Da Analogia No Direito Previdenciario-Aldizio
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1
A AMPLIAÇÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR MEIO DA ANALOGIA
JOSÉ ALDÍZIO PEREIRA JÚNIOR Procurador Federal/INSS
Especialista em Direito Processual Civil,
Direito Administrativo e Direito Tributário e Finanças Públicas.
PALAVRAS-CHAVES: Analogia; previdenciário; ampliação, benefícios.
RESUMO: É preocupante a freqüente ampliação de benefícios previdenciários e assistenciais
pelo Poder Judiciário por meio do recurso à analogia.
Com efeito, a concessão de prestações alheias às previsões legais onera, fatalmente, a
sistemática atuarial, comprometendo, por conseguinte, a saúde financeira do sistema
previdenciário, que não dispõe da fonte específica de recursos para custear os benefícios que
são concedidos à margem da legislação previdenciária.
Muitas decisões do Poder Judiciário, na área do Direito Previdenciário, ainda que pretendam
fazer distribuição de justiça social, na verdade, violam basilares princípios constitucionais e
comprometem o fundamento do Estado Democrático de Direito.
Nas salas de aulas do curso de Direto, logo nas disciplinas iniciais, se tem uma noção
dos recursos de que dispõe o julgador para promover a colmatação de eventuais lacunas do
ordenamento jurídico.
Ora, não se poderia admitir que o Judiciário frustrasse a pretensão posta à sua
apreciação, sob pena de comprometer-se toda a sistemática de controles recíprocos
idealizada por Montesquieu, cabendo-lhe, pois, dentro de sua função constitucional,
prontamente, outorgar ao jurisdicionado a prestação requestada, o que se concretizará
ainda que o direito pleiteado não seja reconhecido na sentença proferida. Vale dizer, a
prestação jurisdicional se considera outorgada, ainda que a decisão final não reconheça a
procedência do pedido formulado pela parte promovente.
Seria, pois, uma das características do ordenamento jurídico, ao lado da unidade e
coerência, a sua completude – segundo BOBBIO.
Aqui, vale registrar a crítica que se faz ao chamado dogma da completude, tido como
positivista, que, em poucas palavras, pode ser traduzido na concepção de que no
ordenamento jurídico não há nada para se acrescentar e nada pra se retirar, porque ele
contém tudo o de que necessita o intérprete para resolver todos os problemas jurídicos
apresentados ou por aparecer.
Dessa forma, a fim de instrumentar o julgador de recursos que permitam a sua
atuação diante da omissão da norma, a LICC disciplinou: “Art. 4o. Quando a lei for omissa,
o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito”.
Pois bem, a analogia, objeto deste breve estudo, que cuida mais especialmente de
matéria previdenciária, como ensina o eminente jurista, professor e ex-magistrado HUGO DE
BRITO MACHADO,
2
“É o meio de integração pelo qual o aplicador da lei, diante de lacuna desta, busca solução para o caso em norma pertinente a casos semelhantes, análogos. O legislador nem sempre consegue disciplinar expressa e especificamente todas as situações. O mundo fático é complexo e dinâmico, de sorte que é impossível uma lei sem lacunas. Assim, diante de uma situação para a qual não há dispositivo legal específico, aplica-se o dispositivo
pertinente a situações semelhantes, idênticas, análogas, afins”1.
Diferentemente de alguns ilustres mestres, a propósito, entendemos que o juiz, ao
exercer essa atividade integrativa, em rigor, não está criando direito novo, porque, com
base em normas jurídicas preexistentes, apenas descobre o direito já existente no sistema,
que, por essa forma, fica devidamente integrado, com a supressão da lacuna.
Significa, assim, o procedimento pelo qual se aplica a um caso não regulamentado a
mesma disciplina estabelecida para um caso regulamentado semelhante.2
Aliás, o mencionado professor HUGO MACHADO, ainda acerca do tema, com aguda
percepção, pondera: “A rigor, é sempre logicamente possível a aplicação da ordem jurídica a
qualquer caso concreto. A falta de uma norma específica não implica a necessidade de
criação dessa norma, pois a decisão poderia ser fundada precisamente na sua ausência”.
(ob. cit., pág. 107). Essa observação doutrinária é percuciente e tem aplicação específica
quando a matéria examinada, em sede judicial, está sujeita ao princípio da estrita
legalidade. Vale dizer, se um determinado assunto está vinculado a esse princípio, a
ausência da norma especial vai permitir ao juiz que julgue o caso concreto, alegando que a
pretensão deduzida não comporta a solução desejada, porque ausente o fundamento legal
pertinente. Noutros termos, se a lei não prevê a solução postulada, o juiz simplesmente
denega a pretensão deduzida.
Contudo, no dia-a-dia forense, em julgamentos de causas previdenciárias percebe-se
que o recurso à analogia vem sendo constantemente utilizado pelos nobres julgadores, para
ampliar ou estender benefícios não expressamente previstos pela legislação previdenciária, o
que, inexoravelmente, compromete toda higidez do sistema, que é lastreado em cálculos
atuariais, ou seja, alimentado e movido com base em fatores previamente estipulados na
normatização – cite-se, como exemplo, o caso da aplicação “analógica” das normas
pertinentes ao Imposto de Renda, para estender até os 24 anos o benefício da pensão por
morte. Outro exemplo, ainda, aqui, pode ser lembrado: a aplicação “analógica” do parágrafo
único do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003. Aquele dispositivo estabelece que o valor do
benefício assistencial já concedido a qualquer membro de uma família não será computado
para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Lei Orgânica da
Assistência Social(LOAS).
