Curso de Direito Artigo Original -...

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1 Curso de Direito Artigo Original TEMA: A INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO ESPECIAL ART. 295 DO CPP SUBJECT: THE UNCONSTITUTIONALITY SPECIAL OF PRISON. ART 295 THE CPP Mazurkiewicz Pereira Santos 1 , Carlos Humberto Fauaze Filho 2 1 Aluno do Curso de Direito 2 Professor Doutor do Curso de Direito Resumo Preso especial é aquele que permanece recolhido em local diverso do preso comum, em caráter provisório (lei n. 10.258, de 11.07.2001). Esse beneficio é concedido pela relevância do cargo, função, emprego ou atividade desempenhada na sociedade nacional, regional ou local, ou pelo grau de instrução, estando as mesmas sujeitas à prisão cautelar, decorrente de infração penal. Prisão especial é exclusiva para quem estiver cumprindo prisão provisória, e após ser condenado será recolhido ao estabelecimento penal comum.Trata-se de um assunto polêmico e com divergências de opiniões, e a partir disso o presente trabalho tem como objetivo analisar o principio da prisão especial e as normas da Constituição Federal e do Direito Processual Penal. Pode-se assim concluir que a solução não é abolir a prisão especial, pois se trata de fundamentação jurídica consistente e necessária, no entanto se faz necessário abranger a todo e qualquer brasileiro que espera por um julgamento, sendo merecedor de um tratamento condigno e igualitário, havendo a presunção da inocência. Palavras-Chave: Prisão especial. Art. 295. Regalias. Abstract Special prisoner is one who remains retracted in a place other than common prisoner, on a temporary basis (law no. 10 258, of 11.07.2001. This benefit is granted by the relevance of the role, function, job or activity performed at the national, regional or local society, or the education level, and the same are subject to precautionary prison resulting from a criminal offense. Special Prison is only for those who are serving and provisional custody and will be sentenced after being retracted to establish common criminal. This is a polemic and divergent opinions matter, and from this the present work aims at analyzing the principle of special prison and the norms of the Federal Constitution and the Criminal Procedure Law. One can thus conclude that the solution is not to abolish the special prison, because it is consistent and necessary legal basis, however it is necessary to include the any Brazilian who awaits a trial worthy of being treated with dignity and e qual, with the presumption of innocence. Keywords: Special Prison. Art. 295. Perks. Contato: [email protected] 1 - Introdução A prisão é o cerceamento da liberdade de locomoção, é o encarceramento, e a Carta Magna de 1988, proclama no art. 5º, LXI, que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. O Código de Processo Penal confere a certas pessoas o direito à prisão especial, tal privilegio é concedido pela relevância do cargo, função, emprego ou atividade desempenhada na sociedade nacional, regional ou local, ou pelo grau de instrução, estando as mesmas sujeitas à prisão cautelar, decorrente de infração penal. Entretanto nossa Constituição reconhece, no art. 5º, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". A prisão especial perdurará enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, e somente após esta o condenado será recolhido ao estabelecimento penal comum. Trata-se de um assunto polêmico e com divergências de opiniões, e a partir disso o presente 1 BOBBIO, 1992. trabalho tem como objetivo analisar o princípio da prisão especial e as normas da Constituição Federal e do Direito Processual Penal. 2- Direitos e garantias fundamentais Os direitos do homem são caracterizados por lutas de modo gradual em defesa de novas liberdades contra antigos poderes, apresentando como finalidade a observância e proteção da dignidade da pessoa humana de maneira universal, ou seja, abrangendo todos os seres humanos. 1 Até o final do século XVIII o direito foi dividido em duas correntes, o naturalismo e o positivismo. Ambas as correntes são consideradas iguais quanto à sua qualificação, porém são analisadas em planos diferentes. O direito natural tem como seu principal fundamento as leis naturais, que advêm com a criação da sociedade, através de normas consideradas divinas, por quais os homens estariam subordinados. E a única maneira possível de defesa contra a sua violação pelo Estado era um

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Curso de Direito Artigo Original

TEMA: A INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO ESPECIAL ART. 295 DO CPP SUBJECT: THE UNCONSTITUTIONALITY SPECIAL OF PRISON. ART 295 THE CPP

Mazurkiewicz Pereira Santos 1, Carlos Humberto Fauaze Filho 2 1 Aluno do Curso de Direito 2 Professor Doutor do Curso de Direito

Resumo Preso especial é aquele que permanece recolhido em local diverso do preso comum, em caráter provisório (lei n. 10.258, de 11.07.2001). Esse beneficio é concedido pela relevância do cargo, função, emprego ou atividade desempenhada na sociedade nacional, regional ou local, ou pelo grau de instrução, estando as mesmas sujeitas à prisão cautelar, decorrente de infração penal. Prisão especial é exclusiva para quem estiver cumprindo prisão provisória, e após ser condenado será recolhido ao estabelecimento penal comum.Trata-se de um assunto polêmico e com divergências de opiniões, e a partir disso o presente trabalho tem como objetivo analisar o principio da prisão especial e as normas da Constituição Federal e do Direito Processual Penal. Pode-se assim concluir que a solução não é abolir a prisão especial, pois se trata de fundamentação jurídica consistente e necessária, no entanto se faz necessário abranger a todo e qualquer brasileiro que espera por um julgamento, sendo merecedor de um tratamento condigno e igualitário, havendo a presunção da inocência. Palavras-Chave: Prisão especial. Art. 295. Regalias.

Abstract

Special prisoner is one who remains retracted in a place other than common prisoner, on a temporary basis (law no. 10 258, of 11.07.2001. This benefit is granted by the relevance of the role, function, job or activity performed at the national, regional or local society, or the education level, and the same are subject to precautionary prison resulting from a criminal offense. Special Prison is only for those who are serving and provisional custody and will be sentenced after being retracted to establish common criminal. This is a polemic and divergent opinions matter, and from this the present work aims at analyzing the principle of special prison and the norms of the Federal Constitution and the Criminal Procedure Law. One can thus conclude that the solution is not to abolish the special prison, because it is consistent and necessary legal basis, however it is necessary to include the any Brazilian who awaits a trial worthy of being treated with dignity and e qual, with the presumption of innocence. Keywords: Special Prison. Art. 295. Perks.

Contato: [email protected]

1 - Introdução A prisão é o cerceamento da liberdade de

locomoção, é o encarceramento, e a Carta Magna de 1988, proclama no art. 5º, LXI, que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

O Código de Processo Penal confere a certas pessoas o direito à prisão especial, tal privilegio é concedido pela relevância do cargo, função, emprego ou atividade desempenhada na sociedade nacional, regional ou local, ou pelo grau de instrução, estando as mesmas sujeitas à prisão cautelar, decorrente de infração penal. Entretanto nossa Constituição reconhece, no art. 5º, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".

