DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · 2013-06-14 · nível irrisório de conhecimento. E o país...

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

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LEITURA LITERÁRIA: DA ESCOLA PARA A VIDA

Autora: Olga Antonia pestana dos Santos1

Orientadora: Elmita Simonetti Pires2

Resumo Este artigo apresenta o resultado dos trabalhos desenvolvidos no Programa de Desenvolvimento Educacional— PDE, que culminam com a Implementação Pedagógica na Escola,realizada na forma de Unidade Didática,com um grupo de professores do Colégio Estadual Carlos Gomes EFM, em um curso de extensão, com o objetivo de servir de apoio em suas práticas relacionadas ao incentivo à leitura literária e ao ensino da Literatura. Para o desenvolvimento da proposta, foram efetuadas atividades de leitura, pesquisa, estudo e debate das Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Básica Língua Portuguesa, bem como da teoria de vários autores e pesquisadores, enfatizando as autoras do Método Recepcional, Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar. Foram realizadas leituras e interpretações de textos centrados em um mesmo tema, através do desenvolvimento de uma Unidade Didática. Com esse trabalho, os professores tiveram a oportunidade de repensarem a atuação com a Literatura em sala de aula, e adquirirem novos conhecimentos para desenvolverem a sua prática com a leitura através desse método, que contribui para o despertar do interesse dos alunos para com a leitura, formando-os leitores críticos capazes de compreenderem o que leram e se posicionarem diante de um texto, refletindo e transformando através do conhecimento a sociedade em que vivem. Palavras-chave: leitura; literatura; metodologia; ensino. Abstract This article presents the outcome of the work in the Educational Development Program-PDE, which lead to the Pedagogical Implementation at School, held in the form of Didactic Unit, with a group of teachers from Colégio Estadual Carlos Gomes, in an extension course, aiming to provide support in their practices relating to the encouragement of literary reading and teaching literature. For the development of the proposal was made reading activities, research, study and discussion of State Curriculum Guidelines for Portuguese Basic Education, and the theory of several authors and researchers, the authors emphasize the Method Recepcional, Maria da Glória Bordini and Vera Teixeira de Aguiar. Readings were taken and interpretations of texts centered on a theme, through the development of a Didactic Unit. With this work, teachers had the opportunity to rethink the work with the literature in the classroom, and acquire new knowledge to develop their practice with reading through this method, which contributes to the awakening of interest to students for reading, making them critical readers able to understand what they read and position themselves in front of a text, reflecting and transforming knowledge through society in which they live.

Keywords: reading; literature; methodology; teaching. 1 Professora PDE de Língua Portuguesa do Colégio Estadual Carlos Gomes – São João do Caiuá, PR.

2 Professora Mestre em Estudos Literários pela UEL 2000, docente das disciplinas de Teoria da Literatura e

Literatura Infanto-Juvenil, UEPR – Campus FAFIPA.

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Introdução

Durante toda a vida profissional, para os professores de Língua Portuguesa,

ensinar Literatura tem sido um grande desafio, visto que as pesquisas realizadas até

então, trazem muitas contradições na explicitação do que realmente seja Literatura.

E não se admite falar em Literatura, sem enfocarmos o ato que leva ao

conhecimento e à apreciação pelo texto literário que é a leitura. Esta é que

impulsiona toda a mola para o conhecimento.

Não se concebe um país desenvolvido quando é formado por um povo com

nível irrisório de conhecimento. E o país que não oferece condições para aquisição

do conhecimento a seus habitantes, jamais será uma grande nação. É certo que a

vida é uma eterna aprendizagem, mas a maior parte do conhecimento só vai ser

assimilado quando transmitido de pessoa para pessoa. E o local adequado, onde se

dá essa transmissão de maneira formal é a escola.

A formação de leitores críticos e competentes preparados para atuarem em

todas as esferas da sociedade é um dos principais objetivos do ensino de Língua

Portuguesa e dever do Estado. Isso evidencia-se mediante estudos e discussões

nas estâncias educacionais e vêm se desenvolvendo ao longo dos tempos

fortalecidos pelas Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Básica Língua

Portuguesa do Estado do Paraná,que trazem como proposta para o ensino básico o

incentivo à leitura do texto literário, não só como fonte de prazer, mas como um meio

de promover o desenvolvimento e a transformação do educando.

A leitura é um ato universal, pois todo indivíduo está inerentemente

capacitado a ler. Ela é importante e indispensável tanto para a realização pessoal,

quanto para o progresso social e econômico de um país. A leitura leva o ser humano

ao conhecimento e à sabedoria que propulsionam o desenvolvimento.

Segundo Paulo Freire (Freire, 1989), a compreensão crítica do ato de ler não

se esgota na decodificação pura da palavra ou da escrita, ou da linguagem escrita,

mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede

a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta, não possa prescindir da

continuidade da leitura daquele. A compreensão do texto a ser alcançado por sua

leitura crítica implica as relações entre o texto e o contexto.

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O aprendizado da leitura deve ser acompanhado desde o início da

alfabetização, de livros para crianças. O trabalho de automatização da decodificação

deve ser paralela ao trabalho da leitura de textos variados, para que haja a iniciação

literária desde a pré-escola. Isso implica na importância dos livros de imagem, com

ou sem texto escrito, no trabalho com as narrativas, que vão auxiliar na aquisição da

leitura, para além da codificação e consequentemente, no gosto, no prazer pela

Literatura.

Na concepção expressa nas Diretrizes Curriculares Estaduais para a

Educação Básica Língua Portuguesa, o trabalho com a leitura literária pelo Método

Recepcional, deve ser incentivado e direcionado de modo que os alunos passem a

sentir prazer pelas atividades, de forma graduada, partindo da leitura de textos

simples para textos mais elaborados, promovendo a interação verbal através de

diversos gêneros discursivos abordando o mesmo tema. Para isso, o professor de

Literatura deve, antes de tudo, ser um leitor assíduo, incentivando e discutindo com

seus educandos, demonstrando conhecimentos dos temas e textos com os quais

vai trabalhar, para conquistar a curiosidade dos alunos, incentivando-os a se

adentrarem na leitura de uma forma não obrigatória, mas prazerosa e sedutora.

Com o Programa de Desenvolvimento Educacional—PDE, a SEED

oportuniza a formação continuada dos professores que atuam em escolas públicas

estaduais do Paraná, de forma que estes possam desenvolver projetos que

envolvam tanto os professores como os educandos, em um ensino diferenciado,

eficiente, promovido através de novas teorias, novos conhecimentos e

principalmente, trocas de experiências de práticas educacionais que propiciem o

desenvolvimento dos educandos. Essas práticas vêm gerando uma série de

transformações até então inertes em nosso sistema de ensino, considerando a

necessidade de novas experiências com a leitura, em especial a leitura literária, não

só na área de Língua Portuguesa, mas também em outras disciplinas.As

dificuldades e desinteresse dos educandos com a leitura e a literatura são evidentes

em todas as áreas de ensino.Mesmo que se atribua uma responsabilidade mais

acentuada à disciplina de Língua Portuguesa, não deixa de ser preocupação para

toda a comunidade escolar.

Ana Maria Machado, em seu livro: Texturas: Sobre Leituras e Escritos, ao

falar sobre as condições que levam uma criança ao hábito da leitura, afirma:

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Quando se constata que as famílias não estão mesmo lendo, não há mais espaços nas casas para se ter livros. Estaríamos todos condenados a um apartheid literário. Existe, porém, uma segunda chance: a escola. O momento e espaço da salvação da literatura, da possível descoberta e da formação do futuro leitor (MACHADO, 2001, p. 116).

Este projeto procura vir de encontro às angústias de muitos professores que

recebem alunos nas quintas séries do Ensino Fundamental sem que tenham

adquirido o hábito da leitura e o gosto pela Literatura, passando muitas vezes do

Fundamental ao Médio pelas dificuldades de interpretação, de análise crítica e

sobretudo de difícil atuação na sociedade.

As Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Básica Língua

Portuguesa (DCE, 2008),deixam bem clara a importância da leitura literária na

escola para a formação do leitor e orientam também na questão da metodologia,

enfatizando a contribuição do Método Recepcional. Este método é voltado para a

ampliação do horizonte de expectativas do leitor que perante o texto torna-se o

responsável pela atualização do mesmo, desenvolvendo a sua compreensão e a

apreensão em uma relação dialógica.

