CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade...

59
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS DANIEL LAVORATO CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVA E DA TERAPIA DO ESQUEMA NO TRATAMENTO DA PERSONALIDADE NARCISISTA SÃO PAULO 2016

Transcript of CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade...

Page 1: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS

DANIEL LAVORATO

CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVA E DA TERAPIA DO ESQUEMA NO TRATAMENTO DA PERSONALIDADE NARCISISTA

SÃO PAULO 2016

Page 2: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

DANIEL LAVORATO

CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVA E DA TERAPIA DO ESQUEMA NO TRATAMENTO DA PERSONALIDADE NARCISISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Psicologia Clínica no Centro de Estudos em Terapias Cogntiivo-Comportamentais. Orientadora: Profa. Dra. Renata Trigueirinho Alarcon. Coorientadora: Profa. Msc. Eliana Melcher Martins

SÃO PAULO 2016

Page 3: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

Fica autorizada a reprodução e autorização deste trabalho desde que citada a fonte. _______________________________________________________________ Lavorato, Daniel

Contribuições da Terapia Cognitiva e da Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista / Daniel Lavorato ; orientadora Profª Drª Renata Trigueirinho Alarcon. – São Paulo, 2016. 58 f. + CD-ROM; Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização – Centro de Estudos em Terapia Cognitivo Comportamental (CETCC)

1. Transtornos de Personalidade. 2. Transtorno de Personalidade Narcisista. 3. Transtorno de Personalidade Narcisística. 4. Terapia Cogntivo-Comportamental. 5. Terapia Focada no Esquema I. Lavorato, Daniel. II. Alarcon, Renata Trigueirinho

_______________________________________________________________

Page 4: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

DANIEL LAVORATO

CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVA E DA TERAPIA DO ESQUEMA NO TRATAMENTO DA PERSONALIDADE NARCISISTA

BANCA EXAMINADORA

Parecer: ______________________________________________________

Prof. _________________________________________________________

Parecer: ______________________________________________________

Prof. _________________________________________________________

São Paulo, ______ de Dezembro de 2016.

Page 5: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e irmão, que estão sempre ao meu lado, incentivando-me a

crescer e dando o alicerce fundamental do amor incondicional. Sem eles nada disso

seria possível.

Aos meus amigos de ontem, hoje e sempre, principalmente aos que fiz nesta

Turma de Especialização, os quais me acolheram e sempre me ajudaram.

Agradeço à psicoterapeuta Priscila Rolim por estar auxiliando neste caminho

de ampliar minhas possibilidades.

À professora Renata Trigueirinho Alarcon, que acreditou no meu projeto,

acolhendo-o com prontidão.

À professora Eliana Melcher Martins, que com suas fascinantes aulas

transmitiu-me o encanto pela Terapia Cogntivo-Comportamental e pela Terapia

Focada no Esquema.

DANIEL LAVORATO

Page 6: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

Nada do que é grande surge repentinamente, nem mesmo a uva, nem os figos. Se agora me disseres: Quero um figo, respondo-te: É preciso tempo. Antes de tudo, deixa virem as flores, depois que se desenvolvam os frutos e que amadureçam. Epícteto

Page 7: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

LAVORATO. Daniel. Contribuições da Terapia Cognitiva e da Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. Trabalho de Conclusão de Curso. Pós-Graduação Lato Sensu em Terapias Cognitivo-Comportamentais. Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental.

RESUMO O presente trabalho tem por objetivo fazer um levantamento das atuais abordagens e técnicas cognitivo-comportamentais e da terapia do esquema no tratamento do transtorno de personalidade narcisista. Quais as contribuições das terapias cognitiva e focada no esquema para o tratamento do transtorno de personalidade narcisista constitui a problemática explorada nesta monografia. O método de pesquisa é o exploratório, fazendo uso da técnica de revisão bibliográfica. O trabalho conclui que tanto a terapia cognitivo-comportamental quanto a focada no esquema demonstraram colaborar de maneira efetiva no tratamento do transtorno de personalidade narcisística.

Palavras-chave: transtornos de personalidade, transtorno de personalidade narcisista, transtorno de personalidade narcisística, terapia cognitivo-comportamental, terapia focada no esquema.

Page 8: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

Lavorato. Daniel. Contributions of Cognitive Therapy and Schema Therapy in the Treatment of Narcissistic Personality. 2016. 58 p. Completion of course work. Postgraduate Sensu Lato in Cognitive and Behavioural Therapies. The Center for Cognitive-Behavioral Therapy.

ABSTRACT

This study aims to survey current approaches and cognitive-behavioral techniques and schema therapy in the treatment of narcissistic personality disorder. What are the contributions of cognitive and focused therapies in the scheme for the treatment of narcissistic personality disorder is the issue explored in this monograph. The method of research is exploratory, using the literature review technique. Idem resumo The study concludes that both cognitive-behavioral and schema-focused therapy have been shown to collaborate effectively in the treatment of narcissistic personality disorder. Key words: personality disorders, narcissistic personality disorder, cognitive behavioral therapy, schema-fucused therapy, schema therapy.

Page 9: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09

1.1 Sobre a Terapia Cognitivo-Comportamental .................................................. 09

1.2 Sobre a Terapia Focada no Esquema ............................................................ 15

1.3 Sobre a Personalidade e seus Trantornos ..................................................... 19

1.4 Sobre a Personalidade Narcisista .................................................................. 21

2. OBJETIVO ....................................................................................................... 26

3. METODOLOGIA .............................................................................................. 27

4. RESULTADOS ................................................................................................. 29

4.1 A Terapia Cognitiva no Tratamento da Personalidade Narcisista .................. 29

4.2 A Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista ............. 36

5. DISCUSSÃO ................................................................................................... 50

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 55

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 56

ANEXO ................................................................................................................ 58

Page 10: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

9

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de, - por meio do método de pesquisa

exploratória com técnica de revisão bibliográfica -, fazer um levantamento das

contribuições das atuais abordagens e técnicas cognitivo-comportamentais e da

terapia focada no esquema para o tratamento do transtorno de personalidade

narcisista.

Quais as contribuições das terapias cognitiva e focada no esquema para o

tratamento do transtorno de personalidade narcisista constitui a problemática

explorada nesta monografia.

O problema foi delimitado na seguinte questão: As terapias cognitiva e

focada no esquema contribuem para o tratamento do transtorno de personalidade

narcisista?

A hipótese formulada é a de que as terapias cognitivas e do esquema, por

meio de técnicas de identificação e modificação de crenças e de esquemas

desadaptativos remotos, contribuem efetivamente para o tratamento do transtorno

de personalidade narcisista.

Quanto à metodologia utilizada, segundo seus objetivos mais gerais, a

presente pesquisa pode ser chamada de exploratória.

1.1 Sobre a Terapia Cognitivo-Comportamental

A prática psicoterapêutica da terapia cognitivo-comportamental fundamenta-

se em um grupo de ideias bem-desenvolvidas que são utilizadas para construir

planos de tratamento e guiar as ações do psicoterapeuta.

A terapia cognitivo-comportamental é uma linha que se fundamenta em dois

princípios:

1. As cognições controlam emoções e comportamentos;

2. Os comportamentos influenciam de forma profunda as cognições e

emoções (WRIGHT et al, 2008).

Os elementos cognitivos dessa visão foram percebidos pelos filósofos

estoicos Epíteto, Cícero, Sêneca, entre outros (BECK et al., 1979, apud WRIGHT,

2008). Epíteto, por exemplo, escreveu que “os homens não se perturbam pelas

coisas que acontecem, mas sim pelas opiniões sobre as coisas” (EPICTETUS 1991,

Page 11: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

10

p.14, apud WRIGHT, 2008). Nas tradições do pensamento oriental, como o taoísmo

e o budismo, a cognição é apreciada como força fundamental na determinação do

comportamento (BECK et al., 1979; CAMPOS, 2002, apud WRIGHT, 2008).

A ideia de que um estilo saudável de pensamento pode diminuir a angústia e

aumentar o bem-estar é um tema comum em muitas culturas. O filósofo persa

Zoroastro fundamentou seu pensamento em três pilares básicos: pensar bem, agir

bem e falar bem. Benjamin Franklin, um dos pais da constituição norte-americana,

escreveu muito a respeito da construção de atitudes positivas, as quais ele

acreditava influenciarem de forma favorável o agir (ISAACSON, 2003, apud

WRIGHT, 2008). Entre os séculos XIV e XX, filósofos europeus – como Kant,

Heidegger, Jaspers e Frankl – deram continuidade na construção da ideia de que os

processos cognitivos têm influência significativa na existência dos homens (D.A.

CLARK et al., 1999; WRIGHT et al., 2003, apud WRIGHT, 2008).

Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias e técnicas

para ministrar intervenções cognitivo-comportamentais a transtornos mentais. Suas

primeiras formulações focavam na influência do processamento de informações

disfuncional nos transtornos depressivos e ansiogênicos. Suas ideias foram

influenciadas pelo trabalho de vários analistas pós-freudianos como Adler, Horney e

Sullivan, bem como na teoria dos construtos pessoais de Kelly e na terapia racional-

emotiva de Ellis (WRIGHT, 2008).

Suas ideias e técnicas, construídas em colaboração com outros cientistas,

passaram a estender-se a uma ampla diversidade de quadros psiquiátricos, além da

depressão e da ansiedade, a saber: transtornos alimentares, esquizofrenia,

transtorno afetivo bipolar, dor crônica, insônia, abuso de substâncias, e transtornos

de personalidade (WRIGHT, 2008).

Os elementos comportamentais do paradigma da terapia cognitivo-

comportamental começaram nos anos 1950 e 1960, quando psicoterapeutas

começaram a aplicar as ideias de Pavlov, Skinner e outros behavioristas. Joseph

Wolpe e Hans Eysenck foram os primeiros a explorar o poder dos métodos

comportamentais, como a dessensibilização e o relaxamento. Conforme a terapia

comportamental crescia, diversos cientistas importantes, como Meichenbaum e

Lewinsohn começaram a integrar as ideias e técnicas cognitivas na clínica

psicoterapêutica. Eles reconheceram que a visão cognitiva somava contexto,

Page 12: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

11

profundidade e compreensão às intervenções behavioristas. Desde a década de

1960, vem ocorrendo uma unificação das conceitualizações comportamentais e

cognitivas na terapêutica dos transtornos emocionais (WRIGHT, 2008).

Os principais componentes do paradigma cognitivo-comportamental são:

evento, avaliação cognitiva, emoção e comportamento. Neste paradigma, o

processamento de informações tem relevância fundamental, tendo em vista que o

indivíduo incessantemente avalia a importância dos eventos internos e externos, e

as cognições estão continuamente ligadas às reações afetivas. Por exemplo, uma

pessoa com transtorno de ansiedade social pode ter os seguintes pensamentos:

“Não saberei o que dizer... Todo mundo perceberá que estou nervoso... Vou parecer

esquisito... Irei travar e querer ir embora”. Em resposta a estes pensamentos,

surgem emoções e respostas fisiológicas como forte ansiedade, tensão física, e

excitação autonômica. Um possível comportamento diante de tais sensações

desagradáveis é faltar à festa. Todavia, a evitação da situação ansiogênica reforça

os pensamentos disfuncionais acima elencados, e suas crenças sobre ser incapaz e

vulnerável se fortalecem, estabelecendo assim um círculo vicioso. Tais crenças e

comportamentos reforçam-se mutuamente, mantendo o quadro da ansiedade social

(WRIGHT, 2008).

Conforme ensina Wright (2008, p.18):

O modelo básico de TCC é um construto usado para ajudar os terapeutas a conceitualizarem problemas clínicos e implementarem métodos da TCC específicos. Como um modelo de trabalho, ele é propositalmente simplificado para voltar a atenção do terapeuta para as relações entre pensamentos, emoções e comportamentos e, para orientar as intervenções de tratamento.

A terapia cognitivo-comportamental também reconhece a importância dos

processos biológicos na origem e terapêutica dos transtornos mentais. As

modificações cognitivas e comportamentais são moduladas por processos

biológicos, sendo que medicamentos psicofármacos e outros tratamentos biológicos

influenciam as cognições (WRIGHT, 2008).

Beck e seus colegas (BECK et al, 1979 apud WRIGHT, 2008) identificaram

três níveis fundamentais de processamento das informações: a consciência, os

Page 13: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

12

pensamentos automáticos, e os esquemas. A consciência é um estado de atenção

no qual as decisões podem ser tomadas de forma racional.

Os pensamentos automáticos são cognições que passam rapidamente pela

mente quando o indivíduo está numa situação, ou quando está relembrando

eventos. Este nível é mais profundo do que a consciência, e por isso normalmente

passa despercebido pela atenção consciente. Estas cognições não são

costumeiramente analisadas de forma racional pelo sujeito. Um grande número de

pesquisas confirmou que indivíduos com os mais diversos quadros psiquiátricos têm

uma alta frequência de pensamentos automáticos distorcidos (WRIGHT, 2008).

