CULTURA.SUL 86 - 13 NOV 2015

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www.issuu.com/postaldoalgarve 7.590 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO NOVEMBRO 2015 n.º 86 DR Grupo de Amigos de Museu de Portimão, uma estrutura cívica em crescimento p. 10 Helder Guégués: Em Português, Se Faz Favor p. 11 D.R. Redescobrir a Sé, miradouro privilegiado p. 3 D.R. Grande ecrã: ‘Três Irmãs’ de Bing Wang em Tavira p. 3 Espaço ALFA: Viajar para fotografar ou fotografar em viagem? D.R. p. 7 D.R. Na senda da cultura: Um abysmo de ‘nadas’ p. 8 Sala de leitura: D.R.

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• CONHEÇA O CULTURA.SUL DESTE MÊS • Sexta-feira (dia 13/11) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > Missão Cultura: Acesso à Cultura e ao Património, por Direcção Regional de Cultura do Algarve > GRANDE ECRÃ: ‘Três Irmãs’ de Bing Wang em Tavira > NA SENDA DA CULTURA: Redescobrir a Sé, miradouro privilegiado, por Ricardo Claro > PESPAÇO ALFA: Viajar para fotografar ou fotografar em viagem?, por Vera Silvestre > SALA DE LEITURA: Um abysmo de ‘nadas’, por Paulo Pires > ESPAÇO AO PATRIMÓNIO: Grupo de Amigos de Museu de Portimão, uma estrutura cívica em crescimento, por Daniel Cartuxo > DA MINHA BIBLIOTECA: Helder Guégués: Em Português, Se Faz Favor, por Adriana Nogueira

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www.issuu.com/postaldoalgarve7.590 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

NOVEMBRO2015n.º 86

dr

Grupo de Amigos de Museu de Portimão, uma estrutura cívica em crescimento

p. 10

Helder Guégués:

Em Português, Se Faz Favor

p. 11d.r.

Redescobrir a Sé, miradouro privilegiado

p. 3

d.r.

Grande ecrã:

‘Três Irmãs’ de Bing Wang em Tavira

p. 3

Espaço ALFA:

Viajar para fotografar ou fotografar em viagem?

d.r.

p. 7

d.r.

Na senda da cultura:

Um abysmo de ‘nadas’

p. 8

Sala de leitura:

d.r

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13.11.2015 2 Cultura.Sul

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Acesso à Cultura e ao Património

O património só tem signifi-cado pelo seu encontro com as pessoas.

Há diferentes formas de ex-plorar e discutir a questão da acessibilidade em património, em museus e nos bens culturais em geral. Por estes dias o centro desta discussão está em Castro Marim, na Casa do Sal, que aco-lhe o 4º Encontro Transfrontei-riço de Profissionais de Museus, numa organização conjunta da APOM (Associação portuguesa de Museologia- delegação re-gional e da APPA - Associação de Museógrafos e Museólogos da Andaluzia), com o apoio da Direção Regional de Cultura do Algarve.

Tornar o património aces-sível a todos pode representar dar prioridade à acessibilidade física mas também outras for-mas de compreensão e de expe-riência. Stephen Weil em 1999 a propósito do museu norte--americano dizia que o que era fundamental agora era: “From Being about Something, to Being for Somebody”.

Tal como noutras questões, também nestas é muito difícil generalizar as soluções mais adequadas.

Por vezes, a intervenção ne-

cessária pode ser mais tempo-rária ou permanente, outras re-presentam um grande desafio à criatividade, na medida em que se tem que conciliar a legislação, a conservação do património e as ideologias políticas domi-nantes destas áreas e, por vezes, torna-se mesmo impossível evi-tar impactes negativos sobre o património.

A conservação do patrimó-nio procura adaptar-se às mu-danças em termos de necessida-des e valores da sociedade. Ao mesmo tempo, temos assistido ao desenvolvimento de solu-ções técnicas por parte do de-sign, da arquitectura, das no-vas tecnologias. Outras vezes, é necessário algum amadureci-mento em termos das opções a adoptar. O diálogo construtivo e a cooperação ajudam neste percurso.

Existe hoje um movimento de âmbito internacional alar-gado, que reflecte sobre estas questões e preocupações.

A nível nacional, constituiu-se um Grupo que se tem dedicado a estas reflexões e tem protago-nizado ofertas formativas nestes domínios (até 2013 designado por GAM) agora Acesso Cultura (associação formal). Este grupo tem vindo a colocar as questões de acessibilidade no centro das preocupações e da reflexão dos museus portugueses e tem di-namizado diversos debates re-gionais.

No sector dos museus, uma das formas de contribuir para esta maior acessibilidade pren-de-se com a possibilidade de exigir o cumprimento das nor-mas mínimas de acessibilidade no âmbito do processo de cre-denciação dos museus, con-forme a ACESSO Cultura tem procurado. No seio da rede re-gional de Museus do Algarve esta é também uma preocupa-ção que tem vindo a fazer parte dos fóruns de especialistas.

Idealmente os objectos, as paisagens, os lugares que se constituem como património cultural e que resultaram da ação humana devem perma-necer inalterados, contudo, a igualdade no acesso aos mes-mos criou esta necessidade de ajustamento a necessidades e pessoas diferentes. Esta questão faz parte do natural desenvolvi-mento das democracias.

Alguns destes locais são par-ticularmente sensíveis face a no-vas intervenções e sobretudo a novas construções.

Por vezes, a solução é criar es-paços de interpretação fora des-se património e manter o aces-so limitado em monumentos de maior vulnerabilidade. Este é um desafio global não só dos museus, dos bens culturais, dos seus profissionais, mas também daqueles que têm a responsabi-lidade de promover a educação patrimonial.

Quer os valores materiais,

quer os imateriais compreen-dem a acessibilidade do patri-mónio cultural.

Os programas educativos e interpretativos no seio do seu desenvolvimento criam tensões e disputas em torno dos mes-mos objectos, pelo que se torna essencial mais do que definir o “argumento” científico é neces-sário criar percursos de intera-ção, que sejam potenciadores de novas dinâmicas culturais.

Sabemos também que nem todas as melhorias em termos de acessibilidade requerem in-vestimento financeiro.

A participação de diferentes grupos nos mesmos espaços patrimoniais requer um estu-do das melhores metodologias para a maior democratização

e subsequente acessibilidade junto de diferentes grupos de indivíduos. Com frequência é necessário olhar à especificida-de do lugar e definir soluções específicas.

A diversidade cultural e so-cial é tão importante quanto a igualdade de oportunida-des no acesso à cultura e ao património.

Na base da actuação com vis-ta a uma maior acessibilidade ao património deve estar uma análise cuidadosa do valor do património e considerar as con-sequências versus as alternativas para facilitar a decisão final e a opção de intervenção.

A questão da acessibilidade deve ser abordada como um processo e não como um pro-jecto. Os nossos esforços devem ser colocados em como encon-trar formas de melhorar a aces-sibilidade do património e da cultura.

A acessibilidade envolve movimento, visão e audição, e integração; envolve uma abor-dagem do lado do visitante. É importante o design, a educa-ção e a formação e procurar conhecer o que já existe de me-lhores práticas. É um compro-misso, não é uma opinião.

Melhorar o acesso à cultura, aos museus e às colecções jun-to dos visitantes (ou potenciais visitantes) com necessidades es-peciais é um desígnio que deve ser partilhado por todos.

Mê menine… e a tu mãe?

Depois do sucesso da peça Mê Menine... e o tê Pai?, que esteve em cena durante 6 anos  e que per-correu o Algarve sempre com ca-

sas cheias, a GORDA surge uma nova peça que é uma sequela da anterior e que promete ter sucesso idêntico.

Mê Menine... e a tu Mãe? é a mais recente produção da com-panhia olhanense, que conta com João Evaristo e Joaquim Parra como intérpretes.

Na sequência da peça Mê Me-nine... e o tê Pai?, as duas persona-gens, Zé e Janica, voltam a encon-trar-se, desta vez numa taberna de Olhão. Sentados à mesa, os

dois pescadores relembram al-gumas histórias do imaginário olhanense, com o mesmo hu-mor e espírito crítico de sempre.

Estreada em novembro de 2014, em Ferragudo, a peça Mê Menine… e a tu Mãe?, que esgo-tou em março no Auditório Mu-nicipal, obrigando a uma nova apresentação em outubro, vol-tou a encher a sala. De tal for-ma que se teve que anunciar um espetáculo extra para o dia a seguir. Tudo indica que não

fique por aqui.Para além de esgotar salas,

as duas personagens Zé e Jani-ca fazem sucesso na Internet. O último vídeo publicado, um ex-certo da peça apresentada em outubro, atingiu, em dois dias, mais de seis mil visualizações.

