DADOS DE COPYRIGHT · É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ... Uma...

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutandopor dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo

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  • SOMBRAS DA HORDA

    MICHAEL A. STACKPOLE

    TraduoBruno Galiza

    Larissa SalomGabriel Nin

    1 edio

    2013

  • S772w

    13-04139

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Stackpole, Michael A., 1957-World of Warcraft [recurso eletrnico]: Voljin: sombras da horda / Michael

    A. Stackpole; traduo Bruno Galiza, Larissa Salom, Gabriel Nin. - 1. ed. - Riode Janeiro: Galera Record, 2013.

    recurso digital (World of Warcraft)

    Traduo de: World of Warcraft: Voljin: Shadows of the HordeFormato: ePubRequisitos do sistema: Adobe Digital EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 9788501100610 (recurso eletrnico)

    1. Fico infantojuvenil americana. 2. Livros eletrnicos. I. Galiza, Bruno. II.Salom, Larissa. III. Nin, Gabriel. IV. Ttulo. V. Srie.

    CDD: 028.5CDU: 087.5

    Ttulo original em ingls:World of Warcraft : Voljin: Shadows of the Horde

    Copyright 2013 by Blizzard Entertainment, Inc. Todos os direitos reservados.

    World of Warcraft : Voljin: Shadows of the Horde, Diablo, StarCraft , Warcraft , Worldof Warcraft , e Blizzard Entertainment so marcas ou marcas registradas de BlizzardEntertainment, Inc. nos Estados Unidos e/ou em outros pases. Outras referncias amarcas pertencem a seus respectivos proprietrios. Edio original em ingls publicadapor Simon & Schuster, Inc. 2013. Edio traduzida para o portugus por Galera Record2013.

    Texto revisado segundo o novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

    Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo, no todo ou em parte, atravs dequaisquer meios. Os direitos morais do autor foram assegurados.

    Composio de miolo: Abreus System

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    Produzido no Brasil

    ISBN: 9788501100610

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  • Para todos os jogadores de World of Warcraft, que pegaram um mundo fascinante e otornaram muito mais divertido.

    (Especialmente os que, concedendo a mim bnus aleatrios, me salvaram mais de uma vez.)

  • 1

    O Mestre Cervejeiro Chen Malte do Trovo no conseguia pensar em nada de que nogostasse. Havia coisas das quais gostava menos que outras, claro. Por exemplo, a esperapara experimentar a ltima criao, aps a fermentao e a maturao, no era algo que odeixava especialmente entusiasmado. E no era porque estava ansioso para saber seugosto. Isso ele j sabia estaria fantstico. O problema era o excesso de tempo livre parapensar em novas cervejas, novos ingredientes ele queria comear a trabalhar neles oquanto antes.

    Mas a criao de cervejas demandava tempo e cuidados. Com o equipamento dacervejaria comprometido com o novo lote, esperar era a nica opo. Isso significava queele teria que encontrar algo para se distrair, ou a espera, o planejamento e a maturao denovas cervejas na cabea o deixariam louco.

    L fora, em Azeroth, encontrar distrao era moleza. Sempre havia algum que nogostava de voc, ou criaturas famintas, ansiosas por devorar sua carne desencorajarambas as coisas fazia maravilhas no sentido de ocupar uma mente ociosa. Havia tambmlugares que desapareceram, e outros que estavam surgindo ou se tornando algo quepoderia muito bem ser o que tinha sido outrora. Em suas viagens, ele vira muitos desses,alm de vrios outros lugares; at mesmo ajudara a transformar alguns.

    Chen suspirou e fitou o centro da sonolenta aldeia de pescadores. Li Li, suasobrinha, divertia um grupo de filhotes da Vila Binan alguns refugiados, mas a maioriaera de habitantes locais. Chen estava certo de que ela pretendia contar sobre suas viagensem Shen-zin Su, a Grande Tartaruga, mas abandonara o plano. Ou, talvez, estivessecontando a histria, usando os pequenos na encenao. A narrativa obviamente relatavauma briga, aparentemente uma que envolvia o ataque de um grupo de jovens pandarens.

    Est tudo bem, Li Li?

  • A garota esguia emergiu de um mar fervilhante de pelos negros e brancos. Perfeitamente bem, tio Chen! A frustrao em seus olhos desmentia suas

    palavras. Ela esticou o brao, agarrou um pequenino e o atirou de lado, para desaparecerem seguida sob uma onda de filhotes estridentes.

    Chen pensou em ajud-la, mas titubeou. Alm de no estar verdadeiramente emperigo, Li Li era uma garota de fibra. Se precisasse de ajuda, pediria. Interferir antes dissofaria com que ela pensasse que ele duvidava de sua capacidade. Ela ficaria amuada, e eleodiava quando isso acontecia. Depois, furiosa, ela faria algo para provar que era capaz dese cuidar, o que poderia acabar em problemas de verdade.

    A despeito de sua reflexo, os murmrios e as reprimendas das duas irms Chiangdavam-lhe ainda mais razo para se conter. As duas tinham idade suficiente para selembrar de quando Liu Lang partira de Pandria pelo menos era o que se dizia. Mesmocom as pelagens mais brancas que negras exceto ao redor dos olhos, onde eramtingidas , Chen presumiu que no fossem to velhas. Ambas passaram todas as suasvidas em Pandria, e apenas uma frao delas na companhia daqueles que viviam na IlhaVagante. As irms Chiang tinham opinies firmes acerca dos que perseguiam atartaruga, e Chen divertia-se agindo de forma diferente para confundi-las.

    Li Li, aos olhos delas, no passava de mais um dos ces selvagens da tartaruga.Impulsiva e pragmtica, ligeira nas aes e com uma leve tendncia para superestimar suashabilidades, Li Li era um excelente exemplo de pandaren que acolhera a filosofia deHuojin. Eram pessoas com aquele esprito aventureiro que partiam na tartaruga ou seaventuravam em Terralm. Esse tipo de conduta, nas mentes das irms Chiang, no eraalgo a ser encorajado ou enaltecido.

    Assim como quem se envolvia em tais atividades.Se fosse do tipo que desgosta das coisas, Chen certamente desgostaria das irms

    Chiang. Mas, em vez disso, aprendera a gostar delas. Alm de cuidar da Cervejaria Maltedo Trovo e criar bebidas fantsticas, ele percorrera toda Pandria para aprender o quepudesse sobre o lugar que escolhera como lar. Ao ver as irms com dificuldades paraajeitar o jardim, descuidado desde o ataque yaungol, ele oferecera ajuda.

    Elas nem sequer responderam, mas Chen intrometeu-se mesmo assim. Consertouas cercas e capinou o jardim. Deitou pedras novas no caminho que levava at a porta.Divertiu os bisnetos das irms cuspindo fogo. Varreu, trouxe gua e cortou lenha. Tudosob os olhares de reprovao de ambas. A bem da verdade, ele s o fizera porqueenxergara nos olhos de ambas a mais absoluta incredulidade diante do que viam.

    Depois de muito trabalho sem que as irms Chiang nem ao menos lhe dirigissem apalavra, ele finalmente ouviu suas vozes. Elas no se dirigiam a ele. Falavam entre si,apesar de a mensagem ser para Chen. A mais velha disse:

    Hoje um daqueles dias em que um gourami-tigre cairia bem.A mais jovem assentiu com a cabea.Chen sabia que era uma ordem, e a acolheu. E o fez com todo o cuidado. Pescou

    trs gouramis no mar. O primeiro, devolveu ao mar; o ltimo, guardou para as irms; o

  • maior foi oferecido a uma refugiada e seus cinco filhotes, pois o marido era um dos queainda estavam desaparecidos.

