Da sentença de Atouguia (1307) ao regimento de Tomé de Sousa ...

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História (São Paulo) História (São Paulo) v.34, n.1, p. 128-147, jan./jun. 2015 ISSN 1980-4369 128 http://dx.doi.org/10.1590/1980-436920150001000036 Da sentença de Atouguia (1307) ao regimento de Tomé de Sousa para o Brasil (1548): semelhanças e novidades nas relações entre o poder régio e senhorial em Portugal From the sentence of Atouguia (1307) to the rule of Sousa Thomas for Brazil (1548): similarities and differences in the relations between the royal power and the feudal system in Portugal ________________________________________________________________________________ Armando MARTINS Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Sócio de Número da Academia Portuguesa da História Contato: [email protected] Resumo: Esta breve comunicação tem por objetivo estabelecer semelhanças e diferenças entre dois momentos e dois processos de “senhorialização” e “centralização do poder régio” em espaços geográficos muito distantes: um, no já bem definido território europeu do reino de Portugal, no tempo de D. Dinis; outro, no espaço imenso e indefinido do Brasil recém descoberto, na época de D. João III. A comparação é delicada (e mesmo discutível) se não se tiver em conta que são séculos diferentes, espaços geográficos díspares e decorre de textos de duas instâncias jurídicas e políticas desiguais: uma sentença judicial e um regimento de governo. Por outro lado, o texto visa avaliar até que ponto é pertinente a expressão Idade Média brasileira (1521-1580), dada como título a um dos volumes da conhecida História da Colonização Portuguesa do Brasil, coordenada por Carlos Malheiro Dias e editada entre 1921-1924 para comemorar em Portugal e no Brasil o primeiro centenário da independência da antiga colónia. Comparando os tipos de regime económico, os modelos de sociedade senhorial e as formas de articulação com o poder régio, chama-se a atenção para a falta de estudos de carácter económico e social de que aquela história enferma e que é uma das suas maiores lacunas. Finalmente, pretende-se fazer um apelo à leitura crítica de uma obra monumental (se bem que incompleta) da historiografia da Expansão portuguesa, relativamente ostracizada e esquecida, mas que, paradoxalmente, é bastante utilizada e citada não se ocultando totalmente a discrição com que se faz serventia da riqueza da documentação transcrita nos seus apêndices e de algumas das suas sínteses. Palavras-chave: Centralização régia; senhorio feudal; capitania-donataria; sesmaria; carta de doação; foral; transporte do Estado. Abstract: The purpose of this short communication is to establish the similarities and differences between two periods and two processes of “senhorialização (aristrocratization)” and “centralização do poder régio (centralization of royal power)” in disparate geographic territories: one, the already well-established European territory of the Portuguese Kingdom in the time of D. Dinis; the other, the vast and undefined space of the recently discovered Brazil in the time of King John III. The comparison is an insignificant (and even debatable) one, until we take into account the differences in centuries, the disparate geographic areas, and the fact that it arises from two unequal legal and political practices: a court ruling and a government ruling. Meanwhile, the text also analyzes the relevance of the expression Idade Média brasileira The Brazilian Middle Ages (1520-1580),

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História (São Paulo) v.34, n.1, p. 128-147, jan./jun. 2015 ISSN 1980-4369 128

http://dx.doi.org/10.1590/1980-436920150001000036

Da sentença de Atouguia (1307) ao regimento de Tomé de Sousa para o Brasil (1548):

semelhanças e novidades nas relações entre o poder régio e senhorial em Portugal

From the sentence of Atouguia (1307) to the rule of Sousa Thomas for Brazil (1548): similarities

and differences in the relations between the royal power and the feudal system in Portugal

________________________________________________________________________________

Armando MARTINS

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Sócio de Número da Academia Portuguesa da História

Contato: [email protected]

Resumo: Esta breve comunicação tem por objetivo estabelecer semelhanças e diferenças entre dois

momentos e dois processos de “senhorialização” e “centralização do poder régio” em espaços

geográficos muito distantes: um, no já bem definido território europeu do reino de Portugal, no

tempo de D. Dinis; outro, no espaço imenso e indefinido do Brasil recém descoberto, na época de

D. João III. A comparação é delicada (e mesmo discutível) se não se tiver em conta que são séculos

diferentes, espaços geográficos díspares e decorre de textos de duas instâncias jurídicas e políticas

desiguais: uma sentença judicial e um regimento de governo. Por outro lado, o texto visa avaliar até

que ponto é pertinente a expressão Idade Média brasileira (1521-1580), dada como título a um dos

volumes da conhecida História da Colonização Portuguesa do Brasil, coordenada por Carlos

Malheiro Dias e editada entre 1921-1924 para comemorar em Portugal e no Brasil o primeiro

centenário da independência da antiga colónia. Comparando os tipos de regime económico, os

modelos de sociedade senhorial e as formas de articulação com o poder régio, chama-se a atenção

para a falta de estudos de carácter económico e social de que aquela história enferma e que é uma

das suas maiores lacunas. Finalmente, pretende-se fazer um apelo à leitura crítica de uma obra

monumental (se bem que incompleta) da historiografia da Expansão portuguesa, relativamente

ostracizada e esquecida, mas que, paradoxalmente, é bastante utilizada e citada não se ocultando

totalmente a discrição com que se faz serventia da riqueza da documentação transcrita nos seus

apêndices e de algumas das suas sínteses.

Palavras-chave: Centralização régia; senhorio feudal; capitania-donataria; sesmaria; carta de

doação; foral; transporte do Estado.

Abstract: The purpose of this short communication is to establish the similarities and differences

between two periods and two processes of “senhorialização (aristrocratization)” and “centralização

do poder régio (centralization of royal power)” in disparate geographic territories: one, the already

well-established European territory of the Portuguese Kingdom in the time of D. Dinis; the other,

the vast and undefined space of the recently discovered Brazil in the time of King John III. The

comparison is an insignificant (and even debatable) one, until we take into account the differences

in centuries, the disparate geographic areas, and the fact that it arises from two unequal legal and

political practices: a court ruling and a government ruling. Meanwhile, the text also analyzes the

relevance of the expression Idade Média brasileira – The Brazilian Middle Ages (1520-1580),

Armando Martins

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which was the title of one of the volumes of the well-known História da Colonização Portuguesa

do Brasil, coordinated by Carlos Malheiro Dias and edited between 1921 to 1924 to commemorate

the first centennial of the independence from the old colony, in Portugal and Brazil. Comparing the

kinds of economic systems, the aristocracy models of society and the forms of articulation with the

royal power, it is clear that there is a lack of economic and social research on that sad history, and

that this is one of its main gaps. Finally, this paper calls for a critical reading of a monumental

(albeit incomplete) work on the historiography of the Portuguese Expansion, relatively ostracized

and forgotten, but which, paradoxically, is widely used and cited, not completely hiding the

discretion with which it makes use of the wealth of documentation transcribed in its appendices and

in some of its summaries.

Keywords: Royal centralization; feudal lordship; captaincy-donatary; sesmaria; letter of donation;

charter; State transportation.

