmente, a decisão sobre

a forma de conduzir o processo da morte ou a sua constatação legal. Mas ela

também é importante para os profissionais de enfermagem, que vivenciam

diretamente esse processo, interagindo com o paciente e seus familiares, num

trabalho que demanda conhecimento mais espiritual sobre o assunto, que mero

tratamento de sintomas físicos ou mentais

Assim, ao tratar do tema da finitude da vida, não se pode estar

indiferente às concepções sobre a morte, que os intelectuais de todas

as épocas deixaram como herança para a humanidade. A morte é a

certeza da condição humana, embora quase sempre recalcada,

constituindo intrínseca peculiaridade do Homo sapiens sapiens, o único

vivente que tem a consciência da sua própria finitude (FREUD, 1974).

Sob uma perspectiva mais abrangente, seria diante da morte que o ser humano,

tão ávido na busca de certezas, poderia abrandar o seu desconforto e sua

perplexidade diante de um real com possibilidades tão remotas de verdade

(DETIENNE, 1988; SIQUEIRA-BATISTA, 2003), em que o êxito letal é a última e

incontornável fronteira, geralmente pensada em relação ao outro e quase nunca

em relação a si (HEGEL, 1992).

46

Na atualidade, o paciente em estágio avançado de doença passou a ser

sujeito de estudos e de pesquisas, cujos resultados propiciaram a

criação da nova disciplina científica dos cuidados paliativos, como se

sabe, voltada à etapa final da vida e a uma fase específica da doença.

O doente, antes ignorado e abandonado pelo saber médico e suas

instituições, é investido de um valor positivo pelos ideólogos e

profissionais da causa da “boa morte”. Pesquisadores de diversas áreas

– Ciências Sociais, Psicologia, Direito, Medicina, Filosofia, História,

Ética e Bioética – empenham-se na construção desse novo olhar sobre

a morte, a ponto de postularem um “renascimento da morte” (WALTER,

1997, P. 102)

A literatura consultada neste estudo indica o surgimento de um novo

modelo de morte, nomeado por diversos autores como “morte pós-

moderna”, “neo-moderna” ou “contemporânea”, que leva muito em conta

os desejos do doente e da família, a tomada de decisões, a relação com

o médico e a enfermagem. A “boa morte” é tema recorrente e há uma

trajetória ideal para sua realização, mensagens circulando na Internet,

sites são criados para consulta e até para despedidas de doentes

próximos à morte (The Dead Letter Office; in www.thedeadletter.com).

As expressões “boa morte”, “morte tranqüila”, “morreu bem” passaram

do âmbito dos profissionais de saúde para o do conhecimento popular.

A divulgação e os debates/diálogos/discussões sobre a morte, no

âmbito dos cuidados paliativos e da pós-modernidade, e a reprodução

desses saberes pelas pessoas comuns foram condensados pela revista

médica British Medical Journal (BMJ, 2000) e apresentados como

princípios:

1. Saber quando a morte está chegando e compreender o que deve ser esperado.

2. Estar em condições de manter controle sobre o que ocorre.

3. Poder ter dignidade e privacidade.

4. Ter controle sobre o alívio da dor e demais sintomas.

47

5. Ter possibilidade de escolha e controle sobre o local da morte (na residência ou em outro local).

6. Ter acesso à informação e aos cuidados especializados de qualquer tipo que se façam necessários.

7. Ter acesso a todo tipo de suporte espiritual ou emocional, se solicitado.

8. Ter acesso a cuidados paliativos em qualquer local, não somente no hospital.

9. Ter controle sobre quem está presente e quem compartilha o final da vida.

10. Estar apto a decidir as diretivas que assegurem que seus direitos sejam respeitados.

11. Ter tempo para dizer adeus e para ter controle sobre outros aspectos.

12. Estar apto a partir quando for o momento, de modo que a vida não seja prolongada indefinidamente.” (BMJ, 2000)

A “boa morte” também é tratada em dois livros profissionais de cuidados

paliativos, que se destacam na literatura por serem modelos de difusão da

humanização do morrer, expressivos desde o título. É o La mort intime. Ceux qui

vont mourir nous apprennent à vivre (A morte íntima. Com os que vão morrer

aprendemos a viver), do francês Hennezel (1995), e o Dying well. Peace and

possibilities at the end of life (Morrendo bem. Paz e possibilidades no fim da vida),

do norte-americano Byock (1997).

Uma melhor “qualidade de vida”, associada a idéias de dignidade e de

manutenção da identidade social própria, é a meta a ser atingida ao

longo do tempo de vida ainda disponível. Segundo Menezes (2004), um

princípio que rege esse modelo de morte contemporânea “é o da

comunicação aberta, franca, seguida da escuta dos desejos do

moribundo e de seu cumprimento, o que depende basicamente da

atuação das pessoas com quem se relaciona”.

Para essa autora, morrer bem, com dignidade e lucidez, é quando se vive intensa

e expressivamente a última fase da vida, compreendendo-a como derradeira

48

oportunidade de um trabalho sobre si, sobre sua personalidade, sobre sua

identidade pessoal.

De fato, o processo do morrer proporciona a última oportunidade para

que a pessoa se torne verdadeiramente autêntica, para que ela conheça

sua identidade interior ( inner self) e a exteriorize para as pessoas de

suas relações. O relato da própria vida, conforme prescreve Hennezel

(1995), seria a última etapa na construção de sua identidade, passível

de criar um sentido para sua morte.

A morte, etapa final do crescimento, ainda é uma oportunidade para crescer como

pessoa. O período que a antecede pode ser uma ocasião de transformação

profunda do ser, pois a maior preocupação de pacientes hospitalizados é a busca

de significado de si mesmo (BYOCK, 1997; HENNEZEL, 1995; SAUNDERS,

ROSS & RILEY, 2003)

O trabalho de morrer, assim, torna-se produtivo e fortalecedor dos laços

sociais entre o moribundo e as pessoas de sua relação. É como se

fosse a conclusão de uma obra, de preferência bela e harmoniosa.

Talvez seja por isso que, na pós-modernidade, essa busca infindável de

si, da totalidade, da identidade individual se transformou na estetização

da morte. (MENEZES, 2004)

Em seu livro “Voltando para casa: guia para se morrer em casa com dignidade”,

Deborah Duda traz uma relação de dezesseis direitos atribuídos aos pacientes

moribundos, aqui traduzidos por Figueiredo (2006:42), que merece reflexão. São

os direitos de:

1) ser tratado como um ser humano vivo até a morte;

2) manter a esperança qualquer que seja a circunstância;

3) ser cuidado por aqueles que sempre mantêm a esperança;

4) expressar os meus sentimentos e emoções a respeito de morte próxima à minha maneira;

5) participar das decisões sobre o meu caso;

49

6) merecer atenção continuada médica e de enfermagem, mesmo que o objetivo de “cura ” tenha sido mudado para o objetivo de “conforto”;

7) não morrer solitário;

8) não sofrer dor;

9) ter as minhas perguntas respondidas com honestidade;

10) não ser enganado;

11) receber ajuda de e para a minha família na aceitação de minha morte;

12) morrer em paz e com dignidade;

13) reter a minha individualidade e de não ser julgado pelas minhas decisões, as quais podem ser contrárias às crenças de outros;

14) discutir e de ampliar as minhas experiências religiosas e/ou espirituais, a despeito do que elas possam significar para os outros;

15) esperar que a santidade do corpo humano seja respeitado após a morte;

16) ser cuidado por pessoas sensíveis, carinhosas e inteligentes que tentarão compreender as minhas necessidades e que serão capazes de derivar alguma satisfação em ajudar-me a enfrentar a morte. (FIGUEIREDO, 2006, p. 42),

2.3.3 Um verdadeiro tabu

A questão da morte, como tema de debate, tem sido comumente velada,

tornando-se um verdadeiro tabu, em que a tendência é desviar o

assunto. Talvez essa repulsa tenha origem no sentimento de angústia e

desamparo diante da idéia de finitude e do incognoscível (SCHRAMM,

2002) O evento em si, tão bem tratado pela ciência objetiva, que busca

meios de postergá-la ou evitá-la, não é o problema principal. A morte

está geralmente relacionada, em muitas circunstâncias, ao sofrimento

de uma doença grave ou mitigante ou à crueza de um acidente ou de

outra causa violenta de fenecer, que ceifa a vida nos melhores dias

(SIQUEIRA-BATISTA, 2001). Nestas situações, a supressão do bem

maior da vida, possibilita a adoção de uma postura reflexiva, com

50

revisão de conceitos e paradigmas por aqueles que experimentam a

proximidade da morte, familiares e profissionais de saúde

Tentando buscar uma explicação plausível para o por quê morremos, o

escritor contemporâneo português José Saramago (2006) construiu o

romance As intermitências da morte, cujo personagem principal é a

morte, simbolizada universalmente pelo esqueleto. A estória de

Saramago é interessante por mostrar que a morte tem seus caprichos,

que se revelam ao suspender suas atividades em nosso planeta,

cansada que estava de ser detestada pela humanidade. E assim,

repentinamente, as pessoas pararam de morrer, provocando grande

entusiasmo, no início, e uma grave preocupação, em seguida, com os

idosos e doentes agonizando em seus leitos sem poder morrer; os

empresários de serviços funerários “brutalmente desprovido de sua

matéria-prima”; hospitais e asilos geriátricos em superlotação crônica

crescente. Um por um, ficam expostos os vínculos que ligam o Estado,

as religiões e o cotidiano à mortalidade comum de todos os cidadãos. É

um romance que convida a pensar na morte com um outro olhar, que a

transforma numa motivação para se viver a vida com arte e amor,

mesmo em condições adversas.

Vida e morte podem ser apreendidas como potências antagônicas de

um mesmo processo, como disse o filósofo Heráclito de Éfeso: “Existem

em nós a vida e a morte, a vigília e o sono, a juventude e a velhice,

pois estas coisas, quando mudam, são aquelas, e aquelas, quando

mudam, são estas (apud KIRK et al., 1994, p. 112).

Outra concepção, bastante familiar no Ocidente, encontrada no

pensamento filosófico moderno, diz que morrer é a própria condição da

condição humana, parte integrante da vida humana (MONTAGNE,

2000), e tanto a consciência da existência quanto a própria existência é

morte. (JASPERS, 1973) Segundo esse pensamento, a vivênia do

51

processo de viver e morrer faz parte da experiência humana, de ser

lançado no tempo e perceber a condição do ser-para-a-morte

(HEIDEGGER, 1989) ou do ser-para-nada, na perspectiva

existencialista de SARTRE (1997). Para esses pensadores, morrer seria

um dos pontos culminantes e críticos da existência, condição essencial

para se pensar a vida com suas tristezas e sofrimentos. Falecer, assim, significa

despedir-se, deixar de fazer parte deste único mundo conhecido – ameaçador,

aniquilador, que não é nada – e afastar-se do convívio de pessoas queridas.

Para o sociólogo francês Edgar Morin (2006), entretanto, a morte nivela

os seres humanos em sua finitude, porquanto o homem é o único ser

vivo que acredita na vida após a morte, que pratica ritos fúnebres, que

construiu uma mitologia da morte. O ser humano acredita na morte, com

certeza, e, por isso, quer um renascimento, a sobrevivência de um

fantasma, a ressurreição, a reencarnação etc. Por isso, não se deve

subestimar os aspectos imaginários e mitológicos do ser humano.

A magnitude de nosso desconforto em relação à morte, segundo Rosen (2007),

está em proporção direta ao tanto que fomos afetados por meio de três

importantes fatores:

1) Até que ponto fomos expostos à visão negativa que a sociedade

moderna tem da morte, e como fomos marcados por ela. — A idéia que

temos da morte é o rótulo que damos ao que presenciamos, à distância,

nos jornais e na TV: a morte com violência. É preconceituosa e

limitada pela falta de experiência e impede uma visão pacífica sobre o

que quer que seja.

Para Cesar (2001, p. 115), a morte pode ser concebida à luz da cultura,

da religião, da ciência, da história e até da tradição familiar, mas isso

não garante que se saiba quando e como ela ocorrerá. “Quando esse

momento se aproxima é que nos damos conta de que deveríamos saber

52

muito mais sobre ela”. Também pode ser um conceito que adquirimos

de acordo com a personalidade, o ambiente social.

2) Falta de informação a respeito dos processos fisiológico, psicológico e espiritual que ocorrem na morte. — Muitas pessoas, quando falam da própria morte, manifestam o desejo de morrer dormindo – uma forma de anestesiar a dor do processo final que, na maioria das vezes, acontece de forma lenta e difícil. Por isso, é necessário conhecer esse processo de modo a aceitá-lo como uma condição humana e não como uma falha humana (NULAND, 1995). Como afirma César (2001, p. 178), a idéia de proporcionar uma morte digna para aqueles que amamos, muitas vezes, “está inocentemente associada a uma morte sem dor, ausente de processos degenerativos do corpo humano, difíceis e desagradáveis de serem testemunhados”.

O autor lembra que a morte traz consigo um sentimento de impotência e

de culpa, principalmente àquelas pessoas que presenciam um processo

de morte sofrido ou precoce, contra o qual, por sua própria avaliação,

pouco fez. E isso acontece porque a morte é encarada como uma

derrota e não como um coroamento para a vida.

O ‘tempo de morrer’ tem um valor. Acompanhar esse tempo exige de todos uma aceitação diante do inelutável, do inevitável, que é a morte. Isso implica o reconhecimento de nossos limites humanos. Seja qual for o amor que sintamos por alguém, não podemos impedi-lo de morrer, se esse é o seu destino. Também não podemos evitar um certo sofrimento afetivo e espiritual que faz parte do processo de morrer de cada um. Podemos somente impedir que essa parte de sofrimento seja vivida na solidão e no abandono; podemos envolvê-la de humanidade. (HENNEZEL, 1995, p. 89)

3) Ignorância quanto às provas científicas e depoimentos inspiradores

que endossam o fato de que a morte é uma transição para outra

realidade e não um fim. — A certeza de uma continuidade após a morte

demove o niilismo da cultura materialista moderna, que nega o abstrato

e o invisível como algo verdadeiro e possível. Associar a vida à

capacidade de manter o corpo e a mente em movimento, cujas

atividades cessam quando sobrevem a morte, é desconhecer que o

53

homem é um ser transcendental, cuja consciência vem das tradições

antigas e de recentes pesquisas no campo da antropologia.

O sentido dos cultos mortuários do homem pré-histórico não é muito

diferente das crenças do homem contemporâneo sobre a vida após a

morte. Bayard (1996), estudando as civilizações, descobriu que, em

quase todas elas, prestam-se cultos aos antepassados por meio de

variados ritos mortuários. O pensamento perene é que a pessoa após a morte

continua a viver em outra dimensão, sensivelmente da mesma forma que em sua

existência terrestre, com alegrias e sofrimentos comparáveis”.

O que ocorre é que a sociedade de consumo e do descarte, com a

massiva oferta de produtos, serviços, informações, entretenimento etc.

vai relegando a segundo plano os rituais mortuários, que são cada vez

menos praticados, tornando nebulosa a natureza transcencental do

homem, que se afasta da busca de uma resposta incomunicável sobre

as três questões básicas do ser humano: quem sou, de onde venho,

para onde vou.

Em recente artigo, Morin (2006) comenta suas impressões sobre uma

cerimônia de Candomblé, no Brasil, da qual participou, constatando que

em determinado momento os participantes, os crentes, invocam os

espíritos ou deuses tais como Iemanjá e, em dado momento, um dos

espíritos encarna num dos participantes e fala através dele. Além disso,

ressalta o autor, é possível a presença de vários espíritos.

