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ONTEÚDOC

Conhecendo o Direito........................................................................................... Pág. 11

Princípios Gerais de Direito .................................................................................. Pág. 18

A Constituição Federal e a Defesa do Consumidor ............................................. Pág. 20

Prazos para reclamar e pretender a reparação de danos .................................... Pág. 31

Relação de consumo ........................................................................................... Pág. 34

Política Nacional das relações de consumo ......................................................... Pág. 42

Direito do consumidor .......................................................................................... Pág. 47

Proteção contratual .............................................................................................. Pág. 52

Cláusulas abusivas .............................................................................................. Pág. 59

Vício de quantidade ............................................................................................. Pág. 74

Publicidade abusiva ............................................................................................. Pág. 81

Formas de cobranças de dívidas ......................................................................... Pág. 84

Proteção ao Consumidor ...................................................................................... Pág. 88

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Unidade 1 – Conhecendo o Direito

1.1 – Conceitos de Direito e Justiça

Muitas pessoas confundem os significados de DIREITO e JUSTIÇA, procuraremos nesse tópico tentar esclarecer que Justiça é um princípio moral, enquanto que o Direito realiza (ou tenta realizar) a justiça no convívio social.

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Nesse sentido, a Justiça é mais ampla que o Direito. A necessidade do homem de viver em sociedade e a criação das primeiras comunidades e em seu rastro as cidades, trouxe consigo a necessidade de estabelecer conceitos de justiça e normas de direito a fim de proporcionar paz social. Temos segundo o dicionário Aurélio a seguinte distinção entre Direito e Justiça:

Justiça - s.f. Virtude moral pela qual se atribui a cada indivíduo o que lhe compete: praticar a justiça. / Direito: ter a justiça a seu lado. / Ação ou poder de julgar alguém, punindo ou recompensando: administração da justiça. / Conjunto de tribunais ou magistrados: recorrer à justiça.

Direito – s.m. Complexo de leis ou normas que regem as relações entre os homens. / Ciência que estuda essas normas. / Imposto, taxa: direito alfandegário. / Faculdade de praticar um ato, de possuir, usar, exigir ou dispor de alguma coisa. // Direito administrativo, ramo do direito público que tem por objeto o funcionamento dos serviços públicos e suas relações com os particulares.

Ou seja, o conceito de justiça está relacionado às questões éticas e morais do convívio em sociedade, enquanto o conceito de Direito está relacionado às normas positivas, impostas pelos legisladores no sentido de impor parâmetros para a convivência em sociedade. Enquanto no conceito de justiça discorremos sobre o que é certo ou errado, o que é bom ou mal, virtuoso ou vicioso; no conceito jurídico ou do Direito discorremos sobre o lícito e o ilícito, o legal (que está na lei) ou ilegal (que não está na lei), sobre o válido e o inválido. Hans Kelsen, filósofo jurídico, já diferenciava os campos da moralidade e da juridicidade, dizia Kelsen que “se o indivíduo está diante de um determinado Direito Positivo (ou seja, norma legal), deve-se dizer que este pode ser um direito moral ou imoral”. É certo que sempre há de se preferir o direito moral ao imoral, entretanto há de se reconhecer que ambos são vinculativos de conduta, ou seja, impõe normas de conduta para os membros de uma determinada sociedade. Em outras palavras um direito, ou norma legal pode até contrariar algum mandamento de justiça, e mesmo assim ainda ser considerado válido. Sendo assim, o direito positivo, como dissemos, é o direito posto pela autoridade do legislador, e nem sempre será justo.

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Há, contudo, relação estreita entre Direito e Justiça, uma vez que sempre nos referimos ao justo quando falamos da aplicação do Direito. Aplicar o direito de forma correta implica dizer que aplicamos o direito com justiça. Uma vez que o direito é o conjunto de regras criadas para disciplinar as relações entre as pessoas de uma determinada sociedade. A aplicação de tais regras implica também em aplicar sanções quando tais regras forem desrespeitadas. Por essa razão, dizemos que direito e justiça devem caminhar lado a lado. Vivemos num mundo em constante mudança e desenvolvimento, completamente diferente dos primeiros agrupamentos sociais. Hoje temos milhões de pessoas vivendo no mesmo grupo social, e sob a mesma ordem jurídica, estabelecidas por um Poder constituído, em regra, por representantes eleitos. Do mesmo modo, os conceitos jurídicos, sofreram modificações e desenvolvimento, assim como ocorreu com o conceito de justiça, ao longo dos anos. Aquilo que era considerado justo para as primeiras sociedades não será mais para nós, e menos ainda para os nossos descendentes. A ideia de que a pessoa que não agir com justiça deverá ser punida, é o motivo pelo qual foram criados os sistemas penais e que fazem parte dos ordenamentos jurídicos modernos. Aquele que não pratica o bem comum ou que não age de acordo com a lei, deverá ser apenado, com o tipo penal previsto para tanto. Há que se considerar a necessidade da aproximação cada vez maior desses dois conceitos, na busca pela paz social. O aperfeiçoamento das normas legais, cada vez mais próximas dos conceitos de justiça, promoverá o equilíbrio nas relações pessoais. Para isso é de vital importância a preocupação na busca desse equilíbrio pelos nossos legisladores e operários do direito (juízes, promotores e advogados), no sentido de além de equilibrar as relações, facilitar o acesso ao judiciário, para qualquer cidadão. O Estado moderno tem como princípios essenciais igualdade e liberdade, inicialmente, meramente formais. Atualmente, tais princípios estão previstos em nossa Constituição Federal. Entretanto impõe-se que tais princípios sejam protegidos, inicialmente pela proteção jurisdicional dos direitos humanos, aqui incluído o acesso à Justiça, que não deve restringir-se aos ricos, mas facilitado aos menos favorecidos.

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Pela nossa Constituição todos têm direito ao acesso à justiça, entretanto, nem sempre é assim. Nesse sentido a criação do Código de Defesa do Consumidor representou um grande avanço no campo do direito consumerista, como veremos a seguir nos próximos tópicos. 1.2 – Fontes do Direito Entendemos importante o estudo das Fontes do Direito, uma vez que estas representam a origem de todos direitos e obrigações. No caso das relações de consumo, consistem na base legal para que o consumidor pleiteie seus direitos quando da ocorrência de problemas de qualquer natureza na aquisição de bens ou serviços. Segundo o dicionário Aurélio:

Fonte – s.f. Água viva que sai da terra; nascente: fonte de água mineral. / Chafariz, bica. / Chaga aberta com cautério. / Fig. Princípio, origem, causa: a eleição é fonte do poder. / O texto original de uma obra. / Cada um dos lados da cabeça que formam a região temporal. // Fonte limpa, a causa primária de um fato, a sua verdadeira origem; autoridade competente: sei isso de fonte limpa.

Segundo Luiz Antonio Rizzatto em sua obra Introdução ao Estudo do Direito, "fonte é a nascente da água, e especialmente é a bica donde verte água potável para uso humano. De forma figurativa, então, o termo fonte, designa a origem, a procedência de alguma coisa". Para Paulo Dourado de Gusmão, jurista conceituado, "fonte como metáfora, significa a origem do direito, ou seja, de onde ele provém". A sociedade está em constante processo de mudança, essas mudanças aliadas à vida em sociedade provocam pressões sociais que ensejam alterações no ordenamento jurídico, ou seja, todos os dias leis são criadas a fim de regulamentarem determinada relação social, nesse sentido, fatores sociais, religiosos, econômicos, morais que deram origem a determinado ordenamento jurídico, são considerados fontes do direito. Após o breve entendimento do significado do termo “fontes do direito”, cabe-nos analisar de forma mais completa, atentando às suas subdivisões.

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Divisões e Sub-Divisões das Fontes do Direito As fontes do direito dividem-se em: Fontes Materiais – São situações que nascem da sociedade e dos valores que inspiram o comportamento a ser tutelado, ou seja, situações e aspectos das relações sociais que ensejem a criação de uma norma jurídica a fim de discipliná-la, dentre as fontes materiais podemos destacar as históricas, religiosas, econômicas, naturais, políticas ou morais. Fontes Formais – É o direito que já tomou corpo, forma. Dentre as fontes formais ainda encontramos uma subdivisão: a) Fontes Formais Estatais: Lei – Certamente esta é uma das mais importantes fontes do direito. No entanto a legislação é tida como o conjunto de normas jurídicas, devendo as mesmas serem oriundas do Estado, por meio de seus órgãos. Segundo Paulo Dourado de Gusmão, "as fontes estatais do direito são constituídas de normas escritas, vigentes no território do Estado, por ele promulgadas, no qual têm validade e no qual são aplicadas pelas autoridades administrativas ou judiciárias". Assim sendo, as fontes estatais têm sua aplicação precisa, partindo-se do pressuposto de que, por ser criada e exercida pelo Estado, ou seja, seus representantes, qualquer conduta contrária ao que a legislação prevê, receberá uma sanção. Jurisprudência – É um conjunto de julgados, num mesmo sentido, ou seja, mesmas decisões em casos semelhantes adotadas pelos tribunais como solução às questões de Direito, ou seja, decisões anteriores de tribunais são utilizadas como referência para o julgamento de casos novos, de modo que as decisões não estejam presas apenas aos códigos e leis. Em sua obra Direito Civil, Silvio de Salvo Venosa diz: "é aplicado o nome jurisprudência ao conjunto de decisões dos tribunais, ou uma serie de decisões similares sobre uma mesma matéria". Segundo Venosa (2003), "a jurisprudência, como um conjunto de decisões, forma-se mediante o trabalho diuturno dos tribunais. É o próprio direito ao vivo, cabendo-lhe o importante papel de preencher lacunas do ordenamento nos casos concretos".

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Cabe à jurisprudência fazer a atualização do entendimento da lei, fazendo com que sua interpretação seja atual e que possa deferir às necessidades ao se fazer o julgamento. (Silvio de Salvo VENOSA, 2003). A Jurisprudência não é considerada por alguns juristas como fonte do direito, uma vez que a mesma não é mencionada explicitamente em nenhum ordenamento legal como tal e, ainda, o entendimento jurisprudencial pode ser alterado de acordo com a composição do Tribunal pelo qual é proferida. Contudo, inserimos a Jurisprudência neste tópico, uma vez que muitas decisões acerca de questões legais são tomadas com base no entendimento jurisprudencial vigente á época da análise, o que corrobora com o entendimento de alguns juristas quanto à sua inclusão no rol das fontes do direito. b) Fontes Formais não Estatais: Outra importante fonte do direito, as não estatais, aborda em sua designação, os costumes e a doutrina. Costumes - Segundo o dicionário Aurélio: "costume é o uso, hábito, ou prática geralmente observada". Para Luiz Antônio Rizzatto Nunes, em sua obra Manual de introdução ao estudo do direito, "o costume jurídico é aquilo que a doutrina chama de convicção de obrigatoriedade, ou seja, a prática reiterada, para ter característica de costume jurídico deve ser aceita pela comunidade como de cunho obrigatório". Conforme Venosa, "o costume brota da própria sociedade, da repetição de usos de determinada parcela do corpo social. Quando o uso se torna obrigatório, converte-se em costume". O costume jurídico nasce da prática social individualizada; nasce obrigatório porque as partes envolvidas assim o entendem e se auto-obrigam; provem da convicção interna de cada partícipe de sua objetivação em fatos sociais particulares, que obriga a todos os que neles se envolverem. Formado com essa convicção de obrigatoriedade, pode-se tê-lo como legítimo e atualizado. (Luiz Antonio Rizzatto Nunes) Podemos dizer que os costumes são práticas contínuas e reiteradas de uma comunidade, obrigatório diante da sua usualidade e habitualidade. A comunidade deve perceber os costumes, não bastando a sua realização, uma vez que, os costumes não são normas escritas e devem partir da conscientização coletiva.

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Um excelente exemplo de costume absorvido por nosso ordenamento legal refere-se à emissão de cheques pré-datados na aquisição de produtos à prazo ou em parcelas. De acordo com o texto expresso em lei, o cheque é uma ordem de pagamento à vista, não existindo qualquer previsão legal que obrigue o comerciante-credor a depositar o cheque após 30 ou 60 dias contados de sua emissão pelo consumidor-devedor, por exemplo. Contudo, a emissão de cheques pré-datados tornou-se uma prática tão comum em todo o país que, atualmente, se um credor deposita antecipadamente um cheque, o devedor ou emissor do cheque poderá acioná-lo judicialmente por quebra de contrato e pleitear uma indenização, se o caso. Doutrina - O termo "doutrina" não especificamente no âmbito jurídico, conforme dicionário Aurélio, "é o conjunto de princípios que servem de base a um sistema filosófico cientifico". Segundo Luiz Antonio Rizzatto Nunes, "podemos dizer que doutrina é o resultado do estudo que pensadores – juristas e filósofos do Direito – fazem a respeito do Direito". Alcançamos a capacidade de estudar e entender o direito com maior profundidade, justamente através da doutrina, que nos é oferecida pelo esforço de grandiosos professores, sendo que através desses ensinamentos é que podemos manter e renovar os entendimentos a respeito do direito. Para Nunes "por fim, a doutrina exerce papel fundamental, como auxiliar para entendimento do sistema jurídico em seus múltiplos e complexos aspectos". Analogia - Segundo Silvio de Salvo Venosa analogia trata-se de um processo de raciocínio lógico pelo qual o juiz estende um preceito legal a casos não diretamente compreendidos na descrição legal. O juiz pesquisa a vontade da lei, para transportá-la aos casos que a letra do texto não havia compreendido. Temos ainda duas maneiras de operar a analogia: pela analogia legal e pela analogia jurídica. Na analogia legal, o aplicador do Direito busca uma norma que se aplique a casos semelhantes; quando se recorre a textos mais profundos e complexos pelo fato de o interprete não obter um texto semelhante ao caso que está sendo encaminhado, ou então, os textos são insuficientes, e tenta retirar do pensamento dominante em um conjunto de normas uma conclusão para o caso, temos à analogia jurídica (VENOSA)

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Vemos então que o uso da analogia se dará quando houver a necessidade de uma interpretação mais complexa, para se preencher as lacunas, que o legislador deixou. Princípios Gerais de Direito - Muito difícil conceituar os princípios gerais de direito. Poderíamos dizer que seria a origem geral do direito, mas não significa apenas nisso. Os princípios gerais de direito são regras, oriundas da abstração lógica do que constitui o substrato comum do Direito, os princípios são de grande importância para o legislador, "como fonte inspiradora da atividade legislativa e administrativa do Estado". (VENOSA) Equidade – Enquanto a sociedade é regulada por normas criadas pelo Direito, em que é demonstrado o que é justo e igualitário, a equidade irá adequar à norma a um caso concreto. Para Venosa, "a equidade é uma forma de manifestação de justiça que tem o condão de atenuar a rudeza de uma regra jurídica". Assim sendo, é possível de entender que a equidade é a forma do julgador de fazer a devida, melhor e mais coerente interpretação da lei, para aplicar ao caso concreto. 1.3 – Constituição Federal Como estudamos no tópico anterior, a lei é uma das principais fontes formais do Direito, e ela emana do poder estatal, através de representantes eleitos pela sociedade. Dentre todas as leis que regem as relações sociais, a Constituição Federal é em si a mais importante, e nela que estão previstos os parâmetros mestres em que uma sociedade deve funcionar. A Constituição Federal do Brasil foi promulgada em outubro de 1988, e dita em seu preâmbulo as seguintes condições:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores

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supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Observem que a Constituição Federal de 1988 assegurou diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos. O país, naquele momento passava por uma grande mudança política, saindo de um regime autoritário, e dando seus primeiros passos rumo à democracia. Nesse cenário é que foi promulgada a nova Constituição Federal, preocupada em instituir um Estado Democrático de Direito, onde os direitos sociais e individuais fossem respeitados, e o direito à liberdade, segurança e o bem estar fossem garantidos de forma constitucional. A Constituição Federal de 1988 consolidou a democracia no Brasil, depois de mais de 20 anos de Regime Militar quando os direitos individuais foram restringidos e desrespeitados. A Constituição de 1988 privilegia a dignidade da pessoa humana, através do resgate das garantias e liberdades individuais, que eram asseguradas na Constituição de 1946 e que foram desrespeitadas a partir do regime militar. A nossa Constituição começa afirmando princípios. No artigo primeiro da Constituição o dispositivo diz: são princípios fundamentais da República Federativa brasileira e o primeiro é exatamente o princípio da dignidade da pessoa humana. O assunto relacionado aos Direitos e Garantias Fundamentais, foi de tão grande importância para os legisladores, incluindo-se aí os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, sendo ele o primeiro capítulo do Título II da Constituição, segundo o deputado constituinte, Sigmaringa Seixas (PT-DF). Pela primeira vez, na história das constituições brasileiras esse título inicia a Constituição. Evidentemente que os princípios fundamentais integram o Título I, para mostrar a importância que os constituintes deram a esse tema na Constituição de 1988. O artigo 5º que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, é uma das cláusulas pétreas do texto constitucional, ou seja, não pode ser modificado. O artigo sozinho possui 77 sub-itens - os chamados incisos.

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A Constituição Federal e a Defesa do Consumidor

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a defesa do consumidor como Princípio da Ordem Econômica, com isso o constituinte impôs ao legislador ordinário a tarefa de criar um conjunto de normas capazes de harmonizar a defesa do consumidor e o desenvolvimento econômico fundado na economia de mercado e na livre concorrência. Promulgada a Constituição, fez-se necessário e urgente a criação de leis capazes de propiciar a efetiva proteção do consumidor pretendida pela nova ordem. Nesse sentido, estabeleceu o constituinte no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, o prazo de cento e vinte dias para que o Congresso Nacional elaborasse o Código de Defesa do Consumidor, e em 11 de setembro de 1990, com certo atraso, o Congresso Nacional aprovou a versão final do texto da Lei 8.078, que dispõe sobre a proteção ao consumidor, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor. O que faz com que o Código de Defesa do Consumidor seja um sistema de normas eficiente são os princípios em que ele se funda, tais princípios decorrem diretamente da Constituição Federal e oferecem ao consumidor um tratamento diferenciado em razão da natureza das relações jurídicas que envolve as partes desse tipo de relação em uma economia de mercado. Essa característica do Código de Defesa do Consumidor está na própria Constituição Federal, como dissemos, que considerou a defesa do consumidor um direito fundamental a ser promovido pelo estado (artigo 5º.inciso XXXII da Constituição Federal). Tal disposição levou o legislador ordinário a atribuir ao Código de Defesa do Consumidor o caráter de normas de ordem pública e interesse social (art. 1°). Na prática, significa dizer que o Poder Judiciário deverá, de

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ofício, nas lides que lhe forem apresentadas, conhecer todas as questões inerentes às relações de consumo. Outro importante ponto a destacar é o princípio da isonomia estabelecido entre o consumidor e fornecedor, este entendido latu sensu. A principal virtude desse princípio está em reconhecer a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4º, I do Código de Defesa do Consumidor) como ferramenta para atingir a igualdade pretendida pelo legislador. Implica reconhecer o consumidor como parte mais fraca, hipossuficiente tanto econômica como tecnicamente. Por ser detentor de todas as informações atinentes ao produto ou serviço oferecido ao consumidor, o fornecedor poderá exaltar as características que lhe são favoráveis para viabilizar a venda, como também, omitir os aspectos negativos ou restrições de uso do bem ofertado. Com o reconhecimento de vulnerabilidade do Consumidor, o Código do Consumidor disponibiliza vários outros instrumentos que possibilitam a busca da igualdade, dentre os quais cita-se:

a) possibilidade de inversão do ônus da prova em benefício do consumidor quando verossímil a alegação ou diante de sua hipossuficiência percebida segundo as regras de experiências (art. 6°, VIII);

Através da inversão do ônus da prova, o legislador determinou que o fornecedor é que deverá provar, judicialmente, que informou de forma clara e inconteste ao consumidor todas as características, restrições ou funcionalidades do bem ofertado ao mercado. Como regra geral de direito, temos que quem alega um dano é que deve provar suas alegações; deste modo, a inversão do ônus da prova constituiu um importante elemento de defesa do consumidor.

b) a interpretação de cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor em todo e qualquer contrato de consumo (art. 47);

Determinou também o legislador que, existindo dúvidas quanto a direitos ou obrigações previstos em um contrato de consumo, a interpretação deve sempre ser a mais favorável ao consumidor. Isto porque, normalmente as empresas obrigam os consumidores à assinatura de contratos padronizados, com cláusulas pré-definidas pela empresa e sem possibilidade de negociação. Desta forma, existindo dúvidas, prevalecerá o entendimento que privilegie o consumidor.

