DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 - … · 1 Para aprofundar o entendimento da corrente...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DE PARANAVAÍ E UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
TEORIAS PEDAGÓGICAS E O TRABALHO DOCENTE NA ATUALIDADE
ELISABETE PINHEIRO ANZILIERO
PARANAVAÍ, PR ABRIL / 2010
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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DE PARANAVAÍ
E UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
ELISABETE PINHEIRO ANZILIERO
TEORIAS PEDAGÓGICAS E O TRABALHO DOCENTE NA ATUALIDADE
Unidade Didática apresentada à Secretaria do Estado da Educação, Superintendência da Educação, como requisito parcial do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná. Orientadora: Professora Mestre Neide de Almeida Lança Galvão Fávaro
PARANAVAÍ, PR ABRIL / 2010
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................... ....................................................................03
INTRODUÇÃO ................................................................................................................04
1. AS TEORIAS PEDAGÓGICAS HEGEMÔNICAS: ORIGENS, PRE SSUPOSTOS E RESULTADOS......................................... .......................................................................06
1.1 A Pedagogia Tradicional.........................................................................................06
1.2 A Escola Nova........................................................................................................09
1.3 A Pedagogia Tecnicista..........................................................................................13
1.4 Reflexões para a prática educativa.........................................................................15
Atividades Sugeridas....................................................................................................18
2. AS TEORIAS EDUCACIONAIS CONTRA-HEGEMÔNICAS...... .................................19
2.1 As teorias crítico-reprodutivistas.............................................................................19
2.2 A Pedagogia Histórico-Crítica.................................................................................21
2.3 Pedagogias Libertária, Socialista e Libertadora......................................................24
2.4 Pedagogias não hegemônicas e a educação atual.................................................26
Atividades Sugeridas....................................................................................................28
3. CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS, TEORIAS PEDAGÓGICAS E O TRABALHO DOCENTE .......................................................................................................................29
3.1 Concepções epistemológicas e as teorias pedagógicas.........................................30
3.2 O trabalho do professor e a formação humana.......................................................35
Atividades Sugeridas....................................................................................................38
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ..............................................................39
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................40
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APRESENTAÇÃO
Em continuidade ao trabalho empreendido no Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE), iniciado em 2009, e conforme previsto no Projeto de
Intervenção Pedagógica, construímos esta Unidade Didática direcionada aos
professores, diretores e equipe pedagógica objetivando ofertar um material de
apoio teórico que permita uma (re)avaliação do trabalho docente. Assim, este
material é composto por textos subdivididos em três unidades temáticas, as quais
contêm uma proposição de atividades para cada etapa.
A análise teórico-crítica por nós apresentada tem o intuito de contribuir para os
debates epistemológicos e pedagógicos referentes à educação escolar atual, a
fim de subsidiarmos a elaboração de novas perspectivas educativas e propostas
de trabalho mais consistentes, embasadas em uma teoria do conhecimento
adequada às expectativas de uma formação humana integral.
De início, apresentamos as teorias pedagógicas que mais influenciam nossa
prática atual, a saber: a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova e a Pedagogia
Tecnicista. Abordamos suas origens históricas e discutimos seus pressupostos, a
fim de avaliar suas influências na educação brasileira.
A seguir, nos propomos a realizar um breve estudo das teorias contra-
hegemônicas, destacando as teorias crítico-reprodutivistas, a Pedagogia
Libertadora e a Pedagogia Histórico-Crítica. Novamente fazemos uma análise
crítica de suas origens e de seus pressupostos teórico-práticos.
Para finalizar, elaboramos uma discussão que explicita as concepções
epistemológicas de cada teoria, ou seja, a concepção de conhecimento que as
permeia, ressaltando suas consequências para a prática docente e para a
formação humana.
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INTRODUÇÃO
Para que discutirmos a relação entre as teorias pedagógicas e o trabalho docente
na atualidade? Por acreditarmos que somente embasados no conhecimento das
teorias podemos agir e construir uma educação de qualidade. Só o conhecimento
aprofundado das tendências pedagógicas pode ofertar subsídios para a
superação de muitas dificuldades que ora se apresentam no cotidiano escolar,
como os alunos desmotivados, a indisciplina e o baixo nível de aprendizagem.
As tendências pedagógicas estão intimamente relacionadas às transformações
sociais, filosóficas e econômicas, e atendem a determinados interesses presentes
no momento histórico em que são criadas e utilizadas. Elas influenciam as
práticas pedagógicas, que por sua vez estão associadas a diferentes expectativas
da sociedade. Por isso é fundamental que os professores as conheçam, a fim de
que construam conscientemente a sua própria trajetória político-pedagógica.
Por intermédio do conhecimento das tendências pedagógicas, esperamos que o
professor tenha condições de (re)avaliar sua prática em sala de aula, pois muitas
vezes está limitado a agir sem se dar conta dos fundamentos teóricos e
epistemológicos que se manifestam em seu dia-a-dia. Acaba não tendo
elementos para refletir sobre o seu fazer pedagógico, caindo no ecletismo que
permeia o ensino atual, em que são utilizadas distintas teorias sem o
conhecimento de suas consequências.
A escola está inserida em um contexto permeado de ideologias. As políticas
neoliberais atualmente ditam as regras e prevalece uma constante preocupação
com os índices de aproveitamento escolar. A ênfase dos debates recai sobre os
índices de aprovação, de evasão, de repetência. Em tais políticas, a
responsabilidade do fracasso ou do sucesso é atribuída aos indivíduos, sem
analisar as condições materiais que lhes são impostas.
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Quando o professor não recebe uma formação sólida, que articule teoria e prática,
não consegue analisar essas relações mais amplas que interferem em seu
trabalho. Diante desse quadro é que se justifica este trabalho, que pretende
fornecer elementos teóricos que sirvam de orientação e recondução da prática
docente nas escolas paranaenses, visando a assegurar a melhoria da qualidade
de ensino a todos.
Nossa análise está pautada no materialismo histórico-dialético, por considerarmos
primordial discutir as questões escolares a partir do contexto mais amplo no qual
estão inseridas. Pretendemos trabalhar com os educadores, apontando as
diferentes concepções de conhecimento das teorias educacionais e suas
consequências para a atuação docente, promovendo debates e reflexões que
auxiliem na fundamentação de uma prática pedagógica mais consistente a todos
os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
A partir de estudos e discussões teórico-práticas, esperamos construir
coletivamente estratégias de ações didático-pedagógicas que estejam pautadas
em determinada teoria pedagógica. Estas teorias, por sua vez, precisam ser
discutidas e escolhidas coletivamente, para que se possa repensar o complexo
processo de ensino-aprendizagem e contribuir para reorientar o trabalho docente
e superar práticas fragmentadas e descoladas da realidade mais ampla.
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1. AS TEORIAS PEDAGÓGICAS HEGEMÔNICAS: ORIGENS,
PRESSUPOSTOS E RESULTADOS
A história da educação brasileira é marcada por algumas tendências pedagógicas
que ainda hoje exercem forte influência no ambiente escolar. Saviani (2008)
sinaliza três que se destacaram: a Pedagogia Tradicional, a Escola Nova e a
Pedagogia Tecnicista, as quais denominou teorias não-críticas por encararem a
educação de modo autônomo, compreendendo-a por si mesma.
Procuramos inicialmente apresentar essas teorias em suas determinações
histórico-sociais, ressaltando seus pressupostos, seus objetivos e os resultados
obtidos com sua aplicação.
1.1 A Pedagogia Tradicional
A tendência pedagógica Tradicional ou Conservadora no Brasil envolveu a
vertente religiosa (1549-1759), implantada pelos jesuítas, e a vertente leiga (1759-
1932). Quanto à primeira, os jesuítas foram praticamente os únicos responsáveis
pela educação no país por 210 anos. A tarefa educativa estava voltada
inicialmente para a catequese e instrução dos índios, porém com o passar do
tempo foi direcionada à elite colonial.
Já a vertente leiga organizou-se posteriormente, para se contrapor ao predomínio
das ideias religiosas. Sua origem remonta à filosofia clássica, que acreditava na
existência de uma essência1 do homem a ser formada por alguém que detivesse
maiores conhecimentos, para que atingisse um ideal superior.
A esse respeito Saviani assim se manifesta:
1 Para aprofundar o entendimento da corrente pedagógica designada de pedagogia da essência, ler a obra de Suchodolki, Bogdan. “A Pedagogia e as grandes correntes filosóficas: a pedagogia da essência e a pedagogia da existência”. São Paulo: Centauro, 2002.
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A expressão ‘concepção tradicional’ subsume correntes pedagógicas que se formularam desde a Antiguidade, tendo em comum uma visão filosófica essencialista de homem e uma visão pedagógica centrada no educador (professor), no adulto, no intelecto, nos conteúdos cognitivos transmitidos pelo professor aos alunos, na disciplina, na memorização (SAVIANI, 2005, p. 31).