Beck formulou que existem erros típicos na lógica dos pensamentos

automáticos disfuncionais e de outras cognições, nas pessoas com transtornos

mentais ou de comportamento. Tais erros vão caracterizar estilos patológicos de

processamento de informações. Foram descritos por Beck e colaboradores (1979

apud WRIGHT, 2008) seis categorias principais de distorções cognitivas, a seguir

explicadas:

1. Abstração seletiva: chega-se a uma conclusão depois de examinar

apenas uma pequena parte das informações disponíveis. Dados

importantes são ignorados pela pessoa, a fim de confirmar a visão

tendenciosa e disfuncional sobre o evento;

2. Inferência arbitrária: chega-se a uma conclusão a partir de evidências

contraditórias ou na ausência de evidências;

3. Supergeneralização: chega-se a uma conclusão sobre um evento

isolado, e em seguida tal conclusão é estendida de forma ilógica a amplas

áreas da vida do sujeito;

4. Maximização e minimização: a relevância de aspectos negativos de um

evento é aumentada, enquanto que os aspectos positivos são

minimizados;

5. Personalização: eventos externos negativos são relacionados a si próprio

quando há pouca ou nenhuma evidência para isso;

6. Pensamento dicotômico: os julgamentos sobre si ou os outros são

separados em duas categorias opostas e extremas.

Já os esquemas são categorias de crenças nucleares que agem como

matrizes ou regras básicas para o processamento de informações. Eles permitem

Page 14: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

13

selecionar, filtrar, codificar e atribuir significados às informações vindas do ambiente

interno ou externo (WRIGHT, 2008).

Segundo Wright (2008,p.21), “Esquemas são princípios duradouros de

pensamento que começam a tomar forma no início da infância e são influenciados

por uma infinidade de experiências de vida...”.

Foi sugerido por D.A. Clark e colaboradores (1999 apud WRIGHT, 2008), que

há três grupos de esquemas: esquemas simples (regras sobre a natureza física do

ambiente, gerenciamento prático das atividades cotidianas, que podem ter pouco ou

nenhum efeito sobre a saúde mental); crenças intermediárias (regras condicionais

do tipo se-então, que influenciam a autoestima e a regulação emocional); e crenças

nucleares (regras globais e absolutas para leitura das informações do ambiente,

relativas à autoestima).

Conforme ensina Wright (2008, p.23):

[...] na depressão e em outros quadros, esquemas desadaptativos podem permanecer adormecidos até que um evento estressante da vida ocorra e ative a crença nuclear (BECK et al., 1979; D.A. CLARK et all, 1999; MIRANDA, 1992). O esquema desadaptativo é então fortalecido ao ponto no qual estimula e impulsiona o fluxo mais superficial de pensamentos automáticos negativos.

A terapia cognitivo-comportamental é uma terapia focada no problema

geralmente aplicada em um formato de curto prazo. Casos de depressão ou

transtornos de ansiedade descomplicados pode durar de 5 a 20 sessões. Todavia,

pode durar mais tempo em casos de condições co-mórbidas, sintomas crônicos ou

resistência à terapia. Esta abordagem foca-se no aqui-agora. Porém, é fundamental

ter uma perspectiva longitudinal para compreender o paciente e planejar sua

terapêutica. Conforme esclarece Wright (2008, p. 27): “[...] a atenção às questões

atuais ajuda a estimular o desenvolvimento de planos de ação para combater

sintomas como desesperança, desamparo, evitação e procrastinação”.

A formulação de caso guia cada intervenção, numa estratégia de tratamento

cuidadosamente pensada.

Esta abordagem faz uso do conceito de empirismo colaborativo para explicar

a relação terapêutica. Ambos trabalham como numa equipe investigativa,

formulando hipóteses acerca da precisão ou do valor de diversos pensamentos e

crenças. Em seguida, colaboram na elaboração de estilos de pensamento mais

Page 15: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

14

saudáveis e de habilidades de enfrentamento, além da reversão de padrões

desadaptativos de comportamento (WRIGHT, 2008).

Conforme esclarece Wright (2008, p.28):

Os pacientes também são incentivados a assumir responsabilidade na relação terapêutica. Eles são solicitados a dar feedback ao terapeuta, a ajudar a estabelecer a programação para as sessões de terapia e a trabalhar na prática das intervenções da TCC em situações da vida cotidiana.

A forma de questionamento utilizado nesta forma de terapia é denominada

debate socrático, e se expressa na forma de questões ao paciente que incentivem a

curiosidade e o desejo de investigar.

Segundo Wright (2008, p.28), “Uma forma especial de questionamento

socrático é a descoberta guiada, por meio da qual o terapeuta faz uma série de

perguntas indutivas para revelar padrões disfuncionais de pensamento...”.

A terapia cognitiva faz uso de modos de estruturação da sessão, tais como

fazer a agenda e pedir feedback, para maximizar a eficiência das sessões. A agenda

é elaborada para dar um sentido claro à sessão e possibilitar medir o progresso

(WRIGHT, 2008).

A psicoeducação tem papel fundamental na terapia cognitiva, e envolvem

situações da vida dos pacientes para ensinar os conceitos, ajudando assim na

adesão ao tratamento (WRIGHT, 2008).

A essência do tratamento está na identificação e modificação de

pensamentos e crenças desadaptativas, denominada genericamente de

reestruturação cognitiva. Para isso, além do questionamento socrático, muitos outros

métodos são utilizados, tais como: registros de pensamentos, identificação de erros

cognitivos, exame de evidências a favor e contra os pensamentos, listar alternativas

racionais, geração de imagens mentais, e role play. Estas técnicas são feitas na

terapia, e em seguida os pacientes são incentivados a fazer exercícios entre as

sessões para generalizar os aprendizados adquiridos durante as sessões para

situações do mundo real (WRIGHT, 2008).

Além da reestruturação cognitiva, são utilizadas técnicas comportamentais

para reduzir sintomas e promover mudanças positivas, tendo em vista que, para a

terapia cognitiva, a relação entre cognição e comportamento é uma estrada de mão

Page 16: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

15

dupla. Mudanças em um dos polos (cognição) costumam incentivar modificações no

outro (comportamento), e vice-versa (WRIGHT, 2008).

As técnicas comportamentais destinam-se basicamente a: romper padrões de

evitação ou desesperança; desenvolver habilidades de enfrentamento; diminuir

emoções dolorosas ou a excitação autonômica (WRIGHT, 2008).

Finalmente, a terapia cognitivo-comportamental visa o desenvolvimento de

habilidades para ajudar a prevenir a recaída.

Conforme elucida Wright (2008, p.30):

Aprender como reconhecer e mudar pensamentos automáticos, utilizar métodos comportamentais comuns, e implementar as outras intervenções descritas [...] podem ajudar os pacientes a lidarem futuramente com ativadores dos sintomas.

1.2 Sobre a Terapia Focada no Esquema

A Terapia Focada no Esquema surgiu dos desafios e dificuldades de Jeffrey

E. Young em lidar com pacientes portadores de transtornos de personalidade, além

de outros pacientes difíceis e crônicos, fazendo uso da terapia cognitivo-

comportamental tradicional formulado por Aaron T. Beck (YOUNG, 2003).

Tais dificuldades se deram fundamentalmente em razão de que os

pressupostos da terapia cognitivo-comportamental de curto prazo para os pacientes

poderem gozar de seus benefícios não estavam presentes em muitos pacientes de

Young e de seus colegas e supervisionados, principalmente os portadores de

transtornos de personalidade (YOUNG, 2003).

Estas suposições da terapia cognitivo-comportamental sobre os pacientes,

que os qualificariam para um bom prognóstico no uso das teorias e técnicas

beckianas, são: os pacientes têm acesso aos sentimentos com um breve

treinamento; os pacientes têm acesso a pensamentos e imagens com um breve

treinamento; os pacientes têm problemas identificáveis a serem focalizados; os

pacientes estão motivados a fazer tarefas de casa e a aprender estratégias de

autocontrole; os pacientes podem engajar-se em um relacionamento colaborativo

com o terapeuta dentro de poucas sessões; as dificuldades no relacionamento

terapêutico não são um foco maior de problemas; todas as cognições e padrões de

Page 17: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

16

comportamento podem ser modificados por análise empírica, discurso lógico,

experimentação, passos graduais e prática (YOUNG, 2003).

A terapia beckiana tradicional pressupõe alguma flexibilidade por parte dos

clientes, o que não se confirma na maioria dos transtornos de personalidade. Uma

de suas principais características é justamente a manifestação de traços de

comportamento rígidos e persistentes ao longo do tempo, vistos pelos pacientes

como corretos em si mesmos, ou seja, “ego-sintônicos” (YOUNG, 2003).

A terapia cognitivo-comportamental clássica supõe que os clientes possuem

acesso relativamente livre a pensamentos e sentimentos. Porém, em muitos

transtornos de personalidade predominam a evitação ou bloqueio de pensamentos e

sentimentos, por serem dolorosos (YOUNG, 2003).

A terceira característica marcante dos clientes com transtornos de

personalidade é o relacionamento interpessoal disfuncional persistente ao longo do

tempo. Conforme elucida Young (2003, p.14): “[...] três características dos

transtornos de personalidade – rigidez, evitação e dificuldades interpessoais de

longo prazo – fazem com que seja consideravelmente difícil aplicar a terapia

cognitiva de curto prazo [...]”.

Young e colaboradores propõem cinco construtos teóricos como uma

expansão do modelo cognitivo de curto prazo proposto por Beck: 1) Esquemas

Iniciais Desadaptativos, 2) Domínios de um Esquema, 3) Manutenção do Esquema,

4) Evitação do Esquema, e 5) Compensação do Esquema (2003, p.14).

Segundo Young (2003, p.15 e 16):

Os Esquemas Iniciais Desadaptativos se referem a temas extremamente estáveis e duradouros que se desenvolvem durante a infância, são elaborados ao longo da vida e são disfuncionais em um grau significativo. Esses esquemas servem como modelos para o processamento da experiência posterior.

Os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) possuem seis características: 1)

são crenças e sentimentos incondicionais sobre si mesmo em relação ao ambiente,

verdades a priori, implícitas e aceitas como algo natural; 2) são autoperpetuadores

e, portanto, muito mais resistentes à mudança; 3) são disfuncionais de uma maneira

significativa e recorrente; 4) são ativados por eventos ambientais importantes para o

esquema em específico; 5) estão ligados a altos níveis de afeto, quando ativados; 6)

parecem ser o resultado do temperamento inato da criança interagindo com

Page 18: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

17

experiências disfuncionais cotidianas cumulativas com pais, irmãos e amigos

durante os primeiros anos de vida (YOUNG, 2003).

Até o presente momento foram identificados dezoito Esquemas Iniciais

Desadaptativos, os quais se agrupam em cinco amplos Domínios de Esquema, que

correspondem a necessidades evolutivas do desenvolvimento emocional da criança,

também chamadas de “tarefas desenvolvimentais” (YOUNG, 2003):

1) Desconexão e Rejeição: Abandono/Instabilidade; Desconfiança/Abuso;

Privação Emocional; Defectividade/Vergonha; Isolamento

Social/Alienação;

2) Autonomia e Desempenho Prejudicados: Dependência/Incompetência;

Vulnerabilidade; Emaranhamento/Self Subdesenvolvido; Fracasso;

3) Limites Prejudicados: Merecimento/Grandiosidade; Autocontrole e

Autodisciplina Insuficientes;

4) Orientação para o Outro: Subjugação; Auto-Sacrifício; Busca de

Aprovação e Reconhecimento;

5) Supervigilância e Inibição: Negativismo/Pessimismo; Inibição Emocional;

Padrões Inflexíveis/Crítica Exagerada; Caráter Punitivo.

Conexão é o sentimento de estar conectado a outras pessoas de maneira

estável e duradoura. Envolve intimidade, laços emocionais estreitos, e integração

(sentimento de pertencimento a um grupo). A aceitação envolve o sentimento de ser

digno de ser amado pelos outros, e merecedor de atenção, amor e respeito. Quando

as crianças não vivenciam um ambiente em que predominam as experiências de

conexão e aceitação, ficam propensas aos esquemas relativos a

Desconexão/Rejeição (YOUNG, 2003).

Autonomia é o sentimento de poder funcionar independentemente do mundo,

sem o contínuo apoio dos outros. Desempenho refere-se à capacidade de sair-se

bem na escola e no trabalho. Quando os pais não conseguem proporcionar um

ambiente que encoraje a autonomia, a criança fica propensa aos esquemas relativos

à Autonomia e Desempenho Prejudicados (YOUNG, 2003).

O domínio Limites Prejudicados refere-se à capacidade de disciplinar-se, de

controlar os próprios impulsos e de levar em conta as necessidades dos outros, tudo

isso em um grau adequado (YOUNG, 2003).

Esclarece Young (2003, p.24):

Page 19: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

18

Os Esquemas de Merecimento/Grandiosidade e Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes desenvolvem-se quando as crianças são muito mimadas pelos pais, elogiadas de forma exagerada, por suas realizações, têm liberdade para fazer tudo o que querem sem importar-se com as necessidades dos outros, não aprendem que os relacionamentos envolvem compartilhamento e reciprocidade, e não são ensinadas a lidar com a derrota ou a frustração.