A prisão especial perdurará enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, e somente após esta o condenado será recolhido ao estabelecimento penal comum.

Trata-se de um assunto polêmico e com divergências de opiniões, e a partir disso o presente

1BOBBIO, 1992.

trabalho tem como objetivo analisar o princípio da prisão especial e as normas da Constituição Federal e do Direito Processual Penal.

2- Direitos e garantias fundamentais Os direitos do homem são caracterizados por

lutas de modo gradual em defesa de novas liberdades contra antigos poderes, apresentando como finalidade a observância e proteção da dignidade da pessoa humana de maneira universal, ou seja, abrangendo todos os seres humanos.1 Até o final do século XVIII o direito foi dividido em duas correntes, o naturalismo e o positivismo. Ambas as correntes são consideradas iguais quanto à sua qualificação, porém são analisadas em planos diferentes.

O direito natural tem como seu principal fundamento as leis naturais, que advêm com a criação da sociedade, através de normas consideradas divinas, por quais os homens estariam subordinados. E a única maneira possível de defesa contra a sua violação pelo Estado era um

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direito também natural, o denominado direito de resistência 2 3.

De acordo com Bobbio, posteriormente nas Constituições que reconheceram a proteção jurídica de alguns desses direitos, o direito natural de resistência transformou-se no direito positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado 4.

No que se refere aos direitos do homem e direitos fundamentais Canotilho comenta que:

“Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espácio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta” 5.

Os direitos fundamentais e os direitos humanos se diferem pelo grau de concretização positiva que possuem, ou seja, pelo grau de concretização normativa. Enquanto os direitos humanos estão positivados apenas no âmbito externo, os direitos fundamentais por sua vez estão duplamente positivados, pois atuam no âmbito interno e no âmbito externo, possuindo maior grau de concretização positiva 6.

“[...] Hoje são considerados direitos humanos todos os direitos fundamentais, assim denominados por convenções internacionais ou por normas não convencionais, quer o conteúdo dos mesmos seja de primeira, segunda ou terceira geração [...]” 7.

Os direitos fundamentais são definidos como conjunto de direitos e garantias do ser humano, cuja finalidade principal é o respeito à sua dignidade, com proteção ao poder estatal e a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano. A evolução dos direitos fundamentais apresenta quatro gerações: a 1º geração dos direitos apresentava a liberdade, igualdade e fraternidade como seus três princípios principais. Em seguida, surgiram os direitos de 2º geração, que eram os sociais, culturais e econômicos, como os direitos coletivos; posteriormente, os de 3º geração, relativos aos direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, ao patrimônio da humanidade e à

2 Ibidem. 3 GOUVEIA,1998. 4 BOBBIO, Norberto, 1992. 5 CANOTILHO, 1995. 6 PÉREZ-LUÑO, 1998 7 RAMOS, André de Carvalho, 2002.

comunicação. Como direitos fundamentais de 4º geração, os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo 8 9.

2.1- A garantia da igualdade

Em nosso país, o princípio da igualdade provém do caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”.

Ressalta Mello que:

“A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral ou de todo o modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes” 10.

De acordo com Castro, a Constituição

Política do Império, outorgada em 25 de março de 1824, se referia à igualdade no art. 179, XIII: “A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”. Entretanto era consagrada por discriminações e privilégios. Já a primeira Constituição da República, promulgada a 24 de fevereiro de 1891, em seu art. 72, § 2º, consagrou o princípio isonômico como mera vedação formal aos privilégios individuais: “Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza, e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho” 11.

“[...] A igualdade de tratamento, todavia, corresponde à igualdade nas oportunidades que serão oferecidas às partes no referente à pratica dos atos processuais, encontrando certa restrições em alguns casos legais, não sendo, portanto, absoluto [...]” 12.

É ressaltado por Castro que se tudo e todos fossem iguais perante a lei de modo absoluto, a lei não poderia classificar ou estabelecer valorações fático-jurídicas, tendo de tratar a tudo e a todos da mesma forma, implicando assim no cerceamento do exercício poder normativo do Estado para enfrentar as desigualdades econômicas e sociais. Dessa maneira, é certo que o princípio da igualdade apresenta uma margem de relatividade que varia

8 BONAVIDES, Paulo, 1997. 9 NUCCI, Guilherme Sousa, 2002. 10 MELLO, 1978. 11 CASTRO, 2003. 12 SILVA, 1997.

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segundo as opções legislativas em distinguir dentre as inumeráveis e heterogêneas circunstâncias da vida, para atribuir a elas tratamento normativo ora desigual, ora igual a critério das decisões políticas prevalecentes em determinado tempo e lugar 13.

Mello argumenta:

[...]significa, em outras palavras que a igualdade tem uma dimensão estática e a outra dinâmica. ‘Na dimensão estática, o axioma de que todos são iguais perante a lei parece configurar […] mera ficção jurídica, no sentido de que é evidente que todos são desiguais, mas essa patente desigualdade é recusada pelo legislador’. Na dimensão dinâmica, porém, verifica-se caber ao Estado suprir as desigualdades para transformá-las em igualdade real 14.

De acordo com Lafer e Comparato, cada ser

humano apresenta o caráter único e insubstituível de portador de um valor próprio, que veio demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em todo indivíduo. E cada indivíduo apresenta seu individualismo, onde o mundo é um agregado de individualidades isoladas que são à base da realidade 15 16.

A Carta Magna veda as discriminações, os tratamentos desiguais, salvo casos previstos em lei, nesse sentido afirma Morais:

"A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado" 17.

Para Pimenta Bueno: “a lei deve ser uma e a

mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente

13 CASTRO, 2003. 14 MELLO, 1978. 15 LAFER, Celso, 1981 16 COMPARATO, Fábio Konder, 2005. 17 MORAES, 2002. 18 BUENO, 1958.

em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania” 18.

3- A garantia da igualdade

O sistema penal não se limita ao Poder

Judiciário, mas se constitui numa atividade complexa como definem Zaffaroni e Pierangeli:

"Chamamos "sistema penal" ao controle social punitivo institucionalizado, que na prática abarca a partir de quando se detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito até que se impõe e executa uma pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta atuação. Esta é a ideia geral de sistema penal em um sentido limitado englobando a atividade do legislador, do público, da polícia, dos juízes, promotores e funcionários e da execução penal" 19.

A liberdade é uma qualidade ou propriedade

da pessoa, valor do indivíduo. Entretanto, a quebra da lei, a depender da natureza e grau de infração, resulta na privação da liberdade, podendo conduzido ao recolhimento em alguma modalidade de instituição penal 20.