O objetivo dessa pedagogia era formar o homem culto, para enfrentar as
exigências contidas nas novas relações capitalistas que se construíam. Era
necessário ao menos que as pessoas soubessem ler, escrever e contar para que
fossem comerciantes ou consumidores. Pretendia-se formar um homem ideal
para aprimorar a sociedade, para substituir as relações feudais.
Para Rodrigues et al.:
As grandes obras da cultura eram um modelo ideal que resistia ao tempo, por isso era indispensável propiciar a leitura de obras clássicas, [...]. Assim, a proposta da Pedagogia Tradicional prescreve a necessidade de inserir um modelo a ser seguido pelo aluno (RODRIGUES et al., 2009, p. 39).
Tal concepção se fortalece no período da Revolução Francesa, no final do século
XVIII, quando a burguesia se consolidou no poder, pautada em princípios
democráticos, nos ideais de igualdade, fraternidade e liberdade. A burguesia,
atuando nesse momento histórico como classe revolucionária, defendia a
igualdade dos homens, seus interesses, além de buscar o novo, a transformação,
a liberdade. Argumentava que os direitos da nobreza e do clero não eram divinos,
mas sociais, pois quem cria as diferenças e privilégios é a sociedade. Nas
palavras de Saviani:
Logo aquela sociedade fundada em senhores e servos não podia persistir. Ela teria que ser substituída por uma sociedade igualitária. É nesse sentido, então, que a burguesia vai reformar a sociedade, substituindo uma sociedade com base no suposto direito natural por uma sociedade contratual (SAVIANI, 2008, p. 39).
Defendia-se o direito de escolarização para todos e pretendia-se transformar os
servos em cidadãos, postulando dar oportunidade para que todos participassem
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do processo político, consolidando a democracia burguesa. Nessa perspectiva, a
escola teria a função de consolidar a ordem democrática, e seu papel seria o de
transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade.
Os pensadores modernos discutiram a natureza humana e passaram a defender
a escola como “instrumento de realização dos ideais liberais, dado o seu papel na
difusão das luzes, tal como formulado pelo racionalismo iluminista que advogava
a implantação da escola pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória” (SAVIANI,
2005, p. 33).
Pretendiam superar a ignorância e a opressão servil por meio da escola, porque
entendiam que era marginalizado na sociedade quem não era esclarecido. O
empirismo de John Locke (1632-1704), considerado o pai do liberalismo moderno,
exerceu grande influência na pedagogia tradicional. Ele acreditava que não havia
ideias inatas, visto que todo conhecimento provinha da experiência. A mente seria
como uma “tabula rasa” e a criança, ao nascer, “um papel em branco sobre o qual
o professor podia tudo escrever”, tendo assim a educação uma importância
extraordinária (GADOTTI, 1993, p. 78).
Posteriormente, Johan Friedrich Herbart (1776-1841), adepto dessas concepções,
fundou a pedagogia científica, de caráter intelectualista e individualista. Ele viveu
um período de intensas crises da sociedade capitalista já estabelecida. Não havia
mais a luta contra o passado feudal, mas sim os conflitos da sociedade
industrializada. A burguesia dominante passava a enfrentar a classe proletariada.
Herbart aderiu às convenções sociais e defendeu a formação pela educação e
pela instrução. Sugeriu que cada aula seguisse passos formais: “o de clareza da
apresentação dos elementos sensíveis de cada assunto; o de associação; o de
sistematização; e, por fim, o de aplicação” (GADOTTI, 1993, p. 99). Seu método
de ensino influenciaria as escolas públicas que se disseminariam pela Europa.
Isso ocorreria a partir de meados do século XIX, surgindo os sistemas nacionais
de ensino. A educação seria considerada um direito de todos e um dever do
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Estado, sendo que tais ideias liberais e leigas chegam ao Brasil por ocasião da
expulsão dos jesuítas.
A prática pedagógica tradicional que se implantou nas escolas brasileiras pode
ser assim descrita: o professor repassava o conteúdo de forma verbal ou
expositiva e atribuía atividades para o aluno resolver em sala de aula e em casa,
com o objetivo de fixar conteúdos trabalhados. Na aula posterior, corrigiam-se os
exercícios, fazia-se uma recapitulação da aula anterior e passava-se ao novo
conteúdo. A ênfase era dada aos exercícios, às leituras repetitivas, à
memorização de conceitos e fórmulas, a cópias, com estímulo ao individualismo e
à competição.
O professor era o centro do processo, era autoritário, preocupava-se em dar conta
do currículo. Já o aluno era passivo, submisso, receptivo e sujeito a castigos.
Devia demonstrar sua aprendizagem nas provas e obter nota mínima para ser
aprovado. Em sua aprendizagem, era incentivado a fazer uso da memorização. A
forma de promoção era por meio da avaliação classificatória, provas e
interrogatórios orais. Não conseguindo a nota mínima, era retido na mesma série,
ano após ano, o que era muito frequente nesse método, sendo este um dos
principais motivos do abandono da escola.
A escola organiza-se como uma agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos (SAVIANI, 2008, p. 06).
O saber produzido (conteúdos) era mais importante que a experiência que o aluno
viesse a produzir, sendo repassado como verdade absoluta, dissociado do
cotidiano do aluno e de sua realidade social, sendo que a quantidade prevalecia
sobre a qualidade. Como resultado, a prática pedagógica se tornava estática,
visto que se trabalhava com o conhecimento clássico, sem relacioná-lo com a
realidade prática.
Não havia questionamento das relações sociais existentes e não se visualizava a
transformação social, porque a educação em nada contribuía para a mudança
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social. Enfatizava-se apenas o aspecto humanístico, deslocando-se da realidade.
Essa concepção pedagógica predominou na educação brasileira até 1932,
marcando a vertente leiga da Pedagogia Tradicional brasileira, mas ainda hoje
exerce fortes influências sobre a prática escolar.
1.2 A Escola Nova
A burguesia, ao se consolidar no poder, deixou de ser classe revolucionária.
Nesse momento da história, não lutaria mais por transformações na sociedade,
mas por sua perpetuação no poder. Sendo assim, o proletariado se torna a classe
revolucionária, exigindo mudanças e ameaçando a hegemonia burguesa.
Outra teoria educacional começou então a despontar para suprir as novas
necessidades que a Pedagogia Tradicional não atendia; esta passou a ser
considerada totalmente inadequada, haja vista que nem todos os indivíduos que
tiveram acesso a ela ou que nela ingressaram foram bem sucedidos. Explicava-se
a desigualdade social por meio da educação, não pela organização e estrutura da
sociedade capitalista.
A Escola Nova, de acordo com Saviani (2005, p. 33), “se ancora numa visão
filosófica baseada na existência, na vida, na atividade”, não mais na essência. Se
antes o adulto era considerado completo, por oposição à criança, imatura, agora é
“o homem considerado completo desde o nascimento e inacabado até morrer”.
Então, “o adulto não pode constituir-se como modelo, razão pela qual a educação
passa a centrar-se na criança”.
Amaral e Fávaro (2009) enunciam que, já no século XVIII, no iluminismo,
apareceram as bases desse ideário, com Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
que defendia que a educação não deveria preparar para a vida, mas ser a própria
vida da criança. Entretanto, foi o pragmatismo que mais exerceu influências sobre
a Escola Nova, principalmente o de John Dewey (1859-1952), considerado o
filósofo da democracia. Em sua visão, os alunos deveriam aprender coisas úteis
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para a vida e o ensino deveria se dar pela ação, não pela instrução, como Herbart
preconizava. A escola prepararia para o presente, para a vida imediata da
criança.
No Brasil, as transformações econômicas, políticas e sociais advindas do
processo de urbanização do final do século XIX e da ampliação da agricultura
cafeeira asseguraram o início de nossa industrialização, alterando o cenário
urbano e econômico. Simultaneamente surgiram graves desordens nos aspectos
políticos e sociais, e no início do século XX se organizaram greves proletárias, o
Partido Comunista, os movimentos anarquistas, os movimentos tenentistas. Isso
ocasionou uma mudança significativa no ponto de vista intelectual brasileiro. A
educação foi diretamente afetada por essas novas demandas sociais, alterando
sua perspectiva pedagógica, a exemplo do que já ocorria nos países
industrializados.
A pedagogia nova começa, pois, por efetuar a crítica da pedagogia tradicional, esboçando uma nova maneira de interpretar a educação e ensaiando implantá-la, primeiro, através de experiências restritas: depois advogando sua generalização no âmbito dos sistemas escolares (SAVIANI, 2008, p. 6).