    Ele sabia que se desse o primeiro, poderiam consider-lo precipitado. Ofertar ostrs faria com que o fizessem dele a imagem de um pandaren afeito a excessos. Dar omaior, que era mais do que os seis poderiam comer, seria um sinal de falta decomedimento. Do modo como fizera, contudo, demonstrava razoabilidade, consideraoe compaixo.

    Chen tinha plena conscincia de que o exerccio de lidar com as irms Chiangprovavelmente no lhe granjearia amigos ou qualquer tipo de apoio. Muitos outros queconhecera em suas viagens teriam simplesmente considerado ambas ingratas e asignorado. Para Chen, contudo, elas representavam uma maneira de aprender sobrePandria e seus novos vizinhos.

    Talvez sobre minha famlia tambm.Se Li Li era um exemplo da filosofia Huojin, as irms Chiang representavam com

    primor os adeptos da filosofia Tushui, muito mais dados contemplao. Aos seusolhos, os atos deveriam ser pesados em termos de justia e moralidade ainda que emverses parcas, plidas e provincianas de ideais muito maiores. Na verdade, grandes ideaisde justia e moralidade talvez fossem coisas ostentadoras demais para as irms Chiang.

    Chen gostava de se ver firmemente plantado no meio. Nele, Huojin e Tushui estavamperfeitamente misturados, pensava consigo mesmo. Para ser realista, ele tendia para afilosofia Huojin quando estava se aventurando mundo afora. Aqui, em Pandria, com osvales verdejantes e as montanhas colossais, cercado de gente que preferia uma vidasimples, Tushui fazia muito mais sentido.

    No fundo, era disso que Chen precisava se distrair. No dos projetos de novascervejas, mas da ideia de que cedo ou tarde chegaria o dia em que precisaria escolherentre uma ou outra. Se fizesse de Pandria seu lar, se encontrasse uma esposa e comeasseuma famlia, os dias de aventura estariam acabados. Logo ele se tornaria um cervejeirobonacho, com um avental para proteger a pana e discusses interminveis com osfazendeiros a respeito do preo do gro e com os clientes sobre o preo da caneca.

    No seria uma vida m. Nada m, na verdade. Chen empilhou a lenhaorganizadamente para as irms. Ser que era o bastante?

    Uma nova gritaria entre os filhotes chamou sua ateno. Li Li estava no cho e nose mexia. Algo se acendeu dentro dele o antigo chamado da batalha. Ele tinha muitashistrias de grandes conflitos, afinal lutara lado a lado com Rexxar, Voljin, Thrall.Resgatar sua sobrinha no seria nada comparado quelas batalhas, e recontar essashistrias faria de sua cervejaria um sucesso, mas agir alimentou alguma coisa em seuntimo.

    Algo que desafiava o Tushui nele.Chen correu e entrou na pilha de pelos. Os filhotes eram agarrados um a um pela

    pele do pescoo e atirados em todas as direes como eram feitos praticamente demsculos e pelos, quicavam e rolavam pelo cho. Alguns se chocavam contra os outros,

  • caindo de ponta-cabea e nas posies mais cmicas. Um segundo depois,desemaranhavam-se e saltavam prontos para a revanche.

    O pandaren urrou, equilibrando um aviso gentil e uma ameaa real.Os filhotes congelaram.Chen endireitou-se e, por instinto, a maioria das crianas tambm. O que est acontecendo aqui?Keng-na, um dos mais afoitos, apontou na direo de Li Li, que estava deitada: A tia Li Li estava ensinando a gente a lutar. O que eu vi no era luta. Era uma briga das mais feias! Chen balanou a cabea,

    exagerando na reao. Isso no serve para nada, especialmente se os yaungis voltarem.Vocs tm que ter um treinamento adequado. Agora, sentido! Ao dar a ordem, opandaren ficou ereto, em estado de alerta, e os filhotes o imitaram.

    Chen lutou para conter um sorriso enquanto delegava aos pequenos,individualmente ou em grupos, tarefas, como coletar madeira, encher os baldes com gua,arranjar areia para a trilha no jardim e vassouras para varr-lo. Assim que bateu as patas,os filhotes correram para cumprir suas tarefas como flechas disparadas de um arco. Eleesperou at que todos desaparecessem e ofereceu uma das patas a Li Li.

    Ela o fitou com o nariz franzido de desgosto: Eu podia ganhar. Claro, mas no faria diferena, faria? No? No, voc estava ensinando a eles um senso de irmandade. Agora so um

    pequeno exrcito. Chen sorriu. Com um pouco de disciplina e o trabalho dividido,eles podem ser teis.

    Sua voz subiu de tom na ltima frase para que as irms, grandes beneficirias dotrabalho do miniesquadro, ouvissem.

    Li Li examinou a pata, depois se apoiou nela e ficou de p. Enquanto arrumava asvestes e amarrava a faixa, resmungou:

    So piores que kobolds. claro. Eles so pandarens. Isso, tambm, foi dito em voz alta, para que as

    irms Chiang no perdessem. Ele baixou a voz de novo. Admiro sua capacidade de seconter.

    Pode apostar. Ela esfregou o antebrao esquerdo. Um deles estava memordendo.

    Como voc bem sabe, toda briga tem um mordedor.Li Li pensou por um instante e sorriu: , no tem como fugir. E obrigada. Pelo qu? Por me desenterrar. Ah, eu estava s sendo egosta. Cansei de arrastar coisas por hoje. No tem

    grmulo nenhum para ajudar, ento passei a tarefa para o seu exercitozinho.

  • Li Li arqueou uma sobrancelha. Voc no est me enganando.Chen ergueu a cabea e olhou para ela. No consigo imaginar minha prpria sobrinha, estudante avanada de artes

    marciais, precisando da minha ajuda contra filhotes. Digo, se achasse isso, eu nem teriaajudado. Voc nem seria minha sobrinha.

    Li Li franziu a testa e ficou imvel por um instante. Vendo seus olhinhosestremecerem, Chen sabia que ela se esforava para absorver a lgica.

    T, t certo, tio Chen. Obrigada.Chen gargalhou e enlaou a sobrinha com o brao: cansativo lidar com filhotes. verdade. No meu caso foi fcil. S tinha uma para eu cuidar, mas ela era uma espoleta.Li Li enterrou o cotovelo entre suas costelas: Ainda sou. E eu no poderia estar mais orgulhoso. Acho que poderia sim. A pandarena se desvencilhou do tio. Voc ficou

    decepcionado por eu no ter pedido pra trabalhar na cervejaria? O que faz voc pensar isso?Desconfortvel, a garota deu de ombros e mudou a direo do olhar para o Vale

    dos Quatro Ventos, onde ficava a Cervejaria Malte do Trovo. Quando voc est l, fica mesmo feliz. Eu posso ver. Voc gosta tanto.Chen sorriu astutamente. verdade. E quer saber por que no pedi que parasse de viajar para se juntar a

    mim?A expresso da garota se iluminou: Claro que quero. A razo, querida sobrinha, que preciso de uma parceira que esteja pronta para

    aventuras. E se eu precisar de musgo durotariano, que s encontrado nas cavernas maisprofundas? Quem vai buscar para mim? E por um bom preo? A cervejaria significaresponsabilidade. No posso mais passar meses ou anos fora. Por isso preciso de algumque seja confivel. Algum que, algum dia, possa voltar e cuidar das coisas por mim.