A muito conhecida História da Colonização Portuguesa do Brasil, publicada no início dos

anos vinte do século passado, em edição monumental, comemorativa do primeiro centenário da

independência da antiga colónia portuguesa, dá por título ao seu terceiro volume A Idade Média

Brasileira (1521-1580) (MALHEIRO DIAS; VASCONCELOS; ROQUE GAMEIRO, 1924).1 Com

efeito, olhando a designação de alguns longos capítulos como o IV e VI, A solução tradicional da

colonização do Brasil, O regime feudal das donatárias, logo nos apercebemos como é essa a

perspectiva que a estrutura.2 Para os colaboradores desta obra colectiva era ponto assente que a

Idade Média portuguesa se prolongava no Brasil desde que, com D. João III (1521-1557) começou

a sua colonização sistemática até ao final da dinastia de Avis. Mais explicitamente referem um

deles: “O sistema de colonização por donatárias apresentava-se como uma inteligente e fecunda

adaptação de bens da Coroa, que eram para nós tão frequentes e representavam, até certo ponto, um

equivalente das concessões feudais”. Depois advertem: “No tempo das donatárias brasileiras,

achava-se já definitivamente consolidada na metrópole a política de centralização” (MERÊA, 1924,

p. 167 e 171).

Aguçado pela curiosidade daquela denominação, Idade Média Brasileira, e desejoso de

saber até onde a ousadia do título era pertinente – recentemente um historiador chamou-lhe mera

fantasia medieval (RAMOS, 2000, p. 133) –, parti, através de “escritos e imagens”, colhidos na

nossa documentação, a procurar esse paralelo pelo “transporte do Estado” para o mundo tropical,

neste outro lado do Atlântico, observando como na defesa, povoamento e administração do

território, o percurso do poder régio também se teria auxiliado do poder senhorial e, progressiva e

calculadamente, aquele também o teria controlado ou reforçado, para depois o cercear e mais tarde

o dispensar. Ousei assim avançar para um contexto e uma problemática que, para mim, já não

caberiam no conceito nem na estrita cronologia da nossa medievalidade.

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Escolhi para esse efeito a observação de dois momentos distintos: o episódio do processo de

acompanhamento pela Coroa do senhorio de Atouguia na Estremadura portuguesa, não longe de

Lisboa, desde as suas origens no século XII, até aos princípios do século XIV em que foi

reivindicado e, por decisão de tribunal, passou para a Coroa. E o episódio do acompanhamento pela

Administração central das capitanias brasileiras, na primeira metade do século XVI, desde a sua

criação até à instauração do Governo-Geral que, não as abolindo, as federava, lhes diminuía os

poderes senhoriais e as fiscalizava, embora de forma diferenciada, assentando numa delas a sede do

governo ou sua capital.

É para mim claro que são dois momentos paralelos, mas distantes, que só julgo possível

comparar, tendo em conta que ocorreram em etapas diferentes do longo processo das

“metamorfoses do Estado”3 em Portugal, que de “feudal” se tornara “moderno”, à medida que a

monarquia afirmava o seu poder de autoridade pública face ao poder senhorial e concelhio, embora

não de forma linear, e depois de grandes inovações legislativas como a publicação de Lei Mental e a

reforma manuelina dos forais, por exemplo.

Muito haveria a dizer, certamente, a essa “Idade Média Brasileira”, de uns escassos sessenta

anos, situada entre 1521-1580 (desde o início da colonização propriamente dita, até à perda da

independência).4 Começaríamos pela construção das fontes que os autores da HCPB utilizaram;

deter-nos-íamos nas perspectivas historiográficas seguidas em Portugal nas primeiras décadas do

século XX pelos seus numerosos colaboradores e aqui expressas numa obra que, expressamente, se

queria de celebração e exaltação.5 Estranha-se hoje não se encontrar, nessa história da colonização,

nenhum estudo de carácter económico ou social. É verdade que, entre nós, não tinham ainda sido

publicados os estudos de Virgínia Rau sobre feiras, sesmarias, extração mineira, comércio do

açúcar, nem os artigos em que, sobre esses e outros temas, o DHP haveria de inventariar o “estado

da questão”.6 Mas João Lúcio de Azevedo já preparava a sua investigação sobre a “organização

económica” na história portuguesa, editada nessa época!7 Para averiguar daquelas semelhanças e

justeza da classificação, limitar-me-ei, pois, a destacar aqui três notas: o tipo de regime económico

que cá e lá se desenvolvia, o modelo de sociedade senhorial criada e a ligação ao poder do rei que

em ambos os lados encontramos.

Certamente que em trabalho mais desenvolvido, tendo em conta a definição de “senhorio” e

de “donatária”, deveríamos comparar também os contextos geográficos e políticos de instituição, as

cartas de doação e os forais, as categorias dos seus titulares, a geografia interna e as vias de

comunicação, as condições necessárias de investimento e funcionamento num e noutro caso.

1. O caso de Atouguia: século XIV

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Em 3 de Fevereiro de 1307, por sentença do tribunal da Corte, reunido em Coimbra, era

dada sentença sobre o litígio existente entre o rei D. Dinis (1279-1325) e os herdeiros de D. Joana

Dias, última Senhora de Atouguia, falecida seis anos antes, em 1301.

A sentença régia vinha no seguimento e como conclusão de uma inquirição que o monarca

mandara fazer, por dúvidas acerca da legitimidade de posse daquele senhorio. Ele mesmo tinha

escolhido os inquiridores (João Soares, à data já bispo de Silves, e Estêvão Eanes, tabelião de

Óbidos pelo rei) como igualmente designara os Ouvidores: Afonso Eanes, ouvidor dos feitos de el-

rei, e Afonso Pais, mestre-escola de Lisboa, “que eu dei por mais cumprimento de direito por

ouvidor”! (ANTT, 1946, p. 163-166).

Note-se, desde já, como, neste caso, nos princípios do século XIV, o poder régio ousava

escolher os instrumentos para ajuizar das suas querelas com senhores e como as justiças do monarca

eram pouco imparciais num pleito em que ele era parte interessada e de que não havia apelo. Foi

talvez por esta razão que os herdeiros de D. Joana Dias, notificados pelo tribunal, não

compareceram, não justificaram a ausência nem enviaram procurador algum para ouvir a sentença.8

O longo texto, publicado em Lisboa em 8 de Setembro desse ano, a que parece faltar o

questionário dos inquiridores, os nomes e as respostas dos inquiridos (estará truncado?), embora

pretenda ser de uma lógica sem falha, acaba por prescindir destes requisitos, martelando

repetidamente “Nosso Senhor el-Rei entende provar”; “Nosso senhor el-rei entende provar” …

Assenta e baseia-se, curiosamente, apenas no direito costumeiro sucessório dos Francos, iniciais

povoadores de Atouguia, que no século XII tinham tido por seu primeiro senhor e alcaide D.

Guilherme de Cornibus, a quem D. Afonso Henriques, decorrente de um pacto antes feito com os

cruzados secundum consuetudines et libertates francorum honestissimas (PACTO, 1958), lhes

fizera doação daquela terra, com grande liberalidade: “Donamus igitur eam [illam hereditatem de

Tauguia] vobis, iure hereditario, et successoribus vestris qui post vos fuerint […] et fatiatis de ea

quicquid vobis placuerit”. A razão da doação também era clara: “pro bono servitio et adiutorio

quod nobis fecistis vos et parentes vestri in captione de Ulixbona”; isto é, D. Afonso Henriques

doava a D. Guilherme uma terra imune, senhorial, pela ajuda prestada com os seus homens na

conquista de Lisboa (CARTA DE DOAÇÃO, 1958).

O mesmo D. Guilherme, em data posterior mas desconhecida (1167?), dera forais

simultâneos, diferentes, aos dois grupos de moradores que consigo trouxera, designando um pelo

nome de Francos (eram provavelmente do Norte) e outro por Gallici e Galleci (Francos do Sul,

Galos (Galegos?).9 Só conhecemos estes textos pelas suas confirmações feitas pelo rei D. Sancho

I:10 são disposições tradicionais sobre obrigações, coimas e penas dos moradores, suas relações com

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novidades nas relações entre o poder régio e senhorial em Portugal

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o concelho e alguns privilégios como, por exemplo, o da isenção de “relego”: “relegatio vini

nunquam in Tauguia fiat vel teneatur”! Mas, naturalmente, nada nestes diplomas se estabelece

acerca da sucessão no governo do senhorio. Pelo foral dos Francos vê-se que os moradores eram um

grupo de guerreiros, a mesnada do senhor da vila, cuja recompensa era serem proprietários e

vizinhos.