Assim, introduziram-se no Brasil as ideias da Escola Nova, e no século XX vários
educadores se destacaram, principalmente após a divulgação do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Entre eles citamos Lourenço Filho e
Anísio Teixeira, este último foi aluno de Dewey. A Escola Nova começou em
forma de escolas experimentais, para pequenos grupos de elite, porém seu
ideário foi se expandindo, chegando às escolas oficiais, organizadas conforme a
pedagogia tradicional.
Isso trouxe sérias consequências, na medida em que as escolas não dispunham
de recursos para manter o nível desejado, que exigia trabalhos com pequenos
grupos de alunos, material didático rico, bibliotecas, além de um ambiente
multicolorido, vivo. Os professores, por sua vez, não tiveram uma formação que
lhes proporcionasse a total compreensão dos pressupostos da Escola Nova, o
que gerou sérias consequências para a escola pública brasileira. Desloca-se a
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preocupação com os conteúdos a serem ensinados e privilegiam-se as
metodologias de aprendizagem.
Cumpre assinalar que tais consequências foram mais negativas que positivas, uma vez que, provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou a absorção do escolanovismo pelos professores por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares, as quais muito frequentemente tem na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida a ‘Escola Nova’ aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites (SAVIANI, 2008, p. 10).
A Psicologia exerceu grande influência na Escola Nova, com os testes de
inteligência, de personalidade e outros. Ela veio com a função de reintegrar o
aluno ao grupo, tornando-o o centro do processo ensino-aprendizagem, um
sujeito ativo, que aprende pela descoberta. O professor passa a ser o facilitador
da aprendizagem, realiza trabalhos em grupo, dinâmicas coletivas, orienta
pesquisas, utiliza jogos de criatividade e deve ser positivo e acolhedor. O
importante é adotar métodos novos, sem modelos prontos, além de valorizar as
tentativas realizadas pelo aluno.
Os conteúdos passam a ser selecionados a partir dos interesses dos educandos.
Na avaliação, são considerados, além dos conteúdos, os aspectos afetivos, as
atitudes, dando ênfase à autoavaliação, porque o aluno deve assumir a
responsabilidade por sua aprendizagem.
O eixo da questão pedagógica, antes centrada no conteúdo, no professor e na diretividade, agora se desloca para os métodos ou processos pedagógicos, para o aluno e para a não diretividade, tratando-se de uma teoria “onde o importante não é aprender, mas aprender a aprender” (MARSIGLIA; DUARTE, 2009, p. 02).
Em nome da democracia, a Escola Nova prioriza o atendimento das diferenças
individuais, as necessidades e interesses dos alunos, seus processos mentais e
habilidades cognitivas, em prejuízo dos conteúdos organizados racionalmente.
Com base neste tipo de pedagogia, considera-se que os homens são essencialmente diferentes, e nós temos que respeitar as diferenças entre os homens. Então há aqueles que têm mais
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capacidade e aqueles que têm menos capacidade; há aqueles que aprendem mais devagar; há aqueles que se interessam por isso e os que se interessam por aquilo (SAVIANI, 2008, p. 41).
Com esse método, a Escola Nova diferenciou pesquisa e ensino, mas assim
procedendo acarretou o empobrecimento do ensino e o afrouxamento da
disciplina, colocando em primeiro plano o interesse do aluno. Na visão de Saviani
(2008, p. 46), isso acabou por inviabilizar também a pesquisa, pois o “ensino não
é um processo de pesquisa. Querer transformá-lo num processo de pesquisa é
artificializá-lo.” Para realizar uma pesquisa, o aluno já deve ter um conhecimento
prévio ensinado pelo professor, porque se o aluno tem que “descobrir” por ele
mesmo, “construir seu conhecimento”, a pesquisa perde seu caráter de científico
e o conhecimento vai ficando paralisado, não trazendo um adiantamento cultural
para a humanidade, já que a todo o momento ele precisa ser iniciado, deixando
de lado o que já foi conquistado e que era tão valorizado pela pedagogia
tradicional.
Suas influências na educação brasileira foram intensas e até hoje prevalecem no
ambiente escolar e nas propostas pedagógicas veiculadas nas políticas públicas
oficiais. A partir da década de 1970, o construtivismo piagetiano, baseado nesses
pressupostos, teve intensa aceitação nas escolas brasileiras. Depois disso, o
ideário do “aprender a aprender” foi retomado com renovado vigor, a partir da
década de 1990 (neoescolanovismo), aliado ao neoliberalismo e ao pós-
modernismo, afetando o trabalho docente. A discussão de suas influências e
consequências para a educação atual serão retomadas mais adiante, por se tratar
de questão imprescindível na definição da proposta pedagógica a adotar.
1.3 A Pedagogia Tecnicista
O período da Ditadura Militar (1964-1985) foi marcado por intensas
transformações político-sociais. Além de um regime ditatorial, que reprimiu a
liberdade de opinião, foi um período de intensificação da industrialização
brasileira, que se abriu ao capital estrangeiro, criando novas demandas para
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suprir a falta de mão-de-obra qualificada. Emergem então as críticas ao
escolanovismo, devido à baixa produtividade no sistema escolar.
Nesse período, desenvolve-se no Brasil, no âmbito educacional, a Teoria
Tecnicista, de base produtivista, que teve como principal característica o controle
rígido das atividades pedagógicas, dirigidas de forma mecânica, automática,
repetitiva e programada. O centro do processo de ensino não seria mais o
professor ou o aluno, mas sim o especialista, que apresentava as técnicas a
serem trabalhadas.
O elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais (SAVIANI, 2008, p.13).
Nessa pedagogia, o marginalizado é o que não produz. Acredita-se que a questão
da marginalidade será transformada por intermédio do desenvolvimento das
competências dos alunos. O objetivo é aumentar a produtividade social, por isso o
treinamento profissional, para satisfazer às demandas do capital. Essa Pedagogia
não levou em conta as mediações entre escola e o processo produtivo, perdendo-
se a especificidade da educação. As escolas foram burocratizadas, propagou-se o
uso da instrução programada, das máquinas de ensinar, dos testes de múltipla-
escola, do tele-ensino e diversos recursos audiovisuais.
O professor teve seu trabalho relegado a um segundo plano frente aos materiais
formulados pelos especialistas e técnicos. Havia muitos estímulos e recompensas
às atividades realizadas pelos alunos, instigando a competitividade entre eles. No
processo educativo, passou a ser mais importante o “saber fazer”. As
consequências pedagógicas e sociais de tal proposta complicaram ainda mais o
quadro educacional brasileiro.
A pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar o caos no campo educativo, gerando total nível de descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentação, que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico. Com isso, o problema da marginalidade só tendeu a se agravar: o conteúdo do ensino
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tornou-se ainda mais rarefeito e a relativa ampliação das vagas tornou-se irrelevante em face dos altos índices de evasão e repetência (SAVIANI, 2008, p. 15).
Ela esteve fortemente vinculada às exigências de preparação de mão-de-obra
para atender às necessidades da expansão industrial. A concepção produtivista
foi transferida para a escola, exigindo-se eficiência e produtividade em seus
resultados, que são verificados por meio de avaliações externas constantes.
Ainda hoje suas influências são intensas na educação brasileira, contudo são
propagadas sob novas roupagens, sob a forma da Pedagogia das Competências,
da Qualidade Total. Isso torna imprescindível o entendimento de suas bases
teóricas e de suas consequências práticas.
1.4 Reflexões para a prática educativa
Diante do que expusemos, passaremos agora a elencar algumas reflexões que
nos auxiliem a pensar nas implicações dessas tendências para a atuação
pedagógica prática e para a sociedade atual. Nossa tarefa é auxiliar na
compreensão e conhecimento de seus pressupostos teóricos e de seus objetivos,
a fim de identificarmos sua relevância ou não para a prática educativa.
Dependendo da teoria que adotamos, promovemos uma determinada formação
humana e social, quer tenhamos consciência disso ou não, por isso é
imprescindível termos consciência dos fundamentos de nossa atuação.
O ensino se preocupa em transmitir os conhecimentos acumulados
historicamente através dos clássicos e está centrado no professor, que tem um
conhecimento mais elevado que o aluno e domina esses conceitos. Sua função é
trazer o conhecimento já produzido pela sociedade ao aluno, mas para isso são
exigidas obediência e disciplina. Sua forma rígida de trabalho, entretanto, não
permite que ele avance além do que o professor consente, ou seja, limita
qualquer iniciativa do aluno.
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Marsiglia e Duarte (2009, p. 5) preconizam que devemos reconhecer os aspectos
positivos dessa pedagogia, mas não podemos ignorar suas insuperáveis
limitações. Por ser uma pedagogia burguesa, desconsidera por completo a
existência da luta de classes e a distribuição social do conhecimento, acreditando
que este é destituído de historicidade ao ser ensinado na escola.