Para além das duas peças referidas, estas duas persona-gens protagonizam a versão vídeo da iniciativa MOCE MÓ, que integra o J desde a sua pri-meira edição.

Editorial Missão Cultura

Direção Regionalde Cultura do Algarve

Juventude, artes e ideias

“Concerto de VIVIANE”14 NOV | 21.30 | TEMPO – Teatro Municipalde PortimãoViviane revisitará os temas principais que marcaram a sua carreira ao longo dos quatro CDs de originais já editados desde 2005

“OLHARES LACOBRIGENSES”Até 30 DEZ | 21.30 | Fototeca Municipal de LagosO paradigma fotográfico vai mudando por força da evolução tecnológica e das abordagens diferentes que ela permite, a par das novas intuições sobre co-municação por imagem

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Imagem do percurso acessível na Fortaleza

de Sagres

Faz hoje, 13 de Novembro, 555 anos que o Infante D. Henrique faleceu em Sagres. Ali mesmo onde fundou uma tercena naval, comummente conhecida por Escola de Sa-gres, expirou no ano de 1460, 66 anos depois de ter nascido na cidade do Porto, em 1394.

Mais do que relembrar a personagem histórica ímpar e a sua profunda ligação a Sa-gres e ao Algarve - o que por si só não é de somenos - a ver-dade é que foi em navios cujos destinos foram traçados pelo Infante de Sagres que os por-tugueses se fizeram ao mar em direcção a muitas das paragens que tornaram Portugal um po-tentado das Descobertas.

A estes destinos os navega-dores levaram, sob o ‘protecto-rado’ do Infante D. Henrique, a cultura portuguesa e deles trouxeram para Portugal as mais diversas influências, fenó-meno de permuta que reper-cutiu os seus efeitos à escala mundial.

O Infante foi por esta razão um homem de visão não só para a expansão marítima de Portugal e para o reforço da posição do país durante sécu-los no mundo, mas também um dos grandes fomentado-res da expansão da cultura e, muito em particular, da língua portuguesa por todo o globo.

Deu ao velho mundo novos mundos e a estes a herança cultural do primeiro, de forma que marcou para todo o sem-pre a História da Humanidade.

Incontornável, o Infante foi e é uma das figuras mais mar-cantes da cultura portuguesa enquanto fenómeno nacional e internacional, nesta medida a ele devemos em larga medi-da a grandeza do ser cultural português .

Em Memória do Infante

Ricardo [email protected]

Jady Batista Coordenação do Jornal J

d.r.

Os actores de mê me-nine... e a tu mãe?

13.11.2015  3Cultura.Sul

Na senda da cultura

Há locais que de tanto nos habi-tuarmos a vê-los perdem a sua im-portância no conjunto das memó-rias que guardamos. Têmo-los por adquiridos... estão aqui mesmo, tão perto de nós que quase os ignoramos e assim se vão perdendo na penum-bra da memória selectiva que temos.

O ano de 1251 marca o início da construção da Sé Catedral de Faro, so-bre o que antes teria sido a mesquita, depois um templo romano e ainda, mais tarde, um templo cristão da alta idade média.

Mas Sé só se tornaria com a trans-ferência do bispado para a cidade de Faro, assumindo o título honorífico em 1577.

Repetidas vicissitudes ditaram a sua constante alteração ao longo dos tempos. Desde logo a pilhagem e incêndio pelos ingleses durante as invasões francesas e depois o terra-

moto de 1755.A Sé de Faro encerra um patrimóio

de relevo à escala da região, desde logo com o retábulo-mor de caracte-rísticas maneiristas e com o retábulo do antíssimo Sacramento de traça barroca que apresenta grande tri-buna albergando um monumental trono piramidal.

Os tectos de madeira profusamente decorados são suportados por colu-nas dóricas e albergam várias capelas laterais de diferentes e belas decora-ções, onde pontuam os azulejos de-corativos evocativos da religiosidade.

O órgão setecentista construído em

Lisboa pelo alemão Johann Heinrich Hulenkampf encontra-se decorado com pinturas em chinoiserie realizadas por um artista tavirense e apresenta três castelos e quatro nichos sobrepostos.

Mas o que se destaca na Sé Catedral é sem dúvida a torre da fachada de entrada, que antecede o portal prin-cipal do templo.

Com três arcos ogivais em cada uma das fachadas expostas ao exte-rior a também torre sineira é o ponto mais alto de todo o conjunto da Cida-de Velha de Faro e proporciona uma

vista panorâmica única sobre grande parte da cidade e dos esteiros da Ria Formosa que se estendem a Sul até às ilhas barreira.

A vista é magnífica a partir deste ponto privilegiado, verdadeiro mira-douro-mor da cidade.

Aos visitantes é ainda proporcio-nado o acesso ao Museu do Cabido Catedralício, onde várias imagens religiosas e paramentos podem ser observados a par de outros objec-tos de arte e de função ligados à religiosidade.

Uma vista a não perder para re-descobrir a Sé Catedral de Faro e reencontrar um dos monumentos notáveis da cidade e da região, refres-cando a memória deste que é o nosso património, tantas vezes esquecido.

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO AN-TÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS

19 NOV | SAN ZIMEI - THREE SISTERS (TRÊS IRMÃS), Bing Wang – França/Hong Kong 2012 (153’) M/1226 NOV | LOIN DES HOMMES (LONGE DOS HOMENS), David Oelhoffen – França 2014 (101’) M/12

28 NOV | SÅ MEGET GODT I VENTE - GOOD THINGS AWAIT (COISAS BOAS NOS ESPERAM) Phie Ambo – Dinamarca/Islândia 2014 (96’) M/12

‘Três Irmãs’ de Bing Wang a não perder em Tavira

Neste penúltimo mês de 2015 propomos mais um pro-grama de grande interesse. Co-meçámos com a primeira par-te da trilogia de Miguel Gomes (Tabu e O Meu Querido Mês de Agosto).

Na semana a seguir exibi-mos um filme relativamente desconhecido mas de grande interesse: Masaan, a primeira longa metragem de Neeraj Ghaywan.

Não percam um dos docu-mentários que mais me mar-caram nos últimos anos: Três Irmãs, do realizador chinês Bing Wang. Junto aos meus colegas no júri da Federação Internacional de Cineclubes elegemos este filme como o melhor no Festival de Fri-bourg (Suíça) em 2013. Com Viggo Mortensen e Ángela Molina, Longe dos Homens é baseado numa história de Al-bert Camus, e em colaboração

com Apordoc, no sábado, dia 28, iremos exibir um docu-mentário ecológico: Coisas

Boas nos Esperam. Belos filmes, a não perder no grande ecrã!

Cineclube de Tavira

Cena do documentário ‘Três irmãs’

fotos: d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

CICLO PARALELOSAUDITÓRIO DA ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE | 21H3017 NOV | TAL PAI, TAL FILHO, Hirokazu Koreeda, Japão, 2013 , 120’, M/12

24 NOV | CÃES ERRANTES, Tsai Ming--liang, França/Taipé, 2014, 138’, M/12

SESSÃO EXTRAMUSEU MUNICIPAL | 18 HORAS27 NOV | NATIONAL GALLERY, Frederick Wiseman, EUA/Fra, 2014, 180’, M/12 A TELA AOS SÓCIOS“EUROPA” - PEDRO MESQUITASEDE | 21.30 HORAS19 NOV | Benvindo Mister Marshall, Luis García Berlanga, Espanha, 1953, 78’

26 NOV | Underground – Era uma Vez um País, Emir Kusturica, França/Jugoslá-via, 1995, 170’

SEMANA CULTURA CIENTÍFICA CCMARANFITEATRO VERDE - UALG GAMBELAS 18.30 HORAS18 NOV | O PESADELO DE DARWIN, Hu-bert Sauper, Áus/Bél/Fran/Ale, 2004, 107’

Redescobrir a Sé, miradouro privilegiadofotos: ricardo claro

Ricardo ClaroJornalista / [email protected]

13.11.2015 4 Cultura.Sul

Letras e Leituras

Crónicas do além: Lugar caído no Crepúsculo

João de Melo, autor aço-riano, regressou ao romance cerca de oito anos depois de O Mar de Madrid (2006). No entretanto o autor não esteve parado, publicou um peque-no livro ilustrado por Paula Rego, intitulado O Vinho, cujo conto figurava na co-lectânea de contos As Coisas da Alma (2003) e uma nove-la, A Divina Miséria (2009), que configurava um retorno ao realismo mágico ou, como o autor prefere designar, et-no-fantástico da sua obra O meu mundo não é deste rei-no e fechava de certa forma esse ciclo. O meu mundo não é deste reino (originalmente publicado em 1983), con-siderado por muitos a sua obra-prima, foi relançado pela Dom Quixote.