Este segundo caso de aplicação judicial “analógica” será, por sua grande repercussão
na práxis, objeto mais detalhado de nosso trabalho.
Não é necessário perder tempo meditando para se chegar à conclusão de que conceder
benefícios “novos” – aliás, mais correto seria dizer benefícios em novas condições - em
casos não expressamente disciplinados pela lei, implica deixar a descoberto os demais
infortúnios legalmente previstos, e, portanto, já considerados quando do dimensionamento
do montante de recursos necessários ao pagamento de benefícios futuros, já que a conta
não haveria de “fechar” com a inclusão de novas coberturas, sem a previsão da
correspondente fonte de custeio total, como imperativamente preceitua o § 5º, do artigo
195, da Constituição Federal.
1 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 110/111.
2 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 9. Ed., p. 214.
3
Quando examinamos as bem intencionadas decisões judiciais acerca dessa matéria,
parece-nos, com as devidas vênias, que se está confundindo interpretação com integração.
Como se sabe, a primeira - interpretação - é a função precípua do julgador, que, no
exercício da jurisdição, interpreta e depois aplica o direito ao caso concreto – noutras
palavras, é através dela que o magistrado dá os contornos da aplicação da lei; afinal,
“Interpretar” significa desvendar o conteúdo e alcance da norma já existente no
ordenamento - ou seja, é aclarar o obscurecido, é descobrir o encoberto, porém já existente
no ordenamento.
De outro turno, “integrar” consiste em aplicar regra diversa à situação semelhante não
disciplinada expressamente, vale dizer, preencher lacuna legislativa.
Diante da lacuna, pode o Judiciário, através da analogia, promover a integração
normativa, fazendo aplicar uma regra constante do ordenamento a uma situação
assemelhada não expressamente contemplada pelo legislador.
E a analogia, ao lado dos princípios gerais do direito e da eqüidade, é sabidamente um
dos meios de integração do ordenamento jurídico.
Essa, pois, é a destinação da analogia: promover colmatação de lacunas; para tanto,
faz-se necessário que a norma, no caso concreto, seja faltante, ou seja, não haja
regramento específico para o caso concreto!
Portanto, impõe-se concluir que não cabe ao Judiciário, sob pretexto de suprir
supostas lacunas, alterar o conteúdo da norma, para fazê-la incidir sobre situação factual
diversa daquela que está disciplinada pelo legislador, ainda que a pretexto de garantir
eficácia a princípios constitucionais.
Isso porque, em tal hipótese, rigorosamente, não se estaria diante de uma simples
aplicação analógica, mas, em verdade, o juiz, em situação que tal, estaria ele, efetivamente,
criando regra nova, diferente daquela então existente, inovando, por força do seu ato de
julgar, o ordenamento jurídico.
Noutro giro, diante da lacuna legislativa, ao Judiciário cabe a incumbência de
interpretar e aplicar analogicamente a lei aos casos assemelhados, não, porém, modificar ou
alterar o conteúdo da disposição normativa existente para fazê-la incidir em casos
substancialmente diversos dos regulados pelo legislador.
Essa conduta, na verdade, implica, data venia, a substituição da vontade do legislador
pela vontade do próprio juiz, revelando, com isso, uma inadequada hegemonia de um Poder
sobre outro – ou seja, do Judiciário sobre o Legislativo, com evidente ofensa ao princípio da
separação e independência dos poderes republicanos (art. 2o CF).
Acerca da inexistência de instâncias hegemônicas entre os Poderes da República
precisas e, ora, oportunas as palavras do eminente Ministro CELSO DE MELLO, exaradas
como relato do MS-23452/RJ (STF), para quem
[...] o sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação
de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a
neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.3
3 MS-23452/RJ – Plenário – Rel. Min. CELSO DE MELLO. Julgamento 16.09.99, DJ 12.05.00, p. 20 Ementa Vol. - 01990-01, p.086.
4
Incumbe, pois, ao Judiciário, diante da hipótese de uma lacuna normativa, tão-só,
exercer a função negativa, retirando ou extraindo do ordenamento em vigor a regra
aplicável ao caso concreto, mas não criar regra inteiramente nova, a pretexto de praticar um
ato de justiça.
Convém registrar, ainda, que, nem mesmo na hipótese de inconstitucionalidade por
omissão a Constituição Federal autoriza o STF ir além do seu mero reconhecimento,
limitando-se a sua competência a comunicar sua decisão ao Poder Legislativo para que este,
caso entenda conveniente e oportuno, supra a falta de norma regulamentadora da
Constituição, o que evidencia o perfil do modelo de controle adotado pela República
brasileira, o qual se funda no absoluto respeito à separação e independência entre os
poderes.
De sorte que, diante da precisão de um texto legal, que não admite, sequer
hipoteticamente, duas ou mais interpretações, compete ao Judiciário retirar a norma do
ordenamento caso revele incompatibilidade com a Constituição, não, porém, alterar-lhe o
conteúdo, sob pena de exercer função própria de legislador positivo, usurpando, por
decorrência, competência do Poder Legislativo e violando, conseqüentemente, o princípio da
separação e independência do Poderes Republicanos.