A escola nova, por sua vez, preocupa-se em formar o caráter e a personalidade
do aluno, o que não era considerado na pedagogia tradicional. A aprendizagem
se dá por meio da motivação, da criatividade e do interesse do aluno, que deve ir
a busca dos conhecimentos que respondam as suas dúvidas e questionamentos.
Ela deixa de lado o ensino enciclopédico, por considerá-lo sem utilidade prática
para a vida do aluno.
O professor, na escola nova, respeita a individualidade do aluno, passando a
auxiliar o processo de aprendizagem, mas também atribui ao aluno o fracasso ou
sucesso de sua aprendizagem. Ao aderirem a essa pedagogia, muitos não
tiveram um conhecimento profundo de seus pressupostos e acabaram por
caracterizá-la segundo o seu entender, o que contribuiu para o ecletismo das
práticas existentes e para uma queda na qualidade do ensino ofertado na escola.
As críticas a essa teoria centram-se no fato de que ela privilegia a prática cotidiana, o método, deixando de lado os conteúdos socialmente produzidos pela humanidade. Ela não permite assim a emancipação humana, pois atribui ao indivíduo isolado a responsabilidade pelo seu sucesso e pelo bem da sociedade, desconsiderando a realidade mais ampla, as múltiplas relações que se estabelecem no meio social, não permitindo a compreensão da sua complexa dinâmica interna (AMARAL; FAVARO, 2009, p. 59-60).
Saviani (2007) assevera que no contexto atual o escolanovismo é ressignificado
para o neoescolanovismo, que são as pedagogias descompromissadas com uma
educação clássica, que envolve o conhecimento adquirido historicamente. Hoje,
se defende que o aluno pode “aprender a aprender” e o professor se torna um
mero auxiliar da aprendizagem. Esse também é o lema da Unesco por meio dos
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quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
viver com os outros e aprender a ser.
A pedagogia tecnicista pretendeu suprir as falhas que a pedagogia tradicional e a
escola nova apresentavam. Sua preocupação central residia na produtividade e
na qualificação de mão-de-obra especializada para atender aos interesses da
sociedade capitalista. Ela foi estabelecida em um momento político em que a livre
expressão era proibida e a escola seguia modelos prontos. Novamente a escola
saiu perdendo na aquisição de conteúdos e conhecimentos que não promoviam o
senso crítico e tampouco a formação integral do aluno.
Ainda hoje ele vigora, levando Saviani (2007) a denominá-lo neotecnicismo, que
representa a necessidade de ajustar os indivíduos ao tipo de sociedade exigida
pela reorganização do processo produtivo. Isso leva as empresas a substituírem o
conceito de qualificação pelo de competência, e nas escolas passa a vigorar a
pedagogia das competências, que substitui o ensino centrado nas disciplinas. Os
processos se flexibilizam e o controle se desloca para os resultados, sendo o
sistema de avaliação central para o Estado garantir a produtividade e a eficiência
desejadas.
Como o modelo empresarial passa a ser adotado nas escolas, também somos
afetados pela égide da qualidade total, mas o cliente passa a ser a sociedade ou
a empresa, e os alunos são os produtos fornecidos. Saviani (2007, p. 440)
observa que “as próprias empresas vêm crescentemente se convertendo em
agências educativas, configurando uma nova corrente pedagógica: a ‘pedagogia
corporativa’, que se dissemina principalmente no ensino de nível superior.”
Isso pode ser facilmente constatado pelas diversas instituições que foram
indiscriminadamente abertas nos últimos anos, ofertando variadas modalidades
de cursos, na maioria das vezes guiados pelos interesses dos mercados. O
educador cede lugar ao treinador e a educação deixa de ser esclarecimento das
consciências para se tornar treinamento para o mercado.
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Em suma, as idéias pedagógicas no Brasil da última década do século XX expressam-se no neoprodutivismo, nova visão da teoria do capital humano que surge em conseqüência das transformações materiais que marcaram a passagem do fordismo ao toyotismo, determinando uma orientação educativa, que se expressa na ‘pedagogia da exclusão’. Em correspondência, o neoescolanovismo retoma o lema “aprender a aprender” como orientação pedagógica. Essa reordena, pelo neoconstrutivismo, a concepção psicológica do sentido do aprender como atividade construtiva do aluno, por sua vez objetivada no neotecnicismo, enquanto forma de reorganização das escolas por parte de um Estado que busca maximizar os resultados dos recursos aplicados na educação (SAVIANI, 2007, p. 441-442).
As pedagogias apresentadas podem ser definidas como pedagogias burguesas e
não críticas, pois todas elas atendem às necessidades de formação dos sujeitos
para adaptação às condições sociais vigentes. Como vimos, elas vêm sendo
retomadas com todo vigor nas últimas décadas, trazendo consequências para a
formação humana, o que exige de nós, educadores, uma tomada de posição
consciente quanto à teoria e prática a adotar. Para isso, veremos a seguir as
teorias contra-hegemônicas que nos oferecem alternativas educativas.
ATIVIDADES SUGERIDAS:
• Leitura e discussão do capítulo três “Para Além da Teoria da Curvatura da Vara”, do livro Escola e Democracia, de Dermeval Saviani.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia . 40. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
• O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, assinado em 1932, foi fundamental para a difusão do ideário escolanovista no Brasil. Realize uma pesquisa sobre este documento, destacando suas idéias fundamentais, e procure relacionar suas propostas com o cenário educacional atual.
19
2. AS TEORIAS EDUCACIONAIS CONTRA-HEGEMÔNICAS
Após conhecer um pouco das pedagogias que conseguiram hegemonia e marcam
nossas escolas até hoje, discutiremos algumas das teorias que não se
generalizaram no âmbito das discussões educacionais no Brasil. Consideramos
indispensável seu estudo por colocarem a educação a serviço das forças que
lutam para transformar a ordem social vigente, inserindo-se no âmbito das
pedagogias de superação da sociedade capitalista.
Elas se diferenciam entre si pelo momento em que foram elaboradas e também
pelo conteúdo e ênfase de cada uma. A seguir, procuraremos identificar suas
características essenciais.
2.1. As teorias crítico-reprodutivistas
No final da década de 1970, surgem no cenário educacional mundial as teorias
crítico-reprodutivistas, que tentaram explicar o mecanismo de funcionamento da
escola tal como está constituída, relacionando-a às exigências da sociedade
capitalista. Tal debate foi um marco para as análises críticas educacionais;
entretanto, foram elaboradas por sociólogos e não contemplaram uma proposta
pedagógica, o que as levou a serem consideradas apenas teorias educacionais,
não pedagógicas.
No entanto, como também se assinalou, elas são teorias sobre a educação e não teorias da educação. Isso significa que, elas não são, em sentido próprio, pedagogias. Com efeito, se toda a pedagogia é teoria da educação, nem toda a teoria da educação é pedagogia (SAVIANI, 2007, p. 399).
Elas procuravam explicar os mecanismos de funcionamento da escola e como ela
levava ao fracasso escolar dos alunos. Entendiam que a escola, na verdade,
cumpre eficientemente seu papel na sociedade capitalista, dividida em classes:
reproduz as dominações e explorações existentes. As que alcançaram maior
repercussão e nível de elaboração foram a Teoria do Sistema de Ensino enquanto
20
Violência Simbólica, a Teoria da Escola enquanto Aparelho Ideológico de Estado
e a Teoria da Escola Dualista.
A Teoria da Violência Simbólica foi desenvolvida por Pierre Bourdieu e Jean
Claude Passeron. Para eles, a sociedade capitalista promove uma violência
simbólica que se manifesta de várias maneiras, reproduzindo a cultura dominante,
seja por meio da mídia que forma opiniões, da religião, da moda, que reforça um
padrão exigido pelo poder dominante. Nessa perspectiva, o papel da educação é
o de reforçar a marginalidade por meio da dissimulação. Conforme essa teoria,
não existe saída: a escola é um agente de marginalização. “A função da
educação é a de reprodução das desigualdades sociais. Pela reprodução cultural,
ela contribui especificamente para a reprodução social” (SAVIANI, 2008, p. 20).
Desenvolvida por Althusser, a Teoria da Escola Enquanto Aparelho Ideológico de
Estado acredita que a escola reforça as características das classes dominantes e
dominadas, pois ela seria um aparelho ideológico do Estado. Apesar das lutas
dessas classes, as chances de vitórias do marginalizado, que é a camada
trabalhadora, são pequenas. A escola, aparelho ideológico do Estado, é apenas
um dos mecanismos construídos pela burguesia para garantir e perpetuar seus
interesses.