    Mas eu no sirvo pra essa coisa de criar cerveja.Chen refutou a objeo da sobrinha: Mestres cervejeiros sedentrios eu posso contratar por aqui. S um Malte do

    Trovo pode cuidar da cervejaria. Mas talvez eu contrate um bonitinho, a quem sabe vocno se casa com ele e

    e meus filhos herdariam a cervejaria? Li Li balanou a cabea. Voc vai terseu prprio exrcito de filhotes quando nos encontrarmos de novo, tenho certeza.

    Mas eu sempre ficarei feliz em ver voc, Li Li. Sempre.Chen suspeitava que Li Li o teria abraado, e ele teria devolvido o abrao, no fosse

  • por dois detalhes. Primeiro, eles estavam sob a mira das irms Chiang, que ficavamextremamente desconfortveis com demonstraes de afeto. Segundo, e ainda maisimportante, foi a viso de Keng-na atravessando a horta em disparada, uivando e de olhosesbugalhados.

    Mestre Chen, Mestre Chen, tem um monstro no rio! Um monstro enorme! Ele azul, tem cabelo vermelho, todo cortado! Ele t no banco de areia. E tem garras!

    Li Li, pegue os filhotes. Mantenha todos longe do reservatrio. No venha atrsde mim.

    Ela o fitou: Mas e se? Se precisar de ajuda, eu chamarei. V, rpido. Ele lanou um olhar para as

    irms. Talvez venha uma tempestade por a. Talvez seja melhor entrarem. E tranquem aporta.

    Elas o encararam desafiadoramente por um instante, mas no disseram uma spalavra. Chen circulou o jardim e usou o balde de madeira abandonado de Keng-na parase orientar. Percorrer a trajetria do menino pela relva pisoteada at o rio no foi difcil;quando chegou metade do caminho, l estava o monstro.

    Ele o reconheceu imediatamente. Um troll!Keng-na estava certo. O troll estava severamente ferido. As roupas dependuravam-se

    em farrapos, e a pele abaixo no estava muito melhor. O troll se arrastara para fora dorio, prendendo-se com as garras e uma das presas na lama.

    Chen caiu de joelhos e virou o troll. Voljin!Ao examin-lo, viu que sua garganta estava destruda. No fosse o ar que irrompia

    do buraco em seu pescoo e o jorro vermelho que saltava dos ferimentos, o pandarenteria achado que o amigo estava morto. Talvez morresse.

    Chen agarrou os braos de Voljin e tentou puxar o troll para a terra. No seriafcil. Um farfalhar veio da mata atrs dele e, um segundo depois, Li Li segurava o ombroesquerdo de Voljin para ajudar o tio.

    Seus olhos se encontraram. Pensei que voc tinha gritado. Talvez eu tenha. Chen ajoelhou-se e ergueu o troll em seus braos. Meu

    amigo Voljin est gravemente ferido. Talvez envenenado. No sei o que ele est fazendoaqui. No sei se ele vai sobreviver.

    Esse o Voljin, de quem voc sempre fala Li Li examinou atenciosamente afigura ensanguentada. O que voc vai fazer?

    Vou fazer o que for possvel agora. Chen levantou a cabea em busca doMonastrio Shado-pan que encimava o Monte Kun-Lai. Depois acho que vou lev-lo atl. Talvez os monges aceitem mais um dos meus achados.

  • 2

    Voljin, caador sombrio da tribo Lananegra, no podia sequer imaginar um pesadelopior. Ele no podia se mover. Nem um msculo, nem mesmo abrir os olhos. Osmembros estavam rgidos. O que quer que os prendia, era pesado como corda de navio,forte como uma corrente de ao. Respirar doa, e ele no conseguia respirarprofundamente. Ele s no desistia porque a dor e o medo de que pudesse no se movermais o faziam continuar. Enquanto temesse no respirar outra vez, ele sabia que estavavivo.

    Mas t mesmo?Por enquanto, filho, por enquanto.Voljin reconheceu a voz do pai num instante, sabendo que no era com os ouvidos

    que a ouvia. Ele tentou virar a cabea para o lado de onde as palavras vinham. Noconseguiu, mas sua conscincia se virou. Seu pai, Senjin, acompanhava-o, mas nocaminhando. Ambos se moviam, porm Voljin no sabia como, ou para onde.

    Se no t morto, ento devo t vivo.Uma voz forte e grave veio do outro lado, sua esquerda. Isso ainda t pra ser

    decidido, Voljin.A conscincia do troll fez fora para olhar na direo da voz. Uma figura medonha

    de aspecto troll, com um rosto que evocava a aparncia de uma mscara rushkah,estudava-o com olhos inclementes. Bwonsamdi, o loa que servia aos trolls como guardiodos mortos, balanou lentamente a cabea.

    O que vou fazer contigo, Voljin? Vocs Lananegra no to oferecendo os sacrifciosque deveriam, e ainda assim ajudei vocs a chutar a Zalazane da tua casa. Agora c fica seprendendo vida em vez de vir logo comigo. Eu te tratei mal? No sou digno da tua adorao?

    Voljin quis desesperadamente cerrar as mos em punhos, mas elas continuavam

  • impotentes, alquebradas, dependurando-se de braos mortos. Ainda tenho umas coisas prafazer.

    O loa gargalhou, e o som ardeu na alma de Voljin. Ouve essa do teu filho, Senjin. Eudizendo pra ele que a hora chegou, e ele me diz que as necessidades dele so mais importantes.Como foi que c conseguiu criar um filho to teimoso?

    Como uma nvoa fresca e calmante, a risada de Senjin acalentou a carne maltratadade Voljin. Eu ensinei que os loa respeitam a fora. Primeiro c reclama que ele no oferecesacrifcios o bastante. Depois reclama que ele quer mais tempo pra oferecer sacrifcios maiores.Eu sou to chato assim, a ponto de c querer meu filho pra te divertir?

    C acha mesmo que ele quer continuar vivo pra me servir, Senjin?Voljin sentiu que o pai sorria. Meu filho tem vrias razes, Bwonsamdi, mas que uma

    delas seja te servir j devia ser o bastante.C quer me ensinar a fazer meu trabalho, Senjin?T s te lembrando, grande esprito, de como c ensinou a gente a te servir tempos atrs.Outras risadas distantes ecoaram pelo corpo de Voljin. Outros loa. O tom agudo e

    cortante de uma, e o ribombo grave de outra sugeriam que Hireek e Shirvallah divertiam-se com a conversa. Voljin achou graa, mas sabia que pagaria pela ousadia.

    Um rugido ecoou da garganta de Bwonsamdi. Se fosse mais fcil te convencer adesistir, Voljin, eu o rejeitaria. C no seria meu filho de verdade. Mas melhor ficar esperto,caador sombrio: a batalha que te espera vai ser mais terrvel que qualquer uma que c j tenhalutado. C vai desejar ter se rendido, pois o peso da vitria vai te esmagar e transformar em p.

    Num piscar de olhos, a presena de Bwonsamdi se fora. Voljin procurou o espritodo pai. Ele estava prximo, mas esvanecia. Vou te perder de novo, pai?

