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CURSO DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL (NOITE) Nº 05 DATA 08/08/2016 DISCIPLINA DIREITO PENAL PARTE GERAL PROFESSOR FRANCISCO MENEZES MONITOR LUIZ FERNANDO PEREIRA RIBEIRO AULA 02 Considerações Iniciais: Na Primeira da aula, foram abordados os principais princípios fundamentais do direito penal com todas as suas particularidades e nuances, sendo o conhecimento desses de suma importância para avançar no estudo da matéria. Dando continuidade no Tópico I da Ementa, nesta aula iniciaremos o estudo da Teoria da Norma, tratando sobre a Lei penal no tempo, Lei penal no Espaço, e de forma geral, ás regras para aplicação da lei penal. 1)LEI PENAL NO TEMPO Introdução Trata-se do estudo acerca da sucessão de leis penais e seus efeitos nos delitos já praticados. A todo o momento, o legislador introduz novas normas incriminadoras no ordenamento jurídico ou alteram as já existentes, ocorrendo, em relação ao fato praticado, aquilo que chamamos de sucessão de leis no tempo. O nosso código penal trouxe a matéria delineada nos artigos 1º á 4º, que assim dispõem: “Anterioridade da Lei Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Lei penal no tempo Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Lei excepcional ou temporária Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência Tempo do crime Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

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CURSO – DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL (NOITE) Nº 05 DATA – 08/08/2016 DISCIPLINA – DIREITO PENAL – PARTE GERAL PROFESSOR – FRANCISCO MENEZES MONITOR – LUIZ FERNANDO PEREIRA RIBEIRO AULA 02

Considerações Iniciais:

Na Primeira da aula, foram abordados os principais princípios fundamentais do direito penal com

todas as suas particularidades e nuances, sendo o conhecimento desses de suma importância

para avançar no estudo da matéria.

Dando continuidade no Tópico I da Ementa, nesta aula iniciaremos o estudo da Teoria da Norma,

tratando sobre a Lei penal no tempo, Lei penal no Espaço, e de forma geral, ás regras para

aplicação da lei penal.

1)LEI PENAL NO TEMPO

Introdução

Trata-se do estudo acerca da sucessão de leis penais e seus efeitos nos delitos já praticados.

A todo o momento, o legislador introduz novas normas incriminadoras no ordenamento jurídico ou

alteram as já existentes, ocorrendo, em relação ao fato praticado, aquilo que chamamos de

sucessão de leis no tempo.

O nosso código penal trouxe a matéria delineada nos artigos 1º á 4º, que assim dispõem:

“Anterioridade da Lei Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Lei penal no tempo Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Lei excepcional ou temporária Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência Tempo do crime Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

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Existem duas linhas mestras acerca desta matéria (princípios já estudados na aula 01):

Princípio da Anterioridade

Sendo garantia (corolário) do Princípio da legalidade, possui base no artigo 5º, XXXIX, da

Constituição Federal/88, bem como inaugura do Código Penal.

“Art. 5º... XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;” “Art. 1º Código Penal - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”

A essência deste princípio fundamental é que, se não há crime sem lei anterior que o defina, nem

pena sem prévia cominação legal, a lei penal que prejudique o réu deve ser anterior ao fato

praticado.

Aplica-se a toda norma penal que tenha conteúdo de direito material (própria do direito penal que

influi no poder punitivo do estado) que prejudique o acusado. Portanto, toda norma penal que

tenha conteúdo material que prejudique o acusado deve respeitar este princípio.

Não se fala aqui somente da nova norma incriminadora, mas também a “novatio legis in pejus (Lei

nova que prejudica o agente)”.

Ex: Em 2012, a lei 12.650/12, acrescentou o inciso V ao artigo 111 do Código penal, que se refere

ao termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final nos crimes contra a

dignidade sexual de crianças e adolescentes.

Art. 1o O art. 111 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso V: “Art.111. ....................................................................................................................... ....................................................................................................................................... V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.”

Perceba que este fato piora a situação do agente no âmbito do direito penal, pois dele afasta uma

causa de extinção da punibilidade, abrangendo o âmbito do poder punitivo estatal. Temos com

isso que, tal norma só pode ser aplicada aos crimes contra a dignidade sexual de crianças e

adolescentes praticados após sua entrada em vigor, sendo os anteriores não obrigados á sua

observação.

Princípio da Retroatividade da Lei Penal Benéfica.

Base Normativa: Art 5º, XL, CF/88 e art. 2º do Código Penal.

“Art. 5º, XL, da Constituição Federal:- a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; Art. 2º do Código Penal - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.”

A lei penal que de qualquer modo beneficia o réu no campo do direito material deve retroagir para

alcançar os fatos anteriores a sua vigência. Note que se a inovação legislativa beneficiar o réu no

campo do direito material deve lhe ser aplicada pela prática de seus atos anteriores.

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Ex: Norma que diminui o prazo prescricional, que cria um benefício, que deixa a pena mais branda

ou dificulta a punibilidade estatal.

Ocorre aqui a chamada “Novatio legis in mellius” (Nova lei que beneficia o agente) ou a

“Reformatio legis in mellius”.