Para desenvolver um senso saudável de orientação para o outro, a criança

precisa ter pais que a encorajem a expressar apropriadamente suas necessidades e

respondam a essas necessidades sem indevida restrição, punição ou retirada de

apoio. Do contrário, a criança aprende a dar uma ênfase excessiva aos desejos, aos

sentimentos e às respostas dos outros, às custas de suas legítimas necessidades,

para obter amor, aprovação, manter a conexão, ou evitar retaliação. Este padrão

leva ao desenvolvimento dos esquemas relativos ao domínio Orientação Nociva

para o Outro (YOUNG, 2003).

Já em relação ao domínio da Supervigilância e Inibição, os pais que criam

problemas neste normalmente são severos, rígidos ou punitivos. Enfatizam de forma

intensa o desempenho, o dever, o seguimento de regras, o perfeccionismo, e a

evitação de erros. A vida pode perder a alegria e ficar caracterizada pela

preocupação e pessimismo. Nesse caso, a criança sente que para ser merecedora

de amor, precisa atingir um nível de desempenho extremamente elevado, o que

pode originar algum dos quatro esquemas deste domínio (YOUNG, 2003).

A Terapia do Esquema identifica três importantes processos de um esquema:

Manutenção, Evitação e Compensação.

A Manutenção do Esquema refere-se aos modos pelos quais os Esquemas

Iniciais Desadaptativos são reforçados. No nível cognitivo, isto se dá pelo destaque

ou exagero de informações que confirmem o esquema, concomitantemente à

negação ou minimização de informações que possam refutá-lo (abstração seletiva).

Tais processos são descritos por Beck como distorções cognitivas (BECK, 1967

apud YOUNG, 2003). No nível comportamental, a manutenção ocorre por meio de

padrões de comportamento autoderrotistas, como no caso da mulher com esquema

de subjugação que repetidamente se envolve com homens dominadores.

A Evitação do Esquema refere-se aos modos pelos quais o indivíduo evita

ativar o esquema inicial desadaptativo e, consequentemente, o contato com as

emoções extremamente desagradáveis que o acompanham. No nível cognitivo,

Page 20: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

19

pensamentos e imagens que possam acionar os esquemas são bloqueados,

esquecidos, ou simplesmente não se manifestam. No nível emocional, podem

ocorrer tentativas conscientes ou inconscientes de bloquear sentimentos associados

aos esquemas. Estas emoções simplesmente não são vivenciadas de forma direta e

consciente. No nível comportamental, os pacientes evitam situações que possam

evocar os esquemas iniciais desadaptativos (YOUNG, 2003).

A Compensação do Esquema refere-se aos modos pelos quais os esquemas

iniciais desadaptativos são supercompensados. Fundamentalmente os pacientes

adotam padrões de pensamento e comportamento diametralmente opostos ao

conteúdo de seus esquemas. “Por exemplo, alguns pacientes que experienciaram

uma significativa Privação Emocional na infância comportam-se de maneira

narcisista quando adultos” (YOUNG, 2003).

Elucida Young (2003, p.28):

A compensação do esquema, muitas vezes, é funcional até certo ponto, pois em vez de se comportar de modo a reforçar um senso de privação, alguns pacientes se esforçam ao máximo para atender a essas necessidades. Infelizmente, as tentativas podem passar dos limites e acabar sendo um tiro pela culatra. O paciente narcisista pode acabar afastando amigos, cônjuges e colegas, voltando novamente a um estado de privação.

1.3 Sobre a Personalidade e seus Transtornos

Conforme Bastos (1997b apud DALGALARRONDO, 2008, p.257),

personalidade é:

[...] o conjunto integrado de traços psíquicos, consistindo no total das características individuais, em sua relação com o meio, incluindo todos os fatores físicos, biológicos, psíquicos e socioculturais de sua formação, conjugando tendências inatas e experiências adquiridas no curso de sua existência.

Já Mecler (2015), conceitualiza a personalidade como o resultado da

combinação e da interação entre o temperamento, herdado geneticamente e

regulado biologicamente, e o caráter, que é a relação do temperamento com a

experiência ambiental (vivências e aprendizados).

Levando em conta tais definições, o que distinguiria uma personalidade

saudável de uma que poderia ser considerada patológica?

Page 21: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

20

Millon e Escovar (1996ª apud CABALLO, 2014) consideram que os

indivíduos:

[...] possuem uma personalidade normal, sã, quando manifestam a capacidade para enfrentar o ambiente de um modo flexível e quando suas percepções e comportamentos típicos estimulam o aumento da satisfação pessoal. Pelo contrário, quando as pessoas respondem às responsabilidades diárias de forma inflexível ou quando suas percepções e comportamentos têm como consequência um mal-estar pessoal ou uma redução das oportunidades para aprender e crescer, então podemos falar de um padrão patológico ou desadaptativo.

Para Schneider (1974, apud DALGALARRONDO, 2008, p. 268), o sujeito com

transtorno de personalidade apresenta duas qualidades básicas: sofre e faz sofrer a

sociedade; e não aprende com a experiência.

No transtorno da personalidade, há uma significativa desarmonia nos planos

intrapsíquico e interpessoal, e embora geralmente produza muito sofrimento para o

indivíduo e conviventes, tais transtornos não são facilmente modificáveis por meio

das experiências de vida, pelo contrário: tendem a permanecer estáveis ao longo do

tempo (DALAGOLARRONDO, 2008).

Segundo a atual classificação de transtornos mentais da OMS (1993), a

chamada CID-10, as diretrizes diagnósticas gerais aplicáveis a todos os transtornos

de personalidade são as seguintes:

Condições não diretamente atribuíveis à lesão ou à doença cerebral flagrante ou a outro transtorno psiquiátrico, satisfazendo os seguintes critérios:

(a) atitudes e condutas marcadamente desarmônicas,

envolvendo em várias áreas de funcionamento, p. ex.

afetividade, excitabilidade, controle de impulsos, modos de

percepção e de pensamento e estilo de relacionamento com

os outros;

(b) o padrão anormal de comportamento é permanente, de

longa duração e não limitado a episódios de doença mental;

(c) o padrão anormal de comportamento é invasivo e

claramente mal-adaptativo para uma ampla série de

situações pessoais e sociais;

(d) as manifestações acima sempre aparecem durante a

infância ou adolescência e continuam pela vida adulta;

(e) o transtorno leva à angústia pessoal considerável, mas isso

pode se tornar aparente apenas tardiamente em seu curso;

Page 22: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

21

(f) o transtorno é usual, mas não invariavelmente associado a

problemas significativos no desempenho ocupacional e

social.

Caballo (2014, p.31) lista as seguintes características básicas de um

transtorno de personalidade: está profundamente enraizado e é de natureza

inflexível; é desadaptativo, especialmente em contextos interpessoais; é

relativamente estável ao longo do tempo; prejudica de forma significativa a

capacidade funcional do indivíduo; e finalmente, produz mal-estar no ambiente do

sujeito.

A CID-10 (1993) enumera oito transtornos específicos de personalidade:

paranoide, esquizoide, antissocial, emocionalmente instável (subdividido em tipo

impulsivo e borderline), histriônico, anancástico ou obsessivo-compulsivo, ansioso

ou evitativo, e dependente.

Já o DSM-V (2015) lista dez categorias específicas, reunidas em três grupos.

O grupo A congrega paranoides, esquizoides e esquizotípicos, chamado grupo dos

“excêntricos-esquisitos”. No grupo B estão os antissociais, borderlines, histriônicos e

narcisísticos, considerados os “dramáticos-emocionais-volúveis”. E o grupo C

contempla os evitativos, dependentes e obsessivo-compulsivos, ou seja, os

“ansiosos-temerosos”.

1.4 Sobre a Personalidade Narcisista

Conforme observa Caballo (2014, p.177):

Atualmente nossa sociedade favorece o individualismo [...] e o progresso [...] à custa dos esforços dos demais. Características como a segurança em si mesmo, a persuasão ou a competitividade constituem aspectos altamente valorizados hoje em dia, e se esses elementos dirigem-se à consecução de objetivos, a possibilidade de ser reforçados pela sociedade é muito elevada. Não importa que isso acarrete humilhação, menosprezo, subvalorização ou destruição de pessoas que não se adaptam ao estilo produtivo. [...] O estilo narcisista sabe utilizar essas tendências de nossa sociedade a seu favor e tirar proveito para progredir e avançar no terreno profissional.

Ainda, segundo tal autor, o termo narcisismo origina-se da mitologia grega,

que conta que o personagem Narciso, admirado por ser muito belo, foi impedido de

observar sua aparência, em troca de longevidade. Após rejeitar o amor dos outros,

Page 23: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

22

acabou apaixonando-se por sua própria imagem refletida na água de uma fonte.

Terminou consumido em um desejo insatisfeito e transformou-se na flor que leva seu

nome (CABALLO, 2014).

Diversos autores basearam-se em tal mito para descrever comportamentos,

fases do desenvolvimento infantil, e um perfil de personalidade às vezes saudável,

às vezes patológico, tais como Havelock Ellis, Paul Nacke, Sadger, Freud, Reich e

Fenichel, mas enquanto entidade diagnóstica, tal transtorno surgiu principalmente

dos trabalhos dos psicanalistas da psicologia do self, como Kohut (CABALLO, 2014).

Qualidades como auto confiança e autoestima tornam os sujeitos sociáveis e

seguros, mas tais qualidades em exagero podem transformar o sujeito em alguém

arrogante e explorador, distorcendo suas avaliações e fazendo-os crer que suas

contribuições são muito mais valiosas do que são na realidade (CABALLO, 2014).

Elucidam Beck, Freeman e Davis (2005, p.207):

O transtorno da personalidade narcisista (TPN) é um amplo padrão de consideração distorcida, por si mesmo e pelos outros. Embora seja normal e sadio assumir uma atitude positiva em relação a si, as pessoas narcisistas exibem uma visão inflada de si mesmas, como especiais e superiores. Todavia, em vez de uma grande autoconfiança, o narcisismo reflete uma autopreocupação engrandecedora. O narcisista é muito ativo e competitivo ao buscar status, e sinais externos de status são utilizados como a medida do valor pessoal.

Mecler (2015) descreve tais pessoas como “caçadores de admiração”, e

informa tratar-se de sujeitos que estão sempre superestimando suas capacidades e

exagerando seus feitos. Querem sempre o primeiro lugar e só admitem qualidades

em si mesmos, além de terem a propensão a viver no mundo dos devaneios, onde a

glória, a fama e o prestígio são normais.

Campelos (2013) informa que foram identificados quatro aspectos da

descrição fenomenológica e taxonômica que são abordados na literatura do

narcisismo patológico: natureza do narcisismo (normal ou patológica), fenótipo

(grandioso ou vulnerável), expressão (ostensivo ou encoberto), e estrutura

(categoria, dimensão e protótipo).

Pincus et al. (2009 apud CAMPELOS, 2013), concluiu que:

...dois subtipos gerais de disfunção narcisista, categorizados como narcisista grandioso e narcisista vulnerável, poderiam sintetizar os vários graus fenotípicos que surgiram ao longo da literatura. O subtipo grandioso lida com uma desregulação da autoestima criando uma sensação exagerada de superioridade e singularidade e apresenta fantasias de grandiosidade. Estes indivíduos são manipuladores, assertivos, arrogantes,

Page 24: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

23

dominantes, exibicionistas, apresentam falta de empatia e experienciam inveja intensa e agressividade como resultado da desregulação de afecto, normalmente apresentam pouco “insight”. O subtipo vulnerável é introvertido, reflecte uma grandiosidade insegura e defensiva que eclipsa sentimentos obscuros de inadequação, incompetência e afecto negativo. Também lidam com desregulação da autoestima, apresentando fantasias de grandiosidade, sentindo ao mesmo tempo vergonha intensa sobre as suas necessidades e ambições. O problema de afecto dominante neste subtipo é a vergonha em vez da inveja ou agressividade como no outro subtipo, eles evitam relações interpessoais devido à hipersensibilidade à rejeição e à crítica.

Dalgalarrondo (2008) caracteriza o indivíduo com tal transtorno da seguinte

forma:

1. Senso grandioso e irreal da própria importância. Pensa ter talentos especiais

e espera que reconheçam sua superioridade, sem que tenha feito algo

concreto para isso.

2. Voltado a fantasias de sucesso, poder, brilhantismo, beleza ou de um amor

ideal.

3. Crê que somente pessoas e instituições também excecionalmente especiais

possam estar à sua altura.

4. Necessita de muita admiração.

5. Explorador nas relações pessoais, buscando tirar vantagens dos outros para

atingir o sucesso.

6. Sem empatia por pessoas consideradas comuns.

7. Normalmente invejoso do sucesso alheio, tende a pensar que é objeto de

inveja.

8. Arrogante.

Segundo o DSM V (apud MECLER, 2015), o transtorno de personalidade

narcisista apresenta nove características que devem ser consideradas para o

diagnóstico:

1. Sensação grandiosa quanto à própria importância;

2. Fantasias de sucesso ilimitado, na vida profissional e na amorosa;

3. Crença de ser alguém único e especial;

4. Demanda excessiva por atenção;

5. Certeza de possuir direitos exclusivos;

6. Carência de empatia;

Page 25: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

24

7. Tendência a ser explorador nas relações interpessoais;

8. Comportamento arrogante e insolente;

9. Propensão a ter inveja e se sentir alvo de inveja.

Já a CID-10 (1993), no trecho em que descreve os transtornos específicos da

personalidade, denominado F60, refere-se ao transtorno de personalidade narcisista

como “F60.9 Transtorno de personalidade não especificado”, não chegando a

descrevê-lo.