No fim do século XVIII e começo do XIX, o cerimonial do espetáculo punitivo vai sendo extinto e passa a ser apenas um novo ato de procedimento ou administração. O essencial da pena passou a ser uma técnica de aperfeiçoamento calcada na pena, onde procura-se reeducar, corrigir, a estrita expiação do mal, e liberta os magistrados do vil ofício de castigadores 21.

De acordo com Fernando Capez a prisão é o cerceamento da liberdade de locomoção, em virtude de um flagrante delito ou determinada ordem escrita fundamentada da autoridade judiciária competente 22.

É descrito no art. 283 do Código de Processo Penal:

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude da prisão temporária ou preventiva” 23.

“O fim das penas não é atormentar ou afligir

um ser sensível, nem desfazer um delito já

19 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004. 20 BOBBIO, Norberto, 1996. 21 FOUCAULT, Michael, 1997. 22 CAPEZ, Fernando, 2012. 23 PLANALTO, art. 283.

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cometido. O fim, pois, é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir outros de fazer o mesmo” 24.

A prisão se fundamenta pela perda da liberdade, e tem o mesmo preço para todos. É considerada a melhor multa, sendo um castigo “igualitário”, que permite quantificar exatamente a pena segundo variável do tempo. Reiterando tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a ideia de que a infração penal lesou, mais além da vítima, a sociedade inteira. Obviedade econômico-moral de uma penalidade que contabiliza os castigos em dias, em meses, em anos e estabelece equivalências quantitativas delitos duração. Daí a expressão tão frequente, e que está de acordo com o funcionamento das punições, se bem que contrária à teoria estrita do direito penal, de que a pessoa está na prisão para “pagar sua dívida” 25. Tucci comenta a garantia da assistência judiciária citada no inc. LXXIV do art. 5º da Constituição Federal, e tratada pela Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950:

[Abrange] todos os atos do procedimento penal, desde a iniciação da persecutio criminis ou de processo de conhecimento não-condenatório, até o trânsito em julgado em ato decisório final, a saber: a) taxas judiciárias (art. 3º. I; b) emolumentos e custas (art. 3º., II); c) despesas com publicações indispensáveis na Imprensa Oficial (art. 3º., III); d) indenizações devidas às testemunhas, que, 'quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem' (art. 3º, IV); e) honorários de advogado e de peritos (art. 3º., V) 26.

Foucault argumenta que:

“A prisão deve ser um aparelho disciplinar exaustivo. Em vários sentidos: deve tomar a seu cargo todos os aspectos do indivíduo, seu treinamento físico, sua aptidão para o trabalho, seu comportamento cotidiano, sua atitude moral, suas disposições; a prisão muito mais que a escola, a oficina ou o exército, que implicam sempre numa certa especialização, é ‘onidisciplinar’. Além disso, a prisão é sem exterior nem lacuna; não se interrompe, a não ser depois de terminada totalmente sua tarefa; sua ação sobre o indivíduo deve ser ininterrupta: disciplina incessante” 27.

Mello classifica as espécies de prisão da

seguinte forma 28:

24 BECCARIA, 2002. 25 FOUCAULT, Michael, 1997. 26 TUCCI, Rogério Laurita, 2004.

a) Prisão-pena ou prisão penal: é aquela imposta em razão de sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, trata-se de privação da liberdade determinada com a finalidade de executar decisão judicial, após o devido processo legal, na qual se determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade. Não tem finalidade acautelatória, nem natureza processual. Trata-se de medida penal destinada à satisfação da pretensão executória do Estado.

b) Prisão sem pena ou prisão processual:

trata-se de prisão de natureza puramente processual, imposta com finalidade cautelar, reservada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena, ou ainda a impedir que, solto, o sujeito continue praticando delitos. Depende do preenchimento dos pressupostos do periculum in mora e do fumus boni iuris. É a chamada prisão provisória, compreendendo as seguintes espécies: prisão em flagrante (art. 301 a 310, CPP); prisão preventiva (arts. 311 a 316, CPP); prisão decorrente da pronúncia (art. 108, § 1º, CPP); prisão em virtude de sentença recorrível (art. 393, I e art. 594; art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/1990; art. 35 da Lei nº 6.368/1976); e por fim a prisão temporária (Lei nº; 7.960, de 21.12.1989).

c) Prisão Civil: O Pacto de São José da Costa

Rica e a EC nº 45/2004: por força da EC nº 45/2004, que acrescentou o § 3º ao art. 5º da CF, “os tratados e convenções internacionais sobre os direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Para tanto, devem preencher dois requisitos: a) tratem de matéria relativa a direitos humanos, e b) sejam aprovados pelo Congresso Nacional, em dois turnos, pelo quórum de três quintos dos votos dos respectivos membros (duas votações em cada Casa do Parlamento, com três quintos de quórum em cada votação). Obedecidos tais pressupostos, o tratado terá caráter constitucional, podendo revogar norma constitucional anterior, desde que em benefício dos direitos humanos, e tornar-se imune a supressões ou reduções futuras, diante do que dispõe o art. 60, § 4º, IV da CF. Sucede que os submetidos a esse quórum especial de votação, continuam valendo como mera legislação inferior, sem possibilidade de alterar a CF. É o que ocorre, por exemplo, com a prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel, permitida expressamente no art. 5º, LXVII, da CF. O Pacto de San José da Costa Rica vedou a prisão civil do depositário infiel, somente permitindo-a na hipótese de dívida alimentar. Se tivesse índole

27 FOUCAULT, Michael, 1997. 28 MELLO, 1978.

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constitucional, teria revogado a redação original da CF, pois estaria ampliando a proteção aos direitos humanos. Ocorre que, como citado tratado não foi submetido a nenhum quórum qualificado em sua aprovação, sua posição é subordinada no ordenamento jurídico, de modo que não pode prevalecer sobre norma constitucional expressa, permanecendo a possibilidade de prisão por depositário infiel. A Súmula Vinculante 25 do STF dispõe que é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.

d) Prisão administrativa: é aquela decretada

por autoridade administrativa para compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação. Esta modalidade de prisão foi abolida pela nova ordem constitucional. Com efeito, o art. 319 do CPP não foi recepcionado pelo art. 5º, LXI e LXVII, da Constituição Federal. Em sentido contrário, o STF já entendeu que ainda cabe a prisão administrativa do estrangeiro, durante o procedimento administrativo da extradição, disciplinado pela Lei 6.815/1980, desde que decretada por autoridade judiciária. Assim, desde que imposta por juiz, tem-se admitido a prisão do extraditando.

e) Prisão disciplinar: permitida pela

Constituição para o caso de transgressões militares e crimes militares próprios (art. 5º, LXI, CF).

f) Prisão para averiguação: é a privação

momentânea da liberdade, fora das hipóteses de flagrante e sem ordem escrita do juiz competente, com a finalidade de investigação. Além de ser inconstitucional, configura crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/1965, art. 3º. a e i).

