Cultura.Sul37Setembro

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SETEMBRO • Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 12.190 EXEMPLARES Maria de Medeiros integra cartaz cultural da região em Setembro p. 4 SET | 2011 • Nº 37 • Mensal • O Cultura.Sul faz parte integrante da edição do POSTAL do ALGARVE e não pode ser vendido separadamente www.issuu.com/postaldoalgarve Florbela Espanca no ‘exílio’ de Quelfes p. 5 Património Há mouro na costa p. 10 As fortificações costeiras do Algarve, enquanto encruzilhada de povos e de navegadores, determinaram a resistência e a afirmação de Portugal e dos portugueses frente a mouros e outros tantos povos que, século após século, se cruzaram com os caminhos trilhados pelo povo luso. Proteger, conservar e dignificar a herança patrimonial que representam as fortificações costeiras algarvias representa um imperativo

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Capa • Património: Há mouro na costa » Reconhecer quem de direito: por Henrique Dias Freire » Momento.S: por Vítor Correia » Blogosfera.S: Ler aos 16, carreira profissional melhor aos 33, por Jady Batista » Cineclube de Faro: Re/começar em força, após umas merecidas (relativas) férias » Cineclube de Tavira: Nove filmes em Setembro » » Espaço AGECAL: Fazer amigos lá fora compensa, por Pedro Branco » Panorâmica.S: Vigor cultural mantém-se em Setembro, por Ricardo Claro » Quotidianos poéticos: Florbela Espanca, por Pedro Jubilot » Espaço CRIA: Empreendedorismo e Empreendedor, por Eurídice Cristo » Baú.S: Bom dia, senhora professora, por Joaquim Parra » Museu.S: Museu da Cidade de Olhão, por Isabel Soares » Livro.S: "Não agarres as minhas palavras: elas calam-se nas tuas mãos", por Adriana Nogueira » Min-Arifa espaço de projectos » Espaço Cultura: Há mouro na costa!

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SETEMBRO • Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO 12.190 EXEMPLARES

Maria de Medeiros integra cartazcultural da região em Setembro p. 4

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Florbela Espancano ‘exílio’de Quelfes p. 5

• Património

Há mourona costa

p. 10 As fortifi cações costeiras do Algarve, enquanto encruzilhada de povos e de navegadores,determinaram a resistência e a afi rmaçãode Portugal e dos portugueses frente a mourose outros tantos povos que, século após século,se cruzaram com os caminhos trilhadospelo povo luso.Proteger, conservar e dignifi car a herançapatrimonial que representam as fortifi cações costeiras algarvias representa um imperativo

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Cultura.Sul01.09.2011 2

blogosfera Jady Batista

Ficha Técnica

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Henrique Dias Freire

Paginação: Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:» baú.S: Joaquim Parra» livro.S: Adriana Nogueira» momento.S: Vítor Correia» museu.S: Isabel Soares» panorâmica.S: Ricardo Claro

Colaboradores:AGECAL, ALFA, CRIA, Cine-clube de Faro, Cineclube de Tavira, DRCAlg, DREAlg, António Pina, Pedro Jubilot. Nesta edição: Pedro Branco, Eurídice Cristo

Parceiros:Direcção Regional de Cultura do Al-garve, Direcção Regional de Educa-ção do Algarve, Postal do Algarve

e-mail:[email protected]

on-line: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem:12.190 exemplares

Henrique Dias FreireEditor do CULTURA.SUL

Reconhecer quem de direito

Quem faz o quê e verdadeiramente em prol da Cultura na região algarvia é uma questão a que qualquer algarvio não deve fi car alheio.

Se é hoje um facto que esse papel tem sido assumido pelas autarquias e outras entidades, convém realçar e evidenciar o empenho e dedica-ção, muitas vezes sem o merecido reconhecimento, dos nossos agentes culturais e de várias pessoas que qua-se passam anónimas para o grande público.

Na origem da criação do Caderno de Artes & Letras CULTURA.SUL esteve essa preocupação. Dar voz e dignidade às nossas gentes da Cul-tura. E apesar da lamentável falta de sensibilidade e de apoios das entidades públicas a este projecto, é gratifi cante e honroso o incentivo dado por José Carlos Vasconcelos, director do JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, ao escrever que este era o melhor caderno regional dedicado à Cultura em Por-tugal. Mais do que um importante reconhecimento, são palavras que assumem uma acrescida responsa-bilidade por parte de todos nós.

Com a presente edição inicia-se um novo ciclo ao assumir, na dupla função de dirigente da GORDA e director do POSTAL, a edição deste projecto, após João Evaristo ter pas-sado a dedicar-se a outras funções na associação - GORDA - que dirige o CULTURA.SUL. Fiel à sua origem, irá manter a mesma linha editorial que traçámos conjuntamente há cerca de um ano, e que João Evaristo soube executar de forma exemplar com ex-trema sensibilidade e qualidade.

Este é o momento para prestarmos homenagem a ele e a todos os regu-lares colaboradores do CULTURA.SUL que abnegadamente engrande-cem com os seus importantes contri-butos a nossa entidade cultural como gentes e região.

Um espaço que dá relevo a uma fonte de actividade literária que fervilha, muitas vezes, à margem dos circuitos convencionais.

Uma investigação recente veio revelar que a única actividade ex-tracurricular de adolescentes com 16 anos com efeitos benéficos na sua carreira profi ssional é a leitura de livros, tanto para rapazes como para raparigas.

Outras actividades típicas dos 16 anos: fazer desporto, socializar, ir a museus ou a galerias ou ao cinema ou a concertos, ou quaisquer outras actividades (desde cozinhar até cos-turar). Que efeitos na futura carreira profi ssional? Nada de signifi cativo.

E quanto aos jogos de computa-dor? Reduzem as chances de chegar à Universidade. Pelo contrário, ler livros já implica uma maior proba-bilidade.

Explicações possíveis: caracte-rísticas únicas ligadas à leitura por prazer; empregadores preferirem contratar pessoas com nível de li-teracia semelhante ao seu; ou então

simplesmente porque adolescentes já destinados a uma melhor carreira profi ssional tendem a ler mais.

(University of Oxford (2011, May 9). Reading at 16 linked to better job prospects. ScienceDaily. Retrieved May 9, 2011, from http://www.sciencedaily.com /releases/2011/05/110504150539.html

Site: http://ondemudar.blogspot.com/Post: http://ondemudar.blogspot.

com/2011/05/ler-aos-16-carreira-pro-fi ssional-melhor.html

Ler aos 16, carreira profi ssional melhor aos 33

momento momento Vítor Correia

Feira Medieval de Silves

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3Cultura.Sul01.09.2011

As nossas Mostras de Cinema ao Ar Livre (12ª Europeia e 7ª Não-Europeia), mais uma vez foram um sucesso em termos de afl uência de público, porém, este ano tornaram-se algo mais complicadas em termos de apoios e interesse por parte das entidades públicas, o que poderá pôr em causa a sua continuidade.

De volta ao cine-teatro tavirense, este mês propomos mais um pro-grama interessante e bastante diver-sifi cado, a começar com o segundo fi lme do jovem canadiano Xavier Dolan (o primeiro que estreou em Portugal): Les Amoures Imaginaires. Um total de 13 países diferentes

produziram ou co-produziram os nove filmes que queremos apre-sentar-vos neste mês. Dois docu-mentários nacionais: A Cidade dos Mortos, de Sérgio Tréfaut (quem viu Lisboetas não irá perdê-lo), e 48, de Susana Sousa Dias. Quem viu Pranzo di Ferragosto (Almoço ao 15 de Agosto) certamente não irá per-der Gianni e le Donne, a mais recente comédia de Gianni di Gregorio. E para quem gosta de pintura, mais precisamente de graffi ti ou artes da rua, há Exit � rough the Gift Shop, com o título português algo infeliz Bansky: Pinta a Parede! Cinema para (quase) todos os gostos...