Havia nestes direitos senhoriais alguma especificidade? O “pretor” era o chefe dos Francos,

enquanto os Galos eram governados por um vigário [vicedominus] entidade desconhecida então em

Portugal. O senhor da vila não era um lugar-tenente do Rei mas senhor por direito próprio e autor

dos usos e costumes locais. Estes eram, ao contrário dos nossos, muito repressivos, de castigos

severos e fortes coimas. A jurisprudência civil andava misturada com o direito municipal.

Igualmente diferente era a contextura dos forais e as provisões penais,11 no espírito da variedade

medieval.

Conhecemos mal a vida quotidiana da Atouguia (chamada “da baleia”, desde 1507) nos

séculos XII e XIII, mas nada nos indica que diferisse muito do comum dos senhorios da região que,

modelarmente, Maria Helena da Cruz Coelho estudou no Baixo Mondego, em obras hoje clássicas

na historiografia medieval portuguesa (CRUZ COELHO, 1989; CRUZ COELHO, 1990, p. 31-92).

Atouguia era um território relativamente pequeno; sendo fértil, não era especialmente rico e nada de

muito importante havia no subsolo para explorar. A sul do cabo de Peniche, de fronteira marítima,

se permitia a pesca e havia portos de exploração comercial, incluía os perigos da pirataria ainda

frequente naquelas centúrias; tinha bons cursos de água, mas vivia-se essencialmente da agricultura

e criação de gado. Como era tradição, o regime económico caracterizava-se pela divisão do

latifúndio em duas partes exploradas por métodos diferentes: o domínio ou reserva senhorial (terra

indominicata) – era explorada por conta do senhor pelos servos e pelas corveias dos colonos

vizinhos vigiados por um feitor; e as concessões ou mansos atribuídos a pequenos exploradores

(terra dominicata) – agricultada em regime de renda ou de prazo. Com o tempo aqui nasceriam

“casais”, “quintas”, “vilares”, cultivados por caseiros ou cabaneiros. A tendência era bastar-se a si

próprio, numa agricultura variada de subsistência e de trocas. Ao longo dos séculos foi aumentando

a produtividade, pela introdução de novas tecnologias e métodos, o que levou à abertura para o

mercado e a maior circulação monetária. Em épocas de crise a tendência senhorial era aumentar

corveias e banalidades, taxas e prestações dos dependentes como também, alteração ilegal das

marca das terras coutadas ou usurpação de fronteiras em relação a outros senhorios e terras

reguengas ou ainda desrespeito pelas normas de sucessão senhorial (MATTOSO, 1985, p. 135-144).

A isso reagiam os monarcas ordenando inquirições, processos em tribunais e confirmações, cerceio

de poderes e mesmo confiscos.12

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Em 1307, a argumentação dos juízes régios, acerca da sucessão no senhorio de Atouguia, no

entanto, foi a seguinte: Segundo o costume dos Francos, primeiros povoadores de Atouguia, quando

morria o senhor de uma terra, sem herdeiro legítimo, essa terra passava para o Rei de onde aquela

terra estava situada. Ora, como o senhorio de Atouguia foi parar à posse de D. Joana Dias, por

doação de D. Julião Pais, deão da Sé de Coimbra e seu parente, que igualmente o recebera por uma

doação mas sem ser da família de D. Guilherme, nenhum dos herdeiros de D. Joana tem direito à

posse do senhorio “iure hereditario” que, assim, reverte para a Coroa de Portugal! Além disso,

acrescentam, quando os moradores de Atouguia elegiam os seus juízes, já era o Rei que os

confirmava e também era o Rei, como seu senhor, quem metia alcaide e outras justiças na vila. A.

Herculano, contrariando este sentenciar, faz notar que o último alcaide ainda fora Fernão Fernandes

Cogominho, marido de D. Joana Dias (HERCULANO, 1996, p. 502), que morrera em 1277.

É curiosíssimo como o tribunal de D. Dinis, rei de Portugal, no princípio do século XIV,

para terras às portas de Lisboa, quando decerto a população, inicialmente vinda século e meio antes,

já se encontrava fundida com a população local e os costumes já haviam sido assimilados, invoca

para base da sua jurisprudência, um velho costume franco, estrangeiro, de meados do século XII,

para interpretar uma carta de doação elaborada na chancelaria do doador, D. Afonso Henriques, rei

de Portugal. E é notório como o rei se deixa influenciar pelo direito senhorial e pelos costumes das

suas instituições que passam a valer como lei e assim fazer jurisprudência nos tribunais da sua régia

Corte! Por outro lado, sem nós sabermos desde quando nem porquê, pois nenhuma prova é aduzida,

faz lei o costume de o rei, já desde algum tempo, nomear alcaide e justiças! Era uma nítida

ampliação do poder real.

Era um senhorio, diremos nós e, como o regime senhorial “consiste essencialmente numa

disseminação de direitos próprios da soberania, numa fragmentação do conteúdo desta e sua

distribuição por diversos indivíduos em cujo património possam fundir-se, misturando-se com os

direitos de índole privada e ingressando com estes no comércio jurídico” (MERÊA, 1929, p. 502),

era permanente a alteração do equilíbrio de forças entre o poder dos senhores e do rei: aqueles,

frequentemente faziam usurpações de direitos, alargavam ilegalmente as fronteiras do domínio ou

agravavam as exações sobre os seus moradores; este, tornando mais frequentes as inquirições e

mais rigorosas as confirmações, ia fortalecendo e centralizando o poder régio. D. Dinis é, como

sabemos, um marco importante nesse processo que, no entanto, não estava terminado e conheceria

avanços e recuos (SANTOS SILVA, 1998).

Assim, neste caso, podemos concluir: por autoridade régia, o senhorio de Atouguia fora

instituído e doado a D. Guilherme de Cornibus; por autoridade régia de D. Dinis, o senhorio criado

em 1148, revertia para a Coroa, ao fim de 159 anos de existência, por não se terem cumprido as

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regras da sucessão próprias dos francos! Deixemos no ar a questão de como este caso mostra a

alteração qualitativa da autoridade régia ao fim de século e meio.

2. O caso do Brasil: século XVI

Em 1548 el-rei D. João III (1521-1557) devia ter muitas razões para alterar a autoridade

régia sobre as suas terras do Brasil, descobertas meio século antes. Por carta de 7 de Janeiro de

1549, dada em Almeirim, o monarca fazia saber que:

vendo eu quanto cumpre a serviço de Deus e meu conservar e enobrecer as

capitanias e povoações que tenho nas minhas terras do Brasil, ordenei ora de

mandar fazer uma fortaleza e uma povoação grande e forte na Baía de Todos os

Santos […] para daí se ministrar a justiça e prover nas cousas que cumprem ao meu

serviço e aos negócios da minha fazenda (CARTA, 1924, p. 334).

Ou seja, na capitania que fora atribuída e tivera por primeiro senhor Francisco Pereira Coutinho

desde 1536, o rei manda, doze anos depois, fundar uma cidade nova com uma fortaleza que se

tornaria sede de Tomé de Sousa, fidalgo da sua casa, que era nomeado, por três anos, como capitão

dessa capitania e “governador geral de todas as capitanias e terras da costa do dito Brasil, com

400.000 reais de ordenado em cada um ano” (CARTA, 1924, p. 335).