O que significa tudo isto? Significa que os deuses têm uma existência real; essa existência é-lhes conferida pela comunidade dos crentes, pela fé, pelo rito. Mas, uma vez que o deus existe, é capaz de nos possuir, e é essa a relação particular que nutrimos com os ‘deuses’, ou com o nosso ‘Deus’, ou com nossas idéias. (...) damos vida às nossas idéias e, uma vez que lhes damos vida, são elas que indicam o nosso comportamento, que nos mandam matar ou morrer por elas; vale dizer que tais produtos são os nossos próprios produtores, e que as realidades imaginária e mitológica são um aspecto fundamental da realidade humana. (MORIN, 2006)

54

Ensinam as ciências da vida e da saúde, a reflexão filosófica e religiosa

e sobretudo a própria experiência cotidiana, que morte, finitude e

vulnerabilidade são características ontológicas dos sistemas vivos. Para

Schramm (2002, p. 20), estes são jogados no espaço-tempo e

submetidos a um processo irreversível que inclui o nascer, o crescer, o

decair e o morrer. Entretanto, não há certezas acerca das crenças

sobre a morte nem sobre uma eventual imortalidade do Eu que,

evidentemente, “não entrega os pontos tão facilmente”. Mas Schramm

(2002) enfatiza que a vida e morte devem ser consideradas como as

duas faces inseparáveis da existência humana, mediadas pelas

situações de finitude chamadas vulnerabilidade.

Sobre a vulnerabilidade, merecem destaques as questões propostas

pelo médico suiço conhecido como Paracelso (disparador da revolução

científica do séc. XVI), em seu Opus Paramirum (PARACELSO, 1973,

p. 178):

Todas essas coisas da vida, tão belas, boas, agradáveis e às vezes tão cheias de encanto especial, são como um tesouro de ouro e pedras preciosas escondido numa cesta que um ladrão estivesse disposto a roubar (...)

Um rei que durante uma batalha se protege com todos os seus exércitos, com fossas e trincheiras por todas as partes, rodeado por sua infantaria e cavalaria, não está em segurança? E, mesmo assim, com uma defesa perfeita, como é possível que uma bala ainda o atinja? (PARACELSO, 1973)

O médico suiço sabia que nada disso era permitido evitar, mesmo com a

utilidade, o dano, a probidade ou a malícia, posto que “nada pode opor-

se aos desígnios divinos”. Ele acreditava que nenhum doente

encontraria proteção mais eficaz do que o refúgio em Deus. Dizia que

“quando somente roga e pede ao médico os auxílios de sua arte, a

morte sempre acaba levando-os”.

55

Hoje, quando os profissionais de enfermagem passam a desempenhar

novas competências em saúde, notadamente em saúde coletiva, a vida,

a morte, o tempo e a vulnerabilidade passam a ser incluídos entre

aqueles conhecimentos de que devem dispor para atuar junto aos seus

pacientes e usuários do sistema de saúde. E nessa direção, quando não

há mais possibilidades terapêuticas de cura, quando as possibilidades

da eutanásia ou da distanásia passam a ser discutidas, resta o princípio

moral ou ético da proteção, do cuidar humano para esses últimos

momentos.

2.4 PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES

2.41 O papel do profissional de enfermagem

Voltando os olhares para a sociedade brasileira contemporânea, vê-se que a

noção de boa morte (pós-moderna), associada aos conceitos de cuidados

paliativos (também uma solução pós-moderna), já estão presentes em vários

hospitais de câncer e clínicas médicas, além de diversos estudos especializados.

Os Cuidados são apontados como um direito de dignidade da pessoa de ser

tratada dentro dos princípios da integralidade, igualdade e universalidade da

assistência de saúde e com a incorporação de novas tecnologias e especialização

dos saberes. É o que estabelece a política de Estado da saúde preconizada pelo

Sistema Único de Saúde e os seus programas e estratégias.

O que se observa, entretanto, a partir de Rego & Palácios (2006), é que

os cuidados paliativos ainda não foram totalmente implementados no

âmbito da Saúde Coletiva, considerando-se que a concepção de uma

“boa morte” já faça parte do senso comum contemporâneo, mas nem

todos podem beneficiar-se deles.

Deficiências organizacionais e de formação profissional, à parte, a morte ainda é

encarada como evento e não como um processo de morrer, segundo afirmam

56

Siqueira-Batista & Schramm (2004): “não é a morte o que realmente importa, mas

sim o seu processo, a certeza de que a vida se enveredou por um ‘caminho’ sem

volta”.

Ao campo da Saúde Coletiva/Saúde Pública cabe contribuir para o planejamento de serviços e sistemas de saúde que contemplem a questão do cuidado no fim da vida, assim como formular e contribuir na implementação de políticas setoriais específicas, inclusive na formação de recursos humanos em saúde. (REGO & PALÁCIOS, 2006)

Entretanto, essa discussão não deve dar-se em um vazio moral,

fundamentado apenas na hegemonia técnica, porque ela envolve

diferentes questões morais e um conjunto de temas camuflados no

cotidiano da assistência profissional de saúde. Destaca Araújo (2005),

que está cada vez mais nítida e presente a idéia que ele chamou de

“cuidado total aos pacientes”, assinalando que os cuidados paliativos

não são apenas uma opção terapêutica

[...] mas sim um direito de todos que objetivam uma melhor qualidade de vida diante de situações potencialmente ameaçadoras (...), não apenas no final da vida, mas em todas as fases da vida e no transcurso de doenças ainda ditas como incuráveis, como a grande maioria dos cânceres, HIV/AIDS, DPOC, insuficiência cardíaca, doenças neurológicas degenerativas, em geriatria e outras, onde o foco principal do tratamento é a qualidade de vida. (ARAÚJO, 2005)

A instituição do cuidado como paradigma das profissões de saúde

implica na emergência de um sujeito autônomo, senhor de sua história

construída de forma compartilhada. Esta deve ser a história do fim da

vida de cada um: dirigida pelo titular da vida ou por quem o poder de

decidir for legitimamente atribuído, como lecionam Regos & Palácios

(2006). “Nessa perspectiva, todas as opções devem estar legítima e

legalmente disponíveis para os indivíduos, desde o cuidado intensivo

até a eutanásia e o suicídio assistido.”

A tecnologia, seja dura, leve-dura ou leve, hard ou sofware, pressupõe

uma preparação prévia dos profissionais que irão utilizá-la, para que

57

esses recursos sejam meios e não fins em si mesmos. Para isso, a

participação ativa dos enfermeiros no processo de atualização

científico-tecnológica é essencial. Vai propiciar informações que lhes

auxiliarão no planejamento, organização, condução e avaliação desses

recursos disponibilizados para o cuidado. A compreensão do uso das

tecnologias, de maneira crítica, evitará a incorporação irrestrita e

desnecessária dos recursos tecnológicos, e, especialmente, a perda da

autonomia na seleção das estratégias de intervenção. (JENNETT, 1985)

De fato, os enfermeiros são essenciais no processo de tomada de

decisão, podendo auxiliar clínicos, pacientes, familiares e serviços de

saúde na escolha de produtos ou cuidados alternativos, independente

do seu local de atuação, seja no contexto hospitalar, no cuidado direto

aos pacientes, em questionamentos insistentes sobre a real

necessidade do uso dos recursos tecnológicos. Atuando assim, os

enfermeiros têm uma efetiva contribuição a dar para a melhoria das

condições de vida do paciente, como ressaltam Secoli et al. (2005).

Observando o cotidiano de enfermeiros técnicos que lidam com pacientes

portadores de câncer, Ferrell & Whedon (1991), anotou que estes profissionais

tendem a assumir uma postura de que muitos equipamentos (bombas de infusão

de analgésicos, monitores, entre outros) são confortáveis e seguros para os

pacientes, além de aumentar a produtividade de seu trabalho. Sobre essa

tendência, Secoli et al. (2005) também observam que, muitas vezes, deixa-se de

avaliar, de fato, o benefício para o paciente.

Em inúmeras situações, a atenção desse profissional volta-se para o alarme do equipamento, não para o chamado do paciente (...) Experiências têm apontado que pacientes, os quais utilizam dispositivos eletrônicos, são menos avaliados pelos enfermeiros em relação à queixa de dor. (FERRELL & WHEDON, 1991, p. 1317)

A enfermagem, para Pessini & Barchifontaine (2002), pressupõe a

equipe profissional que lida, de modo intensivo e integral, com as

58

respostas dos pacientes, interagindo com seus sofrimentos, ansiedades

e medos, em meio às estratégias terapêuticas. Assim, a despeito das

ofertas tecnológicas do tipo hardware, é na tecnologia do tipo software

que o trabalho da enfermagem encontra-se alicerçado. Todavia, lembra

McCoughlan (2003), deve haver, em relação aos pacientes com câncer,

por exemplo, um entendimento de que o curar, muitas vezes, é escravo

da tecnologia, mas “o cuidar aceita que a existência é finita e sempre

existe algo que possa ser feito para melhorar a vida que resta”.

O ato de tratar ou aliviar os sintomas é expresso por Rodrigues (2004, p. 89)

como um dos objetivos centrais dos cuidados paliativos, estando acima das

intervenções que visem a cura. A pessoa que está vivenciando sua finitude pode

apresentar uma série de sintomas físicos, espirituais e sociais como o medo da

morte e a preocupação com os entes que vão ficar. Por isso, se forem tratados

apenas os sintomas físicos “os profissionais de cuidados paliativos não cumprirão

suas metas de tratar a pessoa doente na sua totalidade e necessidades”. De fato,

o processo de tratar, entendido como cuidar, por Waldow (1999), implica em

transformação do ser cuidado e de quem cuida.

Na enfermagem praticada no Brasil, a abordagem dos aspectos psicossociais e

espirituais é recente, tendo surgido na década de 1970, por adaptação do modelo

norte-americano. Antes, os enfermeiros seguiam as estritas determinações

médicas, baseadas no antigo modelo flexeneriano. (WALDOW, 1999) Na

contemporaneidade, com a evolução dos saberes e fazeres de

enfermagem, uma outra perspectiva de cuidados paliativos é posta em

evidência e passa a integrar os aspectos físicos, psíquicos, sociais e

espirituais do paciente/usuário. A identificação dos problemas podem

ocorrer durante os cuidados físicos, sendo, em seguida, direcionados

para o profissional que tenha competência para resolvê-lo ou ajudar.

(RODRIGUES, 2004)

59

Na maioria das situações que colocam as pessoas no limite ou

impotentes para resolver seus problemas, especialmente diante da

aproximação da morte, há uma busca de algo que transcende o natural.

“É a espera por um milagre de cura, de salvação, de aceitação, enfim,

de resolução daquilo que as aflige e angustia” (RODRIGUES, 2004, p.

90).

E, nesses aspectos, é destacado o papel do profissional de

enfermagem, principalmente o técnico e o auxiliar, pois são os que

permanecem mais próximos do paciente e seus familiares para

intervenção imediata diante das necessidades - como, por exemplo,

favorecer a reconciliação do paciente com sua própria existência e com

seus familiares, com Deus, perdoando, sendo perdoado, libertando-se

de culpas, reencontrando o sentido da vida, ou até mesmo resgatando

valores. Para Rodrigues (2004, p. 89), esta abordagem pode ser

realizada por meio de orações, diálogos, leitura bíblica e de outros

textos religiosos, espirituais, capazes de lhe dar conforto. Porém, “deve

conciliar-se com a necessidade do paciente.”

2.4.2 Habilidades e responsabilidades profissionais

Os cuidados paliativos em enfermagem, de acordo com a literatura,

requerem algumas habilidades do profissional, como as que foram

enumeradas por Perez e Reyes (1999): vocação para o cuidado; certo

altruísmo; empatia e compreensão; capacidade de escuta;

sinceridade/honestidade; habilidade na comunicação: equilíbrio e

maturidade pessoal, especialmente diante da morte; respeito aos

valores, crenças e cultura do paciente/família e flexibilidade. Ao que

Wenzl (2001) acrescenta: ter cuidado e interesse pelo outro; dar-se;

estar aberto para discutir a fé; encorajar a esperança; orar a pedido da

família ou do paciente; realizar toque pessoal; dar abertura; ajudar o

60

paciente nas questões do passado e amar. (WENZL, 2001 apud

RODRIGUES, 2004)

Para bem desempenhar suas atividades, os enfermeiros de cuidados paliativos

precisam também de preparo tecnocientífico que envolva conhecimentos sobre:

drogas analgésicas (ação, via de administração, efeitos colaterais, dosagem,

mitos); como avaliar os sintomas, principalmente a dor; reconhecer situações de

distanásia; conhecer e aplicar os princípios da bioética; desenvolver a relação de

escuta ativa; realizar comunicação efetiva com o paciente, a família e os demais

membros da equipe; trabalhar em equipe interdisciplinar e apresentar facilidade

para cuidar da família.

Em um estudo sobre as experiências de equipes interdisciplinares de cuidados

paliativos na Inglaterra, Dunlop & Hockley (1998) descreveram as tarefas,

responsabilidades e habilidades requeridas dos membros da equipe. No Reino

Unido, para ilustrar a importância que se dá a essa qualificação, exige-se dos

enfermeiros o registro de especialista em cuidados paliativos para que possam

atuar, em liderança de equipe de saúde. Mas em relação ao seu papel como

membro da equipe não é muito explícito como os dos outros profissionais. Em

parte, segundo Abu-Saad & Courtens (2001), isso se deve ao fato de que as

habilidades são adquiridas no controle de sintomas e cuidados psicossociais,

decorrentes do cuidado aprendido intuitivamente junto aos pacientes terminais e

seus familiares em geral. Entre as ações que tais enfermeiros podem realizar

estão: o ensino, o gerenciamento, a auditoria, a consultoria e a assistência ao

paciente em fase de terminalidade e aos seus familiares, tanto em hospices, na

comunidade (domicílios) como em hospitais. (DUNLOP & HOCKLEY, 1998)

Investigando o que ocorre nos Estados Unidos e Canadá, Cummings

(2001) revela que, na América do Norte, se valoriza a presença mais

intensiva da enfermeira junto ao paciente e à família, seja no hospital

ou no domicílio. Acredita-se que esse diuturno contato é uma

61

oportunidade única para se conhecer a pessoa do paciente e observar o

que lhe causa desconforto e alívio, nas dimensões física ou emocional.

Ainda a título de comparação, na América Latina, segundo estudo de

Martin & Sancho (1999), há a inclusão do técnico de enfermagem nas

equipes multiprofissionais de cuidados paliativos. Este profissional (que

nem sempre é reconhecido) tem um papel relevante nos cuidados de

conforto, higiene e auxílio na alimentação. Os autores assinalam

também que a abordagem do cuidado integral pelos enfermeiros está

resgatando o patrimônio natural desta categoria e que havia sido

relegado a segundo plano pela cultura curativa.

No Brasil, os enfermeiros desenvolvem atividades de gerenciamento da equipe de

enfermagem no domicílio ou no hospital; dão prioridade ao controle da dor e de

outros sintomas apresentados pelo paciente. Também é o profissional da equipe,

secundando os técnicos e auxiliares de enfermagem, que mais tempo passa com

o doente e o mais familiar. (NEVES-ARRUDA & MARCELINO, 1997; SANTANA ,

2000; PIRES, 2002)

O cuidado humano, como é apresentado na literatura, envolve ética,

princípios e valores que devem fazer parte do cotidiano da prática

profissional direcionada à integridade do ser humano. Com pacientes

fora de possibilidades terapêuticas de cura, o cuidado envolve o esforço

para aliviar a dor, a preservação da identidade pessoal e o exercício da

autonomia, que pressupõe o direito de participar das decisões a seu

respeito e de recusar ou aceitar qualquer intervenção tecnológica do

tipo hartdware, como se vê.