Cineclube de Tavira

SESSÕES REGULARESCine-Teatro António Pinheiro | 21.30 horas1 SET | Les Amours Imaginaires (Amo-res Imaginários), Xavier Dolan, Canadá 2010 (95’) M/164 SET | Life Above All (A Vida, Acima de Tudo), Oliver Schmitz, África do Sul/Ale-manha 2010 (100’) M/128 SET | A Cidade dos Mortos, Sérgio Trefaut, Portugal/Egípto/Espanha 2009 (62’) M/1211 SET | Barney’s Version (A Minha Ver-são do Amor), Richard J. Lewis, Canadá/Itália 2010 (134’) M/12

15 SET | Gianni e le Donne (Gianni e as Mulheres), Gianni di Gregorio, Itália 2011 (90’) M/1218 SET | Carancho (Carancho - Abu-tres), Pablo Trapero, Argentina/Chi-le/França/Coreia do Sul 2010 (107’) M/1222 SET | 48 Susana Sousa Dias, Portugal 2010 (93’) M/1225 SET | Exit Through The Gift Shop (Bansky: Pinta a Parede!), Bansky, Rei-no Unido/EUA 2011 (87’) M/629 SET | Les Petits Mouchoirs (Peque-nas Mentiras Entre Amigos), Guillau-me Canet, França 2010 (154’) M/12

PROGRAMAÇÃOwww.cineclube-tavira.com 281 320 594 | 965 209 198

Nove fi lmes em Setembro

cinema

Re/começar em força, após umasmerecidas (relativas) férias

Cineclube de Faro

Almodovar em Agosto, Cani-jo em Setembro e Outubro – para enquadrar a aguardada estreia de Sangue do Meu Sangue, oferecemos na sede a hipótese de re/ver todos os fi lmes de fi cção de um dos mais, incontestavelmente, brilhantes rea-lizadores portugueses.

Mas Setembro também nos pos-sibilita iniciar um ciclo, que intitu-lámos Vidas, pois delas vamos tratar num total de sete fi lmes. Desde já, mais um extraordinário trabalho de

uma realizadora, ímpar por cá e não só, de seu nome Susana Sousa Dias: estes seus 48 foram os nossos, os do tempo da ditadura. Depoimentos de presos políticos sobre um trabalho artístico de fi ligrana nas suas fo-tos quando arrestados pela PIDE. Durante o fi m, uma outra vida – a do escultor Rui Chafes pela mão e pelo olhar de João Trabulo. (este último fi lme foi o pretexto para um Ciclo de nove documentários sobre artistas portugueses que vamos dar

em Outubro e Novembro no Museu Municipal… Mas depois contamos melhor!...)

E, para o fi m, a primeira quin-zena do mês – com todo o prazer aceitámos o renovado convite do Centro de Investigação e Informa-ção do Património de Cacela, e lá vamos nós dar (óptimo) cinema Sob as estrelas em Cacela Velha!

Contamos convosco… como sempre.

CICLO SOB AS ESTRELASEM CACELA VELHACacela Velha, Cemitério Antigo | 22 horas | 2m6 SET | Cidade dos Mortos, Sérgio Tréfaut, Portugal, 2010, 63’8 SET | Lixo Extraordinário (Vik Mu-niz), Lucy Walker João Jardim e Karen Harley, Brasil, 2010, 99’13 SET | A Ilha, Mauro Amaral e Carlos Fraga, Portugal, 2010, 54’15 SET | Sinfonia Imaterial, Tiago Pereira, Portugal, 2011, 60’

CICLO VIDAS(continua em Outubro)IPJ | 21.30 horas | Sócios 2m, estudantes 3,5m, restante público 4m 19 SET | 48 , Susana de Sousa Dias, Portugal, 2010, 93’, M/1226 SET | Durante o Fim, João Trabulo, Portugal, 2003, 70’, M/12

CICLO RE/CONHECER JOÃO CANIJO (continua em Outubro)Sede | 21.30 horas | Entrada livre21 SET | Mal Nascida, 2007, 117’28 SET | Noite Escura, 2004, 94’

PROGRAMAÇÃOwww.cineclubefaro.com

Cena do fi lme Giannie le Donne

Pedro BrancoTécnico Superior de HistóriaSóc io da AGECAL - Assoc iaçãode Gestores Culturais do Algarve

Fazer amigos lá fora compensa

Parente pobre das rubricas do orça-mento de Estado ao longo dos anos, a Cultura perdeu agora o seu Ministério, com a consequente subalternização

das prioridades deste sector a nível de decisão executiva.

Num país em que o sector cultural ainda apresenta uma boa dose de “subsi-diodependência”, o impacto poder-se-á revelar bastante negativo a médio prazo. Posto isto, os diversos agentes culturais devem olhar com maior atenção para uma ferramenta de fi nanciamento e de-senvolvimento bastante importante: as parcerias internacionais. Num mundo altamente globalizado, em que a criação de limites nacionais, sejam eles físicos, económicos ou culturais, revelam um anacronismo em relação ao zeitgeist, é o contacto com os nossos pares in-ternacionais que pode criar balões de oxigénio, quer a nível económico, quer no domínio da inovação.

Um dos grandes auxiliares à promo-

ção de parcerias europeias actualmente é o Programa Cultura (2007-2013) da União Europeia.

No Algarve poder-se-á dar o exemplo do Museu de Portimão no que respeita ao uso desta parceria eu-ropeia como prática de trabalho a nível de desenvolvimento e fi nanciamen-to cultural. Este museu faz parte da WORKLAB, associação composta por vários museus europeus. O contacto entre todos os membros deste grupo tem sido constante ao longo dos anos, com uma série de parcerias a terem sido consideradas. Com coordenação do Museu do Trabalho da Suécia, co-meçou a tomar forma o projecto “A taste of Europe”, que visou reflectir sobre os hábitos de produção e consumo alimentar na Europa contemporânea,

com cada museu participante a aco-lher uma exposição comum a todos e criando uma exposição local dedicada a um produto signifi cativo da sua cultura alimentar nacional. Este projecto veria a sua aprovação por Bruxelas, em Abril de 2009, contando com a participação de nove museus da Suécia, Portugal, Dinamarca, Hungria, República Che-ca, Estónia, Reino Unido, Finlândia e Eslovénia.

Depois de reuniões de trabalho rela-tivas à candidatura (na Suécia), planea-mento e calendarização (na Eslovénia) e defi nição conceptual e componente educativa (na Escócia), cada um dos membros colaborou na produção fi nal, assim como nas suas exposições locais, tendo todos inaugurado a exposição no mesmo dia (26 de Janeiro de 2011),

data que agora assinala o arranque de uma iniciativa inovadora na museologia europeia, fazendo ver que o trabalho internacional em rede pode ter sucesso e que, mediante um trabalho prévio e bem estruturado, poderá colher frutos junto das autoridades com o poder de distribuir verbas, permitindo ainda um incremento da integração europeia do público que a visitou.

Uma boa oportunidade para acom-panhar a génese, desenvolvimento e prática deste projecto, com alguns dos seus responsáveis, terá lugar no Museu de Portimão, com a realização de um seminário a 30 de Setembro.

Não se esqueçam que, como se disse no início deste artigo, e se pode “ou-ver” nos nossos noticiários, o dinheiro está lá fora.

Espaço AGECAL

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Cultura.Sul01.09.2011 4

Ricardo Claro panorâmica panorâmicaREGRESSO À MINHA TERRA

Vigor cultural mantém-se em Setembro •

É verdade que em Agosto o número de eventos cul-turais que têm lugar um pouco por todo o Algarve é enorme e que se a estes juntarmos os eventos da denominada animação é impossível tentar acompa-nhar o ritmo da agenda regional. A este panorama em mui-to dá a mão o Programa Allgarve, que apresenta este ano, uma vez mais, um calendário repleto e diver-sifi cado de eventos.

Mas e depois do fim do mês de férias por excelên-cia que é Agosto?Se por acaso se pensa que a região morre ou defi nha culturalmente, a verdaede é que a agenda cultural re-gional se mantém activa.Há muito para ver em to-das as áreas da expressão artística e em todos os segmentos da actividade cultural.O Programa Allgarve volta a dar cartas e as autarquias desenvolvem, de barlaven-

Dia 17

Maria de Medeiros

A multifacetada artista apresenta-se na área musical e mostra o úl-timo trabalho “Penínsulas e Continentes”. O convite é o de encontrar sonoridades e palavras, ritmos e interpretações que unem as penínsulas Ibérica e Itálica às terras de além-mar de África e das Américas.

