CURSO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO E JUDICIAL ......Segunda Parte • Processo Judicial Tributário...

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2021 CURSO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO E JUDICIAL TRIBUTÁRIO Marco Antonio Rodrigues

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    CURSO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO

    E JUDICIAL TRIBUTÁRIO

    Marco Antonio Rodrigues

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    Capítulo

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    6PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA

    FAZENDA PÚBLICA

    6.1. CONCEITO DE FAZENDA PÚBLICA

    No processo judicial tributário, seja nas ações em que o Fisco é autor, seja nas em que é réu, uma das partes é a Fazenda Pública. Por isso, é preci-so analisar alguns aspectos gerais dos processos judiciais em que a Fazenda Pública seja parte.

    Para fins de aplicação das normas processuais civis, verifica-se no Código de Processo Civil a menção à Fazenda Pública. Trata-se de todas as pessoas de direito público componentes da Administração. Isso inclui, portanto, as autarquias, as agências reguladoras e as fundações públicas de direito público1.

    Importante mencionar, também, os conselhos de fiscalização profis-sional, que possuem capacidade tributária ativa, já que podem cobrar suas taxas. Embora não se enquadrem no conceito de Fazenda Pública, também se beneficiarão de garantias típicas das pessoas de direito público.2 A Lei nº

    1 RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no processo civil. Rio de Janeiro: GEN, 2a ed., 2016. p. 3.2 Nessa linha, admitiu o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial representativo de contro-

    vérsia, que o benefício da intimação pessoal, previsto na Lei n. 6.830/1980 aos representantes judiciais da Fazenda Pública, também se aplica aos Conselhos de Fiscalização Profissional: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO Código de Processo Civil). EXECUÇÃO

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    9.649/98, dentre outras questões, dispôs sobre os Conselhos de Fiscalização Profissional em seu artigo 58, tendo consagrado, no caput, serem atividades exercidas em caráter privado, sendo que o § 2o desse artigo estabeleceu que tais conselhos são dotados de personalidade jurídica de direito privado, o que, em princípio, retiraria a natureza autárquica de tais entidades.

    O Supremo Tribunal Federal, entretanto, reconheceu implicitamente, na ADIN 1.717-6, que esses conselhos possuem natureza jurídica de direito público:

    DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL N. 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SER-VIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS.

    1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3o do art. 58 da Lei n. 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos § 1o, 2o, 4o, 5o, 6o, 7o e 8o do mesmo art. 58.

    2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5o, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados.

    3. Decisão unânime.3

    6.2. AS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO E SUA LEGITIMAÇÃO

    Não apenas no processo tributário, mas também nos demais proces-sos em que a Fazenda Pública figure como parte, o legislador previu uma

    FISCAL. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. INTIMAÇÃO PESSOAL. ART. 25 DA LEI 6.830/80. RE-CURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Em execução fiscal ajuizada por Conselho de Fiscalização Profissional, seu representante judicial possui a prerrogativa de ser pessoalmente intimado, conforme disposto no art. 25 da Lei 6.830/80. 2. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução Superior Tribunal de Justiça 8/08 (Superior Tribunal de Justiça, REsp 1330473/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 12/06/2013, DJU 02/08/2013).

    3 Supremo Tribunal Federal, ADI n. 1717, Relator(a):  Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28/03/2003, p. 61, EMENT. VOL-02104-01, p. 149.

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    série de prerrogativas processuais em favor desta última. Trata-se de bene-fícios instituídos, em diferenciação aos demais jurisdicionados em geral.

    A atividade legislativa muitas vezes envolve a necessidade de criar dis-tinções entre os sujeitos da coletividade. Legislar, portanto, acaba por gerar classificações entre pessoas ou entes4. Veja-se, por exemplo, a criação de requisitos na própria Constituição à ocupação de certos cargos da estrutu-ra política brasileira5.

    Diante de fato de as prerrogativas serem distinções entre o Fisco e os sujeitos passivos com quem litigam no Judiciário, é possível dizer que são elas constitucionais?

    6.2.1. O Princípio da Supremacia do Interesse Público

    Um primeiro possível fundamento justificador das prerrogativas do Poder Público é o princípio da supremacia do interesse público6. No en-tanto, é preciso buscar o real sentido desse princípio, a fim de verificar se realmente legitima as prerrogativas da Fazenda Pública no processo.

    Especialmente no âmbito do Direito Administrativo, o princípio da supremacia do interesse público de longa data é visto como basilar à atua-ção do Estado7. Seguindo sua concepção tradicional, a Administração Pú-

    4 No mesmo sentido, entendendo que legislar significa classificar, CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 144.

    5 É o que dispõe o artigo art.14,§ 3º, VI, da Constituição da República, no que se refere aos indivíduos que podem ser eleitos como Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; Vereador. "§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei: VI - a idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador."

    6 Cumpre destacar o entendimento de Humberto Ávila, que entende que a supremacia do interesse público sequer pode ser considerada princípio, tendo em vista que sua concretização se dá por meio de uma regra abstrata de prevalência do interesse público, impedindo até mesmo a aplicação de métodos de ponderação a fim de definir o interesse a prevalecer. Além disso, para o referido autor faltam elementos jurídico-positivos de validade ao suposto princípio, já que não decorre de uma interpretação sistemática do Direito. Ao contrário, da análise das normas constitucionais, vê-se uma importância tamanha aos direitos fundamentais, que Ávila sustenta que, se houvesse alguma regra abstrata de prevalência, essa seria em favor dos interesses privados (ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular”. In: SARMENTO, Daniel (org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público, Op. Cit, pp. 184-186).

    7 Celso Antônio Bandeira de Mello, acentuando a importância da supremacia do interesse público, afirma ser ela “verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 66).

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    blica deve atuar buscando a consecução do interesse público, não podendo os interesses puramente pessoais prevalecerem em face do primeiro8.