Em cuidados paliativos de enfermagem, especialmente, a meta é proporcionar

qualidade aos dias que restam ao paciente e não aumentar a quantidade de dias,

com tratamentos agressivos ou desconfortáveis, que só acrescentam sofrimento

ao paciente e familiares, além de onerar o sistema de saúde e as finanças

domésticas. Esta postura recebe a denominação de “ortotanásia” que, segundo

62

Pessini (2001), é uma síntese ética do direito de morrer com dignidade e do

respeito à vida humana. Por isso, em cuidados paliativos, conforme

Rodrigues (2004), não se aceita nem a eutanásia – tecnologia do tipo

hardware que busca a morte sem sofrimento, para aliviar os tormentos e

as dores de um paciente terminal – nem a “distanásia”, que significa

morte lenta e dolorosa, em lenta agonia. (LAROUSSE CULTURAL,

1998)

Os termos eutanásia, ortotanásia, distanásia, usados em medicina para

identificar métodos de lidar com pacientes terminais , foram

introduzidos no processo de enfermagem através das prescrições

médicas, não sendo, portanto, parte do conhecimento autônomo da

enfermagem, historicamente relacionado aos cuidados humanos. Mas é

assunto freqüente em cuidados paliativos e merece atenção do

profissional da saúde, pelos seus aspectos bioéticos e profissionais do

trabalho em equipe. (Pessini, 2001; Rodrigues, 2004)

A eutanásia, para Reiriz et al. (2006), é a forma mais controvertida da

medicina colocar fim na vida de uma pessoa doente e incurável. Pode

ser ativa, na qual se provoca a morte sem sofrimento por fins

misericordiosos, ou passiva, na qual não se inicia uma ação médica

com o objetivo de diminuir o sofrimento. Seus defensores alegam que

ela dá autonomia ao paciente para decidir sumariamente sobre sua

própria vida. Para os críticos, ela retira da vida o seu valor sagrado,

apressa o desligamento da vida terrena e permite o envolvimento de

interesses e procedimentos inconfessáveis sobre patrimônio, relações

humanas etc. É um suicídio disfarçado, proibido pelas leis brasileiras.

(BORTOLON, 2002)

A distanásia, pou outro lado, foi concebida como o prolongamento da

vida por meios artificiais ou tecnológicos. É uma conduta médica muito

criticada, pois não alivia o sofrimento do indivíduo, fere o princípio ético

63

da não-maleficência, além do que aumenta os custos hospitalares ou

clínicos. (Reiriz et al., 2006)

Na atualidade, em Medicina, quando a tecnologia e os conhecimentos

científicos já não podem mais ser empregados com sucesso na cura de

pacientes terminais, a ortotanásia é o método indicado por proporcionar

uma morte mais natural. Não apressa e nem prolonga o processo de

morrer, mas propicia condições de vida, procurando aliviar um pouco do

sofrimento. Conforme Reiriz et al. (2006), a ortotanásia representa a

aceitação da condição humana frente a morte, sendo o melhor método a

ser empregado em fase terminal, pois a morte deve ser um ato natural ,

que deve ocorrer sem a influência dos meios tecnológicos.

As pessoas só pedem eutanásia quando em intenso sofrimento não são assistidas em seus aspectos globais pelos profissionais da área da saúde. O paliativismo acredita que assim como a vida, a morte é um momento sagrado que deve ser direcionado pela própria natureza, que sabe o momento exato de ceifar a vida, ou seja, jamais praticou ou praticará eutanásia. (Reiriz et al. 2006, p. 82)

2.4.3 Dos agentes técnicos e auxiliares de enfermagem

A análise do processo de construção do conhecimento de enfermagem,

sob o prisma da prestação de cuidados paliativos, enseja uma reflexão

sobre o trabalho dos técnicos e auxiliares de enfermagem. Ainda que

possuam competências, habilidades e base tecnológica apropriados,

adquiridos em sua formação e qualificação profissional, eles não são

devidamente capacitados e preparados para lidar com os pacientes fora

de possibilidades terapêuticas.

Talvez por ser um aspecto novo da humanização da saúde, que ainda

não se incorporou plenamente ao princípio da integralidade da

64

assistência, os cuidados paliativos não fazem parte do ensino técnico

de enfermagem no Brasil. De fato, se encontram poucas referências

diretas a tais cuidados nas “Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Ensino Técnico - Área de Saúde” (DCNET-SAÚDE) , o que não impede,

todavia, de se encontrar competências, habilidades e conhecimentos

destinados à prestação direta de cuidados paliativos pelos técnicos e

auxiliares de enfermagem.

Assim, segundo as planilhas das DCNET-SAÚDE (BRASIL, 1999), o

técnico em enfermagem (e bem assim o auxiliar de enfermagem) além

das funções de planejamento, execução e gerenciamento – que

envolvem o cuidado integral em situações clínicas, emergenciais,

cirúrgicas e à mulher, em fase reprodutiva – deverá ter as seguintes

capacidades, relacionadas aos cuidados paliativos:

• capacidade de elaborar plano de cuidado de enfermagem para pacientes hospitalizados e em domicílio, sob sua responsabilidade, observando suas características e necessidades (idade, sexo, condições de vida, natureza e extensão dos agravos);

• capacidade de prestar cuidado integral de enfermagem à pacientes, hospitalizados e em domicílio, que apresentam alterações clínicas dos sistemas cárdio-respiratório, gastrointestinal, genito-urinário, endócrino e neurológico, nas diferentes fases do ciclo vital;

• capacidade de prestar cuidado integral de enfermagem à pacientes em situações de emergência;

• capacidade de prestar cuidado integral de enfermagem a paciente em situações cirúrgicas nos períodos pré, pós e trans-operatório, considerando as diferentes fases do ciclo vital;

• capacidade de gerenciar seu trabalho, atuando individualmente ou em equipe, acompanhando, avaliando e reorientando o plano de cuidados de enfermagem, tendo em vista a eficiência, a eficácia e a efetividade das ações. (BRASIL, 1999)

Entre as habilidades enumeradas pelas DCNET-SAÚDE, com proveito

aos cuidados palitivos, destacam-se as de:

65

• realizar levantamento de necessidades e de problemas de saúde do paciente;

• organizar o espaço físico para o desenvolvimento das ações de enfermagem, identificando condições que afetem a qualidade da assistência prestada;

• identificar formas de relacionamento entre as unidades produtoras de serviço que possibilitem a execução do plano de cuidado;

• estabelecer relação de confiança através da comunicação objetiva e terapêutica, promovendo maior efetividade da assistência;

• promover adaptação do paciente às limitações conseqüentes da doença, estimulando e orientando para o auto-cuidado;

• identificar precocemente os distúrbios que ameaçam a vida nas situações de emergência, traumatismos, coma, queimaduras, envenenamentos, parada cardio-respiratória, insuficiência respiratória e distúrbios metabólicos.

• identificar sinais e sintomas que indiquem distúrbios fisiopatológicos no organismo;

• identificar fatores de risco que interferem na evolução das doenças;

• identificar precocemente sinais e sintomas que indiquem complicações no processo de evolução da doença;

• assistir ao paciente em fase terminal, ao morimbundo e aos seus familiares, dando apoio emocional;

• realizar ações que atendam às necessidades de higiene, conforto, segurança, alimentação, hidratação e eliminação fisiológica do paciente;

• realizar cuidados com o morto, assegurando a integridade do cadáver;

• realizar atividades de pesquisa e de educação continuada em serviço.” (BRASIL, 1999)

Os conhecimentos que proporcionam melhor atuação dos técnicos e

auxiliares de enfermagem em cuidados paliativos, devem enfatizar,

entre outras, as seguintes bases tecnológicas, conforme prescrevem as

DCNET-Saúde:

• Necessidades básicas, fisiológicas e psicológicas do ser humano.

66

• Metodologia para a avaliação do estado de saúde (físico e mental) do indivíduo.

• Metodologia de avaliação das condições clínicas e psicossociais para tomada de decisão.

• Metodologia de avaliação da fisiopatologia do processo evolutivo da doença.

• Princípios que orientam o processo de produção dos serviços de saúde e sua intercomplementaridade com a prestação do cuidado de enfermagem.

• Princípios que orientam a organização do processo de trabalho, considerando o modelo assistencial adotado: integralidade do cuidado X fragmentação e responsabilização dos resultados do plano do cuidado.

• Metodologias de avaliação dos resultados, para verificação da eficiência, eficácia, efetividade, com base em indicadores operacionais.

• Metodologias de produção e atualização do conhecimento.

• Metodologias de comunicação interpessoal.

• Metodologias educativas que estimulem a adesão ao auto-cuidado. (BRASIL, 1999)

Esse elenco de diretrizes para a formação técnica em enfermagem,

permite inferir que a educação profissional não pode ser simples

instrumento da política assistencialista ou adaptação linear às

demandas do mercado de trabalho. Ela deve ir mais além, como sempre

se espera da Enfermagem, e se tornar uma importante estratégia que

aproxime os cidadãos das conquistas científicas e tecnológicas da

sociedade. Para isso, é preciso superar o enfoque tradicional da

formação profissional baseada apenas na preparação para execução de

determinados conjuntos de tarefas e procedimentos. É preciso avançar

para além do domínio operacional de um determinado fazer, e incluir a

compreensão global do processo produtivo, a apreensão do saber

tecnológico, a valorização da cultura do trabalho e a mobilização dos

valores necessários à tomada de decisões. (Parecer CNE n. 16/99)

Pelo exposto, fica evidente que o perfil do técnico ou do auxiliar de

enfermagem (nível médio) está bem delineado nas Diretrizes, porém a

67

realidade se apresenta bem diferente, a começar dos estudos sobre

este grupo de prestadores diretos de cuidados à saúde e sua inclusão

nas equipes de enfermagem, que são escassos na literatura, e refletem

a precariedade destas profissões.

Um estudo sobre o exercício profissional do técnico de enfermagem, de

caráter histórico-social (1948-1973), realizado por Caverni (2005) – em

busca das origens e motivos para sua criação, sua trajetória histórica

no mundo do trabalho e a evolução dos cursos de formação –

demonstrou a existência de um conflito de competências/habilidades e

base tecnológica, que afetam o trabalho auxiliar dos técnicos de

enfermagem, precarizando sua atuação.

Em outro estudo, realizado anteriormente por Frias & Takahashi (2000),

sobre o perfil dos candidatos aos cursos técnicos de enfermagem de

São Paulo, os autores assinalavam que, apesar das possibilidades de

formação, o maior enfoque sempre era dado ao auxiliar de enfermagem,

talvez porque o grau de escolaridade exigido para o curso fosse o

Ensino Fundamental e o técnico de enfermagem, com uma formação

mais completa, seria mais oneroso no mercado de trabalho, que,

assim, preferia não fazer distinção entre um e outro.

Mas de toda forma, independentemente das diferenças de formação,

nomenclatura e mercado, tanto o auxiliar de enfermagem como o técnico de

enfermagem tem um papel de primeiro plano no cotidiano de doentes sem

possibilidades de cura. Como observado no início desta revisão, a humanização

dos serviços de saúde e a integralidade da assistência só alcançarão suas

completude se houver a incorporação dos cuidados paliativos entre os saberes e

fazeres da enfermagem técnica, principalmente no campo da oncologia. É o que

orienta as diretrizes do ensino técnico (DCNET-Saúde), ensejando que os

técnicos e auxiliares sejam capacitados em cuidados paliativos, por serem os

profissionais de saúde que mais se aproximam dos pacientes e usuários dos

68

serviços, especialmente, daqueles que necessitam desse cuidado e atenção no

final de suas vidas. Mais humanos, mais voltado para o psicossocial, mais

espiritual.

2.4.4 Do desenvolvimento espiritual e o processo de cuidar

Em cuidados paliativos ou em hospices, vai tornando-se uma

obrigatoriedade dos enfermeiros reconhecer os pacientes como seres

humanos especiais e a considerar não apenas os seus corpos, mas

também suas mentes e almas. Na atualidade, ao lado dos meios

avançados para o alívio dos sintomas físicos, existe também a

oportunidade de explorar as necessidades espirituais do paciente

terminal.

A finalidade do tratamento paliativo é ajudar as pessoas a morrer bem,

com conforto e dignidade, satisfazendo as suas necessidade físicas,

emocionais, sociais e espirituais, estas bem menos definidas. Corpo,

mente e espírito são partes de um todo e interligados, sendo o aspecto

espiritual o componente integrador. A espiritualidade, portanto, é um

aspecto da pessoa total, que influencia e fortalece outros aspectos

pessoais, sabendo-se que algumas pessoas sentirão necessidades

espirituais e não necessidades religiosas, como alerta Figueiredo

(2006), antes de destacar que:

O homem não é destruído pelo sofrimento, ele é destruído pelo sofrimento sem significado. É exatamente na dor que avaliamos o verdadeiro significado de nossa vida e as prioridades de nosso viver. (FIGUEIREDO, 2006, p. 47)

Para esse autor, um fato indiscutível é que a doença ou crise fornecem

ao doente uma oportunidade de autodesenvolvimento, crescimento e

reflexão, que as condições saudáveis raramente têm oportunidade de

oferecer, o que pode ser uma nova experiência para os pacientes, ou

69

seja, a de considerar ou estar em contato com sua própria

espiritualidade. (FIGUEIREDO, 2006)

Existem quatro grupos de espiritualidade: a) o fanatismo religioso, que

subjuga a pessoa pela culpa, o remorso e a negação; b) a crença

religiosa saudável em qualquer circunstância, que traz grande conforto

nas doenças; c) a crença religiosa não praticada regularmente, mas

evocada nos momentos difíceis; e d) ausência de interesse ou

inclinação religiosa

Assim, seria de grande ajuda no trabalho de enfermagem paliativa saber se o

paciente pratica alguma religião, qual o grau de sua crença e como ela é

praticada. Para Fiqueiredo (2006, p. 47), é importante esclarecer também se a

religião é sustentada nominalmente ou se é insignificante, e se assim o for, o por

quê. Entende o autor, que “a morte suscita algumas das mais profundas

indagações sobre o significado da vida e a relação da humanidade consigo

mesmo, com outros e com o universo” e que o paciente estar diante de sua

própria mortalidade sugere questões religiosas, muito embora, às vezes, elas nem

tenham sido respeitadas durante a sua vida pregressa.

Prosseguindo com Figueiredo (2006), temos que pacientes terminais necessitam

de que isso lhes seja mostrado ou apresentado, pois não é raro perderem o senso

de valores; tornarem-se desmotivados (em relação ao futuro) e passivos (diante

das impossibilidades presentes); tristes ou deprimidos, com extrema dificuldade

para visualizar ou dar qualquer significado ao sofrimento, enfim, com insignificante

nível de autoestima.

A prática da reflexão pela recapitulação de reminiscências do passado –

com registros escritos em diários autobiográficos, cartas, textos soltos

etc., para quem tem alguma habilidade de escrever, e com estímulo a

falar (histórias de vida, desabafos, opiniões, casos engraçados etc.), a

registros puros e simples de seus feitos (em áudio e/ou vídeo), ainda

que não sejam completados – são eficientes ferramentas de reflexão, e

70

tem dado resultados considerados positivos no Hospice Santa Catarina

(em São Paulo/SP), segundo noticia Figueiredo (2006).

As enfermeiras devem estar conscientes de que o fornecimento de apoio espiritual é emocionalmente desgastante e pode levar a uma percepção muito nítida das perdas pessoais, à apreensão sobre potenciais perdas e uma conscientização pessoal muito maior sobre a morte. (FIGUEIREDO, 2006, p. 47).

Por isso, promover a autoestima do paciente, auxiliando-o a ser

apropriadamente criativo, colocará mais ênfase no seu fazer, e, não, no

que tem de ser feito para, o que contribuirá, certamente, para restaurar

sua integridade e dignidade, sendo ainda, por isso, uma ação

reabilitante.