Importante: A Lei penal que beneficia o réu (“Lex Mitior”) possui dois atributos que não são

compartilhados pela lei penal que prejudica o acusado (“Lex gravior”):

A lei benéfica possui RETROATIVIDADE, pois é aplicável aos crimes praticados antes da sua

vigência, e possui ULTRATIVIDADE quanto aos crimes praticados durante a sua vigência sempre

que for substituída por uma lei mais grave. Este fenômeno é chamado de EXTRATIVIDADE da lei

penal.

Vamos exemplificar:

- A Lei ‘1’ previa uma pena de 1 á 4 anos de reclusão para o crime ‘X’. Com o advento da Lei ‘2’, a

pena desse crime diminuiu para 6 Meses á 2 Anos. Diante disso, conclui-se que a Lei ‘2’ terá

retroatividade em relação aos fatos praticados na vigência da lei ‘1’ por ser mais benéfica ao

agente.

- Lei 1 previa pena ‘de 1 a 4 anos’ de reclusão para o crime X. Com o advento da Lei ‘2’, a pena

desse crime foi agravada para 2 a 5 anos’. Como a lei ‘1’ é mais benéfica ao agente, terá

ultratividade para continuar regendo as condutas praticadas durante sua vigência.

Observações importantes sobre o tema

Obs 1: Caso hipotético: Vamos imaginar que Tício adquira grande quantidade de drogas e as

mantém em depósito por 6 meses (02/01/2016 – 02/07/2016), para futuro investimento. Porém no

mês 06/2016 foi editada uma lei alterando a pena do crime do artigo 33 lei 11.343/06, para 8 á 20

anos.

Pergunta-se, qual lei deve ser aplicada? A primeira, mais benéfica, vigente á data em que Tício

adquiriu ás drogas, ou a segunda em que houve uma ‘novatio legis in pejus’?

Conforme orientação dos Tribunais Superiores aplica-se a segunda lei, pois, embora essa traga

uma situação mais prejudicial para o réu, o crime de Tráfico de Drogas previsto no artigo 33 da Lei

11.343/06 é classificado como delito permanente, cuja consumação se prolonga no tempo por

vontade do agente.

É o que ensina o STF através da súmula 711, veja:

“A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.”

Ao crime permanente e ao crime continuado, é aplicável a última lei que entra em vigor durante

a permanência ou continuidade, ainda que mais grave.

ATENÇÃO: Diante de sua redação dúbia, a simples leitura da súmula 711 o STF pode levar o

candidato ao erro. O melhor sentido de seu enunciado é o explicado logo acima, em que se deve

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aplicar a última lei vigente dentro do período da continuidade ou da permanência, e não tão

somente a mais grave.

Para a melhor compreensão do candidato, cabe fazermos aqui a diferenciação entre Crime

permanente e Crime continuado.

Crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo por vontade do

agente.

Possui duas características essenciais:

- Consumação do crime se prolonga no tempo.

- Se da por vontade do agente.

Exemplos:

Extorsão mediante sequestro (sua consumação se prolonga no tempo enquanto houver a

privação da liberdade da vítima).

“Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 Pena - reclusão, de oito a quinze anos.”

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido ( Art. 14 da Lei 10.826/03)

“Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Associação criminosa (Art. 288 do Código Penal - antigo bando ou quadrilha) – O fato de

três ou mais agentes se reunirem para praticarem crimes, se amolda em delito permanente.

“Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. “

Crime continuado é uma regra de aplicação de pena prevista no artigo 71 do Código

Penal segundo a qual, nos crimes da mesma espécie praticados nas mesmas condições de

tempo, lugar e modo, o juiz aplicará somente a pena do crime mais grave com uma exasperação,

como se o último delito fosse continuação do primeiro.

“Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.”

Conclui-se que não é um crime cuja consumação se prolonga no tempo, mas são vários crimes,

como se ultimo fosse continuação do primeiro.

Tomemos como exemplo o seguinte caso hipotético: Agente ‘X’ que praticou cinco crimes de furto

em continuação, e dentro desse lapso, ao praticar os dois últimos crimes, entrou em vigor uma

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nova lei que previa uma pena mais grave. Pergunta-se, qual lei deve ser aplicada? A última lei que

entrou em vigor durante á pratica do crime continuado.

Obs2: Acabamos de ver que a “abolitio criminis”, assim como qualquer nova norma penal benéfica

ao agente deve retroagir para reger os fatos anteriormente praticados. A questão é a seguinte,

mas e os casos que já foram julgados? A lei penal posterior mais benéfica deve respeitar a coisa

julgada material?

Conforme o parágrafo único do artigo 2º do Código Penal, a Lei penal benéfica não respeita a

coisa julgada material, devendo retroagir mesmo que já exista sentença penal transitada em

julgado, veja:

“Art. 2º... Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”

E ainda afirma o STF, através da Súmula 611, que o próprio juiz da execução que deverá aplicar a

lei benéfica se já houver coisa julgada. Veja o teor da referida súmula:

“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.”