    Apesar da importância dada à supremacia do interesse público, há au-tores que vêm questionando a aplicação de tal princípio no direito público pátrio9. Conforme já defendemos acima e em outra sede, não nos parece adequada a divisão do interesse público em primário e secundário10, uma vez que os interesses patrimoniais do Estado não estão dissociados dos in-teresses da coletividade, como se realmente fossem categorias estanques. Ambos estão interligados, e a proteção a um também promove o outro. Nessa linha, a satisfação de um interesse arrecadatório estatal, por exemplo, não é apenas de relevância da própria pessoa jurídica de direito público, mas se reverte em prol da própria coletividade, já que tais valores poderão ser utilizados para a promoção de políticas públicas que devem ser empre-endidas pela Administração como interesses primários11.

    Uma vez que não há uma definição normativa do que seja interesse público12, entendemos que este configura um conceito jurídico indeter-minado, que deve ser concretizado pelos agentes públicos a partir dos di-reitos previstos na Constituição aos administrados, assim como a partir das missões instituídas à Administração Pública. Nessa linha, devem ser avaliadas as ponderações feitas pelo próprio constituinte, tendo em vista

    8 “Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Op. Cit, p. 66).

    9 Sobre o tema, pode-se mencionar Daniel Sarmento, para quem há uma absoluta inadequação desse princípio à ordem jurídica brasileira, pois este se baseia numa errônea análise da relação entre a pessoa humana e o Estado, bem como ignora o sistema constitucional vigente, em que há uma relevância destacada aos direitos fundamentais (SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos vs. Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional. In: SARMENTO, Daniel (org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 27 e 89).

    10 RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Ob. cit., p. 7-8. Trata-se de uma clássica divisão originada na doutrina italiana, especialmente em Renato Alessi (Sistema Istituzionale del Diritto Amministrativo Italiano. 3ª ed, Milão, Giuffrè, 1960, p. 197 apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Op. Cit, p. 63), e que foi adotada por parcela da doutrina administrativista brasi-leira. De acordo com tal divisão, o interesse público primário é o interesse da coletividade, cuja satisfação deve ser buscada pelo Estado. Por exemplo, tem-se a proteção da saúde e da segurança públicas. Já o interesse público secundário seria o titularizado apenas pela própria pessoa jurídica de direito público, como uma questão puramente patrimonial ou arrecadatória desta.

    11 No mesmo sentido, BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 71.

    12 Odete Medauar também vê dificuldade na conceituação do interesse público (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo em Evolução, 2ª ed, São Paulo, Malheiros, 2003, p. 188). Na mesma linha, Marçal Justen Filho menciona não ser fácil definir o interesse público, entendendo tratar-se este de conceito jurídico indeterminado (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 36).

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    que já efetuou opções de proteção a interesses, bem como pelas realizadas pelo legislador infraconstitucional.

    Dessa forma, o interesse público não é um sinônimo de razões de Es-tado, ou de interesse coletivo, porque isso seria até mesmo um conceito va-zio. Com efeito, o interesse público corresponde às tarefas constitucionais e infraconstitucionais atribuídas ao Estado, não só em favor da coletividade, mas também aos membros do todo individualmente, sendo mais adequado falar-se em interesses públicos, tendo em vista que se está diante de diversos objetivos a serem cumpridos13.

    Ademais, cumpre notar que pode ser que nas situações concretas pode até mesmo haver interesses públicos conflitantes a atingir14, como interes-ses de grupos sociais distintos.

    Assim, apesar de o Estado ter de perseguir o interesse público, esse precisa ser definido a partir das situações concretas, devendo ser buscado na Constituição e na legislação em geral, e eventualmente precisará de uma ponderação dos direitos previstos, de modo a definir qual ou quais interes-ses devem ser perseguidos pelo Poder Público15. A atividade ponderativa tem importante papel na definição do interesse público que deve prevale-cer, e que pode ser mesmo um interesse de um único indivíduo, e não da coletividade ou arrecadatório do Estado. Ressalve-se, porém, que pode o próprio legislador ter efetuado uma prévia ponderação de interesses, na edição de lei, devendo ser respeitada a definição realizada pelo Poder Le-gislativo, se conforme à Constituição16, o que caracteriza respeito à própria separação dos Poderes.

    Diante disso, fica evidente que o princípio da supremacia do interesse público não significa que os interesses estatais devem sempre prevalecer sobre os dos administrados, mas que o interesse público, definido a partir da ponderação, deve prevalecer em certa atividade concreta sobre interes-ses isolados – sejam particulares, sejam estatais. Assim, sugere-se falar não

    13 RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Ob. cit., p. 8.14 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit, p. 42.15 Gustavo Binenbojm também defende que o melhor interesse público somente pode ser definido a partir

    de um procedimento racional, com juízos de ponderação entre direitos individuais e coletivos (BINEN-BOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: Um Novo Paradigma para o Direito Administrativo. In: SARMENTO, Daniel (org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Op. Cit, p. 167).

    16 ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo. In: SARMENTO, Daniel (org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Op. Cit, p. 5.

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    em supremacia do interesse público sobre o privado, mas simplesmente em supremacia do interesse público, já que este pode representar a proteção a um interesse de um ou alguns administrados apenas17.

    Olhando-se para as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, a supremacia do interesse público pode ser um fundamento para os benefí-cios do Fisco em juízo. No entanto, num sistema constitucional que prima pela proteção aos direitos fundamentais e sobretudo à dignidade da pessoa humana18, a supremacia não pode ser o único fator de legitimação de tais benefícios, e nem mesmo o principal.

    6.2.2. Os direitos fundamentais processuais como filtros de legi-timação das prerrogativas

    Considerando que uma supremacia do interesse público, por si só, não é o fundamento da legitimidade dos benefícios processuais conferidos ao Poder Público, entendemos que a legitimidade constitucional das prerro-gativas processuais da Fazenda Pública deve residir nos direitos fundamen-tais processuais, ou seja, tais benefícios processuais somente serão legítimos se promoverem os direitos fundamentais da Fazenda enquanto litigante e não gerarem ofensas aos direitos fundamentais dos demais jurisdicionados.

    No momento pós-positivista que vivemos, cresce enormemente a im-portância das normas constitucionais, que passam a ter papel fundamen-

    17 RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Ob. cit., p. 11. Em sentido parcialmente semelhante, Marçal Justen Filho defende o interesse público como resultado do processo de produção e aplicação do direito. Em cada caso, então, será verificado como se configura o interesse público, sendo para o autor intangíveis os valores relacionados aos direitos fundamentais (JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit, pp. 45-46).