    No tem jeito de c me perder, Voljin, eu sou parte de ti. Enquanto c for leal a simesmo, eu vou estar do teu lado. Voljin sentiu o sorriso do pai outra vez. E um pai comoeu no abandonaria assim um filho que d tanto orgulho.

    As palavras de Senjin, mesmo exigindo reflexo, ofereciam conforto suficiente paraque Voljin no temesse mais pela vida. Ele viveria. E continuaria a orgulhar o pai.

    Ele marcharia direto para o terrvel destino que Bwonsamdi previra e desafiaria aspredies. Com essa convico firme em sua mente, sua respirao se acalmou, a dorcedeu, e Voljin afundou num poo negro de paz.

    Quando voltou a si, Voljin sentia-se recomposto e bem; as pernas estavam firmes, e ascostas, fortes. O sol brilhava inclemente acima do ptio, onde milhares de trolls orodeavam. Todos eram uma cabea mais altos que ele, mas nenhum parecia se importar.Na verdade, os trolls pareciam nem sequer not-lo.

    Outro sonho. Uma viso.Mesmo no reconhecendo imediatamente o lugar, ele sentia que j estivera ali antes.

    Quer dizer, depois, afinal a cidade ainda no se rendera invaso da floresta que acercava. Os entalhes nas muralhas estavam novos e bem definidos. Os arcos ainda se

  • sustentavam de p. A pavimentao estava intacta. E a pirmide de degraus, impondo-semajestosa diante de todos, no fora ainda humilhada pelas investidas do tempo.

    Voljin estava postado em meio a um grupo de Zandalari, membros da tribo detrolls da qual todas as outras tribos descendiam. Com o passar dos anos, eles setornaram mais altos e exaltados que a maioria. Na viso, pareciam uma casta desacerdotes, poderosos e educados, muito aptos para a liderana.

    Mas no tempo de Voljin, a habilidade que tinham de liderar havia se degradado. porque os sonhos deles to todos presos aqui.

    Este era o Imprio Zandalar no auge de seu poder. Outrora, esta tribo dominaraAzeroth, mas seu prprio poder havia sido a causa de sua queda. A ganncia e a avarezacausaram intrigas. As faces se dividiram. Novos imprios se ergueram, como oGurubashi, responsvel pelo exlio dos trolls Lananegra de Voljin e que, no fim,tambm acabou caindo.

    Os Zandalari ansiavam pelo retorno ao tempo em que estavam no auge. Um tempoem que os trolls eram uma raa nobre. Unidos, alcanaram alturas que tipos comoGarrosh nem podiam imaginar que existiam.

    Uma vibrao de magia antiga e poderosa atravessou Voljin, explicando por que eleassistia aos Zandalari. A magia dos tits devorara at mesmo a primeira tribo. Era maispoderosa que eles. Assim como os Zandalari estavam acima de coisas que rastejavam pelocho da floresta, os tits estavam acima deles e tambm sua magia.

    Voljin cruzou a multido. Os rostos dos Zandalari brilhavam com sorrisosmedonhos do tipo que surgia quando as trompas tocavam e os tambores trovejavam,convocando-os para a guerra. Os trolls foram feitos para rasgar e matar Azeroth era seumundo e tudo nele lhes pertencia. Mesmo que Voljin discordasse de outros trolls sobrequem eram seus inimigos, sua ferocidade em batalha no ficava por baixo, e a maneiracomo os Lananegra venceram seus inimigos e libertaram as Ilhas do Eco enchiam-no deorgulho.

    Bwonsamdi quer tirar sarro da minha cara com essa viso. Os Zandalari sonhavam comum imprio, e Voljin desejava apenas o melhor para seu povo. Ele sabia a diferena. Erafcil planejar um massacre, porm muito difcil criar um futuro. Para um loa que preferiaseus sacrifcios sangrentos, dilacerados pela batalha, a viso de Voljin pouco interessava.

    Voljin escalou a pirmide. Enquanto subia, as coisas se tornavam maissubstanciais. Antes imerso em um mundo de silncio, ele agora sentia os tamboresecoando nos blocos de pedra, fazendo-os vibrar. A brisa acariciava seu pelo claro edespenteava-lhe o cabelo, trazendo um perfume de flores com ela um aroma poucomais agudo que o de sangue derramado.

    s suas costas, os tambores continuavam a trovejar. Vozes chegavam aos seusouvidos. Gritos de baixo. Ordens de cima. Ele se negava a recuar, mas parou de subir. Eracomo se o tempo fosse a gua de um lago, de onde lentamente emergia. Se chegasse aotopo, estaria l com os Zandalari, sentindo o que sentiram. Conheceria seu orgulho.Respiraria seus sonhos.

  • Ele se tornaria um deles.Ele no se daria ao luxo.Os sonhos que tinha para os Lananegra talvez no comovessem Bwonsamdi, no

    entanto, para a tribo, eram um sopro de vida. A Azeroth que os Zandalari conheceramfora drstica e irrevogavelmente transformada. Portais foram abertos. Novos povosvieram. Terras foram estilhaadas, raas corrompidas e um imenso poder foi liberado,maior do que os Zandalari podiam imaginar. Diferentes raas elfos, humanos, trolls,orcs e at mesmo os goblins, alm de outras uniram foras para derrotar Asa daMorte, criando uma estrutura de poder que revoltava e ofendia os Zandalari. Esta triboansiava por restabelecer sua fora diante de um mundo que se transformara de talmaneira que seus sonhos nunca poderiam se realizar.

    Voljin interrompeu o prprio pensamento. Nunca uma palavra forte.Num piscar de olhos, a viso mudou. Ele estava de p no pice da pirmide,

    olhando nos olhos dos Lananegra. Seus Lananegra. Eles confiavam em seuconhecimento do mundo. Se ele dissesse que era possvel recuperar a glria que outroralhes pertencera, eles o seguiriam. Se ordenasse que tomassem a Selva do Espinhao ouDurotar, eles o fariam. Os Lananegra sairiam pelas ilhas e subjugariam todos em seucaminho simplesmente para satisfazer um desejo seu.

    Ele podia faz-lo. Ele sabia como. Thrall respeitava suas opinies e confiava em seujulgamento para assuntos militares. Os meses de recuperao poderiam ser usados paraplanejar campanhas e organizar estratgias. Um ou dois anos aps seu retorno dePandria caso ainda estivesse l , o estandarte Lananegra estaria pintado com sanguee instilaria ainda mais medo.

    E o que eu ganharia com isso?Eu curtiria pra valer.Voljin girou. Bwonsamdi estava de p junto dele, uma figura titnica com as orelhas

    apontadas para a frente, prontas para receber os gritos de baixo. C ganharia paz, Voljin,por fazer o que a tua natureza troll manda.

    isso que a gente pra ti?Os loa no pedem nada mais que isso. O que mais c poderia querer?Voljin procurava uma resposta para a pergunta. A busca fazia com que fitasse o

    vazio. A escurido se estendeu e o engoliu, deixando-o sem resposta e, certamente, sempaz.

    Voljin finalmente despertou. Seus olhos se abriram, por isso ele soube que no era umsonho. Uma luz fraca os banhava, filtrada pela gaze. Ele queria ver, mas para isso teria queremover as bandagens. Isso, por sua vez, exigiria que erguesse a mo. O que descobriu serimpossvel. Sua conexo com o corpo era to tnue que ele no sabia se estava amarradoou se tivera as mos arrancadas.