Obs3: Suponhamos que já exista coisa julgada material, e posteriormente, é editada uma lei

revogando a lei que serviu de base para a sentença transitada em julgado. Levando em

consideração que, conforme Art. 91, I, do Código Penal, um dos efeitos da condenação penal é

tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, e ainda que, uma sentença

penal condenatória transitada em julgado é título executivo judicial, pergunta-se: Ainda poderá a

vítima requerer a indenização no juízo cível?

SIM! A “abolitio Criminis” não apaga os efeitos extrapenais (somente os efeitos penais) da

condenação, como por exemplo, tornar certo o dever de indenizar. (Art. 2º caput/ Art. 107, III)

“Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em

virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.” “Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

Obs4: No dia 10/01/2015, ‘Tício’ que possuía 17 anos e 11 meses de vida, em clara violência

domestica, dispara arma de fogo contra sua esposa ‘Mévia’, com intenção de lhe ceifar a vida.

Porém ‘Mévia’ recebeu os disparos, mas não teve morte instantânea, vindo a falecer no dia

10/04/2015 em decorrência dos ferimentos. Nessa época, ‘Tício’ já tinha mais de 18 anos de

idade, e já estava em vigor o crime de tipificado como feminicídio (lei 13.104/2015). Pergunta-se:

Em relação à reprimenda a ser imposta a ‘Ticio’, será ele considerado menor inimputável sendo-

lhe aplicado medida socioeducativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente ou ser-lhe-á

aplicado a pena do crime de feminicídio prevista no Art. 121, §2º, inciso VI do Código Penal? A

questão busca saber qual o tempo do crime, seria o momento da conduta ou o momento do

resultado?

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O art. 4º do Código Penal adotou para o tempo do crime a Teoria da Atividade: O momento da

ação ou da omissão, independentemente do momento do resultado.

“Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.”

No caso hipotético, como o Código Penal adotou como tempo do crime o momento da ação ou da

omissão, independente do momento do resultado, Tício responderá por ato infracional análogo ao

crime de homicídio, sendo-lhe impostas as reprimendas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Atenção: Não confunda “tempo do crime” com “tempo consumativo do crime” (crime material,

formal, de mera conduta...), uma vez que são institutos diferentes no âmbito penal e este

dependerá de outras características (matéria que ainda será abordada durante o curso).

Ao tratar do tempo do crime, automaticamente deve-se ater ao lugar do crime, sendo este estudo

relevante para determinar á possível aplicação da lei brasileira nos crimes á distancia (iniciado em

um país e consumado fora dele ou vice-versa). Assim, pergunta-se: Qual o lugar do crime? Seria

o lugar em que ocorreu a conduta ou o lugar em que ocorreu o resultado?

Para Lugar do crime, o artigo 6º do Código Penal adotou a teoria da ubiquidade: Lugar do crime é

aquele em que ocorreu a conduta, no todo ou em parte, ou aquele em que ocorreu ou ocorreria o

resultado.

“Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou

em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.”

Por exemplo, se o agente manda uma carta bomba do Brasil para França a conduta ocorreu no

Brasil. Porém, se o agente manda uma carta bomba da França para o Brasil, o resultado ocorreu

no Brasil. Conclui-se que em qualquer dos casos, em regra (salvo normas de direito internacional)

a justiça brasileira será competente para apreciar o caso devido à adoção da teoria da ubiquidade.

Dica

Mnemônica:

L ugar do crime

U biquidade

T empo do crime

A tividade.

Obs5: Para atender temporariamente medidas relativas á Copa das Confederações FIFA 2013, à

Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, em 2012 foi promulgada a

Lei nº 12.663/12, famosa Lei Geral da Copa, que trazia em seu bojo uma série de crimes (Ação

penal pública condicionada da própria FIFA), cuja própria norma previa tempo de vigência. Diante

desse fato, convém indagar: Com o decurso do lapso temporal de vigência da referida lei, como

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ficaram os crimes praticados á sua época? Foram eles também extintos aplicando-se o princípio

da retroatividade da lei penal benéfica?

Para responder a questão, devemos conhecer os institutos da Lei penal temporária e da Lei penal

excepcional.

Lei Penal Temporária: Aquela que possui prazo determinado de vigência. Possui uma data certa

para entrar e sair do ordenamento. Ex: Os tipos penais previstos na Lei geral da Copa (Lei nº

12.663/12) possuíam prazo de vigência até 31 de Dezembro de 2014. Veja o disposto em seu

artigo 36:

“Art. 36. Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014.”

Lei Penal Excepcional: aquela cuja vigência é condicionada a uma situação de

anormalidade.

Ex: Guerra externa, Estado de sítio.

DIFERENÇAS:

Lei penal temporária tem prazo certo de vigência

Lei penal excepcional não tem prazo certo, vigendo até o fim da situação de anormalidade.

SEMELHANÇAS:

-Ambas são auto-revogáveis, ou seja, possuem um dispositivo que as encaminham a sair

do ordenamento jurídico. Chamadas pela doutrina de “autofágicas”.

-Possuem Ultra-atividade. (ainda que revogada, é aplicada aos fatos praticados durante

sua vigência)

“Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.”