    18 Muitos autores utilizam como parâmetro para a ponderação em busca do melhor interesse público a superioridade dos direitos fundamentais. É o caso de Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “Mas é a própria ordem jurídica que estabelece uma hierarquia axiológica fundamental, ao reconhecer a precedência na-tural, que, apenas expressada na texto constitucional, das liberdades, direitos e garantias fundamentais, excepcionalmente são temperadas pela definição legal de um específico interesse público que justifique limitá-las ou condicioná-las. (...) Revertendo enfaticamente os termos: os direitos e garantias fundamentais só cedem ante uma expressa preceituação constitucional e, assim mesmo, restritamente, quando, como e onde essa supremacia se impuser”. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 87). Nessa mesma linha, Ana Paula de Barcellos também sustenta que, na ponderação de normas, aquelas que promovem diretamente os direitos fundamentais dos indivíduos devem ter preferência sobre aquelas que apenas o fazem indiretamente (BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 235-236). Também Marçal Justen Filho: “A atividade administrativa do Estado Democrático de Direito subordina-se, então, a um critério fundamental que é anterior à supremacia do interesse público. Trata-se da supremacia e indisponibilidade dos direitos fundamentais” (JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit, p. 45).

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    tal na interpretação e aplicação de todo o ordenamento jurídico19, e assim também os direitos fundamentais processuais possuem uma eficácia inter-pretativa sobre todo o ordenamento processual.

    Nesse contexto pós-positivista e de busca da concretização das nor-mas, emerge o neoconstitucionalismo, que a partir de diversos fenôme-nos levou à constitucionalização do Direito como um todo20, exigindo a filtragem constitucional, pela qual as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas a partir dos valores consagrados pela Lei Fundamental. A Constituição atua, portanto, como um verdadeiro filtro, orientando a interpretação e própria aplicabilidade de outras normas21.

    Nessa linha, cabe recordar que os direitos fundamentais processuais, além de terem uma eficácia como como direitos subjetivos dos indivíduos, também configuram elementos objetivos valorativos do Estado22, e que possuem o dever de serem implementados – manifestação da sua eficácia dirigente –, além de sua eficácia irradiante, enquanto vetores de interpreta-ção e aplicação do direito infraconstitucional.

    Por isso, as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, como dito, serão legítimas se não violarem os direitos fundamentais processuais dos jurisdicionados, ao mesmo tempo em promovam os direitos fundamentais processuais das pessoas de direito público, que também os possuem em juízo.

    19 Cuidando da efetividade das normas constitucionais e da constitucionalização do Direito, e as contextu-alizando na moderna evolução do direito constitucional, confira-se o nosso RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos. Constituição e Administração Pública: definindo novos contornos à legalidade administrativa e ao poder regulamentar. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012.

    20 “Em suma: o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitu-cionalização do Direito” (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 204, p. 01-42, abril/2005).

    21 SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 104: “Utiliza-se a expressão ‘Filtragem Constitucional’ em virtude de que ela denota a idéia de um processo em que toda a ordem jurídica, sob a perspectiva formal e material, e assim os seus procedimentos e valores, devem passar sempre e necessariamente pelo filtro axiológico da Constituição Federal, impondo, a cada momento de aplicação do Direito, uma releitura e atualização de suas normas”.

    22 Sobre as diversas eficacias dos direitos fundamentais, vale conferir SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit, p. 145.

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    Ao lado dos direitos de acesso à justiça, contraditório e ampla defe-sa, cujo conteúdo já foi analisado no capítulo referente aos princípios do processo administrativo fiscal, importante destacar o direito à igualdade processual.

    O artigo 5º, caput, da Constituição da República consagrou o princí-pio da igualdade, erigindo-o ao status de garantia fundamental. No âmbito do processo, a igualdade foi consagrada como um dever do juiz no artigo 139, I, do Código de Processo Civil. Trata-se de previsões que impõem seja dado tratamento igual a todos. Mas o que seria tal tratamento igualitário a todos? Cuida-se, na verdade, de uma garantia de igualdade material, confe-rindo-se tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades concretas23.

    Enquanto direito fundamental na esfera processual, em virtude do mencionado artigo 139, inciso I, a igualdade gera uma eficácia sobre os órgãos do Poder Judiciário, que devem conferir a todos os litigantes as mesmas oportunidades, sem criar distinções de tratamento entre eles. Ade-mais, gera uma eficácia sobre o Poder Legislativo, que ao legislar sobre o direito processual, não pode criar distinções irrazoáveis entre os sujeitos do processo. Reitere-se: considerando que legislar é distinguir, nem todo tratamento desigual pode ser tido como atentatório à isonomia, pois essa diferenciação pode se justificar na igualdade material, como forma de dar regime distinto a sujeitos com características diferentes24.

    Diante disso, é preciso que cada benefício processual da Fazenda Pú-blica seja avaliado isoladamente, de modo a se verificar se a distinção efe-tuada pelo legislador passa pelo crivo da razoabilidade ou não25, o que é importante elemento para o controle da constitucionalidade de cada nor-ma instituidora do benefício26. Uma análise meramente genérica da consti-tucionalidade ou não da existência de prerrogativas cairia no risco de cair

    23 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 99.

    24 RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Op. cit., p. 19-20.25 “Em suma: importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a

    diferenciação consequente. Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 22).

    26 “Atenta a essa forçosa contingência do legislador, a moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas” (CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Op. Cit, p. 145).

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    num viés ideológico, guiado por pré-compreensões do intérprete27. Caso o benefício não seja razoável, cuidar-se-á, na verdade, de um privilégio, que não é admissível por nosso modelo constitucional de processo.

    6.3. A SISTEMÁTICA DE PRAZOS PARA A FAZENDA PÚBLICA

    A Fazenda Pública possui prazo em dobro para todas as suas mani-festações processuais, na forma do artigo 183 do Código de Processo Civil, e que se contarão da intimação pessoal. Essa regra se aplica para todas as manifestações processuais, incidindo, portanto, para prazos de contestação, recursos, contrarrazões recursais, dentre muitas outras formas de se mani-festar no processo. Dessa forma, numa ação anulatória de débito fiscal, o Fisco possui prazo de 30 dias para ofertar contestação, em virtude da apli-cação conjunta dos artigos 183 e 335 do Código de Processo Civil.