[...] o Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política e ideológicas contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico Escolar (ALTHUSSER apud SAVIANI, 2008, p. 22).
A Teoria da Escola Dualista, elaborada por Christian Baudelot e Roger Establet,
por sua vez, acreditava que na escola se reproduzia a divisão social, sendo
distinta a educação das duas classes: da burguesia e do proletariado. Assim, ela
contribui para a formação da força de trabalho, impondo a ideologia burguesa.
[...] não cabe dizer que a escola qualifica diferentemente o trabalho intelectual e o trabalho manual. Cabe, isto sim, dizer que ela qualifica o trabalho intelectual e desqualifica o trabalho manual, sujeitando o proletariado à ideologia burguesa sob um disfarce pequeno-burguês (SAVIANI, 2008, p. 28).
21
Para o autor, nenhuma dessas teorias vê a possibilidade de uma contribuição da
escola para a transformação social. São chamadas críticas porque fazem a crítica
da sociedade e reprodutivistas porque acreditam que a educação só serve para
reproduzir as condições de desigualdade social existente na sociedade. A
marginalidade nada mais seria do que um fenômeno inerente à própria sociedade
capitalista.
Saviani (1992, p. 95) acredita que a visão crítico-reprodutivista precisa ser
superada, pois ela anula qualquer possibilidade de transformação pela escola.
Sua difusão no Brasil causou grande desânimo e impotência entre os educadores,
na década de 1970. Para ele, é claro que “a Educação é, sim, determinada pela
sociedade, mas que essa determinação é relativa e na forma da ação recíproca –
o que significa que o determinado também reage sobre o determinante”. A partir
dos estudos e discussões sobre essa questão, ele elaborou e propôs a Pedagogia
Histórico-Crítica.
2.2. A Pedagogia Histórico-Crítica
A Pedagogia Histórico-Crítica foi marcada pelo desenvolvimento das análises
críticas da educação, com início na década de 1970. Ela veio para avançar em
relação às teorias que Saviani considera não-críticas – a Tradicional, Escola Nova
e Tecnicismo –, bem como às teorias crítico-reprodutivistas. Sua base teórica é o
método dialético de elaboração do conhecimento científico, o materialismo
histórico-dialético de Marx. Para analisar e compreender o momento histórico
presente e em defesa da especificidade da escola, ela trabalha a partir dos
conhecimentos sistematizados e leva em consideração a realidade do aluno.
Saviani procurou repensar a educação como um instrumento de conscientização,
utilizando-se da articulação entre teoria e prática. Através dela, busca formar o
homem crítico, capaz de transformar a sociedade em que vivemos. “Os princípios
do método proposto são revolucionários porque não pretendem transformar
22
apenas a escola, mas a própria sociedade” (GASPARIN, 2003, p. 145). Seu
trabalho vem sendo difundido na educação escolar atual paranaense,
principalmente nas escolas públicas, o que torna imprescindível seu
conhecimento mais aprofundado.
Nessa proposta, o método de ensino leva em consideração os interesses dos
alunos, seus ritmos individuais de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico,
sem perder de vista a ordenação e graduação dos conteúdos, bem como da
aprendizagem. Instiga a atividade e a iniciativa do professor, favorecendo o
diálogo dos alunos entre si e com o professor, este sendo valorizado com o
diálogo e com a cultura acumulada historicamente.
Saviani (2008) organizou cinco passos metodológicos para o trabalho educativo
nessa tendência, que são a prática social inicial, a problematização, a
instrumentalização, a catarse e a prática social final. A proposta metodológica
parte da prática social, que compreende professores e alunos. Estes apresentam
diferentes níveis de desenvolvimento, conhecimento e experiência de seu
cotidiano, por isso verifica-se o conhecimento que os educandos já possuem.
A seguir, vem a problematização, que tem como objetivo identificar as questões
que precisam ser resolvidas dentro da prática social e os conhecimentos que
devem ser adquiridos para tanto. Um terceiro passo é a instrumentalização, ou
seja, a apropriação dos instrumentos teóricos e práticos necessários à solução
dos problemas encontrados. Esses conhecimentos foram produzidos socialmente
e preservados historicamente. Outro momento fundamental no processo de
ensino-aprendizagem é a catarse, a forma elaborada de entender a
transformação social, em que o aluno toma uma nova posição. Nesse momento, o
aluno efetiva sua aprendizagem e pode demonstrar o quanto assimilou do novo
conteúdo; esse conhecimento é demonstrado na escola na maioria das vezes
apenas de forma mental e teórica (provas, textos, debate e reflexões), todavia
deve aqui ofertar subsídios também para a prática social.
23
O último momento é a prática social, definida como ponto de chegada, cujo
objetivo é sua alteração qualitativa, “é a confirmação de que aquilo que o
educando somente conseguia realizar com a ajuda dos outros, agora o consegue
sozinho, ainda que trabalhando em grupo” (GASPARIN, 2003, p. 146).
Observamos, assim, que a sua proposta está vinculada a um projeto de
transformação da realidade social. Nesse processo, tanto o professor quanto o
aluno são essenciais, cada um devendo cumprir papéis diferentes. A finalidade é
recuperar a importância do conteúdo na formação humana, sem desconsiderar
sua vinculação à realidade prática.
Por meio dos estudos de Saviani e do desenvolvimento do método da Pedagogia
Histórico-Critica, Gasparin, com base em sua prática docente, buscou nos cinco
passos dessa pedagogia desenvolver uma didática para sua aplicação em sala de
aula. Logo, essa didática surgiu da prática, indo à teoria e voltando à prática,
buscando um sentido mais unificado para a prática pedagógica.
Essa metodologia dialética do conhecimento perpassa todo o trabalho docente-discente, estruturando e desenvolvendo o processo de construção do conhecimento escolar, tanto no que se refere à nova forma de o professor estudar e preparar os conteúdos e elaborar e executar seu projeto de ensino, como as respectivas ações dos alunos. A nova metodologia de ensino-aprendizagem expressa a totalidade do processo pedagógico, dando-lhe centro e direção na construção e reconstrução do conhecimento. Ela dá unidade a todos os elementos que compõem o processo educativo escolar (GASPARIN, 2003, p. 5).
Para possibilitar uma educação mais aprofundada e crítica, a teoria dialética
do conhecimento é incorporada à metodologia de ensino-aprendizagem na
Pedagogia Histórico-Crítica.
O movimento que vai da síncrese (a visão caótica do todo) à síntese (uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas) pela mediação da análise (as abstrações e determinações mais simples) constituiu uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão assimilação de conhecimentos (o método de ensino) (SAVIANI, 2008, p. 74).
24
A pedagogia histórica-crítica representa o interesse dos dominados, busca a
superação das demais pedagogias. Amaral e Favaro (2009, p. 60) aventam que
uma “formação integral do indivíduo, uma educação que possa vislumbrar a
superação da dinâmica capitalista e que dê elementos para pensar numa nova
realidade social, precisa ser construída”. Para tal, o papel do professor é
essencial, entrelaçando o currículo com os conteúdos erudito e científico,
superando o senso comum, proporcionando a transmissão do conhecimento e
propiciando subsídios necessários para uma possível transformação da
sociedade e a emancipação humana.
Nessa perspectiva, a função social da escola está na socialização do saber
sistematizado às classes trabalhadoras, abrindo espaço para que essa classe se
insira em uma ação mais ampla de construção de uma nova sociedade. De
acordo com Saviani (2008, p. 80), “será tanto mais eficaz quanto mais o professor
for capaz de compreender os vínculos da sua prática com a prática social global”.
2.3. Pedagogias Libertária, Socialista e Libertador a
Outra proposta pedagógica não-hegemônica foi a Pedagogia Libertária, ligada ao
movimento anarquista e anarco-sindicalista, que chegou ao Brasil no final do
século XIX e início do século XX. Nela, a educação é fundamental e aparece no
movimento de crítica à educação burguesa. Trata-se de uma concepção
pedagógica própria das classes trabalhadoras, que criaram escolas autônomas e
autogeridas. Saviani (2005, p. 23) pontua que no “aspecto crítico denunciavam o
uso da escola como instrumento de sujeição dos trabalhadores por parte do
Estado, da Igreja e dos partidos”. Sua metodologia parte do princípio de que
vivemos em grupo e deve haver a livre-expressão. Foram criadas universidades
populares, centros de estudos sociais e escolas próprias, as quais, contudo,
foram alvo de perseguição, e em 1919 a última escola foi fechada pela polícia.
Também nesse período aconteceram experiências de uma Pedagogia Socialista,
cujo objetivo era formar uma nova sociedade, em que todos possuíssem as
25
mesmas oportunidades. Para tanto, era essencial acabar com a ignorância, o que
seria feito por meio da educação. Defendia-se uma escola pública e gratuita,
bibliotecas, mas não se chegou a explicitar a concepção pedagógica que
orientaria seus procedimentos de ensino.