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c) manutenção de assistência jurídica integral e gratuita ao consumidor carente e instituição de Promotorias, Varas e Delegacias especializadas em matéria de consumo (art.5º, I, II, III e IV); d) concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor (art. 5º, V); e) proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (art. 6°, IV).

A questão da responsabilidade civil no direito do consumidor também o torna peculiar e ao mesmo tempo eficiente, com normas inaplicáveis, via de regra, à responsabilidade civil estranha ao Código de Defesa do Consumidor. Esse diferencial baseia-se no fato do Código de Defesa do Consumidor ter adotado a teoria do risco da atividade. Assim, basta que fornecedor produtos ou importador desempenhe uma atividade econômica, para se tornar responsável por eventuais reparações dos danos causados ao consumidor derivados dessa atividade. Trata-se da responsabilidade objetiva pelos fatos e ou pelos vícios do produto e do serviço. É de suma importância ressaltar ainda os princípios relacionados aos contratos de consumo, com normas próprias e diferenciadas daquelas destinadas a regular as relações jurídicas não consumeristas. Com relação a esse assunto o código adota tutelas específicas para relações contratuais estabelecidas entre consumidor e fornecedor. Podemos citar como exemplos dessa diferenciação, dentre outras: a) a boa fé, equidade e equilíbrio regente dos contratos de consumo; b) a solidariedade legal dos causadores dos danos; c) a proibição de cláusulas abusivas com imputação de nulidade de pleno direito das cláusulas assim consideradas; d) interpretação mais favorável ao consumidor nos contratos de consumo; e) possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica.

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Esses Princípios, mais as disposições relativas à defesa do consumidor em juízo (art. 81 e Seguintes) e a disciplina adotada para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos fizeram do Código de Defesa do Consumidor uma norma moderna e eficiente. Outro diferencial introduzido pelo Código de Defesa do Consumidor refere-se à impossibilidade das empresas limitarem sua responsabilidade quanto aos danos e problemas causados por seus produtos e serviços aos consumidores. Neste sentido, caso um consumidor assine um contrato para a aquisição de um bem e este contrato contenha uma cláusula de que quaisquer danos decorrentes da utilização do bem estarão limitados a um determinado valor, referida cláusula será considerada inválida e ilegal, tendo o consumidor o direito de ser ressarcido por todos os prejuízos sofridos em decorrência dos problemas apresentados ou ocasionados pelo bem. A exceção à regra acima se refere à contratação entre duas empresas, na qual um figure como fornecedor e a outra como consumidor, sendo que esta última deverá utilizar o bem ou serviço internamente, não sendo permitido revender ou repassar o bem ou serviço a terceiros. 1.4 – Direitos e Garantias Fundamentais

O primeiro código de leis escrito de que se têm notícias, foi o Código de Hamurabi, sendo que este código defendia a vida e o direito de propriedade, além de contemplar a honra, a dignidade, a família e a supremacia das leis em relação aos governantes.

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Esse código contém dispositivos que continuam aceitos até hoje, tais como a teoria da imprevisão, que fundamentava-se no princípio de talião: olho por olho, dente por dente. Com o tempo, instituições sociais (religião e a democracia) contribuíram para humanizar os sistemas legais, e os ideais libertários da Revolução Francesa, deram origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris. Os Direitos Humanos representam conquistas da civilização, sendo que uma sociedade é considerada civilizada, na medida em que os Direitos Humanos sejam respeitados. A Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, espelhou-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, assinada pelo Brasil em 1948. Os cidadãos que querem ver respeitados os seus direitos, tem obrigação de participar da fiscalização na aplicação desses direitos humanos, não delegando apenas ao Estado a proteção e aplicação dos mesmos. A população, muitas vezes, opta por não reclamar de um produto ou serviço que não atendeu às suas expectativas, ou por entender que sua reclamação não surtirá qualquer efeito e será efetiva perda de tempo, ou por desconhecimento de seus direitos, ou até mesmo por não acreditar na justiça e considerar que a demora na decisão do processo judicial não valerá o esforço despendido na demanda. Contudo, enquanto esta postura permanecer como majoritária na população, as empresas permanecerão com procedimentos inadequados de acordo com a legislação e atuando em desrespeito aos cidadãos. Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos: Direitos individuais e coletivos: trata-se dos direitos previstos no artigo 5º e seus incisos, que estão ligados ao conceito de pessoa humana e à sua personalidade. Podemos destacar o direito à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à propriedade.

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Direitos sociais: o Estado tem o dever de garantir as liberdades positivas aos indivíduos. Tais direitos têm como base a educação, saúde, trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Tem como objetivo a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos, concretizando assim, a igualdade social. Estão elencados a partir do artigo 6º; Direitos de nacionalidade: Podemos conceituar nacionalidade, como o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a certo e determinado Estado. Como isso, torna-se parte de seu povo, recebendo a proteção do Estado e em contra partida, cumprindo com suas obrigações; Direitos políticos: São os direitos que permitem ao indivíduo exercer sua cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado; Direitos relacionados à existência, organização e a participação em partidos políticos: são os direitos relativos a liberdade plena dos partidos políticos como instrumentos imprescindíveis à preservação do Estado democrático de Direito. Estão elencados no artigo 17. Os direitos e garantias não podem ser considerados como uma concessão do Estado, por objeto dos ordenamentos jurídicos, Na verdade eles são inerentes à condição humana, ou seja, já nascem com os indivíduos, outros direitos poderão ser criados através da manifestação de vontade, e outros apenas são reconhecidos nas cartas legislativas. É característica precípua da natureza humana, querer fazer valer o respeito à sua dignidade e individualidade, e natural dizer que o indivíduo queira que o Estado, através de seus instrumentos, garanta a ele os meios de atendimento das suas necessidades básicas. Ao conjunto de direitos e garantias do ser humano, que apresente como finalidade principal o respeito a sua dignidade, através da proteção estatal chamamos Direitos Fundamentais, em outras palavras são os direitos que visam a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, ou seja, visam garantir o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Tal proteção deve ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais de maneira positiva, ou seja, através do ordenamento jurídico. As principais características dos direitos fundamentais são:

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Historicidade: tornam-se Direitos Fundamentais quando colocados na Constituição, entretanto é objeto de todo um contexto histórico, por essa razão guardam essa característica de historicidade; Imprescritibilidade: os Direitos Fundamentais são permanentes, ou seja, não prescrevem, ou seja, não se perdem com o decurso do tempo; Irrenunciabilidade: os Direitos Fundamentais não podem ser renunciados em nenhuma hipótese; Inviolabilidade: Nenhuma autoridade ou lei infraconstitucional poderá desrespeitar os direitos de outrem, sob pena de responsabilização civil, penal ou administrativa; Universalidade: os Direitos Fundamentais são dirigidos a todo ser humano, sem restrições, independente de sua raça, credo, nacionalidade ou convicção política; Concorrência: podem ser exercidos vários Direitos Fundamentais ao mesmo tempo; Efetividade: o Poder Público deve atuar para garantir que os Direitos e Garantias Fundamentais tornem-se efetivos, usando, quando necessário, meios coercitivos; Interdependência: As previsões constitucionais e infraconstitucionais não podem se chocar com os Direitos Fundamentais, devendo se relacionar para atingir seus objetivos; Complementaridade: os Direitos Fundamentais devem ser interpretados de forma conjunta, com o objetivo de sua realização absoluta. Os Direitos Fundamentais são fruto de um contexto histórico-cultural da sociedade. As Gerações dos Direitos Fundamentais Vários autores, baseados na ordem histórico-cronológica, estabelecem assim, as sucessivas gerações dos Direitos Fundamentais que são:

Direitos da Primeira Geração: são os Direitos da Liberdade. Liberdades religiosas, políticas, civis como o direito à vida, à segurança, à propriedade, à igualdade formal (perante a lei), as liberdades de expressão coletiva, entre outros. São os primeiros direitos a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e

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políticos e inspirados nas doutrinas iluministas e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII,

Direitos da Segunda Geração: são os Direitos da Igualdade, neles inseridos a proteção do trabalho contra o desemprego, direito à educação contra o analfabetismo, direito à saúde, cultura, entre outros. São os direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos coletivos, essa geração dominou o século XX. São direitos objetivos que pedem a igualdade material, através da intervenção positiva do Estado, para sua concretização. Vinculam-se às chamadas “liberdades positivas”, exigindo uma conduta positiva do Estado, pela busca do bem-estar social.

Direitos da Terceira geração: São os Direitos da Fraternidade, desenvolvidos no século XX, nele está inserido o direito a um meio ambiente equilibrado, uma vida saudável com qualidade e progresso. Essa geração é humanista e universal, pois se destinam à proteção dos interesses de uma coletividade. Refletem temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

Direitos da Quarta geração: São os Direitos da Responsabilidade, tais como a promoção e manutenção da paz, direito à democracia, à informação, à autodeterminação dos povos, promoção da ética da vida defendida pela bioética, direitos difusos, ao direito ao pluralismo, entre outros. Surgiram na última década. A globalização política na esfera da normatividade jurídica foi quem introduziu os direitos desta quarta geração, que correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.

As três gerações que exprimem os ideais de Liberdade (direitos individuais e políticos), Igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais) e Fraternidade (direitos da solidariedade internacional), compõem atualmente os Direitos Fundamentais. São os pactos, tratados, declarações e outros instrumentos internacionais que reconhecem no mundo os chamados Direitos Fundamentais. Tais direitos nascem com os indivíduos sendo apenas reconhecidos pelo ordenamento jurídico nacional e internacional. E por essa razão, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU-1948), diz que os direitos são proclamados, ou seja, eles pré existem a todas as instituições políticas e sociais, não podendo ser retirados ou restringidos pelas instituições governamentais, que por outro lado devem proteger tais direitos de qualquer ofensa.

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1.5 – Prescrição e Decadência Um dos objetivos do direito civil é solucionar conflitos de interesses surgidos entre particulares. Nesse contexto, muitas vezes o tempo é um aliado, no sentido de que seu decurso influencia a aquisição e a extinção de direitos, a fim de manter situações já consolidadas. Em outras palavras, o direito tem um prazo, no qual deve ser exercitado, e esse prazo não pode ser eterno, uma vez que se sujeita à prescrição ou à decadência. O instituto da prescrição e decadência existe na intenção de preservar a paz social, a tranqüilidade da ordem jurídica e a estabilidade das relações sociais. No caso das relações de consumo, por exemplo, não reclamando o consumidor no prazo estabelecido em lei para que defeitos sejam identificados e o produto devolvido, a empresa poderá entender que a relação de compra e venda e do produto se consumou de forma satisfatória para ambas as partes, não tendo mais a mesma a obrigação de atender a qualquer reclamação por parte do consumidor após este prazo. Os institutos da prescrição e decadência foram criados pelo direito com o intuito de servir de instrumento à resolução de conflitos, com a consequente pacificação social. Ambos são efeitos de decurso do tempo, e tem seu prazo fixado em lei, aliado à inércia daquele que é o titular do direito a ser reclamado. Ou seja, o indivíduo tem um direito a ser tutelado pelo Estado através de suas instituições, porém não o reclama, no tempo fixado na lei para essa providência perdendo assim, o direito a reclamar. Conceitos de Prescrição Segundo Sílvio Venosa (2003, v. 1:615), "Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo." A prescrição extingue a pretensão, que é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. De acordo com o art.189 do Código Civil de 2002, o direito material violado dá origem à pretensão, que é deduzida em juízo por meio da ação. Extinta a pretensão, não há ação. Portanto, a prescrição extingue a pretensão, extinguindo também e indiretamente a ação.

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Espécies de Prescrição: Extintiva – Essa espécie de prescrição faz desaparecer direitos. É a prescrição propriamente dita, tratada no novo Código Civil, na parte geral, aplicada a todos os direitos. Intercorrente – É a prescrição extintiva que ocorre quando o processo está em andamento, ou seja, já tendo o autor provocado a tutela jurisdicional por meio da ação. Assim, se o processo ficar paralisado, sem justa causa, pelo tempo prescricional, caracterizado está o descuido (desídia) do autor, a justificar a incidência da prescrição. Aquisitiva – Corresponde ao usucapião, previsto no novo Código Civil, na parte relativa ao direito das coisas, mais precisamente no tocante aos modos originários de aquisição do direito de propriedade. Está prevista também nos arts. 183 e 191 da Constituição Federal de 1988 que está restrita a direitos reais. Nessa espécie, além do tempo e da inércia ou desinteresse do dono anterior, é necessária a posse do novo dono. Ordinária – Nesse caso o prazo é genericamente previsto em lei. No Código Civil de 1916, a prescrição ordinária era disciplinada no art. 177, já no Código Civil de 2002 o prazo genérico encontra-se previsto no art. 205, que confirmou a tendência de diminuição do prazo prescricional (de 20, 15 ou 10 anos para 10 anos), além de acabar com o tratamento diferenciado entre ações pessoais e ações reais. Especial – Os prazos prescricionais são pontualmente previstos. No Código Civil de 1916, a prescrição especial era tratada pelo art. 178, que muito embora se referisse expressamente à prescrição, continha alguns casos de decadência. Por sua vez o Código Civil de 2002 disciplina a prescrição especial no art. 206. Alegação da Prescrição Conforme disposto pelo artigo 193 do Código Civil de 2002, a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita, podendo ser argüida em qualquer fase, na segunda ou primeira instância, mesmo que não levantada na contestação. Na fase de liquidação da sentença é inadmissível a alegação de prescrição, que deve ser objeto de deliberação se argüida na fase cognitiva do processo. A prescrição só poderá ser arguida pelas partes. Há exceção a esta regra quando no interesse de absolutamente incapazes, quando poderá fazê-lo o juiz, de ofício. O ministério público, em nome do incapaz ou dos

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interesses que tutela, e o curador da lide, em favor do curatelado, ou o curador especial, também poderão invocar a prescrição. Conceito de Decadência A origem da palavra decadência vem do verbo latino cadere, que significa cair. A decadência é a extinção do direito pela inércia do titular, quando a eficácia desse direito estava originalmente subordinada ao exercício dentro de determinado prazo, que se esgotou, sem o respectivo exercício. O tempo age, no caso de decadência, como um requisito do ato. O objeto da decadência, portanto, é o direito que nasce, por vontade da lei ou do homem, subordinado à condição de seu exercício em limitado lapso de tempo. A decadência está relacionada aos direitos que são objetos de ações constitutivas. O Código Civil de 2002 aborda expressamente a decadência, nos arts. 178, 179, e 207 a 211. Assim como a prescrição, a decadência pode ser argüida tanto por via de ação como por meio de exceção ou defesa. O prazo decadencial legal é irrenunciável, segundo o art. 209 do Código Civil de 2002. Espécies de Decadência Legal – Quando é prevista em lei, sendo reconhecida de ofício pelo juiz, ainda que se trate de direitos patrimoniais; de acordo com o arts. 210 do Código Civil de 2002. Convencional – Estipulada pelas partes, somente a parte beneficiada poderá alegá-la, sendo vedado ao juiz de Direito suprir a alegação da parte, consoante o art. 211 do Código Civil de 2002. O prazo decadencial convencional pode ser renunciado, a teor do art. 209 do Código Civil de 2002, a contrario sensu.

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Decadência e Prescrição no Código de Defesa do Consumidor No caso específico do Código de Defesa do Consumidor, a decadência atinge o direito de reclamar, a prescrição afeta a pretensão à reparação pelos danos causados pelo fato do produto ou do serviço. A decadência afeta o direito de reclamar, ante o fornecedor, quanto ao defeito do produto ou serviço, ao passo que a prescrição atinge a pretensão de deduzir em juízo o direito de ver ressarcidos os prejuízos advindos do fato do produto ou do serviço. A prescrição não fere o direito em si mesmo, mas sim a pretensão à reparação. Segundo Serpa Lopes (Curso de Direito Civil, vol. 1, 7ª ed. rev. e atual., Rio de Janeiro, Ed. Freitas Bastos, 1989), "o que se perde com a prescrição é o direito subjetivo de deduzir a pretensão em juízo, uma vez que a prescrição atinge a ação e não o direito." Prazos para Reclamar e Pretender a Reparação de Danos Os prazos decadenciais e prescricionais do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e, portanto, inalteráveis pela vontade das partes. Neste sentido, mesmo que a empresa ou fornecedor estabeleça um prazo inferior para que o consumidor reclame por qualquer problema detectado no produto ou serviço, prevalecerá nesta situação, o prazo superior previsto em lei. Contudo, caso a empresa divulgue um prazo superior ao previsto em lei para que as reclamações sejam efetuadas e, posteriormente, se recuse a atender a reclamação alegando que o prazo previsto em lei expirou-se, a empresa deverá reparar o produto ou serviço, uma vez que prevalecerá a condição mais favorável divulgada ao consumidor. Há prazos gerais fixados no Código Civil e prazos especiais fixados nesse mesmo Código e na legislação extravagante em relação a ele, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor. Prazos Decadenciais no Código de Defesa do Consumidor, Suas Especificidades O Código de Defesa do Consumidor nos apresenta alguns prazos, como:

� 30 dias: para reclamar de vícios aparentes e de fácil constatação no fornecimento de serviços e produtos não duráveis. (art. 26, I)

� 90 dias: na mesma hipótese para serviços e produtos duráveis. (art.