O ensino através do Método Recepcional ainda é tímido nas escolas

brasileiras, e a preocupação com o ponto de vista do leitor é irrisória. Assim, a

adoção de uma metodologia significativa no ensino de Literatura vem de encontro

com as mais urgentes necessidades educacionais.

Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar em sua obra: Literatura: a

formação do leitor: alternativas metodológicas (Bordini & Aguiar, 1993), ao

enfocarem o Método Recepcional, explicam que se a obra corrobora o sistema de

valores e normas do leitor, o horizonte de expectativas deste continua inalterado

numa posição psicológica de conforto. Por isso, que a literatura de massas, pré-

fabricada tem alcançado altos níveis de aceitação, enquanto que as obras literárias

que desafiam a compreensão, frequentemente repelem o leitor, porque exigem dele

um esforço de interação conflitivo não esperado devido ao seu sistema de

referências vitais. Porém, a obra emancipatória perdura mais do que a

conformadora, devendo haver uma justificação para o investimento de energias

psíquicas ao estabelecer a comunicação com o sujeito.

A necessidade de estudos teóricos aliados à prática para o ensino-

aprendizagem da Literatura na escola, é justificada de forma que não se restrinja

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somente aos recortes de textos dos livros didáticos, mas que os professores possam

ir além com seus alunos, fazendo com que estes se interessem por textos literários e

ampliem a sua capacidade de interpretação e leitura de mundo.

Para Maria Alice Faria (Faria, 2006), ―tornar-se leitor de Literatura é um vai-

e-vem constante entre realidade e ficção que permite avaliar o mundo e se situar

nele‖.

Fundamentação teórica e metodológica

Antes de adentrarmos nos conhecimentos teóricos da leitura literária—

apesar de tantas pesquisas sobre o tema, mas que em cada pesquisa adquirimos

embasamentos teóricos imprescindíveis ao seu estudo — tentemos definir LEITURA,

ato que conduz ao conhecimento e à transmissão do mesmo, à comunicação entre

os povos, à interatividade, à humanização. Não podemos conceber hoje uma

sociedade sem leitura.

De acordo com Antônio Mauro de Sales Vilar Houaiss (Houaiss, 2001), a

palavra LEITURA tem sua origem no latim medieval — lectura — que significa o ato

de ler.

Ler também tem sua origem do latim LEGERE o que significa percorrer com

a vista (o que está escrito). Porém, a leitura é mais do que ler nas linhas — é

identificar as informações apresentadas, reproduzi-las e integrá-las ao que já sabem.

Segundo Paulo Freire (Freire, 1989), se compreendermos a ação de ler de

modo amplo, veremos que ela se caracteriza pelas relações entre o indivíduo e o

mundo que o cerca. [...] Qualquer leitura do mundo é produção de sentido

relacionada com o momento e a situação vivida e como qualquer leitura ela também

não está isolada no tempo e no espaço. Ela sempre se relacionará com outras

leituras, com outros textos, inscritos pela vida, no leitor.

Muitos acham que ler seria uma reação linear entre: um autor que produz o

texto e um leitor que recebe o texto. Contudo, o texto não é aceitação passiva, mas

construção ativa. Segundo Bella Josef (Josef, 1986), ―o verdadeiro produtor não

seria o autor, mas o leitor, que produz o texto a partir de outras experiências ou

crenças e que se identifica na medida em que lê‖. Como exemplo, temos no livro de

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Regina Zilberman: Leitura: Perspectivas Interdisciplinares (Zilberman, 2005) o relato

de que em uma pesquisa realizada com a leitura de um livro didático, foi indagado a

um aluno se gostava de ler e por quê? Ele respondeu que gostava, porque eles

(referindo-se aos personagens da história) iam à praia e comiam bolo, enquanto que

o outro aluno a quem foi feita a mesma pergunta, respondeu que não, (mostrando a

gravura da cozinheira da mamãe, preta, com pano na cabeça), porque a sua mãe

era aquela. Então, de um mesmo texto foram feitas duas leituras diferentes: uma

aderindo à ideologia hegemônica e outra, invejando praia e bolo, a partir de suas

outras experiências e de suas outras crenças, reconhecendo a diferença, a

discriminação.

Magda Becker Soares, em sua obra: Condições Sociais de Leitura, ao se

referir às leituras dos textos, conclui:

Talvez por isso não se possa falar de ideologia subjacente ao texto, mas de ideologias subjacentes às leituras que de um mesmo texto são feitas. Se há, pois, necessidade de captar, nas condições sociais de leitura, a categoria da reprodução, é preciso também captar a categoria da contradição, em cujo cerne germina a transformação social. Assim, a leitura é fundamentalmente, processo político (SOARES, 2005, p.28).

É recomendável que o nível de leitura de um texto seja equiparado ao nível

do conhecimento do leitor, segundo o que consta na obra de Maria Alice Faria:

Todo livro oferece ao leitor uma complexidade maior ou menor — para destrinchar; e o leitor é também portador de uma complexidade — mais ou menos grande — no ato da leitura. Se a complexidade do livro é menor do que a do leitor, este se aborrecerá. Ao contrário, se o livro é muito complexo para a complexidade do leitor, ele só utilizará certos aspectos, ou não chegará a entrar no livro (FARIA, 2006, p. 21).

Para Maria Alice Faria (Faria, 2006), a leitura literária é a capacidade para

além do sentido imediato e do sentido implícito, o modo de construção de um livro,

podendo ser isso a ocasião de um verdadeiro prazer intelectual. Ainda para a autora,

a articulação entre o explícito e o não explícito, nas boas narrativas, é construída

pelo autor de maneira a deixar pistas para que o leitor possa preencher esses

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"brancos", e este trabalho exige do leitor as capacidades de antecipação, indução e

de relacionar diversas formas de informação.

Ao ler um conto, uma poesia, um romance, o leitor experimenta o sentimento

da empatia, colocando-se na situação da personagem, opondo-se a esta,

contradizendo, transformando a história, criando outras situações, de acordo com a

sua vivência. Os sentimentos que o texto literário faz aflorar no leitor dependem da

expectativa deste mesmo leitor, de acordo com seu estado de espírito no momento

da leitura e em consonância com suas experiências de vida. Conforme o contexto

em que o leitor se situa e do estado de espírito, esse mesmo leitor pode demonstrar

estados de felicidade, raiva, tristeza, choro, revolta. Muitas vezes emocionamo-nos

com certas cenas de uma história e agimos como se estivéssemos situados em seu

contexto, ou indignamo-nos com as atitudes de algumas personagens, e até

encontramos soluções para os desequilíbrios apresentados na vida dessas

personagens. Isso acontece porque já possuímos uma antecipação dos fatos

através do conhecimento e da nossa vivência. Estamos de certa forma, aliando

conhecimento, emoção e experiência de vida. E também somando às nossas

experiências, outras que poderiam ser vividas para nos transformar e mudar também

o meio em que vivemos.

Quando o leitor pensa sobre determinado caso, que aquele fato não deveria

ter seguido tal caminho, mas um outro, buscando soluções menos ou mais

desastrosas, menos ou mais ridículas, menos ou mais tristes, ele está projetando

para o seu cotidiano ou vida futura, formas de raciocínio que implicarão no seu

desenvolvimento humano e social. Está também se preparando para as diferentes

reações que lhe possam ocorrer na vida real e que o farão sofrer menos. Por isso,

diz-se que a Literatura humaniza o homem.

São variadas as situações por que passam as personagens, porém mais

variadas ainda são as brechas deixadas no texto, na história, para que o leitor tire

delas o máximo proveito para a sua vida e para o seu relacionamento com o

próximo.