A prisão-pena (prisão ad poenam) é imposta

àquele que for reconhecidamente culpado de haver cometido uma infração penal, como retribuição ao mal praticado, a fim de reintegrar a ordem jurídica ofendida. E o nosso Código Penal prevê as seguintes penas: a) privativas de liberdade; b) restritivas de direitos; e c) multa.

A pena privativa de liberdade por sua vez, apresenta a pena de reclusão e a prisão simples. E conforme a redação dada pela Lei n. 7.209/1984 a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. No regime fechado a execução da pena é realizado em estabelecimento fechado de segurança máxima ou média. O regime semiaberto, trata-se do regime executado em colônias agrícola, industrial ou em estabelecimento similar. Enquanto que o regime aberto é realizado em casa de albergado ou estabelecimento adequado 29.

Quando a pena de reclusão imposta na sentença for superior a 8 anos, o condenado deverá

29 PLANALTO, Lei n. 7.209 de 11 de julho de 1984. 30 Ibedem. 31 MINISTERIO DA JUSTIÇA, 2014.

começar a cumpri-la em regime fechado, e conforme o mérito do condenado poderá ele passar para o regime semiaberto, e regime aberto progressivamente. Quando a pena de reclusão imposta, for superior a 4 anos e não exceder a 8, não sendo reincidente o condenado, dependendo da maior ou menor reprovabilidade de sua conduta, o cumprimento da pena começar pelo regime semiaberto e terminar no aberto, dependendo do comportamento do preso. Sendo o condenado não reincidente, e a pena imposta for igual ou inferior a 4 anos, poderá cumpri-la integralmente no regime aberto 30.

3.1- Estabelecimentos penais

De acordo com o Ministério da Justiça

estabelecimentos penais são todos aqueles utilizados pela Justiça com a finalidade de alojar presos provisórios e condenados, ou ainda aqueles que estejam submetidos a medida de segurança. Dentre esses estabelecimentos temos cadeias publicas penitenciarias, colônias agrícolas ou industriais, casas do albergado, centro de observação criminológica e hospitais de custodia e tratamento psiquiátrico 31.

De acordo com Mesquita a cadeia pública destina-se ao recolhimento da pessoa durante a prisão provisória, e para o cumprimento da prisão simples, visto que a prisão simples será cumprida “sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semiaberto”, com o afastamento dos condenados à pena de reclusão ou de detenção (LEP, art. 6º, caput e § 1º) 32.

Argumenta Fabbrini Mirabete (2000) que:

“A separação instituída com a destinação à Cadeia Pública é necessária, pois a finalidade da prisão provisória é apenas a custódia daquele a quem se imputa a prática do crime a fim de que fique à disposição da autoridade judicial durante o inquérito ou a ação penal e não para o cumprimento da pena, que não foi imposta ou que não é definitiva. Como a execução penal somente pode ser iniciada após o trânsito em julgado da sentença, a prisão provisória não deve ter outras limitações se não as determinadas pela necessidade da custódia e pela segurança e ordem dos estabelecimentos” 33.

Segundo o Ministério da Justiça as

penitenciárias de segurança média ou máxima são aqueles estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas com condenação em regime fechado, dotados de celas individuais e coletivas. E apresentam como requisitos básicos da

32 MESQUITA, 2007. 33 MIRABETE, Fa2000.

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unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados) 34.

Uma pesquisa realizada pelo G1 com os governos dos 26 estados e do Distrito Federal demonstra que o Brasil apresenta atualmente uma população carcerária de 563.723 presos, com um déficit de 200 mil vagas nas unidades prisionais do país. Em apenas um ano, foram implantadas 42,2 mil novos lugares tem hoje um no sistema penitenciário, e ainda sim o pais sofre com presídios superlotados (Tabela1) 35.

Tabela 1- Número de detentos e vagas por estado.

Estado Detentos Vagas

AC 4.379 2.381 AL 5.195 2.615 AP 2.436 1.138 AM 8.500 3.880 BA 11.470 8.347 CE 19.392 15.602 DF 12.422 6.719 ES 15.187 13.340 GO 17.000 13.000 MA 4.663 3.421 MT 10.121 6.038 MS 12.306 6.446 MG 49.431 31.487 PA 11.612 7.451 PB 9.040 5.600 PR 28.027 24.209 PE 29.967 10.500 PI 3.155 2.238 RJ 33.900 27.069 RN 6.700 4.200 RS 28.046 22.407 RO 7.840 4.928 RR 1.586 1.106 SC 17.200 11.300 SP 206.954 123.448 SE 4.300 2.500 TO 2.894 2.150

Fonte: G1 (2014)

As colônias penais agrícolas são estabelecimentos destinados ao cumprimento de pena no regime semiaberto, o qual deverá existir uma relativa liberdade para os presos. Com a vigilância moderada, com os muros mais baixos, leva-se em conta a responsabilidade do condenado em face do cumprimento da pena. No entanto o Brasil não dispõe de muitas colônias agrícolas e industriais, e maioria delas são verdadeiras

34 MINISTERIO DA JUSTIÇA, 2014. 35 G1, 2014. 36 MESQUITA, 2007. 37 CAPEZ, Fernando, 2011. 38 MESQUITA, 2007.

adaptações que não podem atender a um grande número de condenados 36 37.

A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime aberto. Nesse regime o condenado deverá se demonstrar responsável e desempenhar seus afazeres durante o dia e a ela se recolher á noite e nos dias de folga. Apresenta uma estrutura simples e de baixo custo, visto que a mesma se caracteriza pela existência de grandes alojamentos, onde os condenados só se recolhem nos períodos de folga 38.

No entanto é quase absoluta a ausência de estabelecimentos penais de casa do albergado no Brasil, uma vez que as penas privativa de liberdade no regime aberto e limitação de fim de semana são executadas em regime domiciliar, não apresentando alternativas para os juízes e promotores que operam com a execução penal 39.

Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico são os estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas a medida de segurança. Não exige cela individual, uma vez que se submete aos padrões de uma unidade hospitalar, atendendo às necessidades da moderna medicina psiquiátrica 40.