Desde 1500, ano do Descobrimento, as terras do Brasil não haviam sido abandonadas; nos

primeiros trinta anos fizera-se o “desvendamento e guarda da costa” (JOHNSON; NIZZA DA

SILVA, 1992, p. 75), isto é, reconhecimento geográfico, exploração mercantil e organização militar

indispensável para a defesa de colonos e comerciantes. Mas,13 desde 1530 que D. João III olhava

para estas terras com redobrada atenção. Nesse ano, por três cartas régias sucessivas, Martim

Afonso de Sousa, fidalgo do Conselho Régio, era nomeado capitão-mor de uma nova armada a

enviar; eram-lhe dados poderes de governador e criador de tabeliães e oficiais de justiça; podia

conceder terras em sesmaria. Após o regresso da sua proveitosa viagem de soberania, em 1534 eram

passadas as primeiras cartas de doação, sendo o Brasil dividido nas doze capitanias conhecidas e os

novos senhores escolhidos pelo rei entre os homens da média nobreza que se haviam distinguido ou

em funções militares e de navegação ou estavam ligados à Corte por terem ocuparem cargos na

burocracia régia. D. João III procedia a uma verdadeira “montagem” institucional e económica,

como D. Manuel I fizera, um quarto de século antes, para os negócios da Índia (THEMUDO

BARATA, 1993, p. 127-146).

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A vida nas capitanias brasileiras autónomas comparada com a dos senhorios medievais da

metrópole

Recordemos de novo que na HCPB, Paulo Merêa, historiador do direito, refere, como acima

vimos, que “o sistema de colonização por donatárias apresentava-se como uma inteligente e fecunda

adaptação das doações de bens da coroa que entre nós eram tão frequentes e representavam até certo

ponto um equivalente das concessões feudais” (MERÊA, 1924, p. 167).14

Depois de acrescentar que ali se adoptou uma “solução tradicional no povoamento”, como já

se havia feito nas ilhas atlânticas, sublinha que era óbvio que as condições do Brasil diferiam

substancialmente das que tinham encontrado os povoadores das ilhas: pela presença de indígenas,

pela grande exposição às intromissões estrangeiras e pela extensão do território – o que dava lugar a

que os problemas e os indivíduos, cujo comportamento era contrário aos interesses da colonização

transpusessem os limites mais teóricos do que efectivos, das capitanias, mas que dadas as condições

do momento e os objectivos a alcançar, aquela forma era a mais adequada em promover um rápido

incremento da colonização. Porém, o autor não se alonga na análise concreta da vida interna,

económica e social desta etapa de colonização, que melhor nos mostraria como assim era.

Tal como era hábito fazer-se em Portugal, o quadro jurídico que serviria de moldura a essa

vida dos senhorios ou donatarias no Brasil era-nos dado por dois documentos fundadores: a carta de

doação e o foral. Documentos do século XVI eram escritos em português, muito mais extensos e

pormenorizados que os do século XII. Tomemos como exemplo a carta régia de doação da

capitania de Pernambuco dada a Duarte Coelho em 10 de Março de 1534: vemos que se trata de

uma ampla doação de terras (60 léguas territoriais de costa) e da propriedade de dez léguas. Note-se

a particularidade jurídica: não havia propriamente doação da propriedade territorial das capitanias, o

que era concedido era o benefício e uso fruto das terras (WERNECK SODRÉ, 1963, p. 68 e 100) e

isso vinculando a família do primeiro donatário cujos herdeiros deveriam manter o mesmo apelido.

É muito grande a delegação de poderes e competências, maior ainda que nas ilhas atlânticas, dado

ser aqui também maior o risco. Estabeleciam-se liberais leis de sucessão, com dispensa das

disposições da Lei Mental em vigor na metrópole: no Brasil admitiam-se filhos bastardos e naturais

só se excluindo os nascidos de coito danado e previam-se os casos em que a Coroa os poderia voltar

a chamar a si. Concedia-se o privilégio de montar engenho, a redízima das rendas, a vintena do pau-

brasil, o direito de vender 24 índios anualmente. Delegavam-se poderes políticos (fundar vilas),

judiciais e administrativos (pôr alcaidarias) e civis (nomear tabeliães). O capitão-donatário era aqui,

com traços de senhor feudal, um pequeno rei na sua capitania.

O foral de 24 de Setembro desse ano, dado pelo rei ao mesmo Duarte Coelho, era uma

verdadeira mini-constituição para o seu território; porém, o donatário tinha o direito de conceder

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novidades nas relações entre o poder régio e senhorial em Portugal

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internamente outros forais (o de Olinda, por ex.) e distribuir terras de sesmaria. Ficavam isentos de

direitos de entrada os seus géneros, como as mercadorias que na metrópole pagavam os de saída; só

as mercadorias estrangeiras pagavam dízima de entrada. Era proibido o comércio de estrangeiros

com o gentio. Ficava reservado à Coroa o quinto dos metais e pedras preciosas, mas cabia ao

donatário a dízima desse quinto; a Coroa tinha o monopólio do pau-brasil e das especiarias; a

Ordem de Cristo, a dízima do pescado. Ao donatário cabia isentar de taxas o comércio interno,

fiscalizar as exportações, receber taxas de passagem dos rios e uma pensão anual paga pelos

tabeliães. Competia-lhe organizar a defesa e convocar para o serviço militar, havendo isenção de

impostos para importação de armas (WERNECK SODRÉ, 1963, p. 77-79).

Pela comparação que importa fazer com o senhorialismo da metrópole e mesmo das ilhas

atlânticas, era em termos de história económica e social que as características deste modelo de

colonização se afastavam da “solução tradicional” e punham três graves novos problemas: a terra

não era aqui preocupação: era abundante, virgem, fértil e podia aumentar-se quase à medida das

ambições dos colonizadores: “o tempo revelaria que a região selvática […] era um dos paraísos da

terra, onde dormiam tesouros, que só mais tarde acordariam do encantamento” (MALHEIRO DIAS;

VASCONCELOS; ROQUE GAMEIRO, 1924, p. X). O primeiro grande problema era como

trabalhá-la ou explorá-la em tão vasto espaço, a mão de obra, o trabalho pioneiro e desbravador! O

segundo problema era o enorme risco de criar empreendimentos destes sem grande protecção nem

seguro, dados os ataques frequentes e incontroláveis dos índios e dos corsários, tanto em terra,

como na costa e no mar. A terceira grande dificuldade era a do capital necessário ao investimento

não apenas agrícola, como também transformador manufactureiro: no Brasil, com efeito, ao

contrário da metrópole, o sistema de produção assentava, essencialmente, na agricultura de

monocultura ou de um leque reduzido de culturas (açúcar, tabaco e algodão); no seu transporte em

grande quantidade, por caminhos inexistentes; e, na sua preparação para o mercado, através da

transformação nos engenhos e com fito no lucro, numa economia transatlântica, que olhava para o

mercado exterior, para a Europa. Existia ainda a dificuldade do tempo de carência, tempo morto,

não produtivo, ligado ao investimento inicial, antes de o empreendimento conseguir entrar em ritmo

normal, o que levou muitos à ruína e a desistir.