Ao levarmos o aluno a aprender a gostar de Literatura, oferecemos a ele um

vasto caminho para o conhecimento, para a reflexão, para o sentido do prazer, para

o enfrentamento das mazelas da vida, ampliando seus horizontes de interpretação,

de utilizar-se da contradição para poder refutar o que não lhe apraz, ou o que

redundará em prejuízo para si e para seus semelhantes. A leitura do texto literário,

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deixa-nos mais sentimentais e mais sujeitos a percepções que muitas vezes até

menosprezamos.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Básica

Língua Portuguesa, (DCE, 2008), no vigor da ditadura militar, não seria tolerada uma

prática pedagógica que visasse a despertar o espírito crítico e criador dos alunos. A

leitura literária era considerada subversiva, pois levava o sujeito à reflexão e

compreensão de si mesmo e do mundo. O espaço de tempo entre essa época e o

início da valorização e aceitação da leitura literária criou um vácuo, retardando o

reconhecimento de sua importância no contexto do ensino escolar.

As Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Básica Língua

Portuguesa (DCE, 2008), orientam no sentido de que a reflexão sobre o ensino da

Língua Portuguesa e da Literatura implica pensar as contradições, as diferenças e

os paradoxos do quadro complexo da contemporaneidade, pois o texto é um elo da

cadeia de interação social e a escola precisa trabalhar o texto literário na

peculiaridade de sua elaboração linguística e das suas significações. Ao tratar deste

assunto as DCE afirmam:

A experimentação literária torna-se assim uma exigência ética da escola. É um momento de percepção e de incorporação de um tipo de discurso ou comportamento linguístico que corresponde ao exercício pleno da liberdade criadora. Por seu acesso, o aluno conseguirá perceber e executar as possibilidades mais remotas e imprevistas a que a Língua pode remeter (DCE, 2008, p.47)

O entendimento do que seja o produto literário, está sujeito a modificações

históricas e só pode ser apreensível em suas relações dialógicas com outros textos

e sua articulação com o contexto de produção, com a ética literária, a linguagem, a

cultura, a história, a economia.

Para Antônio Cândido (Cândido, 1972) a Literatura é vista como arte que

transforma/humaniza o homem e a sociedade. A ela são atribuídas três funções: a

psicológica, a formadora e a social. A primeira, função psicológica, permite ao

homem a fuga da realidade, mergulhando num mundo de fantasias, o que lhe

possibilita momentos de reflexão, identificação e catarse. Na segunda, afirma que a

Literatura por si só faz parte da formação do sujeito, atuando como instrumento de

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educação, ao retratar realidades não relevadas pela ideologia dominante. A função

social, por sua vez, é a forma como a Literatura retrata os diversos segmentos da

sociedade, é a representação social e humana. Cândido cita o regionalismo para

exemplificar essa função. A sociedade escolhe o que em cada momento lhe parece

adequado a seus fins, pois mesmo as obras consideradas indispensáveis para a

formação do jovem trazem aquilo que muitas vezes as convenções não desejariam

acatar. Ele diz também que Literatura humaniza porque traz livremente em si o que

chamamos o bem e o que chamamos o mal, humanizando profundamente.

O texto literário só tem significado quando seus leitores compartilham de

certas atitudes, habilidades, expectativas e conhecimentos que respondem pelo

sentido literário do texto. Quanto maior a competência do leitor em providenciar

contextos relevantes para suas interpretações, mais eficiente ele será na sua

interpretação.

Em seu livro Leitura-Literatura: mais do que uma rima, menos do que uma

solução, Marisa Lajolo sugere que a leitura literária deve ser investigativa, buscando

compreender e acatar de maneira crítica todo o caminho que percorrem seus textos,

teorias e leituras e é tarefa da escola incentivar, proporcionar e acompanhar a

prática da leitura:

Se então, em vez de patrocinar, exclusivamente nesta ou naquela teoria, a prática de leitura escolar centraliza sua reflexão sobre o ato concreto de leitura em curso no espaço da sala de aula e sobre as interpretações que aí ocorrem (inclusive as decorrentes de roteiros de atividades), a leitura literária escolar pode converter-se numa prática de instauração de significados, e, com isso transforma o estudo da literatura na investigação e na vivência crítica do percurso social cumprido por seus textos, suas teorias, suas leituras (LAJOLO, 2005, p.96-97).

As competências ligadas à compreensão do texto e à satisfação que este

pode proporcionar à criança, ao jovem, são indispensáveis à formação do leitor. O

prazer de ler está acima de qualquer pretexto. Para que haja fruição o leitor tem que

se sentir à vontade no ato da leitura, e, além da compreensão, devem vir a

satisfação, o gosto, o sentimento de desfrute, a absorção, a ―degustação‖, podendo

pular o trecho que tiver vontade, saltando páginas, escolhendo o que bem lhe

convier. A Literatura é a transferência do real para o imaginário. Utilizando-se de

uma linguagem não submetida ao poder, porque não necessita de regras, a

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Literatura permite que as palavras adquiram vida própria, ela cria novas realidades,

porque é utópica. Aí então, a linguagem passa a ter sabor.

Para Roland Barthes (Barthes, 1987), ao ler um texto que nos dá prazer,

saltamos impunemente, sem que ninguém nos veja, as descrições, as explicações,

as considerações, as conversações; tornamo-nos então semelhantes a um

expectador de cabaré que subisse ao palco e apressasse o strip-tease da bailarina,

tirando-lhe rapidamente as roupas, mas dentro da ordem, isto é: respeitando, de um

lado, e precipitando, de outro, os episódios do rito (qual um padre que engolisse a

sua missa). Ainda segundo Barthes, o texto de prazer é aquele que enche, que dá

euforia, que vem da cultura, que não rompe com ela, está ligado a uma prática

confortável da leitura, já o texto de fruição, põe-nos em estado de perda,

desconforta, desestrutura as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a

consistência de seus gostos, de seus valores.

Terry Eagleton (Eagleton,1983), comenta sobre a dificuldade em definir

Literatura, uma vez que depende da maneira como cada um atribui o significado a

uma obra literária, tendo em vista que esta se concretiza na recepção. Segundo

esse teórico ―sem essa constante participação ativa do leitor, não haveria obra

literária‖.

A Estética da Recepção de Jauss e a Teoria do Efeito de Iser, são teorias

que buscam formar um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com

condições de reconhecer nas aulas de Literatura um envolvimento de subjetividades

que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está

presente na prática da leitura. A escola, portanto, deve trabalhar a Literatura em sua

dimensão estética.

Na relação entre o autor e a obra, a representação de mundo do autor

confronta-se com a representação de mundo do leitor, no ato solitário da leitura e ao

mesmo tempo dialógico. Quem lê essa obra amplia também o universo da mesma a

partir da sua vivência.

A introdução no mundo da leitura é feita de um lado, por um ato solitário,

mas por outro, há uma partilha entre o leitor e o autor-fantasma instigando o leitor,

em um permanente e tenso diálogo. E nesse diálogo é difícil saber com que

profundidade o leitor adentra o sentido do texto. É o direito à liberdade que a leitura

conquista, devido à polissemia inerente a toda e qualquer obra de literatura. Imbuído

pelos desejos, marcas sociais e culturas próprias, o leitor revolta-se, contesta a

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ordem, mesmo submetido à estrutura do texto. O lugar e o tempo de cada leitura de

uma mesma obra, movem os múltiplos sentidos que ela provoca. Um mesmo

poema, dependendo da época, do lugar e do contexto social em que foi lido, tem

significações diferentes.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Básica

Língua Portuguesa (DCE, 2008), na década de 1960, Hans Robert Jauss,

questionou os estudos relativos à história da Literatura e a função do leitor no

momento da recepção. Criticou os métodos de ensino da época, que consideravam

o texto e o autor numa perspectiva formalista e estruturalista. Com a contribuição

desses questionamentos, elaborou a Teoria da Recepção. Apresenta nela sete

teses, onde aborda a relação entre o autor e o texto, afirmando que o leitor dialoga

com a obra atualizando-a no ato da leitura, isso na primeira tese; na segunda,

destaca o saber prévio do leitor, que reage de forma individual diante da leitura,

influenciado, porém, por um contexto social. A terceira enfatiza o horizonte de

expectativas, o autor apresenta a ideia de que é possível medir o caráter artístico de

uma obra literária, tendo como referência o modo e o grau como foi recebida pelo

público nas diferentes épocas em que foi lida (distância estética). A quarta tese

aponta a relação dialógica do texto, uma vez que para o leitor, a obra constitui-se de

respostas para os seus questionamentos. Na quinta, discute o enfoque diacrônico,

que reflete sobre o contexto em que a obra foi produzida e a maneira como ela foi

recebida e (re) produzida, em diferentes momentos históricos. Trata-se do processo

histórico de recepção e produção estética. A sexta tese refere-se ao corte

sincrônico, no qual o caráter histórico da obra literária é vista no viés atual. Jauss

defende que a historicidade literária é mais bem compreendida, quando há um

trabalho conjunto do enfoque a) diacrônico com o corte b) sincrônico; a) depende da

evolução com o tempo. b) que se passa ao mesmo tempo, mesma época. Na última

tese, o caráter emancipatório da obra literária relaciona a experiência estética com a

atuação do homem em sociedade, permitindo a este, por meio de sua emancipação,

desempenhar um papel atuante no contexto social.