Millon e Everly (1994 apud Caballo, 2014), apontam três fatores ambientais

que, isoladamente ou combinadamente, aparentam relacionar-se com o

desenvolvimento de tal transtorno desde os primeiros anos de vida.

O primeiro fator é a indulgência parental e supervalorização, ou seja, o fato

de que alguns pais consideram seus filhos um presente divino e os adorem de tal

modo que não os deixam assumir responsabilidades em casa e os convencem de

que tudo o que fazem ou dizem sempre é perfeito. Dessa forma a criança aprende

que é especial, que deve ser tratada de modo diferenciado sem ter de fazer nada

para isso, e que pode esperar a sujeição de pessoas consideradas inferiores, e

elogios por quaisquer coisas que faça (MILLON&EVERLY, 1994 apud CABALLO,

2014).

O segundo fator são os comportamentos exploradores apreendidos,

segundo o qual, a citada criança, ao sair deste lar indulgente e supervalorizador, cria

expectativas pelas quais, se não for tratada de maneira semelhante, desenvolve

habilidades para manipular e explorar, e para receber a atenção que imagina

merecer (MILLON&EVERLY, 1994 apud CABALLO, 2014).

O terceiro fator é o status de filho único. Se a criança não desenvolve o

senso da responsabilidade social que aprenderia caso tivesse irmãos, e ainda é

vista pelos pais como um presente de Deus, são potencializados os dois fatores

anteriores (MILLON&EVERLY, 1994 apud CABALLO, 2014).

Esclarecem Beck, Freeman e Davis (2005, p.211):

Um esquema de si mesmo como carente de ser especial e superior para escapar à inferioridade pode se desenvolver de diversas maneiras. Tendências narcisistas podem ser herdadas (Livesley, Jang, Schroeder e Jackson, 1993) e moldadas por pais que supercompensam sentimentos de inferioridade ou insignificância. Em vez de aprender a aceitar e dominar sentimentos normais e temporários de inferioridade, essas experiências são

Page 26: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

25

vistas como ameaças a serem derrotadas, principalmente pela aquisição de símbolos ou validação externos.

Beck, Freeman e Davis (2005) ensinam que a existência de talentos, dons,

qualidades ou posições especiais, socialmente valorizados, provocam respostas

sociais que fortalecem a crença de superioridade. Estar associado a grupos que

pregam ideias de exclusividade e superioridade e criticam pessoas de fora também

reforçam tal crença.

As experiências de causar má impressão, sentir-se mal, perder uma posição

especial ou deparar-se com limites são percebidas como ameaças à autoimagem,

denominada “insulto narcísico”. Quando isso ocorre, o narcisista reage com raiva e

defensividade, podendo demonstrar surpreendente desconsideração pelas outras

pessoas (BECK; FREEMAN; DAVIS, 2005).

Na revisão bibliográfica serão abordadas as teorias e técnicas elaboradas

pela Terapia Cognitiva de Beck e pela Terapia do Esquema de Young para tratar

deste transtorno.

Page 27: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

26

2. OBJETIVO

O presente trabalho tem o objetivo de fazer um levantamento das atuais

abordagens e técnicas da terapia cognitivo-comportamental terapia do esquema no

tratamento do transtorno de personalidade narcisista.

Page 28: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

27

3. METODOLOGIA

Quanto à metodologia utilizada, segundo seus objetivos mais gerais, a

presente pesquisa pode ser chamada de exploratória.

Conforme ensina Gil:

[...] têm como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Seu planejamento tende a ser bastante flexível, pois interessa considerar os mais variados aspectos relativos ao fato ou fenômeno estudado. A coleta de dados pode ocorrer de diversas maneiras, mas geralmente envolve: 1. levantamento bibliográfico; 2. entrevistas com pessoas que tiveram experiência prática com o assunto; e 3. análise de exemplos que estimulem a compreensão (SELLTIZ et al., 1967, p. 63). Em virtude dessa flexibilidade, torna-se difícil, na maioria dos casos, "rotular" os estudos exploratórios, mas é possível identificar pesquisas bibliográficas, estudos de caso e mesmo levantamentos de campo que podem ser considerados estudos exploratórios. Pode-se afirmar que a maioria das pesquisas realizadas com propósitos acadêmicos, pelo menos num primeiro momento, assume o caráter de pesquisa exploratória, pois neste momento é pouco provável que o pesquisador tenha uma definição clara do que irá investigar. (GIL, 2010, p.15)

A presente monografia problematiza a questão de quais seriam as

contribuições das terapias cognitiva e focada no esquema para o tratamento do

transtorno de personalidade narcisista.

Tal estudo se justifica em razão do crescimento de diagnósticos de

transtornos de personalidade, incluindo o transtorno de personalidade narcisista.

Cientificamente este trabalho intenta ser uma humilde contribuição para a

ampliação do campo de saber das terapias cognitivo-comportamentais.

O tipo de pesquisa utilizada, no tocante aos seus objetivos, é a exploratória,

uma vez que tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema,

tornando-o mais explícito.

O procedimento técnico para a coleta de dados é o delineamento

bibliográfico, eis que é desenvolvida com base em material já elaborado oriundo de

diversas fontes, constituído principalmente de livros de referência sobre o assunto.

O trabalho realizado é monográfico. É estudado o tema em particular, de

suficiente valor representativo e que obedece a rigorosa metodologia, investigando o

Page 29: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

28

assunto não só em profundidade, mas em seus aspectos mais relevantes para este

autor.

Para o levantamento dos dados foram utilizadas as seguintes palavras-chave

em português: transtornos de personalidade, transtorno de personalidade narcisista,

transtorno de personalidade narcisística, terapia cognitivo-comportamental, terapia

focada no esquema.

Procurou-se fazer o levantamento bibliográfico baseado em publicações

nacionais e de período recente, tendo como base de dados pesquisas publicadas

nos sites Scielo, Pubmed, Google Acadêmico, Periódico Capes e livros.

Os critérios de inclusão nesse estudo foram trabalhos realizados com

pacientes com transtorno de personalidade narcisista e que foram tratados ou pela

terapia cognitivo-comportamental desenvolvida por Aaron T. Beck, ou pela terapia

focada no esquema desenvolvida por Young.

Os critérios de exclusão para a presenta pesquisa foram trabalhos que não

fizeram uso das teorias e técnicas da terapia cognitiva e da terapia do esquema.

Page 30: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

29

4. RESULTADOS

4.1 A Terapia Cognitiva no Tratamento da Personalidade Narcisista

Caballo (2014) elucida que os instrumentos específicos de avaliação deste

transtorno são: a Escala de Traços Narcisistas (Narcissistic Trait Scale, NTS;

Richman e Flaherty, 1987), o Inventário da Personalidade Narcisista (Narcissistic

Personality Inventory, NPI; Raskin e Hall, 1979), o Inventário Multifásico de

Narcisismo de O’Brien (O’Brien Multiphasic Narcissism Inventory; O’Brien, 1987), ou

a escala de Narcisismo do MMPI.

Segundo Beck, Freeman e Davis (2005, p.213): “A crença central do

transtorno da personalidade narcisista é de inferioridade e insignificância. [...] De

outra forma, a crença manifesta é uma atitude compensatória de superioridade...”.

Quando em processo terapêutico, tal paciente deseja ser admirado por qualidades

especiais, porém resiste a analisar sentimentos de inferioridade, preferindo ver a

causa de seus problemas como exterior.

Beck, Freeman e Davis (2005) listam as seguintes crenças intermediárias ou

suposições condicionais mais comuns no paciente narcisista: Evidências de

Superioridade, Relacionamentos como Instrumentos, Poder e Merecimento,

Preservação da Imagem, Contribuições Meritórias e Afeto.

O sujeito narcisista crê que certas circunstâncias ou recursos concretos

são evidência e validação de superioridade, prestígio especial e valor. Por isso,

crê que precisa ter sucesso para provar o seu valor e que, caso não o possua, isso

significaria que ele não possui nenhum valor ou importância. Sua autoestima pode

se degradar se tais sinais exteriores estiverem comprometidos ou inatingíveis

(BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).

Os outros sempre são vistos como objetos ou instrumentos na busca de

admiração e prestígio. Se de alguma maneira podem ajuda-lo a progredir, serão

primeiramente idealizados, e depois descartados. Mas se forem percebidos como

comuns (o que para eles significa inferioridade), serão repelidos. Beck, Freeman e

Davis (2005) explicam que “O valor dos outros está em como podem servi-lo ou

admirá-lo”.

Page 31: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

30

O poder e o merecimento são vistos como evidência de superioridade.

Para demonstrar poder, o narcisista pode modificar limites, tomar decisões

isoladamente, controlar os outros e determinar exceções a regras que se aplicam a

pessoas comuns. Outra suposição é a crença de que não precisa seguir as regras e

leis normais, como as da ciência e da natureza. Por isso, pode ignorar evidências de

riscos, por se achar uma exceção, e que por isso irá se safar. E o “isso” pode ser

usar drogas, dirigir sem cuidado, comer demais, comprar demais, abusar emocional

ou sexualmente de alguém, ou então agredir alguém.

Elucidam Beck, Freeman e Davis (2005, p.211):

Outras expectativas normais, como se comprometer com um casamento, podem ser evitadas ou causar ressentimento, com base na crença de que “deveria ser fácil para mim, eu não deveria precisar me esforçar dessa maneira”. O paciente narcisista também supõe, como condição de poder, que “as pessoas devem satisfazer as minhas necessidades” e que “as necessidades dos outros jamais devem interferir nas minhas”. Assim, ele tende a viver as situações sentindo-se automaticamente merecedor de gratificação pessoal. A partir de exemplos simples, como tomar para si o melhor lugar, o bife maior ou o melhor quarto, [...] a afirmação de suas necessidades parece ignorar totalmente as necessidades alheias.

O narcisista crê que “imagem é tudo”, pois ela é a proteção de seu valor

pessoal, e por isso confirmar e manter sua imagem é uma preocupação primordial, e

ele se vê sempre exposto. Não causar admiração pode ser motivo de perturbação,

gerando dúvidas sobre seu valor pessoal. Tal crença por vezes atinge àqueles que

são vistos como extensão do sujeito, como esposa e filhos, os quais, caso não

causem boa impressão, podem ser ridicularizados, punidos ou atormentados pelo

narcisista (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).

O portador deste transtorno costuma supor que faz contribuições

meritórias aos outros, exagerando as necessidades alheias e seus próprios

méritos. “Eles precisam de mim” e “Estou prestando um favor a eles” podem

justificar ações que são mais autogratificantes ou exploratórias. Ver a si mesmo

como um benfeitor generoso pode permitir a negação de riscos ou danos a terceiros

(BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).

Na personalidade narcisista, há superestimação das consequências

negativas de emoções como tristeza, culpa e incerteza, que são vistas como

fraquezas pessoais que ameaçam sua autoimagem positiva. De outra forma, os

riscos associados à raiva ou autoadmiração incontrolados são minimizados ou

Page 32: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

31

negados. Conforme Beck, Freeman e Davis (2005, p.216): “...com frequência, tem

baixa tolerância à frustração e espera não só ter os seus desejos gratificados, mas

também permanecer em um estado regular de reforço positivo”.

Esclarecem Beck, Freeman e Davis (2005, p.217):

Os indivíduos narcisistas são muito ativos em suas tentativas de reforçar crenças auto-engrandecedoras e evitar experiências de desconforto ou vulnerabilidade. Eles têm sonhos grandiosos e buscam a fama, o amor ideal romântico ou o poder. [...] O objetivo disso é obter admiração, demonstrar superioridade e se tornar invulnerável à dor ou à perda da estima. Há pelo menos três tipos de estratégias que expressam essa orientação para a ação.

Tais estratégias são: de Auto-Reforço, de Auto-Expansão e de Autoproteção.

Pela estratégia de Auto-Reforço o sujeito narcisista busca reforçar seu

poder e importância pedindo um feedback elogioso ou demonstrando

comportamento arrogante, e condescendente com subordinados. É como se

dissesse: “Vejam como sou importante e influente!” (BECK, FREEMAN e DAVIS,

2005).

Por meio da estratégia de Auto-Expansão o narcisista busca acumular

símbolos de status, perfeição e poder, como posses materiais, realizações,

reconhecimento, ou um estilo de vida diferenciado, ainda que isso importe em

atividades arriscadas (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).

Já a estratégia de Autoproteção visa repelir ameaças à auto-imagem

grandiosa, tais como avalições não lisonjeiras, discordâncias ou críticas diante de

plateias ou pessoas tidas como importantes. Tais tipos de comentários podem

provocar explosões de raiva, devido a experiência de insulto narcísico que tais

pessoas vivenciam (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).

No início do tratamento, tais pessoas costumam se opor à mudança, negando

terem problemas, os quais são externalizados a outras pessoas e circunstâncias.