Qualquer um destes problemas era alheio aos senhorios da metrópole e, por isso, a sua

adequada solução era aqui total novidade. Estes eram, no dizer de alguns historiadores, “senhorios

capitalistas, mercantilistas”.15 Internamente, o mercado incipiente dependeu do grau de povoamento

de cada capitania. Começando por uma economia fechada de trocas pouco intensas, nisso se

aproximava mais da tendência autárcica que longamente dominou os senhorios feudais da

metrópole. Foi certamente para obviar esta situação que no regimento que D. João III, no

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“gradualismo estratégico de acção da Coroa”,16 corrigindo e alterando o inicial modelo de

colonização, no regimento que irá dar ao primeiro governador-geral, em 1548, faz sua competência

ordenar a criação de feiras e mercados, ao menos de frequência semanal, em todas as vilas e

povoações, a fim de que aumentasse o movimento das trocas entre os colonos e com os índios.

Embora alguns dos colaboradores portugueses da HCPB indiquem que “aí [no Brasil], num

ambiente de luta e de trabalho, depara-se-nos o mesmo português do fim da Idade Média”

(CORTESÃO apud RAMOS, 2000, p. 138), “a mesma gente pastora, pescadora e agricultora das

courelas verdes do Minho, […] das serranias da Beira” (MALHEIRO DIAS; VASCONCELOS;

ROQUE GAMEIRO, 1924, p. X) e outro conclua que “os fidalgos portugueses no Brasil haviam

sido democratizados pelo ambiente social e nalguns casos pelos cruzamentos” (OLIVEIRA LIMA,

1924, p. 297) a sociedade modelada nas capitanias era também muito diferente da constituída pelos

povoadores dos senhorios medievais europeus: se para as ilhas, desertas de gente, fora necessário

transportar todos os habitantes, aqui o problema começava pela existência dos indígenas, dispersos

na costa em tribos guerreiras mas inimigas entre si, hostis aos novos adventícios e avessos à dureza

do trabalho produtivo. Alguns, prisioneiros e escravizados acabarão no trabalho forçado. A falta de

mulheres brancas impeliu os colonizadores a relações com mulheres índias, criando irregularidades

jurídicas e morais na constituição das famílias que os clérigos logo verberam mas que fomentaram

as relações inter-raciais (mais tarde também com negros) dando origem à miscigenação, radical

alteração do tipo populacional, com a criação étnica do mameluco.17 Logo que se concluiu do fraco

rendimento dos índios no trabalho, introduziram-se também aqui os escravos negros, recrutados na

costa da Guiné e que irão ser importados em número crescente. “É a colonização que irá fazer

ressurgir a escravidão adormecida” (WERNECK SODRÉ, 1963, p. 96). Aspecto em clara oposição

de tendência com os senhorios da metrópole, onde o trabalho escravo, embora existente, vinha

crescentemente a diminuir. Desta forma, no Brasil, de maior valor para o senhor tornou-se a

propriedade de escravos e não a da terra. Outro problema social dizia respeito, nesta etapa, ao tipo

de gente que o rei encaminhou da metrópole para esta colonização em que frequentes levas de

homiziados e degradados, causavam enormes problemas na sujeição a autoridades e eram

perturbadores do trabalho e do convívio social. O próprio capitão-donatário (se eventualmente veio

residir na sua capitania, como aconteceu com Duarte Coelho) e sua família se modelavam nesta

estrutura social e agrícola mercantilizada e de tipo novo, tornando-se fidalgo-cavaleiro-mercador.

Experimentado navegador, guerreiro e administrador do comércio oriental, Duarte Coelho viera

instalar-se em Pernambuco alimentando o desejo de enriquecer e transformar a sua terra numa Nova

Lusitânia.18

Da sentença de Atouguia (1307) ao regimento de Tomé de Sousa para o Brasil (1548): semelhanças e

novidades nas relações entre o poder régio e senhorial em Portugal

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Sabemos que este tipo de senhorios colonizadores não teve longa duração. Três lustros

depois da primeira carta de doação eram muitas as críticas, queixas e desistências. Martim Afonso

de Sousa é o primeiro capitão-donatário desiludido que doará a sua capitania brasileira, “com

gosto”, a seu primo, D. António de Ataíde, vedor da Fazenda e futuro conde da Castanheira.

Igualmente desiludido ficou seu irmão Pero Lopes, que também havia trocado o Brasil pelos

negócios da Índia. Pedro de Góis, regressou a Lisboa “muito desbaratado”. Francisco Pereira

Coutinho, na Baía, incapaz de debelar rebeliões internas, viu-se encurralado e tendo fugido para

outra capitania mais a sul, veio a morrer às mãos dos índios, sendo por eles sacrificado em ritual de

antropofagia.19 Vasco Fernandes Coutinho, donatário do Espírito Santo, outro fidalgo prestigiado na

Índia e em Marrocos, vendeu tudo quanto tinha na metrópole para pagar as dívidas. João de Barros

também se arruinou, sem nunca cá ter vindo, pela indemnização que pagou às famílias das vítimas

de fracassada expedição ao Maranhão.20 Deixemos muitos outros casos ruinosos para atentarmos

nas queixas de Duarte Coelho, o capitão de melhor êxito, que nunca desistiu mas cujos problemas

se não cansava de expor ao rei em numerosas cartas, entre 1542-1550. “Tive que conquistar a palmo

a terra que me foi doada às léguas”; “estou pobre e gastado de fazenda, endividado, a quem

ninguém já empresta dinheiro”, pelos investimentos que tivera de fazer na montagem de engenhos e

na compra de escravos da Guiné, sem ver o rendimento que esperava. Quanto aos degredados que o

rei lhe enviou naqueles três anos, “só me têm feito mal” e “por amor de Deus não me envie mais tal

peçonha. Até nos navios em que vêm cometem distúrbios. Tal gente não me mande para cá!”

(CARTAS, 1924, p. 313-321).

Seria, então, impróprio, falar do “regime feudal das donatárias”?21 Trata-se de um modelo

em que, como afirmou um historiador moderno, “velhas formas e velhas atitudes mentais vestem e

informam actividades jovens, exercendo-se em quadros geográficos dantes insuspeitados para onde

se transpõem a experiência e a rotina vindas detrás” (MAGALHÃES GODINHO apud M. E. C. F.,

1971, p. 476).

Das capitanias autónomas ao modelo misto: o retomar da autoridade régia

Em 1548, dado o fraco êxito do sistema por rivalidades, ambições pessoais e erros

cometidos por vários donatários, como já vimos, D. João III altera a sua política e decide a

nomeação de um governo-geral a instalar na Baía. Fora esta uma das mais promissoras donatarias

mas o seu capitão, Francisco Pereira Coutinho acabara, como vimos, tragicamente.

Frei Vicente do Salvador diz textualmente naquela que é considerada a primeira história do

Brasil (BUARQUE DE HOLANDA, 1979, p. 21):

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Depois que el-rei soube da morte de Francisco Pereira Coutinho e da fertilidade da

terra da Baía, bons ares, boas águas e outras qualidades que tinha para ser povoada

e juntamente estar no meio das outras capitanias, determinou povoá-la e fazer nela

uma cidade que fosse como coração no meio do corpo, donde todas se socorressem

e fossem governadas (VICENTE DO SALVADOR, 1627).

Por sua vez o monarca esclarecia na carta de nomeação de Tomé de Sousa as novas relações que

iria ter com os senhores capitães donatários e os objectivos que presidiam àquela alteração no

sistema colonizador: foi grande o cerceio de poderes iniciais dados, quer na defesa, na

administração da justiça ou nas actividades económicas. Ao Governador-Geral, Ouvidor-mor,

Provedor-mor e Provedores da Fazenda, eram cometidos agora grandes poderes de inspecção e

controle, passando os donatários a uma categoria inauguradora do alto funcionário régio

ultramarino, típica característica do Estado moderno:

Tomé de Sousa, fidalgo da minha casa nas cousas de que o encarregar me saberá

bem servir e tudo fará com o cuidado e diligência que dele se espera […]. E o dito

Tomé de Sousa jurará na Chancelaria aos santos evangelhos que bem e

verdadeiramente me servirá […] (CARTA, 1924, p. 334-335).