    Tal regra é constitucional28, na medida em que procura tratar de for-ma desigual sujeitos que demandam tratamento desigual. Diante das difi-culdades de obtenção de informações na esfera administrativa, as Advoca-cias Públicas possuem severas dificuldades em obter os dados necessários à defesa do Fisco. Ademais, os advogados públicos não podem escolher o número de causas a atuar, nem delegar seu mandato, que é decorrente de lei, a terceiros. Assim, tais peculiaridades exigem um tratamento diferen-ciado à Fazenda Pública29.

    27 “A dogmática contemporânea já não aceita o modelo importado do positivismo científico de separação absoluta entre sujeito da interpretação e objeto a ser interpretado. O papel do intérprete não se reduz, invariavelmente, a uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. Em variadas situações, o intérprete torna-se coparticipante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do constituinte ou do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. Como consequência inevitável, sua pré-compreensão de mundo – seu ponto de observação, sua ideologia e seu inconsciente – irá influenciar o modo como aprende a realidade e os valores sociais que irão embasar suas decisões.” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 310).

    28 Em sentido contrário, entendendo se tratar de privilégio processual, GRECO, Leonardo. Garantias fun-damentais do processo: o processo justo. In: GRECO, Leonardo. Estudos de Direito Processual. Campos: Editora Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 225-286.

    29 Nessa linha, tornando definitiva a cautelar concedida ainda à luz do Código de Processo Civil de 1973, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da ampliação do prazo para embargos à execução pela Fazenda Pública de 10 para 30 dias, quando alterado o então artigo 730 daquele Código, tendo entendido por sua constitucionalidade. Confira-se o teor da ementa do acórdão: Ação Declaratória de Constitucionalidade. 2. Art. 4º da Medida Provisória 2.180/2001. 3. Ampliação do prazo para interpor embargos à execução. Nova redação dada aos arts. 730 do Código de Processo Civil/73 e 884 da CLT. 4. Medida cautelar deferida. Precedente: ADI 2.418, Rel. Min. Teori Zavascki. 5. Ação julgada procedente para declarar a constitucionalidade do art. 4º da MP 2.180/2001, confirmando a medida cautelar ante-riormente deferida pelo Plenário. (ADC 11, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 27-11-2019 PUBLIC 28-11-2019)

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    Vale notar que, tratando-se de manifestações processuais, estamos diante de prazos processuais, cuja contagem se dará apenas em dias úteis, com base no artigo 219 do Código de Processo Civil. Assim, por exemplo, um prazo de contestação ou de recurso numa ação tributária será de, no mínimo 38 dias corridos, uma vez que há pelo menos 8 dias não úteis – sá-bados e domingos – no curso de 30 dias úteis.

    Destaque-se, ainda, que o artigo 183 prevê esse benefício para mani-festações processuais. Assim, para a prática de atos materiais o Fisco não gozará da dobra. Assim, por exemplo, se é concedida uma tutela antecipada para a entrega de certidão em 2 dias, ou para que se decida requerimento administrativo em 5 dias, tal prazo é para a prática de ato real, no mundo material, não tendo a contagem em dobro. Por isso, como consequência, caso haja a imposição de astreintes na decisão, estas incidirão após o decur-so desse prazo, sem que este seja multiplicado por dois.

    6.3.1. Exceções

    Destaque-se, contudo, que o artigo 183, § 2º, contem exceção à regra: se a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público, não incidirá o prazo em dobro. Tem-se a aplicação da regra da especiali-dade para a solução dos conflitos entre normas30, que impõe que a norma geral tenha a sua incidência.

    Assim, por exemplo, nos Juizados Especiais Federais e nos da Fazenda Pública, regidos pelas Leis nºs 10.259/01 e 12.153/09, respectivamente, os prazos processuais se contam sem a dobra para a Fazenda Pública, por pre-visão dos artigos 9º e 7º das respectivas leis.

    Outra situação é o caso da ação popular, remédio previsto no arti-go 5º, LXXIII, da Constituição da República, que pode ter como objetivo, em tese, atacar ato da Administração Pública com efeitos fiscais diretos. Por exemplo, imagine-se a ação popular para ataque a uma lei de efeitos concretos31 que concedeu isenção a uma pessoa jurídica sem respeitar os princípios constitucionais da Administração nem as exigências constitu-cionais e legais para tal tipo de benefício. O prazo para contestar a ação

    30 Sobre a correção de antinomias e a especialidade, veja-se FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, dominação, decisão. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 221.

    31 Defendendo a ação popular para impugnar uma lei de efeitos concretos, RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Op. cit., p. 276.

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    popular, por força do artigo 7º, inciso IV, da Lei nº 4.717/65 é de vinte dias, prorrogável por mais vinte, a requerimento do interessado, se parti-cularmente difícil a produção de prova documental, e será comum a todos os interessados, correndo da entrega em cartório do mandado cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado em edital. Portanto, para contestar a ação popular o Fisco não possui um direito automático ao prazo em dobro, devendo estar caracterizada a situação indicada no dispo-sitivo mencionado.

    Da mesma maneira, importante recordar do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença por obrigação de pagar em face da Fazenda Pública. Por força do artigo 535 do Código de Processo Civil, a Fazenda Pública possui prazo de 30 dias, a contar de sua intimação pessoal, para impugnar o cumprimento da sentença. Considerando tratar-se de prazo estabelecido de forma específica para a Fazenda, não há que se falar em dobra. Exemplificativamente, condenado o Fisco à repetição de indébito tributário e iniciada a fase de cumprimento de sentença, este possui 30 dias úteis para a oferta de impugnação. De outro lado, da decisão da im-pugnação, como não há previsão específica de prazo para a Administração Pública, esta terá prazo em dobro para interpor eventual recurso.

    6.4. INTIMAÇÃO PESSOAL

    Por força do artigo 183, caput e § 1º, do Código de Processo Civil, a Fazenda Pública possui a prerrogativa de intimação pessoal, como forma de lhe dar ciência efetiva dos pronunciamentos judiciais. Note-se que tal regra é coerente com os artigos 180 e 186, § 1º, do Código de Processo Civil, que conferem a mesma prerrogativa aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública.