    Encontrar-se vivo deu-lhe mpeto para se lembrar de como fora ferido. At que

  • tivesse certeza de que viveria, o esforo lhe pareceria ser em vo.Sem ser convidado e em aberta afronta aos desejos de Garrosh Grito Infernal,

    Voljin decidiu viajar para a nova terra, Pandria, para ver que tipo de tarefas o ChefeGuerreiro dera Horda. Ele sabia dos pandarens porque conhecia Chen Malte do Trovo,e desejava conhecer sua terra antes que a guerra entre a Horda e a Aliana a destrusse. Suavinda no tinha por objetivo impedir Garrosh, mas certa vez Voljin ameaara var-lo comuma flecha, e trazia consigo um arco. Por precauo.

    Garrosh, apesar do temperamento terrvel, ofereceu a Voljin a chance de contribuircom os esforos da Horda. O troll aceitou, mais para refrear as ambies do ChefeGuerreiro do que para servir Horda. Na companhia de um dos orcs de confiana deGarrosh, Rakgor Navalha Sangrenta, e de um grupo de aventureiros destacados para amisso no corao de Pandria, Voljin partiu.

    A jornada foi um alento para o caador sombrio, que comparava aquela terra s quej visitara. Ele vira montanhas arredondadas assoladas e vencidas, mas, em Pandria, elaspareciam apenas suaves. Ou montanhas furiosas e irregulares, que aqui, apesar de nomenos afiadas, pareciam apenas ansiosas. Suas selvas e seus bosques tinham vida emabundncia, mas no pareciam esconder ameaas como, por exemplo, a Selva doEspinhao. Havia runas, mas apenas por que foram abandonadas, no devastadas eenterradas. Enquanto o resto do mundo era aoitado pelo dio e pela violncia, Pandriaescapara ao chicote.

    Por enquanto.Mais rpido do que Voljin gostaria, a tropa chegou ao destino. frente, Rakgor e

    dois ajudantes reconheciam o territrio montados em mantcoras. Quando o grupochegou boca de uma caverna, Voljin no viu sinal deles. Lagartos imensos, vagamentehumanoides, protegiam a entrada. Os aventureiros os eliminaram e se prepararam paramergulhar nas profundezas sombrias.

    Morcegos negros irromperam guinchando dos recessos nas paredes. Voljin ouviaos gritos das criaturas fracamente e duvidava que os outros ouvissem algo alm dobater das asas. Um dos loa, Hireek, usava a forma de um morcego. Ser que os deuses toavisando que no vem coisa boa por a?

    Os loa no responderam, e o Lananegra avanou. Uma sensao glida decorrupo ficava mais forte conforme progrediam. Voljin parou, acocorou-se e removeuuma das luvas. Depois de encher a mo com um punhado de terra mida, levou-a at onariz. O perfume suave e adocicado da vegetao apodrecendo misturava-se ao fedorpungente de guano, mas havia algo mais. Saurok, com certeza, mas havia mais.

    Aproximando ainda mais o punho do nariz, o troll cerrou os olhos. Depois, usouo polegar para peneirar a terra entre os dedos. Por fim, abriu novamente a mo e aestendeu. Fina como uma teia de aranha, evolando-se instvel como a fumaa de uma velasoprada, magia residual roou a palma de sua mo.

    E a encheu de urticria.Esse lugar barra pesada.

  • Voljin abriu novamente os olhos e caminhou pela antiga passagem rumo sentranhas da caverna. Quando chegaram s bifurcaes, os orcs examinaram as duaspassagens. Com a mo direita nua e espalmada, o troll no precisou agit-la no ar paraencontrar pistas. O que comeara como uma teia de aranha transformara-se em fiapo,depois em linha e agora ameaava tornar-se barbante e, depois, corda. Cada pedao surgiacom minsculos espinhos. A dor no aumentava, mas o emaranhado em sua mo crescia.

    Quando o fio de magia tornou-se espesso como uma corda de navio, elesencontraram uma imensa cmara vigiada pelos maiores sauroks que j haviam visto. Umlago subterrneo fumegava, ocupando quase todo o corao do salo. Centenas de ovosde sauroks talvez milhares espalhavam-se pelo cho, aquecidos enquantoamadureciam.

    Voljin ergueu uma das mos, sinalizando para que os outros parassem. Um viveirono corao da magia.

    Antes que Voljin tivesse a chance de compreender totalmente a dimenso de suadescoberta, os sauroks os descobriram e atacaram. O troll e seus aliados lutarambravamente. Os sauroks atacavam com fria, e, ainda que o grupo de Voljin tivesseprevalecido, todos estavam feridos e ensanguentados. Enquanto os companheiroscuidavam de seus ferimentos, Voljin partiu para investigar.

    Silenciosamente vadeou pelo lago e estendeu os braos. De olhos fechados, o trollgirou lentamente. Como cips na selva, os cabos mgicos invisveis agarraram-se aos seusbraos e enlaaram seu corpo. Envolto, sentindo seu toque ardente, Voljin compreendeuo lugar como s um caador sombrio poderia.

    Espritos gritavam uma agonia de eras. A essncia dos sauroks golpeou seu corpo,deslizando sobre seu abdome como a vbora coleara sobre o cho de pedra fria temposatrs. A serpente era verdadeira para consigo em natureza e esprito.

    Magia a atingira. Magia medonha. Magia que era um vulco, comparada brasa que amaioria dos magos dominava. Ela impregnava a serpente, atravessando seu espritodourado com mil espinhos negros. Os espinhos ento separaram isso e aquilo, cima ebaixo, dentro e fora, at mesmo passado e futuro, verdade e mentira.

    Com o olho da mente, Voljin assistia enquanto os espinhos repuxavam cada vezmais, estirando o ouro feito cordas de arco retesadas. De uma s vez, todos os espinhosse deslocaram novamente para o centro, arrastando as linhas douradas com eles,enovelando-as num emaranhado arcano. Os fios se retorciam e atavam. Alguns estalavam.Outros se dividiam, dando origem a novas pontas. Durante todo o processo, a vboraguinchava. O que ela antes fora, tornara-se outra criatura; enlouquecida pela experincia,mas malevel e complacente nas mos de seus criadores.

    Ela no estava sozinha.O nome saurok surgiu para ele um nome que no existia antes do primeiro ato

    selvagem de criao. Nomes tm poder, e aquele definia as novas criaturas. Tambmdefinia seus mestres, e puxava de lado o vu que ocultava a magia usada. Os moguscriaram os sauroks. Os mogus que Voljin conhecia como sombras evanescentes em

  • lendas obscuras. Que j estavam mortos.Sua magia, contudo, no estava morta. Uma magia capaz de recriar to

    completamente algo vinha da aurora do tempo, do incio de tudo. Os tits, moldadores deAzeroth, usaram-na em seus prprios atos de criao. O poder incrvel de tal feitiariano podia ser compreendido por uma mente s, muito menos dominado; ainda assim,sonhar com ela alimentava os mais insanos voos de poder.

    Revivendo a criao dos sauroks, Voljin alcanara uma verdade fundamental damagia. Era possvel ver um caminho, ainda que num mero vislumbre, para poder estud-la. A mesma magia que originara os sauroks poderia desfazer os murlocs, assassinos deseu pai, ou fazer com que os humanos voltassem a ser vraikalen, de quem obviamentederivavam. Fazer algo assim seria dar a um poder to grande um uso digno, e justificariaas dcadas de estudo que seu domnio requereria.