71

3 METODOLOGIA

3.1 Métodos e técnicas

Este trabalho resulta de um estudo teórico dedutivo, de natureza

reflexiva, composto de revisão de literatura e de pesquisa de campo,

sob enfoque da abordagem qualitativa. O que se pretende é avaliar a

capacidade e o entendimento dos técnicos e auxiliares de enfermagem,

na prestação direta de cuidados paliativos, em um hospital de alta

complexidade, sem equipe de cuidados paliativos.

A estratégia do método dedutivo e da pesquisa descritiva permite generalizar

proposições teóricas e compará-las com outros casos semelhantes na literatura.

(Hartley, 1994) Mais especificamente, permite evidenciar aspectos importantes

do processo de cuidados paliativos no contexto hospitalar, explorar novos

processos ou comportamentos e capturar aspectos muito recentes, emergentes,

na população e organização estudada.

As pesquisas descritivas têm como objetivo central a descrição das

características de uma determinada população, fenômeno ou o

estabelecimento de relações entre variáveis (GIL, 1995). A abordagem

qualitativa, por seu turno, permite incorporar a questão do significado e

da intencionalidade dos atos, das relações e das estruturas sociais,

como preceitua Minayo (1999, p. 121), estando presente “tanto no seu

advento quanto na sua transformação como construções humanas

significativas.”

Assim, essa abordagem parece ser bem adequada para se entender um

determinado fenômeno social, conforme atesta Richardson (1999). E,

neste aspecto, ao se estudar a capacidade e o preparo dos técnicos e

auxiliares de enfermagem para lidar com pacientes terminais, pretende-

se analisar como este fenômeno contemporâneo é entendido, no que diz

72

respeito à formação profissional e à necessidade de educação

continuada interdisciplinar.

Por isso, na caracterização da população pesquisada e nas questões

fechadas do questionário, ao início do capítulo dedicado à discussão

dos resultados, empregou-se a análise quantitativa dos dados, e na

avaliação dos dados obtidos por meio das respostas abertas a

abordagem qualitativa. Dessa forma, foi possível descrever significados

para os atos e atitudes dos profissionais em estudo, e, a partir da coleta

de dados quantitativos, focalizar os pontos propostos e obter resultados

generalizáveis.

Do presente trabalho, também consta um prévio estudo de literatura sobre a

temática dos cuidados paliativos prestados pelos profissionais de enfermagem,

especialmente na perspectiva da morte, apresentado no capítulo anterior, que

procura recvisar as principais contribuições científicas que se efetuaram com foco

no período 1970 a 2008.

Como a produção científica sobre este tema está dispersa em diversos

livros específicos (que começam a surgir) e revistas científicas das

áreas de medicina, enfermagem, psicologia, assistência social, terapia

ocupacional, fisioterapia, oncologia, religião, entre outras, foram

consultadas várias fontes informatizadas.

Inicialmente, foram acessados 31 artigos de periódicos indexados, sete

estudos sobre cuidados paliativos em enfermagem, três matérias

teóricas sobre protocolos de enfermagem hospitalar oncológica, nove

artigos sobre a morte, além de diversos textos científicos e relatos de

pesquisas sobre pacientes oncológicos terminais, visão do enfermeiro

na fase final da vida, importância da comunicação em cuidados

paliativos, dentre outros, além da “Coletânea de textos sobre cuidados

paliativos e tanatologia”, organizada por Marco Tullio de Assis Figueiredo

(2006).

73

Para a obtenção dos artigos, utilizou-se da base de dados

SCIELO/Brasil (http://www.scielo.br/scielo), Biblioteca Virtual de

Saúde/Saúde Pública (http://www.saudepublica.bvs); Rede de

Bibliotecas da FIOCRUZ (http://rede.cict.fiocruz.br/) e Ministério da

Saúde do Brasil (http://portal.saude.gov.br/ ), além de outras matérias

coletadas em sites afins, por meio do sistema de busca do Google

(www.google.com.br); Alta Vista (www.altavista.com.br); Yahoo

(www.yahoo.com.br).

3.2 Universo da pesquisa

A pesquisa realizou-se no complexo oncológico Hospital São João de

Deus, no município de Divinópolis (MG), que conta com uma população

estimada em 210 mil habitantes (IBGE, 2007), posição geográfica e

infraestrutura de transportes estratégicos e destacado potencial de

atendimento nas áreas de saúde, educação, segurança, comércio e

indústria.

É a cidade polo da região administrativa do Centro-Oeste Mineiro

(formada por 56 municípios) e da mesorregião Oeste de Minas

(formada por 44 municípios), com uma população estimada em mais de

1,2 milhão de habitantes. Na microrregião de Divinópolis, composta por

11 municípios, vive uma população estimada em 450 mil habitantes

(IBGE, 2007).

Na área de Saúde, o município dispõe de diversas escolas superiores:

Enfermagem, Nutrição, Psicologia, Fisioterapia, Serviço Social, curso

técnico de enfermagem, vários cursos de pós-graduação e uma unidade

da Universidade Federal de São João del-Rey implantando cursos de

medicina, farmácia e enfermagem. Possui 94 estabelecimentos de

saúde, quatro hospitais com serviços de internação, 593 leitos

74

hospitalares (dos quais 438 destinados ao SUS) e 60 estabelecimentos

de atendimentos ambulatoriais. (IBGE, 2006)

O Hospital São João de Deus e seu complexo oncológico possuem

cerca de mil funcionários, atendendo pacientes de mais de 62 cidades

circunvizinhas, especialmente uma população de aproximadamente 16

pacientes/ano em estágio terminal, dos 44 estimados pelo IBGE (2007)

para todo o território municipal. O complexo oncológico conhecido

popularmente pelo nome de Hospital do Câncer, um dos primeiros

centros de alta complexidade oncológica do interior brasileiro, é

formado pelo Hospital São João de Deus e a Casa de Apoio ao Portador

de Câncer (em fase final de construção). Esta última, oferecerá

hospedagem, serviços de enfermagem, apoio médico e psicológico,

oficinas terapêuticas com trabalhos manuais, artesanato, culinária,

confecção de perucas etc, além de programas de prevenção ao câncer

com palestras, seminários e campanhas de conscientização pública. O

complexo ainda não dispõe de equipe multiprofissional de cuidados

paliativos mas promove cursos de capacitação e palestras de instrução

para técnicos e auxiliares de enfermagem atuarem subsidiariamente.

No ano de 2006, segundo dados do IBGE (2008) sobre mortalidade

hospitalar, houve 531 óbitos em Divinópolis, sendo a maior parte

(57,06%) de homens na faixa dos 70-79 anos (24%) e na dos 60-69

anos (23%). Entre as mulheres (42,4%), os óbitos atingiram principalmente as

faixas dos 50-59 anos (30,2%) e dos 70-79 (24%). As faixas de 40-49 anos e as

de 80 anos ou mais tiveram o mesmo percentual de óbitos (cada uma, de 22,2%).

Entre as morbidades mais incidentes estavam as do aparelho

circulatório (28,6%), seguidas das neoplasias e tumores (16%), das

doenças do aparelho respiratório (13%) e das doenças infecciosas e

parasitárias (8,7%), entre outras.

75

3.2.1 Amostragem

A amostragem deste estudo ficou composta de 19 técnicos e/ou auxiliares de

enfermagem, de ambos os sexos, que lidam com pacientes de câncer, em estágio

avançado e sem possibilidades terapêuticas de cura. Para a definição dos

participantes, foram previamente escolhidos 35 técnicos e/ou auxiliares que

lidavam regularmente com tais pacientes e aceitaram participar da pesquisa,

dentre os quais foram sorteados 24 pessoas. Destas, apenas cinco não

responderam, o que garantiu uma participação efetiva de 79,7%, consignando a

aprovação tácida da pesquisa. A amostragem representa 54,3% dos profissionais

que atuam neste setor.

3.3 Coleta de dados

Para a coleta de dados, foi realizado um questionário semi-estruturado

com cinco questões fechadas e seis abertas, visando capturar o

pensamento dos técnicos e auxiliares de enfermagem, que atuam no

universo pesquisado.

As questões fechadas serviam para: a) caracterizar o participante

quanto à sua situação educacional/data, idade, sexo, experiência

profissional e b) experiência da situação em análise; c) qualificar a

relação profissional com os pacientes sob seus cuidados; d) avaliar o

entrosamento dos profissionais com os pacientes e familiares; e)

identificar a ordem de ocorrência das quatro condições mais comuns no

cotidiano de pacientes terminais, a partir da observação pessoal.

As demais questões, abertas, referiam-se a: a) noção geral de cuidados

paliativos (conceito próprio); b) as dificuldades no cuidado paliativo de pacientes

oncológicos terminais; c) o estado ideal para a fase final da vida; d) a concepção

pessoal sobre a morte; e) os sentimentos e emoções no convívio pacientes e

76

familiares; e f) opinião sobre a inclusão da disciplina de cuidados paliativos nos

cursos técnicos de enfermagem.

Depois de aprovado pela Comissão de Ética do Hospital S. J. de Deus

(APÊNDICE III), o questionário foi entregue a cada um dos sujeitos da pesquisa,

com a folha de instruções (APÊNDICE II) e o termo de consentimento

(APÊNDICE I), permitindo-se o preenchimento em casa, pelo tempo de quatro

dias, ou seja, de 18 a 22 de fevereiro de 2008. Aos participantes também foi

explicado que por “capacitação” entende-se aulas teóricas e práticas de terapia

intensiva e processo de enfermagem em cuidados paliativos, enquanto “instrução”

significa apenas aulas práticas de terapia intensiva e procedimentos clínicos

voltados para a fase terminal.

3.4 Análise dos dados

Conforme sugerido por Bardin (1977), os dados passaram por uma

análise de conteúdo, que está “para as pesquisas qualitativas, como as

técnicas estatísticas estão para as quantitativas” (TURATO, 2003, p.

443). Esta análise permitiu uma aproximação dos diferentes sentidos

(manifestos e latentes) do pensamento dos participantes da pesquisa,

propiciando o estabelecimento de categorias descritivas, segundo

elementos emergentes e conceitos, conforme sugerem Lüdke & André

(1986), e por critérios de relevância e repetição, como indicado por

Turato (2003).

Após a sistematização, os dados foram apresentados com

representação escrita em série estatística, utilizando tabelas e quadros,

como sugerido por Marconi & Lakatos (2002), seguidos de análise e

confrontações com a literatura revisada, de forma a caracterizar o

conhecimento de cuidados paliativos da população estudada e o estado

em que se encontra a prática assistencial de enfermagem de nível técnico com

77

os pacientes sem esperança de cura. As respostas foram analisadas à luz

dos conceitos de cuidados paliativos, transdisciplinaridade, princípios

do Sistema Único da Saúde e a visão contemporânea do corpo, do

espírito e da morte.

78

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 Perfil da população pesquisada

A distribuição dos participantes, por sexo e faixa de idade, observando-

se os limites de idade adotados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE, 2006), indica que entre os técnicos/auxiliares existem

mais mulheres (68,4%) que homens (31,6%), em ambos predominando

a faixa etária de 25-49 (57,9%) sobre a de 17-24 (42,1%). (TAB 1)

1ALEBAT

edadieoxesrop,setnapicitrapsodoãçiubirtsiD

airáteaxiaFoxeS

F % M % latotbuS %

42-71 6 6,13 2 5,01 8 ,24

94-52 8 1,24 3 8,51 11 9,75

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

1

Sobre o grau de escolaridade, 68,4% dos participantes concluiram o

segundo grau (47,4% das mulheres e 21,1% dos homens), enquanto

15,8% estão cursando graduação (10,5% das mulheres e 5,3% dos

homens). Apenas 5,3% dos participantes (apenas mulheres) concluiram

curso superior, enquanto 10,5% só têm o fundamental (empate entre

mulheres e homens). (TAB 2)

Em relação ao tempo de profissão, os dados revelam que quase a

metade (47,4%) tem entre dois e sete anos (31,6% das mulheres e

15,8% dos homens), enquanto 31,6% têm menos de dois anos (21,1%

das mulheres e 10,5% dos homens). Na faixa dos 8 a 13 anos de

profissão estão 15,3% (10,5% das mulheres e 5,3% dos homens), e

apenas 5,3% na faixa dos 14 a 19 anos (apenas das mulheres). (TAB 3)

79

2ALEBAToxesrop,edadiralocse:setnapicitraP

edadiralocsEoxeS

F % M % latotbuS %

latnemadnuF 1 3,5 1 3,5 2 ,01

uargodnugeS 9 4,74 4 1,12 31 4,86

roirepuSodnasruc 2 5,01 1 3,5 3 ,51

roirepuSadíulcnoc 1 3,5 - - 1 ,5

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

5

8

3

3ALEBAToxesrop,oãssiforpedopmet:setnapicitraP

opmetedaxiaFoxeS

F % M % latotbuS %

sona2edsoneM 4 1,12 2 5,01 6 ,13

sona7a2eD 6 6,13 3 8,51 9 ,74

sona31a8eD 2 5,01 1 3,5 3 ,51

sona91a41eD 1 3,5 - - 1 3,5

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

6

4

8

Nas respostas à questão que pretendia sondar o tipo de capacitação

recebida pelos participantes, concluiu-se que a maioria (68,4%)

recebeu capacitação e instrução em cuidados paliativos (42,1% das

mulheres e 26,3% dos homens), enquanto outra parcela (26,3%)

recebeu apenas instrução (21,1% das mulheres e 5,3% dos homens).

Apenas 5,3% das mulheres receberam apenas capacitação. (TAB 4)

80

4ALEBAToxesrop,oãçaticapac:IIoãtseuQ

satsopseRoxeS

F % M % latotbuS %

oãçurtsni/oãçaticapaC 8 1,24 5 3,62 31 4,86

oãçaticapaC 1 3,5 - - 1 ,5

oãçurtsnI 4 1,12 1 3,5 5 ,62

oãçaticapac/oãçurtsnimeS - - - -

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

3

3

- -

Na questão que qualifi\cava o tipo de relação profisional, que os técnicos e

auxiliares mantinham com os pacientes sob seus cuidados, verificou-se que a

relação afetiva era a mais comum entre eles (73,7%), seguida da relação técnica

(26,5%). Os dados permitem inferir também que a afevetividade é maior entre as

mulheres (77%) e menor entre os homens (67%). Não foram registradas atitudes

impositivas e distantes. (TAB 9)

9ALEBAToxesrop,lanoissiforpoãçaler:IVoãtseuQ

satsopseRoxeS

F % M % latotbuS %

acincéT 3 8,51 2 5,01 5 ,62

avitefA 01 6,25 4 1,12 41 7,37

avitisopmI - - - - -

etnatsiD - - - - -

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

3

-

-

Na questão avaliativa do grau de interatividade dos profissionais com os

pacientes e familiares, os dados revelaram que, em relação aos pacientes, o

entrosamento era considerado muito bom para 84,2% dos participantes e apenas

bom para 15,8%. Não foram registrados nenum caso de entrosamentos razoável

e/ou péssimo. (TAB 10)

81

01ALEBAToxesrop,setneicapmocotnemasortne)1:IIVoãtseuQ

satsopseRoxeS

F % M % latotbuS %

mobotiuM 11 9,75 5 3,62 61 2,48

moB 2 5,01 1 3,5 3 ,51

leváozaR - - - - -

omisséP - - - - -

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

8

-

-

Em relação aos familiares, o grau de interatividade é ligeirtamente diferente. Mais

da metade dos participantes (57,9%) consideraram o entrosamento como muito

bom, en quanto outra parcela o considerou apenas bom (42,1%). Também não foi

registrado nenhum caso de entrosamento razoável ou péssimo. (TAB 11)

11ALEBAToxesrop,serailimafmocotnemasortne)2:IIVoãtseuQ

satsopseRoxeS

F % M % latotbuS %

mobotiuM 8 1,24 3 8,51 11 9,75

moB 5 3,62 3 8,51 8 ,24

leváozaR - - - - -

omisséP - - - - -

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

1

-

-

Os dados preliminares da amostragem permitem definir os principais

traços do perfil apresentados pelos técnicos/auxiliares de enfermagem

pesquisados, entre os quais figura o número maior de mulheres

(68,4%).