Algo precisa mudar, mas não eles! (CABALLO, 2014).

Nas entrevistas de avaliação, o candidato a paciente com este transtorno

tende a menosprezar o profissional por julgá-lo sem experiência, conhecimento ou

inteligência suficientes para compreendê-lo. O vínculo é estabelecido depois de um

período considerável de tempo, no qual o terapeuta consegue atenuar os ares de

grandiosidade do narcisismo (CABALLO, 2014).

Page 33: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

32

De forma alternativa, o paciente pode tentar deslumbrar o terapeuta e usar a

lisonja para atraí-lo para o seu grupo de pessoas “excepcionais”.

Ensinam Beck, Freeman e Davis (2005, p.219):

Os terapeutas podem ficar desanimados se esperarem um processo tranquilo de aplicação de técnicas cognitivas. Os pacientes narcisistas possuem problemas significativos que interferem na colaboração, incluindo ausência de insight e um foco de mudança externo. [...] É provável que se sintam merecedores de um tratamento especial e desprezem recomendações concretas e habituais. Eles esperam se sentir melhor, sem esforço ou risco, e podem se ressentir da expectativa de colaboração.

É importante elogiar e apoiar suas atitudes positivas, para atender suas

expectativas de relacionamento e manter o engajamento no processo terapêutico,

mas de forma estratégica intentando reforçar comportamentos desejados (BECK,

FREEMAN e DAVIS, 2005).

O psicoterapeuta pode sentir repulsa ou desgosto como reação a atitudes

imorais ou exploradoras do paciente narcisista. Ou então pode ficar encantado pela

lisonja deste sujeito aparentemente tão sagaz e poderoso. Ambas as respostas

ameaçam a integridade do tratamento, e exigem a atenção do profissional (BECK,

FREEMAN e DAVIS, 2005).

Caballo (2014, p.190), indica algumas das etapas usadas na terapia cognitiva

para a mudança do paciente narcisista:

1. A mudança de distorções cognitivas que o paciente tem sobre si mesmo

(p.ex., “Sou único e especial e ninguém chega a meus pés”) por outros

pensamentos mais realistas (p. ex., “Toda pessoa é, de algum modo,

única e especial. É possível ser humano, como todo o mundo, sem

deixar de ser único”).

2. A reestruturação por meio de imagens pode ser útil para remover as

imagens narcisistas e substituí-las por fantasias que ponham a ênfase

nas gratificações e prazeres cotidianos que estão ao alcance da mão.

3. A hipersensibilidade à avaliação pode ser abordada por meio da

dessensibilização sistemática e, como exercício específico, o paciente

pode pedir feedback a determinadas pessoas.

4. Detenção e distração do pensamento para acabar com os hábitos de

pensamento sobre o que os outros estão pensando.

5. Treinamento em empatia, com representação e inversão de papéis e

estabelecimento de modos alternativos para lidar com os outros.

6. Utilização das técnicas precisas para a intervenção sobre problemas

específicos, ou associados, como maus-tratos verbais ou físicos,

assédio sexual ou comportamentos de beber ou gastar em excesso. Em

caso de problemas conjugais ou com familiares, é possível utilizar a

terapia de casal ou a terapia familiar.

Page 34: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

33

De acordo com Beck, Freeman e Davis (2005), há três áreas-alvo

importantes da personalidade narcisista a serem trabalhadas:

1. Melhora das habilidades de conquista de objetivos e exame do significado

do sucesso;

2. Consciência dos limites e perspectivas dos outros;

3. Exame de crenças sobre valor pessoal e emoções, bem como a

elaboração de alternativas construtivas.

Diversos instrumentos da terapia cognitivo-comportamental podem ser úteis:

gráficos em formato de pizza para pensarmos em termos mais amplos e para

estabelecer prioridades; role-play para aumentar a empatia; procedimentos de

gradação e revisão de opções para atenuar reações emocionais exageradas a

situações de “insulto narcísico”; estabelecimento de objetivos e persistência em

tarefas progressivas para tratar o excessivo foco nas fantasias; a descoberta

guiada pode ser usada para explorar crenças e suposições de grandeza, e buscar

alternativas mais adaptativas; a hipnoterapia cognitiva para mudança de

esquemas (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).

Conforme Beck, Freeman e Davis (2005, p.220):

Já que os pacientes com TPN temem se expor aos seus sentimentos de inferioridade, devemos fazer o mais rápido possível uma lista concreta de problemas, com base nas dificuldades específicas apresentadas por eles. A ambivalência em relação a estar em terapia pode ser tratada examinando-se os prós e os contras de aproveitar a terapia como uma maneira de lidar com os problemas da lista. [...] Conforme o rapport se desenvolve [...] um instrumento estruturado como o Personality Belief Questionnaire (PBQ) é útil para avaliar crenças narcisistas específicas e sua intensidade. [...] A seguir podem ser exploradas possíveis modificações de crenças centrais.

Conquistar grandes objetivos é fundamental para o senso de valor do

narcisista, porém é provável que o grande esforço e a frustração inerentes a estas

experiências provoquem sentimentos negativos a respeito de si mesmo. A

verdadeira maestria e realização são muitas vezes atrapalhadas por presunção,

excesso de confiança na fantasia, expectativas grandiosas rígidas e esforço

insuficiente. “Mesmo quando existem grandes realizações [...] o significado derivado

desse sucesso continua a ser problemático, pois ele é a medida do valor individual”

(BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p. 221).

Quando o paciente apresenta como problema o fracasso de expectativas e

sonhos, é possível supor que as ruminações comparativas, a minimização da

Page 35: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

34

necessidade de esforço e o desprezo por resultados parciais sejam causados por

expectativas inflexíveis de grandes realizações (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005,

p. 221).

Quando surgem inveja e raiva por não ter conseguido o que fantasia ser seu

direito, uma abordagem útil é concordar quanto às vantagens para o paciente, e

simultaneamente avaliar custos e benefícios do atual comportamento e discutir

alternativas que possam resolver o problema (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p.

221).

Elucidam Beck, Freeman e Davis (2005, p.220):

Se o rapport terapêutico estiver suficientemente bem-estabelecido, o terapeuta talvez queira explorar o raciocínio por trás das crenças de merecimento, questionando delicadamente essa posição e explorando o significado associado à renúncia disso. O que se perde, realisticamente, quando se faz alguma concessão? O que poderemos ganhar se desistirmos de alguma coisa?

Um objetivo fundamental é ajudar o paciente narcisista a melhorar suas

habilidades de intimidade: ouvir, empatizar, importar-se e aceitar a influência dos

sentimentos dos outros. Limites a serem enfocados são os de natureza física,

sexual, social e emocional dos outros, assim como os limites de atenção a si mesmo

e aos demais. Além do mais, julgamentos e comparações podem ser apontados

como “violação de limites emocionais”, e sugeridas como alternativas mais

empáticas uma descrição não-avaliativa e a aceitação (BECK, FREEMAN e DAVIS,

2005.

A inflexibilidade nos julgamentos e decisões e as crenças disfuncionais sobre

si mesmo e os sentimentos constituem outro grupo de questões a serem focadas na

terapia (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p. 221).

Aceitar influências e mudar de opinião podem ser entendidos como sinais de

fraqueza ou perda de poder. É preciso explorar alternativas a essas ideias. Por

exemplo: até pessoas confiantes e bem-sucedidas mudam de posição, quando

certas coisas estão em risco (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).

Quanto aos sentimentos e emoções, o narcisista crê que deve sentir-se à

vontade, feliz e confiante o tempo todo. Alguns pacientes creem que sentir-se mal

significa que são pessoas incapazes e inadequadas, e que pessoas confiantes e

especiais nunca têm de lidar com emoções negativas como decepções, medo,

tristeza ou ansiedade (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p. 221).

Page 36: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

35

Conforme Beck, Freeman e Davis (2005, p.220):

O primeiro passo para a aceitação de experiências emocionais pode ser simplesmente oferecer validação e apoio empático. Segundo, convém salientar que a expectativa de afeto positivo ininterrupto é diretamente autoderrotista, pois cria um contexto em que qualquer sentimento negativo é uma ameaça à autoestima. Além disso, o terapeuta pode chamar a atenção para as atitudes de desprezo ou rejeição do paciente, em relação a certas emoções, observando a natureza avaliativa desses pensamentos automáticos, como “Sou burro e fraco por me sentir magoado” ou “É intolerável que eu não me sinta feliz o tempo todo”. Essas afirmações avaliativas podem também ser exploradas em termos de vantagens e desvantagens de manter a crença, bem como das vantagens e desvantagens de uma posição alternativa, por exemplo acreditar que a gama de emoções é normal e humana, inclusive uma parte da vitalidade e do desafio de viver.

O paciente narcisista normalmente acredita que é muito importante ser

admirado, e caso não seja, seu valor pessoal é duvidoso. Por isso é preciso

examinar e testar tal crença disfuncional por meio do debate socrático e outras

técnicas cognitivas e comportamentais, bem como fortalecer crenças mais

adaptativas, como possíveis fontes alternativas de autoestima. O terapeuta pode

sugerir uma lista de crenças para ajudar o paciente a considerar as possibilidades e

tirar proveito delas (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p. 221).

Beck, Freeman e Davis (2005) listam as seguintes possíveis crenças para

aumentar a autoestima por meio de experiências de compartilhar e pertencer:

“Posso ser humana como qualquer outra pessoa, e ainda ser especial.”

“A autoestima pode vir de participar e pertencer.”

“É bom fazer coisas simplesmente para se divertir, construir

relacionamentos ou contribuir para os outros, sem pensar em

reconhecimento.”

“Eu posso ser comum e feliz.”

“Há recompensas em ser um membro da equipe.”

“Os relacionamentos são experiências, não símbolos de status”.

“A opinião dos outros pode ser válida e útil, mesmo quando nos

incomoda.”

“Todo o mundo é especial de alguma maneira.”

“A superioridade e a inferioridade entre as pessoas são julgamentos de

valor e, portanto, sempre sujeitos à mudança.”

Page 37: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

36

“Eu não preciso de constante admiração e status especial para existir e

ser feliz.”

“Eu posso me sentir bem sendo como outras pessoas, em vez de

sempre ter de ser melhor.”

“O status só será a medida do meu valor, se eu acreditar que isso é

verdade.”

Para manter o progresso adquirido em terapia, convém manter contato com o

paciente em um combinado de consultas periódicas, ainda que tais sessões não

ocorram com grande frequência. Este contato tem o poder de apoiar a persistência

de esforços funcionais e pensamentos adaptativos, além de identificar alguma

possível regressão aos padrões anteriores de grandeza. É possível identificar

prováveis dificuldades e preparar um resumo personalizado de instrumentos úteis,

discutidos em terapia (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).

4.2 A Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista

O enfoque da Terapia Focada no Esquema para os pacientes portadores de

transtorno de personalidade narcisista se baseia nos modos. Tal abordagem

permite construir uma aliança terapêutica com as partes do paciente que lutam por

saúde, e ao mesmo tempo combater as partes disfuncionais, ou seja, as que

produzem isolamento, autodestruição e o prejuízo de outras pessoas (YOUNG,

KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Conforme explicam Young, Klosko e Weishaar (2008, p.48), “Os modos de

operação dos esquemas são os estados emocionais e respostas de enfrentamento –

adaptativos e desadaptativos – que vivenciamos a cada momento”.

Ainda, segundo Young, Klosko e Weishaar (2008, p.48)

Nossa definição revisada de modo de esquema: são os esquemas ou operações de esquemas, adaptativos ou desadaptativos, que estão ativos no indivíduo no momento. Um modo de esquema disfuncional é ativado quando esquemas desadaptativos ou respostas de enfrentamento específicos irrompem em forma de emoções desagradáveis, resposta de evitação ou comportamentos autoderrotistas que assumem o controle do funcionamento do indivíduo.

Page 38: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

37

São observados três modos básicos que caracterizam a maioria dos

pacientes com este transtorno (além do modo adulto saudável, que o terapeuta tenta

fortalecer):

1. Criança solitária

2. Auto-engrandecedor

3. Autoconfortador desligado

Os esquemas centrais da personalidade narcisista são privação emocional

e defectividade, que constituem o modo criança solitária. Já o esquema de

arrogo/merecimento trata-se de uma hipercompensação para os esquemas de

privação emocional e defectividade, e também integra o modo auto-engrandecedor

(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O modo criança solitária quase sempre possui o esquema de privação

emocional junto com a estratégia de enfrentamento da hipercompensação. Para

compensar tal esquema, o narcisista passa a se sentir merecedor (esquema de

arrogo/merecimento atuando por hipercompensação), exigindo muito e dando

pouco em troca às pessoas mais próximas. Como possuem a expectativa de

privação, portam-se de modo exigente para garantir a satisfação de suas

necessidades (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Normalmente o esquema de defectividade integra a personalidade narcisista.