    Destaque-se que essa regra também acabou por equiparar os advo-gados públicos estaduais e municipais aos federais, pois até a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, apenas estes últimos tinham uma prerrogativa genérica de intimação pessoal, por força do artigo 38 da LC 73/93, estendida à Procuradoria-Geral Federal pelo artigo 17 da lei nº 10.910/04. As Procuradorias dos Estados e dos Municípios somente possu-íam tal direito em sede de execução fiscal, diante da previsão do artigo 25 da Lei de Execuções Fiscais.

    Assim sendo, como na execução fiscal todas as Fazendas Públicas já possuíam a prerrogativa ora examinada, vê-se que o artigo 183 trouxe um

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    benefício processual para as demais ações tributárias, sejam as medidas cautelares fiscais, sejam as ações antiexacionais.

    A intimação pessoal deve se dar por carga, remessa ou meio eletrônico, conforme dispõe o § 1º do artigo 183. Diante dessa previsão, entendemos que a carga, que é a busca do processo no órgão jurisdicional pelo interes-sado, e a remessa, que é a entrega pelo próprio órgão junto ao intimando, são formas de intimação típicas de processos físicos32.

    A intimação pessoal eletrônica, por sua vez, é aquela prevista no artigo 5º da Lei nº 11.419/06 para a Fazenda Pública. Trata-se da intimação feita por meio eletrônico em portal próprio. Por força do artigo 5º, § 1º, desta Lei, a intimação será considerada realizada no dia em que o intimando efe-tivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização. Esta consulta deverá ser feita em até 10 dias corridos conta-dos da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.

    Essa modalidade de intimação se mostra adequada aos processos ele-trônicos. Com a migração dos tribunais para o processo eletrônico, vê-se que esta última forma de intimação por certo virará a usual na maioria dos processos.

    6.5. DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO

    O duplo grau obrigatório de jurisdição, também chamado de remessa necessária, é uma prerrogativa processual da Fazenda Pública, constante do artigo 496 do Código de Processo Civil, por meio de que as sentenças contrárias à Fazenda Pública devem ser confirmadas, para que produzam eficácia plena. Por isso, na falta de remessa necessária em caso em que esta seja cabível, não é possível que se proceda ao cumprimento definitivo da sentença.

    Essa prerrogativa processual do Poder Público é questionada por par-cela da doutrina33, sob o argumento de que ofenderia a igualdade, diante do fato de que a Fazenda possui Procuradorias organizadas em carreira. No entanto, essa prerrogativa restou mantida no Código de Processo Civil de 2015, inclusive cabendo lembrar que muitos Municípios do país ainda

    32 Nessa linha, manifestamo-nos em RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Op. cit., p. 33.

    33 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Op. cit., p. 232.

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    não possuem Procuradorias de carreira, que é o principal argumento em desfavor da remessa obrigatória.

    Para parcela da doutrina34, o duplo grau obrigatório possui natureza recursal, porque há provocação e impugnação no reexame, tal como se pas-sa nos demais recursos.

    Parece-nos, porém, que não é possível se falar em natureza recursal à remessa necessária, pois não há uma voluntariedade ou impugnação: recursos dependem de uma vontade, devendo o recorrente apresentar os limites de seu inconformismo, o que não ocorre no duplo grau obrigató-rio, que decorre de previsão legal. Note-se que, no caso dos Municípios, admitir-se que a remessa possui natureza recursal seria dar-lhe a natureza de recurso de terceiro prejudicado, ofertado pela União ou Estado, a de-pender do tribunal em que tramita o processo. No entanto, não há que se falar em algum prejuízo ou interesse necessário desse terceiro a justificar sua interposição de recurso. Ademais, diferentemente dos recursos, que são regidos pela discursividade, a remessa obrigatória não possui quaisquer ra-zões de recorrente.

    Assim, nosso entendimento é de que a remessa obrigatória assume natureza jurídica de condição de eficácia da sentença contrária à Fazenda Pública35, mas não de recurso. Nessa linha também já se manifestou o Su-perior Tribunal de Justiça:

    34 BERMUDES, Sergio. Introdução ao processo civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 174. Fredie Didier Junior, em sentido idêntico, aponta que “[a] remessa necessária é interposta por simples declaração de vontade, com a provocação do juiz, que deve verificar se o caso é mesmo de remessa necessária ou se incide alguma hipótese de dispensa. É, enfim, um recurso de ofício, interposto, geralmente, na própria sentença.” (DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 13. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 404).

    35 RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Op. cit., p. 79. Na mesma linha: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Em defesa da revisão obrigatória das sentenças contrárias à Fazenda Pública. In: Temas de Direito Processual – nona série. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 199-211; NERY JUNIOR, Nelson. Prin-cípios fundamentais – teoria geral dos recursos. Op. cit., p. 120. Em sede jurisprudencial: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. ART. 475, § 1º DO Código de Processo Civil. AVOCAÇÃO DE PROCESSO PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL. SENTENÇA DESFAVORÁVEL AO ESTADO NO ÂMBITO DE AÇÃO ORDINÁRIA. REMESSA OBRIGATÓRIA EX-PRESSAMENTE DISPENSADA PELO JUIZ SENTENCIANTE COM FUNDAMENTO NOS PARÁGRAFOS 2º E 3º DO ART. 475 DO Código de Processo Civil. AUSÊNCIA DE OPORTUNO RECURSO CONTRA TAL DISPENSA. SENTENÇA ACOBERTADA PELA COISA JULGADA. ILEGALIDADE NA AVOCAÇÃO DOS AUTOS. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA.

    1. A Lei nº 10.352/2001 alterou o Código de Processo Civil, objetivando imprimir maior eficiência e cele-ridade na entrega da prestação jurisdicional nos tribunais, bem como restringir o emprego do reexame necessário.

    2. Os parágrafos 2º e 3º do art. 475 do Código de Processo Civil estabelecem hipóteses de descabimento da devolução oficial.