Dada a importância do mar da Baía e a localização geográfica, relativamente central, que iria

permitir a vigilância e apoio às povoações de todo o território do Brasil, esta seria, pois, uma

capitania especial a partir de agora, a capital, sede do representante do rei, a que todas se

sujeitariam.

Repare-se no fundamento jurídico da passagem deste senhorio privado e de excepcionais

condições, a senhorio régio e compare-se com o caso de Atouguia: no da Baía houve desordens,

nelas morreu o donatário; o herdeiro do malogrado capitão foi indemnizado mas perdeu a

capitania;22 o rei, dispensa tribunal, chama-a a si e faz dela capitania real incorporada na Coroa;

decide povoá-la e instalar nela a sede do poder para a condução da política e dos negócios da sua

Fazenda e da sua Justiça. Inaugurava-se o modelo misto de colonização em que as capitanias

perdiam grande parte da autonomia que as caracterizara na primeira etapa da sua vida senhorial e do

tempo a que, há quase cem anos, numa obra notável, a meu ver impropriamente, foi chamado “a

Idade Média brasileira”.23

APÊNDICE

TERMOS E PARÂMETROS DE UMA COMPARAÇÃO

Da sentença de Atouguia (1307) ao regimento de Tomé de Sousa para o Brasil (1548): semelhanças e

novidades nas relações entre o poder régio e senhorial em Portugal

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SENHORIOS MEDIEVAIS

[PORTUGAL]

DONATARIAS-CAPITANIAS

[BRASIL]

Definição: “o regime senhorial consiste

essencialmente numa disseminação dos

direitos próprios da soberania, numa

fragmentação do conteúdo desta e numa

distribuição por diversos indivíduos em

cujo património passam a fundir-se

misturando-se com os direitos de índole

privada e ingressando com estes no

comércio jurídico” (MERÊA, 1929, p.

502). “Doação por transferência de bens

dados pelos reis a um nobre, a título de

recompensa, com o encargo de

povoamento das terras incultas;

geralmente hereditários e dotados de

imunidade, isto é: isenção de impostos,

não sujeição aos funcionários régios,

menos em casos de ‘justiça maior’”.

Excepto nos senhorios das Ordens

Militares (comendas), as áreas de couto ou

de honra não eram contínuas mas

fragmentadas. O senhor tinha jurisdição

própria e alguma liberdade de obrigações

militares (hoste, fossado, peitas). O

senhorio tinha internamente jurisdição

própria, costumeira ou consuetudinária

(AHOM, 843 e 833).

Definição: as donatarias eram “largos

domínios concedidos pelo rei na sua ‘terra

do Brasil’ a um simples particular,

dotados de privilégios e proventos, neles

delegando igualmente atributos de

soberania como o direito de fundar

povoações, nomear funcionários, cobrar

impostos, administrar a justiça, etc.”

(M.E.C.F, 1971, p. 849-850).

“Forma especial de exploração em que o

sistema senhorial – estrutura social de um

tipo agrícola – foi empregado por uma

civilização comercializada e a um novo

tipo social, o cavaleiro-mercador”

(MAGALHÃES GODINHO apud M. E.

C. F., 1971, p. 473).

“Inteligente e fecunda adaptação das

doações de bens da Coroa, que entre nós

eram tão frequentes e representavam até

certo ponto um equivalente das

concessões feudais” (MERÊA, 1924, p.

167).

Localização: situados no interior do reino,

junto ao mar ou não, em terras mais ou

menos conhecidas, de boas condições de

meio e clima, a necessitar de povoamento

e às vezes defesa. Situavam-se junto de

outros senhorios, de reguengos ou de

concelhos.

Localização: no Atlântico (ilhas ou

Brasil) sendo enormes extensões de

território desconhecido (acidentes

geográficos ignorados), com frente

marítima, de fronteiras imprecisas e

perigosas (índios e corsários). Clima e

meio natural adversos e propício a

doenças. Longe da metrópole e com

dificuldades de comunicação com ela.

Titular: senhor nobre residente, em geral

com a família; muito interessado na sua

ocupação, colonização e exploração.

Titular: senhor nobre ou antigo alto

funcionário régio, por vezes ausente,

(alguns nunca as visitaram) normalmente

sem a família, frequentemente

desinteressado.

Condições: necessidade de investimentos

normais para defesa e atrair povoadores e

mão de obra, em geral de vilãos, homens

livres, embora alguns escravos. Cultura

intensiva do solo. Produtos para consumo

e mercado.

Condições: necessidade de grandes

investimentos de defesa e cultivo, muita

coragem colonizadora, escassa mão de

obra; hesitação entre índios e escravos

negros (depois abundantes). Cultura

extensiva do solo, tendencialmente

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SENHORIOS MEDIEVAIS

[PORTUGAL]

DONATARIAS-CAPITANIAS

[BRASIL]

dirigido ao mercado.

Carta de doação a senhores (nobres,

Ordens militares e religiosas) de

privilégios e regalias (não a terra). Termos

por vezes sumários. Às vezes “de juro e

herdade” (rendas e hereditária), outras,

vitalícia, outras, “enquanto for minha

mercê” (ad nutum). Imunidade na

“honra”; reserva ao rei “a justiça maior”;

direito de apelo.

A “de illa hereditate de Tauguia” [1148?]

é ainda em latim; “fatiatis de ea quicquid

vos placuerit”; “pro bono servitio et

adiutorio quod nobis fecistis vos et

parentes vestri in captione de Ulixbona”.

Embora breve [16 linhas] o diploma é

régio e reveste forma solene: confirmado

pelo arcebispo de Braga e pelo bispo do

Porto, além de altos magnates da corte.

Carta de doação ou mercê do rei a nobres

(de corte ou altos funcionários já

destacados no Oriente).

Os “donatários” também eram “capitães”,

mas podia haver mais de um na sua

donataria (o donatário infante D. Henrique

na Madeira: criou três capianias).

Documento muito extenso e

pormenorizado. Em geral de “juro e

herdade”, com jurisdição de “mero e

misto império” (cível e criminal). Por

vezes sem direito de apelo. Respeito pelos

colonos a quem o donatário concedia

sesmarias com direitos de soberania nelas

(jurisdição e senhorio): único ónus dos

“sesmeiros”: “dízimo de Deus”, à Ordem

De Cristo (rei).

Foral: antigo, muitas vezes sumário e

costumeiro, dado aos moradores,

enumerando as obrigações e impostos.

Sofreram a reforma manuelina no século

XVI.

Mas muitas vezes, os do século XII

continuavam em vigor, sem alterações, no

século XIV! Atouguia tinha dois

simultâneos, dado um aos Francos e outro

aos Gallici.

Foral: novo (reforma manuelina), muito

extenso, ditado pelo rei ou pelo donatário;

depois da carta de doação, especificando o

regime de “capitania” e de “sesmaria”. Tal

como os forais tradicionais, fixava

direitos, foros, tributos e coisas que na

respectiva terra se deviam pagar ao rei ou

ao capitão donatário ou ao sesmeiro.

Havia-os internos.

Normas de sucessão: gerais e próprias

(ex. Lei dos Francos). Controladas pelo

rei. Exclusão dos filhos bastardos. Com a

Lei Mental houve mais rigor (desde D.

Duarte).

Não existiam normas expressamente

consignadas para este caso. Apenas

sabemos que se aplicaram aquelas que

vêm referidas na sentença régia e que os

inquiridores-juízes régios (só estes

intervêm!) decidiram ser assim. A família

Dias-Cogominho, presuntivos herdeiros,

não compareceu na Corte nem reagiu

posteriormente.