Por sentir-se defeituoso, não permite a aproximação de outras pessoas,

manifestando ambivalência em relação à intimidade, pois a deseja, mas sente-se

desconfortável frente a ela, afastando-a quando começa a recebe-la. Isto demonstra

o conflito entre os esquemas de privação emocional e defectividade. Enquanto a

privação o motiva a aproximar-se das pessoas, a defectividade o motiva a se afastar

delas. Acredita que a exposição de qualquer defeito seu é humilhante e provocaria a

rejeição (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Quando o paciente narcisista não consegue atingir padrões elevados em

público (esquema de padrões inflexíveis/crítica exagerada como

hipercompensação à defectividade), sente-se inferior e envergonhado. Tais

fracassos em geral vão causar depressão e outros sintomas, como ansiedade e

transtornos psicossomáticos. Além do mais, os fracassos costumam produzir novos

esforços de hipercompensação (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Page 39: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

38

Na prática, os nomes dos modos são adaptados a cada paciente. Podemos

chamar a criança abandonada de “criança rejeitada”, “criança ignorada” ou “criança

inadequada”. O auto-engrandecedor pode ser chamado de “competidor”, e o

autoconfortador desligado de “viciado em excitação” (YOUNG, KLOSKO,

WEISHAAR, 2008).

Young, Klosko e Weishaar (2008) observam também outros esquemas

presentes na personalidade narcisista:

Desconfiança/Abuso

Isolamento Social/Alienação

Fracasso

Autocontrole/Autodisciplina insuficientes

Subjugação

Busca de aprovação/reconhecimento

Padrões inflexíveis/Postura hipercrítica

Postura punitiva

Já Behary (2011), lista os seguintes esquemas típicos associados ao

narcisismo, comentado-os:

Privação emocional: Ninguém jamais satisfará suas necessidades.

Desconfiança/abuso: As pessoas só são simpáticas porque desejam

algo dele.

Defecctividade/vergonha: O narcisista se sente indigno de ser amado

e se envergonha de si mesmo.

Subjugação: Controlar ou ser controlado. Deseja o controle.

Padrões rígidos: Deve sacrificar o prazer para fazer as coisas com

perfeição. A espontaneidade ameaça seu sentimento mascarado de

inadequação.

Merecimento/grandiosidade: É a marca registrada do narcisista. Se

sente especial quando é tratado de forma diferente dos outros.

Encobre o sentimento de defectividade.

Autocontrole insuficiente: Recusa-se a aceitar limites e tem baixa

tolerância ao desconforto.

Page 40: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

39

Busca por aprovação: Está buscando constantemente o status e a

admiração. Hipercompensa a solidão e a defectividade.

Em estudo recente apresentado por Isoppo (2012), que demonstra a

manifestação de esquemas desadaptativos remotos em situação clínica de uma

paciente com transtorno de personalidade narcisista, por meio da aplicação da

terapia focada no esquema, fazendo uso do Inventário de Esquemas de Young, os

esquemas mais destacados na paciente foram: inibição emocional, padrões

inflexíveis, desconfiança/abuso, abandono, grandiosidade/arrogo.

Quanto ao modo criança solitária, pode-se afirmar que tais pacientes

sentem-se crianças solitárias somente valorizadas quando engrandecem seus pais.

Pelo fato das necessidades afetivas da criança não terem sido supridas, o narcisista

costuma sentir-se vazio e só. O vínculo mais profundo entre o terapeuta e o paciente

é com este modo (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Este modo carrega a crença do paciente de que ele não merece amor. É

comum tais pacientes crerem que obtiveram sucesso além de suas capacidades

reais. Acreditam que de algum modo enganaram os outros ou tiveram uma incrível

sorte. Sentem no íntimo que não conseguem corresponder às expectativas dos

outros em relação a eles (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Para o narcisista, o oposto de ser especial é ser “na média”. Ser mediano,

normal, comum é sinônimo de fracasso, de ser um “nada”. Esta é a plena

manifestação da distorção cognitiva denominada “pensamento tudo-ou-nada” ou

“pensamento dicotômico”. Ou se tornam o centro das atenções, maravilhosos e

admiráveis, ou são um nada. Isto é consequência da aprovação condicional que

receberam na infância. Se não forem especiais, não serão amados, não terão

companhia, e ficarão sozinhos (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O modo criança solitária é ativado geralmente pela perda de alguma fonte de

afirmação ou status especial. Quando tal modo é ativado, o narcisista tenta voltar

aos outros dois modos o quanto antes: auto-engrandecedor ou autoconfortador

desligado, já que vivenciar a criança solitária é muito doloroso, pois desperta

sentimentos de tristeza, humilhação, e até aversão a si mesmo (YOUNG, KLOSKO,

WEISHAAR, 2008).

Page 41: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

40

Quanto ao modo auto-engrandecedor, este é uma manifestação do

esquema de arrogo/merecimento, e funciona como uma hipercompensação para o

modo criança solitária e seus esquemas de privação emocional e defectividade.

Neste modo, o narcisista é arrogante, competitivo, abusivo e busca o status. O

narcisista vivencia este modo na maior parte do tempo (YOUNG, KLOSKO,

WEISHAAR, 2008).

De acordo com Young, Klosko e Weishaar (2008, p.321)

Como a criança solitária (em geral) se sente defectiva, o auto-engrandecedor tenta demonstrar superioridade. Nesse modo os pacientes portam-se de maneira ávida por admiração e apreciam criticar os outros. Têm tendecia a comportamentos competitivos... [...] O esquema também se manifesta por meio de comportamentos que evitam intimidade, como expressar raiva sempre que se sente vulnerável e controlar o fluxo da conversa, afastando-o de material emocionalmente revelador...

O esquema de arrogo/merecimento leva à postura autocentrada e egoísta

do paciente, insensível aos sentimentos dos outros, despreocupado com

necessidades e direitos alheios, e sentindo-se “especial”. Insiste em fazer tudo o que

deseja, independente do custo a outras pessoas (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR,

2008).

No modo auto-engrandecedor, o narcisista apresenta os seguintes

estilos de enfrentamento: agressividade e hostilidade; dominação e assertividade

excessivas; busca de reconhecimento e status; manipulação e exploração. Nem

todos os pacientes narcisistas vão manifestar estilos de enfrentamento tão extremos.

Há um espectro que vai do relativamente benigno ao maligno. Em um extremo, o

paciente é um sociopata, e no outro, ele é auto-absorto, mas capaz de sentir carinho

e empatia por algumas pessoas (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Quando usam de agressividade e hostilidade, agridem as pessoas que não

atendem suas necessidades emocionais (contrapondo-se ao esquema privação

emocional) ou as pessoas que questionam algumas de suas compensações, o que

pode ameaçar a máscara de superioridade (que serve para contrapor o esquema de

defectividade). Quando usam de dominação e assertividade excessivas, é para

intimidar os outros com o objetivo de manter o controle das situações. Quando

buscam status e reconhecimento, é para obter a admiração alheia, e compensar o

esquema de defectividade. Quando usam de manipulação e exploração, é para

usar os outros em gratificação própria. Sentem-se merecedores para compensar

Page 42: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

41

sentimentos de privação emocional. Conforme Young, Klosko e Weishaar (2008, p.

322) “(Na verdade, vários esquemas são hipercompensações narcísicas: arrogo,

padrões inflexíveis, busca de reconhecimento)”.

Quanto ao modo autoconfortador desligado, esclarecem Young, Klosko e

Weishaar (2008, p.322)

Enquanto estão com outras pessoas, os pacientes com transtorno da personalidade narcisista geralmente estão no modo auto-engrandecedor. Quando estão sós, desconectam-se da admiração resultante da interação com outros, costumam passar ao modo autoconfortador desligado, no qual fecham suas emoções realizando atividades que, de alguma forma, os confortam ou desviam sua atenção daquilo que sentem. [...] sem outros indivíduos para os enaltecer, o modo criança solitária os aflige. Começam a se sentir vazios, entediados e deprimidos. Na ausência de fontes externas de afirmação, a criança abandonada começa a emergir. O modo autoconfortador desligado consiste em uma forma de evitar o sofrimento da criança solitária.

O modo autoconfortador desligado pode assumir várias formas, todas elas

para evitar os esquemas de defectividade e privação emocional, como

comportamentos realizados de forma aditiva e compulsiva: vício pelo trabalho, jogar,

investir especulativamente em ações, esportes perigosos, sexo promíscuo,

pornografia ou sexo pela internet, drogas, em suma, atividades que produzam

estimulação e excitação. Às vezes, o narcisista pode envolver-se com atividades

solitárias mais autoconfortadoras do que estimulantes, como jogos de computador,

comer em excesso, ver tv, ou fantasiar (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

É importante diferenciar o esquema de arrogo no paciente narcisista do

esquema de arrogo primário em pacientes sem esse transtorno de personalidade.

No narcisismo, o esquema de arrogo é secundário, pois surge como

hipercompensação aos esquemas de privação emocional e defectividade. São

pacientes frágeis, que acabam procurando terapia porque uma de suas fontes de

hipercompensação desabou. Já os pacientes com arrogo primário ou puro, não são

frágeis em sua autoestima. Foram crianças simplesmente mimadas, com pais que

estabeleceram poucos limites, e não exigindo que respeitassem os sentimentos e

direitos alheios. Não se sentem emocionalmente privadas, rejeitadas, solitárias ou

defectivas. Portanto, o arrogo nesse caso não tem caráter compensatório (YOUNG,

KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Existem quatro métodos essenciais para avaliação do transtorno de

personalidade narcisista. O primeiro deles é a observação do comportamento do

Page 43: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

42

paciente durante as sessões de terapia. No início do processo terapêutico, os

sintomas mais comuns são comportamentos de arrogo: cancelar sessões de última

hora ou chegar atrasado e ainda assim esperar ter uma sessão completa, questionar

as credenciais do terapeuta a fim de se certificar se ele é “bom o suficiente” para

atendê-lo, tentar impressioná-lo comentando sobre seus dons e feitos, esperar

retornos imediatos de seus telefonemas, pedir horários não-razoáveis com

frequência, reclamar do consultório, idealizar o terapeuta para depois desqualificá-lo

etc. Outro sinal é a tendência a culpar os outros por seus problemas. E um último

sintoma é que o paciente não demonstra empatia, principalmente por pessoas

significativas, incluindo o psicoterapeuta (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O segundo método de avaliação é observar a natureza do problema

apresentado incialmente e o histórico do paciente. Um motivo comum para

busca de tratamento são crises de natureza pessoal ou profissional, porque alguém

importante para eles os rejeita ou reprova como efeito de seu próprio

comportamento autocentrado. Eventualmente procuram tratamento porque alguém

os forçou a isso: parceiros ou outros parentes, chefes, o sistema judicial. Outro

motivo para buscar a terapia é uma sensação de vazio. Ainda que tenham sucesso,

resta um vácuo que não está preenchido: as necessidades emocionais não-

satisfeitas da criança solitária. São vidas carentes de vínculos íntimos e

espontaneidade (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O fracasso na vida pessoal e/ou profissional é outro motivo comum para

busca de tratamento. O paciente falhou em alguma área da vida que servia de

hipercompensação, e agora experimenta humilhação e falta de ânimo. Ele procura

ajuda para reconstruir suas fontes de hipercompensação, mas o terapeuta não pode

apoiar isso, pois precisa aliar-se não ao modo auto-engrandecedor, mas sim aos

modos criança solitária e adulto saudável (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR,

2008).

Outras vezes, o narcisista procura tratamento em decorrência de problemas

com o modo autoconfortador desligado: vício em jogos, abuso de drogas, álcool,

sexo irresponsável, e outras ações impulsivas e compulsivas (YOUNG, KLOSKO,

WEISHAAR, 2008).

Page 44: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

43

A insatisfação com o casamento é também outro motivo para a busca da

terapia: por exemplo, podem querer ajuda para decidir se deixam um casamento

para ficar com a amante (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O terceiro método de avaliação é observar a descrição de sua infância e a

sua resposta a exercícios com imagens mentais. Normalmente o narcisista não

consegue responder com precisão a questões que busquem explorar temas mais

profundos de sua infância. É comum que se oponham a participar de exercícios com

imagens sobre a infância que envolvam emoções dolorosas (com exceção da raiva),

pois resistem a mudar para o modo criança solitária (YOUNG, KLOSKO,

WEISHAAR, 2008).

Finalmente, o quarto método de avaliação consiste na aplicação do

Questionário de Esquemas de Young e de outros instrumentos de avaliação

(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

De acordo com Young, Klosko e Weishaar (2008, p.331 e 332)

Encontramos um perfil constante em pacientes com transtorno de personalidade narcisista no Questionário de Esquemas de Young. Geralmente, eles apresentam altos escores em arrogo, padrões inflexíveis e autocontrole/autodisciplina insuficientes, e baixos escores em quase todo o resto. Esse perfil atesta o poder desses pacientes para a hipercompensação e evitação. Em grande parte, não estão conscientes de seus esquemas de privação emocional e defectividade, assim como outros esquemas.

Estes pacientes normalmente costumam ser capazes de identificar o lado

negativo do tratamento recebido pelos pais na infância por meio do Inventário

Parental de Young. Também costumam ter pontuações altas no Inventário de

Compensação de Young, já que apresentam muitas ações compensatórias

(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Conforme elucidam Young, Klosko e Weishaar (2008, p.335):

O objetivo principal do tratamento é fortalecer o modo adulto saudável do paciente, a partir do modelo oferecido pelo terapeuta, capaz de fazer reparação parental da criança solitária e de lutar com os modos auto-engrandecedor e autoconfortador desligado. Almeja-se maior vulnerabilidade com menos hipercompensação e menos evitação. Mais especificamente, o objetivo do tratamento é auxiliar o paciente a construir um modo adulto saudável para:

1. Ajudar a criança solitária a se sentir cuidada e compreendida, e a

cuidar e empatizar com outras pessoas.