Se as leis penais excepcionais ou temporárias não tivessem ultra-atividade, seriam dotadas de

inutilidade no sentido da eficácia sócia.

O que pensa a doutrina sobre o tema? A doutrina é dividida quanto á ultra-atividade da lei penal

temporária e da lei penal excepcional.

Alguns autores (como Eugênio Raúl Zaffaroni e Guilherme de Souza Nucci) defendem que o

artigo 3º do Código Penal não foi recepcionado pela Constituição Federal, uma vez que o inciso

XL, do artigo 5º da CF/88, ordena a retroatividade da lei penal benéfica, de forma que ao final do

prazo da lei penal temporária surge nova situação jurídica mais benéfica ao réu, que deve

retroagir.

“Art. 5º ... XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”

O próprio autor Guilherme de Souza Nucci, que sempre defendeu em suas obras a ultra-atividade

desses institutos, mudou de opinião quando foi analisar a lei geral da copa. Veja:

“O preceito constitucional claro e expresso, constante do artigo 5º, XL, da Constituição. Noutros termos, havendo qualquer benefício ao acusado, a lei penal deverá retroagir. Ora, a lei temporária ganha ultratividade compulsória, com base em lei ordinária (artigo 3º, CP), mas sem base constitucional. Quando

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atingirmos o dia 1º de janeiro de 2015 haverá uma patente abolitio criminis, pois os arts. 30 a 33 desta Lei deixarão de vigorar. Ninguém mais será processado ou punido com base neles. A novel situação penal de descriminalização das condutas deve retroagir para beneficiar todos os que foram e estão sendo processados ou punidos por conta desses preceitos não mais existentes na legislação penal brasileira. (NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 2. Ed. Revista dos Tribunais. 2012.)”

E o qual o posicionamento do STF? Ainda não há julgados sobre o tema, pois a lei geral da copa

foi á primeira lei temporária desde a CF/88.

Outra parte da doutrina defende que não há incompatibilidade entre o artigo 3º do Código Penal e

a Constituição Federal, pois não se trata de um conflito entre leis penais no tempo, mas sim auto-

revogação de uma lei penal.

Obs6: A jurisprudência permite a chamada “Combinação de Leis Penais”?

O juiz pode retroagir apenas parte de uma lei, combinando com outra lei penal para beneficiar o

réu?

Ex: A Lei 6368/76 – antiga lei de drogas - previa em seu art. 12 o crime de tráfico de drogas com

uma pena de 3 a 15 anos de reclusão. Com o advento da lei 11.343/06, o artigo 33 alterou a pena

para 5 a 15 anos, mas ainda trouxe em seu §4º, o chamado tráfico privilegiado com uma redução

de pena de 1/6 a 2/3, se preenchido os requisitos. Diante disso surgiu à indagação, considerando

o fato praticado no devido tempo, poderia o juiz combinar o art. 12 da antiga lei 6368/76 e o §4º da

atual lei 11.343/06 para beneficiar o réu?

Preliminarmente, mister se faz conceituar o instituto da “Combinação de Leis Penais”:

Consistiria na combinação dos aspectos mais benéficos de duas leis que se sucedem no tempo

para encontrar a melhor situação jurídica para o acusado. Ex: pena base de uma lei combinado

com causa de diminuição de outra.

Observa-se que a combinação de leis penais só faz sentido no conflito de leis penais no tempo,

pois se o crime for praticado na vigência da lei nova, não há que se discutir sobre a combinação

de leis penais.

Duas correntes dividem o tema:

1ª Corrente: Afirma que a combinação de leis penais é inconstitucional, pois criar-se-ia

uma terceira lei (‘Lex Tertia”) violando a separação entre os poderes. Se o juiz aplica a lei ‘A’, e a

Lei ‘B’, automaticamente estará criando a Lei ‘AB’, ou seja, estará usurpando a função legislativa

por parte do poder judiciário, em clara violação entre a separação entre os poderes.

O inciso XL do artigo 5º da CF/88 (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”), se

refere á retroatividade da lei e não de dispositivo legal, não se permitindo a retroatividade parcial

de lei.

Para o STF, tanto á aplicação como á retroatividade da lei devem se dar de forma total. Esse

também é o entendimento do STJ, manifestado através da súmula 501, veja:

“É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis.”

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2ª Corrente: Doutrina majoritária (Rogério Greco, Guilherme de Souza Nucci, Zaffaroni,

Luis Regis Prado) afirma que a retroatividade parcial não é inconstitucional, pois o juiz não criaria

normas inéditas, mas apenas proporcionaria a integração do ordenamento jurídico.

Além disso, supostamente o parágrafo único do art. 2º do Código Penal estaria autorizando a

retroatividade parcial, quando diz que a lei penal que de QUALQUER FORMA favorecer o agente

aplica-se aos fatos anteriores. É o que diz o renomado autor Francisco de Assis Toledo ao

analisar a retroatividade parcial da norma penal.

Obs7: Lei Penal em Branco ou Norma Penal em Branco

Nada mais é do que a norma incriminadora que precisa de complementação em seu preceito

primário.

Preceito primário é aquele que descreve a conduta criminosa.