Estes dados, com pouca diferença, refletem a proporções observadas no Brasil,

segundo o relatório Empregabilidade e Trabalho dos Enfermeiros no Brasil, da

Estação de Trabalho do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado

do Rio de Janeiro (IMS/UERJ, 2006). O documento, que traz uma análise da

tendência nacional do mercado de trabalho de enfermeiros, indica que 73% dos

82

vínculos de trabalho eram femininos, em 2002, e que este percentual subira para

88,3% em 2003.

Entre as mulheres, quase a metade tinha entre 25-49 anos, concluira o segundo

grau, tinha entre dois e sete anos de profissão e recebera capacitação e instrução

em cuidados paliativos. Entre os homens, a maioria também estava na faixa dos

27-49 anos, concluira o segundo grau e tinha entre dois e sete anos de profissão,

porém recebera mais capacitação/instrução que o grupo feminino. Os resutados

tambem mostraram que nenhum dos participantes deixou de receber algum tipo

de capacitação e/ou instrução.

Os técnicos e auxiliares mantinham com os pacientes uma relação

profisional afetiva e menos técnica, sendo esse comportamento mais

comum entre as mulheres. A rpredominância da relação afetiva,

possivelmente, tem a ver com o grau de entrosamento ou interatividade

com os pacientes, considerado muito bom, igualmente para ambos os sexos. Nas

relações com os familiares, o percentual de entrosamento do tipo muito bom é

apenas ligeiramente maior que o do tipo apenas bom.

Um dos objetivos centrais dos cuidados paliativos é o ato de tratar ou aliviar os

sintomas, colocando-se acima das intervenções destinadas apenas à cura dos

possíveis sintomas físicos. Para Rodrigues (2004), os profissionais estariam

cumprindo melhor a sua missão de tratar a pessoa, na sua totalidade e

necessidades, se ela pudesse contar com a atenção sincera dos profissionais

para uma série de sintomas espirituais e sociais, relacionados com o medo de

morrer e a preocupação com os entes queridos. E para que isso ocorra, somente

uma relação profissional afetiva (menos técnica e impositiva) poderia

propiciar melhor entrosamento com paciente e familiares, e com isso melhorar o

bem-estar de quem está vivenciando sua finitude, o que implica numa

transformação simultânea do ser cuidado e de quem cuida, como observa

Waldow (1999).

83

Na maioria das situações que colocam as pessoas no limite ou

impotentes para resolver seus problemas, especialmente diante da

aproximação da morte, há uma busca de algo que transcende o natural,

que só a intimidade permite conhecer. E, nestes aspectos, o papel do

profissional de enfermagem, principalmente do técnico e do auxiliar,

assume grande relevância, pois são estes que permanecem mais

próximos do paciente e seus familiares para intervenção imediata diante

das necessidades. (Cummings, 2001) Entretanto, a abordagem dos

aspectos psicossociais e espirituais desses pacientes terminais, pelos

enfermeiros em geral, ainda é novidade no Brasi, apesar da evolução

dos saberes e fazeres de enfermagem.

Trata-se de uma outra perspectiva de cuidados paliativos, que busca integrar os

aspectos físicos, psíquicos, sociais e espirituais do paciente, procurando

identificar os problemas, enquanto cuida dos sintomas físicos, e encaminhar as

situações aos profissionais que tenham competência para resolvê-lo ou ajudar.

Esse aspecto novo da humanização da saúde ainda não se incorporou

plenamente ao princípio da integralidade da assistência, não fazendo parte

disciplinar do ensino técnico de enfermagem no Brasil.

O que tem ocorrido são tentativas de superar o enfoque tradicional da

formação profissional – baseada apenas na preparação para execução

de determinados conjuntos de tarefas e procedimentos mecânicos ou

terapêuticos – pelas aulas e palestras capacitadoras ou instrutoras de

cuidados paliativos. E estes expedientes parecem dar algum resultado,

como insinua esta pesquisa, cujos participantes revelaram uma

mudança na forma de cuidar, que tomou um caráter mais afetivo, menos

técnico e evasivo, e de maior entrosamento com os pacientes e

familiares. Se isso é suficiente, teremos oportunidade de verificar

adiante.

84

4.2 As quatro condições mais comuns em cuidados paliativos

O objetivo principal desta questão foi estimular os participantes a fazer

uma avaliaçção pessoal sobre as ocorrências cotidianas mais comuns

nos pacientes terminais, a partir de uma relação básica, em ordem

crescente, sugerida pela literatura revisada: 1) dor; 2) angústia; 3)

estresse; e 4) solidão.

Diante dos dados coligidos e analisados abaixo, foi possível apurar que as

ocorrências mais comuns, na ordem de importância dada pelos participantes,

foram: 1) dor; 2) angústia; 3) solidão; e 4) estresse. O estresse não aparece em

primeiro plano em nenhuma das quatro ocorrrências.

4. 2.1 A dor crônica

A dor é considerada como uma síndrome resultante da interpretação sensorial de

algum evento físico-químico e do estímulo de algo nocivo, num processo de

interação com as características individuais da pessoa como o humor, o

significado simbólico atribuído ao fenômeno sensitivo e os aspectos culturais e

afetivos. (Pimenta et al., 1997) Dependendo de sua duração, ela pode ser aguda

(efêmera) ou crônica, esta com duração de 3 a 6 meses, segundo Lobato (1992)

e Teixeira et al. (1995)..

Para os participantes pesquisados, a primeira ocorrência é a dor

(36,8%), seguida da angústia e do estresse (com 31,6% cada), não

havendo refência à solidão. Entre as mulheres, o estresse foi a

ocorrência mais significativa (26,3%), enquanto que, para os homens,

foi a dor (15,8%). (TAB 5)

85

5ALEBAToxesrop,aicnêrrocoariemirp:VIoãtseuQ

satsopseRoxeS

F % M % latotbuS %

roD 4 1,12 3 8,51 7 ,63

aitsúgnA 4 1,12 2 5,01 6 ,13

essertsE 5 3,62 1 3,5 6 ,13

oãdiloS - - - - -

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

8

6

6

-

Considerando-se que os tumores e neoplasias sejam a segunda causa de

mortalidade hospitalar, em Divinópolis, e terceira em nível nacional (IBGE, 2006),

a dor crônica, que freqüentemente acomete esses pacientes – cerca de 50% em

todos os estágios da doença e 70% nas neoplasias avançadas (Pimenta et al.,

1997) – passa a ser um dos principais alvos dos cuidados paliativos. Ela pode

surgir devido ao crescimento do tumor primário ou à suas metástases, à

terapêutica anticancerosa (radioterapia e quimioterapia), às cirurgias e aos

métodos de diagnósticos. Teixeira et al. (1995) encontrou evidências de que ela

pode estar relacionada também com causas psicossociais.

A prevenção e alívio do sofrimento é uma abordagem que pode

aumentar a qualidade de vida dos pacientes em cuidados paliativos e

de suas famílias. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS)

(2000) tem entre as suas prioridades internacionais o alívio da dor, a

redução do sofrimento, a oferta de cuidado paliativo para aqueles sem

esperança de cura e a possibilidade da reabilitação no contexto social.

A avaliação da dor é um aspecto importante no planejamento do

cuidado, por ela ser capaz de determinar a situação física do paciente

e, bem assim, os elementos psicológicos, sociais e emocionais do seu

sofrimento. Apesar de haver diversos protocolos de avaliação já

desenvolvidos e testados, como o do Instituto Nacional do Câncer

86

(INCA), divulgado em 1997, ela deve ser efetivada em conjunto, por

todos os profissionais que acompanham o paciente, pois a avaliação da

experiência dolorosa não é um procedimento simples. É fenômeno

individual e subjetivo, cuja interpretação e expressão envolvem

elementos sensitivos, emocionais e culturais.

A dor crônica, portanto, é um fenômeno complexo e multifatorial, que

envolve aspectos orgânicos e psicossociais, que podem beneficiar-se

dos tratamentos neurofisiológicos e neurofarmacológicos. Entretanto,

uma abordagem multidisciplinar da dor e de suas causas tem

importância singular para a qualidade de vida do paciente, seus

cuidadores e familiares.

A ser um dos principais alvos dos cuidados paliativos. Ela pode surgir devido ao

crescimento do tumor primário ou à suas metástases, à terapêutica anticancerosa

(radioterapia e quimioterapia), às cirurgias e aos métodos de diagnósticos.

Teixeira et al. (1995) encontrou evidências de que ela pode estar relacionada

também com causas psicossociais.

A prevenção e alívio do sofrimento é uma abordagem que pode

aumentar a qualidade de vida dos pacientes em cuidados paliativos e

de suas famílias. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS)

(2000) tem entre as suas prioridades internacionais o alívio da dor, a

redução do sofrimento, a oferta de cuidado paliativo para aqueles sem

esperança de cura e a possibilidade da reabilitação no contexto social.

A avaliação da dor é um aspecto importante no planejamento do

cuidado, por ela ser capaz de determinar a situação física do paciente

e, bem assim, os elementos psicológicos, sociais e emocionais do seu

sofrimento. Apesar de haver diversos protocolos de avaliação já

desenvolvidos e testados, como o do Instituto Nacional do Câncer

(INCA), divulgado em 1997, ela deve ser efetivada em conjunto, por

todos os profissionais que acompanham o paciente, pois a avaliação da

87

experiência dolorosa não é um procedimento simples. É fenômeno

individual e subjetivo, cuja interpretação e expressão envolvem

elementos sensitivos, emocionais e culturais.

A dor crônica, portanto, é um fenômeno complexo e multifatorial, que

envolve aspectos orgânicos e psicossociais, que podem beneficiar-se

dos tratamentos neurofisiológicos e neurofarmacológicos. Entretanto,

uma abordagem multidisciplinar da dor e de suas causas tem

importância singular para a qualidade de vida do paciente, seus

cuidadores e familiares.

4.2.2 A angústia existencial

A segunda ocorrência é a angústia (36,8%), seguida da dor (26,3%), da

solidão (21,1%) e do estresse (15,8%). Entre os homens não houve

referência à solidão, enquanto o estresse, a dor e a angústia obtiveram

igual percentual (10,5%). (TAB 6)

6ALEBAToxesrop,aicnêrrocoadnuges:VIoãtseuQ

satsopseRoxeS

F % M % latotbuS %

roD 3 8,51 2 5,01 5 ,62

aitsúgnA 5 3,62 2 6,01 7 ,63

essertsE 1 3,5 2 5,01 3 ,51

oãdiloS 4 1,12 - - 4 ,12

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

3

8

8

1

Vacuidade, insignificância e impotência são alguns dos pensamentos

que afloram no estado de angùstia, reforçando os sentimentos de

inutilidade do esforço, do significado e do projeto de vida. Para a

psicóloga Simone Suruagy (2001), paciente neste estado já perdeu a

88

esperança e a capacidade de luta, seja qual for o fim que o espere, mas

é possível recuperar-se. Caminha por uma estrada árdua, para a qual

confluem as vereadas dos conflitos familiares, da expectativa dos

exames complementares, do efeito colateral das quimioterapias e

radioterapias, da ocorrência de metástases e dores, da implicação da

doença nos campos profissional, afetivo e financeiro etc. “Muitas vezes

esse caminho estará inundado por sentimentos inconscientes de perda,

luto, abandono, raiva, culpa, solidão. A estrada está cheia de passado,

além das perdas presentes.” (Suruagy, 2001)

Este trecho do poema de Carlos Stoppa (2008), Ciclos da Angústia,

traduz bem esse estado de ser: [...] Outras vezes, ela começa por uma algia no peito, A minha boca saliva sem causa objetiva, O meu corpo não quer ir a parte alguma, O Amor bate em retirada do meu mundo, O meu corpo perde a memória dos orgasmos, Distancio-me de tudo, a minha identidade foge, Sou nada para mim, nada posso ser para "Ela"; E o pior: se o Amor foge do meu mundo, Torno-me incompreensível para "Ela"! (...) [Ai, como sofro para escrever estas palavras vãs!] ... e por fim: eu não disse nada! (Stoppa, 2008))

Para a psicóloga Janaina Moutinho (2005), a angústia, apesar do sofrimento que

traz, também tem seu lado positivo, que precisa ser observado, pois é impossível

viver sem ela ou eliminá-la definitivamente. É da condição humana tê-la sempre

presente; o ponto de partida para o crescimento interior, para novos

questionamentos, novas descobertas; um sentimento que pode fazer o ser

humano sair da passividade e entrega e colocar-se em atitude elevada diante da

vida.

89

4.2.3 A solidão do abandono

A solidão é uma experiência afetiva, íntima, emocional, provocada por

uma condição ou circunstância que depende da história de cada um. É

o sentimento de abandono disparado pela condição de fragilidade do

paciente sem perspectiva de cura, dependente de outras pessoas,

aniquilado, inútil e sem autonomia e liberdade para decidir sobre sua

própria vida.

A solidão é a terceira ocorrência mais comum, na visão dos

participantes (42,1%), seguida do estresse (26,3%), da dor e da

angústia (com os mesmos 15,8% cada). Este estado foi mais notado

pelas mulheres (36,9%), enquanto os homens apontaram o estresse

(15,8%), não fazendo referência à dor. (TAB 7)

7ALEBAToxesrop,aicnêrrocoariecret:VIoãtseuQ

satsopseRoxeS

F % M % latotbuS %

roD 3 8,51 - - 3 ,51

aitsúgnA 1 3,5 2 5,01 3 ,51

essertsE 2 5,01 3 8,51 5 ,62

oãdiloS 7 8,63 1 3,5 8 ,24

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

8

8

3

1

A quarta ocorrência mais comum também foi a solidão (36,9%), seguida do

estresse (26,5%), a dor (21,1%) e a angústia (15,8%). As mulheres apontaram

mais o estresse (26,5%), seguido da dor, da angústica e da solidão; enquanto os

homens a solidão (26,5%) e a dor (5,3%), não fazendo referências à angústia e

ao estresse. (TAB 8)

90

8ALEBAToxesrop,aicnêrrocoatrauq:VIoãtseuQ

satsopseRoxeS

F % M % latotbuS %

roD 3 8,51 1 3,5 4 ,12

aitsúgnA 3 8,51 - - 3 ,51

essertsE 5 3,62 - - 5 ,62

oãdiloS 2 5,01 5 3,62 7 ,63

latoT 31 4,86 6 6,13 91 001

1

8

3

9

ntre os motivos da solidão também estão a percepção do esfriamento

dos vínculos afetivos e da ausência regular do grupo de relações

(amigos e colegas). É um sentimento de caráter subjetivo, que atinge

as pessoas de modo diferente, segundo a capacidade de cada um

absorver a possibilidade solitária da morte, mesmo porque “aceitar o

limite imposto pela morte como experiência cotidiana implica aceitar as

regras da existência, visto que a morte impõe uma ruptura com tudo o

que se conhece e se ama e faz parte da condição humana. (Herédia et

al., 2005)

A falta de preparo para a morte impede que se compreenda a razão dessa

situação irreversível e verdadeira, visto que a sociedade ocidental prepara o ser

humano para a vida, não para a morte. Para Riponche (1987, p. 7), esse

despreparo se manifesta principalmente em situações de impotência frente às

perdas ou na ausência de uma concepção espiritual ou filosófica da existência,

que vê a morte “não como um evento isolado, mas como uma mudança no

infindável ciclo de mudanças”.