O concerto tem lugar às 21.30 horas em Olhão e os bilhetes custam 15 euros.

Dias 2 a 11 Feiras, festas e festivais

Setembro é também mês de fei-ras, festas e festivais um pouco por todo o Algarve.

O Cultura.Sul destaca a Festa dos Pescadores, de 2 a 4 de Setem-bro, com propostas gastronómicas, artesano e muita animação, marca-da para a Praça dos Pescadores em

Albufeira.Monchique convida nos mes-

mos dias a visitar a Arte Chique e a conhecer o que de melhor se faz naquela serra, da comida, aos doces e ao artesanato.

De dia 2 a 4, lugar ainda para a Feira dos Frutos Secos a realizar em Alcantarilha e que propõe conhecer melhor as utilizações destes frutos na cozinha algarvia entre outras atracções.

Alcoutim propõe, entre os dias 9 e 11 deste mês, as suas festas. O Cais da Vila promete anima-ção sem descanso e muito para provar e experimentar durante três dias, com o Guadiana como pano de fundo.

Cataplana Experience

A arte de cozinhar em ca-taplana, um dos utensílios de cozinha tradicionais da região, e o prazer de degustar pratos pre-parados por chefes de renome ao vivo é a proposta do Allgarve para a Marina de Vilamoura.

Dia 1 de Setembro o palco é dos chefes Luís Américo e Rogé-lio Jorge, no dia 2 presença para Paulo Morais e Justa Nobre, e dia 3 são protagonistas os chefes Henrique Sá Pessoa e Luís Bae-na. Entrada livre - 23 horas.

Até dia 3

Dia 30Observação de Aves

Sagres acolhe, a partir de 30 de Setembro e até 2 de Outubro, a segunda edição do Festival de Observação de Aves, numa organização da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, da Almargem e da autarquia de Vila do Bispo.

Cegonhas, falcões, águias e grifos estão entre os muitos espécimes alados que os participantes podem admirar nos percursos desenhados a pensar nos amantes do birdwatching.

A Península de Sagres é o local escolhido, dada a sua localização estratégica para a observação de aves nesta altura do ano em que se en-contra na rota das migrações das aves de rapina.

Momentos a não perder, porque a natureza é única e absolutamente inimitável..

Flamenco em Lagos

O Festival de Flamenco de Lagos sobe ao palco do Centro Cultural de Lagos e promete mostrar a arte de nuestros her-manos andaluzes por terras do Algarve. Salero a não perder por nada deste mundo.

Dias 15 a 17to a sotavento, um sem-fi m de iniciativas que prome-tem não dar descanso a quem procura emoções, sa-ber, descoberta e talento.O Cultura.Sul traz-lhe al-guns destaques de uma agenda cultural pós-Agos-to que promete não deixar arrefecer o ímpeto cultural do Algarve.

Até ao fi m do mêsTutti Frutti e Fora de Escala

Joana Vasconcelos trouxe para visitar a Gare do Aeroporto de Faro a gigante Tutti Frutti, que se apresenta sob a forma de um gelado imenso e colorido.

A escultura que se constrói a partir de formas plásticas alusivas à praia está patente até 30 de Setembro.

Gigantes são também as esculturas de Manuel Baptista que estão patentes no Centro Cultural de Lagos.

A proposta é a de sentir as emoções de elementos escultóricos de grandes dimensões saídos da mão do grande mestre até um pouco mais que o fi m do mês, encerra a 8 de Outubro.

GT Open

O Autódromo Internacional do Algarve acolhe mais um evento desportivo de grande renome.

Com preços a partir de dez euros, adrenalina e muita com-petição é o que se pode esperar sentir na pista com as evoluções dos pilotos do Internacional GT Open.

Os monolugares marcam também presença com o Open Europeu de Fórmula 3 a decorrer nos mesmos dias.

Dias 16 a 18

Farra Fanfarra

Toca a rufar, a ritmar por entre a performance circense, a música e o humor, a 10 de Setembro no centro histórico de Alcoutim.

A promessa de momentos de grande animação e muito entre-tenimento é a proposta dos Farra Fanfarra, um grupo nascido em 2008 e que está a dar cartas um pouco por todo o país com um espectáculo diferente do habitual e arrebatador.

-Dia 10

A proposta é a de sentir as emoções de elementos escultóricos de grandes dimensões saídos da mão do grande mestre até um pouco mais que o fi m do mês, encerra a 8 de Outubro.

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Pedro [email protected]

Quotidianos poéticos

Florbela Espanca

Nenhuma poetisa poderia querer viver em 1918 numa pacata terrinha como Quelfes (freguesia de Olhão), ainda que aconselhável pelos bons ares, muito menos Florbela Espanca que já pouco vivia por esses dias.

“Estou cansada, cada vez mais incompreendida e insatisfeita comi-go, com a vida e com os outros. E é isto que me traz sempre desvairada, incompatível com a vida que toda a gente vive...”

Sabia desde logo que esta espécie de retiro forçado era mais um exílio que de nada serviria à sua instabili-dade emocional, mas tivera de ceder a vontades matrimoniais, e já que por questões de saúde (um aborto) se sentia fraca e febril (desconfi ava-se de uma tuberculose) e queria voltar a estar forte…

“Estou farta disto tudo. Se me vejo daqui para fora não acredito, mas o raio do médico diz que se me vou embora não duro seis meses...”

Percebera de antemão que de nada serviria a uma pessoa deslo-

car-se para um sítio isolado e de-sinteressante, longe de tudo e todos. Se ela no seu corpo e alma é já uma ilha rodeada de um espírito solitário e incompreendido.

“O silêncio é às vezes o que faz mais mal quando a gente sofre”.

“Sou bem diferente, sou, das ou-tras mulheres todas. Eu quero antes os meus defeitos que as virtudes de todas as outras”.

A parte afectiva do casamento com Alberto Moutinho estava irre-mediavelmente perdida, a separação do casal já se vislumbrava e Florbela começa a perceber que difi cilmente poderia vir a ser mãe devido à sua frágil saúde.

«E este amor que assim me vai fugindo - É igual a outro amor que vai surgindo, - Que há-de partir tam-bém... nem eu sei quando...»

Dali da casa perto do largo da igre-ja sente de repente o apelo do cheiro a iodo vindo da ria e deseja ter um automóvel, para tomar a estrada longa da fantasia, no acidentado caminho que a leve até ao grande pinhal de Marim. Mas ela como poetisa ilustre, grande, fez um voto de pobreza, e não tem automóvel, aliás não tem nada, foi o que escreveu numa carta ao seu amigo e editor Guido Batelli.

“Tenho que aprender o que ain-da não sei: a ser humilde e modes-ta. Perdoe sempre o meu ridículo orgulho de pobre soberba; mas o orgulho tem sido a minha suprema

defesa, tem sido o meu amparo e a minha força”.

À margem chegada resta-lhe se-guir com o olhar as gaivotas de asas pardacentas no seu voo planado e tranquilo sobre a laguna salgada mas calma demais aos olhos de para quem o mar só pode ser agitado como toda a vida natural e humana de que sente rodear-se.

«Falo às gaivotas de asas desdo-

bradas, - Lembrando lenços brancos a acenar, - E aos mastros que apu-nhalam o luar - Na solidão das noites consteladas»;

Ali, frente à ilha barreira da Ar-mona, e mesmo perante a beleza de tal idílica paisagem não consegue refazer-se do desgaste acumulado pela situação física e psicológica em que se encontrava.

“A única coisa que consola os tris-

tes é a tristeza - a alegria irrita-os”.A amenidade do clima algarvio

apenas reforçou as saudades da vida citadina e cultural e do meio intelec-tual em que desejava participar. Isso fê-la odiar o lugar onde estava retida por esses dias, a que simplesmente chamava Algarve.

“Eu não sou boa nem quero sê-lo, contento-me em desprezar quase todos, odiar alguns, estimar raros e amar um”.

Tinha de voltar aos estudos e à criação poética. A partida estava iminente.