2. Confrontar o auto-engrandecedor de forma que o paciente abdique

da necessidade excessiva de aprovação e trate os outros com

base na reciprocidade, à medida que a criança solitária receber

mais amor verdadeiro.

Page 45: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

44

3. Ajudar o autoconfortador desligado a abrir mão dos comportamentos

aditivos e evitativos e substitui-los por amor verdadeiro, auto-

expressão e vivência de sentimentos.

O psicoterapeuta auxilia o paciente a constituir relações íntimas autênticas,

primeiramente com o próprio terapeuta e depois com pessoas próximas. Conforme a

criança solitária recebe amor e empatia, o paciente vai perdendo a necessidade de

substituir o amor verdadeiro por admiração, e de se comportar com os outros de

modo desqualificativo ou egoísta. Os modos auto-engrandecedor e autoconfortador

desligado vão gradativamente diminuindo e desaparecendo. Em suma: o foco

fundamental desta terapia está nos relacionamentos íntimos, tanto com o terapeuta

quanto com as outras pessoas significativas na vida do paciente (YOUNG, KLOSKO,

WEISHAAR, 2008).

A seguir são descritas as etapas graduais do processo psicoterapêutico com

pacientes narcisistas, baseadas nas posturas e intervenções do terapeuta (YOUNG,

KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Primeiramente, o terapeuta toma as atuais queixas do paciente como

base para a ação terapêutica. Ou seja: se esforça para manter o paciente em

contato com o seu sofrimento emocional (vazio interior, sentimentos de defectividade

e solidão), pois assim que o sofrimento desaparece, o paciente abandona o

tratamento. O desconforto emocional pode servir de base para manter o paciente

motivado a continuar a terapia e tentar mudar. O terapeuta também trabalha com os

efeitos indesejados do comportamento narcisista do paciente, como a rejeição das

pessoas amadas e reveses profissionais, além de outras perdas e consequências

negativas inevitáveis caso não ele mude (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O psicoterapeuta constitui um vínculo com a criança solitária. Na relação

terapêutica, o profissional tenta criar um espaço em que o paciente se sinta cuidado

e valorizado incondicionalmente (sem ter de ser perfeito ou especial), e no qual ele

cuide e valorize o terapeuta, sem que este também tenha de ser “perfeito” ou

“especial”. O narcisista normalmente não tem consciência de seus problemas com a

intimidade. Na relação terapêutica, ele começa a perceber o quão difícil é aproximar-

se das pessoas. Em contraste com o pai ou com a mãe, que alimentavam o modo

auto-engrandecedor, o terapeuta apoia a criança solitária, e ajuda o paciente a

suportar a dor de estar nesse modo, sem mudar para os outros modos. Por meio da

Page 46: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

45

“reparação parental limitada”, o terapeuta oferece um antidoto parcial aos esquemas

do paciente. A mensagem é: “É com você que me preocupo, e não com seu

desempenho ou aparência.” (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Com tato, o psicoterapeuta confronta o comportamento arrogante ou

desafiador do paciente narcisista. Conforme explicam Young, Klosko e Weishaar

(2008, p.337):

Mais cedo ou mais tarde, a maioria dos pacientes com transtorno de personalidade narcisista começa a tratar seus terapeutas da mesma forma como trata a todas as pessoas – com ar de superioridade ou desafiadoramente. O paciente começa a desvalorizar o terapeuta. É importante que ele o enfrente quando isso acontece, ou perderá o respeito do paciente. [...] É importante que o terapeuta enfrente o paciente, mas por meio do confronto empático. Ele pode dizer coisas como:

‘Sei que você não tem intenção de me machucar, mas quando fala comigo assim, parece que está tentando fazer isso.’ ‘Quando você fala comigo nesse tom de voz, me sinto distante de você, mesmo que saiba que você está chateado e precisa contar comigo.’ ‘Quando fala comigo de forma tão degradante, você faz com que eu me afaste, e dificulta que eu dê o que você precisa.’

Com tato, o psicoterapeuta comunica seus direitos sempre que o

paciente narcisista os ferir. Young, Klosko e Weishaar (2008), indicam algumas

diretrizes para estabelecer limites ao paciente narcisista:

1. O terapeuta empatiza com o ponto de vista narcisista e com

discernimento confronta o arrogo. Ou seja, o terapeuta demonstra que

entende suas razões, mas comunica que seu comportamento afeta os

outros.

2. O terapeuta não se defende ou reage aos ataques quando o paciente o

desvaloriza. O terapeuta não se perde no conteúdo dos ataques, mas

se concentra no processo do que está ocorrendo, no fato de que o

paciente o desqualifica para evitar suas próprias emoções.

3. O terapeuta afirma seus direitos de maneira não-punitiva.

4. O terapeuta não permite que o paciente o intimide para que faça algo

que não queira fazer.

5. O terapeuta estabelece que a relação terapêutica é mutua e baseada

na reciprocidade, e não em um princípio do tipo “senhor e escravo”.

Page 47: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

46

6. O terapeuta procura evidências de vulnerabilidade e as aponta cada

vez que ocorrem.

7. O terapeuta se coloca acima dos incidentes e solicita que o paciente

explore a motivação subjacente às afirmações baseadas em arrogo,

auto-engrandecedoras, desvalorizadoras ou evitativas. Ao invés de se

envolver com o conteúdo das discussões, ele foca a forma como o

paciente se comporta e efeito desse comportamento sobre os outros.

8. O terapeuta busca temas narcísicos comuns e os aponta ao paciente:

comportamento competitivo, arrogante, superior, comentários

condenatórios e avaliativos, afirmações que enfatizem aparência ou

desempenho e não qualidades internas como amor e realização.

9. O terapeuta nomeia as afirmações que parecem representar os modos

auto-engrandecedor ou autoconfortador desligado.

O terapeuta demonstra vulnerabilidade, para mostrar que é aceitável ser

vulnerável. Ao invés de parecer perfeito, o terapeuta reconhece sua vulnerabilidade,

dizendo quando seus sentimentos foram feridos na sessão, e admitindo erros

prontamente. De modo geral, é melhor que os terapeutas mostrem vulnerabilidade à

medida em que as sessões avançam, e não nas primeiras sessões, pois isso pode

ser interpretado como sinal de fraqueza para lidar com seu comportamento difícil

(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O terapeuta introduz a noção de modo criança solitária. Young, Klosko e

Weishaar (2008, p. 344), explicam:

O terapeuta sugere ao paciente que, em seu íntimo, há uma criança solitária – uma parte nuclear do paciente que se sente vulnerável, assustada, inadequada e perdida. O terapeuta reforça a vulnerabilidade do paciente, ao mesmo tempo em que continua a apontar os modos auto-engrandecedor e autoconfortador desligado.

O terapeuta explora as origens infantis dos modos por meio do trabalho

com imagens mentais, especialmente o modo criança solitária. Quando o paciente

já estiver consciente dos modos, o profissional passa a explorar suas origens

infantis. Antes deve ser superada a resistência do paciente em relação a este

exercício (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Page 48: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

47

O terapeuta faz trabalho com modos com o paciente, ou seja, o auxilia a

identificar e dar nomes aos seus modos e, após isso, a criar conversas entre eles

(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O terapeuta explora as funções de adaptação dos modos de

enfrentamento. Por exemplo, ao auxiliar o paciente a ter acesso ao modo

autoconfortador desligado (já devidamente nomeado), o terapeuta o ajuda a

compreender que tal modo existe para tirar o foco dos sentimentos de vazio, solidão

e tristeza do modo criança solitária. E também ajuda a aprofundar essa

compreensão: o autoconfortador desligado não gosta muito de outras pessoas, não

gosta de pensar em seus problemas, não gosta de pensar nos motivos pelos quais

faz o que faz. Isso cria conexão emocional entre o paciente e seus modos (YOUNG,

KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O terapeuta ensina os modos a negociar nos diálogos de esquema. Esta

é uma função do modo adulto saudável: orientar negociações entre os modos. O

modo adulto saudável tem por escopo superar os modos auto-engrandecedor e

autoconfortador desligado na função de proteger a criança solitária, e suprir suas

necessidades emocionais (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

O terapeuta faz a conexão entre a criança solitária e os atuais

relacionamentos íntimos do paciente. Young, Klosko e Weishaar (2008, p. 352),

esclarecem, ao comentar o atendimento a um paciente narcisista chamado Carl

(cujos modos Carl Desligado representam os modos autoconfortador desligado e

auto-engrandecedor, e Carlzinho representa a criança solitária) casado com

Danielle:

O terapeuta ajuda a criança solitária a se conectar com pessoas importantes por meio de imagens. O Dr. Young trabalha para convencer o Carl Desligado a deixar o Carlzinho emergir frente à Danielle, para dar e receber amor. Isso também é benéfico para o Carl Desligado, porque amor constitui algo que ele deseja ainda mais do que jogar e vencer. Em nosso modelo, os modos de enfrentamento desadaptativo – nesse caso, o autoconfortador desligado e o auto-engrandecedor - também querem amor. Esses modos não estão presentes para ferir o paciente, e sim para protege-lo. Quando convencidos de que a criança solitária esta a salvo, permitem que ela se mostre.

O terapeuta auxilia o paciente no processo de generalização de

mudanças alcançadas em terapia, para a vida fora dela. O final do processo

psicoterapêutico consiste em ajudar o paciente a generalizar os avanços, a partir da

Page 49: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

48

relação terapêutica e dos exercícios com imagens nas sessões. O terapeuta auxilia

o paciente a escolher pessoas dispostas ao cuidado mútuo e ao vínculo afetivo. E o

estimula a permitir que a criança solitária apareça nesses relacionamentos, para dar

e receber amor verdadeiro. Young, Klosko e Weishaar (2008, p. 353),

complementam: “A fim de ajudar os pacientes a estender as mudanças obtidas na

terapia a seus relacionamentos externos, a terapia de casal costuma ser um recurso

útil, sobretudo nesta etapa do tratamento”.

O terapeuta introduz no início do tratamento estratégias cognitivo-

comportamentais, que podem ajudar o paciente nas fases de avaliação e

mudança. As tarefas de casa são essenciais para ajudar o paciente a superar seus

estilos de evitação e hipercompensação que perpetuam seus esquemas

desadaptativos. Young, Klosko e Weishaar (2008, p. 353), ensinam: “Ao anotar seus

pensamentos automáticos quando incomodados, os pacientes podem aprender a

identificar e corrigir distorções cognitivas”. As distorções mais comuns a esse tipo de

paciente são:

1. Pensamento “tudo-ou-nada”. Os recursos da terapia cognitiva auxiliam

o paciente a corrigir esta distorção que se dá no modo auto-

engrandecedor: “Sou especial e o centro das atenções ou não valho

nada e sou ignorado”.

2. Distorções sobre ser desvalorizado e privado por outros. O terapeuta

sugere um teste de realidade quando os pacientes se sentem

afrontados e afirma o princípio da reciprocidade nas relações: não

devem esperar dos outros aquilo que eles próprios não se dispõem a

dar.

3. Perfeccionismo. O terapeuta ajuda o paciente a indagar-se sobre seu

perfeccionismo, estabelecendo expectativas mais realistas para o seu

desempenho e o dos outros.

4. Supervalorizar a gratificação narcísica em detrimento da satisfação

interior. O paciente é auxiliado a avaliar as vantagens e desvantagens

de enfatizar o status em detrimento do amor verdadeiro e da auto-

expressão.

Page 50: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

49

Podem ser elaborados cartões como lembretes das consequências

negativas do comportamento narcisista e dos efeitos positivos da prática da

“bondade amorosa”. O terapeuta sugere experimentos comportamentais para

investigar os efeitos dos comportamentos arrogantes nas relações íntimas. A

técnica da seta descendente é útil para auxiliar o paciente na identificação das

crenças inconscientes que causam sua busca de gratificação narcísica. Entre

sessões, os pacientes leem cartões para lembrar o que aprenderam no trabalho

cognitivo. Outro experimento comportamental é sugerir ao paciente que fique

alguns momentos sozinho, sem recorrer a nada para distraí-los ou estimula-los, a

fim de conhecer e compreender a criança solitária. Nesse caso, pensamentos e

sentimentos são anotados e levados para discussão em terapia. Em situações

sociais, os pacientes podem realizar experimentos nos quais resistem a passar ao

modo auto-engrandecedor, e focam em serem observadores, ou em escutar outras

pessoas. Finalmente, e provavelmente o mais importante, o paciente trabalha para

desenvolver seus relacionamentos íntimos. Realizam exercícios de dar carinho a

outras pessoas e praticar empatia (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).