A 8ª. edição deste romance

foi publicada em Junho des-te ano, com a particularidade de ter sido também revista e reescrita pelo autor, nome-adamente no que concerne ao despojamento de certos regionalismos que podiam complicar a leitura de um romance que se quer fluído e universal.

João de Melo trabalhou ainda durante cerca de uma década como conselheiro cultural na embaixada de Portugal em Madrid. Refor-mado do ensino, o regresso a Portugal significou um re-gresso e uma dedicação ex-clusiva à escrita, que antes apenas se fazia de modo sa-zonal, aos domingos, dada a intensidade da sua activida-de profissional, e uma acu-tilante percepção crítica do estado da nação.

Lugar caído no Crepúsculo foi publicado em Outubro de 2014 e à semelhança de O meu mundo não é deste reino o título parte de uma intertextualidade, desta vez não com o texto bíblico mas com uma citação que serve de incipit ao roman-ce de Juan Rulfo: «Um lugar caído no crepúsculo, que é como quem diz, ali onde se

nos acaba a jornada.». Estas são aliás duas constantes da obra do autor, cujo imaginá-rio bebe da mitologia cristã (o autor estudou num semi-nário, à semelhança do pro-tagonista de Gente Feliz com

Lágrimas) bem como da literatura sul-americana.

O livro é dedicado à mãe («À memória viva da minha Mãe. Na sua morte.») que, conforme expresso em entrevista ao Jornal de Letras, terá interrogado o autor a propósito do que a es-peraria depois da morte.

A obra divide-se em seis cadernos, onde se nota também a inter-textualidade que se es-tabelece com A Divina Comédia de Dante. Os dois primeiros cader-nos, «Assim na Terra como no Céu» e «O Peso da Alma», pre-param o leitor para a viagem que se vai encetar, onde temos um protagonista, um ator famoso de nome Tomás Mascarenhas que nos narra as suas aventuras na primei-ra pessoa. O início da

narrativa inicia assim de forma normal, com uma aturada descrição da cida-de de Lisboa: «Encostando o ombro a uma esquina do velho Teatro Nacional, onde

tantas vezes fora aplaudido e ovacionado, pôs-se a ouvir o movimento surdo e enrolado da cidade. Viu as pessoas de sempre à conversa nos portais de acesso aos pátios e às lojas; outras a andar lado a lado nos passeios, com alguns pares de mãos dadas ou abraçados, fe-lizes, a deslizarem por entre uma gente triste e calada que caminhava de olhos no chão; e outras sentadas nos cafés, saudando-se, despedindo-se, sorrindo ou não a quem passa-va; e ainda outras que entre si lamentavam o estado do negó-cio, de pé à entrada dos peque-nos comércios (...).» (pág. 13).

É apenas no segundo capí-tulo que se adensa uma certa confusão quando um mago-te de gente começa a querer cercar o ator, ao descer a Rua Augusta, e subitamente o im-possível acontece: «Ao vê-la desprender-se do corpo e da bem-amada terra da sua ci-dade natal, e começar a subir aos céus, compreendeu que a alma se libertara de dentro de si e voava sozinha no ar, sob o firmamento de Lisboa.» (pág. 21). Neste primeiro caderno, constituído por apenas dois breves capítulos, a persona-gem parece incerta da sua condição, pois só nesta passa-gem nos apercebemos de que o que antes foi descrito como banal e quotidiano ganha lai-vos de fantástico em que pro-vavelmente a sua descrição de

Lisboa era já feita a partir de um outro plano.

Ainda a propósito do rea-lismo mágico, a própria obra procura deixar bem claro ao leitor como categorizar esta narrativa ou os eventos que nela se narram quando a personagem se interroga: «"Isto só podem ser coisas da literatura", pensou então. "Outra vez o realismo mági-co ou fantástico a apartar-me da minha própria pessoa (...). E como posso eu estar aqui a pensar, a dizer tudo isto, se afinal a minha alma se foi embora de mim e eu continuo vivo e de pé em terra, com a boca aberta, cheia de espan-tos, a assistir a semelhante desvario?"» (pág. 22).

Nos cadernos que se se-guem e que de certa forma re-definem o Além entre Limbo, Purgatório, Paraíso e Inferno, haverá outras personagens a narrar cada um desses espa-ços a partir da sua própria perspectiva.

Curiosamente, um desses espaços acabará por ver anu-lada a sua existência no de-curso do romance, num dos momentos-chave da narrati-va, em que a figura de Deus parece irromper até que se percebe que é afinal o Sumo Pontífice (Deus permanece-rá oculto nos seus recantos divinos) que vem decretar a extinção do Limbo – à seme-lhança do que aconteceu efec-

tivamente com o Papa Bento XVI em 2007. É deliciosa essa passagem: «De repente, foi um fragor no céu a abrir-se, a rasgar-se como um imen-so manto de seda estendido por cima das nossas cabeças. Despertou-nos da indiferença e do abatimento em que nos encontrávamos. Qual relâm-pago feroz, ou bicha faiscada de luz a descoser o firmamen-to, uma fenda de claridade encheu-nos de tal modo o olhar, que quase nos cegou a brancura da sua intensida-de. Caímos dos nossos nichos baixo. Tombámos como pesos mortos, uns por cima dos ou-tros. (...) Parecia uma ressur-reição.» (pág. 71).

Apesar do humor e da iro-nia a que nos habituara já noutros romances, o autor mantém um tom sério no re-trato que procura fazer tanto da realidade do país como desses vários planos sobrena-turais da existência. Basean-do-se na tradição e na imago-logia cristã, mas nem sempre os respeitando (como quando descreve o Inferno como uma superfície desolada toda co-berta de neve, situada na outra margem de Lisboa), o autor parte ainda de outras referências da tradição po-pular e da própria literatura portuguesa que, noutras épo-cas, contribuiu também para imaginar como seria a vida depois da morte. Outro dos momentos altos dá-se quando percebemos que quem tenta colocar ordem na confusão que reina na barca que zar-pa do Cais das Colunas, pelo Tejo acima, é o Mestre Vicen-te – o clássico autor da trilo-gia das barcas.

Apesar de este livro poder ter na sua génese o faleci-mento da mãe, o autor não se limita a interrogar aspec-tos metafísicos da existência humana pois as questões que se levantam estão so-bretudo ligadas à condição de se estar vivo e por que valores se deve conduzir a nossa existência. Desta for-ma o autor disserta sobre várias profissões, como cor-ruptos corretores da Bolsa, coloca os artistas no Paraíso, os ditadores no Inferno, bem como os assassinos, os bur-lões, e toda a «grossa ladroa-gem dos dinheiros públicos» (pág. 224).

Uma fabulosa efabulação da vida que nos espera para além da vida...

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

fotos: d.r.

João de Melo dedica a obra 'Lugar caído no Crepúsculo' à sua mãe

13.11.2015  5Cultura.Sul

Espaço AGECAL

O culto dos mortos: o 'pão por Deus' e outras tradições de 1 e 2 de Novembro

Existem dois grandes períodos festivos anuais: o ciclo da Primave-ra/Verão, marcado pela abundân-cia alimentar, decorações florais evocando a renovação da natureza, com a presença de crianças e jo-vens; e o ciclo de Outono/Inverno, caracterizado pela intensificação da relação entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, manjares ce-rimoniais e culto dos antepassados. (Clara Saraiva em Festas e Tradições Portuguesas, 2002)

O Dia de Todos os Santos e o dos Fiéis Defuntos ou dos Finados (1 e 2 de Novembro), que o povo sem-pre unificou, inauguram o Ciclo do Inverno, dedicado à celebração dos antepassados. Ainda hoje se fazem romagens aos cemitérios, limpam--se as campas, colocam-se flores e acendem-se lamparinas. “No dia dos finados à noite fazem-se grandes fo-gueiras nas praças, nas encruzilhadas das ruas. As mulheres velam aí e re-zam pelas almas”. Escrevia no início do séc. XX J. Leite Vasconcelos. Era costume nalgumas zonas do país acenderem-se fogueiras em honra dos mortos, comerem-se castanhas e beber-se vinho à roda do fogo.

O magusto com castanhas é uma das práticas alimentares que carac-teriza este período que vai até ao São Martinho (11 de Novembro). Os

magustos de 1 e 2 de Novembro são mais frequentes no Norte do país, rareiam no Alentejo e Algarve, mas aparecem na zona serrana de Mon-chique, onde além da castanha se comia também a batata-doce e se bebia aguardente de medronho. Noutras regiões subsistia o hábito de à meia-noite de 1 para 2 de No-vembro se pôr castanhas na mesa para os entes falecidos comerem durante a noite.