26, II)

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Houve sobre esse assunto uma ampliação em relação ao prazo para reclamar dos vícios redibitórios na forma como disciplinado pelo Código Civil, o qual estabelece o prazo de 15 dias no art. 178, § 2º, e pelo Código Comercial, 10 dias, art. 211. O vício redibitório pode ser conceituado como um vício oculto no bem que o torna impróprio para o uso ou que reduz o seu valor. Temos como exemplo de vício oculto a negociação pela qual o dono de um haras adquire um cavalo de raça e posteriormente descobre que o mesmo é estéril, ou seja, que não poderá ser utilizado para reprodução. Nesta situação, o negócio poderia não ter ocorrido ou valor pago pelo animal poderia ter sido inferior ao negociado. Com relação à contagem de prazo o tratamento dado pelo CDC também é diferente comparado ao Código Civil, especificamente no que se refere ao início da contagem do prazo. O início da contagem do prazo decadencial se dá com a entrega efetiva do produto, ou término da execução dos serviços, ao passo que no Código Civil e Comercial o prazo se inicia com a mera tradição. O prazo decadencial que estudamos é o prazo para que o consumidor reclame, objetivando que seja sanado o vício, junto ao fornecedor ou ao Poder Judiciário, como, também adiante, veremos. Produtos e Serviços Duráveis e Não Duráveis: O critério que se usa para definir diferentes prazos decadenciais é mais próximo do Direito do Consumidor do que o critério da mobilidade utilizado pelo Código Civil (móvel, 15 dias art. 178, § 2º, imóvel 6 meses, art. 178, § 5º, IV). A classificação é que é diferente daquela feita pelo Código Civil.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, durável guarda

certa analogia com consumível (art. 51, CC). Não durável é aquele cujo uso ou consumo importa imediata destruição da sua própria substância, bens (produto ou serviço) se exaurem no primeiro uso ou em pouco tempo (Ex. produtos alimentícios).

Serviço não durável é aquele que se extingue com sua própria

execução (Ex. serviço de limpeza). Ao passo que duráveis são aqueles serviços que persistem após sua execução (Ex. serviços de construção de imóvel).

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Entrega Efetiva No momento em que o consumidor recebe o produto e tenha em decorrência condições de verificar a ocorrência de possíveis vícios é de fato quando ocorre a tradição. Pode ainda restar dúvida neste termo de contagem do prazo, no caso, por exemplo, do porteiro receber o produto em nome do consumidor impossibilitado de fazê-lo pessoalmente e só posteriormente ao decurso do prazo decadencial tenha o porteiro entregue o produto. São, entretanto, casos para que a doutrina e a jurisprudência no caso concreto, possa resolver. Vício Vícios de qualidade são aquelas características que tornam o produto ou serviço impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam, ou lhes diminuem o valor.

Também constitui vício a diferença entre o produto e as indicações do

recipiente, embalagem, mensagem publicitária ou do que deles normalmente se espera. Vale lembrar que o vício de quantidade, via de regra mais facilmente constatável, também enseja a reclamação. Vício Aparente – É o vício visível pela percepção exterior do produto, observado sem maior dificuldade, aquele em que o consumidor não encontra obstáculos em reconhecer. Não requer teste. Levado em conta o grau de conhecimento do consumidor, ou da possibilidade de verificação de que o mesmo dispõe. Um exemplo de vício aparente é a aquisição de um eletrodoméstico de 110v e a entrega pela empresa de um aparelho 220v, o qual não se adequa às instalações elétricas da residência do consumidor. Vício Oculto – É o vício que não oferece facilidade de constatação. Pode ser o defeito indetectável quando da aquisição do produto ou execução do serviço, mas que vem a se manifestar posteriormente. Trata-se, por exemplo, da contratação de um serviço de desentupimento de calhas prestado por uma grande empresa do mercado e, quando da ocorrência da primeira chuva, observa-se que o entupimento permanece. Faz-se necessário, além da evidenciação do vício em si, é preciso identificá-lo como a causa dos seus efeitos. Por exemplo, não basta que seja fácil a identificação de um odor estranho de dado produto, é necessário que seja facilmente assimilável a relação de causa e efeito, isto é, o odor, como o fato do produto encontrar-se estragado, em vista de alguns produtos, mesmo em situações normais, apresentarem forte odor.

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No momento que em o consumidor consegue evidenciar o defeito se inicia o prazo decadencial. Defeito aparentemente sanado pelo fornecedor, equivale a ter o vício ficado novamente oculto, suspendendo o prazo decadencial até o momento em que venha novamente a se manifestar. No exemplo anteriormente mencionado do eletrodoméstico entregue em voltagem incorreta, a contagem do prazo para nova reclamação é suspenso a partir do momento em que a empresa substitui o eletrodoméstico, podendo o consumidor reclamar novamente, sem contagem de novo prazo, caso o mesmo problema seja constatado, ou seja, identificado qualquer vício ou defeito no produto. A reclamação efetuada quanto a um dos fornecedores é plenamente válida para os demais responsáveis. Este é um dos efeitos da solidariedade de acordo com o art. 176, § 1º, CC, solidariedade esta, legal, por decorrer do art. 25, § 1º, Código de Defesa do Consumidor. Por solidariedade podemos entender a responsabilidade comum de todos os envolvidos na cadeia produtiva de fabricação do produto ou de prestação de serviços. Nesta situação, na qual é possível identificar todas as empresas que contribuíram para o preparo de um determinado produto alimentício que foi vendido sem condições de consumo, por exemplo, o consumidor poderá acionar a todas as empresas ou apenas a uma, buscando a preservação de seus direitos. Óbices à Decadência De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, obstam a decadência, ou seja, suspende-se o prazo de contagem para a propositura de demandas contra o fornecedor: 1) A reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor, da qual o mesmo tenha prova, até o envio da resposta negativa correspondente pelo fornecedor, a ser transmitida de forma inequívoca. 2) Instauração de Inquérito Civil pelos órgãos competentes, como o Ministério Público, até seu encerramento.

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2.1 – Conceito de Consumidor

A maior preocupação dos nossos legisladores, inclusive muito antes do Código de Defesa do Consumidor entrar em vigor, é a concepção de que os consumidores são uma categoria social que precisa ser tratada de forma especial, ou seja, com proteções específicas, por sua condição de vulnerabilidade. Por essa razão, a identificação adequada dos contornos da relação de consumo e, sobretudo, a conceituação de quem é efetivamente o consumidor e o fornecedor. Em geral, os legisladores evitam definir ou conceituar os sujeitos de sua aplicação, deixando que a doutrina e a jurisprudência o façam. Entretanto o Código de Defesa do Consumidor, buscando maior eficácia no ordenamento jurídico pátrio, tratou de trazer em seu artigo 2º. o conceito de Consumidor. Vejamos:

Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Como vimos o conceito trazido pela lei é bastante amplo, e tem conotação econômica e não jurídica, evitando tornar-se obsoleto e deixar de abarcar todo e qualquer sujeito que atue no mercado de consumo e possa ser inserido na categoria de consumidor.

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O código de Defesa do Consumidor adotou um conceito para consumidor que visa única e exclusivamente o caráter econômico, no qual leva-se em conta apenas a ação de adquirir bens ou contratar uma prestação de serviços, sempre como destinatário final da ação e visando sempre o atendimento de uma necessidade pessoal e nunca comercial. É importante salientar que o Código do Consumidor não restringiu a qualidade de Consumidor apenas à pessoa física, mas o estendeu também à pessoa jurídica, ampliando dessa forma o rol de favorecidos por suas disposições. Assim, consumidor pode ser a pessoa física ou jurídica, devidamente constituída e registrada, com personalidade independente da de seus membros. Consumidor por Equiparação O Código de Defesa do Consumidor considera consumidor não somente o adquirente de determinado produto ou serviço, mas também aquele que o utiliza, embora sem tê-lo adquirido. Assim, mesmo que entre determinado indivíduo e um fornecedor não tenha havido qualquer relação comercial, mas aquele primeiro utiliza ou usufrui produto ou serviço ofertado ao mercado de consumo pelo último, haverá entre ambos relação de consumo, atraindo os direitos e deveres inerentes a cada um dos agentes. São os chamados consumidores por equiparação. Neste sentido, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 17 define que se equipara a consumidor “todas as vítimas do evento danoso” ocorrido no mercado de consumo. Da mesma forma, no art. 29, no capítulo V, que trata das práticas comerciais, menciona que se equiparam a consumidor, “todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Temos como exemplo de consumidor por equiparação a situação na qual um pedestre é atingido fisicamente por destroços de um avião em virtude da queda do mesmo em localidade próxima da qual transitava. Referido pedestre não possuía, naquele momento, qualquer relação comercial com a companhia aérea detentora do avião, mas poderá acioná-la judicialmente visando a reparação dos danos físicos e morais eventualmente sofridos na qualidade de consumidor por equiparação, uma vez que tornou-se vítima do evento, mesmo não figurando como passageiro de referido voo. Destacamos também que além da pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos e serviços como consumidores finais, p Código

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de Defesa do Consumidor, também considera a coletividade de pessoas como uma figura consumidora, mesmo que não possam ser determinadas nas relações de consumo. Quando isso ocorre, é preciso defender os interesses de todos os envolvidos que podem ser objeto de ações coletivas propostas por órgãos como associações de proteção do consumidor, Ministério Público, entre outros. Apenas para reforçar o entendimento, para que alguém seja considerado consumidor, o Código de Defesa do Consumidor impõe que este seja o destinatário final do produto ou serviço adquirido ou utilizado. Assim, como destinatário final, podemos entender que a nova destinação dada ao produto ou serviço, seja feita de forma que configure a sua retirada do mercado de consumo. Desta forma, apenas transferir o produto ou serviço para outro agente econômico, não é suficiente para haver relação de consumo. Se a empresa “A” contrata a empresa “B” para o fornecimento de papéis para a impressão dos livros fiscais e a empresa “B” atrasa a entrega de referido material, entendemos que a empresa “A” poderá acionar a empresa “B” na qualidade de consumidora, uma vez que referidos papéis seriam utilizados em sua rotina administrativa e não revendidos ao mercado. Na hipótese da empresa “A” efetuar a compra deste material visando a revenda no mercado, perderia a sua condição de consumidora. Como dito, a jurisprudência exerceu papel de grande relevância quanto à definição de destinação final do produto ou serviço, hoje já pacificada nos tribunais pátrios, especialmente no STJ. Tipos de Consumidores A segunda decisão importante tomada pelos nossos legisladores na elaboração do Código de Defesa do Consumidor foi incluir como possíveis consumidores, não só as pessoas físicas, mas igualmente as pessoas jurídicas. Salientamos que no Brasil existem milhares de firmas individuais que só se distinguem das pessoas físicas de seus proprietários no que refere aos aspectos formais de constituição da empresa e para efeitos fiscais. No restante, esse tipo de pessoa jurídica se confunde com a pessoa física de seu proprietário, podendo ser destinatária final de produtos ou serviços (consumidora) com idêntica vulnerabilidade que a faz carecer das mesmas proteções dedicadas às pessoas físicas. Percebemos então, pela observação atenta do Código de Defesa do Consumidor, que estão definidos como consumidores pelo menos cinco

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tipos, sendo dois tipos que consideramos como consumidores natos e três tipos que consideramos consumidores equiparados, quais sejam: 1) Em primeiro lugar, os consumidores natos mencionados no caput do art. 2.º do Código de Defesa do Consumidor, os quais são dotados das características evidentes e explícitas de destinatários finais da produção, são: a) ADQUIRENTES: são as pessoas que adquirem produto ou serviço para consumo final. b) UTENTES: São as pessoas que não adquirem o produto ou serviço, mas acabam se aproveitando de sua utilidade como destinatários finais. Pense nos utentes como o aniversariante que ganha presentes em seu aniversário, ainda que não tenha comprado, é ele o beneficiário que vai desfrutar de seus benefícios. A entrada dessa figura no rol de consumidores, suprimiu a discussão sobre a condição de contratante e com ela, a falta de legitimidade ativa para reclamar. Isso acabou por eliminar também a desculpa de maus fornecedores que buscavam neste argumento, eximirem-se da responsabilidade de responder por eventuais falhas ou problemas de seus produtos ou serviços. 2) Tão importante quanto os consumidores natos, são aqueles equiparados à qualidade de consumidor com o objetivo de receber a mesma proteção legal, quando a relação de consumo acaba sendo mau sucedida: a) COLETIVIDADE DE PESSOAS: Mesmo que não possam ser determinadas numericamente, são protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor quando sofrem prejuízos causados por serviços ou produtos de qualidade duvidosa. Essa proteção se materializa em ações coletivas, reduzindo o número de ações judiciais ou medidas extrajudiciais, favorecendo a agilização do expediente, uma vez que se evita de discutir o mesmo assunto em diversos processos diferentes; b) BYSTANDERS: Também conhecidos como “vítimas do evento”, são terceiros que acabaram sendo atingidos pelos efeitos da relação de consumo que outros realizaram. Para tentar deixar mais clara esta figura, usaremos como exemplo, um entregador dos correios ou de uma empresa particular que acaba se ferindo em decorrência do vazamento, através da embalagem, de produto tóxico. Neste caso, esse terceiro atingido, pode acionar o fabricante do produto, pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, em conjunto com o consumidor que adquiriu o produto e que também tenha se ferido, pelo mesmo motivo. c) Pessoas expostas à prática de mercado: São as pessoas que ainda não adquiriram nenhum produto ou serviço, mas estão em condições de adquiri-lo, através do contato com as práticas de mercado provocadas

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por fornecedores. Para tentar clarear um pouco mais esse tipo de consumidor, destacamos o caso de formação de cartéis entre fornecedores de determinado produto. A combinação de preços impede que o consumidor possa escolher um produto pelo melhor preço. Em complemento, é importante ressaltar o grande avanço que representou incluir no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, os serviços públicos e os bancários ou de natureza financeira, quando se caracterizarem como relação de consumo, sendo que tal decisão colaborou, sobretudo, com um melhor delineamento de quem seja efetivamente o consumidor. Sendo assim, o Código de Defesa do Consumidor conseguiu adotar fórmula ideal a fim de dar proteção aos consumidores e demais atingidos por relações de consumo (e de mercado), quando malsucedidas. Sem essa estrutura estabelecida para identificar os destinatários finais da produção, ou seja, os consumidores, todos os demais aspectos do código ficariam comprometidos. 2.2 – Conceito de Fornecedor

O fornecedor tem sua definição prevista no art. 3º caput do Código de Defesa do Consumidor, como veremos:

"Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".

Percebemos que o legislador tentou ser o mais abrangente possível ao elencar aqueles considerados fornecedores de produtos ou serviços, não se esquecendo nem mesmo dos entes despersonalizados (tipo informal de comércio ou prestação de serviços).

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Entretanto, em especial quanto aos serviços, este rol de tipos de fornecedores deve ser combinado com o constante no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor e incluir não só os que produzem, montam, criam, constroem, transformam, importam, exportam, distribuem ou comercializam, mas também aqueles que projetam, formulam, manipulam ou apresentam. Outro ponto que merece destaque na conceituação de fornecedor é o que tange aos serviços de natureza pública, ou seja, tornam-se fornecedores de uma relação de consumo, sob a tutela da lei, a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, os partidos políticos, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, entre outras.

Neste sentido, as concessionárias de energia elétrica podem ser acionadas pelos consumidores, pessoas físicas ou jurídicas, quando da ocorrência de apagões. Os apagões podem acarretar tanto a perda de equipamentos eletrônicos nas residências quanto a paralisação completa de indústrias, com perda de insumos e paralisação de máquinas e empregados. Do mesmo modo, as empresas responsáveis pelo fornecimento de água potável à população também poderão ser acionadas se comprovada a má qualidade do produto (água) oferecido.

Se analisarmos o fornecedor pelo ponto de vista econômico, veremos que ele é um agente que exerce sua atividade, tanto como mentor, quanto executor do fornecimento de produto ou serviço que chega ao consumidor. Tem como característica profissional sua maior capacitação para o fornecimento e a habitualidade de procurar fornecer ao máximo, dentro de suas possibilidades. Entre suas atribuições está o fechamento de contratos com outros profissionais a fim de aprimorar e implementar seus processos de produção, com o objetivo final de prover o mercado em relações de consumo. Deve-se excluir da condição de fornecedor, aqueles que realizam eventualmente algum contrato privado sem o objetivo de se manterem na atividade, ou seja, que não atuam profissionalmente, ou com um mínimo de habitualidade e, também, desprovidos do intuito de ganho ou lucro. Atente-se que a característica de profissionalismo de que se fala não está ligada especificamente à ideia de profissão no sentido de viver ou retirar o seu sustento unicamente da atividade referida, bem como não é exigida especialização. Sendo assim, até quem se dedique a fornecer, por exemplo, salgadinhos durante curto período de tempo (exemplo: apenas a temporada na praia ou durante as suas férias) também será fornecedor, pois presente o intuito de habitualidade, mesmo que limitado àquele determinado período.

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Ser habitual na atividade tem o sentido de fornecer tantas quantas vezes puder, buscando auferir ganho ou lucro (a remuneração também é imprescindível para existência de relação de consumo), independentemente de ser por via direta ou indireta. Se partirmos para esta linha de raciocínio, chegaremos a conclusão que a habitualidade não deve ser entendida como período de tempo no mercado, mas como a intenção de realizar o máximo possível de fornecimentos. Assim, quando um indivíduo, realiza a venda de seu carro, ou realiza trabalhos voluntários pontuais, não pode ser considerado um fornecedor. Destacamos ainda, que no fornecimento de produtos e serviços é comum haver um fornecedor aparente que contrata o fornecimento junto ao consumidor, mas a efetiva prestação, total ou parcial, é realizada por outro. Não podemos esquecer que existem situações em que se formam cadeias de fornecimentos, ou seja, um fornecedor assume a responsabilidade de organizar outros fornecedores para juntos, fornecerem seus produtos ou serviços ao consumidor final. É importante que fique claro que para o Código de Defesa do Consumidor, independente da existência ou não de um documento formal que vincule toda a cadeia, todos são considerados fornecedores e respondem pela qualidade dos produtos ou serviços fornecidos. Cabe ressaltar ainda, a condição de fornecedores para aqueles que fornecem instrumentos ou produtos que auxiliam, ou mesmo compõem, o fornecimento (em especial, nos casos de prestação dos serviços), pois esta condição dá ao consumidor o direito de acioná-los quando o defeito ou vício do serviço decorra da má qualidade do produto nele envolvido ou do deficiente funcionamento de algum instrumento auxiliar. Vale lembrar a questão da responsabilidade solidária entre todos aqueles (fornecedores) que tenham contribuído ou que sejam responsáveis pelo fornecimento e respectivo evento danoso, conforme prescrevem em específico os artigos 7.º (parágrafo único), 12, 13, 18, 19 e 25 (parágrafos 1.º e 2.º), todos do Código de Defesa do Consumidor. Para finalizar e reforçar nosso entendimento: Fornecedor é quem se dedica a atividade de abastecer o mercado com o fornecimento de produtos ou serviços, para atender o consumidor final. Se por ventura o produto ou serviço for fornecido por pessoa jurídica que não se enquadra nas características de fornecedor, a relação será regida pelo Direito Privado e não pelo direito do consumidor, uma vez que não há a presença das figuras essenciais na relação, como o fornecedor e o consumidor.

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2.3 – Política Nacional das relações de consumo

O artigo 4º. Do Código de Defesa do Consumidor dispõe a respeito do que seja a Política Nacional das relações de consumo, quais são os seus princípios e os instrumentos para a execução dessa política. Assim dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º. Caput:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

Acerca desse assunto, BRITO FILOMENO, um dos autores do anteprojeto do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e membro do Ministério Público do Consumidor no Estado de São Paulo diz que

Quando se fala em política nacional de relações de consumo, por conseguinte, o que se busca é a propalada ´harmonia´ que deve regê-las a todo momento (...)

e que, (...) se por um lado efetivamente se preocupa com o atendimento das

necessidades básicas dos consumidores (isto é, respeito à sua dignidade, saúde, segurança e aos seus interesses econômicos), almejando-se a melhoria de sua qualidade de vida, por outro visa igualmente à paz daquelas, para tanto atendidos certos requisitos (...), dentre os quais se destacam as boas relações comerciais, a proteção da livre concorrência, do livre mercado, da tutela das marcas e patentes, inventos e processos industriais, programas de qualidade e produtividade, enfim, uma política que diz respeito ao mais perfeito possível relacionamento entre consumidores - todos nós em última análise, em menor ou maior grau - e fornecedores".