    O caador sombrio voltou a si. Alimentando tais pensamentos, ele se tornava presada mesma armadilha que sem dvida acometera os mogus. A magia imortal corrompia osmortais. No havia escapatria. A corrupo destruiria quem a controlasse. Eprovavelmente seu povo.

    Voljin reabrira os olhos, e viu Rakgor de p junto dos sobreviventes do grupo. Demorou pra c aparecer. O Chefe Guerreiro descobriu que existe uma ligao

    entre os mogus e essas criaturas. Os mogus so os criadores. J vi que esses mogus se amarram numa magia negra.

    A pele de Voljin se arrepiou quando o orc caminhou para a frente. a magia maistenebrosa que existe.

    O orc respondeu com um sorriso rpido, feroz: isso. O poder de dar forma carne, de fabricar guerreiros. isso o que o

    Chefe Guerreiro quer.Voljin sentiu o estmago dar um n. Garrosh quer brincar de Deus? Isso no tem nada a ver com a Horda! Ele sabia que voc no aprovaria.O orc atacou violentamente, sem misericrdia. A adaga atingiu o pescoo de Voljin,

    que cambaleou. sua volta, os companheiros saltaram para a batalha. Rakgor e seusaliados lutavam com um desprendimento inclemente, indiferentes prpria segurana,morrendo em seus esforos guerreiros. Talvez Garrosh os tivesse convencido de que,com a nova magia, poderia traz-los de volta, torn-los melhores.

    Voljin apoiou-se num dos joelhos e conteve os companheiros. Pressionando agarganta para fechar a ferida, ele disse:

    Garrosh se trai. Ele tem que acreditar que a gente morreu. nossa nica chancede deter Garrosh. Vo. Vigiem ele. Encontrem outros que nem eu. Faam um juramentode sangue. Pela Horda. Estejam prontos quando eu voltar.

    Assistindo aos companheiros partirem, ele realmente pensava que lhes dissera averdade. Mas quando tentou ficar de p, a agonia negra atravessou seu corpo. Garroshplanejara tudo. A lmina de Rakgor estava coberta com algum tipo de veneno. Seus

  • ferimentos no se curavam como deveriam, e sentia as foras abandonarem seu corpo. Elutava, resistindo nvoa que cobria sua mente.

    Talvez ele tivesse conseguido se mais sauroks no o tivessem encontrado. Ele mal selembrava de t-los enfrentado, s se recordava de lminas cortando a escurido. Dor deferidas que se recusavam a fechar. O frio tocando seus membros. Ele corria cegamente,chocando-se contra as paredes, cambaleando pelas passagens, esforando-se para ficar dep e continuar se movendo.

    Como sara da caverna e como chegara onde estava agora, no sabia dizer.Certamente no era o cheiro de uma caverna. Farejou algo assustadoramente familiar,oculto sob cataplasmas e unguentos. No era prudente supor que estava entre amigos. Oscuidados que recebia pareciam sugerir isso. Ou seus inimigos tratavam-no bem para faz-lo de refm e exigir pagamento para devolv-lo Horda.

    Eles vo ficar desapontados com a oferta de Garrosh.O pensamento quase o fez rir, mas ele no conseguia. Os msculos do abdome se

    enrijeceram, mas em seguida se soltaram, fatigados e doloridos. Ainda assim, a reaoinvoluntria do corpo era um alvio. Risadas eram para os vivos, no para os mortos.

    Como lembranas.No estar morrendo era o bastante por ora. Voljin respirou o mais fundo que

    pde e expirou lentamente. Antes de soltar todo o ar, j estava dormindo.

  • 3

    De p diante do ptio do Monastrio Shado-pan, Chen Malte do Trovo sentia frio, masno ousava dar nenhum sinal. Logo abaixo, junto aos degraus de onde j removera toda aneve, uma dzia de monges se exercitava descalos, alguns descobertos at a cintura.Juntos, com uma disciplina que Chen no vira nem mesmo entre as melhores tropas domundo, o grupo executava uma srie de posies. Rajadas de punhos e chutes velozescortavam o ar frio da montanha. Eles se moviam com fora e fluidez, poderosos comorios rasgando desfiladeiros furiosamente.

    Exceto pela parte da fria.De alguma maneira, os exerccios deixavam os monges num estado de paz.

    Contentes. Mesmo assistindo com frequncia ao treino, Chen ouvira parcas risadas eapenas em rarssimos momentos. Mas no havia raiva neles. Aquilo no era exatamente oque o Mestre Cervejeiro esperava do treinamento de tropas; de qualquer forma, ele noconhecia ningum como os Shado-pan.

    Podemos ter uma palavra, Mestre Cervejeiro?Chen virou-se para apoiar a vassoura na parede, mas se deteve. Aquele no era o

    melhor lugar para deix-la, no obstante a solicitao do Lorde Taran Zhu no eraexatamente uma pergunta; ele no podia deixar o lorde para cuidar da vassoura. Por isso,contentou-se em escond-la atrs do corpo e curvar-se diante do senhor do monastrio.

    A expresso de Taran Zhu permanecia impassvel. Chen no conseguia precisar aidade do monge, mas tinha convico de que nascera bem antes das irms Chiang. Noporque parecesse velho. Afinal, no parecia. Ele tinha a vitalidade potente de algum daidade de Chen ou, talvez, de Li Li. Havia algo nele, algo que tambm marcava omonastrio.

    Algo que ele compartilha com toda Pandria.

  • Pandria emanava uma antiguidade esquiva. A Grande Tartaruga era velha, asestruturas sobre seu casco tambm, mas nada se aproximava da venerabilidade domonastrio. Chen crescera entre construes que ecoavam a arquitetura pandarnica, masque estavam para a original como o castelo de areia erigido por um filhote para suainspirao. No que no fossem maravilhosas, s no eram a mesma coisa.

    Depois de manter o corpo curvado por um tempo suficientemente respeitoso, Chense endireitou.

    O que posso fazer pelo senhor? Acaba de chegar uma missiva de sua sobrinha. Conforme sua solicitao, ela

    visitou a cervejaria e informou todos de que sua ausncia seria prolongada. Agora, Li Lipartir rumo ao Templo do Tigre Branco. O monge inclinou sutilmente a cabea. Fico grato pela ltima parte. O esprito de sua sobrinha forte e irrefrevel. Sua ltimavisita

    Chen balanou a cabea rapidamente. Ser a ltima. Fico contente em ver que o Irmo Huon-kai no est mais

    mancando. Ele est recuperado, de corpo e esprito. Taran Zhu semicerrou os olhos.

    Seu ltimo refugiado ainda no teve a mesma sorte. H sinais de que o troll recuperou ossentidos, mas sua recuperao ainda deveras lenta.

    Mas que maravilha. Digo, no que sua recuperao seja lenta, que ele tenhaacordado. Chen fez meno de estender a vassoura para Taran Zhu e hesitou. Vouguardar isso no caminho para a enfermaria.