Ademais, nessa esteira, o próprio princípio da legalidade resta afrontado, afinal,
verbis:
As duas idéias principais que servem de base pare esse princípio são, de um
lado, a de que o único poder legítimo é o que resulta da vontade geral do povo, manifestado pela lei; acima dessa vontade nenhuma outra se coloca, nem mesmo do monarca; de outro lado, a idéia de separação de poderes, que dá primazia ao Poder Legislativo, colocando os dois sob a égide da lei. O Executivo e o Judiciário apenas executam normas emanadas do Legislativo, deixando de ser visto como expressão de soberania e perdendo qualquer margem de poder normativo. Só o Legislativo pode editar leis, sendo-lhe
vedado delegar esse poder.4
Outrossim, diante da existência de norma legal disciplinadora, que prevê requisitos e
limites objetivos e subjetivos para a concessão dos benefícios previdenciários, não cabe ao
Judiciário, a pretexto de exercitar a função jurisdicional, modificar ou alterar o alcance dessa
norma, concedendo ou estendendo benefício em condições que a lei de regência, em rigor,
não autoriza.
Em suma: ao Judiciário, como tutor da ordem jurídica e do Estado Democrático de
Direito, não é dado exercer a função de “legislador positivo”, modificando o sentido ou
alcance da norma legal disciplinadora da matéria, visto que a atividade normativa restou
conferida pela Constituição, ordinariamente, à esfera de competência do Poder Legislativo,
e, extraordinariamente, à do Presidente da República (ex: MP – art. 62; Lei delegada – art.
68 CF), não, porém, à daquele Poder.
No âmbito do ordenamento jurídico vigente, a competência dos Poderes da República
encontra-se delimitada no texto Constitucional, cabendo a cada qual exercê-la com
independência e harmonia em relação aos demais (art. 2o), o que pressupõe respeito ao
campo de atuação de cada um e a existência de um sistema de freios e contrapesos5 bem
4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo:Atlas, 2001, p.22.
5 “Checks and balances system”, na doutrina americana.
5
delineado no próprio concerto normativo-constitucional, com vistas a assegurar o controle
de um Poder sobre o outro.
Não por outra razão que o constituinte assegurou amplo acesso à justiça, fazendo
inserir no rol das garantias fundamentais do cidadão o princípio da inafastabilidade do Poder
Judiciário (também conhecido como princípio do acesso á justiça), segundo o qual nenhuma
lesão ou ameaça a direito poderá ser excluída de sua apreciação. (cf. art. 5º, inc. XXXV-
CF/88).
Insistimos, pois, ao Judiciário não compete exercer a função de legislador positivo,
inovador da ordem jurídica, mas de legislador negativo e aplicador das normas vigentes no
ordenamento, razão pela qual não pode ir além, para criar requisito ou condição não
previsto em lei, ou ainda, ampliar o alcance subjetivo ou objetivo da norma jurídica para
atingir situação ou pessoa não contempladas pelo legislador.
Cabe-lhe, isto sim, atuar como legislador negativo, afastando a aplicação de normas
que, por sua incompatibilidade vertical, não se harmonizem com o texto constitucional, mas
não como legislador positivo, porquanto isso, como ressaltado, implicaria usurpação de
função do poder legislativo.
A propósito da impossibilidade de o Poder Judiciário exercer função de legislador
positivo, sob pena de usurpação de competência do Legislativo e, conseqüente, ofensa ao
princípio da separação dos poderes (art. 2o CR), já se pronunciou o SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL–STF, conforme se depreende do v. acórdão proferido no Agravo Regimental no RE
nº 200844/PR, 2a Turma, Min. CELSO DE MELLO, j. 25/6/2002 e DJ 16/8/2002, p. 234, cuja
ementa restou assim editada:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA TRIBUTÁRIA – SUBSTIUIÇÃO LEGAL DOS FATORES DE INDEXAÇÃO – ALEGADA OFENSA ÀS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADQUIRIDO E DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA – INOCORRÊNCIA – SIMPLES ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM MAJORAÇÃO DO TRIBUTO – RECURSO IMPROVIDO.
Não se revela lícito, ao Poder Judiciário, atuar na anômala condição de legislador positivo, para, em assim agindo, proceder à substituição de um fator de indexação, definido em lei, por outro, resultante de determinação
judicial. Se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. Precedentes. – A modificação dos fatores de indexação, com base em legislação superveniente, não constitui desrespeito a situações jurídicas
consolidadas (CF, art. 5o, XXXVI), nem transgressão ao postulado da não-surpresa, instrumentalmente garantido pela cláusula da anterioridade tributária (CF, art. 150, III, “b”). – O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público – tratando-se, ou não, de matéria tributária – devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do “substantive due process of law” (CF, art.
5o, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de
aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipóteses em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade. Precedentes.(STF-2a Turma – Min. CELSO DE MELLO – AgReg no RE nº 200844/PR - j. 25/6/2002 e DJ 16/8/2002, p. 234)
6
Convém registrar que tal limitação não afasta a possibilidade de o Judiciário exercer a
integração normativa, através da analogia, que é forma de integração e não de
interpretação jurídica.
Demais disto, como se não bastasse tudo que foi aqui dito, a extensão por analogia de
benefícios previdenciários viola o Princípio Constitucional da Precedência da Fonte de
Custeio, previsto no artigo 195, § 5º da Constituição Federal, princípio este previsto no
capítulo da “Seguridade Social”, e não apenas da “Previdência Social”. Ensinam, a propósito,
Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari que:
“É o princípio segundo o qual não pode ser criado benefício ou serviço, nem
majorado ou estendido a categorias de segurados, sem que haja a correspondente fonte de custeio total - §5º do art. 195” ( Manual de Direito Previdenciário)6.