Ela se divide em duas espécies:

Norma penal em branco própria/ heterogênea= Aquela cujo complemento é proveniente

de uma fonte formal distinta da própria lei. Aquela lei penal que é complementada por uma

portaria, decreto, resolução.

Ex: A Lei nº 11.343/06 não traz em seu bojo o que vem a ser classificado como “Droga”, ficando

esse papel a cargo da portaria nº 344 da ANVISA.

Podemos citar ainda como exemplo o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03), que remete

ao Decreto nº 3.665/00, para definir efetivamente o que é arma, acessório, munição.

A norma penal em branco heterogênea viola o princípio da legalidade? Segundo STF NÃO! Não

há qualquer problema a complementação de uma norma penal incriminadora se dar por outra

fonte formal normativa.

Norma penal em branco imprópria/ homogênea= Aquela cujo complemento é

proveniente da mesma fonte formal, ou seja, uma lei complementa outra lei.

Duas Modalidades:

-Norma penal em branco homogênea homovitelina = Quando uma lei serve de

complemento para a mesma Lei.

Ex: O próprio Código Penal, em seu artigo 327, traz o conceito de Funcionário Público para fins de

tipificação dos delitos praticados por funcionário público contra a Administração em geral. Veja o

art. 317 do Código Penal que tipifica o crime de Corrupção Passiva, sendo complementado pelo

art. 327 que define o conceito de Funcionário Público:

“ Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.”

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“Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.”

-Norma penal em branco homogênea heterovitelina = Quando uma lei serve de

complemento para outra Lei.

Ex: O Art. 236 do Código Penal prevê o crime de “Induzimento a erro essencial e ocultação de

impedimento”.

“Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.

Mas o que vem a ser taxado como impedimento para o casamento? Por ser de natureza civil,

ficou a cargo do Código Civil, disciplinar sobre o tema. Veja:

“Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”

Ainda no tópico norma penal em branco, surge um ponto interessante: Como que fica a alteração

do complemento da norma penal em branco no conflito da lei penal no tempo? Estão sujeitas a

retroatividade e a anterioridade da lei penal ou não se sujeitam a tais princípios?

Prevalece que a modificação do complemento de uma norma penal em branco deve respeitar os

princípios da anterioridade ou retroatividade conforme seja benéfica ou maléfica ao réu, em

respeito aos princípios constitucionais pertinentes.

Um exemplo marcante na área penal foi á retirada do Cloreto de Etila, por 8 dias, da Portaria da

Anvisa SVS/MS 344, gerando o fenômeno da “abolitio criminis” temporária e a retroatividade da

norma penal benéfica.

O STF já teve a oportunidade de julgar a questão (Informativo 578 STF - HC-94397), decidindo

que:

“A Turma deferiu habeas corpus para declarar extinta a punibilidade de denunciado pela suposta prática do delito de tráfico ilícito de substância entorpecente (Lei 6.368/76, art. 12) em razão de ter sido flagrado, em 18.2.98, comercializando frascos de cloreto de etila (lança-perfume). Tratava-se de writ em que se discutia a ocorrência, ou não, de abolitio criminis quanto ao cloreto de etila ante a edição de resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA que, 8 dias após o haver excluído da lista de substâncias entorpecentes, novamente o incluíra em tal listagem. Inicialmente, assinalou-se que o Brasil adota o sistema de enumeração legal das substâncias entorpecentes para a complementação do tipo penal em branco relativo ao tráfico de entorpecentes. Acrescentou-se que o art. 36 da Lei 6.368/76 (vigente à época dos fatos) determinava fossem consideradas entorpecentes, ou capazes de determinar dependência física ou psíquica, as substâncias que assim tivessem sido especificadas em lei ou ato do Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia do Ministério da Saúde — sucedida pela ANVISA. Consignou-se que o problema surgira com a Resolução ANVISA RDC 104, de 7.12.2000, que retirara o cloreto de etila da Lista F2 — lista das substâncias psicotrópicas de uso proscrito no Brasil, da Portaria SVS/MS 344, de 12.5.98 — para incluí-lo na Lista D2 — lista de insumos utilizados como precursores para fabricação e síntese de entorpecentes e/ou psicotrópicos. Ocorre que aquela primeira