Renato Marcão ainda argumenta que:

“O que se vê na prática são executados reconhecidos por decisão judicial como inimputáveis, que permanecem indefinidamente no regime fechado, confinados em cadeias públicas e penitenciárias, aguardando vaga para a transferência em hospital. De tal sorte, desvirtua-se por inteiro a finalidade da medida de segurança. Ademais, mesmo nos casos em que se consegue vaga para internação, a finalidade da medida também não é alcançada, já que reconhecidamente tais hospitais não passam de depósitos de vidas humanas banidas da sanidade e de esperança, porquanto desestruturados para o tratamento determinado pela lei e reclamado pelo paciente, desprovidos que são de recursos pessoais e materiais apropriados à finalidade a que se destinam” 41.

Os centros de observação criminológica são

os estabelecimentos penais de regime fechado e de segurança máxima. Visando à individualização na execução da pena, os condenados são submetidos a exames e testes de personalidade e criminológico. Os resultados por sua vez são encaminhados à Comissão Técnica de Classificação, que indicará o tipo de estabelecimento e o tratamento adequado para cada pessoa presa 42.

39 MARCÃO, Renato, 2007. 40 CAPEZ, Fernando, 2011. 41 MARCÃO, Renato, 2007. 42 CAPEZ, Fernando, 2011.

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De acordo com Marcão a ausência de

centros de observação tem levado à ausência dos exames indicados no texto legal e consequentemente a decisões no sentido de serem dispensados os exames que poderiam ser realizados por referido órgão e apresentarem uma adequada classificação 43.

4- Prisão especial

O preso provisório é aquele que teve sua

liberdade de locomoção despojada sem sentença penal condenatória transitada em julgado, sendo esta, uma medida cautelar necessária para se atingir os fins colimados pelo Estado. E é assegurado pela lei executiva penal brasileira n. 7.210/1984 o tratamento distinto ao preso que aguarda julgamento, determinando sua custódia em cela separada dos presos condenados. Desse modo, estabeleceu a cadeia pública como o estabelecimento penal adequado ao recolhimento de presos provisórios 44 45.

Nucci comenta a respeito da separação dos presos provisórios dos condenados em definitivo:

"Trata-se de uma obrigação do Estado, evitando-se a promiscuidade nefasta dos presídios e amenizando-se o trauma daquele que, não sendo ainda considerado culpado, merece ser afastado dos presos já sentenciados com trânsito em julgado. A lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), sensível a esse drama, em vez de facultar, determina que o preso provisório fique separado do condenado definitivamente (art. 84, caput). E vai além, com razão: determina que o condenado primário deve ficar em sessão distinta, no presídio, do condenado reincidente (art. 84, § 1º)" 46.

E dentre os presos provisórios, a lei confere,

a alguns, o direito de não permanecer no mesmo espaço dos demais detidos, o denominado direito à prisão especial.

Nesse âmbito de aplicação do instituto, qualquer outra diferença que não a do espaço, ou transporte separado reveste-se de ilegalidade. O § 1º do art. 295 do CPP apresenta a seguinte redação: “A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum” 47.

De acordo com Cury e Nogueira, já em 5 de julho de 1937, pela Lei nº 425 a prisão especial era garantida aos portadores de diploma de ensino superior no Brasil. Entretanto, somente seriam beneficiados os diplomados por cursos cujas

43 MARCÃO, Renato, 2007. 44 CAPEZ, Fernando, 2002. 45 BECCARIA, 2004. 46 NUCCI, Guilherme Sousa, 2008. 47 PLANALTO, art. 295. 48 CURY; NOGUEIRA, 2001. 49 OAB, 2014.

instituições houvessem sido oficialmente reconhecidas pelo Ministério da Educação. E mais tarde em 3 de outubro de 1941 a prisão especial foi confirmada, pelo art. 295 do CPP, segundo o Dec. Lei nº 3.689, durante a vigência do Estado Novo 48.

De acordo com a OAB, em 18 de março de 1941 foi decretada a prisão preventiva do escritor José Bento de Monteiro Lobato, por escrever uma carta em plena ditadura do Estado Novo ao presidente Getúlio Vargas general Gois Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, relatando sua reprovação em face da questão do petróleo no Brasil. Na Casa de Detenção de São Paulo, os seguintes dados sobre a prisão de Monteiro Lobato:

“Devidamente escoltado por investigadores desta Especializada (Delegacia Especializada de Ordem Política e Social), com este apresento-lhe o Doutor Monteiro Lobato, que deverá ser recolhido preso, à ordem e disposição desta, incomunicável, na Prisão Especial desta Detenção”. 27 de janeiro de 1941. Do prontuário: “Removido em 30-1-41 para a Superintendência de Segurança Política e Social, de conformidade com a determinação constante do ofício de 30-1-41 do Doutor Delegado de Ordem Política e Social, a fim de depor no inquérito em que é indiciado. Removido” 49.

Em 1 de setembro de 1949 a prisão especial

é concedida pelo Art. 1º da Lei 799/1949 “aos oficiais da Marinha Mercante Nacional, que já tiveram exercido efetivamente as funções de comando, estende-se a regalia concedida pelo artigo 295 do Código de Processo Penal” 50.

A Lei n. 2.860/1956: no artigo 1º a prisão especial é estendida aos “dirigentes de entidades sindicais de todos os graus e representativas de empregados, empregadores, profissionais liberais, agentes e trabalhadores autônomos”. Ainda, em seu artigo 2º estende o benefício ao “empregado eleito para função de representação profissional ou para cargo de administração sindical” 51.

No ano seguinte é concedido o direito à prisão especial pela Lei n. 3.313/1957 aos “servidores do Departamento Federal de Segurança Pública, que exerçam atividade estritamente policial”, a ser cumprida “no quartel da corporação ou repartição em que servirem”. Posteriormente é também concedido aos “pilotos de aeronaves mercantes nacionais, que já tiverem exercido efetivamente as funções de comando” pela Lei n. 3.988/1961 52 53.

50 PLANALTO, Lei n. 799, de 1 de setembro de 1949. 51 MINISTERIO DA JUSTIÇA, Lei n. 2.860, de 31 de agosto de 1956. 52 PLANALTO, Lei n. 3.313, de 14 de novembro de 1957. 53 PLANALTO, Lei n. 3.988, de 24 de novembro de 1961.

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De acordo com o artigo 40, capítulo VI da Lei

n. 4.878/1965 “preso preventivamente, em flagrante ou em virtude de pronúncia, o funcionário policial, enquanto não perder a condição de funcionário, permanecerá em prisão especial, durante o curso da ação penal e até que a sentença transite em julgado” 54.

Anos seguintes a Lei n. 5.350/1967: em seu artigo 1º, concede aos “funcionários da Polícia Civil dos Estados e Territórios Federais, ocupantes de cargos de atividades policial” o direito ao regime de prisão especial. E de acordo com o § 3º. do artigo 40 da Lei n. 4.878/1965, os policiais civis têm o direito de cumprir pena em local isolado dos presos não abrangidos pelo regime de prisão especial. Dessa maneira a prisão especial perdurará mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória 55 56.