O texto literário permite várias interpretações, visto que é na recepção que

ele significa. No entanto, não está aberto a qualquer interpretação. O texto é

carregado de pistas/estruturas de apelo, as quais direcionam o leitor, orientando-o

para uma leitura coerente.

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Os estudiosos da escola da teoria literária, fundamentada na Estética da

Recepção, são unânimes na defesa da soberania do leitor, na recepção crítica da

obra literária, pois é uma das teorias que reúne maior consenso entre seus

seguidores.

Fundamentado na Estética da Recepção de Jauss, o Método Recepcional

criado por Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (Bordini & Aguiar,

1988), e sugerido pelas Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Básica

Língua Portuguesa - DCE, no ensino da Literatura, traz contribuições levando o leitor

a ampliar o seu horizonte de expectativas.

De conformidade com as pesquisadoras Maria da Glória Bordini e Vera

Teixeira de Aguiar (Bordini & Aguiar, 1993), a atitude receptiva se inicia com uma

aproximação entre texto e leitor, onde emergem a historicidade de ambos.

Dependendo do grau de identificação ou distanciamento do leitor em relação à obra,

surgem as possibilidades de diálogo. Ao comparar a obra emancipatória ou

conformadora com a tradição e elementos de sua cultura e de seu tempo, incluindo-

a ou não como componente de seu horizonte de expectativas, mantendo-o como

era, preparando-a para novas leituras e experiências de ruptura com os esquemas

estabelecidos, completa-se o processo de recepção. Quanto mais leituras são

acumuladas, maior é a tendência para a modificação de seus horizontes. Ainda de

acordo com essas pesquisadoras, o Método Recepcional no ensino da Literatura é

assegurado quando o aluno efetua leituras compreensivas e críticas, mostra-se

receptivo a novos textos em leituras de outrem, questionam leituras efetuadas em

relação a seu próprio horizonte cultural e consegue transformar os horizontes de

expectativas, bem como os do professor, da escola, da comunidade familiar e social.

No livro: Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas, Maria da Glória

Bordini e Vera Teixeira de Aguiar afirmam:

O processo de recepção se inicia antes mesmo do contato do leitor com o texto, pois aquele possui um horizonte que o limita, mas que pode transformar-se continuamente abrindo-se. Esse horizonte é o mundo da sua vida, com tudo o que o povoa: vivências pessoais, sócio-históricas e normas filosóficas, religiosas, estéticas, jurídicas, ideológicas, que orientam ou explicam tais vivências. [...] O texto quanto mais se distancia do que o leitor espera dele por hábito, mais altera os limites desse horizonte de expectativas, ampliando-os. [...] Se a obra distancia tanto do que é familiar que se torna irreconhecível, não se dá a aceitação e o horizonte permanece imóvel (BORDINI & AGUIAR, 1993, p.87).

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A recepção da obra privilegia as várias apreensões da mesma. Por exemplo:

O que representava a literatura de José de Alencar na época em que foi escrita? É a

ideia do relativismo histórico e cultural, que concebe a mutabilidade dos objetos bem

como da obra literária dentro do processo histórico, contra a cultura autoritária, onde

a leitura do professor é a correta. Pelo Método Recepcional, a obra muda de acordo

com as tendências sociais, a visão do mundo naquele momento. A leitura não pode

ser trabalhada com textos fechados. Deve-se quebrar o positivismo e ver a estética

de uma maneira relativa; é a compreensão do texto a partir de hoje, é tentar

compreender como a obra foi construída, isto é, o horizonte do autor.

Para Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (Bordini & Aguiar,

1993), ―texto e leitor estão mergulhados em horizontes históricos, muitas vezes

distintos e defasados, que precisam fundir-se para que a comunicação ocorra‖. É o

que Robert Jauss chama de ―horizontes de expectativas‖, significando o que o autor

quer com aquela obra e o que o leitor quer?

Existem as normas que constituem o horizonte de expectativas, através do

qual o autor e o leitor concebem e interpretam a obra, como afirma Regina

Zilberman (Zilberman, 1982), que são: intelectual, compatível com sua posição no

meio social, atingido após a educação formal; ideológico, que corresponde aos

valores dos quais não conseguem desviar-se; linguístico, que é o padrão expressivo

decorrente da educação recebida e do meio social em que percorrem, coincidindo

com a norma gramatical privilegiada; o literário, provindo das leituras feitas das suas

preferências e da oferta concedidas pela tradição, meios de comunicação e a

escola. A estes fatores são somados os de ordem afetiva que irão desencadear as

adesões ou rejeições.

No processo de recepção, como pudemos observar, são necessárias duas

etapas: a determinação do horizonte de expectativas e sua possível ampliação. Mas

as pesquisadoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar, acrescentaram

a estas, mais três etapas de maneira que o Método Recepcional de Bordini e Aguiar

fica composto da seguinte forma:

1. Determinação do horizonte de expectativas.

2. Atendimento do horizonte de expectativas.

3. Ruptura do horizonte de expectativas.

4. Questionamento do horizonte de expectativas.

5. Ampliação do horizonte de expectativas.

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Conforme o pressuposto das autoras, na primeira etapa do Método

Recepcional, o professor determina quais são os horizontes de expectativas de seus

alunos/leitores, para que se possa elaborar estratégias de ruptura e transformação

desses horizontes, considerando os valores prezados pelos alunos, seus

comportamentos, suas preferências, que podem ser detectados por conversas

informais, observação do comportamento em sala de aula, tipos de brincadeiras no

intervalo, entrevistas, questionários.

No passo seguinte, considerando dois aspectos importantes, o professor

deve atender às aspirações de seus alunos, oferecendo primeiramente, textos que

correspondam ao esperado por eles e, em seguida, organizando estratégias de

ensino que sejam de conhecimento dos alunos para acrescentar elementos novos

nas atividades desenvolvidas.

Após o atendimento dos horizontes de expectativas dos alunos/leitores, o

professor deve introduzir textos e atividades que abalem as certezas e os costumes

dos alunos, mas essa ruptura não deve dar-se em todos os elementos de uma só

vez. Aqui o professor deve oferecer condições aos alunos para que eles próprios

percebam que há algo diferente, novo, no modo de proceder. Essa ruptura deverá

acontecer de maneira equilibrada para que os alunos aceitem a experiência nova. O

professor pode, porém, continuar a temática trabalhada na etapa anterior e

promover a ruptura com esta: quanto à forma, à linguagem, o gênero e/ou

estratégias de trabalho com o texto.

Na próxima etapa, os alunos/leitores devem ser capazes de refletir sobre o

trabalho desenvolvido até o momento, comparando as etapas anteriores com a

finalidade de julgar qual delas exigiu maior grau de dificuldade e qual lhes

proporcionou maior satisfação. Atividades que exijam mais dos leitores, maior

participação e discussão são as indicadas para que esse questionamento se realize

mais adequadamente.

A última etapa resulta da reflexão feita pelos educandos. É quase que

inteiramente da responsabilidade dos próprios alunos, sendo eles que deverão ter

consciência das mudanças ocorridas em seu aprendizado sobre o ensino da

Literatura, confrontando seus anseios iniciais e os de agora. O professor deve fazer

com que os alunos/leitores tenham condições de avaliar seu próprio crescimento e

detectar o que ainda falta para ampliar seus horizontes de expectativas. Esta última

etapa no processo ativo da recepção coincide com o início de uma nova aplicação

15

do método, mas com a vantagem de poder contar com a participação dos alunos

desde o início do processo.