Da sua fugaz passagem fi cou na estrada junto à casa, uma lápide colo-cada em Março de 1985, homenagem dos seus admiradores, a assinalar o edifício onde viveu um dos maio-res poetas portugueses de todos os tempos.

“Apesar de tudo, a loucura não é assim uma coisa tão feia como muita gente julga. Há tantas lou-cas felizes!”

Florbela EspancaAlgures num espaço e tempo do Algarve, a vida e a fi cção intrometeram-se na poesia de Florbela Espanca

Bibliografi a: Vilhena Mesquita - ‘FE na vila de Olhão’, separata de ‘A Voz de Olhão’, 1996; Cartas e poemas de Florbela Espanca

Espaço CRIA

É hoje consensual que o empre-endedorismo é um importante motor da inovação, da competitividade e do crescimento.

Muitas têm sido as interpretações do conceito de empreendedorismo.

A que geralmente é difundida, no dia-a-dia, pelos meios de comunica-ção, é a que associa empreendedorismo às empresas. O empreendedorismo é entendido como empresarialismo e “empreendedor” é visto como aquele ou aquela que está em processo de criação de empresa, ou seja, o sujeito que há-de ser empresário.

No entanto, quando se aplica a pa-lavra “empreendedor” como adjectivo, como algo que o indivíduo é, ou pode ser, a palavra remete-nos para uma outra dimensão, para uma noção de

atitude, de comportamento e já não de “profi ssão”.

A defi nição vigente na U.E. é a seguinte1: “O espírito empreende-dor é a capacidade dos indivíduos de converter ideias em actos.

Compreende a criatividade, a inovação e a assunção de riscos e, bem assim, a capacidade de planear e gerir projectos com vista a alcançar objectivos.

Esta competência é útil a todos na vida de todos os dias, em casa e na so-ciedade, aos indivíduos que trabalham por conta de outrém, tornando-os conscientes do contexto do seu traba-lho e aptos a aproveitar oportunidades, aos empresários porque serve de base para o estabelecimento de uma acti-vidade social ou comercial.”

O guru da Gestão Peter Drucker refere-se ao empreendedor como aquele que “procura a mudança per-manentemente, responsabiliza-se por essa mudança e explora-a como uma oportunidade”.

O empresário português Belmiro de Azevedo alerta para não se con-fundir empresário com empreendedor. Empresário é o proprietário ou o ac-cionista de empresas e “esse estatuto pode nada ter que ver com o que eu considero ser o conceito de Empre-endedor” - diz Belmiro. “Porque só é empreendedor aquele que é capaz de conceber, de pôr em prática, e de instilar nos que o acompanham uma atitude de desafi o permanente, e de vontade de superação da indiferença. E, se assim é, o empreendedor pode

também trabalhar por conta de ou-trém, e por conta do dito empresário”2. Belmiro acrescenta que podemos nos deparar com empresários pouco em-preendedores e com empreendedores que não são empresários e também com funcionários públicos com vo-cação empreendedora.

1 Commission Communication “Fostering entre-preneurial mindsets through education and learning”. COM(2006) 33 fi nal.

2 Belmiro de Azevedo; 2004 (26 de Fevereiro); «Inovação e Empreendedorismo», intervenção profe-rida no âmbito do Ciclo de Conferências “Empreender Coimbra 2004”.

Empreendedorismo e Empreendedor

A 12ª Conferência Europeia de Criatividade e Inovação (ECCI XII) realiza-se no Algarve, de 14 a 16 de Setembro. Inscrições em http://www.eaci.net/eccixii/

Eurídice CristoGestora de Projectos de Ciência e Tecno-logia no CRIA ‒ Divisão de Empreendedo-rismo e Transferência de Tecnologiaa

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Setembro. Adeus praia, olá esco-la. Para muitos é uma vida nova que começa, para outros é o regresso ao convívio com colegas e professores e, para outros, é outra vez, o início da chatice da escola e da “pachorra” para aturar os “pressores” (ou “stôres”, como se diz nas grandes urbes). Mas nem sempre foi assim. Procurando no BAÚ, encontrei um calendário escolar de 1945/46 (e que se manteve mais ou menos inalterado até ao 25 de Abril) que estipulava o início das aulas a 8 de Outubro, terminando o primei-ro período a 23 de Dezembro. O 2º Período, ia de 7 de Janeiro até 14 de Abril (com paragem no Carnaval de 2 a 6 de Março) e o 3º Período, de 28 de Abril a 14 de Julho.

As memórias que hoje aqui trago, dizem respeito à Primária, “à minha primária”, de escola “paga”, numa cida-de, substancialmente diferente da escola pública e da rural, mas nem por isso tão diferente. A minha tinha casa de banho, não se utilizava a ardósia, substituída por pequenos cadernos, todos íamos calça-dos, as instalações eram confortáveis (o único problema era o cheiro da fábrica de farinha de peixe, a SAFOL, mas até funcionava como ex-libris de Olhão), tínhamos lanche, almoçávamos em casa e morávamos relativamente próximo da escola, situação que não acontecia em muitas escolas rurais e com mui-tos alunos que frequentavam a escola pública. Mas uma coisa tínhamos em comum: por causa das tentações, as es-colas estavam divididas em escolas para os meninos e escolas para as meninas, em muitos casos divididas por um alto muro. A minha era exclusivamente para meninos.

O início das aulas era aguardado com alguma expectativa, senão mes-mo, com alguma alegria (ainda que ela se fosse esfumando com o passar das semanas). Havia o ritual de comprar os livros escolares e abri-los para os cheirar, mas os alunos com irmãos mais velhos nem sempre se podiam dar a este luxo, uma vez que “herda-vam” os manuais que, por esta épo-ca, eram únicos e adoptados por anos e anos consecutivos). Depois, havia que os forrar (um livro estragado era quase sempre sinónimo de reguada). Seguiam-se os cadernos de linhas (para as cópias e os ditados) e que na 1ª e 2ª classe eram de duas linhas, porque a letra era para ser disciplinada e percep-tível, uma vez que ainda não se tinha chegado à conclusão que o aluno não deve ser espartilhado na sua criativida-de caligráfi ca sob pena de fi car psico-

logicamente afectado. Depois havia os de quadrados para as contas e os lisos para o desenho. Também não podia faltar o lápis, a borracha, o apara-lápis, a régua, os lápis de cor (também se po-dia comprar canetas de feltro, em que as mais procuradas eram as Carioca, com 6, 12 e 24 cores) e a caneta de aparo (que no meu caso foi substituída por caneta de tinta permanente desde que um colega entornou o tinteiro da sua carteira por cima de outro). As BIC só começaram a ser utilizadas na minha escola na 4ª classe. E claro, para rematar o livrinho da Tabuada, porque calculadoras eram umas má-quinas enormes em que se carregava nuns botões, dava-se a uma manivela e aparecia o resultado. Claro que havia a possibilidade de se conseguir apanhar aquele lápis da VIARCO que trazia a tabuada gravada, e que dava para utilizar no dia-a-dia, mas nunca no dia das chamadas (normalmente ao Sábado). Seguro era mesmo sabê-la de cor “e salteado” para evitar algum castigo mais vigoroso. Tudo isto cabia

perfeitamente na pasta, que se trans-portava na mão ou às costas.