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Neste sentido, definimos a “Política Nacional das Relações de

Consumo” como a linha mestra que guia o direito do consumidor, tornando o artigo 4.º da referida lei como principal artigo do Código de Defesa do Consumidor. Deve ser muito bem interpretado, entendido e compreendido, uma vez que se constitui em instrumento da tutela consumerista. Os princípios que regem a política nacional das relações de consumo 1) Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor – artigo 4º. Inciso I É de grande importância que o Estado reconheça o consumidor como parte hipossuficiente da relação de consumo, ou como o inciso diz a parte vulnerável. Deste modo, ao analisarmos este princípio percebemos a preocupação do legislador em resguardar direitos ao consumidor, tratando desigualmente os desiguais, a fim de buscar o equilíbrio da relação consumerista. Um dos exemplos mais marcantes da vulnerabilidade do consumidor consistiu, há alguns anos, na ampla divulgação comercial dos leites infantis, sugerindo a substituição do aleitamento materno pelo oferecimento aos recém nascidos dos leites industrializados, utilizando como um dos fundamentos para tal atitude aspectos estéticos das mães que amamentavam seus filhos. Esta postura comercial das empresas acarretou tanto um volumoso aumento em suas vendas quanto do aumento da desnutrição infantil à época, principalmente entre a população mais carente. 2) Ação Governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor – artigo 4º. Inciso II De nada adiantaria estabelecer os direitos do consumidor sem prever mecanismos do Estado para a efetivação desses direitos, sendo que o legislador determinou estes mecanismos nesse inciso. Somente através dessa garantia é que o consumidor terá pleno gozo dos direitos garantidos pelo Código. Ainda que de maneira tímida, devemos reconhecer que através da criação, manutenção a ampliação de alguns órgãos como o IDEC, a existência do DPDC – Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, vinculado ao Ministério da Justiça por meio da Secretaria Nacional de Direito Econômico, e a implantação em nível estadual - bem como, em alguns casos, municipal - dos órgãos de proteção consumerista, entre outros exemplos.

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3) Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo – artigo 4º. Inciso III O êxito do direito do consumidor depende da soma adequada de todos os seus institutos. Entretanto, este, previsto no inciso III do artigo 4º. é um dos mais importantes, qual seja, a necessidade de harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Ao comentar este princípio, BRITO FILOMENO ratifica que detém uma lógica irrefutável: são aqueles que propiciam o lucro e subsidiam os investimentos dos segundos, os quais, por seu turno, não podem prescindir do bem da vida - ainda pelos segundos propiciados, o que, realmente, dispensa maiores considerações. 4) Educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo – artigo 4º. Inciso IV O inciso IV do artigo 4º. diz o seguinte: “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vista à melhoria do mercado de consumo”. Neste inciso o legislador quis dar mais eficácia e divulgação aos direitos básicos, tanto para o consumidor quanto para o fornecedor, além das obrigações assumidas pelas partes no que tange a relação obrigacional. É indiscutível que a importância da educação e da informação aos consumidores e aos fornecedores seja ampla e eficaz, pois, trata-se da aplicação do art.3o da LICC (Lei de introdução ao Código Civil), que prevê que a ninguém é dado o privilégio de se escusar – se distante da Lei - alegando que não a conhecia. 5) Concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor – artigo 4º. Inciso V Nesse inciso, os legisladores imbuídos da legítima preocupação com os meios utilizados para a essencial manutenção dos Direitos básicos do consumidor, e a fim de desestimular as demandas judiciais que porventura podem provir de pequenos incidentes dos quais as próprias empresas através destes métodos poderiam solucionar, resolveram instituir a necessidade das empresas fornecedoras constituírem canal, para atendimento das dúvidas e reivindicações dos consumidores.

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A maior parte da empresas de consumo optou por instituir uma área denominada de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), através do qual os consumidores teoricamente conseguem obter informações sobre os produtos e sanar eventuais problemas. Com isso, é muito importante, e agora legal que empresas sérias tenham o serviço de atendimento ao consumidor, para dar qualquer informação sobre o que o consumidor está consumindo, além de um controle rígido feito por essas, sobre os produtos e serviços lançados no mercado de consumo. 6) Coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores – Artigo 4º. Inciso VI Esse inciso trata expressamente dos direitos da propriedade industrial, muito embora seja esse um assunto do direito civil, interessa ao Código de Defesa do Consumidor, na medida em que a violação deles importa em violação aos direitos dos consumidores. Dessa forma o legislador, ao ter percebido que estes institutos de Direito Empresarial influenciariam o consumidor, fez constar na norma consumerista a devida repressão contra os abusos decorrentes da má utilização dos institutos em conformidade com a Lei 8078/90. Temos que a concorrência desleal pode atingir o mercado de consumo de diversas formas. Quando uma empresa decide praticar preços de venda inferiores ao do custo de produção da mercadoria, com o intuito de dominar o mercado e enfraquecer a atuação de concorrentes que não suportam financeiramente praticar o mesmo preço reduzido, está praticando concorrência desleal, por exemplo. Isto porque, ao praticar preço inferior ao custo de fabricação, a empresa acabar por tirar do mercado empresas menores que não possuem saúde financeira suficiente para adotar a mesma prática. O consumidor é atingido por esta prática, na medida em que a oferta de produtos é reduzida com o passar do tempo e fechamento das empresas menores. Dominando o mercado, a empresa poderá aumentar os seus preços indiscriminadamente, pois o consumidor não terá opções para consumir referido produto.

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7) Racionalização e melhoria dos serviços públicos – Artigo 4º. Inciso VII Antes de tudo, cumpre-nos conceituar, brevemente, o que seria serviço público. Serviço público é uma prestação ou uma obrigação de fazer da União, Estados e Municípios em prol de uma sociedade, onde a sua competência é almejada, perfazendo assim uso do erário público para a melhoria da qualidade de vida. Neste assunto o Sistema Brasileiro ainda é falho, pois as políticas que são implementadas nesta matéria são de descaso. O País ainda passa por uma grande crise institucional, por isso discutir melhora nos serviços de natureza pública ainda é precoce, mesmo estes estando albergados pelo Código de Defesa do Consumidor. Resumindo, mesmo com a previsão legal a prestação dos serviços pelos entes federativos ainda é precária, e a deficiência vem da não implementação de políticas mais sérias para efetivação deste embate. 8) Estudo constante das modificações do mercado de consumo – Artigo 4º. Inciso VIII Como vimos acima a sociedade de consumo é dinâmica, vale dizer que está em constante mudança, e por essa razão, decidiu o legislador instituir nesse inciso a obrigatoriedade para todas as partes envolvidas no mercado de consumo, providenciarem a constante atualização sobre as mudanças dessas mesmas relações. O uso do aparelho celular representou uma significativa modificação no mercado de consumo, por exemplo. Tornou-se necessário regulamentar, através de órgãos como ANATEL, as práticas que poderiam ser adotadas pelas empresas de telefonia para a venda e disponibilização de serviços para os telefones portáteis, pós-pagos e pré-pagos, seguindo até o atendimento à solicitação dos consumidores para o desbloqueio dos aparelhos e utilização da mesma linha telefônica em qualquer operadora. Este é um exemplo da modificação do mercado de consumo de aparelhos telefônicos. Há alguns anos, poucas residências possuíam telefone para uso particular, sendo que atualmente o número de aparelhos celulares no Brasil ultrapassa o número de habitantes. Este mercado evoluiu e continua em plena expansão, sendo que atualmente os aparelhos móveis possuem funções similares à de computadores. Desta forma, cabe aos órgãos competentes e partes envolvidas na regulamentação do mercado de consumo acompanhar esta evolução tecnológica e de mercado, sempre atentos à manutenção dos direitos dos consumidores em todas as situações.

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Instrumentos para a execução da política nacional das relações de consumo A lei estabeleceu em seu artigo 5°, a título não taxativo, mas exemplificativo, alguns instrumentos estatais para efetivar e consolidar a política consumerista. Conforme artigo 5º. do Código de Defesa do Consumidor:

Art 5° - Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o Poder Público com os seguintes instrumentos, entre outros: I – manutenção de assistência jurídica integral e gratuita para o consumidor carente; II – instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público; III – criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo; IV – criação de Juizados Especiais de pequenas Causas e Varas especializadas para a solução de litígios de consumo; V – concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.

Temos que o verdadeiro desejo do legislador, quando da criação do Código de Defesa do Consumidor é o de que ele não sirva para as lides e discussões judiciais. Muito ao contrário, o verdadeiro desejo do legislador é o de que o Código de Defesa do Consumidor seja instrumento de uma educação continuada, contribuindo para o exercício e promoção dos direitos e, por conseqüência, ser instrumento de inclusão social, pelo necessário resgate da auto-estima de todos os brasileiros. Podemos dizer que muito já foi realizado para a construção e manutenção da harmonia na relação consumerista. Porém, muito ainda há de se fazer, como cidadãos devemos participar ativamente, lutando para que efetivamente essa política seja real, tangível, universal e, principalmente, parte indissociável de nossa vida social e econômica.

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3.1 – Garantia dos Direitos Básicos

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º. e incisos, os direitos básicos do consumidor são em número de nove, sendo:

- Proteção da vida, saúde e segurança; - Educação para o consumo; - Informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e

serviços; - Proteção contra publicidade abusiva; - Proteção contratual; - Indenização; - Acesso a justiça; - Facilitação de defesa de seus direitos e - Qualidade dos serviços públicos.

Os direitos dispostos no Código de Defesa do Consumidor não excluem os direitos previstos em tratados ou convenções internacionais de que o nosso País seja signatário. Da mesma forma, não excluem os direitos da legislação interna ordinária e regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes. Ainda, estão assegurados os direitos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade, conforme estudado anteriormente. Vejamos agora, mais detidamente, cada um dos direitos básicos do consumidor, elencados no artigo 6º. e de referida legislação.

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1) Proteção da vida, saúde e segurança: Nós sabemos que as relações contratuais, costumam ser baseadas em desigualdades entre os contratantes. Assim, o legislador ao elaborar o Código de Defesa do Consumidor, criou dispositivos de proteção ao consumidor que pudessem proteger a parte mais sensível da relação comercial, como os fracos em detrimento dos mais fortes e poderosos e os leigos em detrimento dos melhores informados. Desta forma, incluiu-se no Código de Defesa do Consumidor cláusulas que garantem a proteção, à saúde e segurança dos consumidores, de forma a assegurar que os produtos e serviços disponibilizados no mercado de consumo não acarretem riscos à sua saúde e/ou segurança, exceto aqueles riscos considerados normais e previsíveis. Também estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor, fabricante, produtor, construtor e importador pela reparação dos danos causados. Por responsabilidade objetiva podemos entender a responsabilidade decorrente da simples oferta do produto ou serviço, ou seja, o fato do produto ou serviço defeituoso ou viciado ser ofertado no mercado já é suficiente para responsabilizar o fornecedor por todos os danos e prejuízos causados aos consumidores. Vale ressaltar aqui que consumidores e terceiros que não estão envolvidos em uma determinada relação de consumo, possuem o direito de não serem expostos a perigos que possam prejudicar sua integridade física. É por isso a exigência que se faz de normas que obriguem a devida informação sobre os riscos que produtos e serviços possam apresentar. Ainda neste sentido, é em razão desse direito à segurança, que deve ser respeitado acima de tudo, o dever de fornecedores retirarem do mercado produtos e serviços que, comprovadamente, apresentam riscos aos consumidores ou a terceiros. Devem ainda comunicar às autoridades competentes e aos próprios consumidores, a respeito desses riscos, e por fim, o dever de indenização caso estas normas não sejam cumpridas e os consumidores ou terceiros venham sofrer prejuízos. Temos como exemplo deste direito os inúmeros recalls que vem sendo anunciados pelas empresas automobilísticas, nos quais, além do vício apresentado pelo veículo e as alternativas para a correção do mesmo, são informados ao consumidor todos os riscos envolvidos pela não correção do vício. O direito à segurança abrange não somente os riscos contra a vida, integridade física e saúde do consumidor. Tem sentido amplo e diz respeito também ao patrimônio cujo valor é eminentemente econômico e financeiro, pois engloba além desses elementos pessoais, conteúdo patrimonial.

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2) Educação para o consumo Ter educação é essencial para o consumidor utilizar com qualidade os produtos e serviços adquiridos. Da mesma forma, a educação permite ao consumidor exercer sua liberdade de escolha entre produtos e fornecimento de serviços que atenda de maneira satisfatória, às suas necessidades. Quando falamos em educação para o consumo, procuramos abranger a educação formal ensinada nos currículos escolares, desde o primeiro grau, independente de a escola ser pública ou privada, mas que possa constituir um verdadeiro instrumento para a formação do indivíduo. Já a educação informal, é derivada tanto dos meios de comunicação social, quanto dos meios de comunicação em massa, tendo a função de educar os consumidores através da informação. Nesta questão, o legislador procurou oferecer e garantir ao consumidor conhecimentos mínimos sobre a melhor utilização de produtos e serviços, com o objetivo de proporcionar a ele o direito de liberdade de escolha entre os vários produtos disponíveis no mercado. Assim o consumidor mais carente, passou a exercer seu direito de optar, decidir e escolher o que é melhor para ele. É garantia constitucional, prevista no artigo 205, que a educação é direito de todos e dever do Estado e da Família e será promovida e incentivada com a colaboração da família. Com isso, fica evidente o dever que recai sobre o Estado, de informar seus cidadãos sobre as melhores maneiras de conduzir-se nas relações de consumo. Esta preocupação com a educação do consumidor, não se restringe apenas ao âmbito regional. Essa preocupação com o ensino do consumidor e seu comportamento no processo de compras de produtos e serviços ultrapassou as fronteiras do país e ganhou destaque na Resolução 39/248 da ONU, onde diz expressamente, que a educação do consumidor deve ser parte integrante do currículo básico do sistema educacional. Assim, podemos concluir que diante de vários produtos e serviços de mesma natureza, o consumidor que estiver melhor informado sobre seus direitos e deter conhecimentos sobre o produto ou serviço, terá maiores chances de sucesso em sua escolha, uma vez que estará em pé de igualdade com o fornecedor. O consumidor que consegue explorar essa educação formal e informal estará apto a contratar seu fornecedor com mais segurança, proporcionando um maior equilíbrio na relação. Mas a educação ao consumidor pode ultrapassar os limites da responsabilidade legal das partes envolvidas e trabalhar em favor da coletividade e do planeta. Vejamos o exemplo de uma empresa de saneamento básico do estado de São Paulo, que comercializa água potável,

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sendo esta sua atividade lucrativa, mas que divulga comerciais orientando aos consumidores sobre a correta utilização da água, de forma a preservar este importante recurso natural. 3) Informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços O Código de Defesa do Consumidor indica o direito à informação dos consumidores de alguns dados básicos do produto que está sendo adquirido como quantidade, características, composição, qualidade e preço, e até mesmo sobre os riscos que o produto possa oferecer. Tal premissa pode ser observada de forma clara tanto nas embalagens de brinquedos, que informam a idade adequada da criança para o manuseio sem risco do mesmo, como nas embalagens de produtos alimentícios, que informam a existência de glúten em sua composição, face ao elevado número de consumidores que possuem problemas de saúde com a ingestão deste ingrediente. Em relação à obrigação das empresas de divulgarem informações sobre os produtos, há exceção quanto a divulgação de informações sigilosas, como a fórmula do produto, com o intuito de proteger o segredo comercial e evitar que concorrentes copiem as fórmulas dos fabricantes. A necessidade de divulgação de informações, salvo a exceção acima mencionada, decorre da necessidade de evitar danos a saúde e segurança do consumidor, uma vez que o mesmo deve conhecer todas as circunstâncias consideradas impróprias ao uso dos produtos ou que possam reduzir sua funcionalidade. Neste sentido, é exigida dos fabricantes a informação quanto aos elementos e ingredientes utilizados para a fabricação do produto, de forma a que o consumidor tenha condições de avaliar as condições adequadas de uso do mesmo. 4) Proteção contra publicidade abusiva O consumidor tem direito de ser protegido contra a publicidade enganosa ou abusiva, contra métodos comerciais coercitivos e cláusulas abusivas no fornecimento de produtos e serviços, sendo esse o direito que trata o inciso IV do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. A proteção contra publicidade enganosa e abusiva é inerente ao mercado de consumo, ou seja, tudo que diga a respeito a um determinado produto ou serviço deverá corresponder exatamente à expectativa despertada no público consumidor. Neste sentido, não só a empresa fabricante do produto e o comerciante poderão ser acionados em virtude de uma propaganda enganosa. A agência de publicidade responsável pela criação do veículo de divulgação e que venha a oferecer o produto no mercado em condições divergentes das indicadas pelo fabricante ou comerciante também poderá ser acionada a fim de reparar os danos causados ao mercado de consumo.

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A publicidade subliminar é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, posto que imperceptível e o consumidor não tem noção que está sendo induzido à compra. Por propaganda subliminar podemos entender a mensagem transmitida pela propaganda, através de um detalhe não perceptível aos sentidos humanos em seu uso habitual, por exemplo, uma única palavra inserida em todo o contexto de um comercial que busca transmitir uma mensagem adicional à propaganda. A publicidade comparativa é aquela que a empresa compara seu produto ao de uma empresa concorrente, sendo que pela publicidade de denegrição, a empresa busca vantagem denegrindo o seu concorrente, é vedada. A publicidade enganosa é a que pode induzir o consumidor a erro. Pode ocorrer quando o anunciante omite dados relevantes sobre o que está sendo anunciado, sendo esta denominada de publicidade enganosa por omissão. A publicidade enganosa por comissão, por sua vez, é aquela na qual a empresa atribui mais qualidades ao produto do que ele realmente possui. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 37 § 2º, conceitua a propaganda enganosa como a sendo discriminatória, ou seja, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Podemos considerar como exemplo de propaganda abusiva a que, em seu contexto, trata como superior uma raça em detrimento de outra. Ainda: também é abusiva uma propaganda que se aproveita de uma situação delicada, tal como uma doença grave, para vender um produto ou serviço. Devemos observar, contudo, que a citação contida no Código de Defesa do Consumidor quanto aos tipos de propaganda enganosa é meramente exemplificativa, ou seja, caso seja identificada uma nova situação não prevista em lei, mas que ofenda à dignidade humana, teremos o enquadramento de publicidade abusiva. 5) Proteção contratual O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º., garante ao consumidor o direito de reivindicar a alteração de cláusulas contratuais que lhe sejam desfavoráveis em virtude de desproporcionalidade. Neste sentido, o consumidor poderá solicitar a revisão do contrato a qualquer momento, caso fatos supervenientes tornem excessivamente onerosas as obrigações assumidas.