Em seu estudo sobre a solidão dos idosos, Herédia et al. (2005) soube

captar com nitidez as nuances desse sentimento de abandono, que se

transporta para os pacientes terminais (idosos ou não), que se sentem

desamparados no meio dos outros. Na percepção dos sujeitos

pesquisados por estes autores, a solidão é:

91

[...] não estar bem, é não ter ajuda de ninguém, é andar de um lado para o outro. É ter família e não ser protegido por ela, esquecido, isolado, indiferente, não ser valorizado e não receber atenção. O idoso espera daquele que quer bem o apoio necessário para enfrentar a velhice. Talvez esse bem-querer não seja recíproco e possa produzir o sentimento de abandono. O idoso cansa de falar e não ser ouvido, e essa surdez o deixa afastado de suas esperanças e de seus desejos. À medida que suas expectativas não se realizam e se perde a motivação da espera, ele fica sem o sentido de viver. (Herédia et al., 2005)

4.2.3 O estresse psicossomático

O estresse não aparece em primeiro lugar, em nenhuma das

ocorrências, mas foi apontado como “(1)” pelos homens, na terceira

ocorrência, e pelas mulheres, na primeira e na quarta ocorrências, o

que evidencia a sua importância na vida dos pacientes terminais. Para

estes, o tratamento tecnológico, as intervenções invasivas e cirurgias,

as dificuldades motoras, os problemas hospítalares relacionados ao

atendimento e ao cuidado de saúde, as decepções com os exames,

com as limitações, com os custos etc são fatores estressantes e

prejudiciais à qualidade de vida e ao seu estado geral, que precisam ser

superadom, se não se puder evitá-los.

Apesar de ser um termo amplamente utilizado em estudos e pesquisas

científicas e acadêmicas, na mídia e no cotidiano das pessoas, obter

uma noção precisa sobre o estresse não é tarefa fácil. Segundo

pesquisa de Doubler (apud Figueiras & Hipert, 1999, pp.40-51), que

encontrou 28 significados para a palavra inglesa stress, no Oxford Long

English Dictionary, há pouca clareza sobre as concepções. Utiliza-se o

mesmo termo para qualificar um estado de irritabilidade e um quadro de

depressão grave, sem distinguir com firmeza os fatores estressores, o

coping ou o estresse propriamente dito: estresse biológico, psicológico,

social ou ambiental, entre outros.

92

O estresse psicológico foi definido por Lazarus & Folkman (apud Jacques, 2003,

p. 101) como uma relação entre a pessoa e o ambiente, avaliado como prejudicial

ao seu bem-estar. Eles pertecem à corrente que considera importantes o

conhecimento do fator estressor (avaliação cognitiva da situação) e o esforço de

enfrentamento (mudança cognitiva e comportamental) como estratégia de coping

(sem tradução para o português) – estado de avaliação e gerenciamento das

exigências internas e/ou externas, a partir das próprias experiências pessoais e

os estímulos específicos.

Outra definição esclarecedora vem de LIPP (1984, pp.5-19) , que

concebe o estresse como “uma reação psicológica com componentes

emocionais físicos, mentais e químicos a determinados estímulos que

irritam, amedrontam, excitam e/ou confundem a pessoa.”

Uma abordagem sistêmica do estresse, formulada por CAPRA (1982, p.

318), também merece registro e desenvolvimento. Ele o considera como

um “desequilíbrio do organismo em resposta a influências ambientais”,

ressaltando a existência do estresse temporário como “aspecto

essencial da vida”. Quando o indivíduo percebe uma súbita ameaça ou

mudança, a que tem de se adaptar, ou está sob forte pressão ou

estimulação, há uma perda temporária de flexibilidade, considerada

como reação saudável. Somente quando se prolonga ou se torna

crônico, é que o estresse pode ser pernicioso e desencadeador de

muitas doenças, conforme estudos de Pelletier (1977), destacado por

CAPRA (1982, p. 424).

O estresse patológico, prolongado e condicionador de sofrimento

psicológico, que se instala devagar e sorrateiramente nos bastidores do

inconsciente, a cada dia, é um entulho que precisa ser tratado. Como

explica o médico Orlando SILVA (1996), o estado de estresse pode

chegar ao ponto de sobrepor-se à capacidade de recuperação do

organismo, levando- o a um desgaste geral, desorganizando sua

93

capacidade de defesa e exaurindo suas reservas energéticas, que são

limitadas. Quando o corpo humano chega a essa fase, ocorre o colapso

das defesas psíquicas e físicas, favorecendo o aparecimento de várias

doenças e, no caso dos pacientes terminais, o agravamento da sua

doença e novas complicações, que debilitam mais ainda o organismo e

aumentam as dificuldades terapêuticas. (LeSHAN, 1992),

Portanto, é muito importante que sentimentos de confiança e amizade

sejam suscitados nospacientes, a fim de diminuir o estresse e a

depressão (causada pela an gústia e pela solidão) emergidos da

realidade terminal. No pensar de Gonzaga (1998), a preocupação com o

bem-estar, a identificação das necessidades de cuidados e o seu

atendimento solícito, juntamente com as estratégias e ações

tecnocientíficas, podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes

sem esperança de cura e ajudá-los a superar esses estados

debilitadores.

4.3 Conceitos de cuidados paliativos

Uma noção mais geral de cuidados paliativos deve referir-se ao

conjunto de práticas e discursos direcionados para o período final da

vida de pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura. Têm por

objetivo efetuar o controle dos sintomas do corpo, da mente, do espírito

e do social, que afligem o homem na sua finitude ou a caminho dela.

Porrtanto, é uma nova especialidade de cuidados que contempla o

problema da morte numa perspectiva profundamente humanística, por

reconhecer a possibilidade de a pessoa manter sua dignida mesmo

estando em grave sofrimento físico e psíquico, como acontece com os

pacientes terminais . Os cuidados paliativos refletem uma mudança de

paradigma e de conceitos sobre o corpo humano, o adoecimento e a

morte.

94

Na visão majoritária dos participantes masculinos desta pesquisa,

cuidados paliativos são os “cuidados básicos de enfermagem” para

deixar o paciente “o mais confortável possível”, o que inclui segurança e

bem-estar, proporcionados por banho, higiene oral, oxigênio,

realizações de medicamentos prescritos, alívio da dor, privacidade,

compreensão, respeito e apoio à família até a morte. (QUADRO 1M)

Do ponto de vista feminino, o “conforto” também é a palavra-chave dos

cuidados paliativos, que pressupõe o “alívio da dor” dos pacientes, de

modo que “possam receber a morte dignamente (...) sem tanto

sofrimento”. Nesta noção também incluem-se, além da higiene física e

dos medicamentos, o respeito, a paciência, o espirito de solidariedade

e a disposição de “receber as informações que ele deseja passar”.

Apenas uma resposta (feminina) demonstrou desconhecer os

fundamentos dos cuidados paliativos, afirmando cuidar dos pacientes

terminais “como se fosse qualquer outro paciente, independente de seu grau de

gravidade”. (QUADRO 1F)

QUADRO 1M

Questão III - Idéia sobre Cuidados Paliativos

1. Cuidados básicos de enfermagem como: banho, higiene oral, O2,

realizações de medicamentos prescritos; deixar o paciente o mais confortável possível.

2. Tentar dar um maior conforto para o paciente e apoio à família.

3. Cuidados aos pacientes terminais, dando auxílio para que tenham morte digna.

4. Proporcionar conforto e bem-estar para o paciente e familia; privacidade nesta hora.

5.Alívio da dor, compreensão, higiene, respeito.

6. Proporcionar conforto e segurança.

95

QUADRO 1F

Questão III - Idéia sobre Cuidados Paliativos

1. Auxiliar no alívio da dor, dando mais conforto e apoio espiritual.

2. São cuidados que se fazem necessários e fundamentais ao tratamento de pacientes fora de possibilidades terapêuticas. Exemplo: oferecer-lhe conforto, como alívio da dor, mudança de decúbito, higiene física, uma palavra amiga, respeito, paciência, solidariedade, inclusive com seus familiares.

3. São cuidados prestados aos pacientes em fase terminal.

4. Tratamento paliativo é quando proporciona conforto e alívio da dor dos pacientes fora de possíbilidades terapêuticas.

5.São os cuidados prestados aos pacientes em fases terminais para que possa receber a morte dignamente.

6. Fornecer ao paciente o que ele não pode realizar sozinho: limpeza, medicamentos, estar bastante atenta com as dores do paciente, procurar tempo para receber as informações que ele deseja passar.

7. Levando o máximo de conforto ao paciente e família. Cuidando como se fosse qualquer outro paciente, independente de seu grau de gravidade.

8. Pacientes fora de possibilidades terapêuticas internados para controle da dor.

9. São cuidados oferecidos ao paciente para promover-lhe uma estabildade tanto física como emocional.

10. São cuidados que prestamos aos pacientes oncológicos, sem possibilidades terapêuticas. Tentamos amenizar a dor, o sofrimento.

11. São os cuidados prestados aos pacientes em fase terminal para que possam receber morte dignamente.

12. Cuidado que se presta objetivando o bem estar, conforto, já que não existe a possibilidade de melhora e da cura.

13. São cuidados que não visam a cura da doença e sim aliviam a dor, proporcionando uma morte sem tanto sofrimento.

Considerando que todos participantes receberam alguma instrução e/ou

foram capacitados em cuidados paliativos, as definições revelam que a

96

prática comum é deixar o paciente o mais confortável possível,

cuidando dos sintomas físicos da sua doença e aliviando-o da dor. As

respostas permitem aduzir que o respeito pessoal, a compreensão de

motivos e problemas, a disposição de ouvir e a paciência com as

dificuldades são valores pessoais de educação, também incorporados

nessa idéia que os técnicos e auxiliares têm (em menor escala) dos

cuidados paliativos. Todavia, não se viu nas respostas a menção de

aspectos psicológicos, sociais e culturais, que são elementos

essenciais na concepção destes cuidados. Parece que os técnicos e

auxiliares pesquisados, mesmo com suas competências, habilidades e

base tecnológica apropriados, adquiridos em sua formação e

qualificação profissional, não estão devidamente capacitados e

preparados para lidar com os pacientes fora de possibilidades

terapêuticas de cura..

O cuidado paliativo deve ser centrado no paciente mesmo, tendo como

essência não apenas a atenção às necessidades físicas ou aos

procedimentos terapêuticos de praxe. Deve também dar atenção às

necessidades psicológicas e espirituais dos pacientes procurando

amenizar os efeitos da dor, angústia, solidão, estresse, ansiedade,

tristeza etc.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1990), esse cuidar

deve ser uma abordagem integral do pacient, que busque a melhoria na

qualidade de vida, por meio do alívio da dor e do sofrimento físico, pela

identificação precoce de possíveis situações-problemas de ordem moral

ou espiritual e pela avaliação sincera e impecável de outras

complicações físicas, psicológicas e espirituais, que causem mais

sacrifícios ao paciente e à sua família.

97

4.4 Dificuldades com pacientes oncológicos

As respostas dos participantes masculinos mencionam várias

dificuldades com as quais têm de conviver no cotidiano do cuidado.

Saber que o paciente “não tem possibilidades” e vê-lo “consciente de

sua doença, na busca de Deus por um milagre, se desgastando,

definhando” é um dos aspectos mais difícil de enfrentar. Uma das

respostas menciona que é dificil manter-se íntimo do paciente e “não se

emocionar”, enquanto outro participante revela sua dificuldade de lidar

com a dor crônica do paciente e o sofrimento moral dos familiares,

observando que “a maioria dos paciente se entrega à doença”.

(QUADRO 2M)

QUADRO 2M

Questão V - Dificuldades na lida com pacientes oncológicos

1. A dor (e negação de desejo) dos pacientes e familiares. A maioria dos pacientes se entrega totalmente à doença.

2. Saber que eu posso dar apoio mas que o paciente não tem possibilidades.

3. Estando eles conscientes da doença, na busca de Deus para um milagre, se desgastando, definhando e vendo que por mais que auxiliado, ajudado, remediado, vemos que só Deus tem as respostas.

4. Lidar com as famílias.

5. De me conformar que o meu cliente não tem possibilidade de cura... isso me dói muito.

6. Manter a intimidade, no sentido de não emocionar ou deixar o paciente na vista de outros pacientes.

Para as mulheres participantes as dificuldades referem-se à “impotência

diante da impossibilidade de agir” em favor do paciente e no “saber que

todo recurso que a medicina tem já foi administrado (...) e não há mais

o que fazer”. Diante da incapacidade de aliviar a dor, que não cessa,

“mesmo com altas doses de analgésicos”, o sentimento que prevalece é

98

o de que “não tivessemos fazendo nada”, a não ser assistir. Outro ponto

de concordância entre as participantes, pelas dificuldades que causa

nas relações entre equipe de saúde, paciente e familiares próximos, é a

falta de orientações verdadeiras e sinceras sobre a gravidade da

doença e sua impossibilidade de cura. Se não há esclarecimento da

situação, “após a morte do familiar doente eles ficam sem orientação”.

Uma resposta considera difícil lidar com os pacientes sem

“medicamento compatível com a dor” e com a “falta de assistência

médica oncológica” paliativa. (QUADRO 2F)

QUADRO 2F

Questão V - Dificuldades na lida com pacientes oncológicos

1. Impotência diante da impossibilidade de não poder agir em favor do próprio, durante sua passagem, a não ser assistir.

2. É saber que todo recurso que a medicina tem já foi administrado a seu favor, e que não há mais o que fazer para recuperar a saúde deste ser humano.

3. São pacientes cuja recuperação não tem êxito e nem possibilidade de cura.

4. Falta de medicamentos compatíveis com a dor. Falta de assistência médica oncológica.

5. Ver que o paciente, mesmo recebendo todos os cuidados não irá se recuperar.

6. A incapacidade de aliviar dores que mesmo com alto nível de analgésicos não cessam e nasce nitidamente a certeza que o paciente tem, de que a morte está perto, muito perto.

7. Pacientes e familiares devem ser bem orientados sobre a gravidade da doença, dizendo sempre a verdade (não iludindo) mas, é claro, de uma boa maneira. E também pacientes sentem muita dor, e, às vezes, a gente se sente como se não tivessemos fazendo nada.

8. Quando as medicações não proporcionam mais um bem-estar e vemos a pessoa falecer diante de nossa impotência.

9. O não esclarecimento com os familiares, pois após a morte do familiar doente eles ficam sem orientação. Estou convicta de que informando a real situação aos familiares, seria mais amena a morte ou a perda.

99

10. A dor, tentar amenizar essas dores: muitas das vezes é muito difícil para mim. Ver o sofrimento constante também é muito triste. Isso envolve tudo: família, paciente, médico, enfermagem.

11. Ver que o paciente mesmo recebendo todos os cuidados não irá se recuperar.

12. O despreparo da família, diante da impossibilidade da cura.

13. O que eu acho mais dificil é a sensação de impotência, pois nenhum cuidado vai visar a cura.

Sobre esta questão não há muito o que dizer, pois sua finalidade é

retratar as dificuldades enfrentadas no cotidiano da assistência

paliativa. A realidade é a impotência diante da finitude humana, quando

não há medicamento ou tecnologia avançada capaz de fazê-la

retroceder. Nem a dor pode ser totalmente aliviada, sob pesadas doses

de analgésicos ou entorpecentes. Nada mais resta a fazer nesse campo

da dura tecnologia terapêutica. Agora só há um caminho, o da correta

avaliação do estado de ânimo do paciente e o seu fortalecimento

emocional – e o de sua família – para o enfrentamento da doença e dos

últimos passos. E nesses momentos, como disse Andrade (2003), não

há intervenção mais eficiente que uma palavra amena, nem recurso

mais benéfico do que o toque de uma mão que afaga, estimulando com

palavras gentis o potencial curativo do próprio paciente.