Enquanto a Páscoa e o Natal são épocas de ofertas, os “Santos”, bem como as Janeiras ou os Reis, são períodos de peditórios. As crian-ças iam de porta em porta pedir o “pão por Deus”. Acredita-se que por cada bolo oferecido se libertava uma alma do seu penar. Recebiam

no saco, nozes, castanhas, romãs, figos secos.

Registava Veiga de Oliveira em 1984: “No Algarve (…) cozem-se para o dia pequenas broas especiais, de fari-nha milha, que se comem e constituem o principal donativo tradicional que se faz às crianças que andam a pedir”. Em Odeceixe as crianças, ricas e po-bres, correm as casas, cantando às portas em melopeia:

B’linh’, b’linh’,P’r alma d’ sê d’funtinh’!Broa, broa.P’r alma da sua c’roa! E as pessoas dão-lhes as broas, e

também castanhas, com que elas fa-zem magustos nos campos.

Na Mexilhoeira Grande, as crian-ças andam pelas portas, desde o dia 1 até ao dia 12, mais ou me-nos, pedindo:

Bolinho, bolinho,Pela alma do defuntinho.E recebem, por exemplo, amên-

doas, castanhas, figos, pão (se são pobres), broas, etc. Registava J. Leite Vasconcelos na sua Etnografia Por-tuguesa, vol. VIII no início do séc. XX.

Em Santa Catarina da Fonte do Bispo o “bolo dos Santos” era ofere-cido pelos padrinhos aos afilhados.

Mas qual o significado destes rituais?

Segundo E. Veiga de Oliveira em

Festividades Cíclicas em Portugal, a crença na sobrevivência da alma, no seu retorno periódico à terra e sua intervenção nos acontecimentos humanos encontra-se em todos os povos e em todas as épocas. Nestes

dias, acredita-se que as almas vêm à terra visitar os lugares que habita-ram em vida, por isso se fazem bo-los destinados às almas, peditórios, mesas postas para os defuntos e ofe-rendas alimentares a par de luminá-rias sobre as campas. As crianças que andam de porta em porta pedindo pão por Deus parecem representar as almas dos mortos que erram pelo mundo e por isso dar-lhes pão equi-vale a dá-lo às almas. Também os magustos que se fazem nesses dias constituem reminiscências de sacri-fícios ou cerimónias fúnebres ritu-ais que tinham lugar no dia consa-grado aos mortos e que envolviam ofertas alimentares às almas dos mortos familiares.

A crença que os mortos têm influ-

ência no mundo dos vivos constitui um dos principais fundamentos de todas as crenças religiosas, sublinha o historiador José Mattoso em “Pressu-postos mentais do culto dos mortos” (1997). Alguns rituais destinam-se a intervir positivamente no processo de passagem da vida para a morte. A celebração do dia dos finados, entre outros costumes (oferendas, orna-mentação do túmulo, preces pelas almas, os banquetes em memória dos defuntos), procura garantir um destino mais feliz e tranquilo para o morto, ou, sendo os mortos conside-rados protectores dos vivos, garantir a sua benevolência para os vivos e o caminho da salvação para aqueles que os lembram e veneram.

A progressiva implantação do “Halloween” ou Dia das Bruxas em Portugal, uma tradição anglo--saxónica, constitui, como alerta a Direcção Geral do Património Cul-tural, uma ameaça à continuidade do “Pão por Deus” e das restantes práticas e crenças que marcam es-tes primeiros dias de Novembro. O carácter manifestamente comer-cial do “Halloween” artificializa e descontextualiza manifestações comunitárias antigas, eliminando expressões orais e conotações re-ligiosas e simbólicas presentes na tradição do “Pão por Deus”, que remetem para a ancestral relação do homem com a morte e com os seus antepassados.

Não terão neste período festivo, escolas, autarquias, museus e ou-tras entidades de natureza edu-cativa e científica, a obrigação de prioritariamente conhecer, estu-dar, preservar e promover o nosso património imaterial e a identidade cultural do País?

Catarina OliveiraArqueólogaSócia da AGECAL

O tratamento e manutenção das campas nos cemitérios é uma tradição no país

fotos: d.r.

Bolinhos característicos do 'Pão por Deus'Sacolas ainda hoje utilizadas em algumas zonas

pelas crianças para pedirem o 'Pão por Deus' porta-a-porta

13.11.2015 6 Cultura.Sul

Artes visuais

Saul Neves de JesusProfessor catedrático da UAlg;Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

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“VIII FESTIVAL DE ÓRGÃO”14 NOV | 21.30 | Igreja da Sé em FaroO organista Marco Brescia é frequentemente convi-dado a actuar em prestigiados festivais e ciclos inter-nacionais de concerto na Europa e América

“DIVERSIDADE DE OLHARES”Até 12 DEZ | Galeria de Arte da Praçado Mar - QuarteiraO Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros traz a Quarteira uma embaixada de artistas que apresentam os seus trabalhos dentro da pintura, desenho e fotografia

Qual a importância da cor nas artes visuais? (do século XX à atualidade)

Obra “Nu azul IV”, de Henry Matisse (1952)

fotos: d.r.

No último número analisá-mos alguns dos principais con-tributos ocorridos até ao século XX para compreender a impor-tância da cor em artes visuais. Neste número vamos analisar al-guns dos principais contributos ocorridos desde então.

Conforme refere Guinle, “não se trata da cor das coisas, mas das coisas que surgem da cor” (2010). Por exemplo, em Matisse não é um corpo que é azul, mas um azul que se mostra como fi-gura. Quando “desenhou” com a tesoura o seu “Nú Azul IV” (1952) não coloriu um contorno, não ha-vendo linhas a delimitar o seu tra-balho. As colagens de papel azul formaram um todo, insinuando uma figura, sendo a forma ganha através da cor do papel colado que se destaca do fundo branco.

Uma vez que não se trata de uma propriedade do objeto, mas sim de um elemento perceptivo, a cor é um fenómeno subjetivo e individual, pois um mesmo comprimento de onda pode ser percebido diferentemente por di-ferentes pessoas. Nesse sentido, a Psicologia tem também estudado a cor, não só em termos da per-cepção, mas também em termos de representação ou significado da cor. Embora dependa de fato-res culturais, em geral o vermelho está associado à emoção, o ama-relo à concentração e disciplina, o verde à esperança, o azul à se-renidade, o branco à pureza e o preto ao luto.

Sobre o efeito psicológico das cores, foi na Alemanha, país de Goethe, que foi realizada aquela que é considerada uma das prin-cipais investigações neste âmbito.

Trata-se do trabalho “A Psicologia das Cores. Como atuam as cores sobre os sentimentos e a razão”, da autoria de Eva Heller (2007). Nesta investigação, em que par-ticiparam 2.000 alemães, procu-rou-se conhecer as impressões e sentimentos associados a cada cor. Este estudo revelou que o azul é a cor mais apreciada, sen-do considerada a cor da simpatia, da harmonia e da fidelidade. O vermelho seria a cor das paixões, do amor ao ódio. O verde repre-senta a fertilidade e a esperança. O amarelo parece ser a cor mais contraditória, podendo significar otimismo, mas também ciúme. Também ambíguo se revela o rosa, pois pode significar doce e delicado, mas também escanda-loso e ridículo. O preto também se revela uma cor paradoxal pois, embora esteja associado à violên-cia e à morte, é a cor preferida dos jovens e também está associada ao poder. Por seu turno, o branco seria a cor da inocência e pureza, o laranja está associado a diversão e o violeta está associado ao femi-nismo e ao movimento gay, mas também pode significar magia. O

dourado significa luxo, felicidade e dinheiro, enquanto o prateado está associado à velocidade e tam-bém ao dinheiro. Por seu turno, o cinzento está associado ao tédio e a ser antiquado. Por último, o castanho, embora seja a cor me-nos apreciada, está associado com algo acolhedor.

Recentemente têm sido tam-bém realizadas investigações no âmbito das neurociências que revelam a importância da cor no reconhecimento de objetos (Bramão, Faisca, Petersson & Reis, 2010; Bramão, Inácio, Fais-ca, Reis, & Petersson, 2010). Além disso, verifica-se que os objetos coloridos, quando comparados com objetos a preto e branco, ativam uma maior extensão de redes cerebrais relacionadas com a ativação visual-semântica (Bramão, Faisca, Forkstam, Reis, & Petersson, 2010). Uma outra descoberta interessante ocorri-da no âmbito das neurociências diz respeito ao facto da amígda-la, considerada a área emocional do cérebro, responder mais for-temente a imagens desfocadas do que focadas (Vuilleumier,

Armony, Driver & Dolan, 2003). No entanto, as investigações em neurociências ainda não se centraram sobre aspetos especi-ficamente ligados ao reconheci-mento e valorização de obras de arte, podendo ser um domínio de investigação a ser desenvol-vido no futuro.