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    PROCESSUAL CIVIL. TERRENO DE MARINHA. OCUPAÇÃO IR-REGULAR DE ÁREA DE PRAIA. APLICAÇÃO DE MULTA PELA SECRETARIA DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO - SPU. MATÉRIA NÃO ANALISADA NA SENTENÇA. PRECLUSÃO LÓGICA. INEXISTÊN-CIA. REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO VOLUNTÁRIO DO ENTE PÚBLICO. AMPLA DEVOLUTIVIDADE.

    (...)

    3. O reexame necessário, previsto no art. 475 do Código de Processo Civil/1973, constitui uma prerrogativa processual conferida às pessoas jurídicas de direito público, a fim de proteger o interesse de toda a coletividade, notadamente o Erário, sendo considerado pela doutrina e jurisprudência dominante como condição para a eficácia plena das sentenças proferidas em desfavor da Fazenda Pública.

    4. Não há que falar em ofensa ao duplo grau de jurisdição ou mesmo em supressão de instância quando o Tribunal, em sede de reexame necessário, aprecia o mérito da demanda, mesmo sem ter havido pro-nunciamento do Juiz de primeiro grau ou sequer menção da matéria pelo recorrente na apelação.

    5. Hipótese em que o Juiz sentenciante examinou apenas a questão ati-nente à demarcação de terreno de marinha, a despeito de a controvérsia envolver também a ocupação indevida do recorrente de área de praia (bem de uso comum do povo), circunstância que ensejou a interposição de recurso voluntário por parte da União.

    6. Tratando-se de sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obriga-tório e havendo apelação do ente público, não se vislumbra a alegada ofensa aos arts. 460, 475 e 515 do Código de Processo Civil/1973 pelo fato de a Corte regional ter examinado a multa aplicada pela SPU em decorrência da ocupação irregular de área de praia.

    3. Caso concreto em que o juiz, proferindo sentença contra o Estado em ação ordinária, expressamente dispensou o reexame necessário, invocando, para isso, os §§ 2º e 3º do art. 475 do Código de Processo Civil, cuja decisão, à falta de recurso voluntário, transitou em julgado.

    4. É certo, então, que a coisa julgada aí formada alcançou o tópico sentencial também no ponto em que assentou a desnecessidade de sujeição do julgado ao duplo grau obrigatório, situação diversa daquela em que o magistrado se omite acerca do cabimento, ou não, da remessa ex officio, autorizando, aí sim, a avocação pelo Presidente do Tribunal a qualquer momento.

    5. Em semelhante contexto, no qual o juiz expressamente dispensou o reexame obrigatório, reveste-se de incontornável ilegalidade a avocação do processo pelo Presidente do Tribunal de origem (art. 475, § 1º do Código de Processo Civil), impondo-se a cassação do respectivo ato.

    6. Consoante o ensinamento de Leonardo Carneiro da Cunha, "Dispensado o reexame necessário e não havendo recurso contra tal dispensa, exsurgirá a coisa julgada material, somente podendo a lide ser reapreciada em sede de ação rescisória, caso se configure uma das hipóteses arroladas no art. 485 do Código de Processo Civil" (A fazenda pública em juízo. 10 ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 227).

    7. Recurso ordinário provido, com a concessão da segurança. (RMS 44.671/MA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 03/02/2015)

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    7. Recurso especial do particular desprovido.

    (REsp 1589562/AL, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 27/11/2017)

    Frise-se que, dispensado o reexame necessário e não impugnado em sede de apelação a dispensa, a sentença estará acobertada pelo manto da coisa julgada material36.

    Nas ações tributárias, o duplo grau obrigatório pode ocorrer: (i) nas ações tributárias propostas pelo contribuinte, caso a sentença seja proferi-da contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas res-pectivas autarquias e fundações de direito público, ou seja, acolhendo em alguma parte os pedidos do contribuinte; e (ii) na execução fiscal, da sen-tença que julgar procedente, no todo ou em parte, o pedido dos embargos à execução. Trata-se, portanto, de situações em que o contribuinte se saiu vencedor em alguma medida, afastando total ou parcialmente a pretensão tributária da Fazenda Pública.

    36 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. ART. 475, § 1º DO Código de Processo Civil. AVOCAÇÃO DE PROCESSO PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL. SENTENÇA DESFAVORÁVEL AO ESTADO NO ÂMBITO DE AÇÃO ORDINÁRIA. REMESSA OBRIGATÓRIA EXPRESSAMENTE DISPENSADA PELO JUIZ SENTENCIANTE COM FUNDAMENTO NOS PARÁGRAFOS 2º E 3º DO ART. 475 DO Código de Processo Civil. AUSÊNCIA DE OPORTUNO RECURSO CONTRA TAL DISPENSA. SENTENÇA ACOBERTADA PELA COISA JULGADA. ILEGALIDADE NA AVOCAÇÃO DOS AUTOS. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA.

    1. A Lei nº 10.352/2001 alterou o Código de Processo Civil, objetivando imprimir maior eficiência e cele-ridade na entrega da prestação jurisdicional nos tribunais, bem como restringir o emprego do reexame necessário.

    2. Os parágrafos 2º e 3º do art. 475 do Código de Processo Civil estabelecem hipóteses de descabimento da devolução oficial.

    3. Caso concreto em que o juiz, proferindo sentença contra o Estado em ação ordinária, expressamente dispensou o reexame necessário, invocando, para isso, os §§ 2º e 3º do art. 475 do Código de Processo Civil, cuja decisão, à falta de recurso voluntário, transitou em julgado.

    4. É certo, então, que a coisa julgada aí formada alcançou o tópico sentencial também no ponto em que assentou a desnecessidade de sujeição do julgado ao duplo grau obrigatório, situação diversa daquela em que o magistrado se omite acerca do cabimento, ou não, da remessa ex officio, autorizando, aí sim, a avocação pelo Presidente do Tribunal a qualquer momento.

    5. Em semelhante contexto, no qual o juiz expressamente dispensou o reexame obrigatório, reveste-se de incontornável ilegalidade a avocação do processo pelo Presidente do Tribunal de origem (art. 475, § 1º do Código de Processo Civil), impondo-se a cassação do respectivo ato.

    6. Consoante o ensinamento de Leonardo Carneiro da Cunha, "Dispensado o reexame necessário e não havendo recurso contra tal dispensa, exsurgirá a coisa julgada material, somente podendo a lide ser reapreciada em sede de ação rescisória, caso se configure uma das hipóteses arroladas no art. 485 do Código de Processo Civil" (A fazenda pública em juízo. 10 ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 227).