Normas de sucessão precisas:

hereditários, inalienáveis e indivisíveis, na

família, o que as aproxima dos morgadios.

Dispensa da Lei Mental. Aceitação dos

filhos bastardos, excepto “filhos de coito

danado” (filhos de padre e ou freira).

Predomínio do homem sobre a mulher,

dos legítimos sobre os ilegítimos, dos

mais velhos sobre os mais novos. Linha

de descendentes, ascendentes,

transversais. Se o donatário fosse

condenado (excepto por “traição” à

Coroa), a donataria passava para a pessoa

que a ela tinha direito (MERÊA, 1924, p.

175).

Limites e formas de controle: Os Formas de controle: Criação do Governo-

Da sentença de Atouguia (1307) ao regimento de Tomé de Sousa para o Brasil (1548): semelhanças e

novidades nas relações entre o poder régio e senhorial em Portugal

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SENHORIOS MEDIEVAIS

[PORTUGAL]

DONATARIAS-CAPITANIAS

[BRASIL]

primeiros eram os termos da própria

doação. Chamamentos gerais (D. Afonso

IV), Inquirições, confirmações, cerceio de

direitos, anexações à Coroa. Com D. Dinis

(1317: “e vós devedes a saber […]”), D.

Afonso IV (re-define jurisdições 1343-

1344) e D. Fernando (1375 regula-as).

Longos pleitos, mais rigor no controle,

contra usurpações. Os maiores senhorios

(condados, ducados) aparecerão nos

séculos XIV e XV.

Geral: a empresa torna-se oficial e cria-se

o poder público, acima dos poderes

privados. Visitas de fiscalização do

Governador-Geral, Ouvidor Geral e

Provedor Mor da Fazenda. Limitação dos

direitos dos capitães em relação à situação

de criação. Algumas queixas. Mas fica

ainda grande campo de liberdades (mais

amplas em Pernambuco, durante a vida do

primeiro donatário, D. Duarte Coelho:

1534-1556).

Futuro: forem sendo cerceados e vieram a

ser incorporados na Coroa (não de forma

linear, pois a épocas de diminuição

seguiram-se outras de aumento) e na

unidade do reino.

Futuro: a Coroa veio a anexar algumas

(Baía, Rio de Janeiro, Espírito Santo) até

o Marquês de Pombal anexar as que ainda

subsistiam no séc. XVIII. Foram a base da

organização federal brasileira: de

capitanias a províncias e destas a Estados

federados.

Instituição: O “regime senhorial” existiu

em todo o Ocidente medieval. Entre nós,

este tipo de doações tinha antecedentes na

monarquia asturiana, desde o século X, e

desenvolveu-se com a Reconquista do

território aos Mouros e posteriormente

com o seu povoamento e a sua

colonização, mas prolongou-se para além

da Idade Média. Também ele evoluiu ao

longo dos séculos, em especial após as

sistemáticas inquirições de D. Dinis.

Instituição: criadas e reorganizadas em

duas fases: 1534-1549 e 1549-1759. VMG

considera as da colonização atlântica

como resultado da fusão das formas

medievais mediterrâneas italianas, catalãs

e francesas no Levante com instituições

administrativas, económicas e sociais

herdadas da Idade Média e adaptadas às

novas necessidades (MAGALHÃES

GODINHO apud M. E. C. F., 1971, p.

473). Influência do humanista Dr. Diogo

de Gouveia (1532), antigo reitor da

Universidade de Paris (COUTO, 1995, p.

218).

Tipo de senhores: Ordens militares e

religiosas, nobres, cavaleiros, nacionais,

estrangeiros (Cruzados), ou membros da

família real, em recompensa por serviços

militares na Reconquista ou outras guerras

(ex. Nuno Álvares Pereira). Cruzados

estrangeiros como D. Guilherme de

Cornibus, em Atouguia, por doação de

1148. Ou os senhores da Lourinhã,

Azambuja e Vila Verde dos Francos

(HERCULANO, 1996, p. 599-600; 609-

610).

Tipo de senhores: nobres, mas “de classe

nova oriunda de mercadores, funcionários

e elementos destacados no Oriente ou

imiscuídos no trato das especiarias,

providos já de uma certa experiência de

organização colonial na Ásia” (M. E. C. F,

1971, p. 473) e que procuravam acima de

tudo “despertar rápida e intensamente a

terra virgem oferecida à sua cobiça”, no

dizer de Sérgio B. de Holanda que fala de

“lavoura de tipo predatório” (BUARQUE

DE HOLANDA, 1979, p. 12-22).

Sistema económico: a economia dominial Sistema económico: as capitanias-

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SENHORIOS MEDIEVAIS

[PORTUGAL]

DONATARIAS-CAPITANIAS

[BRASIL]

assentava na terra, latifúndio dividido em

duas partes: “domínio” ou reserva e

concessões ou mansos (terra dominicata)

dados a pequenos cultivadores. A reserva

era explorada pelo senhor com o trabalho

de servos e corveias dos detentores dos

mansos (depois casais, vilares, quintãs, de

“caseiros”). Os senhores recebiam ainda

vários impostos e as “banalidades”.

Houve senhorios ricos e outros não;

alguns tinham rio, ribeiras, fronteira

marítima, portos fluviais ou de mar (como

Atouguia). Impostos sobre barcas,

pescado, mercadorias

Eram frequentes abusos, fraudes e

usurpações (AHOM, p. 847).

donatarias eram “senhorios capitalistas”,

de economia “mercantilista” embora

baseada na produção agrícola, mas em

larga escala, com trabalho de colonos e

escravos índios e negros (cana do açúcar).

Também a terra das “sesmarias” estava

dividida: “casa grande” e “senzala” – à

imitação dos senhorios da metrópole. Os

capitães-donatários tinham direito à

vintena do pescado e do pau brasil; ao

tributo de barcagem nos rios, à redízimas

dos bens da Coroa e outros direitos pagos

à O. De Cristo. Pertenciam-lhe moendas

de água, marinhas e engenhos.

Exploravam minas dando 1/5 à Coroa e

dízima do comércio interno e com outras

capitanias (M. E. C. F, 1971, p. 475).

Fórmulas de validação dos diplomas:

Depois das várias cláusulas cominatórias

tradicionais vem: “Facta carta, Era […]”;

“Ego Alphonsus rex una cum […] in

presentia testium manibus próprias

roboramus”. “Ego Johannes

archiepiscopus confirmo, ego Petrus

episcopus conf. […]; Fernandus testis,

Alphonsus ts. […] Albertus cancelarius

notuit” (sinal “Portugal”).

Fórmulas de validação dos diplomas:

desde meados do séc. XV, entre o redactor

(1. Fulano fez escrever) e o escrivão (2.

Sicrano escreve) aparece um terceiro

elemento (3. Eu fulano a fiz escrever e

subscrevi pela minha mão) – é a

“subscrição intermédia”. Em documentos

da Câmara (Puridade) e ou da Fazenda:

sinal de maior controle régio sobre

matérias de gestão do património.

Ex. Regimento de Tomé de Sousa (1548):

“1. Lhe mandei dar esta carta por mim

assinada e selada do meu selo de chumbo;

2. Manuel da Costa a fez em Évora; 3. Eu

Fernão d’Álvares, tesoureiro-mor d’el-rei,

escrivão da sua Fazenda a subscrevi”.