A cor continua a ter uma importância fundamental nas artes visuais. Por exemplo, em termos de química da cor, des-taca-se o trabalho do artista Yves Klein, pois em 1960 regis-tou a composição química do IKB (“International Klein Blue”) no Instituto Nacional de Proprie-dade Industrial, com o número 63471. A partir daí, a quase to-talidade dos trabalhos de Klein utilizaram essa cor, na pintura, na escultura e nos seus “pincéis vivos”, passando esta cor a ser o aspeto central dos seus trabalhos artísticos. Numa das performan-ces que produziu (“Antropome-trias da Época Azul”), na Galeria Internacional de Arte Contem-poranea de Paris, Klein, vestido de smoking, durante 40 minu-

tos aplicou tinta azul sobre três mulheres nuas, para de seguida se encostarem, como “pincéis vivos”, às telas penduradas, en-quanto a orquestra tocava a “Sin-fonia Monotónica” de Klein (20 minutos de som contínuo inin-terrupto, seguido de silêncio de igual duração).

A cor assumiu uma enorme importância no trabalho de muitos outros artistas, quer do designado movimento mini-malista, quer do expressionis-mo abstrato. No âmbito deste último movimento, destacamos o trabalho de Barnett Newman que chega mesmo a “provocar” o observador para a sua relação com as cores, na série de traba-lhos que intitulou “Quem tem medo de vermelho, do amarelo e do azul?” (1966-67), usando grandes áreas de cores satura-das interrompidas por estreitas faixas verticais de outras cores, a que ele chamou “zips”.

Na atualidade, um dos artistas que estuda o fenómeno da cor, associado a outros conhecimen-tos da ciência e da tecnologia, é

Olafur Eliasson. Tem um “labo-ratório de investigação espacial” em que trabalham vários cientis-tas, engenheiros e artistas para conceptualizarem, testarem e construírem esculturas e insta-lações de larga escala, com um aproveitamento das potencia-lidades da luz, da água ou da temperatura para aumentar a experiência sensorial do público. Eliasson tem vindo a desenvolver diversos projetos com densidade atmosférica em espaços de ex-posição. No trabalho intitulado “Sala para uma cor” (1998), criou um corredor iluminado por tu-bos amarelos, fazendo com que os participantes se encontrem numa sala cheia de luz que afe-ta a percepção de todas as outras cores. Por seu turno, na instala-ção “Sala de 360º para todas as cores” (2002), é apresentada uma escultura de luz intensa que leva os participantes a perderem a sensação de espaço e perspeti-va. O seu projeto mais conhecido foi realizado em 2003, pois insta-lou “O projeto do tempo na pa-rede da turbina” na Tate Modern, em Londres, tendo usado humi-dificadores para criar uma né-voa no ar em que circulava uma mistura de açucar e água, bem como um disco semi-circular com centenas de lâmpadas de luz monocromática que irradia uma luz amarela, para além de ter coberto o teto do salão com um espelho no qual os visitantes podiam ver-se como pequenas sombras negras envoltos por uma luz laranja. Mais recente-mente, em 2010, criou a instala-ção “O teu passageiro cego”, em que, num túnel de 90 metros de comprimento, o visitante é cerca-do por uma densa neblina, com visibilidade apenas a 1,5 metros, tendo que usar outros sentidos além da visão, para se orienta-rem no espaço à sua volta.

Estas últimas instalações reve-lam que a arte faz cada vez mais apelo a outros sentidos, que não apenas a visão, fazendo com que a importância da cor seja por vezes diluída por outros aspetos presentes nas obras realizadas.

Obra “ATN 13”, de Yves Klein (1960)

13.11.2015  7Cultura.Sul

Momento

Encantador de gaivotas

Foto de Ana Omelete

Espaço ALFA

Fototurismo Lisboa

Foto de Vera Silvestre

A qual dos dois grupos pertence? Ao das pessoas que viajam e perpe-tuam memórias com uma fotogra-fia? Ou ao grupo que viaja com o intuito de fotografar? Muitos de nós aliam os dois prazeres.

O turismo e a fotografia são atividades acessíveis. As frontei-ras têm-se diluído e os preços das viagens baixado. O equipamento fotográfico e as tecnologias evolu-ído. Já se faz arte fotográfica com um telemóvel.

A fotografia transmite um mun-do visível e sentimental, de sensa-ções, de vivências e de riqueza de um olhar. Fotografia de viagem ou de um passeio regista um momento que queremos preservar. Quem não parou já diante de uma fotografia porque lhe desperta o interesse? É porque ela lhe despertou um sen-timento.

Muitos fotógrafos têm imagens de África e da Índia. Normalmente são imagens onde o olhar se perde e fica. As paisagens fazem-nos via-jar. Uma cidade pode ter o mesmo efeito, pode prender-nos e fazer-nos sonhar.

O Algarve é rico em temas para fotografar. O litoral tem as praias e o interior tem o rural para desco-brirmos as histórias vividas. Registe os momentos com um clic. Aborre-ce-lhe ir sozinho? Há associações que fazem passeios para partilhar conhecimentos, tais como a ALFA - Associação Livre Fotógrafos do Algarve, a A-NAFA - Associação e Núcleo de Amigos Fotógrafos do Algarve e o Racal Clube de Silves.

Há empresas que organizam via-gens para fotografar, como a Foto-adrenalina, a Papa-Léguas e a Flan-dria. São viagens acompanhadas por um fotógrafo profissional.

Quer inspirar-se? Pode ler rela-tos de viagens de Gonçalo Cadilhe, Nuno Lobito e até de Miguel Sousa Tavares e ver fotografias de Joel San-tos. Planeie onde quer ir com tempo para criar intimidade com a foto-grafia. Traduza essas sensações em imagens. As fotografias têm o poder de ser sentidas e fazerem sentir.

Viajar para fotografar ou fotografar em viagem?

Vera Silvestre Membro da ALFA

13.11.2015 8 Cultura.Sul

Um punch poético, por Paulo José Miranda

d.r

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Duro, reflexivo e (des)apai-xonado. Assim se revela este punch em forma de livro de Paulo José Miranda [PJM] pu-blicado pela abysmo e vence-dor, em 2015, do Prémio Auto-res para Melhor Livro de Poesia, da Sociedade Portuguesa de Autores.

Para exercício inicial o po-eta escolheu uma metáfora do (derradeiro) fim: o penalti, bem marcado, em que a vida vai para um lado e o humano para o outro. E logo aí como que o mote desta obra: um inexorável “abysmo” entre esse humano e a vida, uma rima que se afigura impossí-vel. A existência humana surge prefixada por essa contrarie-dade inevitável, por esse “des-” dissonante e anulador que emerge como denominador comum (que não descola da palavra primitiva): desampa-ro, desencanto, desencontro, descrença, desilusão, desconhe-cimento… Existe uma espécie de beco sem saída, pois “o de-sânimo aumenta apenas por duas razões / ou porque nada muda / ou porque tudo muda” (itálico nosso).

PJM apresenta-nos o hu-mano como aquele que atin-giu finalmente o estatuto de “ninguém” ou, se se quiser, de “alguém” a caminho das coi-sas, que está sempre aquém de. Não chega/chegou a ser, e essa incompletude “será para sempre // uma maldita praga ancestral”. Ele está condenado a viver nesse limbo, nesse im-passe, nesse vazio paralisante e indefinido: de um lado “a resistência da matéria”, do ou-tro “a acção do espírito”, “en-curralado entre sonhos e um cobertor”. A esperança é uma miragem e, que nem “ponte de carne esticada entre dois pro-montórios” (“Exercício 59”), só parece restar ao humano “o precipício em baixo e o nada em cima”. A metáfora do “rio poluído” é bem ilustrativa des-ta mundividência, como se lê no “Exercício 34”. A vida sur-

ge como sinónimo de fome e é esta a sentença eterna dos dias. Estamos sempre deficitários e diminuídos, e só a morte, esse “pó imprestável”, se afigura como horizonte visível (e pos-sível) – mesmo aquelas mortes que nos dão nesta vida e que o humano devia aceitar, como ironicamente aconselha PJM.

PJM insiste muito na ideia de um humano que sai do útero maternal (nascimento) e, abandonado (é esse o limite imposto), se precipita no abis-mo que desemboca na terra--mãe (morte). Há uma mãe de onde caímos abaixo, pois “a expulsão de nós mesmos / já era desde sempre um acon-tecimento inevitável”, e outra que nos espera, pois “o futuro é um apêndice de nós / e como um cordão umbilical será cor-tado”. A “lâmina afiada” que conferiu identidade e liber-dade ao humano é a mesma que, paradoxalmente, o aca-ba lançando nos estômagos dos “monstros” que, ao longo da vida, lhe tolhem o fôlego, a essência, o ser.