O parágrafo único do art. 66 da Lei de Imprensa (Lei n. 5.250, de 09.02.1967) decreta que “O jornalista profissional não poderá ser detido nem recolhido preso antes de sentença transitada em julgado; em qualquer caso, somente em sala decente, arejada e onde encontre todas as comodidades” 57.

Em 1983 é estendida a regalia do artigo 295 aos professores do ensino de 1º e 2º graus pela Lei n. 7.172/1983. E a Lei n. 8.625/1993 dispõe, em seu artigo 40, inciso V, como uma das prerrogativas do membro do Ministério Público, “ser custodiado ou recolhido à prisão domiciliar ou à sala especial de Estado Maior, por ordem e à disposição do Tribunal competente” 58 59.

De acordo com o inciso V do artigo 7º da Lei n. 8.906/1994, é concedido aos advogados o direito de “não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar” 60.

No que se refere ao Presidente da República o dispõe-se o artigo 86 que em caso de acusação “por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”. Dessa maneira § 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções: I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal. § 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. § 3º Enquanto não

54 MINISTERIO DA JUSTIÇA, Lei n. 4.878, de 03 de dezembro de 1965. 55 PLANALTO, Lei n. 5.350, de 6 de novembro de 1967. 56 PLANALTO, Lei n. 4.878, de 03 de dezembro de 1965. 57 MINISTERIO DA JUSTIÇA, Lei n. 5.250, de 09 de fevereiro de 1967.

sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão. § 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções 61.

Em 11 de julho de 2001 o artigo 295 sofreu alteração, acrescentando o inciso V, incluindo os militares, e acrescentando os parágrafos 1, 2, 3, 4, 5. O Código de Processo Penal oferece um eloquente exemplo de institucionalização da diferença entre os cidadãos brasileiros, ao abordar no artigo 295, “Condições de prisões especiais”:

“Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a

prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:

I - os ministros de Estado; II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados; IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito"; V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; VI - os magistrados; VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; VIII - os ministros de confissão religiosa; IX - os ministros do Tribunal de Contas; X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos. § 1º. A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. § 2º. Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. § 3º. A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. § 4º. O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum.

58 MINISTERIO DA JUSTIÇA, Lei n. 7.172, de 14 de dezembro de 1983. 59 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL ,Lei n. 8.625 de 12 de fevereiro de 1993. 60 PLANALTO, Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994. 61 MINISTÉRIO DAD JUSTIÇA, art 86.

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§ 5º. Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.”

A prisão especial perdurará enquanto não

transitar em julgado a sentença condenatória, e somente após esta, o condenado será recolhido ao estabelecimento penal comum. Entretanto, dispõe o artigo 84, § 2º, da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), que o “o preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal, ficará em dependência separada” 62. E de acordo com o art. 3º Lei nº 10.258, de 11/7/2001, é assegurado ao detido63:

I - Alojamento condigno alimentação e recreio. Quando o alojamento for coletivo serão ouvidos os recolhidos, sempre que possível, para a organização dos grupos. II - O uso do seu próprio vestuário guardado o decoro devido aos companheiros de prisão e ao Estabelecimento. III - Assistência de seus advogados sem restrições, durante o horário normal de expediente. IV - Visita de parentes e amigos em horário previamente fixado. V - Visita de ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuge do detido, durante o expediente sem horário determinado. Em casos excepcionais a critério do Diretor ou Comandante, poderá a visita iniciar-se e prolongar-se fora do horário de expediente. VI - Recepção e transmissão de correspondência livremente salvo nos casos em que a autoridade competente recomendar censura prévia. VII - Assistência religiosa, sempre que possível. VIII - Assistência de médico particular. Quando os medicamentos receitados forem adquiridos ou manipulados fora, estarão sujeitos a verificação pelo Serviço Médico do Estabelecimento. IX - Alimentação enviada pela família ou amigos, em casos especiais e com autorização do Diretor ou Comandante. X - Transporte diferente do empregado para os presos comuns. XI - Direito de representar desde que o faça em termos respeitosos e por intermédio do Diretor ou Comandante. As petições insultuosas ou com expressões menos recomendáveis, não serão encaminhadas.

Segundo Nucci, a prisão especial deve ser

garantida até o trânsito em julgado da sentença condenatória, e somente após a condenação será o preso encaminhado para presídio comum, em convívio com outros sentenciados. Entretanto, existem exceções estabelecidas em leis especiais, como é o caso dos policiais, que para que não

62 PLANALTO, Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. 63 PLANALTO, Lei nº 10.258, de 11 de julho de 2001. 64 NUCCI, Guilherme Sousa, 2008. 65 PLANALTO, Lei nº 5.256 de 6 de Abril de1967.

sejam vítimas de vingança jamais serão misturados aos demais presos mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória 64.

Cumpre observar que a Lei 5.256/1967, que dispõe sobre a prisão especial, admite que, nas localidades em que não houver estabelecimento adequado para a prisão especial, esta possa ser autorizada pelo juiz a ser cumprida na residência, considerando a gravidade e as circunstâncias do crime 65. Esse entendimento reflete a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, aduzindo que:

Apenas a circunstância consistente na impossibilidade material de o Estado propiciar ao réu as condições inerentes à prisão especial é que autoriza, sempre em caráter extraordinário, o recolhimento prisional do acusado sob regime domiciliar (RTJ 43/380, Rel. Min. Eloy da Rocha)66.

4.1- Prisão especial e suas divergências.

A Enciclopédia Saraiva de Direito, no verbete

elaborado por França justifica os privilégios da prisão especial: “[...] não parece justo que pessoas que se distinguem por certas qualificações, posições ocupadas, funções exercidas, serviços prestados sejam recolhidas, quando tiverem de ser presas provisoriamente, a prisões comuns”67.

A prisão especial tecnicamente visa oferecer ao indiciado um tratamento mais humano que, pelas “qualidades morais e sociais”, merecem melhor tratamento, sendo essa prerrogativa concedida a certas pessoas pelas funções que desempenham, por sua educação ou cultura, por serviços prestados. Além disso, para evitar consequências graves e irreparáveis que a convivência desordenada com presos perigosos poderia lhes causar, podendo assim a custodia ser efetuada em quartéis ou prisões especiais. Trata-se do princípio da igualdade material, o qual estabelece que a lei deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na proporção de suas desigualdades 68 69.