Com efeito, o Princípio da Precedência do Custeio é previsto desde a Emenda
Constitucional n.º 11, de 31/03/1965, tendo sido repetido no art.158, §1º, da CF de 1967,
no art.165, parágrafo único, da CF de 1969 e no art.195, § 5º, da atual Carta.
É que, como parece de todo evidente, sem recursos antecipados não há como atender
aos vultosos encargos da Seguridade Social. Regra básica nas finanças, no comércio e até
mesmo na economia doméstica, não há como gastar se não houver recursos para fazer
frente às despesas. Todo dispêndio deve ser precedido da sua fonte de custeio total. É uma
regra da experiência e bom senso.
Mas, infelizmente, é imperioso reconhecer que o Poder Judiciário, especialmente em
graus ordinários, vem ignorando a elementar relação receita/despesa, porque, efetivamente,
não se pode escancarar os cofres públicos, estendendo ou ampliando benefícios
previdenciários sem a menor preocupação com prévia indicação da correspondente fonte de
custeio total, como imperativa e categoricamente determina aquele dispositivo
constitucional. (§ 5º, art. 195 – CF/88).
Bem se vê, como já se registrou, que o propósito do magistrado ao lançar mão do
recurso à analogia, para abraçar outras situações não contempladas pela lei, é o de fazer
justiça social.
Tudo indica que o contato mais próximo com a parte mazelada, que busca, a todo
custo, amparo no sistema previdenciário, deve sensibilizar o magistrado, que, como ser
humano que é, acaba por se sentir tentado a, com o coração nas mãos, remediar situações
e circunstâncias alheias às normas previdenciárias.
Essa parece ser a maior razão com que se procura justificar os julgamentos que são
prolatados nesse contexto.
Por isso se diz que tais decisões são bem intencionadas. Contundo, ainda assim, não
se pode concordar com tal postura, porque, afinal, todos que recorrem à Previdência – nas
situações previstas na legislação – se encontram, realmente, em alguma situação de
necessidade.
Mas, de qualquer modo, não é admissível que se amplie indevidamente a cobertura,
sem a devida previsão legal, porque, nesse caso, estar-se-á pondo em risco a saúde e a
sobrevivência do próprio sistema da previdência social.
O CASO ESPECÍFICO APLICAÇÃO DA ANALOGIA PARA PERMITIR A CUMULAÇÃO DO
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS) COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
6 LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 8 ed.. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.p. 101.
7
O benefício assistencial previsto no inciso V, do art.203, da Constituição Federal, é
dirigido à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso que comprovar não possuir meios
de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Hão de ser comprovadas pelo interessado, para a concessão de tal benefício
assistencial, as seguintes condições (art. 6º do Decreto nº 1.744, de 08.12.95): a) - ser
portador de deficiência física ou mental que a incapacite para a vida independente e para o
trabalho, ou idade avançada, e b) - renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário
mínimo.
Logo se percebe que a renda é um dos requisitos cumulativos para concessão do
benefício em comento. Ou seja, a renda do grupo familiar, este composto nos termos do
artigo 16 da Lei 8.213/91, não pode ser superior a ¼ do salário mínimo.
Pois bem, acontecia, com muita freqüência, que a percepção de um benefício
assistencial, por parte de um idoso (a idade para configuração dessa condição evoluiu de 70
anos – até 31.12.97, para 67 anos – até o advento da Lei 10.741/03, que reduziu,
finalmente para os atuais para 65 anos) acabava por excluir automaticamente a
possibilidade de outro idoso- da família - perceber idêntico benefício.
Com o propósito de evitar essa vedação automática, o novel Estatuto do Idoso previu o
seguinte, verbis:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam
meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar
per capita a que se refere a Loas.
Da leitura do artigo, sem nenhuma dificuldade, percebe-se que o parágrafo único do
artigo 34, da Lei nº 10.741/2003, excluiu do cômputo da renda familiar apenas o benefício
assistencial que outro idoso, do mesmo conjunto familiar, já recebe, não contemplando,
portanto, outros benefícios, de natureza previdenciária – pois bem se sabe que aqui está se
cuidando de prestação assistencial, não de benefício previdenciário, propriamente dito.
À primeira vista, poderia parecer fora de qualquer lógica ou mesmo descuido do
legislador em prever que apenas a concessão de benefício assistencial ao idoso não entrará
no cômputo da renda de novo benefício assistencial.
Mas, na verdade, em primeiro lugar, impõe-se reconhecer, como dito, que cabe ao
legislador a tarefa de definir os critérios objetivos e subjetivos da concessão do benefício.
Em segundo lugar, é compreensível que o legislador tenha resguardado a condição
em que um membro da família receba o LOAS e este valor não seja considerado no
cômputo da renda. Na verdade, quem se aprofunda um pouco no exame das necessidades
sociais do país, facilmente percebe que um idoso beneficiário do LOAS, normalmente,
pertence a grupo familiar que não esteve no mercado formal de trabalho, não tendo,
durante a vida economicamente ativa, criado um mínimo de proteção social.
Freqüentemente, esse idoso assim assistido não possui qualquer rede familiar ou
comunitária mínima de apoio e proteção, estando, na maioria das vezes, desprovido das
mais mínimas condições de sobrevivência, como moradia, saúde etc. São, na esmagadora
maioria, os pobres dos pobres. Para esta categoria de brasileiros, é que o legislador resolveu
no, no Estatuto do Idoso, ampliar a proteção.