O saldo existencial é nega-tivo, nivelado por baixo, defi-nido por defeito ou exclusão: “somos somente o bem que fica / de todo o mal que nos quiseram” (“Exercício 79”), e, mais uma vez, a visão não re-siste à crítica implícita de um certo modo perigosamen-te conformado e pessimista de contabilizar o mundo e o humano, isto é, focarmo-nos mais nas coisas que deixá-mos de fazer do que nas que efectivamente fizemos. E PJM relembra-nos que o que dói mais ao humano não é tanto a perda de algo que parece ter “morrido na praia”, mas sim a consciência infinita disso, “a fragância de uma flor que nunca morre”.

Escreve-se assim a “impos-sibilidade / de a vida ser de outro modo”, feita – “com a lâmina do relógio” – de explo-ração e usurpação do huma-no e do seu passado, presen-te e futuro. O antes é um bem subtraído pelo tempo (que “nos faz escravos” a “contar as coisas que se deixou de fazer”) e pela noite, e agora “tudo cabe num pequeno vaso”: “um sentimento bom por outrem”, “as forças que há vinte anos ainda atraves-savam o rio” ou “uma carícia [que já] não aumenta o cau-dal das águas”. O passado é

o tempo da “alegria fininha / que permitia aos humanos passarem em todos os luga-res / até nos mais apertados que alguém possa imaginar”, é o lugar majestoso do (dual) “inexistente e omnipresente deus”. O humano assemelha--se muito mais a esse ontem, do que ao agora ou ao ama-nhã – ou àquela areia que nos fugiu entre os dedos. E “até o vento lá fora / que quando es-cutamos sempre já passou / sabe muito bem disso”.

Pelo meio reina a estupi-dez, que é definida nestes termos: “uma raça um povo um planeta que só pensa numa fracção de segundo / aquela em que se vem ou em que mija em cima de outro”. Aliás, o tema da alienação é recorrente nesta obra, não insistisse PJM tanto na visão do mundo actual como jogo simultâneo de prazer e indi-ferença, como confessou mes-mo numa entrevista reww-

cente. Essa silhueta dos dias convoca-nos, na poesia do primeiro vencedor do Prémio Literário José Saramago (1999), para as questões do lugar da humanidade e da violência (no sentido de um desprezo pela vida humana) na socie-dade contemporânea, dado o confessado fascínio de PJM pela observação do humano, que, nas suas palavras, “faz história deixando sempre um rastro de violência”.

Ao abordar a questão da alienação do/no humano o escritor nascido na aldeia de Paio Pires (Seixal) não des-carta, como é notório, a iro-nia como ácido retórico da sua escrita, como ao aludir aos que morrem pelo menos uma vez na vida, aos que não querem enfrentar a realidade de frente, aos que preferem não pensar em nada, aos que decidem simplesmente deitar a vida fora porque “é domin-go é verão é de novo”; ou aos

que se refugiam ilusória e super-ficialmente na ideia de “matar o tempo / ó lá lá / com uma canção doce e a palavra amor”. Por outro lado, certos ver-sos fazem entre-ver uma espécie de paliativo, ou melhor, um me-canismo de pro-tecção face a essa perversa tendên-cia dominante, de modo a salva-guardar a indivi-dualidade e inte-gridade humanas: “precisamos de es-quecer / esquecer humanos que nos es quecem” (neste sentido: olvidar, tanger, secar). É a apologia de uma certa “amnésia” voluntária para lidar com os já referidos mons-tros, com as ervas daninhas do dia, com a pequena e escura satisfação do dia, parafra-seando o poeta. Deve, contudo, exceptuar-se des-

se apagão o ins-tante iniciático/nascimento, para

que a consciência da queda se não perca: “a primeira noi-te do mundo” (“Exercício 93”), em que o “não se saber nada e um choro profundo” foram o augúrio de um destino que, metaforicamente, se poderia traduzir numa vela que per-deu a chama.

E a poesia do humano? Entre os “escombros do homem”, a escrita poética (que, para PJM, é – ao contrário do que se po-deria pensar – o que é e não o que poderia ser, ao invés da vida) emerge como salvação--revolução, como força que oxigena esse “tempo de nada e de ninguém” e que resiste à resignação, ao imobilismo, à decadência. A palavra assume assim uma função criadora, epifânica, primitiva, iniciáti-ca, como origem e sentido de todas as coisas, e o seu des-tinatário, o leitor, ainda que “habitando uma inexistente paz”, surge como uma espécie de herói bafejado pela sorte de

encontrar esse oásis que pare-ce ter resistido à destruição geral.

Esse verbo é, também por isso, para o humano uma espé-cie de inquietante consciência sobrevivente do sentido e des-tino de si mesmo e do mundo, a qual seria porventura mais fácil “ignorar esplendorosa-mente / e correr e saltar / ou apenas não acreditar sequer numa única palavra que [se] leu”. Mas o que resta ao huma-no é somente essa derradeira palavra que intenta iluminar o indecifrável e captar aquele fio invisível que une as coisas, arranhando “de algum modo o que não se consegue saber”. Porque o poema – que para PJM “é a necessidade de ser-mos / nos olhos de outro” – revela(-se) pela interrogação que instaura e pela aproxi-mação que intenta, e não pela afirmação e iluminação de algo. Por isso, PJM avisa-nos para não esperarmos da poesia “um verde pasto de respostas / mas um pântano do que se não sabe”. Pois é o mistério, a ocultação, que dá corpo aos dias “como uma infinita voz” a que o humano não acede.

No remate da obra PJM recorda-nos a evidência mais escamoteada: “somos ilhas uns dos outros”, pois, no fundo, não nos conhece-mos nem a nós próprios nem ao(s) outro(s), vivendo numa familiar estranheza, numa hipócrita proximidade, num entendimento aparente (o desencontro e o desligamen-to mais uma vez). O humano (sobre)vive sem memória do passado, sem consciência do hoje/aqui/agora e sem expec-tativa face ao que está por vir, numa amálgama indife-renciada e difusa de “nadas” onde experimenta a solidão porventura mais dolorosa: no meio da multidão. PJM atira--nos com uma poesia sem grandes ilusões ou promes-sas de felicidade: nós nasce-mos, vivemos e morremos sozinhos. Resta ao humano a “consolação” de captar a lou-cura do outro (mas não o senti-do deste), numa fronteira frá-gil e ténue, “por centímetros”, entre as duas dimensões; e na certeza de que, segundo o po-eta, há três máximas que sem-pre farão rir o universo: “tem-po é dinheiro”, “deus existe” e “a matemática descreve o mistério”.

Um abysmo de “nadas”Sala de leitura

Paulo PiresProgramador culturalno Município de Louléhttp://escrytos.blogspot.pt

como se morrer não fosse suficienteainda temos de viver

Paulo José Miranda, in Exercícios de Humano

13.11.2015  9Cultura.Sul

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

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“NA PONTA DA LÍNGUA”21 NOV | 21.30 | TEMPO – Teatro Municipalde Portimão O humorista Salvador Martinha regressa com tudo sabido e de resposta sempre pronta, usando a sua linguagem muito própria que já originou expressões como ‘pussy’ ou ‘raton’

“MÚSICA FRANCESA”14 NOV | 21.30 | Centro Cultural de LagosO maestro titular da Orquestra Clássica do Sul, Rui Pinheiro, irá conduzir um concerto que integra suites e sinfonias de três grandes compositores franceses: Rameau, Chabrier e Gounod

Novembro

Pedro [email protected]

Nestas tardes

Nestas tardes acabando tão cedo nos dias de fecharem a luz às horas da estação, resta-nos a consolação das manhãs abrindo cedo a cla-ridade útil de nos fazermos ao caminho deste tempo apoucado em si. E embora os carros de castanhas assadas já estacionem por aí nas ruas das cidades, esperamos sempre que o S. Mar-tinho nos traga por uns dias - os seus dias de verão, para já outono dentro nos despedirmos dos dias quentes.

António Aleixo

No mês da morte do poeta, chega à vida por-tuguesa uma ténue renovação de esperança para os idosos e os reformados.

Forçam-me mesmo velhote,de vez em quando a beijara mão que brande o chicoteque tanto me faz penar.

E agora é o acaso quem me guia.Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,Sou tudo: mas não sou o que seriaSe o mundo fosse bom — como não é!

Fandango

Ajuda os meus passos (walkman) a 37º N e toca nos meus ouvidos (headphones) o tema «Algarve» uma das faixas do álbum Fandango, nome que também designa o projecto, explo-ratório - como já nos habituaram – os músicos Gabriel Gomes e Luís Varatojo.