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resolução fora editada pelo diretor-presidente da ANVISA, ad referendum da diretoria colegiada (Decreto 3.029/99, art. 13, IV), não sendo tal ato referendado, o que ensejara a reedição da Resolução 104, cujo novo texto inserira o cloreto de etila na lista de substâncias psicotrópicas (15.12.2000).(HC 94397/BA, rel. Min. Cezar Peluso, 9.3.2010. (HC-94397)). Aduziu-se que o fato de a primeira versão da Resolução ANVISA RDC 104 não ter sido posteriormente referendada pelo órgão colegiado não lhe afastaria a vigência entre sua publicação no Diário Oficial da União - DOU e a realização da sessão plenária, uma vez que não se cuidaria de ato administrativo complexo, e sim de ato simples, mas com caráter precário, decorrente da vontade de um único órgão — Diretoria da ANVISA —, representado, excepcionalmente, por seu diretor-presidente. Salientou-se que o propósito da norma regimental do citado órgão seria assegurar ao diretor-presidente a vigência imediata do ato, nas hipóteses em que aguardar a reunião do órgão colegiado lhes pudesse fulminar a utilidade. Por conseguinte, assentou-se que, sendo formalmente válida, a resolução editada pelo diretor-presidente produzira efeitos até a republicação, com texto absolutamente diverso. Repeliu-se a fundamentação da decisão impugnada no sentido de que faltaria ao ato praticado pelo diretor-presidente o requisito de urgência, dado que a mera leitura do preâmbulo da resolução confirmaria a presença desse pressuposto e que a primeira edição da resolução não fora objeto de impugnação judicial, não tendo sua legalidade diretamente questionada. Assim, diante da repercussão do ato administrativo na tipicidade penal e, em homenagem ao princípio da legalidade penal, considerou-se que a manutenção do ato seria menos prejudicial ao interesse público do que a sua invalidação. Rejeitou-se, também, a ocorrência de erro material, corrigido pela nova edição da resolução, a qual significara, para efeitos do art. 12 da Lei 6.368/76, conferir novo sentido à expressão “substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, elemento da norma penal incriminadora. Concluiu-se que atribuir eficácia retroativa à nova redação da Resolução ANVISA RDC 104 — que tornou a definir o cloreto de etila como substância psicotrópica — representaria flagrante violação ao art. 5º, XL, da CF. Em suma, assentou-se que, a partir de 7.12.2000 até 15.12.2000, o consumo, o porte ou o tráfico da aludida substância já não seriam alcançados pela Lei de Drogas e, tendo em conta a disposição da lei constitucional mais benéfica, que se deveria julgar extinta a punibilidade dos agentes que praticaram quaisquer daquelas condutas antes de 7.12.2000. (HC 94397/BA, rel. Min. Cezar Peluso, 9.3.2010. (HC-94397))”

Deve-se atentar para o complemento da norma penal em branco que tiver caráter excepcional ou

temporário.

Por exemplo, a Lei 1.521/51 que trata de crimes contra a economia popular, tipifica em seu artigo

2º, inciso VI, a conduta de “transgredir tabelas oficiais de gêneros e mercadorias, ou de serviços

essenciais, bem como expor à venda ou oferecer ao público ou vender tais gêneros, mercadorias

ou serviços, por preço superior ao tabelado, assim como não manter afixadas, em lugar visível e

de fácil leitura, as tabelas de preços aprovadas pelos órgãos competentes”.

Suponhamos então, que a Administração tabele o preço de determinado produto a um teto de

R$100,00 (Cem reais), e o comerciante mesmo sabendo dessa informação, venda o produto ao

valor de R$150,00 (Cento e cinquenta reais). Pergunta-se: Se a referida tabela for posteriormente

alterada para aumentar o valor do produto ao patamar de R$150,00 (Cento e cinquenta reais),

poderá o comerciante se valer do princípio da retroatividade da lei penal benéfica? A resposta só

pode ser negativa devido ao caráter excepcional desta norma penal em Branco, seguindo a regra

do Art. 3º do Código Penal - ultra-atividade.

Alguns julgados dos tribunais superiores afirmam que o complemento benéfico não retroagirá

quando o complemento anterior estiver ligado a uma situação de anormalidade, pois funcionará

como uma norma penal excepcional, possuindo ultra-atividade. Veja o julgado do RHC 16172- SP

da Quinta turma do STJ:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE DA COLHEITA DA PROVA. ALEGAÇÃO A SER DEMONSTRADA NO DECORRER DA INSTRUÇÃO. TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. NORMA PENAL EM BRANCO. COMPLEMENTO. ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ULTRA-ATIVIDADE E DA MÁXIMA TEMPUS REGIT ACTUM. EXCESSO DE PRAZO PARA O INÍCIO DO INQUÉRITO POLICIAL. QUESTÃO NÃO APRECIADA PELA CORTE A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.

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1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Precedentes do STJ. 2. Eventuais irregularidades na fase instrutória não têm o condão de ensejar a nulidade da peça acusatória por ausência de materialidade, até porque somente no decorrer da ação penal, na fase instrutória, poder-se-á efetivamente verificar a existência ou não dos alegados vícios, bem como o seu alcance. 3. No que diz respeito à tese de atipicidade da conduta pela alegada ocorrência da abolitio criminis, tenho-a por desarrazoada, na medida em que o comportamento dos réus, segundo a peça acusatória, encontra-se perfeitamente descrito no art. 7.º, incisos II e IX, da Lei n.º 8.137/90, c.c. o Decreto n.º 3.552, de 04 de agosto de 2000 – vigente à época dos fatos – que fixava em 20% (vinte por cento) o percentual de álcool etílico anidro na gasolina. 4. Na espécie, a mera alteração (para maior) do percentual obrigatório de adição de álcool etílico anidro à gasolina não enseja a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica, de forma a tornar atípica a conduta dos Recorrentes (já que supostamente adequada à prescrição legal posterior), mas sim a regra da ultra-atividade, segundo a máxima tempus regit actum. 5. Assim, a lei anterior incide sobre os fatos praticados durante a sua vigência, mesmo após derrogada, tendo em vista que a variação da norma complementar somente gera a conseqüência pretendida, qual seja, a abolitio criminis, quando importar em real modificação da figura abstrata, objeto da proteção legal, e não nos casos em que ocorre simples alteração relativa ao quantum de determinada substância, , persistindo inabalada a essência da norma. 6. Quanto à tese de excesso de prazo para o início do inquérito policial, verifica-se que, além de completamente dissociada das informações constantes dos autos, o Tribunal a quo não se manifestou acerca da questão, que sequer foi argüida no pedido originário. Assim, examiná-la, nesta oportunidade, configuraria vedada supressão de instância. 7. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (STJ - RHC: 16172 SP 2004/0076655-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 23/08/2005, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 26/09/2005 p. 406)”