8
Ainda que se possa dizer que o segurado da previdência social - que recebe benefício
de aposentadoria (em retribuição às contribuições vertidas ao longo do período de trabalho
no mercado formal) possa estar em condições econômicas assemelhadas às do beneficiário
do LOAS, é plenamente compreensível que o legislador queira distinguir as duas situações e
dar proteção especial à primeira, em função das razões expostas e de tantas outras que
podem ser acrescentadas.
Há, portanto, objetividade no critério criado pelo legislador e não houve qualquer
descuido em atender apenas ao idoso beneficiário do LOAS.
Existem, sim, como se pode ver, razões sociais que justificam esta atitude do
legislador no cumprimento do seu mandato constitucional.
O que não se pode admitir é que os integrantes do judiciário possam, ao seu alvedrio,
definir e estipular condições, ou estabelecer, por ato seu, os critérios de concessão do
benefício.
Essa interpretação extensiva termina por igualar situações, subjetiva e objetivamente,
desiguais, na medida em que, para os fins do disposto no parágrafo único do art. 34, da Lei
10.741/2003, considera a situação daquele membro do conjunto familiar do idoso que
recebe, como segurado, um benefício previdenciário, idêntica à daquele idoso que faz jus ao
benefício assistencial. Vale dizer, a teor do entendimento judicial que sendo adotado, se
algum membro do conjunto familiar do idoso receber um benefício previdenciário, como do
segurado, o valor desse benefício não será também computado no cálculo da renda daquele
grupo familiar, para fins de concessão do auxilio assistencial a um outro membro dessa
mesma família.
Ao aplicar analogicamente a exceção prevista no parágrafo único do artigo 34 do
Estatuto do Idoso ao caso em tela, permitindo que verba de natureza previdenciária ou
salarial seja desconsiderada no calculo da renda familiar, juiz estaria sepultando o § 3º, do
art. 20, da Lei 8.742/93, já que seguindo este entendimento, toda e qualquer verba, seja de
natureza assistencial, previdenciária, ou salarial deixaria de entrar no computo deste
beneficio, ampliando, demasiadamente a abrangência do Amparo Assistencial.
Nesse sentido, aliás, decidiu recentemente o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA REQUISITOS LEGAIS. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ESTATUTO DO IDOSO. NÃO INCIDÊNCIA. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.
I - Se o v. acórdão hostilizado, com base no material cognitivo constante dos
autos, consignou que a autora não faz jus ao benefício assistencial pleiteado, rever tal decisão implicaria reexame de prova, o que não é possível na instância incomum (Súmula 7-STJ).
II - O cônjuge da autora não recebe benefício da assistência social, não se aplicando o parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.
III - Não cabe o exame de matéria constitucional em sede de recurso
especial, conquanto se admite apenas a apreciação de questões referentes à interpretação de normas infraconstitucionais.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 868.590 - SP (2006/0155371-0) -RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER - AGRAVANTE : APARECIDA CONCEIÇÃO
9
BENEVENTE REBELLATI - AGRAVADO : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS - 28 de novembro de 2006 (Data do Julgamento - MINISTRO FELIX FISCHER).
Extrai-se do voto do relator:
Outrossim, quanto à alegada negativa de vigência ao art. 34, parágrafo único,
da Lei nº 10.741/2003, tendo em vista que o benefício de prestação continuada recebido por qualquer um dos membros da família não poderia ser computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita, o que consta do pronunciamento do e. Tribunal a quo é que o cônjuge da recorrida é
aposentado por invalidez, não desfrutando do benefício assistencial.
Nesse mesmo sentido, também decidiu o Egrégio TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA
3ª REGIÃO:
PREVIDENCIÁRIO - BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - ART. 203, V, DA CF/88 - PESSOA IDOSA - APELAÇÃO - FAMÍLIA CAPAZ DE PROVER A MANUTENÇÃO DA PARTE AUTORA - ESTATUTO DO IDOSO – APELAÇÃO IMPROVIDA.
- Demonstrado que a parte autora é idosa, mas tendo a sua manutenção provida por sua família, impõe-se o indeferimento do pedido de concessão do
benefício de assistência social (art. 203, V, da CF/88).
- Diante do contexto apresentado torna-se inaplicável a analogia com relação à disposição legal contida no artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, pois o benefício vindicado não tem o condão de complementação de renda.
- Apelação improvida.
(TRF - TERCEIRA REGIÃO - APELAÇÃO CIVEL – 962650 - Processo: 200361070030986 - UF: SP - Órgão Julgador: SÉTIMA TURMA - Data da decisão: 25/10/2004 - Documento: TRF300088139 - Fonte DJU DATA:03/12/2004 PÁGINA: 594 - Relator(a) JUIZA EVA REGINA).
Como bem ponderou em seu voto a Relatora - Desembargadora Federal EVA REGINA -
o benefício in casu não serve como meio de complementação de renda, razão pela qual não
pode aplicar-se por analogia o disposto no artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03
(Estatuto do Idoso):
Quanto ao requerimento da parte autora de aplicação, por analogia, do artigo
34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, entendo que a aludida disposição legal não pode ser empregada no caso in comento, pois conforme o contexto apresentado, a concessão do benefício vindicado resultaria em complementação de renda, o que sem dúvida não se coaduna com a função social do mesmo. Desse modo, ausente um dos pressupostos legais para a concessão do benefício, a improcedência do pedido é medida que se impõe.
Ainda nesse mesmo sentido, também decidiu a eg. 2ª Turma Recursal do JEF do RS:
Da análise dos documentos juntados aos autos verifica-se que Maria Coelho Cardoso, 65 anos, vive com o marido, aposentado, com renda de benefício no
valor de um salário mínimo. [...]