A concepção pedagógica Libertadora, por sua vez, foi elaborada na década de
1960 por Paulo Freire (1921-1997), sendo marcada por experiências de
renovação pedagógica. Sua proposta teve como ponto de partida a vivência
popular, na qual a descoberta da situação do oprimido seria a condição para se
libertar da exploração política e econômica. O pensamento pedagógico e político
dessa concepção busca romper com as relações excludentes. Ela ainda hoje é
usada, principalmente nas escolas para alfabetização de jovens e adultos, e
também no processo de continuidade dos estudos, no nível de Ensino
Fundamental e Médio, destinada à parcela da população que, pelos mais variados
motivos, não conseguiram cursar seus estudos na idade apropriada.
A Pedagogia Libertadora tem como método o grupo de discussão, o diálogo, com
resolução da situação-problema, em que alunos e professor dialogam em
condições de igualdade, desafiados por situações-problemas que devem
compreender e solucionar. Os alunos são alfabetizados com as palavras que
usam no dia-a-dia, associando o processo de alfabetização com a vida.
Analisando a pedagogia de Freire, constatamos que ela indica um caminho
compromissado com a ética e a justiça social. Avança como um meio de
libertação dos indivíduos em prol da sociedade, formando cidadãos ativos na
construção da história. A contribuição de Freire na busca de uma pedagogia
crítica da educação centrada na qualidade são pontos importantes, porém sua
maior contribuição é o chamado que faz ao educador para posicionar-se
politicamente em prol da formação de uma sociedade mais justa.
Apesar de Freire citar autores marxistas, particularmente na obra Pedagogia do
Oprimido, Saviani (2007, p. 330) ressalta que tal fato não significa que o autor
tenha incorporado na questão pedagógica a perspectiva marxista, pois a
26
concepção de fundo que preside sua obra “permanece sendo a filosofia
personalista na versão política do solidarismo cristão”. Saviani já se referira antes
à pedagogia libertadora como uma espécie de “escola nova popular”, mas
ressalta que não teve como objetivo desmerecer sua contribuição para os
movimentos progressistas que lutaram a serviço de uma educação popular.
Vejamos agora os reflexos dessas teorias na prática pedagógica.
2.4 Pedagogias não hegemônicas e a educação atual
Vimos que as teorias educacionais crítico-reprodutivistas crêem que a educação
não tem poder de transformar as relações sociais, mas que a escola acaba por
perpetuar o que está estabelecido. Na sociedade capitalista, a educação apenas
e tão somente reproduz os interesses do capital.
As teorias libertárias e socialistas também desempenharam um importante papel
ao criticarem a educação burguesa e tentarem criar seus próprios espaços
educativos, embora logo tenham sido extintas.
Já a Pedagogia Libertadora teve maior repercussão, especialmente por seus
resultados na alfabetização de jovens e adultos das classes populares. Ela
possui, entretanto, vários pontos em comum com a Escola Nova, porque também
“valoriza o interesse e iniciativa dos educandos, dando prioridade aos temas e
problemas mais próximos das vivências dos educandos sobre os conhecimentos
sistematizados”. Por outro lado, avança em relação ao escolanovismo por
trabalhar com “temas e problemas políticos sociais”, conceituando a educação
como fundamental para a “libertação dos oprimidos” (SAVIANI, 2005, p. 36).
A Pedagogia Histórico-Crítica, por sua vez, está fundamentada em uma
perspectiva marxista. Podemos destacar como primordial em seu processo a não
exclusão do saber que o aluno já detém, mas considera essencial que a escola
possibilite o acesso ao saber erudito e ao conhecimento científico, para ampliar
seus conhecimentos e superar o senso comum.
27
Se trata de um movimento dialético, isto é, a ação escolar permite que se acrescentem novas determinações que enriquecem as anteriores e estas, portanto, de forma alguma são excluídas. Assim, o acesso à cultura erudita possibilita a apropriação de novas formas por meio das quais se podem expressar os próprios conteúdos do saber popular (SAVIANI 1992, p. 29).
E é nessa perspectiva que a didática da Pedagogia Histórico-Crítica parte da
prática social inicial do conteúdo, vai para a problematização, instrumentalização,
catarse, voltando ao ponto de chegada, que é a própria prática social, contudo
agora sua compreensão é alterada, com o conhecimento já elaborado. Defende
uma maior compreensão científica, que possibilite ao educando tomar novos
posicionamentos, ter uma consciência teórica e concreta da realidade, com
discernimento para pensar, entender, julgar e agir.
O professor, na Pedagogia Histórico-Crítica, tem como função garantir a
apropriação dos conteúdos pelos alunos, para atender aos interesses das classes
trabalhadoras, abrindo espaço para que essas forças emergentes se insiram em
um processo mais amplo de construção de uma nova sociedade.
. Temos aqui diversas perspectivas teóricas que nos dão subsídios para lutar por
uma alteração nas relações sociais estabelecidas. Temos também perspectivas
não críticas, como já verificamos no item anterior, mas que ainda estão muito
presentes em nosso cotidiano escolar. Sabemos que elas estão pautadas em
diferentes bases teóricas, cada uma resultando em uma consequência
pedagógica distinta.
Resta-nos agora aprofundar o entendimento da concepção de conhecimento que
perpassa as teorias apresentadas e de como estas afetam o trabalho docente e a
formação humana. Esse é o tema de nosso próximo item.
28
ATIVIDADES SUGERIDAS:
• Mesmo sem conseguir hegemonia, as concepções contra-hegemônicas
encontram destaque na história da educação. Realize uma reflexão das
concepções abordadas e escreva suas considerações sobre cada uma
delas.
• Leitura e análise do capítulo “A pedagogia histórico-crítica no quadro das
tendências críticas da educação brasileira”
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.
10. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
29
3. CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS, TEORIAS PEDAGÓGICAS E O
TRABALHO DOCENTE
O que podemos inferir a partir do que expusemos até aqui e em nossa prática
cotidiana, é que embora existam mudanças na educação, as antigas concepções,
como a tradicional e a escolanovista, ainda permeiam a atividade educativa no
interior das escolas. Saviani (2008, p. 43) expõe que o ensino “dito tradicional
estruturou-se por meio de um método pedagógico, que é o método expositivo,
que todos conhecem, todos passaram por ele, e muitos estão passando ainda”.
Não dá para afirmar, entretanto, que esse método prevaleça ou esteja sozinho,
porque convive com variadas concepções na prática escolar. As orientações
legais das políticas públicas brasileiras, veiculadas a partir da década de 1990,
sob influência da ideologia neoliberal, foram orientadas de maneira geral a partir
das concepções escolanovistas, mas agora em torno do lema “aprender a
aprender”. Isso está explícito nos documentos legais produzidos no período, como
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s).
Destarte, há tentativas de superação desse quadro, como no caso das Diretrizes
Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná, que tiveram como
propósito adotar uma concepção pedagógica mais crítica. Procurou-se reformular
a educação escolar a partir da Pedagogia Histórico-Crítica, embora o material
produzido nem sempre tenha sido fiel a tal direcionamento, havendo em muitos
casos uma indefinição e confusão conceitual.
Percebemos o posicionamento em defesa da Pedagogia Histórico-Crítica nos
primeiros documentos que serviram de base aos estudos realizados para a
reformulação curricular. A Superintendente da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná (SEED), Yvelise Arco-Verde, apresentou orientações gerais para sua
elaboração, que deveriam contemplar:
[...] a visão de mundo, de homem e de escola; a concepção de Educação, suas teorias e práticas; a contextualização da
30
Educação frente à conjuntura nacional, os estudos da realidade sócio-econômica e cultural da região; o perfil do aluno e do professor paranaense, bem como da escola e dos órgãos colegiados; as diretrizes curriculares nacionais; a legislação educacional atualizada, os resultados de estudos de demandas escolares; as bases do Projeto Pedagógico da Escola (ARCO-VERDE, 2003, p. 14).
Ao definir os primeiros passos para a elaboração das Diretrizes Curriculares da
Educação Básica do Estado do Paraná, orientou para a necessidade de optar por
uma concepção de mundo, homem, escola e educação. Fundamentou tais
concepções com base no materialismo histórico e em suas categorias de
totalidade e mediação, ressaltando a função da educação escolar como aquela
que propicia o acesso ao conhecimento científico de forma unitária, independente
da classe social do aluno. Ao se referir ao processo metodológico de ensino,
apresentou os cinco passos elaborados por Saviani na sistematização da
Pedagogia Histórico-Crítica, apesar de não se reportar a ela explicitamente, nem
no texto nem nos demais documentos oficiais.