    7. Recurso ordinário provido, com a concessão da segurança. (RMS 44.671/MA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 03/02/2015)

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    Tendo em vista que muitas das Fazendas Públicas possuem Advoca-cias Públicas organizadas em carreira e que, como mencionado, isso ge-rou até mesmo questionamentos doutrinários sobre a constitucionalidade dessa prerrogativa, o Código de Processo Civil trouxe algumas exclusões à realização da remessa necessária, conforme se verifica de seu artigo 496, §§ 3º e 4º. Tais exclusões se fundam no valor em jogo, ou na existência de precedentes que tornam a remessa ineficiente ou contrária à boa fé.

    Pode-se assim sistematizar tais hipóteses de exclusão do duplo grau obrigatório:

    Exclusões com base em valor – quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

    I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

    II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;

    III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

    Note-se que, nas sentenças ilíquidas, como o artigo 496, § 3º, do Có-digo de Processo Civil afasta o duplo grau obrigatório nas condenações de valor certo e líquido, se a sentença da ação tributária for ilíquida – por exemplo, numa ação de repetição do indébito tributário em que a sentença de procedência do pedido remeteu as partes a uma fase de liquidação da sentença –, deve ser realizado o duplo grau obrigatório de jurisdição. Isso é inclusive consagrado na súmula nº 490 do Superior Tribunal de Justiça37.

    Registre-se, contudo, que caso fique evidente que o valor em jogo não ultrapassará os limites dos incisos do § 3º, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que é cabível a exclusão da remessa, o que parece ser uma de-corrência do princípio da eficiência, norma fundamental do processo civil, constante do artigo 8º do Código de Processo Civil. Confira-se:

    PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. NEGATIVA DE PRES-TAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA ILÍQUIDA. Código de Processo Civil/2015. NOVOS PARÂMETROS. CONDENA-

    37 "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas"

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    ÇÃO OU PROVEITO ECONÔMICO INFERIOR A MIL SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NECESSÁRIA. DISPENSA.

    1. Conforme estabelecido pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça, “aos recursos interpostos com fundamento no Código de Processo Ci-vil de 2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo Código de Processo Civil” (Enunciado Administrativo n. 3).

    2. Não merece acolhimento a pretensão de reforma do julgado por negativa de prestação jurisdicional, porquanto, no acórdão impugnado, o Tribunal a quo apreciou fundamentadamente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, em sentido contrário à postulação recursal, o que não se confunde com o vício apontado. 3. A controvérsia cinge-se ao cabimento da remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor da Autarquia Previdenciária após a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2015. 4. A orientação da Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sen-tenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. 5. A elevação do limite para conhecimento da remessa necessária significa uma opção pela preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade na busca pela duração razoável do processo, pois, além dos critérios previstos no § 4º do art. 496 do Código de Processo Civil/15, o legislador elegeu também o do impacto econômico para impor a referida condição de eficácia de sentença proferida em desfavor da Fazenda Pública (§ 3º).

    6. A novel orientação legal atua positivamente tanto como meio de otimi-zação da prestação jurisdicional - ao tempo em que desafoga as pautas dos Tribunais - quanto como de transferência aos entes públicos e suas respec-tivas autarquias e fundações da prerrogativa exclusiva sobre a rediscussão da causa, que se dará por meio da interposição de recurso voluntário.

    7. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS.

    8. Na vigência do Código Processual anterior, a possibilidade de as causas de natureza previdenciária ultrapassarem o teto de sessenta salários míni-mos era bem mais factível, considerado o valor da condenação atualizado monetariamente. 9. Após o Código de Processo Civil/2015, ainda que o benefício previdenciário seja concedido com base no teto máximo, ob-servada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção

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    monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários mínimos, cifra que no ano de 2016, época da propositura da presente ação, superava R$ 880.000,00 (oitocentos e oitenta mil reais).

    9. Recurso especial a que se nega provimento.

    (REsp 1735097/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019)

    Exclusões da remessa com base em precedentes - o artigo 496, § 4º, do Código de Processo Civil afasta o duplo grau obrigatório quando a sen-tença se funda em certos padrões decisórios. Trata-se de uma decorrência da eficiência da atividade jurisdicional, evitando-se o duplo grau obriga-tório em situações em que a chance de revisão da decisão é baixa, ou em casos em que inclusive o juiz se encontrava vinculado por algum padrão decisório vinculante. São eles:

    I - súmula de tribunal superior: no caso do Supremo Tribunal Federal, tem-se as súmulas vinculantes, que por força do art. 103-A da Consti-tuição da República vinculam o Judiciário e a Administração Pública, e as não vinculantes, enquanto que no Superior Tribunal de Justiça tem-se as que não são vinculantes38. Embora apenas as súmulas vinculantes ge-rem a vinculação necessária do Poder Judiciário, a realização da remessa nesses casos, ainda que se trata de súmulas não vinculantes, mostra-se ineficiente, já que há uma grande probabilidade de manutenção da sentença que se funde em uma delas, caso haja remessa ao tribunal ou eventual recurso aos Tribunais Superiores;

    II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos: tais acórdãos possuem força vinculante, por força do artigo 1.040 do Código de Processo Civil. Assim, exigir a remessa seria contra a lógica do microssistema de precedentes vinculantes, já que o juiz se encontra vinculado a tal julgado, salvo se houver causa de distinção ou superação;

    III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência: esses entendimentos rece-

    38 No ponto, há divergência. A título de exemplo, para Alexandre Freitas Câmara, “têm eficácia vinculante as decisões e enunciados sumulares indicados nos incisos I a III do art. 927; e são meramente argumentativas as decisões e verbetes sumulares de que tratam os incisos IV e V do mesmo artigo.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. Op. cit., p. 375). Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, as súmulas do Superior Tribunal de Justiça são precedentes judiciais, porém, não formam jurisprudência vinculante (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 597).