    O velho monge ergueu uma pata. Ele dorme agora. a respeito dele, e do homem que o antecedeu, que quero lhe

    falar. Sim, Lorde.Taran Zhu girou e, num piscar de olhos, j havia percorrido uma calada toda que

    Chen no limpara. Os movimentos eram to graciosos que suas vestes de seda noemitiam nenhum som. Na neve, nem sinal de rastro. Chen se sentia um lagarto trovejantecom patas de pedra tentando acompanh-lo.

    O senhor do monastrio desceu uma escadaria e atravessou portas pesadas, escuras,avanando por corredores mal iluminados. As pedras estavam dispostas em um padrointeressante que unia os blocos e os desenhos entalhados em cada um. Nas poucas vezesque Chen se oferecera para varr-las, passara mais tempo perdido em suas linhas e curvasque usando a vassoura.

    A jornada terminou num grande salo iluminado por quatro lmpadas. O meio doaposento circular fora reservado a um tapete de junco; no centro, uma pequena mesa, umbule, trs xcaras, um misturador, uma concha de bambu, uma caixa de ch e umapequena chaleira de ferro.

    Logo ao lado, de joelhos, estava Yalia Sbio Sussurro; de olhos fechados e patasrepousadas sobre o colo.

  • Ao v-la, Chen no conseguiu conter um sorriso; e suspeitou que Taran Zhu no ssabia que sorria, mas tambm quantos dentes mostrava. Yalia chamara sua ateno desdeque seus olhos a viram na primeira visita ao monastrio. E no s porque era linda. Amonja pandarena tinha algo de forasteira, e Chen notara; ento notara como ela tentavaesconder aquilo. Os dois haviam conversado brevemente, poucas vezes. Ele se lembravade cada palavra e se perguntava se ela tambm.

    Yalia se ergueu e se curvou, primeiro para Taran Zhu, depois para Chen. A primeirasaudao foi consideravelmente mais longa que a segunda, mas Chen observou comateno e demorou-se tanto quanto ela ao se curvar. Taran Zhu indicou um assento naponta da mesa retangular, junto chaleira. Chen e Yalia curvaram os joelhos e sesentaram, e Taran Zhu os seguiu.

    Perdoe-me, Mestre Malte do Trovo, duas coisas. Primeiro, gostaria de pedir quese incumbisse de preparar o ch.

    uma grande honra, Lorde Taran Zhu. Chen ergueu os olhos. Agora? Sim, se no tiver dificuldade em trabalhar e ouvir ao mesmo tempo. De maneira alguma, Lorde. E, em segundo lugar, perdoe-me por convidar a Irm Yalia. Senti que sua

    perspectiva poderia nos iluminar.Yalia curvou a cabea Chen sentiu um leve arrepio ao ver parte de seu pescoo

    exposto , mas como no disse nada, Chen tambm permaneceu calado. Assim quecomeou a preparar o ch, ele imediatamente percebeu algo ao qual no estava habituado,mesmo tendo passado grande parte de sua estada em Pandria no monastrio.

    Na tampa da chaleira de ferro, motivos ocenicos haviam sido entalhados comesmero. O bule de terracota tinha o formato de um barco, e a asa, de uma ncora. Essasescolhas no eram acidentais, apesar de Chen no conseguir nem imaginar qual era amensagem que anunciavam.

    Irm Yalia, h um navio na baa. Ele est estvel. O que o estabiliza?Chen colheu cuidadosamente uma concha da gua quente da chaleira e recolocou a

    tampa sem emitir rudo, para no distra-la. Depois, verteu a gua no bule ecuidadosamente transferiu o p do ch verde da caixa para o recipiente. Aves vermelhas epeixes pintados sobre o fundo negro decoravam a tampa da caixa, e uma srie desmbolos que circundavam o meio representavam os distritos de Pandria.

    Yalia ergueu os olhos e disse com a voz suave feito as primeiras flores da cerejeira: Eu diria, Lorde, que a gua que mantm o navio estvel. a base do navio. a

    razo para sua existncia. Sem gua, sem oceano, no haveria navio algum. Muito bem, Irm. Ento voc diria que a gua Tushui, para usar o termo

    comum em Shen-zin Su. Fundao, meditao, contemplao. Como voc mesma disse,sem gua no h razo para a existncia do navio.

    Sim, Lorde.Chen observava o rosto da pandarena, mas no havia nem sinal de busca por

    aprovao. Ele no teria agido da mesma forma. Com certeza morreria de curiosidade

  • para saber a resposta. Mas ocorreu-lhe que Yalia sabia que estava certa. Lorde Taran Zhupedira sua opinio, portanto no havia possibilidade de a resposta que oferecera estarerrada.

    Com a ponta da lngua escapulindo pelo canto da boca, Chen mergulhou omisturador no bule. Vigorosamente, porm com suavidade. No para esmagar o ch, maspara mistur-lo gua. Ele limpou os cantos, arrastando as folhas trituradas para o meionovamente e continuou. O Mestre Cervejeiro trabalhava com velocidade, transformandoos dois elementos distintos numa espuma verde que esparrinhava na asa do navio deargila.

    Taran Zhu apontou para o bule: H outros, claro, que sustentariam que a ncora a fonte da estabilidade do

    navio. Sem a ncora para manter o navio no lugar, o vento e as ondas atirariam aembarcao contra a praia. A ncora agarrando-se ao fundo da baa o que salva o navioe, sem ela, ele nada seria.

    Yalia curvou a cabea. Se me permite, Lorde, o senhor quer dizer que a ncora Huojin. Ao

    impulsiva, decisiva. o que se pe entre o navio e o desastre. Muito bom. O monge ancio observou enquanto Chen acrescentava a ltima

    concha de gua e prendia novamente a tampa no bule. Voc compreende o quediscutimos, Chen Malte do Trovo?

    Chen meneou a cabea e deu alguns tapinhas no recipiente: Tudo a prumo. O ch ou sua compreenso? O ch. Em apenas alguns minutos. Chen sorriu. Mas sobre a gua, a ncora

    e o navio Estou aqui pensando. Sim? Eu diria que a tripulao. Porque mesmo que houvesse um oceano, se no

    houvesse uma tripulao querendo saber o que h do outro lado do oceano, no haverianavio. E a tripulao quem decide quando fundear, quando navegar. A gua importante, e a ncora tambm, por serem o incio e o fim, mas a tripulao quem fazas descobertas.

    Chen, que gesticulava com as patas para complementar a explicao, parou. Isso no tem nada a ver com navios, tem? No. Sim. Taran Zhu fechou os olhos por um instante. Mestre Malte do

    Trovo, voc trouxe dois navios para o meu porto. Eles esto ancorados aqui. Mas noposso acolher mais navios.

    Chen olhou para ele. Tudo bem. Posso servir? Voc no se importa em saber o motivo? O senhor o capito do porto. Eu acato suas decises. Chen serviu Taran Zhu,

    depois Yalia e, por fim, a prpria xcara. Cuidado, ainda est quente. Melhor deixar as

  • folhas se acomodarem no fundo primeiro.Taran Zhu ergueu a xcara e aspirou o vapor. Aquilo parecia relax-lo. Chen j vira

    atitudes semelhantes diversas vezes. Uma das grandes alegrias da vida e da prtica decervejeiro era como aquilo afetava a vida das pessoas. Claro, a maioria preferia suascriaes alcolicas ao ch, mas um bom ch, feito com esmero, tinha um encanto nico.E sem ressaca no dia seguinte.