4.5 Concepção sobre a morte

Para a enfermagem, principalmente quando desenvolve atividades em

cuidados paliativos ou trata de pacientes sem possibilidades

terapêuticas de cura, a morte tem uma importância primordial. Para os

técnicos e auxiliares da equipe de saúde mais ainda, pois são estes

profissionais que vivenciam diretamente esse processo, interagindo com o

paciente e seus familiares, num trabalho que demanda conhecimento mais

espiritual sobre o assunto, que mero tratamento de sintomas físicos ou mentais.

100

O conhecimento científico não é suficiente para apreender o significado

da finitude, que as religiões, as culturas dos povos, os costumes, as

crenças e a própria consciência humana procuram explicar e entender.

Na versão alguns dos participantes masculinos, “a morte é um mal

necessário”, “uma passagem não sei para onde”, depois que “a pessoa

já cumpriu seu caminho na Terra e seus deveres”. Para outros, é “o fim

de todos os objetivos e sonhos” – “que vai acontecer, só que ninguém

quer que aconteça”. Somente uma resposta referiu-se à morte como

“um momento de evolução espiritual”. (QUADRO 3M)

QUADRO 3M

Questão VIII - O que é a morte

1. É um mal necessário na vida de qualquer um. Pior quando a pessoa sabe que sua doença não tem cura.

2. É uma coisa que vai acontecer, só que ninguém quer que aconteça.

3. O fim de todos os objetivos e sonhos já esperado por alguém.

4. É uma passagem não sei para onde.

5. É quando a pessoa já cumpriu seu caminho na Terra, e seus deveres.

6. Um momento de evolução espiritual.

Do ponto de vista feminino, a morte tem um significado espiritual,

figurada várias vezes como uma passagem “desta vida para outra (...)

dimensão desconhecida”, como uma mudança “do estado físico para o

espiritual”. Outro aspecto destacado pelas participantes é que, para os

pacientes terminais, a morte “é um descanso (...) das fortes dores e

angústias” – “um fato garantido por Deus” quando chega a hora

determinada, que “nenhum estudo ou procedimento ou tratamento ou

equipamento e mesmo os médicos podem impedi-la”. (QUADRO 3F)

QUADRO 3F

Questão VIII - O que é a morte

101

1. É a passagem da vida terrena para uma vida espiritual.

2. É o fim de nossa etapa de vida terrena e um começo de vida no plano espiritual.

3. É passagem desta vida para outra.

4. Referindo-se aos pacientes da oncologia fora de possibilidades terapêuticas, a morte é um descanso para o paciente devido as fortes dores eangústia que o mesmo vinha sofrendo.

5. O fim de todos os objetivos e sonhos já esperado por alguém.

6. É um fato garantido por Deus quando é a hora, nenhum estudo ou procedimento ou tratamento ou equipamento e mesmo os médicos podem impedi-la. A superação humana chega apenas até onde Deus começa.

7. É uma mudança de estado.

8. É a passagem para outro lugar desconhecido para nós.

9. Penso que todo ser humano merece um descanso sem sofrimentos, sem adiações, o natural deve ser respeitado. O corpo tem um limite e a alma também. Investir em sofrimento, é forçar o não natural.

10. Morte é a passagem dessa vida para outra, onde o sofrimento para quem fica é muito grande, mas, uma alegria eterna para quem vai.

11. O fim de todos os objetivos e sonhos já esperado por alguém.

12. É a mudança do estado físico para o espiritual.

13. É uma passagem para uma nova dimensão desconhecida.

Da análise das respostas, resta evidente que as mulheres participantes,

em sua maioria, encaram a morte como uma passagem para o mundo

espiritual, fazendo cessar o sofrimento e a dor dos pacientes terminais.

Entre os homens, a noção da morte, também entendida como

passagem, é negativa, colocando-a como fim dos objetivos, sonhos,

deveres e tarefas na Terra. As respostas são curtas e revelam a

repulsa de se falar da morte, que, aliás, é uma tendência comum em

nossa civilização. Schramm (2002) avaliava que o desviar do assunto

(ou o evitar falar dela) pudesse ter origem no sentimento de angústia e

desamparo que cerca a morte e o desconhecido. Mas Rosen (2007)

102

achou três importantes fatores que influenciam o nosso desconforto em

relação à morte, assim resumidos:

1) A visão negativa que a sociedade moderna tem da morte, com seus

acidentes, violências, tragédias, desastres, guerras etc.

2) Falta de informação a respeito dos processos fisiológico, psicológico

e espiritual que ocorrem na morte.

3) Ignorância quanto às provas científicas e depoimentos inspiradores

que endossam o fato de que a morte é uma transição para outra

realidade e não um fim.

A diversidade de noções sobre a morte, provindas das religiões, crenças

populares, ciências ocultas ou metafísicas, do espiritismo e suas várias escolas e

tendências, é um fator importante para o aprimoramento de conhecimentos da

enfermagem paliativa.

Ensinam as ciências da vida e da saúde, a reflexão filosófica e religiosa

e sobretudo a própria experiência cotidiana, que morte, finitude e

vulnerabilidade são características ontológicas dos sistemas vivos.

Morrer seria, assim, um dos pontos culminantes e críticos da existência

– condição essencial para se pensar a vida com suas tristezas e sofrimentos,

alegrias e prazeres. E não deveria ser diferente, pois, conforme lembra

Menezes (2006), o homem é o único ser vivo que acredita na vida após

a morte, que pratica ritos fúnebres e que construiu uma mitologia da

morte.

4.6 A fase final da vida

Sobre a questão de como deveria ser a fase final da vida dos pacientes fora de

possibilidades de cura, os homens da amostra pesquisada ressaltaram que

deveria ser “sem dor, confortável e higienizado”. O “maior conforto” aparece em

103

várias respostas, que fornecem os itens de um ambiente “tranquilo” mantido em

“privacidade”, juntos dos familiares, todos satisfeitos “pelo atendimento” recebido.

(QUADRO 4M)

QUADRO 4M

Questão IX - Como deveria ser a fase final da vida

1. Tentar confortar seus familiares; procurar confortar também o paciente, dando atenção necessária para os mesmos.

2. Tentar dar o maior conforto e tentar evitar ao máximo o sofrimento.

3. Tranquila e digna, evitando tratamentos dolorosos que, sabemos, não fará efeito.

4. Com privacidade e sem dor.

5. Nos meus cuidados eu faria de tudo para que meu cliente tivesse uma fase final tranquila e com satisfação pelo atendimento assim tido.

6. Sem dor, confortável e higienizado.

Para as mulheres desta pesquisa, a fase final da vida dos pacientes

terminais deveria ser traquila e digna, “nas suas casas com

familiares”, sem dores e falsas esperanças, porém contado com o apoio

de uma equipe “para avaliação de ferimentos, SV, e principalmente,

orientações aos familiares, p. ex. mudança de decúbito, nutrição etc”.

Um ambiente privativo é elemento importante nessa fase, que só admite

a presença de pessoas queridas ou de alguém especial, além dos

profissionais, que possam aliviar a dor e prestar” ajuda espiritual e

conforto à família”. O tratamento à base de sedativos e analgésicos

para aliviar a dor, foi relacionado com uma passagem “serena, sem

sofrimento”, “tranquila e digna”. (QUADRO 4F)

104

QUADRO 4F

Questão IX - Como deveria ser a fase final da vida

1. O melhor em minha concepção é que eles tivessem no final de vida nas suas casas com suas famílias.

2. De forma serena, sem sofrimento, se possível.

3. O máximo de dignidade possível (...) tratamento à base sedativa até o seu final.

4. Proporcionando conforto, alívio da dor, ajuda espiritual e também conforto à família.

5. Tranquila e digna, evitando tratamentos dolorosos que, sabemos, não farão afeito.

6. Após ter sido submetido a todos os procedimentos médicos possíveis, sem sucesso, uma fase tranqüila (...) ao lado da família (ou de alguém) e sem dor, mesmoque fosse necessário sedá-los.

7. Evitar ador (se possível). Conforto para ele e família.

8. Deveria ser tranquila, sem dor, com as pessoas queridas à sua volta, e a partir do momento que os remédios já não resolvessem, que chegasse o momento final.

9. Primeiramente em casa, sem algias, sem falsas esperanças, com uma equipe para avaliação de ferimentos, SV e, principalmente, orientações aos familiares, p. ex. mudança de decúbito, nutrição etc.

10. A mais digna possível; humanização. Tendo o tratamento de sedação para tentar amenizar tanta agonia (paciente e familiares).

11. Tranquila e digna, evitando tratamentos dolorosos que, sabemos, não fará efeito.

12. Em um ambiente tranquilo, junto aos familiares.

13. Em um ambiente privado, restrito a familiares e profissionais.

Analisando o conteúdo das respostas dos dois grupos tem-se que a

fase final da vida deve ser passada em casa, condignamente, junto

apenas dos familiares, amigos (ou de alguém especial), e de poucos

membros da equipe de saúde. O ambiente doméstico deve ser tranquilo

e confortável para todos, para que se possa, serenamente, prestar os

105

últimos cuidados ao paciente, que incluem alívio da dor com sedativos,

apoio espiritual e higienização.

A expectativa demonstrada pelos participantes está de acordo com a literatura

sobre cuidado humano, faltando dizer que este envolve também os preceitos da

bioética, os princípios que norteiam a prestação da assistência de saúde e os

valores morais, sociais e culturais do paciente e familiares. Particularmente, com

pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura, o cuidado envolve, além do

esforço para aliviar a dor e confortá-lo, a preservação da identidade pessoal e o

exercício da autonomia, que pressupõe o direito de participar das decisões a seu

respeito e de recusar ou aceitar qualquer intervenção tecnológica que possa

alongar sua agonia. (Menezes, 2004)

4.7 Cuidados paliativos em cursos técnicos de enfermagem

Todas as respostas a esta questão foram afirmativas, sob as

justificativas de que um conhecimento estruturado em disciplina poderia

melhorar a performance profissional perante o doente e a doença.

Segundo a opinião dos participantes masculinos, o

profissional estaria mais preparado para atuar “sem se impressionar

tanto”, com naturalidade, chegando “ao local de trabalho consciente do

assunto”, para melhor lidar com a “situação encontrada”. A medida se

justifica ainda pela possibilidade de ampliar o entendimento sobre tais

cuidados e contribuir para sua evolução, pois “saber como lidar com

pacientes delicados e frágeis como os que estão no leito final” é

fundamental em enfermagem de qualquer nível.

QUADRO 5M

Questão X - Cuidados paliativos como disciplina em cursos técnicos

1.O profissional desta área encararia com mais naturalidade, sem impressionar tanto com a doença.

106

2. Por vários estudantes virarem profissionais e passarem por este caso.

3. É importante a pessoa que estuda os cuidados saber como lidar com pacientes delicados e frágeis como os que estão no leito final.

4. O profissional chega no local de trabalho consciente do assunto.

5. Todos os profissionais começarão trabalhar tendo um ponto de vista da situação encontrada.

6. Para melhor entendimento e evolução do cuidado.

Entre as participantes femininas foi consenso que a inclusão dos

cuidados paliativos nos cursos técnicos de enfermagem seja um

“diferencial”, que “melhoraria o lado humano” dos profissionais que

lidam nesta área, tornano-os efetivamente capazes de “enfrentar da

melhor maneira as diversas situações” e de “cuidar, entender e lidar

com a doença até o final”. Para alguns, a inclusão da disciplina se

justifica no fato de que os profissionais cuidam de “seres humanos em

todas as etapas de sua vida, desde o nascer até o morrer”, e que os

cuidados paliativos “será.o máximo que o profissional poderá fazer”.

QUADRO 5F

Questão X - Cuidados paliativos como disciplina em cursos técnicos

1. Melhoraria o lado humano dos profissionais com o paciete e suas famílias.

2. É um diferencial que precisamos para o crescimento profissional e assim sermos mais humanos e estar atentos às necessidades dos pacientes.

3. Para sabermos cuidar e entender e lidar com a doença até seu final.

4. Para que os alunos tenham mais conhecimentos e ao se deparar com pacientes oncológicos poder dar o suporte necessário.

107

5. É importante a pessoa que estuda os cuidados saber como lidar com pacientes delicados e frágeis como os que estão no leito final.

7. Todos nós precisamos saber como lidar com isso.

8. Nos ajuda a enfrentar da melhor maneira as diversas situações que enfrentamos no setor.

9. Sem dúvida, pois cuidamos de seres humanos em todas as etapas de sua vida, desde o nascer até o morrer.

10. É importante para estarmos ciente diante da situação e ser coerente diante da situação presenciada.

11. É importante a pessoa que estuda os cuidados saber sobre lida com pacientes delicados e frágeis como os que estão no leito final.

12. Em muitas situações o cuidado paliativo será o máximo que o profissional poderá fazer..

13. É uma das realidades vividas por nós técnicos de enfermagem, sendo assim devemos ter conhecimento sobre cuidados paliativos.

Conforme ensina Waldow (1998), as teorias de enfermagem que lidam

com a vida e a morte, englobam outros padrões de conhecimento, além

do empírico, como as idéias cientírtficas sobre a saúde e os aspectos

que refletem crenças e valores, provenientes da religião, da cultura

imaterial, do folclore, das artes e fazeres etc.. Esta é a sua

característica geral. Entretanto, a enfermagem envolve também a

pessoa do profissional, as pessoas com quem interage e ainda os

insights (lampejos) que resultam da arte de enfermagem.

O tema em questão enseja uma reflexão sobre o papel dos técnicos e

auxiliares de enfermagem na prestação de cuidados paliativos, o que

nem sempre é reconhecido ou tratado com a atenção que merece, como

demonstra o estudo de Martin & Sancho (1999). Enfatizando a

relevância de suas atuações básicas em proporcionar conforto (físico e

espiritual), higiene e auxílio na alimentação de pacientes terminais, os

autores afirmam que estes agentes técnicos de saúde não estão

108

devidamente capacitados e preparados para lidar com os pacientes fora

de possibilidades terapêuticas de cura. Isto porque, somente sua

formação e qualificação profissional (que lhes deram suas

competências, habilidades e base tecnológica apropriados) não é o

bastante para desempenhar, na plenitude, a prestação de cuidados

paliativos, que os conhecimentos estruturados e específicos podem

propiciar.

4.8 Lidando com pacientes oncológicos

A última questão da pesquisa é uma sondagem dos sentimentos que brotam mais

intensamente da lida com os pacientes terminais e seu entorno familiar. Alguns

participantes masculinos mencionaram a tristeza e a impotência diante do

irremediável, que lhes deixa um “pouco traumatizado”, enquanto outros

manifestaram autoconfiança e otimismo, por acharem-se “capacitado

tecnicamente e psicológicamente”, por “oferecer carinho” e por “estar ajudando o

meu cliente tanto mental como espiritualmente para que ele aceite a sua doença e

que tenha um final tranqüilo.” Outros ainda, reclamaram indiretamente da falta de

informações sobre o estado real do paciente, que levam os familiares a ficar

“totalmente sem rumo”, e da impossibilidade de “um tratamento assistencial

100%” porque, “muitas das vezes, o setor está tumultuado”.

QUADRO 6M Questão XI - Lidando com pacientes oncológicos

fora de possibilidades terapêuticas de cura

1. Acho muito triste e estressante quanto ao tratamento, pois os familiares ficam totalmente sem rumo, solicitando a cada momento o profissional a verificar dados vitais do paciente. (E muitas das vezes, o setor está tumultuado, impossibilitando um tratamento assistencial 100%.)