Numa época em que, ainda que sub-repticiamente, se seguia a famosa divisão proclamada em 1934 pelo en-tão Ministro da Educação, Eusébio Tamagnini, ao Diário de Notícias e segundo o qual a população escolar se dividia em cinco grupos: 1º - Indu-cáveis (8%); 2º - Normais estúpidos (15%); 3º - Inteligência média (60%); 4º - Inteligência superior (15%); 5º- Notáveis (2%). Consequentemente, não havia lugar para alunos hiperac-tivos ou com difi culdades de aprendi-zagem. Havia, isso sim, alunos mal-educados e “burros” para os quais existiam medidas e instrumentos pedagógicos adequados. A “meni-na dos cinco olhos” (uma palmatória com cinco furos para deixar escapar o ar e dessa forma assentar que nem uma luva na palma da mão) e a régua, eram uma presença assídua no nosso

dia-a-dia de aluno. Erros ortográfi cos, mau comportamento, não saber uma pergunta, falar com o colega do lado eram sancionados com um par de re-guadas ou palmatoadas. Nestes casos, nós alunos experientes nas artes de atenuar as reguadas, partilhávamos segredos, como encovar ligeiramente a mão ou então, autêntico segredo alquímico, colocar um pelo de cavalo

misturado com azeite, remédio garan-tido para partir a régua (nunca com-provado). Já não apanhei as “orelhas de burro” (uma coroa, normalmente de cartão, com duas enormes orelhas e que se destinava a ornamentar a ca-beça daqueles que, por exemplo, não sabiam de cor, os rios e seus afl uen-tes ou as produções económicas das nossas Províncias Ultramarinas ou a tabuada), mas apanhei o castigo de fi car virado para a parede (o tempo dependia da gravidade da infracção). Outras “medidas pedagógicas” eram as ponteiradas (no meu caso era uma fi na e comprida cana de bambu, que a professora manejava com mestria e pontaria), umas bofetadas, puxões de orelhas (em que a minha professora se tornara exímia, pois dava-os com as pontas das unhas) e claro, fi car sem

recreio. Este último era, para nós, na minha escola, o menos efi caz, uma vez que, na maior parte dos dias o intervalo servia para terminar alguma tarefa que tivesse fi cado atrasada. Mas havia intervalo, até porque tínhamos que lanchar (mesmo que fosse na sala de aula a trabalhar e muito cuidadinho com as nódoas de gordura no caderno ou livro, porque senão, lá estava a ré-

gua para as limpar). Não havia essas modernices de Bolicaus, Panrico ou Coca-Cola e, muito menos, ir ao café da esquina lanchar. O lanche era trazido de casa, normalmente pão com fi ambre, queijo ou marmelada

ou simplesmente com manteiga, uma peça de fruta e, excepcionalmente, uma latinha de Compal. Uma grande inovação na nossa dieta alimentar foi o aparecimento das Bom-Bocas (que era uma espécie de Pirilampo Mágico coberto de chocolate). O lanche era transportado num cestinho de verga ou num saquinho de pano (porque os sacos de plástico eram novidade e não se podiam desperdiçar).

Na minha escola havia duas salas: uma albergava a primeira e a segunda classe e a outra a terceira e a quar-ta. Cada sala tinha uma professora, o que na prática signifi cava que as duas classes se interligavam e as perguntas podiam ser disparadas tanto para uma como para a outra. Tínhamos cartei-ras de madeira com um tampo incli-nado e éramos obrigados a manter as costas direitas, caso contrário, lá vinha o ponteiro corrigir a postura.

Canhotos não havia, uma vez que isso era um defeito que podia ser fa-cilmente corrigido amarrando o braço esquerdo atrás das costas ou então o ponteiro ou a régua demonstravam as vantagens de se ser dextro. Por cima do quadro, ao centro estava um cruci-fi xo e, de cada lado, as fotografi as do Senhor Presidente do Conselho e do Senhor Presidente da República (assim não havia lugar a equívocos quando nos perguntavam quem era um ou o outro). A secretária da professora fi -cava sobre um pequeno estrado, uma vez que a professora devia estar num plano superior ao do aluno.

Quando a professora chegava já todos os alunos deviam estar presen-tes, sentados e em silêncio, e a sua entrada devia ser saudada com um sonoro colectivo: Bom Dia Senhora Professora… Quem chegava atrasa-do, ou tinha uma boa desculpa (uma justifi cação assinada pelo pai ou mãe) ou então era castigo certo. Mas para entrar na sala tinha que se esperar ordem da professora (normalmente quando interrompia o que estava a fazer) e depois, pedir autorização: A senhora professora dá licença que eu entre?

Aos Sábados, o programa era mais descontraído, desenhava-se, cantava-se o Hino Nacional, rezava-se e, por vezes (muitas), havia chamadas, ou seja, a professora, de régua na mão ou unhas arranjadas, fazia perguntas sobre as matérias leccionadas no dia anterior ou no início do ano ou, até, no ano transacto. Felizmente já não apanhei a obrigatoriedade da Mo-cidade Portuguesa, senão lá se ia a matiné do cinema, uma vez que as suas actividades decorriam nesse dia depois do almoço.

A título de curiosidade poderei acrescentar : 1 de Janeiro - Fraterni-dade Universal; 31 de Janeiro - Pre-cursores da República; 3 de Maio - Descoberta do Brasil; 10 de Junho - Morte de Camões; 1 de Dezembro - Restauração de Portugal e Dia da Mo-cidade Portuguesa; 25 de Dezembro - Consagração da Família. Mantêm-se em vigor o 5 de Outubro - Implan-tação da República; 1 de Novembro - Todos os Santos e o 8 de Dezembro - Imaculada Conceição.

In illo tempore era assim.

Bom dia, senhora professora

Joaquim ParraProfessor de Históriae [email protected]

baú

, de escola “paga”, numa cida-de, substancialmente diferente da escola pública e da rural, mas nem por isso tão diferente. A minha tinha casa de banho, não se utilizava a ardósia, substituída por pequenos cadernos, todos íamos calça-

o

perfeitamente na pasta, que se trans-portava na mão ou às costas.

Numa época em que, ainda que sub-repticiamente, se seguia a famosa divisão proclamada em

alquímico, colocar um pelo de cavalo com as nódoas de gordura no caderno ou livro, porque senão, lá estava a ré-

gua para as limpar). Não havia essas modernices de Bolicaus, Panrico ou Coca-Cola e, muito menos, ir ao café da esquina lanchar. O lanche era trazido de casa, normalmente pão

eu entre?

descontraído, desenhava-se, cantava-

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7Cultura.Sul01.09.2011

Partimos, desta vez, com o propósito de visitar uma pito-resca terra da costa algarvia, a cidade de Olhão. Em terra de pescadores começámos, então, o nosso passeio. Nas primeiras paragens fomos à descoberta do património construído por entre as ruas, ruelas e becos da cidade. De entre as habitações destacamos o conjunto de casas que formam os mais antigos bairros de Olhão, com caracte-rísticas mouriscas. Na verdade, fi cámos estranhados com estes traços “cubistas”, pois segundo o que sabemos, não são conheci-das construções deixadas pelos árabes nestas paragens. Por isso, após a visita, “passeámos” pelas páginas da história da terra e descobrimos que esta arquitec-tura “cubista”, típica dos bairros mais populares habitados por gentes do mar, semelhantes aos do norte de África, é herança dos emigrantes e comerciantes olhanenses. Estes, em tempos modernos, partiram para ou-tros lugares à procura de melhor sorte. Assim, regressam com estas criações de arquitectura típica que refl ecte o intercâmbio cultural entre os povos. Mas deixemos o casario e sigamos rumo à zona mais animada da cidade: a zona ribeirinha e o porto de pesca. Aqui encon-trámos dois mercados (de pei-xe e de hortaliças) construídos nos inícios do século XX e re-abilitados nos fi nais da década de noventa do mesmo século. Estes são considerados o ex-líbris da cidade, e destacam-se do cenário pictórico daquela zona marcada pelos tons con-trastantes do verde dos jardins (Jardim do Patrão Joaquim Lo-

pes e o Jardim do Pescador) e do vermelho dos mercados. O burburinho e a agitação do local é vivida intensamente, as gentes simples e hospitaleiras da terra juntam-se aos muitos turistas que animam a zona ribeirinha da cidade. Neste local até é pos-sível apreciar uma réplica do caíque Bom Sucesso, que em

1808 se atreveu a partir para o Brasil, para anunciar a expulsão do exército napoleónico do Al-garve, provando, desta forma, a coragem e o espírito aventureiro dos homens da terra.

Mas o nosso passeio con-tinuou, percorrendo todos os recantos históricos, durante os quais também notámos que esta terra, para além da longa tradi-ção na faina da pesca, refl ecte o seu saber na arte da conservação do peixe.

Calcorreando as ruas de-parámo-nos ainda com as duas igrejas da terra: a Igreja Pequena ou a Igreja da Nos-sa Senhora da Soledade, que segundo reza a história, foi o primeiro edifício em pedra a ser construído em Olhão, e a Igreja Matriz, ou da Nossa

Senhora do Rosário. Esta cidade, para além de

combinar os vários pontos de interesse já referidos, surpre-endeu-nos igualmente com um edifício, que para nós caracte-riza a vida e o espírito do lugar de Olhão. Trata-se da Casa do Compromisso Marítimo de Olhão, concluída em 1771.