Fica evidente que o elemento mais importante do Método Recepcional é o

aluno leitor. Assim como ocupa lugar de destaque na Estética da Recepção, o leitor

é fator preponderante no Método Recepcional elaborado por Bordini e Aguiar, onde

partindo do próprio conhecimento dos alunos/leitores, a tendência é o

desencadeamento de um interesse maior pela leitura literária.

Dispensar a relevância que possui um método para o ensino da Literatura,

que se preocupa diretamente com os alunos/leitores para a superação das

dificuldades em ensinar e aprender Literatura nas escolas, está fora de cogitação. A

valorização da Literatura deve ser intensificada, tendo em vista sua função de formar

pessoas críticas e reflexivas, sobretudo, cidadãos capazes de discernir entre o bem

e o mal, de exercer seus direitos e deveres para a construção de uma sociedade

mais justa e mais humana.

Implementação pedagógica na escola

A Implementação Pedagógica na Escola, baseada no Projeto de Pesquisa

intitulado: “Leitura Literária: da Escola para a Vida‖ foi realizada no Colégio Estadual

Carlos Gomes Ensino Fundamental e Médio de São João do Caiuá, no período de

agosto a dezembro de 2010, através de um curso de extensão para professores

desse colégio. O curso teve a duração de 40 horas, sendo vinte e oito horas

presenciais e doze horas em atividades extraclasse, estas, preenchidas com

leituras, análises de vídeos e interpretações. A divulgação deu-se logo no início do

ano através de uma reunião informal com todos os professores, onde foi feita a

explanação sobre o PDE de um modo geral e o Projeto de Implementação

Pedagógica na Escola; seus objetivos e o porquê da escolha do tema para a

implementação. Muitos professores demonstraram interesse em participar do curso

de extensão, mas alguns foram impossibilitados pelos compromissos assumidos

para o período de realização do trabalho.

No início de junho de 2010, foi realizada uma nova divulgação, oralmente e

por escrito. Elaborou-se um Projeto sobre o curso de extensão de formação

16

continuada exigido pela coordenação do PDE da FAFIPA, instituição que certificaria

os participantes. Deu-se a propagação do respectivo cronograma e início do curso

previsto para onze de agosto. As inscrições foram realizadas em julho, e confirmada

a participação de dez professores de várias disciplinas. O curso foi ofertado aos

sábados, devido à coincidência de horário com as aulas durante a semana.

No primeiro encontro foram expostos os objetivos do curso e as informações

sobre o PDE. Após um vídeo com uma mensagem para reflexão, foi realizado um

pequeno debate sobre a importância de todas as disciplinas estarem envolvidas com

a Língua Portuguesa, especificamente a leitura.

Foi proposto às cursistas que expusessem suas expectativas em relação ao

curso onde alegaram que esperavam receber subsídios para o trabalho do dia a dia

na sala de aula; melhoria da prática pedagógica com o ensino da leitura através da

troca de experiências, aliando a teoria à prática; ideias sobre a importância da leitura

literária e principalmente, um estudo mais elaborado da teoria e da metodologia,

voltado para o incentivo à leitura e ensino de Literatura.

A seguir foram apresentadas por escrito, as expectativas das professoras

sobre o curso, onde foi ressaltada a necessidade de uma metodologia de ensino de

leitura e Literatura que as subsidiasse no incentivo à leitura.

Em seguida, foram distribuídas apostilas com a justificativa e a

problematização do Projeto de Implementação Pedagógica na Escola, realizando a

leitura e posterior discussão questionando se a nossa escola contempla o ideário de

que todos somos co-responsáveis pela linguagem e pelo ensino da língua materna

de nossos alunos. Em comum acordo, afirmaram que ―a nossa escola preconiza

parcialmente a responsabilidade pela linguagem, pelo português de nossos alunos,

pois muitos professores atribuem ainda a responsabilidade da língua somente aos

professores de Português, resultando em escassez de leitura‖.

No segundo encontro, houve questionamentos sobre o PDE e o Projeto de

Pesquisa seguidos de uma explanação sobre a Unidade Didática e seu

encaminhamento, reflexão e discussão referentes à responsabilidade de todos os

professores com a leitura. Aqui surgiu a ideia de se reativar o Projeto Jornal Escolar,

desenvolvido há alguns anos em nosso Colégio como incentivo à leitura e à

produção literária e interrompido por falta de incentivo e por dificuldades financeiras.

O terceiro encontro foi iniciado com um debate fundamentado na análise da

segunda parte da fundamentação teórica do projeto, dando ênfase à Estética da

17

Recepção de Jauss que embasa o Método Recepcional de Maria da Glória Bordini e

Vera Teixeira de Aguiar. Então assistiu-se aos vídeos: Conversando com Marisa

Lajolo, partes um e dois, em uma entrevista de professores com a escritora e

pesquisadora sobre suas experiências de leitura. Em seguida, cada professora

relatou suas experiências pessoais com a leitura, dizendo como desenvolveram o

gosto pela leitura, qual o primeiro livro literário que leram e de que forma incentivam

seus alunos a lerem.

A seguir houve a discussão de um levantamento sobre os problemas

enfrentados com a leitura na escola onde as professoras alegaram falta de clareza

nas DCEs sobre os pressupostos teóricos, inclusive de um direcionamento mais

objetivo no trabalho com o Método Recepcional, ocasionando certa rejeição no

trabalho com o método. Mencionaram também o não incentivo à leitura por parte da

família; carência de capacitação para o bibliotecário; biblioteca indisponível em

alguns períodos; professores não leitores por não terem sido incentivados enquanto

educandos e também uma certa resistência de alguns professores de outras áreas a

assumirem o seu papel de responsáveis pela formação de leitores. Citaram ainda

outros aspectos como: défice de conhecimento teórico-prático do Método

Recepcional e escassez de tempo para um estudo mais aprofundado e preparo das

aulas.

Quanto aos gêneros, os professores disseram trabalhar mais com poemas,

contos, romances, receitas, crônicas e cartas. Afirmaram que ao questionarem seus

alunos sobre os temas preferidos para a leitura, a maioria optou por: mulher, amor,

sexualidade, namoro, violência. As meninas demonstraram mais sensibilidade do

que os meninos na escolha dos temas.

A seguir foi realizada uma dinâmica culminando com a produção de slogans

e elaboração de cartazes de incentivo à leitura que foram expostos no pátio do

Colégio.

No quarto encontro deu-se continuidade à discussão sobre a Estética da

Recepção de Jauss e a metodologia de Bordini e Aguiar, com colocações

individuais, baseando-se na leitura e reflexão das DCE de Língua Portuguesa.

Relacionando os pressupostos teóricos do projeto de pesquisa com a

fundamentação teórica do projeto de implementação, enfatizando a

justificativa,discutiu-se por que formar alunos leitores. Foi realizado um breve

comentário diferenciando o texto literário do não literário.

18

Deste ponto em diante, desenvolveu-se o trabalho através do Método

Recepcional de Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar.

Na primeira etapa, Determinação do Horizonte de Expectativas, como o

primeiro passo é a sondagem da turma a ser trabalhada, ficou a cargo das

professoras que estavam atuando no Ensino Médio. A partir daí, a série hipotética foi

de um segundo ano, representado pelas cursistas. Foram distribuídos textos como

recortes de romances, poesias e letras de música, versando sobre os temas: amor,

mulher e violência; optou-se pelo tema mulher, por ter provocado maior atração ao

grupo.

Foi organizada uma sessão livre de leitura, onde cada participante escolheu

um texto que despertou maior interesse. Observou-se, durante essa leitura, os

comentários e reações das cursistas a respeito do tema. Em seguida, houve um

debate informal referindo-se à escolha do tema ―mulher‖ para o trabalho com o

grupo, dentro do Método Recepcional, onde foram ouvidas várias versões sobre a

importância do tema a ser trabalhado na Literatura. Assistiram à entrevista feita por

Jô Soares com Salma Ferraz, a autora do livro: “Dicionário Machista‖. Foi feita a

análise da entrevista, bem como comentários das citações mencionadas nessa

entrevista.

Como atividade complementar, foi sugerida a leitura e análise de um slide

que relata a situação das mulheres palestinas, onde desde criança são entregues ao

casamento pelas próprias famílias.