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Notas 1 Registe-se que entre os seus colaboradores estavam vários e conhecidos historiadores portugueses e apenas um

brasileiro: Luciano Pereira da Silva, Duarte Leite, Jaime Cortesão, Paulo Merêa, Pedro de Azevedo e Oliveira Lima. 2 Os capítulos IV e VI são, respectivamente, da autoria de Paulo Merêa e Carlos Malheiro Dias. 3 A expressão “metamorfoses do Estado” é utilizada por Gonçalves de Freitas (2012, p. 10). 4 Ver: Ramos (2000, p. 129-152). 5 A edição da HCPB começou a sair em fascículos em Agosto de 1921 para celebrar a ocorrência do 1.º centenário da

independência do Brasil. Desejava-se “obra prima” de “apoteose à raça da Lusitânia que já foi dominadora do mundo”.

Pelo “prospecto documentário” e pela correspondência do principal editor, Carlos Malheiro Dias, sabemos hoje que o

trabalho acabaria por ficar incompleto, pois fora projectado em cinco volumes que abrangeriam desde a descoberta até

ao fim do século XIX. Entre os outros colaboradores previstos estavam Serafim Leite, Luís Gonzaga Cabral, Afrânio

Peixoto, Gustavo Barroso, Rocha Martins, Luís Norton de Matos e o Visconde de Carnaxide. Alguns chegaram a

concluir a sua investigação, vindo os seus trabalhos a ser publicados, posteriormente, em edições autónomas. Previam-

se temas como os Jesuítas, a conquista holandesa, a administração pombalina, a corte no Brasil, a independência, o

Império, a cultura das letras. Certos temas, como se vê, saíam já fora do título da obra que, mesmo assim, ficou

desproporcionada: dos três volumes, dois são sobre “O Descobrimento” (276+462 p.) e apenas um sobre “A

Colonização” (395 p.). Em nenhum dos volumes em projecto se incluíam capítulos de história económica o que é, a

nosso ver, o maior limite deste importante monumento historiográfico. Vide Marcello Caetano (2006, p. 165-175);

Filipe Nunes de Carvalho (1999, p. 97-196). Com cartas inéditas em apêndice. 6 A classificação é de Borges de Macedo (1995, p. XL). 7 Vide Azevedo (1929, p. 393-444). O mesmo autor publicaria, também em 1929, Épocas de Portugal Económico. 8 D. Joana Dias (+1301) pertencia a uma rica e ilustre família de Coimbra e fora dama da corte da Rainha. Fora casada

com Fernando Fernandes Cogominho (+1277), senhor de Chaves, alcaide-mor de Coimbra e do Conselho Régio. Os

seis filhos vivos aqui citados eram, entre outros, os actuais herdeiros da família: Nuno Fernandes Cogominho; Afonso

Fernandes, tesoureiro de Lisboa; Gonçalo Fernandes, cónego de Lisboa; Frei Martim Fernandes, OFM; a abadessa de

Santa Clara de Santarém; a abadessa do mosteiro de Celas de Guimarães (Coimbra); Sancha Fernandes e Branca

Fernandes, ambas monjas deste último mosteiro. Só Nuno Fernandes era casado, pelo que sua mulher aparece também

como herdeira; pelas duas abadessas, o respectivo convento era igualmente herdeiro. Veja-se o meu pequeno artigo,

Uma Família entre as elites coimbrãs na segunda metade do século XIII (MARTINS, 2002). 9 Sobre a distinção entre Francos e Gallici ver Herculano (1996, p. 599, nota 6). 10 A data crítica destas confirmações é segundo os seus editores modernos, 1186-1195. Vide (DOCUMENTOS, 1979, p.

138-141). 11 Ver todas estas características em: Alexandre Herculano (1996, p. 609-610). 12 Ver, como exemplo, Cruz Coelho (1990, p. 199-237). 13 “Razões políticas, não económicas, determinaram D. João III ao empreendimento audaz da colonização”, afirma C.

Malheiro Dias (MALHEIRO DIAS; VASCONCELOS; ROQUE GAMEIRO, 1924, p. X). 14 Malheiro Dias, citando em seu apoio Pero de Magalhães Gândavo é mais explícito na descrição da “montagem” da

colonização: “No período inicial da colonização, os povoadores pobres empenharam-se, paradoxalmente, em enriquecer

a terra opulenta. O Brasil do século XVI veio, integralmente, nos porões das naus. A cana do açúcar, o gado vacum,

cavalar, lanígero e suíno, os cereais e a vinha, os instrumentos agrícolas e mecânicos, tudo é transportado no bojo das

armadas”. E mais adiante precisa: “colonizar é, no sentido em que o fizeram os Portugueses, refazer e duplicar uma

pátria, transportar os materiais da civilização, como o caracol transporta a casa” (MALHEIRO DIAS;

VASCONCELOS; ROQUE GAMEIRO, 1924, p. X e XVIII). 15 A caracterização é de M.E.C. F. (1971, p. 476). 16 A expressão é de F. Nunes Carvalho (1999, p. 144). 17 O tema da miscegenação tornar-se-ia, mais tarde, assunto preferencial da antropologia e da etnografia brasileiras.

Ver: (WEHLING; WEHLING, 1999, p. 227). 18 Duarte Coelho trouxe consigo para Pernambuco, a mulher e um grande número de parentes como o seu cunhado,

Jerónimo de Albuquerque e um grupo de nobres como Filipe e Pedro Bandeira de Melo, João Gomes de Melo e

António Bezerra. Vieram também consigo o almoxarife régio, Vasco Fernandes de Lucena que na metrópole deixara

mulher e filhos; trouxe ainda como vigário o padre Pedro Figueira e quatro capelães. Seria a origem de uma estirpe que

mais tarde se tornaria famosa na defesa do Brasil e na restauração da independência de Portugal.

Armando Martins

História (São Paulo) v.34, n.1, p. 128-147, jan./jun. 2015 ISSN 1980-4369 147

19 Ver o relato da morte do Rusticão (alcunha de Francisco Coutinho) em Capistrano de Abreu (1982, p. 72). Uma

descrição mais pormenorizada desses rituais vem numa passagem de Gabriel Soares de Sousa (1924, p. XXV). 20 Citado por Couto (1995, p. 228). 21 A designação é de Malheiro Dias (1924, p. 219-283). 22 Mediante o pagamento de uma indemnização de 400.000 reais anuais ao filho e herdeiro daquele capitão-governador,

Manuel Pereira Coutinho que vivia na sua quinta do Varatojo. A uma sua descendente, casada com o ministro José de

Seabra da Silva, foi atribuída por D. José uma compensação pela fraca indemnização de 1576, vindo ainda seu filho,

Manuel Coutinho Pereira de Seabra a receber o título de 1.º visconde da Baía, de juro e herdade, em 1796, no reinado de

D. Maria I! (MALHEIRO DIAS; VASCONCELOS; ROQUE GAMEIRO, 1924, p. 214). 23 “La notion de Moyen Age n’a de valeur qu’à l’interieur de ce corps […] la chrétienté latine” (DUBY; LARDREAU,

1980, p. 146). Mas não acompanhamos a afirmação radical de certos historiadores brasileiros, como Sérgio Buarque de

Holanda, Caio Prado Júnior ou Honório Rodrigues, de que o Brasil de Carlos Malheiro Dias nunca existiu!

Armando Alberto Martins é pesquisador medievalista e professor da Universidade de Lisboa. É

membro fundador da Sociedade Portuguesa de História das Religiões e Académico de Número da

Academia Portuguesa de História; é autor do livro O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade

Média (Centro de História, Universidade de Lisboa, 2003), além de diversos artigos publicados em

periódicos e anais de eventos científicos em Portugal e no exterior.

Recebido em 15/01/2015

Aprovado em 27/02/2015