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Esta garantia inserida na lei ao consumidor permite a alteração de quaisquer cláusulas que indiquem um desequilíbrio entre as partes, seja a cláusula do preço ou qualquer outra obrigação assumida pelo consumidor. O intuito desta garantia é o de manter o contrato, durante toda a sua vigência, em condições igualitárias entre consumidor e fornecedor, uma vez que este último possui melhor estrutura financeira capaz de suportar alterações que por ventura lhe seja desfavoráveis no decorrer da contratação. Caso esta alteração não seja realizada de comum acordo e o fornecedor se recuse a efetuar a alteração, a lei garante ao consumidor o direito de acionar o Estado, através do Poder Judiciário, com o intuito de que este participe da discussão e re-estabeleça o equilíbrio contratual através de uma determinação judicial. Essa possibilidade de intervenção judicial em um acordo privado ressalta esta peculiaridade determinante do Código de Defesa do Consumidor, de sobrepor-se ao interesse das partes com o intuito de proteger a relação consumerista. Ao efetuar esta intervenção na relação entre particulares, o Poder Judiciário cumpre com a determinação legal de proteção ao consumidor, além de reafirmar a irrenunciabilidade de referidas normas de proteção e defesa do consumidor hipossuficiente. 6) Indenização e Facilitação da Defesa Judicial Entre os direitos básicos do consumidor, encontramos a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais ou coletivos, ou seja, a lei colocou à disposição do consumidor, meios e processos que lhes permitem compelir o fornecedor a reparar financeiramente eventuais danos causados por produtos ou serviços. Toda a estrutura legislativa no Brasil foi criada com o intuito de atuar de forma preventiva contra a ocorrência de danos ao consumidor e ao mercado consumerista, através da responsabilização objetiva do fabricante e comerciante, como também através da possibilidade do consumidor alterar contratos assinados, como vimos anteriormente, com o intuito de sempre manter o equilíbrio contratual. Contudo, esta estrutura não evita que danos ocorram, uma vez que a postura adotada por algumas empresas de desrespeito à legislação e mesmo a constante mudança do mercado poderão dar ensejo a danos materiais e morais, individuais e coletivos, aos consumidores. Neste sentido, a legislação determinou o direito à indenização aos consumidores pelos prejuízos sofridos, com a responsabilização objetiva das empresas fabricantes, fornecedoras e comerciantes.

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Dando continuidade ao intuito protetivo, o Código de Defesa do Consumidor também estabeleceu algumas diferenciações para que estes processos, envolvendo relações de consumo cumpram com as premissas aplicáveis a este grupo, tais como a inversão do ônus da prova no processo e até mesmo a assistência judiciária gratuita. No que diz respeito à estrutura do judiciário para a defesa do consumidor, são instrumentos deste a Política Nacional de Relações de Consumo, os juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo. Nos Juizados Especiais de Pequenas Causas, por exemplo, o processo judicial é conduzido com base em princípios diferentes dos utilizados no processo comum, quais sejam: simplicidade, informalidade, celeridade, oralidade e economia dos atos processuais, ainda mais considerando que há limitação no valor pretendido com a propositura do processo. Há de se observar, ainda, que o objeto da ação neste fórum especializado deve ser simples, de forma a permitir uma rápida análise do caso, produção de provas e sentença. No processo civil comum, o ônus da prova, ou seja, a obrigação de provar os fatos constitutivos de seus direitos, regra geral, cabe ao autor da ação. Ao réu, cabe provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. No Código do Consumidor esta regra é diferenciada. Caso o juiz, entenda como verossímeis as afirmações do consumidor, poderá inverter o ônus da prova e determinar que o fornecedor produza as provas necessárias a fim de descaracterizar o direito pretendido pelo consumidor. Embora o Código de Defesa do Consumidor não efetue uma conceituação do consumidor hipossuficiente, tanto os juristas mais renomados quanto a jurisprudência, entendem que se trata daquele cidadão impossibilitado de resistir as despesas processuais, sob pena de sacrificar a própria subsistência e de seu grupo familiar, conceito este muito similar ao que confere à gratuidade da justiça a que se declare impossibilitado de assumir com os custos processuais nos processos comuns. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor terá a obrigação de indenizar tanto o dano decorrente do descumprimento de uma obrigação contratual, como a não entrega de um determinado bem no prazo acordado com o consumidor, como também o dano decorrente de um ato ilícito, como a recusa em substituir um produto viciado. 7) Direito à um Meio Ambiente Saudável No Brasil, o direito a um meio ambiente saudável encontra-se previsto na Constituição Federal e, desta forma, é aplicável a todos os cidadãos de

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uma forma geral e não apenas aos consumidores, traduzindo-se em um princípio essencial a fim de garantir o da dignidade da pessoa humana. . No mercado de consumo, tornou-se um desafio garantir o desenvolvimento econômico sem a degradação do meio ambiente. Ainda temos que considerar que este desenvolvimento deverá levar em consideração também o passivo ambiental já existente, de forma a não aumentá-lo e, ao mesmo tempo, eliminá-lo. Dentro da premissa de educação constante aos consumidores, entendemos que o consumo aliado à preservação ambiental poderia ser tanto matéria escolar quanto objeto de campanhas publicitárias pelo governo e órgãos de proteção ao consumidor, visando conscientizar a geração atual e, consequentemente, as gerações futuras sobre a importância de um consumo consciente e não desperdício dos recursos naturais. Neste sentido, seriam adequadas campanhas voltadas à reciclagem de materiais, como também, ações governamentais que determinassem às empresas fabricantes a obrigação de buscarem junto aos consumidores os materiais recicláveis que acompanharam a comercialização de seus produtos, tais como embalagens e recipientes de vidro ou plástico, por exemplo. 8) Direito à Melhoria dos Serviços Públicos Temos que considerar que o Estado também atua na qualidade de fornecedor, através da prestação de serviços por funcionários públicos ou através de suas empresas, públicas ou de economia mista, além das empresas concessionárias de serviços públicos. Embora seja de conhecimento comum a deficiência e a precariedade dos serviços públicos, as determinações de respeito e cumprimento das normas consumeristas também são aplicáveis aos entes estatais. Neste sentido, caso na execução de um serviço público o Estado venha a causar qualquer prejuízo ao consumidor, terá a obrigação de ressarci-lo na forma da lei. O Estado atua como fornecedor de serviços tanto em relação aos serviços públicos propriamente ditos, como educação e saúde, como também em atividades de natureza privada, como fornecimento de água, eletricidade, transporte. No que se refere aos serviços tidos como privados, como o fornecimento de água, por exemplo, a relação entre o poder público e os consumidores é considerada relação de consumo. Contudo, quando nos referimos aos serviços gratuitamente prestados pelo Estado, como educação e saúde, o entendimento predominante é o de que não se trata de uma relação de consumo, considerando a inexistência de remuneração por parte do consumidor.

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3.2 – Prevenção e reparação de danos individuais e coletivos Podemos conceituar de forma breve responsabilidade civil como sendo a obrigação jurídica que tem alguém de responder ao dano (material ou moral) causado a outrem. O Código do Consumidor determina que, quando determinado produto ou serviço fornecido causa dano ao consumidor, surge a obrigação de indenizar, sendo esta responsabilidade do fornecedor em ressarcir o dano objetiva, ou seja, constatando-se os elementos previstos em lei e essenciais para que a obrigação de indenizar exista, quais sejam: evento danoso, o acidente de consumo e o nexo causal entre o evento e o acidente; surge então a obrigatoriedade de reparação do dano causado. Contudo, esta responsabilidade civil objetiva na esfera do Código de Defesa do Consumidor acaba sendo reduzida, pois, como explica Rosana Grinberg, "permite a isenção de responsabilidade, desde que o fabricante, o construtor, o produtor, o importador e o fornecedor de serviços provem que não colocaram o produto ou o serviço no mercado, que, embora, o tendo colocado, o defeito inexiste, ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro". Um aspecto relevante da responsabilidade do fornecedor consiste no fato de que o consumidor poderá exigir não só do fornecedor a reparação do dano sofrido, mas também de todos os demais envolvidos na cadeia produtiva. Este fato é determinado pelo princípio da solidariedade passiva que impera do Código de Defesa do Consumidor. Ainda: temos que a reparação deverá ser total, devendo abranger tanto danos materiais quanto os morais sofridos pelo consumidor ou pelo mercado de consumo, no caso das ações coletivas, podendo ocorrer a indenização também de danos emergentes e lucros cessantes. Para que este direito de ressarcimento seja bem entendido, se faz necessária a distinção entre vício e defeito. Isto porque, o direito ao ressarcimento surge de um defeito do produto ou serviço que expõe a risco a saúde e segurança do consumidor ou que determinou a ocorrência do acidente. Quando falamos em vício, estamos tratando de problemas na funcionalidade do produto ou serviço, mas que não acarretam riscos à saúde e vida dos consumidores. Neste momento da ocorrência do defeito, temos o fato do produto ou acidente de consumo, que consiste na utilização de produto com defeito pelo consumidor. O mesmo conceito se aplica ao de serviço, que consiste no evento danoso ocorrido na prestação de serviço.

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3.3 – Modificação de cláusulas contratuais

A evolução do mercado consumerista, com o aumento das negociações entre fornecedores e consumidores, acarretou discussões sobre várias questões jurídicas, dentre elas, o desequilíbrio entre as partes contratantes neste cenário consumerista e a possibilidade de alteração posterior das condições inicial contratadas entre as partes. Discutiu-se, desta forma, a manutenção e aplicabilidade do pacta sunt servanda, nas relações de consumo. Reconhecida a condição de hipossuficiente do consumidor, tornou-se essencial o estabelecimento de determinações legais que tornassem esta relação menos desvantajosa para consumidor, com o intuito de instituir um equilíbrio entre as partes contratantes. Essa necessidade afrontou posicionamentos tradicionais de renomados juristas e até mesmo do judiciário quanto a possibilidade de alteração das condições contratuais após a assinatura dos contratos. Neste sentido, vejamos alguns entendimentos sobre o tema: "O princípio da força obrigatória do contrato contém uma ideia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada em conformidade com a lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, é tão imperiosa que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos.” (Caio Mário da Silva Pereira). "Essa força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é a pedra angular da segurança do comércio jurídico. Praticamente, o princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa a impossibilidade de revisão pelo juiz.” (Orlando Gomes). Contudo, referidos entendimentos não consideraram a criação dos denominados contratos de adesão que, em verdade, não refletem o interesse das duas partes contratantes, uma vez que suas condições são impostas pelo fornecedor como condição para concretização do negócio. Temos como exemplo contratos de adesão para aquisição ou

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utilização de bens, como os de alienação fiduciária e o arrendamento mercantil ou leasing. No exemplo acima citado, temos que trata-se de um contrato padronizado, o qual não é objeto de negociação prévia entre as partes envolvidas e onde vem sendo efetuada a inserção de cláusula abusiva onde se elege o foro do estipulante (fornecedor) em prejuízo do foro do domicílio do consumidor. Como consequência, qualquer discussão judicial relativa a este contrato será promovida pelo fornecedor no foro deste, o que dificultará ou impossibilitará a defesa do consumidor em Juízo. Nesta situação, um consumidor residente no interior do Amapá que adquiriu um produto de uma empresa sediada no estado de Santa Catarina, terá a ação judicial promovida neste último estado, conforme o contrato de adesão assinado, o que prejudicará em muito a sua defesa e aumentará os custos envolvidos no processo judicial. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, esta determinação de que a ação judicial deverá ser processada em Santa Catarina é inválida, devendo o processo tramitar no fórum mais próximo do domicílio do consumidor. Antes do Código de Defesa do Consumidor, questões relativas a cláusulas abusivas ou leoninas, como também são conhecidas, eram tratadas de forma esparsa pela legislação brasileira. Desta forma, o código consumerista trouxe avanços nesta matéria e na proteção contratual do consumidor. Vejamos: 1) Os contratos de consumo não obrigarão os consumidores quanto aos seus termos, caso não lhes seja dada a possibilidade de analisar e tomar conhecimento prévio de seu conteúdo ou ainda, caso referidos contratos sejam redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance; 2) A inversão do ônus da prova em favor do consumidor, ou seja, se o Juiz entender que as alegações do consumidor são plausíveis, deverá o fornecedor provar que não o são. Esta regra difere em muito do processo judicial comum, no qual quem alega, deve provar; 3) No caso de dúvida as cláusulas contratuais gerais devem ser interpretadas em favor do aderente; 4) Dentro do período de sete dias, o consumidor pode exercer o direito de arrependimento, caso o contrato de consumo tenha sido consumado fora do estabelecimento comercial, tendo direito à devolução imediata das quantias que eventualmente pagou, corrigidas monetariamente pelos índices oficiais; 5) Há penalização se o termo de garantia não for adequadamente preenchido e entregue ao consumidor;

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6) Todo produto deve ser obrigatoriamente acompanhado do manual de instalação e instrução, redigido em português e em linguagem clara e acessível; O artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor apresenta uma lista exemplificativa das chamadas cláusulas abusivas, que são aquelas cláusulas contratuais não negociadas individualmente e que, frente as exigências da boa-fé, causam em detrimento do consumidor um desequilíbrio importante entre os direitos e obrigações das partes. Temos, ainda, que o rol de cláusulas abusivas indicadas pelo Código de Defesa do Consumidor é tida como exemplificativa e não exaustiva. O Secretário Nacional de Direito Econômico, autorizado expressamente pelo art. 58 do Decreto nº2.181/97, o qual regula o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, é autorizado a editar anualmente um rol de cláusulas abusivas, também com caráter exemplificativo, com o intuito de manter esta.relação sempre atualizada de acordo com a evolução do mercado. É de suma importância o entendimento do que seja uma cláusula abusiva à luz da posição jurisprudencial e doutrinária, senão vejamos: Cláusulas Abusivas Dispõe o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor:

"Art.51º "São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:(...) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade;.". Cláusulas abusivas, no conceito de Nelson Nery Junior: "são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação

contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões, cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas...".

Segundo Hélio Zagheto Gama: "As cláusulas abusivas são aquelas que, inseridas num contrato,

possam contaminar o necessário equilíbrio ou possam, se utilizadas, causar uma lesão contratual à parte a quem desfavoreçam".

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Assim, entendemos cláusulas abusivas como sendo aquelas que estabelecem obrigações desfavoráveis sobremaneira a uma das partes envolvidas, acarretando desequilíbrio contratual entre as partes e ferindo os princípios da boa-fé e da equidade. Conforme previsto no artigo supra citado do Código de Defesa do Consumidor, tais cláusulas são nulas de pleno direito e não possuem qualquer efeito legal. Importante, contudo observar que a nulidade de uma cláusula considerada abusiva não invalida o contrato como um todo, exceto quando a ausência de referida cláusula acarretar ônus excessivo a qualquer das partes. Nesse sentido, somente a cláusula abusiva é considerada nula e não o contrato, permanecendo válidas todas as demais cláusulas. O Código de Defesa do Consumidor prevê a proteção ao consumidor tanto na fase de pré-contratual, ou seja, até a efetiva formação do vínculo contratual quanto quando da formalização da negociação, com a proibição das cláusulas abusivas nesses contratos, e até a fase pós-contratual, através da possibilidade de alteração das condições contratuais, através do controle judicial do conteúdo dos contratos. Reiteramos que, conforme anteriormente exposto, a relação de cláusulas abusivas pelo Código de Defesa do Consumidor é meramente exemplificativa e não exaustiva, competindo ao Secretário Nacional de Direito Econômico atualizar tal relação, editando anualmente um rol exemplificativo de cláusulas abusivas. 3.4 – Responsabilidade do comerciante pelo fato do produto ou serviço Conforme estudado no tópico relativo à responsabilidade civil, temos que o Código de Defesa do Consumidor determina a responsabilidade objetiva dos fornecedores, com exceção dos comerciantes, devendo responder pelos danos causados, independentemente de culpa. As exceções a esta obrigação estão previstas nos incisos I a III do art. 13 do Código consumerista. No caso do comerciante, este possui responsabilidade subsidiária nos acidentes de consumo, ou seja, caso os responsáveis principais (fabricantes, produtores, construtores e os importadores) não respondam à determinação judicial de ressarcimento ao consumidor, o comerciante será acionado para fazê-lo como responsável subsidiário. A responsabilidade subsidiária consiste na situação pela qual, se o responsável principal não cumprir com a condenação judicial, o responsável subsidiário poderá ser acionado pelo consumidor, devendo cumprir com a determinação imposta em nome do devedor principal.

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Em relação aos comércios ou fabricantes que vendem produtos com marcas próprias, discute-se se a responsabilidade considerando a titularidade da marca de comércio, se do fabricante ou comerciante. Entendemos que, caso o comerciante insira tanto a sua marca quanto a expressão “distribuído por”, será ele responsável pelo ressarcimento de eventuais danos ao consumidor nos termos do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, caso o comerciante insira no produto sua marca e, desta forma, oculte o verdadeiro fabricante, será o comerciante responsável perante o consumidor nos termos do art. 13. O caput do art. 13 determina condições em que o comerciante será igualmente responsável, respondendo solidariamente pelos prejuízos, passando a enumerar três hipóteses. O professor Rizzato Nunes ressalta que o vocábulo igualmente tem duplo sentido, de modo que "o comerciante tem as mesmas responsabilidades firmadas no artigo anterior e que o comerciante é solidariamente responsável com os agentes do art. 12." Vejamos quais são estas hipóteses: 1 - Quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados (art. 13, I) O exemplo mais comum nesta situação e que esclarece de forma clara a hipótese é o caso do comerciante que revende produtos a granel, como feijão, milho, arroz, os quais são negociados em feiras e supermercados. Como são adquiridos a granel e estocados em galpões, normalmente não é viável identificar o produtor que forneceu ao comerciante o produto específico que deu origem ao acidente e danos ao consumidor. É importante destacar que a regra legal que permite a venda de produto sem identificação é uma das exceções à regra geral do dever de prestar informações completas ao consumidor no momento da venda, inclusive quanto a origem dos produtos, tal com previsto no artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor. 2 - Quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador (art. 13, II) O inciso II faz menção ao caso do comerciante que tem condições de identificar o produtor, mas mesmo assim não o faz. Diferentemente do item anterior, o comerciante fere o art. 31 do Código de Defesa do Consumidor quando pratica tal ato. Aqui merece atenção às conseqüências geradas pelos incisos I e II: no primeiro, nem a autoridade fiscal nem a judiciária pode realizar a apreensão dos produtos sem identificação, diferente ocorre com segunda hipótese, já que o elemento essencial da informação foi omitido.