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  • Cap. 6 • PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA

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    beram caráter vinculante pelos artigos 985 e 947 do Código de Processo Civil, respectivamente. Da mesma forma, isso se mostra condizente com a eficácia jurídica dos pronunciamentos vinculantes;

    IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em mani-festação, parecer ou súmula administrativa: se a sentença se baseia em “precedente administrativo vinculante”39, isso representa que a Fazenda Pública deixou de cumprir seu próprio entendimento obrigatório, numa conduta que ofende a boa-fé administrativa, configurando comporta-mento contraditório. Assim, o afastamento do duplo grau obrigatório nessa hipótese visa a promover a eficiência e a boa-fé.

    6.5.1. Recursos em face da decisão da remessa necessária

    Uma vez que seja julgada a remessa, cabe notar que, por força da sú-mula nº 45 do Superior Tribunal de Justiça, não é possível que seja reali-zada uma reforma para pior em face da Administração Pública. Isso porque trata-se de uma prerrogativa processual da Fazenda Pública. Assim, caso o contribuinte pretenda melhorar sua situação diante de uma sentença, deve ofertar recurso, em nome da voluntariedade inerente a este40.

    Caso a decisão da remessa seja monocrática, cabe agravo interno em face de tal pronunciamento, na forma do artigo 1.021 do Código de Processo Civil, uma vez que se trata de decisão monocrática de relator de tribunal. O cabimento de agravo interno já era consagrado na súmula nº 253 do Superior Tribunal de Justiça41, editada ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Ademais, se a decisão monocrática incorrer em algum dos vícios que dão ensejo aos embargos de declaração, serão estes cabíveis, por força do art. 1.022 do Código de Processo Civil, considerando que os embargos são cabíveis em face de qualquer decisão judicial42.

    Se for proferido um acórdão, cabem, em primeiro lugar, embargos de declaração, visando esclarecer tal pronunciamento em virtude de omissão,

    39 Trata-se de expressão que já cunhamos e utilizamos em RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Op. cit., p. 88.

    40 Como defendemos em RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. Op. cit., p. 80. Entendendo, de outro lado, que a remessa pode piorar a situação do contribuinte: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos. Op. cit., p. 120.

    41 “O art. 557 do Código de Processo Civil, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário.”

    42 Sobre a possibilidade de embargos de declaração em face de decisões monocráticas de relatores, confira--se o nosso RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação. Op. cit., p. 211.

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    obscuridade, contradição ou erro material, por força do artigo 1.022 do Código de Processo Civil.

    Note-se que o julgamento da remessa não está sujeito à técnica de julgamento ampliado prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil, por expressa previsão do § 4º, inciso II, desse dispositivo. A técnica de am-pliação de colegiado possui aplicação específica para certas hipóteses de julgamento de apelação, agravo de instrumento e ação rescisória, na forma do caput e do parágrafo 3º do artigo 942, não se estendendo, portanto, ao duplo grau obrigatório.

    No que se refere a recursos especial e extraordinário, importante des-tacar que, embora o Superior Tribunal de Justiça já tenha julgado contra-riamente à sua admissibilidade, sob o fundamento de preclusão lógica43, atualmente há julgados admitindo sua interposição44, o que nos parece mais adequado, tendo em vista que seu efeito devolutivo decorre de sua previsão legal, estando tal efeito expressamente consagrado pela súmula nº 325 do Su-perior Tribunal de Justiça45, sem necessidade de oferta de apelação para tanto. Ademais, cabe notar que o acórdão da remessa pode modificar em alguma medida a sentença, gerando interesse em recorrer para alguma das partes.

    43 PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ACÓRDÃO PROFERIDO EM SEDE DE REMESSA NECESSÁRIA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE APELO VOLUNTÁRIO. PRECLUSÃO LÓGICA. AGRAVO DESPROVIDO.

    1. Esta Corte Superior firmou compreensão no sentido de ser inadmissível a interposição de recurso especial contra acórdão proferido em sede de remessa necessária, quando ausente o manejo de recurso voluntário pelo ente público, uma vez que resta evidenciada a resignação em relação à sentença que lhe foi adversa, ocorrendo, desse modo, a preclusão lógica.

    2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1182495/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe

    13/09/2010)44 PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO. AUSÊNCIA. RECURSO ESPECIAL.

    PRECLUSÃO LÓGICA. INOCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO DE CRÉDITOS. PEDIDO ADMINISTRATIVO. MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO A QUO.

    1. A ausência de recurso voluntário da União não implica preclusão lógica para interposição do recurso especial contra acórdão proferido em reexame necessário.

    2. A correção monetária de créditos escriturais só é devida quando há oposição ao seu aproveitamento decorrente de resistência ilegítima do Fisco, hipótese em que é contada a partir do fim do prazo de que dispõe a administração para apreciar o pedido administrativo do contribuinte (360 - trezentos e sessenta - dias), nos termos do que dispõe o art. 24 da Lei n. 11.457/2007.

    3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1632096/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018,

    DJe 05/04/2018)45 “A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela

    Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado.”

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    Capítulo

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    7TUTELA PROVISÓRIA EM MATÉRIA

    TRIBUTÁRIA

    7.1. AS ESPÉCIES DE TUTELAS PROVISÓRIAS

    O Código de Processo Civil de 2015 estruturou as tutelas provisórias em um livro próprio (Livro V), a partir do artigo 294. As tutelas provisórias são, como o próprio nome diz, proteções jurisdicionais com eficácia limi-tada no tempo, não tendo uma definitividade. Sabe-se que, para que o juiz chegue a uma decisão final numa demanda, precisa exercer sua atividade de conhecimento – a cognição, que a análise de alegações e provas pelo julgador, para a formação de seu convencimento. A cognição, para a prola-ção das decisões de mérito, é em regra exauriente1, ou seja, é profunda, até porque as sentenças, decisões monocráticas ou acórdãos de mérito podem vir a formar coisa julgada material.

    No entanto, o legislador preocupou-se com o fato de que muitas vezes a decisão de mérito pode exigir muito tempo até que seja proferi-

    1 “No plano horizontal, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo estudados no capitulo precedente (trinômio: questões processuais, condições da ação e mérito, inclusive questões de mérito; para alguns: binômio, com exclusão das condições da ação; Celso Neves: quadrinômio, distinguindo pressuposto dos supostos processuais). Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida. No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta).” (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3. ed. São Paulo: Perfil, 2005, p. 127).

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