Obs8: Conforme art. 2º do Código de Processo Penal, a lei processual penal tem aplicação

imediata, sem prejuízo dos atos já praticados. Assim a lei puramente processual penal não

seguirá todas as regras da anterioridade ou retroatividade, sendo sua aplicação imediata em

observância do princípio do “Tempus Regit Actum”.

“Art. 2º A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.”

E se norma for de natureza híbrida? Em outras palavras, como será aplicação de uma nova lei

que traz, a um só tempo, conteúdo tanto de direito processual quanto de direito material?

Malgrado a presença de norma de natureza processual, mantém seu caráter material, não

podendo retroagir, salvo para beneficiar o réu.

O mestre de direito penal Cezar Roberto Bitencourt, ainda afirma que, toda norma que prejudica o

réu traz conteúdo de direito material, e assim deve respeitar os princípios da anterioridade e

retroatividade.

2) CONFLITO APARENTE DE NORMAS

Ocorre quando, aparentemente, duas normas incriminadoras são aplicáveis ao mesmo fato e ao

mesmo tempo, ou seja quando dois crimes são supostamente aplicados a mesma conduta. Não

se trata de sucessão e conflito de leis penais no tempo, mas sim quando para determinado fato,

aparentemente, existirem duas ou mais normas que poderão sobre ele incidir.

Lembrando que, como já vimos, o direito penal contemporâneo preza pela proibição do “Bis in

Idem”, proibindo a dupla incriminação pelo mesmo fato.

Para ilustrar, tomemos como exemplo o crime de infanticídio previsto no artigo 123 do Código

Penal:

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Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

Perceba que a mãe que mata o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante o parto

ou logo após, também pratica a conduta do crime de homicídio simples descrita no Art. 121 do

Código Penal, já que matar o próprio filho é matar alguém.

Art. 121. Matar alguem:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Outro exemplo clássico é o crime de tráfico de drogas, previsto no Art. 33 da lei 11.343/06, que

descreve, dentre outras, as condutas de importar ou exportar drogas sem autorização ou em

desacordo com determinação legal ou regulamentar. Porém perceba que, por ser droga

mercadoria proibida, o agente automaticamente também incidiria no tipo penal descrito no artigo

334-A do Código Penal, que trata do crime de Contrabando.

Art. 33 da Lei 11.343/06. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Art. 334-A do Código Penal. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.

Para resolver os conflitos aparentes de normas, três são os princípios fundamentais que devem

ser atentamente analisados: (a) Especialidade, (b) Subsidiáriedade e (c) Concussão.

a) Princípio da Especialidade

Normas especial afasta á aplicação de norma geral. Considera-se especial a norma que possui

um elemento especializante, independentemente da gravidade em concreto do delito.

Ex: Este princípio resolve o conflito aparente dos dois exemplos que acabamos de apresentar,

quais sejam:

- Infanticídio( Art. 123 do Código Penal) X Homicídio Simples (Art. 121 do Código Penal).

Veja que o tipo legal do infanticídio traz elementos especializantes em relação ao crime de

homicídio simples, embora com uma reprimenda menor que este. (Não descreve simplesmente

matar alguém, mas sim o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante o parto ou

logo após).

- Tráfico de Drogas (Art. 33 da Lei 11.343/06) X Contrabando (Art. 334-A do Código Penal)

O art. 334-A do Código Penal considera contrabando o ato de importar ou exportar qualquer

mercadoria proibida. Por sua vez, o art. 33 da Lei 11.343/06 pune a importação ou exportação de

mercadoria proibida dotada de especialidade (Droga).

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Conclui-se que o princípio da especialidade só se preocupa com a presença de elementos

especializantes e não com a gravidade em concreto do crime. (Ex: Crime de Infanticídio com

reprimenda mais grave que o crime de homicídio simples)

b) Princípio da Subsidiariedade

Norma primária afasta aplicação de norma subsidiária. Considera-se primária a norma que prevê

violação mais ampla e grave ao bem jurídico tutelado.

Se divide em:

Subsidiariedade expressa: Ocorre quando o próprio tipo penal se declara subsidiário.