Moraes, Paulo e Alexandrino ressaltam que o princípio constitucional da isonomia não veda que a lei estabeleça tratamento diferenciado entre pessoas que guardam distinções de idade, de sexo, de grupo social, de profissão, de condição econômica, entre outras. Sendo que os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal, quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. No entanto, não se admite é que o parâmetro diferenciador seja

66 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RTJ 43/380, Rel.Min. Eloy da Rocha). 67 FRANÇA, 1977. 68 HERMANN NETO, 2002. 69 MIRABETE, 2007.

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arbitrário, desprovido de razoabilidade, ou deixe de atender alguma razão de interesse público 70 71.

Espínola Filho argumenta:

[...] como salta à vista, o privilégio é incompatível com a igualdade de que cogita o estatuto básico da nação. Não se pode, todavia, esquecer que se “todos são iguais perante a lei”, cabe à lei decidir, limitar, afeiçoar o exercício o gozo dessa liberdade, não escapando a esta regra o direito penal e o processual penal. A exceção aberta pelos Códigos Penal e de Processo Penal é, no caso, a da individualização da pena e do tratamento penitenciário, através de classificação dos sentenciados. Quando, porém, o privilégio não se explica por essa imposição legal, mas decorre de situações sociais, econômicas, políticas, de classe ou de cultura, pode-se admitir que a diferenciação constante do art. 295 do Código de Processo Penal, se bem explicável por outros aspectos, (é) tão séria e fundamental que abre o rol das garantias e direitos cuja inviolabilidade ela assegura, como estruturais de cidadania. A verdade é que ‘o mínimo de disciplina social’, a que alude Sady de Gusmão, continua nas democracias modernas, a estabelecer ou manter certas diferenças que o conceito abstrato de democracia repele. E o da prisão especial é, indubitavelmente, um deles. Enquanto o princípio da ‘igualdade de todos perante a lei’ opera em toda sua força no sentido de nivelar os indivíduos vemos as exceções do art. 295 multiplicarem-se, envolvendo outras categorias de indivíduos, a tal ponto que se não houver uma parada, aliás dificílima à invocação dos precedentes, os que fazem jus, quando acusados de crime ou contravenção, ao regime da prisão especial, serão mais numerosos que os destinados ao da prisão comum [...] 72

Moraes critica de modo severo a prisão

especial, posto que se trata de uma declaração de incapacidade e ineficiência do Estado, reconhecendo dessa maneira que não tem como dar a mesma qualidade de prisão para todas as pessoas. Além disso, também reconhece que para os presos comuns, as condições oferecidas não são dignas, tanto que procura melhorá-las para os presos tidos como especiais.73

Nucci faz uma crítica contundente ao

instituto: “a prisão especial é, em nosso sentir, afrontosa ao princípio da igualdade previsto na Constituição Federal. Criou-se

70 MORAES, 2007. 71 PAULO; ALEXANDRINO, 2008. 72 ESPINOLA FILHO, 1976. 73 MORAES, 2004.

uma categoria diferenciada de brasileiros, aqueles que, presos, devem dispor de um tratamento especial, ao menos até o trânsito em julgado da sentença condenatória”74.

Oliveira (2008) complementa:

“A distinção e a desigualdade revelam de modo sublimar uma confissão expressa no sentido que nossos estabelecimentos prisionais devem mesmo ser reservados às classes sociais menos favorecidas, o que, aliás, iria exatamente à direção de outra realidade, ainda mais sombria, qual seja a de seletividade do sistema penal. O problema maior que resulta da apontada desigualdade diz respeito à possibilidade prática da aplicação do princípio da isonomia na sua solução: o que deveria ser feito é reivindicação das prisões especiais, ou melhor, prisões melhores e mais adequadas para a generalidade dos presos provisórios”75.

Nucci (2006) relata que:

“Diante da meridiana clareza do texto constitucional, não se pode cogitar de acolher, sob a ótica do Estado Democrático de Direito, a distinção entre pessoas, para o fim de recolhimento ao cárcere, baseado em títulos e cargos, sem qualquer vínculo com a necessidade. Por isso, é inconstitucional a prisão especial, prevista, em particular, no art. 295 do Código de Processo Penal, e em outras normas de legislação especial. Observa-se a preocupação da lei em isolar o denominado preso especial de outra categoria de presos, o comum. Eles não poderão nem mesmo ser transportados juntos numa só viatura (§ 4º). Chega-se ao ponto de especificar o óbvio, vale dizer, a cela especial deverá atender a requisitos de salubridade do ambiente, com fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana (§ 3º). Ora, por acaso os chamados presos comuns não teriam direito às mesmas celas, devidamente adequadas à sua existência, humanos que também são? Quais fatores levam o legislador a pretender a separação - inclusive no transporte - entre especiais e comuns? Não há, sob nosso entendimento, explicação plausível para tanto”76.

Oliveira expressa que: "À exceção de uma

outra situação, sobretudo quando fundada no exercício de algumas funções públicas, ligadas à própria persecução penal, parece-nos absurdamente desigual o tratamento reservado a

74 NUCCI, Guilherme Sousa, 2005. 75 OLIVEIRA 2008. 76 NUCCI, Guilherme Sousa, 2006.

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algumas pessoas, especialmente quando baseado no grau de escolaridade de que são portadoras” (art. 295, VII, CPP) 77.

José Luis Oliveira Lima, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB SP, criticou em 2002 a transferência do promotor João Luiz Trochman, do Distrito Policial do 13º Distrito Policial para o Regimento de Cavalaria 9 de Julho da Polícia Militar:

“É inadmissível, que quando se trata de um promotor, a Polícia consegue viabilizar acomodações de Sala de Estado Maior, como estipula a lei, já que as acomodações do 13 DP não podem ser classificadas nessa categoria. No entanto, quando é advogado, também beneficiado pela mesma lei, o Judiciário indeferi os pedidos de transferência, fazendo com que a OAB SP tenha de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para ver a lei cumprida” 78.

Tourinho é preciso em sua crítica:

“Os bacharéis em Direito, engenheiros, médicos, dentistas, farmacêuticos, psicólogos e outros tantos diplomados, em decorrência de sua escolaridade, tinham e têm redobradas razões para melhor se comportar na vida em sociedade, respeitando as leis. Tinham e têm melhores condições de conhecer as normas de convivência pacífica. O legislador, contudo, ainda lhes deu certo privilégio com a prisão especial. Melhor seria fosse esta conferida aos mais desafortunados”79.

Segundo Nucci (2010):

“A classe pobre da população, quando ingressa na prisão provisória, embora devesse receber o mesmo trato e zelo, não dispõe de norma expressa, determinando até mesmo os requisitos da cela, como salubridade, com fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico. Então, se postas em lugar fechado, sem luz direta, gelado ou muito quente, desde que não ultrapassado o prazo razoável de duração da prisão, aí podem ser mantidas, sem que se justifique a concessão de habeas corpus” 80.