Palavra IbéricaO evento «Palavra Ibérica» regressa e decorre

em Punta Umbria, Andaluzia, a 13 e 14 de No-vembro. Conta com a participação de autores do Algarve, como Fernando Pessanha, Fernando Esteves Pinto, Vítor Gil Cardeira, Pedro Jubilot, Rute Castro e Paulo Moreira, que apresentarão os seus mais recentes livros.

O céu não existe

O vento puxa as nuvens que à sua passagem choverão, ou não, sobre as horas que estão in-dicadas no relógio biológico de cada ser. Ao mesmo tempo mas em lugares e percepções diferentes para cada observador de céu.

P - Mas como pode o céu ser ou estar azul, nublado, cinzento, escuro, estrelado…. se não há verbo ?

R - Porque não existe.

Benjamin Clementine

Pelas mãos ao piano, e de uma voz nascida em Londres de pais ganeses e revelada em Paris - Benjamin Clementine, o homem que já esteve só numa caixa de pedra e agora tem uma legião de fãs rendida ao seu talento, soltará as canções de «At Least For Now», recentemente nomeado na categoria álbum do ano dos Mercury Prize. Ainda bem que temos esta poesia e música para vivermos numa realidade parada, o sonho de que todos temos cada vez mais medo. No Teatro das Figuras em Faro, 28 de novembro.

Lua de Marfim

A editora sediada na Amadora deu à estam-pa no final de outubro três livros com autores que vivem no Algarve e que a partir daqui de-senvolvem a sua actividade, mostrando assim a sua atenção e interesse pela animada cena literária a sul. «Curt’Os Contos» de Paulo Mo-reira e de Gabriela Rocha Martins - «Artroses Nozes e Vozes (com)Sentidas». E ainda a anto-logia de contos ilustrados « 7 Contos Ilustr.s», com prefácio de Miguel Real, onde participam os autores António Manuel Venda, Fernando Esteves Pinto, Paulo Kellerman, Paulo Morei-ra, Vítor Gil Cardeira, Fernando Pessanha e Pe-dro Afonso. Nas ilustrações encontramos José Bivar, Paulo Serra, Gilda David, Inês Ramos, Reinaldo Barros, Sara Ceriz e Adão Contreiras.

As imagens que chocaram o país no passado dia 1, serviram (apenas?) para encher os no-ticiários de umas dezenas de horas e muito provavelmente serão esquecidas em breve, as-sim como é esquecido o respeito que se deve ter pela história e património natural. Cada vez é mais certo que o mundo - esta nossa terra - irá por água abaixo e não faltará assim tanto. Mas a maioríssima parte de nós - os pe-quenos poluidores, não tem capacidade para perceber como menorizar esse efeito melho-rando o mundo dos seus netos. Já os grandes poluidores, nem sequer pensam nos filhos, e se calhar teriam mais capacidade para tornar tudo menos propício ao fim…

fotos: d.r.

Ainda da natureza de Albufeira

13.11.2015 10 Cultura.Sul

Grupo de Amigos de Museu de Portimão, uma estrutura cívica em crescimento!

No Sábado passado, vindo de um compromisso prévio, entro no Museu de Portimão, no seu espaço de restaurante onde a tertúlia já começara e vejo cerca de 50 pessoas, de to-das as idades, à volta de mesas num animado debate. Tratava--se da apresentação, em forma de tertúlia, de uma iniciativa que tomou forma recentemen-te aqui bem perto, na margem do Rio Arade, oposta ao Mu-seu: as conservas artesanais de peixe da “Saboreal”. Num museu que dedica à indústria conserveira um amplo espaço, tem todo o sentido a apresen-tação das formas actuais do empreendorismo neste cam-po, o provar dos produtos, bem como a conversa que se gera em torno das conservas. Ouvimos, a título de exemplo, que em Portugal são raras as conservas, sobretudo de peixe, em frasco de vidro. E que esta opção actual é um retorno ao início das conservas quando, em França, para alimentar as tropas de Napoleão, Nicolas Appert acondicionava as con-servas em vidro, de garrafas de champagne. Uma referência histórica apropriada ao local onde estávamos, acrescenta-va-se uma nota de cultura aos sabores que nos estavam a ser propostos.

Tratou-se de uma reunião inserida numa programação periódica onde o Grupo de Amigos do Museu de Portimão (GAMP), em conjunto com este Museu vem assegurando.

A constituição do GAMP começou em 2014 com uma reunião, a Assembleia Geral Constitutiva, onde um gru-po de cidadãos deliberou a constituição de uma associa-ção cívica de carácter cultural, sem fins lucrativos, com o ob-jectivo de valorizar, dinami-zar e promover o Museu de Portimão, nas suas valências e missão museológica. Asso-

ciação constituída nos termos dos seus estatutos, por tempo indeterminado. Tratou-se de uma iniciativa da sociedade ci-vil, de apoio aos seus Museus, a exemplo de outras Associações já existentes a nível nacional e internacional.

De facto, Grupos de Amigos de Museus são associações sem fins lucrativos, constituídos por pessoas individuais ou colectivas que desenvolvem iniciativas e actividades em prol do estudo, inventário, preservação e valorização dos bens imóveis e móveis geridos pelas entidades museológicas e patrimoniais, e das quais já existem com alguns bons exemplos no Algarve.

Do conjunto de linhas pro-gramáticas do GAMP verifica-mos que esta associação pro-põe em estreita colaboração com a direcção do Museu, quatro grandes objectivos:

1 - Na concretização e desen-volvimento das suas actividades;

2 - Fomentar o conhecimen-to público do Museu de Porti-mão, nas suas valências cultu-rais e científicas;

3 - Promover o enriqueci-mento do acervo do Museu de Portimão e o seu melhor apetrechamento em meios técnicos de trabalho, nomea-damente de bens museográ-fico, científicos, didácticos, arquivísticos, laboratoriais e bibliográficos, em parceria com o Município de Portimão e o Museu;

4 - Manter relações com todos os cidadãos e entidades julga-das relevantes para a prossecu-ção dos seus objectivos.

Vem dando corpo à sua ac-tividade com um conjunto de iniciativas que, simbolicamente, se iniciou com uma “Descober-ta do Outro Lado do Museu”, compreendendo uma visita às

reservas, aos arquivos, à oficina de restauro, contactando com algumas peças mais emblemá-ticas das suas colecções, entre as quais o foral de Vila Nova de Portimão, a colecção de Manuel Teixeira Gomes, antigos trans-portes e a saudosa Carrinha, en-tre muitas outras do património cultural de Portimão, trazidas pela arqueologia, a etnografia e doadas pela comunidade. Se-guiu-se um interessante e pro-dutivo “Passeio pelas Margens da História” que, como o nome indica, constituiu uma autêntica viagem histórica à zona ribeiri-nha de Portimão.

Como verificamos na activida-de referenciada na abertura des-te texto, estas associações apro-veitam as especificidades locais das suas regiões e acrescentam algum valor com a sua acção.

Assim, no âmbito das activi-dades ligadas ao património e ao acesso à cultura tomemos como exemplo “Um dia na

Pré-história em Alcalar”. Este dia integrado nas comemora-ções do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, consti-tuiu uma autêntica viagem à pré-história, através da partici-pação em experiências únicas, designadamente sobre os pro-cessos de preparação dos ani-mais provenientes da caça e da pesca, de os cozinhar como há cinco mil anos, utilizando ape-nas os instrumentos de pedra, o barro e o fogo. Organizado pelo Museu de Portimão este pôde contar com o apoio do GAMP, traduzido na possibili-dade de actividades de arque-ologia experimental, nesse dia com a presença de um arque-ólogo que exemplificou, entre outras, algumas técnicas então utilizadas como a simples uti-lização de faca de pedra (sílex) para desmanchar e preparar um animal, no caso um porco, para ser cozinhado. Por intermédio de um projecto do GAMP pôde

ser concretizado o apoio da Di-recção Regional da Cultura do Algarve. Neste dia, com o con-junto de actividades referencia-das, Alcalar foi visitada por mais de 1.500 pessoas.

Além deste tipo de iniciati-va, o GAMP tem promovido um conjunto de tertúlias sob a designação de “Conversas com Portimão ao fundo”. Nestas, procuramos conhecer e deba-ter aspectos da história local, com incidência por exemplo na arqueologia e no trabalho dos arqueólogos em Portimão. Uma oportunidade para conversar-mos e sabermos mais, sobre o caso concreto dos vestígios da Capela de Santa Isabel, uma das 15 capelas e ermidas que exis-tiam no século XVIII, sobre as es-cavações a decorrer na cidade, no designado Edifício Mabor e nas antigas muralhas de Porti-mão e também sobre os traba-lhos no contexto arqueológico subaquático do Rio Arade.