Diante dessas indicações estaduais paranaenses, fica evidente a necessidade de
realizar este trabalho investigativo, para fornecer elementos que esclareçam as
diferenças e os princípios básicos presentes nas teorias pedagógicas. A questão
epistemológica se sobressai, em virtude de constituir a base sobre a qual se
assenta o trabalho educativo. O professor só consegue orientar com autonomia e
responsabilidade seu trabalho em sala de aula se tiver clareza da concepção de
conhecimento que embasa sua atuação. Essa é a discussão primordial que
procuramos estabelecer neste item.
3.1. Concepções epistemológicas e as teorias pedagó gicas
Inicialmente, precisamos ter muita clareza quanto à concepção de conhecimento
que a Escola Nova apresenta, já que sua influência é tão intensa e tão aceita no
meio educacional atual. Ela veio transformar o ensino no século XX e agora é
retomada com intenso vigor sob as diversas denominações das pedagogias do
“aprender a aprender”, englobando diferentes orientações em torno da concepção
31
de conhecimento pautada nesse lema. Dentre elas, podemos destacar atualmente
o Construtivismo, a Pedagogia das Competências, a Pedagogia de Projetos, a
Teoria do Professor Reflexivo.
A partir de uma análise mais aprofundada, observamos que ela vem para ajustar
os indivíduos, fazendo-os aceitar as diferenças sociais, como se a sociedade
fosse naturalmente assim, sendo impossível superar a desigualdade social e a
divisão de classes. Ela representa uma visão de mundo e uma teoria
conservadora, que busca ajustar os indivíduos na sociedade, fazendo-os entender
as diferenças sociais como naturais.
No desenvolvimento de sua pedagogia, essa pedagogia considera o aluno como
centro do processo educativo, o que acaba por atrair muitos adeptos ao propor o
respeito às diferenças individuais. Se por um lado a Escola Nova ou o ‘aprender a
aprender’ parecem possibilitar ao sujeito maiores condições de desenvolvimento,
por outro lado acabam apenas por adaptá-lo às condições estabelecidas.
Segundo Marsiglia e Duarte (2009, p. 7), as “pedagogias do aprender a aprender
se destinam a eternizar e naturalizar as desigualdades e assim sustentam a
ordem capitalista vigente’’. Tornam as relações humanas naturais, não podendo
ser superadas. O importante é “aprender a aprender” e se adaptar às dificuldades,
diferenças e mudanças constantes, sendo que para isso a questão pedagógica
está centrada nos métodos ou nos processos. Os conteúdos construídos
historicamente não têm a devida valorização, o aluno constrói seu próprio
conhecimento e são assim levados ao utilitarismo e imediatismo.
O currículo escolar, na perspectiva do ”aprender a aprender”, perde referência de quais os conteúdos a serem ensinados, pois deve voltar-se às vivências e cultura cotidiana do aluno. Os conhecimentos historicamente construídos e acumulados pela humanidade são caracterizados negativamente como saberes descontextualizados e fragmentados, porque não estão relacionados à vida cotidiana (MARSIGLIA; DUARTE, 2009, p. 6).
32
A Escola Nova apresenta ares progressistas, aparece como um modelo de
superação de formas excludentes e alienadoras, que era como se apresentava a
escola anteriormente. Para Sforni (2004, p. 76), ao “observarmos os conteúdos, a
metodologia e a avaliação sugeridos podemos perceber que a inovação tem um
caráter muito mais utilitário que propriamente de formação intelectual”.
Em termos de conhecimento, suas consequências são bastante graves. Conforme
Duarte (1998, p. 3), “trata-se, isto sim, de uma proposta pedagógica em cujo
cerne encontra-se uma secundarização do ato de transmissão dos conteúdos
escolares pelo professor”. O ensino acaba rebaixado e o professor perde sua
função principal, que é de transmitir os conteúdos acumulados historicamente,
tornando-se um mero auxiliar da aprendizagem do aluno, que afinal é quem deve
“aprender a aprender”.
Na própria formação docente imperam tais concepções epistemológicas, que
priorizam a prática, a experiência cotidiana, deixando de lado os conceitos
científicos e evidenciando a tendência pragmática.
[...] há uma hegemonia da orientação epistemológica pragmática na formação docente, tanto no âmbito político quanto no pedagógico. Predomina uma formação docente voltada para a prática, a valorização do conhecimento tácito, espontâneo, proveniente das experiências pessoais de professores e alunos, gestado no cotidiano escolar e defendido nas pedagogias do ‘aprender a aprender’ (FAVARO, 2009, p. 2-3).
Sforni (2004, p. 76) explicita “a necessidade de um ensino que não se atenha ao
imediatismo das exigências cotidianas e tenha como objetivo o desenvolvimento
cognitivo dos alunos através da formação do pensamento teórico”. Só assim
conseguiremos a ruptura da alienação e a busca do conhecimento integral.
O acesso ao conhecimento científico ocorre via instrução, é, portanto, um conhecimento que se adquire de forma desvinculada da experiência imediata, em momentos organizados com o fim explícito de ensinar e aprender (SFORNI, 2004, p. 78).
Duarte (1998, p. 2) preconiza que “o trabalho educativo diferencia-se de formas
espontâneas de educação, ocorridas em outras atividades, também dirigidas por
33
fins, mas que não são de produzir a humanidade no indivíduo”. O trabalho
educativo tem sua especificidade, a de produzir um conhecimento que humanize
o homem, pois este é que o torna diferente dos animais, trazendo para a escola
um conhecimento intencional e elaborado.
Ao contrário do que possa inicialmente parecer, não há por parte desses autores,
a defesa do retorno à pedagogia tradicional. Apesar de ela também valorizar o
acesso aos conhecimentos científicos, esses se apresentam de forma autônoma,
desconectados da prática social real e mais ampla.
Metodologicamente ela também apresenta limitações. Na pedagogia tradicional, o
professor era preocupado com um processo de ensino e aprendizagem centrado
no conhecimento científico, todavia observamos que era um conhecimento
cumulativo, sem reconstrução ou questionamento, o conteúdo era considerado
uma verdade absoluta, e o professor era o centro. Não se vinculavam os
conteúdos acumulados com a realidade social e prática do aluno.
Saviani (2008, p. 67) propala que a “crítica escolanovista atingiu não tanto o
método tradicional, mas a forma como esse método se cristalizou na prática
pedagógica tornando-se mecânico, repetitivo, desvinculado das razões e
finalidades que o justificam”. Por isso a proposta de superação de ambas as
pedagogias, a tradicional e a escolanovista, pelas limitações epistemológicas que
carregam.
No tecnicismo também verificamos problemas para a formação humana. O
planejamento é preparado por especialistas e não por professores, que se tornam
seus meros executores. A escola desenvolve atividades parceladas e
fragmentadas, cujos conteúdos servem aos interesses produtivos, não à formação
humana. A educação escolar e seus conteúdos estão diretamente focados na
formação para o trabalho, por conseguinte, também na adaptação do aluno para
atender às exigências da sociedade capitalista. Dessa forma, não se trabalham
conteúdos que permitam a emancipação do indivíduo, que possibilitem pensar a
sociedade de uma maneira diferente, para além das exigências do capital.
34
Já a pedagogia libertadora, freiriana, consiste em levar as pessoas a saber ler e
escrever as palavras e juntamente algo mais amplo e complexo, “ler a realidade”,
levando o homem a posicionar-se como sujeito de seu tempo e como agente de
sua história. O diálogo é essencial e estrutura a Pedagogia Libertadora, porque
por meio dele os homens tomam consciência de si e dos outros. As relações
sociais carregam em si uma dimensão pedagógica.
Em seu método, Freire parte da crítica à pedagogia tradicional, por considerá-la
passiva, que só transmitia os conteúdos, valorizando a memorização, o
verbalismo, etc., e advoga uma pedagogia ativa, centrada na iniciativa dos alunos,
no diálogo e na troca de conhecimentos (SAVIANI, 2008).
Comparando a Pedagogia Libertadora com a Pedagogia Histórico-Crítica,
constatamos que ambas se aproximam no que se refere à crítica à sociedade
capitalista, à exploração dos trabalhadores. Freire inseriu essa concepção
pedagógica a serviço dos interesses populares especialmente no trabalho com os
adultos para sua alfabetização; entretanto, priorizou os conhecimentos populares
da prática desse grupo, nesse aspecto se aproximando mais da Escola Nova.
Convém salientar que ao compararmos essas pedagogias percebemos que
ambas estão a serviço da transformação social, voltadas ao interesse da classe
popular. A grande diferença entre elas, no entanto, reside no fato de que a
Pedagogia Libertadora leva o conhecimento do professor e do aluno ao mesmo
nível e acaba ficando mais no universo do aluno, relegando a segundo plano a
cultura erudita. Já a Pedagogia Histórico-Crítica considera o conhecimento
popular insuficiente, enfatizando a necessidade de se priorizar o acesso aos
conhecimentos científicos.