O senador Expedito Júnior (PR-RO)

apresentou o projeto de lei PLS 50/07 para acabar com o beneficio da prisão especial para quem concluiu um curso superior, entretanto o direito a prisão especial seria mantido para ministros, governadores e secretários estaduais, prefeitos,

77 OLIVEIRA, 2011. 78 OAB, 2014. 79 TOURINHO, Filho, 2008. 80 NUCCI, Guilherme Sousa, 2010. 81 CONSULTOR JURIDICO, 2009.

vereadores, chefes de Polícia, parlamentares, juízes e oficiais das Forças Armadas. Expedito Junior afirmou:

"É bem verdade que esse tratamento especial perdura tão somente até o trânsito em julgado da condenação, ou seja, enquanto o indiciado ou réu é presumidamente inocente. No entanto, qual a razão para que o benefício seja concedido para os diplomados em nível superior? Esses, diferentemente das demais hipóteses enumeradas [no artigo 295], não desempenham qualquer cargo ou função pública que justifique a distinção de tratamento. A nosso ver, o fundamento do benefício é essencialmente elitista: não há porque separar o culto do inculto; o rico do pobre” 81.

De acordo com a Gazeta do Povo e a Folha

Uol, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), também apresentou um projeto (PLC 111/08) para reduzir a lista de pessoas que têm direito à prisão especial, excluindo o benefício as pessoas com curso superior, padres, pastores, bispos evangélicos e pais de santo, além de cidadãos com títulos recebidos pela prestação de relevantes serviços 82 83.

"Realmente havia privilégios uma vez que existia presunção de que essas pessoas [com curso superior e autoridades] corriam risco de vida. Agora a decisão ficou nas mãos do juiz, que vai avaliar quando de fato há risco de vida", afirma Demóstenes.

O senador Marcelo Crivella (PRB-RJ)

também apresentou em 2009 o projeto de lei PLS 151/2009, no qual as condições especiais seriam mantidas somente àqueles que, devido à natureza de sua ocupação ou outras circunstâncias específicas – a serem determinadas pelo juiz – venham a ser expostos a riscos extremos, apresentando como justificativa que para ele o instituto da prisão especial, além de representar "discriminação odiosa", contribui também para que o Estado permaneça descumprindo a lei quanto a aspectos relacionados a condições materiais das prisões e de assistência ao detento 84.

4.2- Casos de concessão da prisão

especial

Entre os inúmeros casos que ocorrem no

país, podemos destacar alguns em que os acusados foram privilegiados com a prisão especial: o homicídio de Isabella Nardoni, o

82 GAZETA DO POVO, 2008. 83 FOLHA UOL, 2009. 84 SENADO FEDERAL, 2010.

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homicídio de Bernardo Boldrini, o operador do mensalão Marcos Valério, Paulo Roberto da operação Lava Jato.

O homicídio da pequena Isabella ocorrido em março de 2008 chocou o País, o casal Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Jatobá Nardoni foi acusado de cometer o crime. Durante a prisão preventiva o casal passou por uma transferência de penitenciaria, e o advogado Rogério Neres de Souza, um dos defensores de Alexandre, comentou que a transferência foi uma solicitação da defesa do casal, já que a penitenciária oferece "condições mais adequadas" (Anexo A). "Alexandre tem direito à prisão especial, já que possui diploma universitário. E a penitenciária de Tremembé oferece a infraestrutura adequada a casos como o dele", afirmou Neres à Bol Noticias. Dois anos depois Anna e Alexandre foram condenados por homicídio qualificado, ficando determinado 31 anos de reclusão para ele e 26 para ela 85.

Outro caso que casou indignação foi a morte de Bernardo, o qual foi encontrado no dia 14 de abril de 2014, enterrado em um matagal no município de Frederico Westphalen, a cerca de 80 quilômetros de Três Passos, onde residia com a família. São acusados de participação na morte dele o pai, Leandro Boldrini, a madrasta, Graciele Ugulini, a amiga dela, Edelvânia Wirganovicz, e seu irmão Evandro Wirganovicz. Os acusados estão em prisão preventiva (ANEXO B), e respondem pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver, o médico Leandro Boldrini este preso em Charqueados, e Graciele em Guaíba, ambos em celas individuais 86 87.

A revista Veja publicou que o ex-publicitário Marcos Valério, condenado como operador do esquema do mensalão do PT foi transferido na quarta-feira 28 de maio de 2014 para Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (ANEXO C). Valério cumprirá pena de 37 anos, 5 meses e 6 dias de prisão, e ficará recluso em uma cela individual de 6 metros quadrados, com uma cama de alvenaria, um colchão, vaso sanitário, pia com torneira e chuveiro 88.

E atualmente o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa foi preso em março deste ano, durante a Operação Lava Jato da Polícia Federal, que está sendo investigado um esquema de lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 10 bilhões. Depois de firmar um acordo de colaboração premiada, Costa passou a colaborar com as investigações e, em troca, obteve o benefício da prisão domiciliar (Anexo D), sendo está considerada "adequada" pelo advogado René Dotti, que representa a empresa Petrobras 89.

85 BOL NOTÍCIAS, 2014. 86 G1, 2014. 87 BRASIL ESTADÃO, 2014.

5- CONCLUSÃO

A prisão especial deveria abranger a todo e qualquer brasileiro que espera por um julgamento, sendo merecedor de um tratamento condigno e igualitário, havendo a presunção da inocência. Dessa maneira deixaria de ser uma concessão de um privilégio, para ser exclusivamente a garantia de um direito. Entretanto, faz a lei uma discriminação injusta e elitista, levando em consideração não a pessoa, mas o cargo ou função que ela exerce.

A solução não é abolir a prisão especial, uma vez que a mesma se torna necessária para evitar que integridade física seja ameaçada em convívio com os outros presos, como, por exemplo, os policiais, defensores, promotores, juízes, entre outros, que atuam na justiça criminal. E aos outros presos que não apresentam ameaças contra sua integridade, o Estado deve se mostrar capaz de fornecer a todos os presos a mesma qualidade de vida dentro da prisão, respeitando os princípios basilares da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade.

88 REVISTA VEJA, 2014. 89 G1, 2014.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

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ANEXO A- Alexandre Nardoni utiliza de regalias por ter curso superior.

ANEXO B- Pai e madrasta de Bernardo ficam sob condições especiais.

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ANEXO C- Marcos Valerio sob privilégios na penitenciaria Nelson Hungria.

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ANEXO D- Paulo Roberto permanecerá em prisão domiciliar.

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