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3 - Não conservar adequadamente os produtos perecíveis (art. 13, III) Ainda dentro da responsabilidade do comerciante, temos que o mesmo é responsável pelos atos ilícitos caso não cumpra com as determinações do fabricante quanto às condições de armazenamento e conservação dos produtos. Um exemplo desta situação é a não observância das condições de conservação de produtos congelados. Nas embalagens destes produtos, normalmente alimentícios, o fornecedor deve informar (e o comerciante observar) a temperatura na qual o produto deve permanecer congelado, sob pena de tornar-se impróprio ao consumo humano. Nesta situação, o comerciante é responsável de forma integral pela ocorrência do evento danoso. Importante observar, contudo, que não sendo os produtos perecíveis, a responsabilidade do comerciante é solidária, juntamente com a do fornecedor do produto. Por último, o comerciante é responsável por fato de serviço também, como, v.g., no julgado assim transcrito:

RESPONSABILIDADE CIVIL DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL – QUEDA DE CLIENTE EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL – SUPERMERCADO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 14 – C. DE DEFESA DO CONSUMIDOR – Acidente de consumo. Fato do serviço. Responsabilidade objetiva. Responde o comerciante, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, entendendo-se como tal, em face da abrangência do conceito legal, toda a atividade por ele realizada no propósito de tornar o seu negócio viável e atraente, aí incluídos o estacionamento as instalações confortáveis e outras facilidades colocadas à disposição da sua clientela. Assim, provado que a vítima escorregou e caiu quando fazia compra em seu estabelecimento comercial, impõe-se o dever de indenizar os danos decorrentes da queda independentemente de culpa. No caso, nem seria preciso chegar a tanto porque a violação do dever de cuidado da suplicada, por negligência evidente, resultou configurada na medida em que os seus prepostos omitiram-se em manter o seu estabelecimento em condições de limpeza, higiene e segurança, de modo a garantir a mais absoluta integridade física a todos os seus milhares de clientes, enquanto estão sob sua proteção. Reforma da sentença. (DSF) (TJRJ – AC 6923/95 – (Reg. 290396) – Cód. 95.001.06923 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho – J. 21.11.1995)

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No julgado acima transcrito, a responsabilidade do comerciante é objetiva, uma vez que o mesmo não adotou todas as cautelas necessárias à segurança de seus clientes, bastando ao consumidor provar o dano sofrido. Neste caso, poderá ser provado através de testemunhas que o consumidor estava efetuando compras ou transitando pelo estabelecimento, que escorregou no piso molhado e acidentou-se com a queda. Aqui cabe uma indagação: o uso de sinal ostensivo (do tipo placa ou qualquer outro) que alerte a respeito do piso escorregadio, de modo a evitar o trânsito de clientes na área úmida exime o comerciante de responsabilidade. Sim, o comerciante estará isento de responsabilidade desde que haja placa indicativa de piso escorregadio, ou ainda, esteja a área isolada. Como prova de que o comerciante tomou todos os cuidados cabíveis para evitar o acidente. Impossibilidade de denunciação da lide Na ação de reparação de danos, o comerciante não poderá usar do expediente da denunciação da lide, ou seja, dizer processualmente que não pode responder pelos danos causados, e denunciando no processo o fabricante, importador, ou quem quer que seja, uma vez ser esse um expediente processual que introduz complicadores no pólo passivo da ação de responsabilidade. Tal proibição apresenta duas bases: a primeira é a economia processual gerada com o prosseguimento da ação de regresso nos mesmos autos (nada impede que a ação de regresso seja em processo autônomo, que só terá cabimento se a ação originária for julgada procedente), e, segunda, a norma impede que a aglutinação de ações indiretas no mesmo efeito. Rizzato Nunes ainda observa que o art. 88 é incompleto, pois deveria ser vedado também o chamamento ao processo. A lei ainda possibilita a ação de regresso daquele que pagou a indenização, contra aquele que deveria pagar, por exemplo, do comerciante que pagou a indenização, procurar ser ressarcido, através de ação própria contra o fabricante ou importador. Inversão do Ônus da Prova O Código de defesa do Consumidor define as situações processuais nas quais deverá ocorrer a inversão do ônus da prova, ou seja, a inversão da obrigação de provar. Na primeira hipótese, a experiência do juiz deverá ser considerada para entender os fatos argüidos pelo consumidor e, em um segundo momento, a verossimilhança dos fatos alegados pelo consumidor ou a sua hipossuficiência diante do ocorrido.

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Quanto ao aspecto subjetivo relativo a experiência do juiz, a legislação determina que não o mesmo não precisará deter um conhecimento profundo da relação de consumo submetida à sua análise, sendo suficiente o conhecimento de regras comuns e aplicáveis a relações comerciais cotidianas. Como exemplo desta situação comercial comum, temos que não é habitual um credor dar plena quitação a uma compra e venda, caso não tenha recebido integralmente o valor devido pelo devedor pelo bem e restarem pendentes de pagamento parcelas futuras. O segundo elemento que a o Código de Defesa do Consumidor determina como condição para a inversão do ônus da prova é a verossimilhança ou hipossuficiência do consumidor. Tal possibilidade decorre do fato de que, em muitas situações, é quase inviável ao consumidor conseguir fazer prova tanto dos argumentos utilizados pelo fornecedor para a venda do bem ou serviço quanto dos defeitos ou restrições ao uso do produto alegados pelo consumidor. Como conseqüência, dificilmente o consumidor conseguia se ver ressarcido dos prejuízos que sofreu. Diante desta situação, o legislador incluiu a possibilidade de inversão do ônus da prova, caso o consumidor demonstre ao Juiz, através de fortes indícios, que a verdade está de seu lado ou de que não possui condições de provar o alegado em razão de sua situação social, econômica ou cultural. Discute-se, contudo, se para que a inversão do ônus da prova ocorra, se faz-se necessário que o consumidor formule pedido expresso neste sentido. O entendimento predominante é que não há esta obrigação, uma vez que, por tratar-se de direito processual, o juiz pode conceder a inversão de ofício, ou seja, sem requerimento as partes, sendo o momento mais adequado que referida decisão ocorra antes do encerramento da instrução processual. Curioso observar que o Judiciário tem se posicionado a respeito do tema, incluindo no modelo padrão de citação do Juizado Especial Cível a informação de que, em referidos autos, ocorrerá a inversão do ônus da prova. Entendemos que tal conduta tem por fundamento a celeridade processual do órgão como instituição, uma vez que até referido momento, provavelmente o juiz que decidirá a causa ainda não teve contato com a lide e, desta forma, não possuía condições de decidir pela inversão, considerando as hipóteses de inversão estudadas anteriormente. Esta postura do Juizado é contestada pelos fornecedores, considerando que os mesmos entendem que os consumidores devem provar ou apresentar os indícios de seu direito antes de referida decisão de inversão ser tomada, até mesmo a fim de evitar a má fé por parte de determinados consumidores que, ou pleiteiam no Judiciário direitos que não

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possuem, ou eliminam as evidências dos fatos ocorridos, de forma a favorecer-se no decorrer do processo. Para solucionar definitivamente este problema, os magistrados que cuidam dos casos deveriam se esmerar para possuírem um maior conhecimento das relações de consumo de forma geral, com vivência para perceber se há ou não má-fé e se realmente há a hipossuficiência ou verossimilhança. A grande preocupação, neste caso, é evitar que este instituto seja deturpado e que a falta de atenção das partes envolvidas nos processos envolvendo as relações de consumo não tenham como conseqüência a perda da credibilidade de nossa legislação consumerista. 3.5 – Responsabilidade do fornecedor pelo produto ou serviço Conforme abordado anteriormente, o Código de Defesa do Consumidor estabelece que a responsabilidade do fornecedor pelos danos causados em virtude de produtos ofertados ao mercado independe da existência de culpa, ou seja, a responsabilidade é objetiva. Todas as vezes que um produto ou serviço causar um acidente os responsáveis são segundo o Código de Defesa do Consumidor:

� o fabricante � o produtor � o construtor � o importador � o prestador de serviço.

Causas excludentes de Responsabilidade pelo fornecedor Há algumas situações descritas na legislação que eximem ou eliminam a responsabilidade do fornecedor pelo produto ou serviço ofertado ao mercado. Desse modo, segundo o artigo 12, § 3º do Código de Defesa do Consumidor, poderá o fornecedor produzir prova liberatória, nos moldes restritos estabelecidos pela referida norma, ou seja, provando o mesmo: a não colocação do produto no mercado, a inexistência do defeito ou a culpa pelo evento ser exclusiva do consumidor ou de terceiro. Antes de iniciarmos o estudo das hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor, abordaremos a questão do risco do desenvolvimento do produto ou serviço, a qual servirá de base para o completo entendimento das hipóteses excludentes de responsabilidade. Vejamos:

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Risco de Desenvolvimento: Assim que um produto é inserido no mercado de consumo, muitas de suas características e os riscos que podem decorrer de seu uso, não podem ser identificados prontamente, só aparecendo algum tempo depois, através do seu uso ou desenvolvimento tecnológico. Ou seja, com o seu aprimoramento, quando isso acontece, podemos dizer que estamos diante do risco de desenvolvimento. A época que o produto foi posto em circulação, segundo o artigo 12, parágrafo primeiro, inciso III, é considerado um elemento importante na consideração da segurança que se pode esperar do produto. Isso está relacionado à tecnologia disponível à época em que mesmo tenha sido desenvolvido. Tal fato tem levantado a discussão relativa à utilização ou não da teoria do risco de desenvolvimento como excludente de responsabilidade. James Marins esclarece o significado da expressão "risco de desenvolvimento": "(...) consiste na possibilidade de que um determinado produto venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução, ocorrendo, todavia, que, posteriormente, decorrido determinado período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeito, somente identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores".(MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: RT, 1993p. 128)

Também Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim conceitua o risco de desenvolvimento como sendo aquele risco que não puder ser cientificamente conhecido ao momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 67.).

Fica o questionamento se o fornecedor poderia aproveitar-se da questão do risco de desenvolvimento, como forma de livrar-se da responsabilidade pelo fato do produto. Entendemos pela interpretação do dispositivo legal, que o fornecedor deverá reparar o dano, por conta dos direitos básicos do consumidor de proteção à vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos considerados perigosos ou nocivos. Ademais, o artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor prescreve que "o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança".

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Entendemos que a ideia de risco de desenvolvimento, relaciona-se de maneira muito próxima com a noção legal de defeito de projeção, que, segundo o Código é defeito apto a responsabilizar o fornecedor, excluindo-se, portanto, a possibilidade deste eximir-se. Segundo Silvio Luis F. Rocha - O que deve ser considerado, portanto, é a impossibilidade absoluta, a impossibilidade geral da ciência e da técnica para descobrir a existência do defeito, e não a impossibilidade subjetiva do produtor; relevante é que as possibilidades objetivas de conhecimento do defeito não existam em geral no mundo, que os riscos e vícios do produto não sejam pura e simplesmente cognoscíveis. (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1992.p. 111.) Assim, segundo o artigo 12, § 3o do Código, o fornecedor é que deverá arcar com tais riscos, devido a previsão taxativa da referida norma, a qual não adotou a teoria do risco do desenvolvimento como causa excludente de responsabilidade civil. Vale lembrar que a responsabilidade civil do fornecedor será sempre objetiva, com exceção da responsabilidade civil dos profissionais liberais, bastando ao consumidor, unicamente, demonstrar o dano e o nexo de causalidade a fim de ensejar o direito à reparação. A Não Introdução do Produto no Mercado Para que o fornecedor possa se valer da hipótese de exclusão de responsabilidade prevista pelo Código de Defesa do Consumidor, deverá demonstrar que não colocou o produto no mercado. Entretanto será responsável pela reparação no caso de ter colocado o produto no mercado apenas para teste, ou mesmo oferecendo o produto como amostra grátis. Por outro lado, caso a introdução desse produto no mercado aconteça através de caso que envolva furto ou roubo e sua consequente colocação no mercado de consumo, o fornecedor não deverá ser responsabilizado, pois a introdução do produto no mercado, segundo o Código, deverá acontecer de forma voluntária e consciente por parte do fornecedor. Prevalece a responsabilidade do Fornecedor ainda que produto tenha sido introduzido no mercado por preposto, ou mesmo por representante autônomo. Nesse caso, não poderá o fornecedor se utilizar desta excludente, vez que é solidariamente responsável pelos atos daquele, nos termos do artigo 34 do Código do Consumidor. Ressaltamos ainda que mesmo que o fornecedor tenha colocado o produto no mercado de consumo de forma gratuita, será responsabilizado,

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uma vez que o Código se utiliza da expressão "colocar o produto no mercado", o que deve ser interpretado da forma mais abrangente possível, de acordo com a finalidade pretendida pelo Código. Sendo assim, uma amostra grátis fornecida em um supermercado ou em um brinde pela compra de um outro produto acarretarão a responsabilidade do fornecedor pelos eventuais danos causados por esta amostra. A Inexistência do Defeito Na segunda hipótese de excludente de responsabilidade, é preciso que fique claro que a responsabilização do fornecedor somente ocorrerá na hipótese de o produto se revelar defeituoso em relação a utilização normal ou razoável do mesmo. Não havendo o defeito, não haverá que se falar em responsabilidade por parte do fornecedor. Entretanto, vale lembrar, que com a inversão do ônus da prova, incumbe ao fornecedor a função de provar a inexistência do defeito, uma vez que se presume ser o consumidor hipossuficiente. Além disso, esta excludente deverá ser demonstrada em razão do momento em que o produto foi colocado em circulação. Finalmente, deverá o fornecedor provar a inexistência de qualquer dos defeitos arrolados no caput do art.12, e/ou provar que o defeito ensejador do dano não se encaixa em qualquer daquelas categorias, e, portanto, não tem o êxito de levá-lo à responsabilização. Culpa Exclusiva do Consumidor ou de Terceiro O inc. III do § 3º do art.12, trata da última causa excludente de responsabilidade do fornecedor, qual seja, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Novamente haverá a inversão do ônus da prova, portanto, caberá ao fornecedor o encargo de provar a conduta culposa do consumidor, o que nem sempre é simples.

Ressaltamos que,

"a ‘culpa exclusiva‘ é inconfundível com a ‘culpa concorrente‘: no primeiro caso desaparece a relação de causalidade entre o defeito do produto e o evento danoso, dissolvendo-se a própria relação de responsabilidade; no segundo, a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa e os aplicadores da norma costumam condenar o agente causador do dano a reparar pela metade do prejuízo, cabendo à vítima arcar com a outra metade". (DENARI, Zelmo et alli. Op. cit., p. 153.) Ou seja, se a culpa é concorrente, consumidor e fornecedor, o agente causador do dano deveria arcar com metade do prejuízo, entretanto no

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nosso entendimento coaduna com a estabelecida pelo Código do Consumidor, ou melhor, a de responsabilizar integralmente os sujeitos elencados no caput do art.12 do referido diploma. Assim sendo, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, indicada na norma supra mencionada como hipótese de exoneração de responsabilidade do fornecedor, a rigor vai nos remeter ao inciso anterior – inexistência de defeito – eis que havendo culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, por óbvio, não há defeito juridicamente relevante no produto. Se, por outro lado, houver defeito nos moldes do art.12, § 1º e houver concorrência entre o vício e a ação culposa de terceiro ou do lesado, esta, certamente, passa a não ser de natureza exclusiva, não se prestando como causa excludente de responsabilidade. Entretanto, ainda que se almeje considerar o defeito como existente, este será, quando muito, defeito juridicamente irrelevante para a responsabilização do fornecedor. Outra situação que precisamos destacar é a do conhecimento por parte da vítima, quanto a um eventual defeito do produto que represente perigo à mesma. Nesse caso, já que o lesado agiu de forma consciente e voluntária, não poderá ser atribuída ao fornecedor qualquer responsabilidade. (SILVA, João Calvão da. Op. cit., p. 733.) Resta ainda a discussão sobre a responsabilização do comerciante. Sobre esse fato entende o professor Herman de Vasconcellos e Benjamin que a excludente do inc. III não atingiria o comerciante, eis que se considera terceiro qualquer pessoa estranha à relação de consumo. Por outro lado, diante do caráter subsidiário que possui o comerciante no âmbito da responsabilização (art.13 do Código de Defesa do Consumidor), diz-se que o mesmo é considerado parte fundamental da relação de consumo e não terceiro. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5. ed., São Paulo: Forense Universitária, 1998. p. 66.) 3.6. Responsabilidade por vícios do produto ou serviço A responsabilidade por vício do produto ou serviço não está relacionada com aquela tratada pelos arts. 12-14 do Código de Defesa do Consumidor, ocupando-se somente dos vícios inerentes aos produtos e serviços, bem como aqueles relacionados com a sua apresentação, oferta ou publicidade. São exemplos de vícios problemas que resultem em: não funcionamento adequado do produto, mau funcionamento do produto, diminuição do valor do produto, descompasso com as informações, ou ainda os serviços que apresentem funcionamento insuficiente ou inadequado. Temos que o vício aparente, ou de fácil constatação, é aquele facilmente detectável pelo consumidor, através de seu simples uso,

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consumo ou análise visual. É o denominado vício de fácil constatação, nos dizeres de Rizzato. O vício oculto, por sua vez, é aquele não detectável de forma rápida pelo consumidor, seja pelo fato de que não acarreta a impossibilidade ou inadequação para o uso do produto e que não seja viável a sua detectação por um simples exame visual. Responsabilidade pelo vício de qualidade do produto Responsabilidade A responsabilidade pela reparação dos danos é solidária de todos os participantes da cadeia produtiva ("fornecedores"); quando se tratar de fornecimento de produto in natura (aquele que não passa por processo de industrialização) será responsabilizado o fornecedor imediato e também, quando identificado, o produtor (Código de Defesa do Consumidor art. 18, §5º). Vício de qualidade O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 18, conceitua vício de qualidade como sendo: "os que tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor" e os "decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza". Referido rol de possíveis vícios relativos à qualidade é meramente exemplificativo, conforme determinado no próprio artigo de lei, podendo qualquer situação fática que se enquadre neste conceito de inadequação ou impropriedade para o uso ser considerada como protegida pelo texto legal. Embora verse sobre vício de qualidade, referido artigo acabou por abarcar em sua definição outros tipos de vícios dos produtos, como o vício de quantidade. Podemos citar como exemplo de vício de qualidade o ferro de passar roupas que aquece demasiadamente a alça quando ligado, o que inviabiliza o seu uso, sob pena de acidentes com o usuário. Acrescente-se ainda que, a simples existência de produto melhor no mercado não torna o produto viciado (Código de Defesa do Consumidor, art. 12, §2º), mas se existindo à época da comercialização técnicas acessíveis capazes de melhorar o aspecto segurança do produto, sem que isso implique em ônus fora do razoável, o fornecedor não lançar mão deles, aí sim poderá ser configurado vício no produto.

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Uma exceção importante quanto ao vício de qualidade do produto se refere a situações nas quais o risco é inerente ao produto ou ao seu uso, tais como produtos explosivos. Contudo, o fabricante deverá cercar seu produto de todos os dispositivos de segurança possíveis e que diminuam o risco para o consumidor comum. Por outro lado, o fornecedor será responsável "pelo uso errôneo ou incorreto, mas razoavelmente previsível do seu produto, tendo presente todas as circunstâncias do caso, designadamente o tipo de consumidor a que o mesmo se destina". Ainda que não resulte num acidente de consumo, será defeituoso também o produto que não apresente a segurança que dele legitimamente se espera (Código de Defesa do Consumidor, art. 12, §1º). O defeito pode ter origem em qualquer uma das fases do processo de produção do bem de consumo ou do serviço. O defeito poderá, como já vimos, ser de concepção, que é aquele que tem origem no projeto. Devidos a erros ou deficiências existentes logo na fase inicial do planejamento e preparação da produção, tais defeitos figuram em todos os produtos da série ou séries fabricadas, provocando, por isso, danos em série. Poderá também haver defeito de fabricação, quando o vício surgir na fase propriamente dita de produção, em execução do projeto, defeitos típicos da moderna produção de massa industrial, automatizada e devidos a falhas mecânicas ou/e humanas do fornecedor. Temos ainda o defeito de informação, que se refere à falta de informações ou informações incompletas prestadas pelo fornecedor quanto à forma correta de uso do produto, com segurança pelos consumidores. Não se trata de um defeito do produto em si, mas da ausência de informações acerca da melhor técnica para utilização do produto por parte do fabricante. Este dever de informação permanece exigível enquanto o produto estiver à venda no mercado, devendo as informações ser atualizadas à medida de evolução do produto ou caso seja detectado, pelo uso do produto, novas situações que mereçam atenção e cuidado por parte dos consumidores. Por fim, há o defeito de desenvolvimento, que, conforme entendimento de Cavalieri Filho, o risco do desenvolvimento é espécie do gênero defeito de concepção, mas no defeito de desenvolvimento "o defeito decorre de carência de informações científicas, à época da concepção, sobre os riscos inerentes à adoção de determinada tecnologia". Esta ausência dados técnicos ou científicos para a criação com segurança do produto não elimina qualquer responsabilidade do fabricante, uma vez que o mesmo somente deve disponibilizar ao mercado produtos e serviços plenamente seguros.