Page 51: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

50

5. DISCUSSÃO

Muito embora o transtorno de personalidade narcisística não seja

propriamente uma novidade no campo da psicopatologia, e considerando que a

terapia cognitiva inaugurada por Beck e colaboradores na década de 1960 vem se

desenvolvendo rapidamente em pesquisas ao longo das últimas décadas, - gerando

inclusive outras abordagens para enfrentamento dos desafios da clínica

psicoterapêutica -, ainda assim durante a presente pesquisa foram encontrados

poucos artigos em português abordando o tratamento cognitivo deste distúrbio. Os

trabalhos de maior peso estão publicados nas obras literárias de Beck, Freeman e

Davis (2005) e de Young, Klosko e Weishaar (2008), os quais serviram de principal

referência para o presente estudo.

A terapia cognitiva, no caso dos transtornos de personalidade em geral e

neste transtorno em específico, teve de passar por adaptações, tendo em vista que

tal patologia é crônica e deveras resistente, integrando o modo de ser do sujeito (sua

personalidade). Este na maioria das vezes não faz a menor ideia das causas

cognitivas dos problemas que o afligem, tendo em vista que faz grande uso das

estratégias da hipercompensação e da evitação, para não entrar em contato com a

dor emocional subjacente a suas crenças centrais.

Neste caso, a duração da terapia cognitivo-comportamental beckiana é maior

do que as terapias para psicopatologias mais comuns, e exige um treinamento mais

aprofundado por parte do terapeuta, além de terapia pessoal, pois não é incomum

sentimentos de ojeriza ou encantamento com esse tipo de paciente, que acabam

comprometendo a integridade do tratamento. É comum que o paciente narcisista

ative crenças disfuncionais em seus terapeutas.

De modo geral, a terapia cognitiva irá fazer uso dos mesmos conceitos e

instrumentos utilizados em qualquer terapia beckiana: entrevista e instrumentos

objetivos de avaliação, conceitualização cognitiva do caso, plano de tratamento,

sessões estruturadas, agenda de sessão, debate socrático, descoberta guiada,

registros de pensamentos disfuncionais, imagens mentais, role play, gráfico em

forma de pizza, estabelecimento de objetivos etc.

Todavia, a experiência de Beck e seus colaboradores permite afirmar

algumas especificidades que integram a estrutura cognitiva do paciente narcisista, a

Page 52: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

51

saber: sua crença central de inferioridade e insignificância, bem como a crença

manifesta de superioridade.

Olhando tal estrutura cognitiva com mais proximidade, podem-se localizar

algumas crenças intermediárias bastante comuns, como: a crença de que algumas

circunstâncias e recursos são evidência de superioridade; a crença de que os outros

são instrumentos na busca de admiração, prestígio e satisfação pessoal; a crença

de que o poder e o merecimento são evidência de status especial; a crença de que

“imagem é tudo”; a crença de que o paciente faz muitas contribuições meritórias aos

outros; a crença de que emoções negativas como tristeza, culpa e incerteza são

evidências de fraqueza pessoal;

Para reforçar suas crenças auto-engrandecedoras e evitar experiências

desconfortáveis ou de vulnerabilidade, o narcisista adota estratégias de auto-reforço

buscando refoçar seu poder e importância ao pedir feedbeck elogioso ou sendo

arrogante, auto-expansão ao buscar acumular símbolos de status, e autoproteção

para repelir ameaças à autoimagem grandiosa.

As três áreas-alvo fundamentais na personalidade narcisista, a serem

trabalhadas em psicoterapia são: a melhora das habilidades de conquista de

objetivos e exame do significado do sucesso; a consciência dos limites e

perspectivas dos outros; e o exame de crenças sobre valor pessoal e emoções, bem

como a elaboração de alternativas mais saudáveis.

Tendo em vista que este paciente teme expor suas crenças de inferioridade, a

terapia cognitiva adota a estratégia de fazer uma lista de problemas concretos a

serem atacados com base em suas queixas, a fim de mantê-lo motivado a continuar

no processo terapêutico.

Suas expectativas rígidas quanto a grandes realizações precisam ser

flexibilizadas em terapia, já que costumam causar ruminações comparativas, a

subestimação da necessidade de esforço e o desprezo por resultados parciais.

Necessário também se faz explorar o raciocínio por detrás das crenças de

merecimento, outro tipo de cognição muito rígida nos narcisistas.

Outro foco a ser atacado é a rigidez nos julgamentos e decisões, além da

crença de que sentimentos negativos (com exceção da raiva) são típicos de pessoas

fracassadas.

Page 53: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

52

Assim como na terapia do esquema, é de fundamental importância ajudar o

paciente a desenvolver habilidades de intimidade e empatia, além da noção de

limites dos outros.

Finalmente, é essencial explorar o significado do sucesso e da admiração,

além da influência destas em sua autoestima. Neste caso o terapeuta pode debater

crenças mais funcionais com o paciente, para que este vá aos poucos

enfraquecendo a crença de que, caso não conquiste grande sucesso e admiração,

seu valor pessoal é duvidoso.

Já a Terapia Focada no Esquema foca seu trabalho com pacientes narcisistas

nos modos de operação dos esquemas.

Três são os modos fundamentais que caracterizam este tipo de paciente,

além do modo adulto saudável: a criança solitária (ativa os esquemas de privação

emocional e defectividade/incapacidade de ser amado), o auto-engrandecedor (ativa

o esquema de arrogo/merecimento) e o autoconfortador solitário (ativa o esquema

de autodisciplina/autocontrole insuficientes). Na prática, os nomes dos modos são

adaptados a cada paciente.

Estes dois últimos modos têm a função de proteger o paciente (ainda que

disfuncionalmente) do sofrimento da criança solitária. Tal proteção se dá pelos

estilos de enfrentamento da hipercompensação e da evitação, que caracterizam tais

modos disfuncionais. Pela expectativa de privação, o narcisista já se coloca de modo

exigente para garantir a satisfação de suas necessidades. E quando não está na

presença dos outros, o modo autoconfortador surge para impedir que eclodam os

esquemas de privação e defectividade, que produzem sentimentos de solidão,

tristeza e vazio.

Os esquemas de privação emocional e defectividade põem o paciente

narcisista em situação de ambivalência quanto à intimidade, pois ele a deseja e a

repele, por medo da rejeição que seria causada pela exposição de seus “defeitos”

numa situação de muita proximidade pessoal.

Quando não consegue atingir níveis elevados de desempenho em público

(exigência demandada pelos esquemas de arrogo e de padrões inflexíveis de

realização), tal paciente sente-se fracassado e deprimido. Os fracassos costumam

levar a novos esforços de hipercompensação.

Page 54: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

53

São observados também outros esquemas na personalidade narcisista:

desconfiança, isolamento, fracasso, autocontrole/autodisciplina insuficientes,

submissão, busca de aprovação, postura punitiva.

O vínculo mais profundo entre terapeuta e paciente se dá no modo criança

solitária. Tal modo expressa a crença do paciente de que não merece amor. Quando

a criança solitária se manifesta, o modo auto-engrandecedor tenta demonstrar

superioridade.

O esquema de arrogo leva à postura egoísta do paciente e à insensibilidade

quanto aos sentimentos alheios. Tal esquema está presente no modo auto-

engrandecedor, que irá apresentar os seguintes estilos de enfrentamento:

agressividade e hostilidade; dominação e assertividade excessivas; busca de

reconhecimento e status; manipulação e exploração.

Já o modo autoconfortador desligado irá se manifestar de forma a evitar a

criança solitária por meio de comportamentos aditivos, compulsivos, de natureza

mais estimulante (drogas, sexo, investir em ações, jogos de azar, esportes radicais),

ou por meio de comportamentos mais propriamente autoconfortadores (jogar no

computador, ver tv, comer, fantasiar).

Há quatro métodos básicos de avalição do paciente: observar seu

comportamento nas sessões, observar a natureza da queixa inicial e o histórico,

observar a descrição da infância e a resposta a exercícios de imagens mentais,

aplicar o Questionário de Esquemas de Young e outros instrumentos.

O objetivo do tratamento é auxiliar o paciente a construir um modo adulto

saudável para: ajudar a criança solitária a se sentir cuidada e compreendida;

confrontar o auto-engrandecedor de forma que o paciente abdique da necessidade

excessiva de admiração; ajudar o autoconfortador desligado a abrir mão dos

comportamentos aditivos e evitativos.

O processo terapêutico se dá com o terapeuta realizando gradualmente as

seguintes intervenções:

1. Toma as atuais queixas do paciente como base para a ação

terapêutica;

2. Introduz estratégias cognitivo-comportamentais para ajuda-lo nesta

fase de avaliação e mudança;

3. Constitui um vínculo com a criança solitária;

Page 55: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

54

4. Confronta o comportamento arrogante ou desafiador do paciente;

5. Comunica seus direitos sempre que o paciente narcisista os ferir;

6. Demonstra vulnerabilidade, para mostrar que é aceitável ser

vulnerável;

7. Introduz a noção de modo criança solitária;

8. Explora as origens infantis dos modos por meio do trabalho com

imagens mentais;

9. Faz trabalho com modos com o paciente;

10. Explora as funções de adaptação dos modos de enfrentamento;

11. O terapeuta ensina os modos a negociar nos diálogos de esquema;

12. Faz a conexão entre a criança solitária e os atuais relacionamentos

íntimos do paciente;

13. Auxilia o paciente no processo de generalização de mudanças

alcançadas em terapia, para a vida fora dela.

Page 56: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

55

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto a terapia cognitivo-comportamental desenvolvida por Beck e

colaboradores, quanto a Terapia Focada no Esquema desenvolvida por Young e

colaboradores demonstraram colaborar, cada qual a seu modo e de maneira efetiva,

no tratamento do transtorno de personalidade narcisística.

Ambas as abordagens demandaram adaptações para o tratamento do

transtorno de personalidade narcisista, tendo em vista os desafios e dificuldades no

atendimento deste tipo de paciente.

É importante salientar que, muito embora a terapia focada no esquema seja

uma adaptação da terapia cognitivo-comportamental para pacientes com transtornos

de personalidade e outros casos difíceis, tendo construído uma metodologia própria

para tratar a personalidade narcisista, ainda assim tal abordagem não prescinde dos

métodos e técnicas cognitivo-comportamentais beckianos já consagrados por ampla

pesquisa científica ao longo das últimas décadas.

Finalmente, o autor esclarece que não se trata de esgotar o tema, mas abri-lo

a novas pesquisas, tendo em vista que dados empíricos acerca do tratamento deste

transtorno são escassos em comparação aos produzidos na investigação de outras

psicopatologias, não permitindo ainda um consenso na comunidade científica.

Page 57: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

56

REFERÊNCIAS

BECK, Aaron T.; FREEMAN, A.; DAVIS, Denise D. Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade; tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2005. BEHARY, Wendy T. Ele se acha o centro do universo: sobreviva a um narcisista despertando nele o interesse por você, sua vida e seus sentimentos; tradução Fátima Santos. Rio de Janeiro: BestSeller, 2011. CABALLO, Vicente E. Manual de transtornos da personalidade: descrição, avaliação e tratamento; tradução Sandra M. Dalinksy. São Paulo: Santos, 2014. CAMPELOS, José Carlos Pereira; QUEIRÓS, José Maria Leão Ferreira; Universidade do Porto. Comparação do método de diagnóstico da perturbação de personalidade narcisista usado no “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Eedition” (DSM-IV) com o proposto para o “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Eedition” (DSM-V). 2013. Dissertação (Mestrado). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas – Coord. Orgniz. Mund. da Saúde ; tradução Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais – 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. ISOPPO, Graziella Sanco de Lima; PACHECO, Janaína Thaís Barbosa; Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Terapia focada em esquemas e personalidade narcisista: um entendimento acerca deste transtorno. 2012. Monografia (Especialização). Manual de diagnóstico e estatística dos transtornos mentais, 5 ed. (DSM-5). Associação Americana de Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2015. MECLER, Katia. Psicopatas do cotidiano: como reconhecer, como conviver, como se proteger. 1. ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2015. WRIGHT, Jesse H.; BASCO, Monica R.; THASE, Michael E. Introdução à terapia cogintivo-comportamental; tradução Mônica Giglio Armando. Porto Alegre: Artmed, 2008. YOUNG, Jeffrey E. Terapia cognitiva para transtornos da personalidade: uma abordagem focada no esquema; tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2003.

Page 58: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

57

YOUNG, Jeffrey E.; KLOSKO, Janet S.; WEISHAAR, Marjorie E. Terapia do esquema: guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras; tradução Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Page 59: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. ... Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias

58

Termo de Responsabilidade Autoral

Eu, Daniel Lavorato, afirmo que o presente trabalho e suas devidas

partes são de minha autoria e que fui devidamente informado da responsabilidade

autoral sobre seu conteúdo.

Responsabilizo-me pela monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso de

Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental, sob o título “Contribuições da Terapia

Cognitiva e da Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista”, isentando,

mediante o presente termo, o Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC),

meu orientador e co-orientador de quaisquer ônus consequentes de ações atentatórias à

"Propriedade Intelectual", por mim praticadas, assumindo, assim, as responsabilidades civis e

criminais decorrentes das ações realizadas para a confecção da monografia.

São Paulo, _____ de Dezembro de 2016.

___________________________ DANIEL LAVORATO