O GAMP, como qualquer es-trutura que ainda está no seu primeiro ano de vida, procu-ra as formas adequadas para este elemento de identidade que norteia a sua actividade: colaborar com a direcção do Museu de Portimão na concre-tização, articulação e desenvol-vimento das suas actividades. Desta maneira, com o envol-vimento cívico da sociedade local, do Algarve ou de outras origens, inclusive não nacio-nais, o património cultural, natural e todos nós ficaremos a ganhar.

Daniel Cartucho Cirurgião do CHAlgarvePresidente do Grupo de Amigos do Museu de Portimão (GAMP)[email protected]

Descobrir o outro lado do Museu

fotos: d.r.

Passeio pelas margens da história

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginaçãoe gestão de conteúdos:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• Artes visuais:

Saul de Jesus• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço ao Património:

Isabel Soares• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Grande ecrã:

Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista

• Letras e literatura: Paulo Serra• Missão Cultura:

Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Momento:Ana Omelete

• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot• Panorâmica:

Ricardo Claro• Sala de leitura:

Paulo Pires• Um olhar sobre o património:

Alexandre Ferreira

Colaboradoresdesta edição:Catarina OliveiraDaniel CartuchoVera Silvestre

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Tiragem:7.590 exemplares

Espaço ao Património

13.11.2015  11Cultura.Sul

Da minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

«A filha de um gramático deu à luz, após amorosa união, / uma criança do género masculino, fe-minino e neutro.»

Depois de ler Em Português, Se Faz Favor (da editora Guerra e Paz, 2015), lembrei-me deste epigrama de Páladas (poeta de Alexandria, dos finais do séc. IV d.C.). Também Helder Guégués (não é engano, tem mesmo dois acentos), revisor de texto, encara a língua com humor e ironia, mas sempre com muita seriedade. São assim os seus co-mentários nos blogues (de que sou leitora assídua) que mante-ve (Assim Mesmo) e mantém (Lin-guagista) e nos quais se inspirou para muitas das entradas deste Guia Fundamental para Escrever bem,

de subtítulo. Aí, onde o objetivo não é serem um tira-teimas da língua portuguesa, Helder Gué-gués é muito divertido, pela mordacidade com que critica os erros que vai lendo nos jor-nais e nos livros ou ouvindo na rádio e na televisão, muitas ve-zes nem explicando que erro é esse. Porém, nesta obra que não é para especialistas, mas que se dirige «antes a todos os falan-tes comuns que querem e pre-cisam, exprimir-se melhor em português» (p.21), o autor con-tém um pouco o sarcasmo, tem o cuidado de explicar o que está errado e indica a forma correta.

O livro tem exemplos de vá-rios tipos (géneros, numerais, regências verbais, etc.), como se pode ver pelo índice, dos quais aqui vou apresentar apenas al-guns, para ficarmos com uma ideia do que podemos aprender.

«Alguns erros mais comuns»

Sob este título, encontramos uma entrada pela qual tam-bém batalho, por cujo uso já fui

«corrigida» e que aqui transcre-vo: «Grama. Um erro de peso». Escreve o autor: «‘Quantas gra-mas’, perguntava o jornalista ao produtor de um vinho pre-miado, «‘precisa para fazer uma garrafa, tem ideia?’ O produtor, não apenas tinha ideia, pelo menos aproximada, como caiu no mesmo erro. No sentido de milésima parte da massa do quilograma-padrão, grama é do género masculino, porque os no-mes gregos em -ma são neutros e correspondem por este género ao masculino português: o coma, o crisma, o dilema, o grama, o lema, o panorama, o poema, o sistema, etc. ‘Este livro pesa, aproximada-mente, setecentos gramas.’ No sentido de erva rasteira, preju-dicial às culturas, é do género feminino. Como sinónimo de relva só se usa no Brasil – é um brasileirismo para nós.»

Na entrada «Formas peri-frásticas», refere uma dúvida comum: «‘Apesar de fazer parte da colecção Portugal Turístico (o logótipo é um trevo de quatro folhas), o postal foi Made in Italy. É pois aos italianos que assacamos

o ultraje. Não é assim tão mau:

acabamos por nos habituarmos a morar em Necklaces’ (‘Feito à mão’, Miguel Esteves Cardoso, Pú-blico, 6.06.2010, p. 33).

Com formas verbais perifrásti-cas, o infinitivo deve ser impessoal, acabamos por nos habituar, pois a marca da pessoa já lá está, no pri-meiro verbo.»

Neste capítulo há explicações muito interessantes sobre o uso dos pronomes em expressões de tratamento («Trata-se de um verdadeiro idiotismo da nossa língua, isto de as expressões de tratamento levarem os restantes possessivos para a 3ª pessoa. Ora repare-se: ‘Vocês têm as suas opini-ões e eu tenho as minhas’. E quem diz vocês, dirá ou poderá dizer V.as Ex.as, V.as Majestades, etc.[…]»), mas o espaço aqui é curto. Não deixem, no entanto, de as ler no livro.

«Algumas confusões mais comuns»

Este capítulo tem informa-ções tão úteis, que tive difi-culdade em selecionar apenas uma. Aqui vai:

«No Red Light, em Amester-dão, uma mulher gorda numa montra «chamou-a à atenção»,

a uma personagem. Está erra-do: no sentido de ‘despertar, atrair o interesse de alguém’, diz-se chamar a atenção. Por-tanto, ‘chamou-lhe a aten-ção’. Também existe, isso é certo, a expressão  chamar à atenção, mas com o significado de chamar alguém para que preste atenção ou admoestar, advertir, repreender.»

 «Modismos e mau uso»

Deste capítulo, escolhi a entrada «Confortável»: «‘Com espanto, o alemão percebeu que os oficiais inimigos, ape-sar de graduados em coronéis, comandando regimentos em batalha, não se sentiam con-fortáveis com mapas’ (‘Os co-ronéis de Tannenberg’, Viriato Soromenho-Marques, Diário de Notícias, 9.07.2012, p.11). ‘Não se sentiam confortáveis com mapas’… Como quem diz, um sem-abrigo confortável com os jornais com que se protege do relento. Deve evitar-se o uso desse vocábulo para significar ‘à vontade’, pois, nesse caso, es-taremos perante um desneces-sário anglicismo semântico.»

«Pronúncia»

No último capítulo explica-se o modo correto de pronunciar o nome de Almeida Garrett:

«Na Antena 1, recordavam o incêndio do Chiado, ocorrido em 1988. E como pronunciavam o nome Garrett? Pois Garré. Gar-rett dizia que escrevia com dois tt para pelo menos lhe lerem um, mas a ironia não chegou a todos os ouvidos modernos.

Escreveu Gonçalves Viana: ‘Se o nome fosse francês, que não é, nenhum francês, ao vê-lo escri-to com dois tt finais, deixaria de pronunciá-lo gàréte [garréte]. A extravagante pronunciação gar-ré é que não pertence a língua nenhuma conhecida, e só pri-ma pelo ridícula que é.» E mais, acrescenta Gonçalves Viana, «o próprio poeta sempre pronun-ciou o seu apelido como se em português se escrevesse garréte, com a surdo na primeira sílaba, o acento tónico na segunda, e o t perfeitamente proferido. Assim lho ouvi eu várias vezes, assim o pronunciavam todos os seus contemporâneos’. ‘Garrett’, es-creveu Botelho de Amaral, ‘deve rimar com canivete.’»

O livro está dividido em 12 ca-pítulos, tem um prefácio do lin-guista Fernando Venâncio e um posfácio do professor de filosofia Desidério Murcho. No final, quer o Anexo com «Alguns vocábulos com variantes» (formas, entre muitas outras, como abdome/abdómen, balançar/balancear, filhó/filhós, magricela/magrize-la, ramela/remela) quer o «Índice alfabético e remissivo» são muito funcionais.

As referências que vão sendo feitas ao longo do livro reme-tem para uma vasta e excelente bibliografia, com nomes como Francisco Rebelo Gonçalves, Francisco José Freire (o Cândi-do Lusitano), Vasco Botelho de Amaral ou Rodrigo de Sá No-gueira, a par de atuais dicioná-rios e prontuários mais comuns.

Ser revisor não é fácil e mui-tos destes temas geraram polé-micas no blogue.

Mas assim se faz a língua: lendo a sua literatura e discu-tindo a sua gramática.

Um livro que já fazia falta.

Helder Guégués encara a língua com humor e ironia, mas sempre com muita seriedade

fotos: d.r.

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“FUTURO EU”14 NOV | 21.30 | Teatro das Figuras - FaroO novo espectáculo de David Fonseca expõe um con-ceito inédito na sua já vasta obra em que o inespera-do é princípio basilar

Em Português, Se Faz Favor, de Helder Guégués

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