A questão controvertida nos autos está na aplicação da disposição constante do parágrafo único do artigo 34 da Lei do Idoso, ou seja, se o benefício a não ser computado na renda familiar para fins de pagamento do LOAS é somente
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outro benefício assistencial percebido por qualquer pessoa da família ou se refere qualquer outro benefício pago pela previdência social. Tenho que no caso concreto deva ser considerada a primeira hipótese, ou seja, não será computada para o cálculo da renda mensal familiar somente outro benefício assistencial percebido por qualquer outro membro da família. A "contrario sensu", os demais benefícios previdenciários percebidos por qualquer outra
pessoa da família deverão ser computados.
Registro que interpretação distinta daquela acima apresentada descaracterizaria o caráter excepcional do benefício assistencial inviabilizando sua aplicação. [...]
(RECURSO DE MEDIDA CAUTELAR Nº 2006.71.95.005960-8/RS - RELATOR :
Juiz Ricardo Nuske - RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS - RECORRIDO : MARIA COELHO CARDOSO - 25 de maio de 2006).
Extrai-se do voto do relator:
A questão controvertida nos autos está na aplicação da disposição constante
do parágrafo único do artigo 34 da Lei do Idoso, ou seja, se o benefício a não ser computado na renda familiar para fins de pagamento do LOAS é somente outro benefício assistencial percebido por qualquer pessoa da família ou se refere qualquer outro benefício pago pela previdência social. Tenho que no caso concreto deva ser considerada a primeira hipótese, ou seja, não será
computada para o cálculo da renda mensal familiar somente outro benefício
assistencial percebido por qualquer outro membro da família. A "contrario sensu", os demais benefícios previdenciários percebidos por qualquer outra pessoa da família deverão ser computados.
Registro que interpretação distinta daquela acima apresentada descaracterizaria o caráter excepcional do benefício assistencial inviabilizando sua aplicação.
Ainda nesse mesmo sentido, decidiu a Turma Recursal do JEF do TO:
LOAS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA.
REQUISITO ECONÔMICO. NÃO PREENCHIMENTO.
1. Nos termos do artigo 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/03 (Estatuto
do Idoso), não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, o benefício assistencial concedido à pessoa portadora de deficiência com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos.
2. No caso, por força do art. 20, §1º, Lei nº 8.742/93 c/c art. 16, Lei nº 8.213/91, o grupo familiar a ser considerado é formado unicamente pelo
Autor, com 58 anos, sua esposa, que aufere renda equivalente a R$ 30,00, uma filha e um filho, percebendo este último a importância mensal no valor de um salário-mínimo decorrente de benefício assistencial por incapacidade.
3.O benefício assistencial concedido à pessoa portadora de deficiência com
idade inferior a 65 (sessenta e cinco anos) deve ser computado para fins de cálculo da renda familiar per capita. Inteligência do art. 34, parágrafo único,
da Lei n. 10.741/03.
4.Se a renda mensal per capita não é inferior a ¼ do salário-mínimo, deve ser indeferido o benefício assistencial.
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5.Ausente um dos requisitos exigidos em lei, o benefício assistencial não pode ser deferido.
6.Sentença reformada, a fim de julgar improcedente o pedido.
7.Antecipação de tutela revogada.
8.Custas isentas. Sem honorários.
(PROCESSO N.º 2005.43.00.901884-0 - RELATOR: Juiz Federal Substituto MAURÍCIO RIOS - 12/01/2007.)
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CÁLCULO DA RENDA PER CAPTA. INCLUSÃO DO
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PERCEBIDO POR PESSOA IDOSA INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. RENDA SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO-MÍNIMO. BENEFÍCIO INDEVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. O benefício previdenciário, ainda que percebido por pessoa idosa do grupo familiar, é considerado no cálculo da renda per capta, já que não se trata da regra de exceção do art. 34, parágrafo único da Lei nº 10.741/2003, que
cuida exclusivamente do benefício assistencial.
2. O STF, ao decidir a ADIN 1232-DF, DJ 01.06.2001, afirmou que a constitucionalidade do art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93, que prevê o limite máximo de ¼ do salário-mínimo de renda mensal per capta da família para que esta seja considerada incapaz de prover a manutenção do idoso e do deficiente físico, tendo em vista o art. 203, V, da Constituição Federal se
reportar à lei para fixar os critérios de garantia do benefício nele previsto, afastando a possibilidade de se emprestar ao texto impugnado interpretação segundo a qual não se limita ele os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso.
3. Assim, possuindo o grupo familiar renda per capta superior a ¼ do salário-mínimo, indevido é o benefício assistencial, por não preenchido um dos
requisitos legais.
4. Recurso conhecido e provido.
(Recurso Cível JEF nº 2005.43.00.902016-5 - RECURSO CONTRA SENTENÇA CÍVEL - Juiz JOSÉ GODINHO FILHO - 12 de janeiro de 2007.)
Extrai-se do voto do relator:
No caso sob exame, quanto à renda familiar do recorrente, observo que sua mãe já percebe benefício previdenciário no valor de um salário mínimo por mês, o que leva a renda familiar a superar o critério objetivo estabelecido no art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93, posto que o grupo familiar é formado apenas
pelo autor e sua genitora.Somente o benefício de caráter assistencial concedido a membro da família não será considerado para efeitos de cálculo de renda familiar, nos termos do art. 34, parágrafo único do Estatuto do Idoso. A Lei é cristalina, criando uma regra de exceção e, como tal, deve ser interpretada de forma restritiva, não competindo ao Poder Judiciário atuar
como legislador positivo. Assim, se um dos membros da família recebe benefício previdenciário, mesmo que no valor de um salário-mínimo, tal
recurso será contabilizado para fins de definição de renda familiar.