No quinto encontro desenvolveu-se a segunda etapa do método, o

Atendimento do Horizonte de Expectativas, momento em que foi realizada uma

atividade de maneira lúdica. Foram distribuídas outras citações do Dicionário

Machista em forma de tiras que foram lidas para o grupo pelos cursistas. Houve o

questionamento sobre o que acharam dessas citações. A classe foi dividida em

quatro grupos, que escolheram uma citação e registraram um comentário por grupo.

Em seguida discutiu-se o vídeo a que assistiram como atividade extraclasse, com o

tema ―mulher‖, demonstrando a situação das mulheres muçulmanas, desde a

infância em que as mesmas são conduzidas ao casamento oficial a partir dos quatro

anos de idade, ao qual fizeram comentários considerando que, além de uma forte

agressão à condição feminina, ferem os princípios que envolvem a criança,

constituindo-se em grave crime de pedofilia.

19

Após essa discussão, foram distribuídos os textos: ―Jacó encontra-se com

Raquel‖, do Gênesis e a letra da música ―Mulheres de Atenas‖ de Chico Buarque. O

tema de ―Mulheres de Atenas‖ gerou uma boa discussão entre os participantes,

chegando ao ponto de algumas cursistas declararem nunca terem analisado a letra

da música pelo lado que interpretaram nesse momento. A seguir, assistiram aos

vídeos-clipes de Mulheres de Atenas e Geni e o Zepelin, de Chico Buarque de

Holanda. Houve o seguinte questionamento sobre os textos: A linguagem é

complicada para a compreensão? Qual texto despertou maior interesse? Por quê?

Você conhece casos de mulheres que viveram essa mesma situação? Identificou as

personagens com alguém que você conhece? O que possuem em comum essas

personagens? Hoje ainda existem mulheres vivendo essa mesma situação? O que

você diria a uma amiga que estaria vivenciando a mesma situação das personagens

de Mulheres de Atenas? Que mensagem o autor pretendeu passar? Seria ele

machista? Responderam que ―a linguagem não é difícil para a compreensão, que

mesmo diante da liberdade de hoje existem mulheres na mesma situação que as

personagens de Mulheres de Atenas, submissas ao marido ou pai, seja por

comodismo, pressão, falta de oportunidade ou pela cultura imposta na sua região‖.

Disseram ainda que, a uma amiga na mesma situação da personagem, pediriam

para acordar, que não estamos mais vivendo no século passado. Quanto à

interpretação, não consideram o compositor de Mulheres de Atenas, machista, e sim

que ele procura mostrar a realidade vivida na Grécia, alertando as mulheres de hoje

para que não sejam iguais.

Depois foram distribuídos os textos: ―Todas as Vidas‖, de Cora Coralina, ―O

Retrato‖, de Cecília Meireles e ―Ana Luiza‖, de Olga Pestana. Dividiu-se o grupo em

três subgrupos e os poemas foram lidos em forma de jogral. Em seguida, houve o

questionamento sobre o grau de dificuldade da linguagem e a relação do tema

destes com o dos textos anteriores.

No sexto encontro realizou-se a terceira etapa do método, a Ruptura do

Horizonte de Expectativas, que teve início com a distribuição do excerto do romance:

Inocência, de Visconde de Taunay. Uma cursista fez a leitura e responderam em

seguida questões sobre a personalidade da personagem Inocência: suas atitudes,

ações e reações no texto e também as atitudes do pai em relação à mulher e aos

costumes da época. Após, leram o excerto do romance: ―Senhora‖, de José de

Alencar. O excerto retrata a personagem Aurélia, mulher bonita, de origem humilde e

20

órfã de pai, que foi rejeitada pelo namorado por causa de um dote. Surge daí uma

nova mulher que dá a volta por cima. Aqui, algumas cursistas fizeram referências a

seus conhecimentos prévios, comentando sobre a novela baseada neste romance. A

personagem Aurélia, foi elogiada pelo seu posicionamento, ações e reações e pelo

seu comportamento frente às atitudes de seu marido. Em seguida, foi feita a leitura

do excerto do romance ―O Cortiço‖, de Aluísio Azevedo, tecendo um diagnóstico

sobre a situação da mulher, e algumas cursistas alegaram ser a personagem Rita

Baiana uma mulher bondosa, corajosa, determinada e ao mesmo tempo, sensual e

provocadora de desejos e de intrigas. Houve aqui um pequeno debate sobre a

questão: ―O que essas mulheres apresentam em comum?‖ As respostas, de forma

argumentativa foram entregues por escrito para posterior avaliação.

Na sequência, enfatizando sempre o processo de leitura e interpretação, e

sempre se questionando de que maneira poderíamos levar o aluno à leitura por

prazer sem pressão, surgiu entre as participantes, a ideia de se fundar um ―Clube de

Leitura‖, onde seus componentes (alunos, professores e funcionários) pudessem

encontrar-se e discutir sobre um conto ou romance previamente selecionado para

leitura e debate. Neste momento houve o questionamento resultante de leitura

realizada por uma das alunas em atividades extras, que fez a seguinte colocação:

brasileiros leem pouco e escrevem mal. O que está faltando? Então surgiu um

debate culminando com a atividade onde cada grupo produziu uma frase explicando

qual o papel e a importância que a leitura tem em sua vida. Foi feita a troca de

frases e atividade de modo que todos ficaram com uma frase que não fosse a sua,

lendo a do outro e tecendo seu próprio comentário. Chegou-se a um consenso nesta

etapa de que toda e qualquer atividade de leitura deve ser planejada fazendo com

que o educando parta por meio desta atividade em busca de outras mais complexas,

conduzindo-se para a leitura literária plena.

Como atividade complementar foi solicitada a pesquisa de um texto com

base na frase da colega, concordando ou não com o que ela escreveu.

Foram elaborados e expostos cartazes com um paralelo entre as

personagens: Inocência, Aurélia e Rita Baiana, onde destacaram a beleza de Aurélia

e a sua determinação; a submissão de Inocência e a ousadia e determinação de

Rita Baiana.

No sétimo encontro, foi desenvolvida a quarta etapa do método, o

Questionamento do Horizonte de Expectativas, momento em que foram retomadas

21

as leituras dos textos anteriores e analisados quanto à linguagem empregada,

intenções do autor (quando as personagens são dotadas de atitudes inovadoras e

emancipatórias ou preconceituosas e conservadoras). Através desta análise e

debate, comparando com as leituras anteriores, chegou-se à conclusão de que até

aqui os textos que exigiram maior reflexão foram: ―Senhora‖, de José de Alencar e

―Mulheres de Atenas‖, de Chico Buarque. Mulheres de Atenas, mesmo sendo letra

de música, foi considerado um texto de alta reflexão, passível de interpretações

divergentes.

Este debate foi frutífero, caracterizando-se com um índice alto de

produtividade. E, apesar de ter acontecido entre professoras, permitiu que

tivéssemos noção de como se comportariam os alunos da classe hipotética para a

qual o projeto foi direcionado.

Na sequência, partiu-se para a última etapa do método, que é a Ampliação

do Horizonte de Expectativas.

A ampliação do horizonte de expectativas é o resultado da reflexão anterior.

Os alunos devem ter consciência das mudanças ocorridas. Eles serão desafiados

para leituras de obras esteticamente mais elaboradas. Para isso foram trabalhados

os contos de Lygia Fagundes Telles. A autora trabalha com as partes mais delicadas

da condição humana, apresentando seus personagens cínicos, amargos e cruéis.

Morte, loucura, passado irreversível são seus temas mais frequentes, envolvendo na

maioria das vezes personagens femininas, mulheres envolvidas em tramas

amorosas que as levam por caminhos de amargura, sofrimento, solidão,

arrependimento, lembranças e saudades, emancipação feminina e as

consequências desta condição. É o cotidiano da mulher em um sistema em que

ainda permanece a submissão, apesar dessa emancipação banalizada. Enfatiza em

sua obra as relações sociais, especialmente amorosas e familiares. Suas narrativas

são agitadas, suas histórias ou nos assustam ou nos surpreendem, as personagens

contam sua própria história, os diálogos são cuidadosamente articulados e

sinalizados com finais em aberto para instigar a imaginação do leitor. Suas

narrativas não são comuns, com começo, meio e fim, como na maioria dos contos.