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Contudo, esta ausência de responsabilidade dos fornecedores na situação acima descrita não é pacífica entre os juristas. Variações decorrentes da natureza do produto A norma consumerista estabeleceu com acerto algumas situações nas quais certas alterações e até mesmo deteriorações do produto não sejam consideradas como vícios ou defeitos do produto. Os produtos abrangidos por exceção são basicamente os produtos vendidos in natura, tais como os alimentícios, cuja alteração de características decorre do próprio processo de envelhecimento do produto. Impropriedade para o uso e consumo O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 18, § 6º, traz algumas hipóteses de impropriedade para o uso e consumo. Os conceitos de uso e de consumo são necessários para que se definir a responsabilidade do fornecedor em decorrência da utilização dos produtos ou serviços ofertados aos consumidores. Vejamos: Consumo refere-se aos produtos que desaparecem ou acabam na medida em que vão sendo utilizados pelo consumidor, tais como os produtos alimentícios e de limpeza. Uso, por sua vez, refere-se a produtos cuja utilização não acarreta o seu desaparecimento, mas apenas o seu desgaste. Temos como exemplos eletrodomésticos e imóveis. Quando mencionamos produtos para consumo, o fornecedor pode ser responsabilizado pelos danos decorrentes de seu consumo caso o produto seja consumido até o limite de sua data de validade. No caso dos produtos para uso, esta responsabilidade do fornecedor quanto à qualidade do produto é válida até o término do período de garantia. O consumo de produto com prazo de validade vencido acarreta a isenção de responsabilidade por parte do fornecedor, transferindo para o consumidor o risco do consumo. Em relação à garantia, tal premissa também é válida até o termo final da garantia. Importante apenas ressaltar que, para que essa isenção de responsabilidade possa ser argüida pelo fornecedor, tanto o prazo de validade quanto o termo final da garantia devem estar afixados no produto ou constante de sua documentação de forma simples, clara e visível ao consumidor.

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Saneamento do vício de qualidade Uma vez detectado o vício de qualidade pelo consumidor, o fornecedor terá o prazo de 30 dias para sanar o vício, contados da devolução ou reclamação efetuada pelo consumidor ao fornecedor. Na hipótese do fornecedor possuir serviço de retirada do produto nestas situações, o prazo deverá ser contado da data em que o produto foi colocado à disposição do fornecedor. Tal possibilidade decorre de disposição expressa do artigo 18 § 1º do Código de Defesa do Consumidor. Deverá, contudo, o consumidor observar o prazo de garantia ou validade estabelecido para referido produto ou serviço. Na hipótese do fornecedor atender à reclamação do consumidor e este apresentar nova reclamação sobre o mesmo produto, o prazo de 30 (trinta) dias para a solução da questão não é reiniciado com a entrega do novo produto, permanecendo a contagem do prazo iniciado com a primeira reclamação apresentada. Desta forma, não há interrupção ou suspensão deste prazo com a solução parcial apresentada pelo fornecedor. Em algumas situações, observa-se que o prazo de 30 (trinta) dias indicado em algumas situações apresenta-se elevado e, em outras, insuficiente. De forma a adequar o prazo às situações práticas, o artigo 18, § 2º do Código de Defesa do Consumidor permite que as partes negociem este prazo, desde que o prazo mínimo seja de 07 (sete) dias e o máximo de 180 (cento e oitenta) dias. Caso o fornecedor não sane o problema apresentado no prazo previsto em lei acordado junto ao consumidor, o Código de Defesa do Consumidor indica as condutas que poderão ser adotadas pelo consumidor a partir desta recusa: Opção 1: A substituição do produto por outro da mesma espécie, marca e modelo, em perfeitas condições de uso. Na hipótese de não existir o produto com estas características, o consumidor poderá escolher outro produto, restituindo-se ou complementando-se eventual diferença, com base no valor pago devidamente corrigido; Opção 2: A restituição imediata do valor paga, também devidamente corrigido. Nesta situação, o consumidor deverá efetuar a devolução do produto defeituoso ou viciado. Opção 3: Por fim, poderá o consumidor exigir o abatimento proporcional do preço, a seu exclusivo critério. O Código de Defesa do Consumidor também prevê a hipótese na qual o prazo para saneamento do vício não deve ser observado, uma vez que o

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vício não pode ser saneado ou o seu saneamento acarreta prejuízos ao consumidor. Trata-se das hipóteses na quais: - o saneamento do vício acarrete alteração das qualidades iniciais do produto; - acarrete a redução de seu valor de mercado, ou - quando trata-se de produto essencial. Apesar da redação equívoca do artigo que versa sobre esta questão no Código de Defesa do Consumidor, entendemos que o consumidor poderá em qualquer hipótese reclamar eventuais perdas e danos sofridos em decorrência da inexecução contratual, inclusive pela não solução do vício no prazo afixado. Responsabilidade pelo vício de quantidade do produto Vício de quantidade Vício de quantidade pode ser entendido como o vício do produto relacionado às suas medidas ou quantidade, como peso e volume. Como exemplo, constitui vício de quantidade a venda de um saco de arroz cuja embalagem indica 5 quilos, sendo que em seu interior o fornecedor depositou apenas 4 kg e 700 grs. Nesta situação, o consumidor recebe uma quantidade inferior de produto considerando o que foi efetivamente pago. O Código de Defesa do Consumidor traz uma exceção a esta regra. Os produtos que, por sua natureza, possuem variação em seu peso com o decorrer do tempo, devido á evaporação de líquidos, por exemplo, não caracteriza o vício de quantidade. Contudo, esta exceção somente é válida desde que a alteração de quantidade decorra de um processo natural do produto e não altere as suas condições de qualidade iniciais. Saneamento do vício de qualidade Constatado o vício de qualidade pelo consumidor, este terá quatro opções de conduta de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, desde que observados os prazos para que a reclamação seja efetuada: Opção 1: abatimento proporcional do preço, considerando-se a quantidade efetivamente entregue ao fornecedor;; Opção 2: complementação do peso ou medida do produto; Opção 3: substituição do produto por outro da mesma espécie, marca e modelo, livre de vícios. Da mesma forma que no vício de qualidade, perante a inexistência de produto idêntico para substituição, o consumidor poderá

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escolher outro produto, restituindo-se ou complementando-se eventual diferença do valor pago, devidamente corrigido; Opção 4: restituição imediata da quantia paga, devidamente atualizada. Em relação a eventual pedido de indenização por perdas e danos decorrente de vício de quantidade, Rizzatto entende que somente caberá perdas e danos caso o consumidor seja impedido de exercer as três primeiras opções, seja por negativa do fornecedor ou em decorrência de impossibilidade material. Responsabilidade pelo vício do serviço Responsabilidade Neste tópico, abordaremos a responsabilidade do fornecedor de serviços perante os consumidores. Nesta modalidade, a responsabilidade pelos vícios é do prestador dos serviços diretamente, seja este pessoa física ou jurídica Esta responsabilização direta, contudo, não elide a responsabilidade solidária de outros fornecedores que, direta ou indiretamente, tenham participado desta prestação de serviços. Tal responsabilização solidária está de acordo com as determinações do Código de Defesa do Consumidor, que envolvem toda a cadeia produtiva no saneamento do vício ou ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo consumidor em virtude da má prestação de serviços. Vício do serviço Inicialmente, entendemos importante evidenciar que os serviços objeto de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor são prestados mediante prévio acordo firmado entre consumidor e fornecedor A responsabilidade do prestador de serviços pelos vícios decorrentes de sua atividade está prevista no artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor e determina que o fornecedor será responsável pela reparação dos danos ao consumidor quando os serviços prestados se tornarem impróprios ao consumo ou com valor reduzido, como também caso os serviços tenham sido executados em desconformidade com a oferta publicitária. A doutrina questiona o texto legal previsto no artigo 20 supracitado, uma vez que acaba por determinar as mesmas sanções ou alternativas de saneamento tanto para os serviços impróprios quanto para os serviços inadequados.

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Tal questionamento deve-se ao fato de que os serviços inadequados referem-se a atividades parcialmente executados e que permitem ao consumidor o seu uso limitado. Os serviços impróprios, por sua vez, consistem nos serviços executados e cujo resultado não presta para qualquer finalidade ao consumidor ou impede o seu uso pelo mesmo. Na hipótese de vícios relativos à prestação de serviços, aplica-se a mesma exceção prevista para os vícios relativos a produtos, com amparo no artigo 14, § 2º do Código de Defesa do Consumidor: a existência técnicas mais avançadas no mercado não torna o serviço viciado. Contudo, existindo no momento da prestação de serviços técnicas mais avançadas e que não representem ônus significativo ao prestador de serviços, poderá restar configurado o vício na prestação de serviços. Saneamento do vício do serviço Tal como no saneamento dos vícios decorrentes da aquisição de produtos, a legislação também determina a obrigação do fornecedor de serviços sanear o problema, conferindo ao consumidor as alternativas para a solução da questão. Neste sentido, poderá o consumidor optar por: Opção 1: re-execução dos serviços, de forma parcial ou total, sem quaisquer ônus para o consumidor; Opção 2: restituição imediata da quantia paga, devidamente atualizada, Opção 3: abatimento proporcional do preço. Não sendo possível a re-execução dos serviços, com o saneamento do vício, o consumidor poderá pleitear indenização por perdas e danos contra o fornecedor de serviços, com amparo no artigo 20, inciso II do Código de Defesa do Consumidor. 3.7 – Práticas abusivas Neste tópico, vamos analisar as práticas abusivas que podem ser praticadas por fornecedores de produtos ou serviços, em relação a seus consumidores. Entre estas práticas, destacamos: 1) Cláusulas contratuais abusivas; 2) Publicidade Enganosa e Abusiva; 3) Venda casada de produtos e/ou serviços; 4) Prestação de serviços sem orçamento prévio; 5) Formas de cobranças de dívidas.

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1) Cláusulas contratuais abusivas Dispõe o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor:

"Art.51º "São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade;.".

Cláusulas abusivas, no conceito de Nelson Nery Junior:

"são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas...".

Devemos entender cláusulas abusivas como sendo aquelas que estabelecem obrigações injustas, trazendo desequilíbrio para o contrato firmado entre as partes e ferindo os princípios da boa-fé e da equidade. Conforme disposto no artigo 51, acima mencionado, tais cláusulas são nulas de pleno direito, e não operam efeitos. Entretanto, a nulidade de qualquer cláusula considerada abusiva não invalida o contrato, apenas ela fica sem efeito, assim, somente a cláusula abusiva é nula: as demais cláusulas permanecem válidas, e subsiste o contrato, desde que se observe o justo equilíbrio entre as partes. Salientamos que a previsão de cláusulas abusivas pelo Código de Defesa do Consumidor não exaure as hipóteses com o elenco ali exposto; compete ao Secretário Nacional de Direito Econômico editar anualmente um rol exemplificativo de cláusulas abusivas. A Competência da Secretaria de Direito Econômico A Secretaria de Direito Econômico (SDE) é um órgão fiscalizador que faz parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e que desenvolve seu trabalho através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC). Esta secretaria foi criada por meio do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997. Compete à SDE, através do DPDC, a coordenação geral da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, conforme especificado no artigo 3o do Decreto 2.181/97. Entre suas atividades principais podemos destacar as orientações constantes que devem ser feitas aos consumidores, sobre seus direitos, a fiscalização e aplicação de sanções administrativas previstas no Código de

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Defesa do Consumidor, quando for o caso, bem como instauração de inquérito para apuração de delito contra o consumidor. O artigo 56 do Decreto que criou a Secretaria de Direito Econômico, determina que a Secretaria divulgue, anualmente, em caráter exemplificativo, uma relação de cláusulas contratuais que são consideradas abusivas. Essa relação não possui força de lei, uma vez que são atos apenas administrativos. Porém, servem de orientação para os profissionais do direito, como juízes e advogados e de advertências para os comerciantes que, por ventura, praticam tais cláusulas em seus contratos. Mas isso não impede que sejam aplicadas multas aos fornecedores de produtos ou serviços que, ao não observar tal relação, acabam por utilizar ou meramente fazer circular as cláusulas abusivas, ainda que de forma direta ou indireta, independente da modalidade de contrato. Meios de Controle das Cláusulas abusivas O Art. 6º. IV do Código de Defesa do Consumidor deixa claro a sua preocupação quanto às cláusulas abusivas, destacando-a entre os direitos básicos do consumidor. "Art.6º São direitos básicos do consumidor:

(...) IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”

O Código de Defesa do Consumidor afirma que estas cláusulas são nulas de pleno direito, ou seja, sua nulidade é indiscutível. No entanto, há autores que tratam de duas formas de nulidade: a nulidade absoluta e a nulidade relativa, cuja diferença está no grau de intensidade do defeito que caracteriza o ato, em nosso caso, a cláusula contratual. Pontes de Miranda, famoso jurista discorda dessa terminologia, entendendo que Código Civil define apenas duas figuras, quais sejam, a nulidade e da anulabilidade; onde a primeira não requer ajuizamento de ação judicial, enquanto a segunda depende sempre da manifestação judicial. Assim, a polêmica em torno do Código de Defesa do Consumidor está no fato deste estabelecer a nulidade de pleno direito para cláusulas com vícios meramente parciais. Juristas e especialistas discutem se a natureza desses vícios é de nulidade absoluta, relativa ou apenas anulabilidade.

Para Nelson Nery Jr., “as cláusulas consideradas absolutamente nulas, devem ser declaradas nulas, assim que o vício é detectado, não

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sendo isto proibido ao juiz. Há inúmeros exemplos de jurisprudência que convergem com esta doutrina.” Como podemos observar, a própria doutrina não chega a um denominador comum quanto a este tema. Parte dos autores ainda entende que a decretação da nulidade pode ser realizada de plano por um juiz que tomar conhecimento de cláusulas abusivas, mesmo que não seja provocado pelas partes interessadas. Por outro lado, autores não reconhecem essa liberdade de juiz e entendem que este deve agir apenas quando provocado pelas partes através de medida judicial proposta para este fim. Considerando as opiniões acima, entendemos que é preciso manter um equilíbrio na relação contratual, de forma que se garanta a proteção do consumidor que, em sua maioria, por desconhecimento ou fragilidade, concordam com todos os termos do contrato que lhe é apresentado, sem que haja possibilidade de se discutir suas cláusulas. 2) Publicidade Enganosa e Abusiva Dispõe do Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 37:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

A publicidade enganosa se configura quando através de sua veiculação, tenta induzir o consumidor ao erro. Pode se configurar por duas maneiras:

a) Por Omissão: Configura-se quando o anunciante omite informações e dados relevantes sobre o produto ou serviço que está sendo anunciado e, se o consumidor soubesse esse dado,

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não compraria o produto ou serviço ou pagaria um preço inferior por ele.

Temos como exemplo deste tipo de propaganda enganosa o anúncio de oferta de um produto alimentício, com preço muito inferior ao praticado pelo mercado, mas que está sendo vendido em seu último dia de validade para o consumo. Caso esta informação não seja veiculada aos consumidores, constituirá omissão.

b) Por Comissão: É aquela no qual o fornecedor afirma algo que não é, ou seja, atribui mais qualidades ao produto ou ao serviço do que ele realmente possui. A publicidade enganosa provoca uma distorção na capacidade decisória do consumidor, que se estivesse mais informado, não compraria o que foi anunciado.

Um bom exemplo de comissão é a publicidade de um aparelho de televisão na qual, na descrição técnica do produto, informa que o mesmo é digital, quando na verdade para que esta funcionalidade exista, ou seja, viável o seu uso, o consumidor deverá efetuar inúmeras adaptações em sua residência para que o aparelho se torne efetivamente digital. Ainda nesses casos, devemos considerar tanto o consumidor bem informado, como também o desinformado ou ignorante. Devemos considerar que não é necessária a intenção de enganar por parte do anunciante, basta somente a veiculação do anúncio enganoso e estará configurada a publicidade enganosa. Lembramos que não existe um direito adquirido de enganar, ou seja, para eximir de sua culpa o fornecedor alegar que tal prática vem sendo reiteradamente praticada ou que é de praxe tal anúncio. O erro neste caso, é o mesmo considerado pelo Código Civil nos arts. 86 a 91, ou seja, declarações de vontade viciadas com erro não são plenamente eficazes.

Não precisa necessariamente induzir o consumidor em erro, basta a potencialização da indução em erro. O fornecedor pode também ser penalizado, mesmo que tenha tido má intenção em seu anúncio. Isso ocorre quando veicula um anuncio verdadeiro, mas por falta de informação ou mesmo descuido, acaba deixando de lado dados essenciais para o conhecimento de seus consumidores. Assim, a falta dessas informações, acarreta uma publicidade enganosa por omissão. Neste caso, presume-se que o fornecedor é culpado por veicular tal publicidade. No entanto, não significa dizer que será condenado. Poderá se livrar de tal culpa se conseguir demonstrar que a ausência da informação essencial, foi causada por um caso fortuito, fatos alheios à sua vontade, uma situação externa, imprevisível ou irresistível, entre outros.