Destarte, impossível aplicação analógica do referido dispositivo legal, não havendo
como estender o disposto no artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, para
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excluir, do cálculo da renda familiar per capita, verba de natureza salarial ou benefício
previdenciário, uma vez que tais verbas, em face da lei de regência (Lei 10.741/2003 – art.
34 e parág. único), devem ser computadas, para fins de possível exclusão do benefício
assistencial a que alude o artigo 34 do Estatuto do Idoso(Lei 10.741/2003).
Alias, o legislador pátrio, ao elaborar o Estatuto do Idoso, estava ciente de que não
poderia ampliar demasiadamente a concessão do benefício do Amparo Social, sem a
precedente fonte de custeio. Essa é a razão de existir do art. 117 do Estatuto do Idoso:
Art. 117. O Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei revendo os critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada previsto na Lei Orgânica da Assistência Social, de forma a garantir que o
acesso ao direito seja condizente com o estágio de desenvolvimento sócio-econômico alcançado pelo País.
Ademais, a teor do o art. 203, V, da CF, compete exclusivamente ao legislador
estabelecer a disciplina do benefício assistencial, fixando de forma objetiva os requisitos
necessários à sua percepção, não podendo o juiz, portanto, por motivo de concepção
ideológica, modificá-los, reduzi-los ou ampliá-los, sob pena de usurpação da função
legislativa com a conseqüente ofensa aos princípios da reserva legal (art. 203, V – parte
final), da separação dos poderes (art.2o) e do Estado Democrático de Direito (art. 1o).
De outra parte, convém insistir, conforme se depreende da parte final do art. 203, V
da CR, o constituinte, ao dispor sobre o benefício assistencial, remeteu, exclusivamente, ao
legislador ordinário a competência para sua disciplina normativa. Confira-se:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
.......................................................................
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser
a lei. (g.n.)
Ao que se vê, o referido dispositivo não é norma constitucional de eficácia plena e
auto-aplicável, mas limitada, na tradicional classificação de José Afonso da Silva, porquanto
dependente de norma legal integrativa, para surtir seus jurídicos efeitos.
Como se percebe, a vontade constituinte, indiscutivelmente, foi a de transferir para o
legislador ordinário o poder de estabelecer as condições e limites para obtenção do
benefício assistencial e previdenciário, o qual, pela sua proximidade com seus
representados, teria melhores condições de definir a política social a se adotar.
Por sua vez, o legislador ordinário, atendendo ao comando constitucional, editou o art.
20, §3º da Lei nº 8.742/93 – Lei Orgânica de Assistência Social –, estabelecendo, como
critério objetivo para percepção do benefício, que a renda familiar mensal per capita fosse
inferior a ¼ do salário mínimo.
A propósito, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF - no julgamento do ADIN 1232-
1/DF (Rel. Ministro ILMAR GALVÃO e para o acórdão Ministro NELSON JOBIM), já se
pronunciou acerca da compatibilidade do § 3º, do art. 20 da Lei nº 8.742/93 com a
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disposição contida no do art. 203, V, CF/88, quando reconheceu que a matéria ali
disciplinada está submetida ao princípio da reserva legal. Confira-se a ementa do julgado:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE
ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
(ADIN- 1232-1/DF – Tribunal Pleno - Julg. 27.8.1998 - DJ 1º.6.2001 – Min. Ilmar Galvão e para o acórdão Min. Nelson Jobim)
Posteriormente, apreciando o Recurso Extraordinário n.º 275.140-5/SP, o Pretório
Excelso voltou a reafirmar os efeitos erga omnes da decisão proferida no julgamento ADIN
1232-1/DF. Vejamos:
PREVIDÊNCIA. CONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI 8.742/93. - O Plenário desta Corte, ao julgar improcedente a ADIn 1232 proposta contra o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, concluiu, com eficácia
“erga omnes”, pela constitucionalidade desse dispositivo legal.
- Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido.
ACÓRDÃO – Visto, relatado e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do
julgamento e das notas taquigrafias a seguir, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento, nos termos do voto do Relatos.
(RE N.º 275.140-5. Relator: Ministro Moreira Alves. Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Recorrida: Maria Casemiro Braz. DJ: 19/09/2000).
Sobre o tema em exame, o STF firmou orientação no sentido de reconhecer a
competência exclusiva do Legislativo para fixar de forma objetiva os requisitos para
obtenção do direito ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V da CF, atestando
tratar-se de matéria sujeita ao princípio da reserva legal, como se pôde extrair do
julgamento da retro-citada ADIN nº 1232-1/DF (Rel. Ministro ILMAR GALVÃO e para o
acórdão Ministro NELSON JOBIM).
Estabelecido pelo Legislador, pois, o critério de ¼ do salário mínimo como requisito
objetivo para o direito ao benefício – art. 20, §3º Lei nº 8.743/93 – só por outra LEI, pode
ser modificado esse critério, o que ocorreu com a edição da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do
Idoso), cujo art. 34, parágrafo único, determinou que, para o cálculo da renda familiar per
capita, sejam excluídos apenas os recursos provenientes de amparo assistencial concedido a
um outro IDOSO do mesmo grupo familiar.