Ex1: O crime “Perigo para a vida ou saúde de outrem” previsto no art. 132 do Código Penal, traz

expresso em seu preceito secundário a sua característica de crime subsidiário, veja:

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Se por exemplo, uma pessoa dispara arma de fogo contra alguém com a intenção de mata-la, e

esta não vem a falecer por circunstâncias alheias a vontade do agente, inegavelmente sua vida foi

colocando em perigo, porém a conduta deve se amoldar ao crime de homicídio em sua forma

tentada por este prever uma violação mais grave ao bem jurídico “vida”.

Ex2: Outro exemplo presente em nosso ordenamento é o crime de “Disparo de arma de fogo”,

previsto no artigo 15 da Lei 10.826/2003. Veja:

Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

No mesmo contexto do exemplo anterior, a pessoa que dispara arma de fogo contra outra com a

intenção de mata-la, deverá responder pelo crime contra a vida e não por disparo de arma de

fogo, devido ao caráter expressamente subsidiário deste.

Subsidiariedade Tácita: Ocorre quando uma norma incriminadora é causa de aumento,

qualificadora ou elemento constitutivo de outra norma, prevalecendo no caso concreto a mais

grave.

Ex: O inciso I do §4º do art. 155 do Código Penal prevê como qualificadora do crime de furto o ato

de “destruição ou rompimento de obstáculo á subtração da coisa”. Perceba que se o agente

praticar tal conduta para alcançar o fim pretendido que é furtar, não incidirá também no crime de

Dano previsto no artigo 163 do Código Penal por ser este tacitamente subsidiário.

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

c) Princípio da Consunção ou Princípio da Absorção

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Ocorre quando uma conduta criminosa é fase de preparação ou execução ou ainda mero

exaurimento de outra, sendo por esta absorvida.

Cezar Roberto Bitencourt leciona que, na verdade não existe conflito aparente de normas, pois

existem dois tipos penais distintos e duas condutas distintas. Um crime serve para a prática de

outro, seja como fase de preparação, execução ou exaurimento.

É comumente aplicado de 4 formas:

Antefato impunível: Uma conduta criminosa serve como fase de preparação necessária

de outra conduta criminosa sendo por esta absorvida. O crime-meio será absorvido pelo crime-fim.

Exemplo: No caso em que a prática de violação de domicílio (art. 150 do Código Penal) seja crime

meio para o crime de Furto (Art. 155 do Código Penal).

O STJ, através de sua Súmula 17, entende que: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem

mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

Assim, o crime de Falsificação de Documento Particular (Art. 298 do Código Penal), será

absorvido pelo crime de estelionato (art. 171 do Código Penal), quando se exaurir neste sem mais

potencialidade lesiva.

PERGUNTA: O porte de arma do art. 14 da lei 10.826/03 pode ser absorvido pelo crime de

homicídio do artigo 121 do Código Penal? Se o fato de portar a arma estiver ligada no mesmo

contexto e razões que a prática do crime de homicídio a resposta só pode ser positiva. Tudo vai

depender do caso Concreto.

Pós-fato Impunível: Ocorre quando o agente pratica uma segunda conduta criminosa,

violando o mesmo bem jurídico, com o fim de obter a vantagem que pretendia com a primeira

conduta.

Vai prevalecer a primeira ação criminosa, sendo a segunda pós-fato impunível.

Para melhor visualização tomemos como exemplo o crime de Falsificação de Moeda Falsa

previsito no art. 289 do Código Penal. O agente que falsifica a moeda (falsificação deve ser apta a

enganar um número de pessoas) e posteriormente a introduz em circulação( Art. 289, §1º do

Código Penal) para se enriquecer ilicitamente, responderá somente pelo fato de falsificar, sendo a

colocação em circulação mero pós-fato impunível.

Outro exemplo seria o do agente furtador que vende coisa alheia como própria. Neste caso o

agente incidirá somente no crime de furto previsto no art. 155 Código Penal por ser a venda da

coisa o fim inicialmente pretendido com sua conduta, sendo o crime de “disposição de coisa alheia

como própria (art. 171, §2º I, do Código Penal) mero pós-fato impunível.

Art. 171 -... § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;

Também se aplica o Princípio da consunção no caso de crime progressivo e progressão

criminosa.

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Conceitos:

Crime progressivo: Ocorre quando a execução de um tipo penal passa necessariamente

por outros tipos penais que ficam absorvidos como delitos de passagem.

Ex: É impossível matar alguém sem violar sua integridade física ou sua saúde, ou seja,

necessariamente a conduta do art. 121 do Código Penal - Matar Alguém, vai passar pelo tipo do

art. 129 do CP – Lesão Corporal.

Progressão criminosa: Ocorre quando o agente modifica seu dolo no meio da execução

decidindo por praticar crime mais grave. Responderá apenas pelo delito-fim.

Não se confunde com crime progressivo, embora ambos se encontrem em um contexto

semelhante.

Ex: O agente que inicialmente só pretenda causar lesões corporais na vítima (Art. 129 do Código

Penal), mas no meio da execução, decide ceifar a vida do ofendido, causando-lhe a morte.

Somente responderá pelo crime de homicídio (art. 121 do Código Penal), ficando absorvido o

delito de lesões corporais.