A Pedagogia Histórico-Crítica nos traz uma perspectiva de ação que parte do
social e de uma leitura crítica de mundo. Volta-se à especificidade da sala de aula
e desta para a totalidade social, retornando depois para a sala de aula. Trata-se
de um processo dialético, que prioriza o percurso prática-teoria-prática e valoriza
35
tanto o aluno quanto o conhecimento científico construído historicamente. O
trabalho educativo é primordial nessa concepção.
Da mesma forma como não há cultura e não há sociedade sem a transmissão da experiência social acumulada, os processos de transmissão de conhecimento são indispensáveis à prática pedagógica (MARSIGLIA; DUARTE, 2009, p. 3).
A apropriação dos conhecimentos científicos é tarefa essencial da educação
nessa teoria, é condição de humanização do próprio homem. Professor e aluno
são agentes sociais, mas na prática pedagógica há uma grande diferença entre
eles, pois se encontram em níveis diferentes de compreensão da prática social.
Saviani (2008, p. 55) registra que “o aprimoramento exatamente do ensino
destinado às camadas populares. Essa defesa implica a prioridade do conteúdo”,
pois sem eles a aprendizagem é uma farsa e se inviabiliza a participação política
dos trabalhadores, pois “o dominado não se liberta se ele não vier a dominar
aquilo que os dominantes dominam”.
Precisamos refletir sobre o que significa hoje uma educação escolar de qualidade,
já que é um discurso tão comum de se ouvir. Essa concepção está ou não
atrelada à aquisição do conhecimento científico? Ela é necessária para que se
respeite o homem plenamente e lhe dê uma perspectiva de futuro, de
possibilidades? O que queremos é superar a formação de um sujeito alienado,
que atenda apenas às demandas de uma sociedade capitalista.
3.2 O trabalho do professor e a formação humana
Do que foi pesquisado e exposto, podemos enunciar que as diversas teorias
pedagógicas que fizeram e ainda fazem parte da educação foram se modificando
historicamente, em consonância com as exigências do momento e do mundo real
que o homem constrói para viver e conviver.
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O trabalho do professor e sua função também foram sofrendo modificações: se na
Pedagogia Tradicional ele era o transmissor de conteúdos e o centro do processo
educacional, na Escola Nova ele passou a ser o facilitador da aprendizagem do
aluno, que era então o centro do processo. Já no Tecnicismo, ele se torna um
mero executor das instruções que já chegam prontas. O professor passa a ser um
especialista na aplicação dos manuais, que estabelecem o programa de
aprendizagem do aluno, devendo apenas auxiliá-lo a executar as tarefas pré-
concebidas.
Na Pedagogia Libertadora, Freire idealizou os círculos de cultura no lugar da
escola. No lugar dos professores, “atuariam os coordenadores de debates que,
em lugar de aula discursiva, exercitariam o diálogo com os participantes do grupo,
substitutos dos alunos, com sua tradição de passividade” (SAVIANI, 2007, p.
322). Além disso, não se trabalhariam conteúdos e programas alienados, como os
que são normalmente trabalhados, mas unidades de aprendizado, que priorizam
os temas e problemas mais próximos à realidade dos alunos. O risco de tal
metodologia sem o devido comprometimento político e social que o permeia é cair
no conhecimento pragmático e utilitarista do escolanovismo.
A Pedagogia Histórico-Crítica propõe a superação de todas as teorias
pedagógicas apresentadas e defende a necessidade de o professor atuar de
forma efetiva na transmissão dos conteúdos científicos, que devem ser
trabalhados de modo a contribuir para o entendimento e análise da realidade
social vivida pelo aluno. O trabalho do professor é bem definido na proposta de
Saviani e diferenciado em relação ao do aluno, por apresentarem níveis de
conhecimento e de experiência diferentes.
A compreensão do professor é sintética porque implica uma certa articulação dos conhecimentos e das experiências que detém relativamente à prática social. Tal síntese, porém, é precária uma vez que, por mais articulados que sejam os conhecimentos e as experiências, a inserção de sua própria prática pedagógica como uma dimensão da prática social envolve uma antecipação do que lhe será possível fazer com alunos cujos níveis de compreensão ele não pode conhecer, no ponto de partida, senão de forma precária. Por seu lado, a compreensão dos alunos é sincrética uma vez que, por mais conhecimentos e experiências que
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detenham, sua própria condição de alunos implica uma impossibilidade, no ponto de partida, de articulação da experiência pedagógica na prática social de que participam (SAVIANI, 2008, p. 70-71).
Acreditamos que o conteúdo é fundamental na educação do aluno, e que deve
ser relevante e significativo. Em nossa concepção, se desejamos promover a
transformação social, o senso comum precisa ser superado e substituído pelo
saber científico. O conhecimento elaborado deve alcançar a todos, para
cumprirmos a tarefa histórica de garantir a igualdade educacional.
Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos, eles não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação (SAVIANI, 2008, p. 55).
É preciso também atentar para a formação dos professores, porque eles precisam
primeiro dominar os conteúdos e as práticas educativas. Infelizmente o que
vemos atualmente no país são políticas que vão na contramão do interesse do
desenvolvimento intelectual, como, por exemplo, a estimulação oficial da
“formação docente por meio de cursos a distância a fim de que seja coberto o
déficit de professores” (FAVARO, 2009, p. 02).
Precisamos unir esforços para tentar reverter esse quadro. Isso só pode ocorrer
por meio de uma preparação adequada, que ofereça uma educação de qualidade,
comprometida com a democratização do saber. O professor precisa se
instrumentalizar com o conhecimento e o estudo das teorias pedagógicas, pois
são elas que lhe dão condições de analisa sua práxis profissional, centrando-a no
mundo em que vivemos, no homem que queremos formar.
É preciso clareza quanto às diferentes tendências pedagógicas, visto que elas
determinam o caminho que seguimos. A partir da análise de cada uma,
constatamos que elas trazem implícitos em sua ideologia os conceitos que
influenciarão a atuação do docente, a aprendizagem do educando, em sua
permanência ou abandono da escola, e principalmente a formação de um homem
crítico e participativo.
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Proporcionar uma educação de qualidade na atualidade requer uma pedagogia
centrada na formação integral de todos os homens, na qual os educadores optem
por proporcionar ao aluno uma visão dinâmica do mundo, em sua rica e complexa
totalidade de relações.
ATIVIDADES SUGERIDAS:
Elabore um quadro comparativo com as concepções epistemológicas das principais tendências pedagógicas.
Agora que você já estudou e analisou as principais teorias pedagógicas, procure optar por uma teoria pedagógica, justificando sua escolha frente às demais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que os estudos até aqui realizados não esgotam o assunto, mas
esperamos que eles tenham suscitado nos leitores a necessidade de fazer opção
por uma teoria pedagógica. Isso só é possível conhecendo-as profundamente, por
isso e levando esta afirmação para o âmbito escolar, nos perguntamos: os
professores as conhecem? Como se dá sua prática no dia-a-dia em sala de aula?
Seguem o modismo? Pegam um pouco de cada teoria? Existe um tempo para
estudo, para reflexão do trabalho que está sendo realizado, dos resultados
obtidos? Ou se prioriza exclusivamente o cumprimento do currículo, sem analisar
os resultados obtidos?
A sociedade contemporânea é marcada pelo avanço tecnológico, as máquinas
eletrônicas, a comunicação, pela mudança nos paradigmas de conhecimento.
Entretanto, temos que analisar os anseios dessa nova demanda que ora se
apresenta com uma roupagem muito sedutora. Temos que conhecer os limites da
escola e entender que ela não assegura empregabilidade, mas apenas amplia as
condições de competir para conquistar a empregabilidade. A sociedade capitalista
não oportuniza emprego para todos, mesmo com altos índices de desemprego ela
sobrevive. Por isso convidamos à reflexão sobre essa formação para o trabalho,
se ela deve ser nossa prioridade educacional.
Só por meio de estudos, pesquisas e experiências é que podemos realizar uma
análise do que queremos para a educação, buscando entender a finalidade maior
da educação enquanto ação sistemática e organizada, que princípios teóricos
subsidiam a prática pedagógica, que caminho trilhar para cumprirmos a função
essencial da educação.
.
Nas teorias pedagógicas, podemos encontrar algumas respostas e os
procedimentos que se fazem necessários para realizar uma educação de
qualidade, voltada para uma proposta em defesa da educação pública acessível a
toda a população e comprometida com emancipação humana. Eis o desafio
coletivo que temos pela frente.
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REFERÊNCIAS
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