2. Um pouco traumatizado mas com a consciência tranqüila por tentar dar o maior conforto e evitar o sofrimento.

109

3. Triste, por saber que não poderei fazer nada para promover cura, mas, ao mesmo tempo, feliz, por saber que posso oferecer carinho neste momento delicado.

4. Impotente, sabendo que não tem nada a fazer.

5. Me sinto realizado por estar ajudando o meu cliente tanto mental como espiritualmente para que ele aceite a sua doença e que tenha um final tranqüilo.

6. Capacitado tecnicamente e psicológicamente.

Entre as participantes femininas, os sentimentos que ficam ao lidarem com os

pacientes terminais e seus familiares são diversos. Há a tristeza e a impotência

diante da realidade sem solução, tendo que “presenciar o fim desta vida, sob os

meus cuidados”. Uma situação que “emocionalmente” agride e “consome”,

fazendo o profissional sentir-se “vulnerável”, transitando entre a felicidade de

estar oferecendo toda a ajuda ao seu alcance, e a tristeza de saber que “não há

solução”. Uma das respostas denota uma reclamação contra a falta de

informações que afetam as relações pessoais no ambiente de trabalho pois “não

temos nem o que dizer diante das indagações da família”.

A autoconfiança e o otimismo, também presentes entre as técnicas e

auxiliares pesquisadas, é um recurso contra a infelicidade diante da

situação terminal, permitindo passar “tranquilidade” e “segurança” para

o paciente e a família, oferecer “carinho”, enfim, “dar de mim o melhor

que posso, profissionalmente e humanamente, mesmo não sendo

compreendida às vezes” e até “levar de uma maneira como se tivesse

cuidando de qualquer outro paciente”. Das participantes femininas que

se sentem preparadas, apenas uma mencionou estar “espiritualmente

fortalecida para enfrentar as dificuldades da vida”, enquanto outra disse

procurar “ver a morte como um alívio para o sofrimento do paciente”.

QUADRO 6F Questão XI - Lidando com pacientes oncológicos

fora de possibilidades terapêuticas de cura

110

1. Triste e impotente, porque muitas vezes não temos nem oque dizer diante das indagações da família.

2. Me sinto vulnerável, ora com um espírito forte, oferecendo toda ajuda que está ao meu alcance, junto aos cuidados médicos; ora triste, impotente diante desta realidade, que não há solução e ter que presenciar o fim desta vida, sob os meus cuidados.

3. Não me sinto bem, porém acho que o caminho é poder passar a tranqüilidade necessária num momento tão delicado (...) então fico feliz e realizada.

4. Eu me sinto impotente, sabendo que mesmo tomando os devidos cuidados não vou conseguir recuperar a saúde deste paciente para que ele volte ao seu lar; é muito triste.

5. Triste, por saber que não poderei fazer nada para promover a cura, mas, ao mesmo tempo, feliz, por saber que posso oferecer carinho neste momento tão delicado.

6. Muito útil, procurando dar de mim o melhor que posso profissionalmente e humanamente, mesmo não sendo compreendida às vezes, mas sempre vou para casa de alma limpa, com a certeza de que dei o melhor de mim.

7. Às vezes, tristeza, mas procuro levar de uma maneira como se tivesse cuidando de qualquer outro paciente.

8. Preparada, pois procuro ser tranqüila e transmitir isso sempre com carinho e respeito com paciente e familiares.

9. Emocionalmente me agride; tenho muito respeito pelo sofrimento; levo a sério cada patologia que cuido, por isso, um paciente oncológico e sem possibilidades me consome tanto física quanto emocionalmente, pois ele inspira muitos cuidados.

10. Não me sinto bem, porque émuito triste ver tanto sofrimento, tanta angústia ao mesmo tempo. Penso que tanta dor, sofrimento, poderia ser amenizados tanto para o pacente quanto para afamília.

11. Triste, por saber que não poderei fazer nada para promover cura, mas, ao mesmo tempo, feliz, por saber que posso oferecer carinho neste momento delicado.

12. Tecnicamente preparada e segura quanto aos cuidados; espiritualmente fortalecida para enfrentar as dificuldades da vida.

13. Eu me sinto mal,pois sei que apesar dos cuidados a doença continua evoluindo e a pessoa morrerá. Eu procuro passar segurança para a família e para o paciente, mas eu fico triste em alguns casos.. Mas eu procuro ver a morte como um alívio para o sofrimento do paciente.

111

As respostas dos dois grupos evidenciam que os cuidados paliativos

ainda não foram efetivamente absorvidos pelos técnicos e auxiliares de

enfermagem, o que impede a sua prática eficaz e traz alguns

transtornos e decepções. Vemos, por suas expressões, que poucas se

sentiam felizes e realizadas com seu trabalho, apesar do desejo de

passar carinho, tranquilidade e segurança ao paciente; de se

convencerem de que estão preparados (tecnicamente, psicologicamente

e espiritualmente) para os cuidados; e de procurar dar o melhor de si.

Muitos fatores podem estar contribuindo para o estresse, a tristeza e a impotência revelada pelo profissionais, na lida com pacientes terminais. De fato não há o que fazer em relação à cura, cuja esperança esvaiu-se juntamente com os recursos médicos, farmacológicos e nutricionais. Mas para a enfermagem paliativa, que continua ali, prestando cuidado como lhe compete, não acabou. Apenas iniciou-se o último ato de uma existência – o processo de morrer – cujas característcias ainda não estão bem conhecidas.

112

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A literatura revisada e a análise do conteúdo oferecido pelos

participantes desta pesquisa, confirmam a hipótese inicial, segundo a

qual a prestação de cuidados de enfermagem a paciente terminal deve

incluir o atendimento integral das suas necessidades bio-psico-socio-

culturais. Ele precisa ser reconhecido como ser humano único, que

deve ser ajudado a morrer bem, com algum conforto e dignidade,

satisfazendo suas necessidades físicas, emocionais, sociais e

espirituais.

As variáveis também restaram comprovadas nos dois estudos. A

primeira é que, quanto mais conhecimentos sobre a morte o profissional

de enfermagem dispõe, para além de seus aspectos clínicos e legais,

melhor assistência poderá prestar às pessoas sob seu cuidado ou

proteção. A segunda é que, mesmo com as competências, habilidades

e base tecnológica apropriadas, adquiridas em sua formação e

qualificação profissional, salvo algumas raras exceções, não estão

devidamente capacitados e preparados para lidar com os pacientes sem

possibilidades terapêuticas de cura.

Da análise do conteúdo, resta que todos os participantes tem uma

noção sobre cuidados paliativos e procuram fazer o melhor que podem

para superar as dificuldades com os pacientes terminais, mas não estão

satisfeitos com seu trabalho.

Parece que a postura referida no estudo de Ferrell & Whedon (1991),

de que muitos equipamentos e dispositivos parecem confortáveis e

seguros para os pacientes (além de aumentar a produtividade e

justificar os custos), é uma tendência predominante entre profissionais

de enfermagem, inclusive local. Voltam-se para o alarme do

equipamento, quando deveriam estar atendendo o chamado do

113

paciente. E quando acabam os avançados recursos tecnológicos da

terapêutica de cura, ficam perdidos, tumultuados, evasivos, sem saber o

que falar para os familiares e o próprio paciente, considerado apenas

como um infeliz cliente ou um paciente igual aos outros, que merece

compaixão e sedativos.

Essa tendência se sustenta no fato de que os assistentes de cuidados

palitivos são capacitados, instruídos e treinados para as atividades e

procedimentos convencionais da enfermaria hospitalar, mas não para o

cuidar de pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura. Nesta

fase, exige-se muito mais dos enfermeiros (de todos), não lhes cabendo

afirmar, como os outros profissionais de saúde, que nada mais pode ser

feito, e ir para a beira de outro leito, em outro quarto, ou para casa com

a tranqüilidade do dever ali cumprido. Nem cabe também sentimentos de

impotência e infelicidade diante do processo de morrer, pois esses estados são

mais próprios de quem atua na assistência de saúde curativa e não consegue

mais resultados.

Em cuidados paliativos, com os conhecimentos disponíveis, é possível

aos enfermeiros, especialmente os técnicos e auxiliares – sujeitos deste

estudo – desempenhar bem outro papel humanitário. Estes precisam de

preparo tecnocientífico que envolva não apenas conhecimentos sobre

drogas analgésicas (ação, via de administração, efeitos colaterais,

dosagem, contra-indicações, mitos) e outros procedimentos clínicos.

Devem ser capazes e idôneos para avaliar os sintomas, principalmente

a dor, e para reconhecer situações de distanásia. Devem estar

preparados também para conhecer e aplicar os princípios da bioética;

desenvolver a relação de escuta ativa; realizar comunicação efetiva

com o paciente, a família e os demais membros da equipe; trabalhar em

equipe interdisciplinar e apresentar facilidade para cuidar de família.

114

Se esses conhecimentos estiverem estruturados em uma disciplina,

possivelmente o cuidado integral terá outra conotação, levando mais

prestígio e respeito a essa categoria profissional. Aliás, a abordagem

do cuidado paliativo integral pelos enfermeiros (técnicos/auxiliares e

graduados) está resgatando uma parte do patrimônio natural destas

categorias, relegadas a segundo plano pela cultura curativa.

Pelo exposto, resta evidente que o perfil do técnico ou do auxiliar de

enfermagem está bem delineado na lei, porém, na realidade, se

apresenta bem diferente, a começar dos estudos sobre este grupo de

prestadores diretos de cuidados e sua inclusão nas equipes de

enfermagem, que são escassos na literatura, e refletem a precariedade

destas profissões tão requisitadas na contemporaneidade. E para

reverter essa situação, cremos ser preciso superar o enfoque tradicional

da formação profissional, baseada apenas na preparação para

execução de determinados conjuntos de tarefas e procedimentos, e

avançar para além desse domínio operacional de fazeres.

A compreensão global do processo de cuidados paliativos pressupõe

uma transdisciplinaridade com a psicologia, a religião, a comunicação

efetiva, o processo de morrer dignamente, a filosofia, a ética, só para

citar alguns exemplos, e uma transversalidade com as respostas dos

pacientes, com seus sofrimentos, ansiedades e medos, em meio às

estratégias terapêuticas.

O cuidar aceita a finitude da existência e sempre existirá algo que se

possa fazer para melhorar a vida que resta.

115

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NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Coleção Trans. 2001. 120p.

127

APÊNDICE I TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, _____________________________________________________, com ______ anos

de idade, do sexo____________, residente em ______________________________,

declaro ter sido informada(o) e estar devidamente esclarecida(o) sobre os objetivos e

intenções deste estudo de Cuidados Paliativos; sobre os procedimentos a que estarei

sendo submetido; e sobre os riscos e desconfortos que poderão ocorrer. Declaro também

ter recebido garantias de total sigilo sobre minha participação neste estudo,

especialmente em relação ao questionário, sobre o qual receberei todos os

esclarecimentos que desejar, incluindo o próprio estudo e sua destinação. Tenho

consciência de que minha participação neste estudo está isenta de despesas, é

voluntária e não-remunerada, podendo retirar meu consentimento a qualquer tempo, sem

nenhuma punição ou indenização.

Por ser verdade, firmo o presente.

Divinópolis, _____de ______________________de 2008

____________________________________

Sujeito da pesquisa

_____________________________________

Testemunha

PESQUISADOR RESPONSÁVEL Eu, Alexandre Ernesto Silva, responsável pelo projeto de pesquisa sobre “A COMPLEXIDADE DA MORTE E OS CUIDADOS PALIATIVOS EM ENFERMAGEM DE NÍVEL TÉCNICO”, declaro que obtive, espontaneamente, o consentimento deste sujeito de pesquisa para realizar este estudo.

Ass.:_____________________________________. Data: ____/_____/2008

Contato do pesquisador: <[email protected]> <[email protected]> Rua do Cobre, 800 – Divinópolis, MG - Cel. 9117 0141

Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São João de Deus Rua do Cobre, 800 – Divinópolis, MG – Fone: (37) 3229 7401

128

APÊNDICE II QUESTIONÁRIO - CUIDADOS PALIATIVOS

ENFERMAGEM TÉCNICA

I - Identificação: (Preencha os campos abaixo)

• Idade:_______

• Formação profissional/Ano: _____________________________/______

• Situação educacional: ________________________________________

• Local de trabalho:____________________________________________

• Tempo de profissão: _______________

II - Você é capacitado(a) em Cuidados Paliativos ou (se Você não é) já recebeu alguma instrução a respeito? (Marque apenas duas respostas)

[___] Sim, sou [___] Não sou capacitada

[___] Sim, recebi alguma instrução [___] Não recebi nenhuma instrução

III - Qual a sua idéia sobre cuidados paliativos? (Responda objetivamente)

[__________________________________________________________

________________________________________________________

___________________________________________________________

___________________________________________________________

__________________________________________________________

IV - A partir de seu cotidiano, o que mais ocorre com pacientes fora de possibilidades terapêuticas? (Enumere as respostas em ordem de ocorrência: 1, 2, 3, 4)

Dor [___] Angústia [___] Estresse [___] Solidão [___]

129

V - O que Você acha mais difícil na sua lida com os pacientes oncológicos sem possibilidades de cura? (Responda objetivamente)

[__________________________________________________________

VI - Como é sua relação profissional com os pacientes oncológicos sob seus cuidados? (Marque apenas uma resposta)

Técnica [___] Afetiva [___] Impositiva [___] Distante [___]

VII - Como é seu entrosamento com: (1) os pacientes e (2) seus familiares? (Marque apenas uma resposta em cada linha)

1 - Muito bom [___] Bom [___] Razoável [___] Péssimo [___]

2 - Muito bom [___] Bom [___] Razoável [___] Péssimo [___]

VIII - Na sua concepção, o que é a morte? (Responda objetivamente)

[__________________________________________________________

___________________________________________________________

__________________________________________________________

___________________________________________________________

__________________________________________________________]

IX - No seu entendimento profissional, como deveria ser a fase final da vida dos pacientes sob seus cuidados? (Responda objetivamente)

[__________________________________________________________

___________________________________________________________

__________________________________________________________

130

X - Você aprova a introdução da disciplina de cuidados paliativos nos cursos técnicos de enfermagem?

Sim [___] Não [___] Por que? (Responda objetivamente)

[__________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________]

X - Como Você se sente, lidando com pacientes oncológicos fora de possibilidades terapêuticas? (Responda objetivamente)

[_________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

131

APÊNDICE III ESCLARECIMENTOS

I - Não é necessário informar o nome, apenas a idade, o nível de formação profissional (técnica, graduação, pós etc.), a situação educacional (cursando etc.), local (ou setor em que trabalha no HSJD) e tempo de profissão;

II - São duas perguntas nesta questão. Marque uma das alternativas para cada uma;

III - Escreva a sua opinião sobre CP. Tente construir um conceito próprio;

IV - Marque com números a ordem de ocorrência dos eventos; em primeiro lugar, em segundo, em terceiro etc.;

V - Reflita sobre as dificuldades encontradas no seu cotidiano; depois escolha e aponte as mais importantes, falando sobre elas, resumidamente;

VI - Avalie seu comportamento, e escolha um dos níveis que mais representa o seu tipo de relação profissional;

VII - São duas perguntas nesta questão. Qualifique seu relacionamento (1) com os pacientes e com (2) seu familiares.Marque uma das alternativas para cada uma;

VIII - Escreva o que Você pensa sobre a morte;

IX - Escreva a sua opinião a partir do seu cotidiano no hospital;

X - Marque uma resposta e explique o por quê;

XI - Esta questão refere-se aos seus sentimentos e emoções.

Obrigado pela atenção!

__________ (ºº,) __________ DIVINÓPOLIS, FEV. 2008