Segundo nos contaram os mo-radores da terra, a pesca habita a alma desta cidade de feição marítima e este edifício, por sua vez, simboliza a ousadia e o heroísmo inerente a uma vida de sacrifício e de determinação, onde a voz dos aventureiros marítimos desvenda a histó-ria das viagens, que intercala episódios de azar (o desapare-cimento de entes queridos ou a escassez do pescado) com a alegria dos reencontros, depois de cada jornada...

Na fachada do dito edifício encontrámos uma inscrição que refere o seguinte: “Esta obra foi feita à custa dos mare-antes da Nobre Casa do Corpo Santo deste lugar de Olhão”. Isto é, o edifício foi constru-ído às custas e por vontade e

necessidade dos pescadores de Olhão, proporcionando aos marítimos e às suas famílias médico, cirurgião, sangrador, botica e socorros pecuniários em caso de doença, velhice e pobreza. A casa, com dois pisos, possuía no primeiro, o açougue, onde se cortava e vendia a carne para os mare-

antes e a botica. No andar no-bre, onde se localizava a Sala de Despachos, reuniam-se os mesários para a tomada de de-cisões, e restantes comparti-mentos administrativos. Nos fi nais da primeira metade do século XX passou a ter a fun-ção de casa dos pescadores, e já neste século foi recuperada e restaurada, dando lugar ao Museu da Cidade de Olhão. O museu, enquanto “conten-tor”, é património valiosíssimo, por se tratar de um símbolo identitário da terra, e por outro lado, o “conteúdo” não é menos importante, pois guarda no in-terior as memórias e a história do concelho. Quanto ao seu acervo, este espaço de memó-rias é constituído por diversas áreas temáticas tão distintas

como: património cultural ma-rítimo, arqueologia, numis-mática, indústria conserveira, artes plásticas e decorativas, fotografi a e metrologia.

Na verdade, sentimos que o primeiro momento da visita ao museu começa no seu exterior, no confronto com a fachada si-métrica do edifício, onde fi gu-ram duas janelas com sacadas de ferro forjado e ao centro um nicho com a imagem da Virgem com o menino. Admirável foi, naquele momento, observar-se um marítimo a contemplar a imagem e a benzer-se. Ao que parece, nos momentos de escas-sez de peixe, os pescadores ofere-ciam velas e azeite para alumiar a santa, para que ela lhes trouxesse melhor sorte. Os anos passaram e o lugar de Olhão passou para vila e esta, por sua vez, deu lugar à actual cidade. A pesca e a in-dústria de conservas perderam a sua importância para o comércio e o turismo. Tudo se alterou, mas esta imagem contínua no mesmo sítio e com a mesma importân-cia, sendo venerada e respeitada pelos marítimos da terra.

Tratámos de visitar as ex-posições no interior do edifício do Compromisso. Iniciámos o percurso pela sala de ar-queologia, no piso inferior. Esta exposição retrata a pre-sença romana no território de Olhão. Aqui são visíveis os as-pectos do quotidiano, da pesca e do comércio, sem esquecer a arquitectura e a morte nes-te período. Em seguida, uma outra mostra, cuja temática retrata a “Pesca: Pelos mares do Tempo”, informa-nos sobre a evolução da pesca iniciada na Pré-História. Neste espaço ilustram-se as técnicas e os métodos utilizados nesta acti-vidade, ao longo dos diferentes períodos históricos. A nossa viagem continuou no 2º piso, onde encontrámos uma outra exposição que apresenta “Os

Compromissos Marítimos no Algarve”. Aqui foi-nos dado a conhecer a história das asso-ciações de mareantes no Al-garve, também conhecidas por Irmandades ou Confrarias do Corpo Santo. Também neste espaço compreendemos que as comunidades ribeirinhas e a actividade piscatória se encontram representadas em diferentes sítios do Algarve, formando um mosaico cultu-ral e identitário da região. A pesca, por anos e anos, passou de pais para fi lhos, de fi lhos para netos. Muitas famílias viveram do mar. Por isso, a classe de mareantes foi im-portante e unida. A entrea-juda era a forma de sobrevi-vência destas comunidades, que resistiam às agruras de uma vida difícil, em que os ritmos de vida eram exigentes e se trabalhava ao sabor das marés, quando o mar deixava ou o tempo permitia. Por isso, estes homens fi zeram nascer estas associações, apelidadas de compromissos marítimos, que lhes prestavam serviços e assistência.

Do passeio, salientámos sobretudo o que é invisí-vel, mas que acabámos por sentir ao percorrer os seus espaços: a memória colec-tiva das comunidades pis-catórias de Olhão. Só a voz e o olhar destes “ousados” pescadores nos podem falar acerca das coisas do mar… Para isso é preciso estarmos atentos e ouvirmos os fi os de conversas que ainda se sol-tam pelas ruas e ruelas dos bairros habitados. Estes ho-mens ligados à faina da pesca conhecem histórias, lendas, falam-nos de ondas gigantes, ventos e correntes, e sobre-tudo do que lhes habita na alma. Esta é a verdadeira ri-queza patrimonial …a iden-tidade destas gentes.

MUSEUS – A VEZ E A VOZ DO VISITANTE

Museu da Cidade de Olhão•

Compromisso Marítimo de Olhão

museu

Isabel SoaresMuseóloga/Arqueóloga

Barcos Sala de arqueologiaExposição “Os Compromissos Marítimosno Algarve”

Foto: Arquivo Museu Cidade de Olhão

Foto: Arquivo Museu Cidade de Olhão

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Cultura.Sul01.09.2011 8

Este é o início de um poema (p.34) que Ivone Costa incluiu no livro que agora editou: Ordem Breve.

Conheci a Ivone Costa através do seu blogue, espaço que recomendo vivamente (ver abaixo «Pelas suas palavras»). Por isso, não me espantei quando soube que muitos dos seus poemas tinham saído do espaço vir-tual e passado para o papel: Ordem Breve, um discreto livro, de um gra-fi smo sóbrio e elegante, condizente com as palavras dos poemas que nos oferece.

Composto por um Prefácio/estu-do, por José Ribeiro Ferreira (tam-bém ele poeta), professor catedrático de Clássicas – recentemente jubilado – da Universidade de Coimbra, o livro organiza-se em 7 partes, de tamanho desigual, mas de igual be-leza: 1 – Ordem Breve; 2 – Vozes Alheias; 3 – Liturgia das Horas; 4 – Fragmenta; 5 – Contos de Fadas; 6 – Romance epistolar e Epílogo (não numerado como 7).

Várias são as razões que me fazem gostar de um poema: a sonoridade conseguida (às vezes, posso nem o perceber muito bem, mas gosto de o ler ou de o ouvir, de tão belas que são as frases); a originalidade (na maior parte das vezes obtida pela simplicidade); os sentimen-tos e pensamentos provocados (se o que leio não me faz pensar nada ou sentir nada – e neste sentir pode

estar o prazer da sonoridade atrás referida, por exemplo –, penso sem-pre que foi uma perda de tempo); gosto especialmente da sensação de estar perante «coisa reconhecida» (a alegria de perceber as possibilidades de leitura que o poema permite, a

sensação de compreender o que ali é dito, enfi m, o achar que estou em sintonia com o poeta); e muitas ou-tras razões tão subjectivas como as enunciadas acima.

E os poemas de Ivone Costa têm isto tudo. As referências que faz à

antiguidade clássica (que eu tanto prezo e que percorrem o livro no seu geral), à literatura universal, à pintura e às suas personagens (quer fi ccionais quer reais), não impedem que se apreenda um (dos) sentido(s) do texto. E é essa a sua beleza e a sua universalidade.

Vou dar um exemplo retirado da parte «2 – Vozes Alheias». O próprio título do capítulo remete para o que nele podemos ler: as vo-zes de personagens literárias, como Ana Karenina ou Romeu; de gente «real», como Edith, a mulher de Egon Schiele; ou de «retratos» que se descrevem, como Santa Cacil-da ou a infanta Margarida Teresa, f ilha de Filipe IV, que veio a ser imperatriz da Áustria e morreu com 21 anos.