Jamais se aproxima da cultura descartável. Mesmo colocando todas as mazelas que

perpassam o ser humano, há implícito em sua obra um fundo de otimismo, querendo

demonstrar que as coisas ainda podem ter concerto quando se busca o outro lado

da vida.

22

Dividiu-se a turma em quatro grupos e foram distribuídos os contos: ―Pomba

Enamorada ou uma História de Amor‖, para um grupo, ―Venha Ver o Pôr-do-Sol”

para outro, ―Apenas um Saxofone‖ para outro e, ―A Confissão de Leontina‖ ao quarto

grupo, para que realizassem a leitura desses contos em atividades extraclasse,

como complemento da carga horária do curso.

O conto ―Pomba Enamorada ou uma História de Amor‖, conta a história de

uma moça que se apaixonou por um rapaz chamado Antenor. A personagem deste

conto cujo nome não é revelado, assina sempre como Pomba Enamorada ou P.E. É

uma mulher apaixonada, obsessiva, mas bobalhona sem perspicácia, fraca de

espírito, pois confunde gentileza com interesse e tenta até o suicídio. Além de tudo é

muito supersticiosa, acreditando em tudo o que lhe ensinam para conquistar o

homem que ama: magias, simpatias, horóscopos e macumbas, enquanto que ele

não acredita em nada. A sua persistência faz com que este homem que ela busca,

que corre atrás, torne-se para ela cada vez mais agressivo, grosseiro e intolerante.

Ela se apaixona ainda na adolescência por Antenor, essa pessoa grosseira e

ríspida. Foi assim que ela seguiu atrás dele. Telefonava até ele dizer que se

quisesse algo, ele mesmo ligaria; mandava presentes feitos por ela, e também

cartas assinadas como Pomba Enamorada. Tentou macumbas e nada conseguiu.

Quando soube que ele ia se casar, desmaiou, depois mandou um presente

desejando felicidades. Tomou soda cáustica... Com o passar do tempo, diz-se

amadurecida e que não iria mais incomodá-lo, porém continua escrevendo cartas, e

mesmo na noite de núpcias não esquece Antenor, inclusive escreve contando o seu

casamento com Gilvan e até envia notícia de seus filhos. Com filho já casado, vai à

cartomante e esta depois da previsão, aconselha-a que vá à rodoviária onde iria

aparecer um grande amor para entregar-se a ela. Ela acaba indo ao terminal com a

certeza de encontrar Antenor.

O conto ―Venha ver o pôr-do-sol‖, apresenta Raquel, uma mulher ingênua,

leviana, ambiciosa e medrosa, que mesmo depois do rompimento do namoro com

Ricardo e tendo outro relacionamento com um homem rico, aceita o convite para um

reencontro que ele marca em um local nada adequado: o cemitério. Raquel vai

relutando, tentando desvencilhar-se, chamando-o para irem embora, mas ele a

envolve com muita conversa e a conduz até o jazigo, dizendo que era de sua família.

Ricardo não passa de um psicopata, que, abandonado por Raquel, sente-se

humilhado e decide acabar com a vida dela de um modo macabro: trancando-a em

23

um jazigo onde ninguém ouviria seu pedido de socorro. Trata-se de um problema

recorrente em nossa sociedade: a violência contra a mulher, provocada por ex-

companheiros inconformados com o término do relacionamento.

No conto ―Apenas um Saxofone‖, a autora apresenta uma mulher, Luisiana

— assim ele a chamava — velha e rica, dizendo-se ―uma puta erudita‖, fechada em

seu mundo, solitária, fútil, infeliz, emotiva, bêbada, que chorava facilmente. Apesar

de possuir o que sonham muitas mulheres, como joias, tapetes, mansão; um velho

rico que a sustentava e lhe cobria de luxo; um jovem que lhe dava prazer e um

professor de filosofia, que também a levava para a cama, ela não conseguia ser

feliz. Vivia na solidão e na triste lembrança de um tempo em que amou e

chantageou um homem pobre —Xenofonte — assim ela o chamava. Desmantelado,

mas caprichoso com o seu saxofone, atendia todos os desejos de Luisiana, apesar

de pobre, chegando ao ponto de varar noites e noites tocando para conseguir

satisfazer os caprichos da amada. Ele tocava com paixão o saxofone para mantê-la.

Ela exigia tanto de Xenofonte, ao ponto de pedir-lhe que morresse por ela. Mas o

presente a machuca, as feridas doem e por mais que tenha conseguido da vida,

encontra-se desprezada e sozinha. É ciente de que pode ter o dinheiro para comprar

tudo e mesmo realizar muitas plásticas, mas a sua juventude não volta. Saudosa,

lamenta o tempo em que pensava ser a riqueza a sua felicidade, ―despachando‖ o

saxofonista. Desfia então, os objetos preciosos que gostaria que fossem trocados

por uma música do saxofone.

Este conto representa a solidão, o arrependimento, o medo e o abandono. A

personagem faz uma ―viagem‖ ao seu interior, refletindo sobre sua vida, sobre seu

passado, desprezando o conforto, o luxo em que vive, valorizando a juventude e

menosprezando tudo o que é considerado de valor pela sociedade.

Em ―A Confissão de Leontina‖, a autora narra o drama de Leontina, menina

pobre, filha de uma lavadeira e órfã. Nascida em uma cidade pequena, vive

imaginando como seria o seu pai. Preterida, pois a atenção materna é voltada para

seu primo Pedro, criado como irmão. Sofre as agruras da pobreza e também do

desprezo, pois sua mãe dedicava-se totalmente ao sobrinho, esperando retorno

quando ele se formasse médico. Leontina fica à mercê da sorte. E esta não

permanece a seu lado. Mais tarde, perde a mãe, a seguir a irmãzinha e a cachorra,

e seu primo a abandona. Foge para a cidade grande. Semi-analfabeta, vai trabalhar

como dançarina de aluguel. Sofre tudo quanto é tipo de amarguras e desilusões da

24

cidade grande, indo parar em uma penitenciária de onde narra toda a sua trajetória.

Dançarina de aluguel, prostituta, seria também assassina?... Seu desabafo seria

mais que uma confissão, onde não encontra voz nem vez para se defender como

ser humano. Pobre e inculta, mal sabe ler e escrever, reclama por não ter em quem

confiar na cidade grande. Lembra do primo que a desprezou depois de formado e

faz de tudo para esquecer seu passado pobre, da irmã criada ali como um vegetal,

das perdas, da mulher perversa com quem trabalhou como empregada levada por

um padre, onde era tratada como animal; do primeiro ―amor‖ de sua vida, já como

dançarina de aluguel, o Rogério, marinheiro, que lhe ensinou hábitos de higiene,

com quem ela se ―perdeu‖ e que não permaneceu a seu lado por não conseguir

prender-se a mulher alguma; do seu primeiro vestido, aquele que vestiria sua mãe

para enterrá-la e que foi deixado como herança, lembra de seus outros ―amores‖.

Tinha esperança de encontrar alguém que a levasse dali, que mudasse sua vida.

Ela decai e em uma pensão lotada de artistas de circo conhece Rubi e passa a

trabalhar em ―inferninhos‖ onde ―nunca dizia ―não‖ pro freguês‖. É tentada ainda a se

aproximar do primo médico e este lhe vira as costas mais uma vez. Ao admirar um

vestido em uma vitrine, é assediada por um velho rico que lhe compra o vestido

cobiçado. Ele percebe que Leontina não sente a atração que esperava dela e a

agride violentamente. Vendo que ia ser morta, Leontina apodera-se de um ferro

tentando defender-se. Parte dali para a loja onde deixara seu vestido velho e

encontra a polícia. É reconhecida pela vendedora.

A linguagem deste conto é bem descontraída e esteticamente inovadora,

aproximando-se da fala, parecida com a que se usa no dia-a-dia, coerente com a

pessoa marginalizada, em situação degradante. Narra a história de uma prostituta

acusada de assassinato, descrevendo tudo o que aconteceu com ela desde sua

infância até a chegada na cadeia. É o retrato falado da condição humana de milhões

de pessoas, humilhadas, privadas de seus direitos básicos. É a descrição fiel de

muitas mulheres brasileiras.