Desta forma, insistimos, tão-somente os recursos do amparo ao IDOSO percebidos por
membro da família podem ser excluídos do cálculo da renda per capita familiar, não o valor
do benefício previdenciário ou o salário, eventualmente percebidos por outro membro da
família, porquanto esta é a cristalina vontade legislativa, no trato da espécie em exame.
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Se desejasse, o legislador, excluir do cálculo valor de um salário mínimo, tê-lo-ia feito
expressamente. Mas não, foi explícito e restritivo, estabelecendo exceção à regra geral, o
que impõe interpretação literal e restritiva, não ampliativa/extensiva.
Resgata-se novamente a máxima hermenêutica, segundo a qual “in claris cessat
interpretatio”, de sorte que, em face do sentido unívoco da lei, ou seja, ante a ausência de
várias interpretações possíveis, não cabe ao intérprete-juiz modificar seu conteúdo para
conformá-la ao ordenamento constitucional,7 sob pena de ofender o princípio da separação
dos poderes.
Convém, ainda, enfatizar o entendimento do e. STF8 -- amparado na melhor doutrina
nacional e estrangeira -- acerca dos limites da jurisdição no exercício da interpretação
conforme a Constituição, para quem este mecanismo de controle de constitucionalidade só
tem lugar quando a lei admita abstratamente duas ou mais interpretações, o que não ocorre
diante dos termos unisignificativos e, pois, dotados de unívoco sentido.
Assim, não obstante as respeitáveis opiniões em contrário, certo é que, à luz da
vontade constitucional interpretada por seu guardião – STF – o direito ao benefício está
subordinado à observância dos critérios da renda per capita (e sua determinação)
objetivamente delineado pelo LEGISLADOR – no caso, art. 20, §3º da Lei nº 8.743/93
combinado com o art. 34, parágrafo único da Lei nº 10.741/2003 (estatuto do idoso) – não
se admitindo modificação de tais critérios legais pelo JUIZ, porquanto isso implicaria, ofensa
direta e ostensiva à vontade constituinte inserta no art. 203, V (parte final) da CR, que
contempla o princípio da reserva legal – remetendo ao legislador a disciplina do benefício
assistencial.
Além disso, restaria também caracterizada uma inaceitável fratura ao princípio
Democrático de Direito adotado pelo Estado brasileiro no art. 1o da Constituição (também
no preâmbulo) 9; e, concomitantemente, ao princípio da separação e independência dos
poderes contemplado no art. 2o da Carta Política de 1988.
No entanto, lamentavelmente, como restou registrado, no âmbito das instâncias
judiciais de primeiro grau, multiplicam-se decisões judiciais que ampliam, ostensivamente
contra legis, o alcance objetivo e subjetivo da norma contida no parágrafo único do artigo 34
do Estatuto do Idoso, consagrando, dessa forma, uma opção interpretativa que
descaracteriza, por completo, “...o caráter excepcional do benefício assistencial,
inviabilizando...” , por conseguinte, a correta e inteligente aplicação daquele dispositivo
legal.(parág. único, art. 34-L.10741/03).
Assim o fazendo, incorre em flagrante violação ao princípio da separação e
independência dos poderes, previsto no art. 2o da Constituição, porquanto, como já
reiterado, não é dado ao Poder Judiciário exercer a função de legislador positivo, bem como
ao princípio da reserva legal, uma vez que o constituinte remeteu especificamente ao
legislador ordinário a competência para disciplinar o benefício assistencial previsto no art.
7 Expresso em regras ou princípios contemplados pela Constituição.
8 ADIN 1344 MC/ES (S.T.F. – Pleno – Rel. Min. MOREIRA ALVES - j. 18.12.95 – DJ 19.04.96 pp. 12212)
9 O que representa contrariedade à disposição constitucional do art. 203, V da CR, com imprópria e inaceitável superposição da vontade do
poder constituído (poder Judiciário) sobre o poder constituinte. Admitir tal inversão de valores, equivaleria a aceitar a substituição da vontade
geral do povo estampada no pacto social de 1988, vale dizer, na Constituição, pela vontade de um poder constituído (órgão-juiz), com evidente submissão à sua vontade e, pois, com violação ao regime Democrático de Direito adotado pelo Estado brasileiro na Carta Política (preâmbulo e
art. 1o).
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203, V (parte final) da CR, e, conseqüentemente. ao princípio Democrático de Direito
adotado pelo Estado brasileiro no art. 1o da Constituição (também no preâmbulo). 10
Em conclusão, resta indevida a exclusão do valor do benefício previdenciário ou do
salário do cômputo do cálculo da renda familiar per capita, no importe de um (1) salário-
mínimo, porque, enfim, essa exclusão não está autorizada pela lei de regência, não
cabendo, portanto, a aplicação do art. 34, parágrafo único da Lei nº 10.741/2003, uma vez
que não há que se falar em aplicação analógica, mas de inovação legislativa sem autorização
constitucional (quando não, interpretação extensiva sem previsão legal).
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo:Atlas, 2001.
LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 8 ed. Florianópolis:Conceito Editorial., 2007.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 8ª ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1965.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 11a. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
10 O que representa contrariedade à disposição constitucional do art. 203, V da CR, com imprópria e inaceitável superposição da vontade do
poder constituído (poder Judiciário) sobre o poder constituinte. Admitir tal inversão de valores, equivaleria a aceitar a substituição da vontade
geral do povo estampada no pacto social de 1988, vale dizer, na Constituição, pela vontade de um poder constituído (órgão-juiz), com evidente submissão à sua vontade e, pois, com violação ao regime Democrático de Direito adotado pelo Estado brasileiro na Carta Política (preâmbulo e
art. 1o).