Sobre o retrato de Margaridade Áustria por Juan del Mazo

As fl oresque me pintaram no cabelodeixei-as num quadrono Prado,desta moldura agorajá não hei-de sair.Agora, o Sacro-Impérioordenou as minhas trançase as meninassaíram em silêncio.

Nos meus espelhossó os espectros se revêem.

Uma leitura

O título anuncia-nos um retra-to. O texto remete-nos para outro, expressamente indicado como si-tuado no Museu do Prado. Sendo «As Meninas» de Velásquez uma pintura sobejamente conhecida,

podemos deduzir que se trata de uma personagem aí retratada com fl ores no cabelo e que neste quadro já não as tem; que no outro estaria acompanhada das outras meninas e neste estaria sozinha; que o es-pelho, que no quadro de Velásquez mostra os pais refl ectidos, aqui, su-põe-se que refl icta aqueles que já não existem; que um poder superior agora a governa, explicitamente no-meado: o Sacro-Império Romano Germânico.

Mais uma leitura

Podemos ler no poema um qua-dro de tristeza. Um sujeito poético que é uma menina dominada, que se sente presa, morta (desta moldura agora/já não hei-de sair), obrigada a crescer (é forte a imagem da de-sordem de um cabelo com fl ores a ser espartilhado numas tranças por um poder superior). A imagem do abandono, da solidão, também se faz sentir, com a ausência dos outros que a deixaram (as meninas saíram em silêncio) ou que só subsis-tem como imagens espectrais em espelhos, numa representação da morte conseguida por estas pala-vras: «espelhos», que são o vazio, que só ref lectem se houver algo a ref lectir, algo que exista, e os «espectros», isto é, aqueles que já não existem e que, portanto, não se refl ectem.

Outras leituras

E há todas as outras leituras que, se conhecermos o quadro em causa e a história que o envolve, dão novos sentidos a isto tudo.

É essa a matéria de que é feita a grandeza da poesia.

«Não agarres as minhas palavras: elas calam-se nas tuas mãos»

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Universidade do [email protected]

livro livro

Nasci em 59 e vivi em Faro até ir para Coimbra. Não nasci em Faro por-que os meus pais tinham ido passar o fi m-de-semana a casa dos meus avós, em Pereiras, perto de São Marcos da Serra. Eu nasci num domingo à tarde, já os caçadores tinham chegado da caça. O meu lado paterno é de Silves.

Escola primária e liceu em Faro. Em Coimbra fi z Línguas e Literaturas Clássicas e foi um belo tempo. Fiz em Aveiro a parte curricular do mestrado em Estudos Clássicos, mas não defendi tese. Voltei a Aveiro, onde acabei, desta vez, o mestrado em Línguas, Litera-turas e Culturas com a dissertação As (re)citações de Eurípides na Medeia

de Mário Cláudio. Sou professora na Secundária do

Entroncamento há 27 anos, onde dou aulas de Português a um pessoal com quem tenho tido sorte. Quando os deuses estão para aí virados, tenho uma turma de Latim ou de Literatura Portuguesa. De Grego, já faz muito tempo que tive a última.

Vivo sozinha em Torres Novas, uma cidade muito agradável (demoro 6 mi-nutos até ao portão da minha escola), e tenho um fi lho com 25 anos, o Guilher-me, que estuda Engenharia Biomédica em Lisboa.

Tenho uma vida muito tranquila, saio muito pouco de casa. Vou para a

escola, vou ao café ler o jornal e con-versar com os amigos. São as minhas únicas saídas.

Leio muita literatura portuguesa, da estrangeira prefi ro sempre ler no original e há quem diga que é snobismo meu.

A intertextualidade é a área de estudo a que dedico a maior parte do meu tempo. Um fascínio que nunca acaba. Todos os dias descubro uma coisa nova.

Gosto desalmadamente de cinema e de pintura. Adoro museus, era capaz de viver num.

Do séc. XIX para trás tudo me inte-ressa. Pondo de parte os gregos e os roma-nos, que são outro departamento, tenho uma especial predilecção pela renascença

italiana. A história de Portugal também ocupa grande parte do meu tempo. Gosto de uma história factual, com pessoas lá dentro.

Abomino o Verão e o calor. Detesto praia e as paisagens exóticas não me dizem rigorosamente nada. Gosto das cidades. Sou profundamente europeia.

Gosto muito de cozinhar e, pelo que tenho ouvido dizer, cozinho bem.

Gosto de casacos de Inverno e de sa-patos de salto alto.

Às vezes escrevo poemas noutras línguas, o que é de uma enorme in-consciência.

Em prosa, faço umas short-stories de vez em quando.

O meu blogue A Ronda dos Dias (http://arondadosdias.blogspot.com/) dá-me um prazer imenso, não só porque é uma “casa” onde vou colocando as mi-nhas coisas, os meus pequenos prazeres, os meus aborrecimentos, os meus interesses, mas também porque, como casa que é, é também o espaço onde recebo a gentileza de muitos amigos, alguns de quem até desconheço o rosto. Recentemente, arran-jei uma segunda casa: escrevo, às vezes, no Delito de Opinião (http://delitode-opiniao.blogs.sapo.pt/). Eu poderia ter sido arquitecta, gosto de casas.

Se não tivesse feito Clássicas, tinha feito Direito. Já me arrependi algumas vezes.

Ivone Costa, pelas suas palavras•

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Cultura.Sul01.09. 2011 10

Espaço Cultura

Há mouro na costa!Foto: igespar / alberto alvim

Toda a costa algarvia constitui uma encruzilhada de rotas maríti-mas. Desde o século XIII região de fronteira, nacional e da Cristandade europeia, o Algarve manteve du-rante séculos um papel de charneira cultural e geopolítica. Ao longo do século XV e dos inícios do XVI, a Cristandade europeia empenhou-se na ofensiva militar contra os muçul-manos, na percepção de que enquanto houvesse um Islão forte não poderia haver paz nos reinos da Europa me-ridional. Com a ocupação das praças do Norte de África, Lagos e Tavira constituem-se como praças de apoio à navegação e conquista. Se a utili-zação da pólvora na artilharia com armas de fogo (pirobalística) remonta a meados do século XIV, o seu uso corrente generalizou-se apenas a par-tir dos finais do século XV e acar-retou modificações nos dispositivos defensivos, que passaram a preparar-se quer para a proteção dos ataques com canhões, quer para fustigar com estes as posições dos atacantes, me-diante o rebaixamento dos torreões de flanco, o espessamento dos muros e a criação de plataformas para ar-tilharia de fogo. O aperfeiçoamento dos dispositivos é ensaiado nas praças do Mediterrâneo (designadamente no cenário de guerra da Itália meridional e da Sicília), mas também nas praças portuguesas de Marrocos e do Índico e no traquejo da guerra naval.

No século XVI a revolução pi-robalística e o aperfeiçoamento dos sistemas abaluartados1 acompanham as mudanças na conjuntura inter-nacional, com a inversão do sentido dos ataques mouros, a que se juntam turcos e corsários europeus. Sob Dom João III alterou-se a política africana, que toma a partir de então um rumo mais defensivo. Nesse âmbito se con-cebeu novo projeto de fortificação de Lagos, cuja Cerca Nova, da primeira

metade do século XVI, permite ainda hoje, pelo seu estado de conservação, a leitura integral dessa moderna «má-quina de guerra» desenhada segun-do as então mais avançadas técnicas da arquitetura militar renascentista. Dom Sebastião procurou alterar o rumo político militar externo, aliás, como se sabe, com consequências desastrosas. Mas, numa conjuntura internacional em que a aliança fran-co-turca impulsionada por Francisco I, rei de França (1515-1547), e So-leimão, o Magnífico, sultão do Im-pério Otomano (1520-1566), punha em risco as possessões imperiais dos Áustrias, reforçaram-se sob os Filipes numerosos dispositivos de defesa da costa algarvia2. Neste âmbito se ins-creveu a ação do napolitano Alexan-dre Massay, falecido em 1638, com um papel admirável no panorama da engenharia militar do primeiro quartel do século XVII e cujo con-tributo para a definição da linha de defesa marítima da costa algarvia (e alentejana) ficou plasmado em dois álbuns, de 1617 e de 1621, forma-dos por desenhos de fortificações e apreciações corográficas de quanto examinou no terreno.