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Publicidade Abusiva

A publicidade abusiva está prevista no art. 37, § 2.º do Código de Defesa do Consumidor e se caracteriza pela ofensa aos valores sociais. Entre seu rol de espécies, podemos destacar:

a) Gera discriminação de qualquer natureza; b) Incite a violência; c) Se aproveite da falta de discernimento de crianças; d) Explore o medo e superstição; e) Desrespeite valores ambientais f) Ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma

prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Geralmente, a publicidade abusiva está relacionada com as indústrias de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos, brinquedos e terapias. Este tipo de publicidade está restrita a determinados horários para sua veiculação tanto em rádios quanto em televisão. As medidas usadas para coibir tal prática devem ser propostas através de ação civil pública, que poderá aplicar, além da suspensão liminar da publicidade, a cominação de multa. Outra forma de coibir este tipo de publicidade é se utilizando da contrapropaganda. Trata-se de uma forma de anunciar, às custas do infrator, objetivando impedir a força persuasiva da publicidade enganosa ou abusiva, mesmo após a cessação do anúncio publicitário. As punições previstas nos arts. 63, 66, 67, 68 e 69 do Código de Defesa do Consumidor. Caracterizam-se pelos seguintes motivos:

a) Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos nas embalagens, invólucros ou publicidade;

b) Fazer afirmação falsa ou enganosa sobre produto ou serviço; c) Promover publicidade que sabe ou deveria saber que

é enganosa ou abusiva; d) Ou ainda, deixar de organizar dados fáticos, técnicos ou científicos

que dão base à publicidade. Todos esses motivos são passíveis de ação pública incondicionada e

pena de detenção e multa, variando conforme cada caso. Todas estas regras de conduta só foram reguladas com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Os órgãos fiscalizadores passaram a agir com maior rigor, de forma a garantir que os interesses dos consumidores

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fossem zelados por uma legislação moderna, eficiente e de fácil compreensão. Importante ressaltar que o grande objetivo não é transformar o Código de Defesa do Consumidor em um limitador para a atuação dos fornecedores, com o objetivo de persegui-los e puni-los. O objetivo principal é garantir uma igualdade entre as partes de forma a harmonizar a relação comercial, protegendo o polo mais vulnerável da relação, qual seja os consumidores. 3) Venda casada de produtos e/ou serviços Assim dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

A venda casada é considerada, além de infração às normas consumeristas, infração penal, conforme veremos a seguir, como também concorrência desleal, sendo esta uma infração à ordem econômica nos termos da legislação antitruste. Ocorre a venda casada vedada pelo artigo acima transcrito quando o fornecedor condiciona a venda de um produto à aquisição de outro pelo fornecedor. Não é ofertada ao consumidor a alternativa de levar um dos produtos isoladamente, mesmo que não exista interesse na aquisição do outro. Um excelente exemplo da venda casa praticada por um longo período por uma grande rede de lanchonetes consistia na obrigação do consumidor adquirir um lanche para que tivesse direito à compra do brinquedo que acompanhava referido produto. Considerando o forte poder de marketing de referida lanchonete, muitos pais acabavam sendo obrigados a comprar o lanche para satisfazer o desejo de seus filhos quanto à compra apenas do brinquedo. Atualmente, referida rede de lanchonetes não pratica mais tal conduta, sendo possível aos consumidores adquirirem os brinquedos mediante o pagamento de um valor estabelecido, sem a necessidade de aquisição de qualquer outro produto da loja. Outro exemplo no comércio varejista: a venda da garantia estendida, condicionada à compra do bem, no momento da negociação. Nos termos da legislação, a pena aplicável para a prática deste crime consiste em 2 à 5 anos de detenção ou multa. Questiona-se na doutrina referida sanção, uma vez que determinados doutrinadores entendem que a

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pena é elevada para o crime praticado, se considerados outros crimes previstos na legislação penal. Nos últimos anos, percebemos uma reação das pessoas em defenderem seus direitos, mas o processo cultural ainda nos coloca muito aquém de uma consciência mínima em relação ao tema abordado, há muito que evoluir ainda no campo da luta pelos direitos dos consumidores. 4) Prestação de serviços sem orçamento prévio; Podemos considerar o orçamento como uma peça fundamental na defesa dos interesses consumeristas. Isto porque, o orçamento elaborado pelo fornecedor o obriga quanto aos seus termos perante o consumidor que o solicitou e aceitou, podendo ser considerado como um instituto semelhante à proposta comercial, que obriga as partes envolvidas com força de contrato de aceito. Desta forma, o orçamento deverá ser elaborado em linguagem compreensível a um leigo, devendo conter todas as informações relativas ao serviço que será prestado ou produto a ser adquirido, dentre elas: - descrição do produto a ser adquirido ou do serviço a ser prestado; - preço total e forma de pagamento; - itens que compõe o preço total do serviço, como mão-de-obra e materiais, com a discriminação dos valores de cada item; - na hipótese de venda de bens, os custos envolvidos na venda do produto, como frete, no caso de produtos sob encomenda; - prazo para a realização dos serviços ou entrega do produto; - garantia, e - prazo de validade do orçamento. Tendo o consumidor dado o aceite no orçamento, o fornecedor deverá atender estritamente ao determinado em referido documento. Qualquer serviço ou produto adicional não poderá ser cobrado do consumidor, salvo se este autorizar formalmente referido acréscimo ao orçamento. Importante ressaltar que o simples pedido de elaboração de um orçamento não vincula o consumidor sob nenhum aspecto. A cobrança de um custo para a elaboração do orçamento é válida e regular, desde que previamente informada ao consumidor. Desta forma, constitui prática abusiva o fornecedor prestar serviços ou considerar vendido o produto sem o devido aceite por parte do consumidor do orçamento emitido. Todos os termos do orçamento são considerados proposta para a contratação, e uma vez aceitos pelo consumidor, devem ser cumpridos pelo

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fornecedor, sendo proibida qualquer modificação unilateral, ou seja, por parte única e exclusivamente do fornecedor do serviço. Descumprindo o fornecedor os termos do orçamento emitido e aceito pelo consumido, poderá este último:

a) exigir o cumprimento da obrigação; ou b) aceitar prestação de serviço equivalente; ou c) rescindir o contrato e obter a restituição do valor previamente pago,

devidamente corrigida. Na última hipótese prevista, poderá o consumidor ainda pleitear

perdas e danos comprovados em virtude do desfazimento do negócio.

5) Formas de cobranças de dívidas

O artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu determinados critérios para que os fornecedores efetuem a cobrança dos valores devidos pelos consumidores. O intuito não é o de evitar a cobrança, favorecendo o mau pagador, mas evitar que esta seja efetuada em desrespeito à dignidade humana. As práticas vedadas são todas aquelas que configuram abuso do direito de cobrar, ou seja, quaisquer práticas que não respeitem princípio constitucional (dignidade da pessoa humana), ou interfiram na esfera dos direitos personalíssimos (intimidade, vida privada, honra e imagem), isto porque, expor o consumidor a ridículo ou submetê-lo a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça na cobrança de uma dívida, implicará necessariamente na violação de um desses direitos. Diante disso e de acordo com o previsto no Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 42 e 71 (define o tipo penal aplicável, visando justamente o cumprimento do artigo 42), temos quais seriam as condutas proibidas pelo Código citado no tocante à cobrança de dívidas.

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"Art. 71 – Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa."

Como vimos, da leitura dos artigos 42 e 71 do Código de Defesa do Consumidor, encontramos de forma expressa as condutas vedadas na prática de cobrança de dívidas, ou seja, o fornecedor não poderá utilizar-se de: a) Ameaça A ameaça tratada pelo Código de Defesa do Consumidor refere-se a condutas do fornecedor contra o consumidor, com o intuito de forçá-lo ao pagamento da dívida. A informação prestada pelo fornecedor ao consumidor de que aquele irá propor as medidas judiciais cabíveis para efetuar a cobrança, como também que efetuará lançamento do nome do consumidor no cadastro de inadimplentes, não são consideradas ameaças e sim informativos válidos quanto a condutas previstas em lei que serão adotadas pelo fornecedor para o recebimento do crédito devido. Este é o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência. A ameaça que o Código de Defesa do Consumidor pretende evitar é a ação desprovida de qualquer fundamento legal ou relação com o negócio efetuado entre as partes. Caso o fornecedor efetue a ameaça, mesmo que não a cumpra ou o consumidor não se sinta receoso quanto aos argumentos utilizados, este terá direito à indenização por parte do fornecedor, uma vez que a legislação proíbe a prática de tal ato, não exigindo que o consumidor se sinta constrangido com a ameaça. Como exemplo de ameaça, temos o contato telefônico de empresa de cobrança que informa que entrará em contato com familiares ou até mesmo com o empregador do devedor, com o intuito de receber o crédito pendente. b) Coação A coação, tal qual em outros ramos do direito, se refere à prática de um ato por uma pessoa contra a sua vontade, ato este executado em virtude de violência praticada por terceiro. Trata-se de um vício de vontade, do qual o ato praticado resulta nulo.

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Importante citarmos o exemplo citado na obra de Luiz Antônio Rizzatto Nunes:

"(...) O administrador ou seu agente coage o consumidor a assinar uma nota promissória ou a entregar um cheque para o pagamento da dívida, sob pena de não liberá-lo do hospital ou não liberar pessoa de sua família"

c) Constrangimento físico ou moral

Entendemos que a prática de cobrança utilizando-se de constrangimento físico e moral foi inserida pelo legislador, com o intuito de proteger o consumidor inadimplente de atos extremos de cobrança praticados pelo fornecedor credor. O constrangimento físico ocorre quando há efetivamente risco à integridade física do consumidor ou aos seus familiares, com ameaças de agressões ou cárcere privado caso o débito não seja quitado. O constrangimento moral, por sua vez, ocorre quando o fornecedor abusa de sua condição de prestador de serviços, por exemplo, e suspende o fornecimento de serviços essenciais à dignidade humana, como água ou eletricidade. Nos termos da lei, o legislador considerou que as condutas são graves e as apenou com a mesma sanção, qual seja, detenção de 03 meses á 01 ano e multa. d) Emprego de afirmações falsas, incorretas ou enganosas Independente da fase da relação comercial é fundamental que as partes, principalmente o fornecedor de produtos e serviços, ofereça informações claras e objetivas sobre o produto que disponibiliza no mercado ou sobre os serviços que serão prestados ao consumidor.

Entenda-se por afirmações: - Falsas – São afirmações que não se sustentam em dados ou fatos

reais; - Incorretas – São afirmações que levam à interpretação errônea dos

dados ou fatos reais;

- Enganosas – São afirmações que podem levar o consumidor ao erro, através de medidas que confundam seu juízo de verdade. Vale citar Luiz Antônio Rizzatto Nunes, ao ponderar que: "(...) Por isso, parece correto dizer que as expressões "afirmação falsa", "incorreta" e "enganosa" são tomadas como sinônimas..." e segue com os exemplos:

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"É abusiva, por exemplo, a ação do mero cobrador da empresa que, ao telefone, apresenta-se ao devedor como oficial de justiça ou advogado (sem sê-lo). É abusiva, também, a cobrança que apresenta ao devedor uma conta de valor maior do que ele deve, para, com isso, pressioná-lo e conseguir negociação para o recebimento, oferecendo-lhe um "desconto", com o que se chegará ao débito real (original)."

e) Exposição do consumidor a ridículo Expor o consumidor a ridículo, ou seja, envergonhá-lo ou humilhá-lo, significa adotar práticas que possam afetar o próprio conceito moral que tem sobre si, bem como afetar o conceito moral e de honestidade que ele sustenta perante aqueles que fazem parte do seu convívio social. Como exemplo de exposição do consumidor, podemos destacar: - afixar lista de devedores em local de acesso público; - cobrar o devedor por meio de comunicação que, de qualquer forma, possa ser identificada por terceiros como tal; - cobrar o consumidor por meio de ligações telefônicas para terceiros não garantidores do débito; - utilizar correio ou telegrama fechados, mas que seu envelope possa ser identificado como de empresa cobradora de dívidas. Práticas como estas que submetem o consumidor a situações vexatórias são proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Os responsáveis por tal ação podem responder por suas práticas nos âmbitos civil e criminal. f) Interferir no trabalho, descanso ou lazer do consumidor. É preciso ter muito cuidado para interpretar este tópico, uma vez que o exercício regular do direito de cobrar, também não pode ser cerceado. Assim, o fornecedor pode se utilizar dos meios legais para entrar em contato com seu cliente, para realizar possível cobrança. Na verdade, o que se veda aqui, não é a cobrança em si, mas a forma como costuma ser realizada, esquecendo-se completamente do direito a dignidade e privacidade do consumidor, ainda que seja inadimplente. Com isso, chegamos à conclusão que a intenção do legislador na elaboração dos artigos em análise, residiu preponderantemente no afastamento do abuso de direito, o que jamais pode ser considerado como mitigação plena do exercício legal do direito de cobrar.

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4.1. Órgãos Públicos, entidades civis – Poderes e responsabilidades Através do Decreto 2.181 de 20 de março de 1997, foi criado o SNDC – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, e estabelecidas as normas gerais de aplicação das sanções administrativas, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor é composto pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça – SDE, o seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC, os Procons, e as entidades civis de defesa do consumidor, entre elas as OSCIPS e demais organizações não governamentais. A Coordenação da Política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor compete exclusivamente, ao DPDC, e é desse departamento as seguintes atribuições, entre outras: I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção e defesa do consumidor; II - receber, analisar, avaliar e apurar consultas e denúncias apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado ou por consumidores individuais; III - prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias; IV - informar, conscientizar e motivar o consumidor, por intermédio dos diferentes meios de comunicação;

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V - solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito para apuração de delito contra o consumidor, nos termos da legislação vigente; VI - representar ao Ministério Público competente, para fins de adoção de medidas processuais, penais e civis, no âmbito de suas atribuições; VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos ou individuais dos consumidores; VIII - solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como auxiliar na fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de produtos e serviços; IX - incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a criação de órgãos públicos estaduais e municipais de defesa do consumidor e a formação, pelos cidadãos, de entidades com esse mesmo objetivo; X - fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 1990, e em outras normas pertinentes à defesa do consumidor; XI - solicitar o concurso de órgãos e entidades de notória especialização técnico-científica para a consecução de seus objetivos; XII - provocar a Secretaria de Direito Econômico para celebrar convênios e termos de ajustamento de conduta, na forma do § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; XIII - elaborar e divulgar o cadastro nacional de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, a que se refere o art. 44 da Lei nº 8.078, de 1990;

Ao Procon – Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, caberá a responsabilidade, entre outras, de:

I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política estadual, do Distrito Federal e municipal de proteção e defesa do consumidor, nas suas respectivas áreas de atuação; II - dar atendimento aos consumidores, processando, regularmente, as reclamações fundamentadas;

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III - fiscalizar as relações de consumo; IV - funcionar, no processo administrativo, como instância de instrução e julgamento, no âmbito de sua competência, dentro das regras fixadas pela Lei nº 8.078, de 1990, pela legislação complementar e por este Decreto; V - elaborar e divulgar anualmente, no âmbito de sua competência, o cadastro de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, de que trata o art. 44 da Lei nº 8.078, de 1990, e remeter cópia ao DPDC; O PROCON disponibiliza aos consumidores diversos canais de atendimento, sendo eles: atendimento pessoal, telefônico, por e.mail ou até mesmo por carta ou fax, com o intuito de facilitar o acesso do consumidor ao órgão. Para cada tipo de produto a ser reclamado, por exemplo uma reclamação contra a operadora do plano de saúde, há uma relação de documentos que o PROCON solicita que sejam entregues, a fim de comprovar as alegações do consumidor. Cumprindo a determinação legislativa de que deverá ocorrer a educação do consumidor quanto ao mercado de consumo, o PROCON elabora palestras e disponibiliza cartilhas educativas sobre diversos segmentos de produtos e serviços comercializados, com o intuito de orientar o consumidor tanto quanto aos cuidados que devem ser observados quando da aquisição de referido bem, como também sobre práticas incorretas comumente utilizadas pelas empresas. Ainda, com caráter informativo e educativo, o PROCON também divulga a relação das empresas que mais foram acionadas pelos consumidores em cada um dos exercícios fiscais, estando esta informação disponível no site do órgão. 4.2 – Poder regulamentar e Fiscalizatório. Como vimos, é atribuição do DPDC - Departamento da Secretaria de Direito Econômico - e dos Procons a fiscalização das relações de consumo. É também responsabilidade desses órgãos imporem sanções quando for o caso. A fiscalização será efetuada por agentes fiscais, oficialmente designados, vinculados aos respectivos órgãos de proteção e defesa do consumidor, no âmbito federal, estadual, do Distrito Federal e municipal, devidamente credenciados mediante Cédula de Identificação Fiscal. As penalidades previstas pelo Código de Defesa do Consumidor e Decreto 2181/97, que criou o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor,

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serão aplicadas pelos mesmos órgãos responsáveis pela fiscalização, e podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, inclusive de forma cautelar, durante o processo administrativo ou judicial, sem prejuízo das demais penas na esfera cível ou penal, e são elas: I - multa; II - apreensão do produto; Ill - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviços; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Esta atuação poderá ocorrer tanto na esfera administrativa quanto na judicial. Vejamos: Processo Administrativo. O Processo administrativo poderá ter início por três formas:

1) Por ato da autoridade competente; 2) Por lavratura de auto de infração da autoridade competente; 3) Ou ainda por reclamação do consumidor.

Quando ocorrer por reclamação do consumidor, poderá ser realizada por diversas maneiras, como pessoalmente, em qualquer órgão oficial de proteção e defesa do consumidor, por telegrama, carta, telex, por fax, ou qualquer outro meio de comunicação. O processo administrativo poderá ser contestado, e o infrator apresentará a sua defesa, no prazo de dez dias contados da data do recebimento da notificação sobre a instauração do processo. A autoridade administrativa deverá analisar as provas produzidas pelas partes e a defesa, e assim que decidir, em caso de condenação, fixar a pena, que deverá ser cumprida no prazo de dez dias. Poderá o infrator ainda, apresentar recurso, que não terá efeito suspensivo. No caso de aplicação de multa, o recurso será recebido com efeito suspensivo.

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Processo Judicial: A ampliação do acesso à justiça e o aperfeiçoamento dos instrumentos jurisdicionais tem sido uma preocupação constante dos operadores do direito. Com o advento do Código do Consumidor houve uma efetiva mudança no ordenamento jurídico. Passamos de uma visão individualista, para uma visão coletiva e social. E o acesso à justiça passou a ser objeto de preocupação e proteção jurisdicional. Com isso foram criados instrumentos, que ao longo dos anos tem facilitado, e de forma efetiva, viabilizado o acesso dos consumidores, através, na maior parte das vezes, dos Juizados Especiais. Efetivamente, a partir do Código de Defesa do Consumidor ampliou-se o acesso à justiça, em razão de tutelar-se de outra forma os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No tocante aos direitos difusos, a legitimidade é outorgada ao Ministério Público e associações, sendo que a coisa julgada apenas se operará se procedente a demanda. Outra categoria é a dos direitos coletivos pertencentes a um grupo de pessoas que tenham um liame jurídico. Nesta hipótese, se procedente o pedido, a coisa julgada atinge a todos os membros do grupo. E por fim, a última categoria a ser mencionada é a que atinge os direitos individuais, dos quais são titulares pessoas determinadas. Vale ressaltar que esta última pode ser subsidiária da ação civil pública. Assim podemos afirmar que o acesso à justiça no tocante à defesa do consumidor alcançou excelente avanço com o advento do Código de Defesa do Consumidor. 4.3 – Termo de ajustamento de conduta Termos de ajustamento de condutas, nada mais são do que um instrumento administrativo, que visa garantir e preservar os direitos individuais e coletivos dos consumidores. Geralmente é utilizado pelo Ministério Público, com o objetivo de estabelecer um acordo com a parte que está causando algum prejuízo ou na iminência de causá-lo contra o consumidor. Assinado o acordo, a parte envolvida admite ter consciência do prejuízo que pode estar causando e se compromete, dentro de um determinado espaço de tempo, a reparar o dano que causou ou evitar que tal dano seja causado.

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Com a assinatura pelas partes, tal termo se transforma em um título executivo extrajudicial, que poderá ser executado se o agente provocador não cumprir o que está determinado no termo de ajustamento. O responsável por esta execução é o próprio órgão público que estabeleceu o acordo, sem a necessidade do reconhecimento do direito, uma vez que já está expresso no título executivo. Adotando estas medidas, o agente provocador será submetido a uma das penalidades dispostas tanto no próprio termo de acordo, quanto as penalidades previstas pelo Juiz. Vale ressaltar ainda, que tal medida reduziu de forma eficiente o tempo de desenvolvimento da ação, garantindo ao consumidor a maior possibilidade de reparação num menor tempo possível.