Cada grupo, após a leitura e discussão do conto recebido, elaborou a

personificação da personagem feminina. Como esses contos de Lygia Fagundes

Telles são histórias longas, foi solicitada a leitura dos mesmos como atividade

extraclasse, um conto por grupo, e no encontro seguinte cada grupo selecionou um

excerto para ser representado.

25

No oitavo encontro, foram relidos os contos de Lygia Fagundes Telles, que

são leituras esteticamente mais elaboradas. Foram feitos comentários sobre a

autora e seu estilo machadiano de escrever, com suas obras que ora nos

surpreendem, ora nos assustam. Para a representação, o grupo foi subdividido em

quatro subgrupos, onde cada um analisou um destes contos. Depois de elaborada a

personificação da personagem feminina de cada conto houve a apresentação ao

grande grupo. Cada grupo registrou por escrito as constatações a respeito de cada

representação. Ao invés da paródia musical planejada, deu-se preferência à

exposição da análise de cada personagem em cartazes, bem como um comentário

sobre o estilo da escritora que foram expostos no pátio do Colégio, juntamente com

frases de impacto de forma a atrair a comunidade escolar para sua leitura.

A reflexão final foi bastante produtiva, tanto no aspecto de relevância da

leitura e mais ainda no encaminhamento que levou à análise da situação da mulher

no contexto nacional e internacional, chegando à conscientização de que as

histórias apresentadas pelos autores, conforme o grupo que lê e de acordo com a

época, são suscetíveis de transformações.

A representação anterior levou à constatação de que a diferença entre

problemas e comportamentos das mulheres das histórias está relacionada à sua

posição social, e também apresentou um panorama de como a mulher é vista

socialmente em cada época da história da humanidade. Cada grupo registrou por

escrito essas constatações. Essas anotações foram mostradas ao professor para

verificar a aprendizagem e a argumentação sobre o tema.

Desta forma, proporcionou-se uma reflexão sobre a situação problemática

em que vive a mulher desde os tempos mais remotos, até hoje ainda, quando muitas

são subjugadas, humilhadas e submetidas a condições de desigualdade em relação

aos homens, bem como a violência contra a mulher, presumivelmente já banalizada

na atualidade. Criou-se também a oportunidade de reflexão e análise das mudanças

pelas quais estão passando as mulheres, tornando-se independentes e

determinadas, caminhando rumo à sua ascensão humana, econômica, política e

social. E também com essa dinâmica de leitura, o professor aluno percebeu-se como

sujeito de uma leitura criadora, emancipadora, conscientizando-se de que as

histórias apresentadas pelos autores, conforme o grupo que lê e dependendo do

interesse de cada época, são suscetíveis de transformações.

26

Conclusão

O processo de leitura exige dos profissionais da Educação um compromisso

desmedido na busca em despertar o interesse do educando, pois da habilidade da

leitura aliada ao letramento, depende o sucesso ou o fracasso do aluno em todas as

disciplinas. E é obrigação da escola proporcionar essa qualificação.

Conclui-se dessa forma, que o programa de Desenvolvimento Educacional

— PDE, está fazendo a sua parte, porque oferta aos professores a qualificação

necessária ao bom desempenho de sua função profissional.

Neste período de participação no PDE 2009/2010, pudemos constatar que

as ações desenvolvidas foram condizentes com as necessidades mais prementes

dos professores, com cursos ministrados por profissionais de alto gabarito, que

esclareceram dúvidas, apontando meios para a busca de soluções dos mais

variados problemas relacionados à educação e proporcionando trocas de

experiências válidas pra o bom desempenho no ensino. Tanto na parte presencial,

com cursos gerais e específicos, nos encontros e acompanhamento pelos

professores orientadores, quanto nos cursos à distância, exemplificando com o

GTR- Grupo de Trabalho em Rede, intensificando a interatividade em cada

disciplina. Em todos esses momentos foram ofertadas orientações bem proveitosas,

ampliando o conhecimento e elevando a autoestima para continuarmos no

aprimoramento de nosso trabalho com o ensino, objetivando o aumento da

qualidade do ensino.

O ponto culminante desse programa, foi com certeza a Implementação

Pedagógica na Escola, que além da reflexão dos professores e demais profissionais

da educação, procurou enfatizar o trabalho com o aluno.

O curso de extensão ministrado aos professores do Colégio Carlos Gomes -

EFM de São João do Caiuá, PR, fundamentado no projeto de pesquisa com o título:

Leitura Literária: da Escola para a Vida, e tema: Metodologia do Ensino da

Literatura, proporcionou às professoras participantes um apoio com propostas

alternativas estimuladoras para o incentivo à leitura e à Literatura. Apesar de a

implementação ter sido desenvolvida com educadoras, a finalidade maior foi atingir

os alunos, o que pudemos constatar logo após o término do curso. O Método

Recepcional de Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar, empregado no

27

curso, foi fundamental no processo de estímulo ao seu emprego em sala de aula.

Temos como exemplo, dentre outros, um excerto do texto produzido pela aluna

Susane Closs da Silva, do segundo ano do Ensino Médio. A aluna não se conteve

somente com as leituras dos excertos de romances e contos oferecidos pela

professora Sandra Smecelato, de Língua Portuguesa, ao desenvolver o Método

Recepcional com o tema ―mulher‖, na semana do Dia Internacional da Mulher e foi

muito além. Para produzir seu texto, buscou através de outras leituras e pesquisas,

conhecer a vida das mulheres que fizeram história em nosso país. Reproduzimos

aqui o excerto do seu texto argumentativo, elaborado após o trabalho de exposição

em sala de aula: “[...] Em Atenas, por exemplo, as mulheres não eram

consideradas nem cidadãs, não podiam trabalhar fora de casa, cuidavam da

educação dos filhos e do serviço doméstico. [...] Atualmente, as mulheres

puseram-se em vários setores, temos a exemplo disso a atual presidente,

Dilma Rousself, isso foi uma grande conquista [...]. Além disso, temos também

em nosso país outros exemplos de mulheres que se destacam na política, na

arte, na televisão, na música e na literatura, mostrando que são capazes e

dignas de ocuparem tais cargos. São exemplos disso: Martha Suplicy, Hebe

Camargo, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Tarsila do Amaral, Zilda Arns,

entre outras. […]

Da mesma forma, a professora Marluci Pertenelli Mariusso, de Língua

Portuguesa, trabalhou com o terceiro ano do Ensino Médio, empregando o Método

Recepcional. Segundo ela, o tema ―mulher‖, gerou grande interesse na participação

das leituras e nos debates, tendo como resultado a elaboração de textos

argumentativos, dos quais reproduzimos o excerto do texto escrito pela aluna Keila

de Souza Chaves: “Sem dúvida nenhuma as mulheres estão dominando o

mundo [...] tornando-se independentes e menos submissas. Suas conquistas

são visíveis e têm incomodado muito o mundo machista.[...] É necessário

frisar também que suas conquistas foram relevantes, dominando o espaço que

era digno apenas dos homens. […]. Portanto, hoje as mulheres, menos

submissas, lutam pelos seus direitos e se tornam independentes, sendo

consideradas mais eficientes, cuidadosas e caprichosas. Seu desempenho é

muito melhor do que dos homens e com uma incomparável diferença: tudo

isso em salto alto.”

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Percebemos através dessas produções que houve interesse na aplicação do

método. E como se constata pelas produções, foram realizadas várias leituras sobre

o mesmo tema. De acordo com o relato das professoras, o tema gerou discussões

surpreendentes, especificamente quando foram comparadas as personalidades

femininas de cada época e o preconceito dos homens em relação às mulheres,

expresso nas citações do Dicionário Machista de Salma Ferraz.

De acordo com as professoras é necessário que o método não fique só no

papel e que todos os professores da área deveriam propor-se a utilizá-lo. Mesmo

que no início o professor encontre alguma dificuldade, à medida que vai sendo

desenvolvido, a motivação dos alunos os levará a adotá-lo com frequência e

entusiasmo.

Assim sendo, podemos afirmar que o trabalho do PDE proporcionou

estímulos, desencadeou curiosidades pela pesquisa, pelo conhecimento e mais

ainda, pelo interesse dos professores em transformar a sua prática pedagógica em

benefício do educando, da escola e da sociedade, ou seja, de libertarem-se de uma

cultura estática e defasada para atingir a cultura da transformação.

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