A restauração da independência

nacional obrigou, desde meados do século XVII, a um esforço acresci-do de construção e reconstrução das fortalezas costeiras, com a criação de estudos próprios para a arte de for-tificar no Colégio de Santo Antão e na denominada Aula de Fortifica-ção e Arquitetura Militar, de Lisboa, sendo numerosas, no Algarve, para além das obras de conservação, as estruturas militares então criadas de raiz. No século XVIII, a reforma do Conde de Lippe inscreve no esforço de disciplina militar a obrigatoriedade dos inventários da artilharia em uso nas praças, produzindo-se então vasta documentação cartográfica e epistolar entre as praças e respetivo comando, maioritariamente ainda por investi-gar3. É neste contexto que se destaca José de Sande Vasconcelos (falecido em Tavira em 1808), com uma obra ímpar no domínio da engenharia mi-litar portuguesa da segunda metade do século XVIII e autor de completís-simos levantamentos dos dispositivos defensivos existentes no Algarve4.

No século XIX, os ataques pira-tas à população e à rentável atividade piscatória eram já passado. Com a generalização dos navios a vapor, a navegação ficou independente do regi-

me dos ventos. As fortalezas perderam importância funcional e a maioria de-las foi desativada e entrou em rápido processo de degradação, que se acen-tuou ao longo do século XX.

A proteção, valorização e uso das fortalezas costeiras do Algarve, seja com objetivos sociais, como fonte de conhecimento ou com propósitos di-dáticos, implica não só reparar a ruína como proceder à investigação e à trans-missão da informação que ela encer-ra, recuperando o seu valor enquanto símbolo identitário cultural e territorial de uma coletividade; o objetivo da va-lorização deve ser o de perpetuar estes dispositivos militares na sua integridade e autenticidade, promovendo a sua pre-servação, conhecimento e reabilitação para novos usos.

Nesse esforço de preservação e re-abilitação dos dispositivos de defesa costeira algarvios destaca-se a ação do Estado, que, através da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN)5, promoveu numerosas intervenções em fortalezas costeiras do Algarve, com destaque para os dispositivos da Praça de Sagres6 e para a Fortaleza da Ponta da Bandei-ra, em Lagos7. Igualmente a ação das populações e das autarquias tem sido fundamental, nas décadas mais recen-tes, para a preservação das fortalezas costeiras que lhes estão afetas. Menção merece ainda a intervenção do Polis Litoral Sudoeste, atualmente em curso no Forte da Arrifana e prevista para o Forte de São Luís de Almádena.

Presentemente, a ação da Direção Regional de Cultura do Algarve faz-se sentir nos domínios do apetrechamento para intervenção nas fortalezas costeiras da região, umas vezes a título consul-tivo, outras preparando os pareceres tutelares vinculativos ou organizando o Plano Regional de Intervenções Priori-tárias no Algarve, PRIPALG8, e atra-vés das obras na Fortaleza de Sagres,

património de propriedade estatal que lhe está diretamente afeto e constitui um espaço cultural. No âmbito de uma vasta operação de Requalificação e Va-lorização do Promontório de Sagres, e com o apoio do QREN e do Turismo de Portugal, foi recentemente conclu-ída a reabilitação do torreão central da Fortaleza de Sagres, remanescente do primitivo dispositivo da cerca da Vila do Infante e mais tarde (adaptado às con-tingências da pirobalística) dotado de um terraço para artilharia e integrado, como cavaleiro, no dispositivo abaluar-tado traçado por Sande de Vasconcelos - estando também em curso interven-ções de reabilitação nas cortinas, balu-artes e baterias da Fortaleza.

1 Natércia Magalhães, 2008, Algarve: Cas-telos, Cercas e Fortalezas, Letras Várias: Faro, p. 19.2 É sobretudo sob Filipe IV (terceiro de Portugal) que se verifica um intenso surto construtor, sendo governador do Algarve o conde do Prado, Dom Luís de Sousa.3 De destacar as pesquisas de Carlos Pereira Callixto, cujos resultados foram sendo di-vulgados em inúmeros artigos dispersos em publicações periódicas.4 Acerca de Sande de Vasconcelos ver, p. ex., a nota de Miguel Soromenho em Tavira, Patri-mónios do Mar, Câmara Municipal de Tavira, 2008, p. 153-157.5 Criada pelo decreto n.º 16791 de 30 de Abril de 1929, sob a dependência do então Ministério do Comércio e Comunicações para «restaurar e conservar com verdadeira devoção patriótica os nossos monumentos nacionais para que eles possam influir na educação das gerações futu-ras» (ver Boletim da DGEMN, n.º 1, 1935) e impulsionada na dependência do Ministério das Obras Públicas, sendo ministro o algarvio Duarte Pacheco. Foi extinta em 2007, divi-dindo as suas atribuições pelos atuais Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, IGESPAR, no que diz res-peito à intervenção sobre o património imóvel classificado, e Instituto da Habitação e Reabi-litação Urbana, IHRU, no que diz respeito à intervenção sobre o património habitacional não classificado e ao desenvolvimento e gestão do Sistema de Informação para o Património, SIPA (http://www.monumentos.pt/).6 Ver Boletim da DGEMN, n.º 100, 1960. 7 Ver Boletim da DGEMN, n.º 104, 1961.8 Disponível em linha em http://www.cultalg.pt/PRIPAlg/PRIPALG_2010.pdf

Direção Regional de Cultura

A Associação Min-Arifa nasceu em Dezembro de 2010 e com ela Paula Ferro, uma das fundadoras e motor fundamental do dinamismo da associação, deu corpo a uma ideia maturada durante muito tempo.

Mais do que uma ideia trata-se de um projecto, porque ao ideário Paula Ferro juntou um substrato tangível, porque como faz questão de realçar, “uma postura perene perante o desafio da concretização da ideia foi condição base para a criação de um projecto concretizável”.

No percurso, “as participações foram tudo”, realça Paula Ferro, dan-do exemplos, “as ajudas das muitas pessoas individuais e de associações como a Colaboranisto e a Associa-ção Desportiva e Cultural de Faro, foram determinantes”.

O projecto, definamo-lo assim, é o da criação de um espaço - a sede da associação Min-Arifa, situada em Ta-vira e que assume o nome homónimo - que é arena para muitos espaços e que vão para além da dimensão física e, na mesma medida, arena para o desen-volvimento de muitos projectos.

“O que se pretendeu e pretende é criar um palco para o desenvolvimento das mais variadas actividades”, afirma a artista plástica e jornalista.

A associação é o suporte organizacio-nal de um projecto que se quer multidis-ciplinar, sem determinantes apriorísticas e onde a paleta de cores e as palavras, os actos e acções se exprimam independen-temente das fórmulas a que se recorra para dar corpo a essa expressão”, refere a responsável associativa.

Não se trata de falta de rumo ou de consciência de objectivos, mas antes de um acto determinador de liberdade criativa. Uma liberdade que Paula Ferro vê como essencial ao desenvolvimento da arte, da cultura e das pessoas, e são estas três vertentes e o seu crescimento, em todas as dimensões do plano, que o projecto Min-Arifa tem em vista.

Pensar a dimensão humana e as várias dimensões do pensamento e da expressão parece à partida um pla-no megalómano e destituído de foco catalizador, mas o que Paula Ferro anteviu e concretiza na associação e de um só acto no seu percurso, quer como artista, quer como jornalista, é que o elemento catalizador é em si mesmo o acto de pensar e/ou levar a pensar a realidade e o Homem.

Dar espaço a que este pensar se ma-nifeste é o desafio e, seis meses depois do início, a Min-Arifa é uma realidade consubstanciada em trabalho e em

realizações. Sem limites no percurso que se desenha porque o pensamento não tem ele mesmo limite.

Ricardo Claro

Min-Arifa espaço de projectos

Fortaleza de Sagres: o promontório visto do lado norte

Pintura ao vivo na abertura do Espaço Min-Arifa