    O lder do monastrio sorveu um gole e abaixou a xcara. Depois, acenou a cabeapara Chen. Era a permisso para que os dois tambm bebessem. Chen teve certeza de queviu um sorriso se insinuar no canto da boca de Yalia. Sua prpria opinio era de quefizera um excelente trabalho.

    Taran Zhu o observava com os olhos semicerrados: Permita-me recomear, Mestre Malte do Trovo. Voc deseja saber por que estou

    disposto a permitir que seus dois navios fiquem ancorados no meu porto?Chen respondeu sem pensar: Sim, Lorde. Por qu? Por que eles esto em equilbrio. Seu troll, pelo pouco que voc mencionou e

    por ser um caador sombrio, certamente de Tushui. O outro, o homem que todos osdias sobe um pouco mais a montanha e retorna, ele de Huojin. Um pertence Horda,ou outro, Aliana. Os dois, por natureza, opem-se, e essa oposio que os une e lhesd significado.

    Yalia repousou a xcara sobre a mesa: Perdoe-me, Lorde, mas no possvel, dada a contraposio, que ambos acabem

    se matando? Essa no uma possibilidade que tenho razo para desconsiderar, Irm. A

    inimizade entre a Horda e a Aliana profunda. Esses dois portam muitas cicatrizes. Ohomem as traz na mente, talvez seu troll tambm, Chen. E certo como o rio chega ao mar,algum tentou assassin-lo. Se foras da Aliana o emboscaram, ou se a Horda agora caaos seus, no sei dizer. Contudo, no podemos permitir que se matem aqui.

    Chen balanou a cabea. No acho que Tyrathan faria isso. E Voljin, bem, eu sei O pandaren hesitou,

    ouvindo memrias fervilharem em sua mente. Eu falarei com Voljin, posso? Paraexplicar esse negcio a de no matar.

    Uma careta franziu o rosto de Yalia. No me considere cruel, Mestre Malte do Trovo, mas devo perguntar se dar

    guarida aos dois aqui no nos implica em poltica e contendas estrangeiras. No podemostir-los daqui, talvez mand-los de volta para sua gente?

    Taran Zhu balanou lentamente a cabea: J estamos implicados, e eles provaram seu valor. A Aliana e a Horda ajudaram

    com os sha nas Estepes de Taolong. Voc sabe o mal que os sha representam, e comoestamos espalhados. Como h muito dito, o inimigo de meu inimigo meu amigo, noimporta que destruio cause, e os sha sempre foram os inimigos de Pandria.

  • Chen quase soltou um se voc dorme com os ces, acorda com pulgas, mas sedeteve. No que no fizesse sentido, porm no seria de grande ajuda, especialmenteconsiderando o fato de que muitos pandarens consideravam andarilhos como ele e LiLi ces selvagens. Sua esperana era de que Yalia no o visse dessa forma, e no seria elequem lhe apresentaria aquela noo.

    Chen abaixou a cabea sutilmente: No tenho certeza, Lorde, de que possvel fazer os dois, meus navios ou a

    Horda e a Aliana, trabalharem juntos permanentemente, no importa o quo perigososeja o inimigo mtuo.

    Taran Zhu abafou uma risada quase totalmente, sem emitir nenhum som e exibindonada alm do fantasma de um sorriso:

    No esse o propsito de manter seus navios no porto, Chen. Estando aqui, otroll e o humano podem aprender conosco; e quando eles aprendem conosco, nsaprendemos com eles. Como voc sabiamente sugere, quando no houver mais inimigopara uni-los, eles estaro uma vez se atracando em combate; ento ser a hora deescolhermos quem receber nossa amizade.

  • 4

    Voljin dos Lananegra decidiu no se mover. Afinal, era prefervel escolher no se movera perceber que estava fraco demais para isso. Ainda que as mos que o tratavam fossemgentis e respeitosas, ele no poderia afast-las mesmo que fosse seu maior desejo.

    Ajudantes que ele no podia ver afofavam almofadas e empurravam-nas atrs delecom o intuito de levant-lo. Ele teria protestado, mas a dor no pescoo tornava qualquercoisa alm de grunhidos e uma ou outra palavra simples impossvel. A escolha bvia parem independente de como fosse dita, apenas zombaria de sua impossibilidadede det-los. Mesmo aceitando o silncio, e a despeito da vaidade, o troll descobriu que asrazes de sua inquietao eram muito mais profundas.

    Camas e travesseiros macios no eram confortos que interessavam aos trolls. Umaesteira fina sobre o piso de madeira era o pice da opulncia nas Ilhas do Eco. Muitosdormiam sobre a terra e buscavam abrigo apenas eventualmente, como em caso detempestade. A areia era uma cama melhor que a pedra dura de Durotar, mas os trolls noeram dados a reclamaes sobre acomodaes ruins.

    A insistncia na maciez e no conforto irritava porque salientava sua fraqueza. Aparte pensante de sua mente no podia negar que uma cama macia tornava o tratamentodos ferimentos muito mais fcil. Ele sem dvida dormia melhor. Mas, ao chamar atenopara sua debilidade, ela de alguma maneira negava sua natureza troll. Os trolls estavampara a dureza e uma vida difcil como os tubares para o mar aberto.

    Tirar isso de mim a mesma coisa que me matar.A batida de uma cadeira ou banqueta ao seu lado o surpreendeu. Ele no ouvira

    ningum se aproximar. Voljin farejou e o cheiro que captou oculto sob os demaisatingiu-o com a fora de um soco. Pandarens. Pandarens no, um pandaren.

    Calma e calorosa, a voz de Chen Malte do Trovo veio como um sussurro:

  • Eu teria vindo antes, mas Lorde Taran Zhu no considerou prudente.Voljin se esforou para responder. Havia milhes de coisas que queria dizer, mas

    sua garganta permitiu apenas algumas poucas palavras: Amigo. Chen. Por algum motivo o nome do pandaren saiu mais fcil, com

    suavidade. impossvel pegar voc de surpresa. Voc muito bom nisso. Vestes

    farfalharam. Feche os olhos. Vou remover as bandagens. Os curadores dizem que seusolhos no foram feridos, mas eles no queriam que voc se alarmasse.

    Voljin assentiu com a cabea, sabendo que Chen tinha alguma razo. Se umestrangeiro fosse trazido para as Ilhas do Eco, ele tambm vendaria seus olhos at decidirse o prisioneiro era merecedor de confiana. Sem dvida era esse o pensamento de TaranZhu; por algum motivo, ele decidira que Voljin era um merecedor.

    Aposto que Chen tem a ver com isso.O pandaren desfez cuidadosamente a bandagem. Minha pata est cobrindo seus olhos. Abra-os e eu a afastarei lentamente.O troll obedeceu, soltando um grunhido de satisfao. Chen aparentemente

    considerou assim, pois afastou a pata e deu um passo atrs. A luz fez os olhos do trolllacrimejarem; em seguida, a imagem de Chen entrou em foco. O pandaren estavaexatamente como Voljin se lembrava uma compleio robusta com um qu de jovialidade, e olhos dourados que emanavam inteligncia. V-lo foi um alento.

    Voljin abaixou os olhos para ver o prprio corpo e quase os fechou outra vez.Lenis o cobriam at a cintura, enquanto a maior parte do restante do corpo estavaenvolvida em ataduras. Ele notou que as duas mos e todos os dedos estavam no lugar. Ovolume sob a roupa de cama sugeria que os membros inferiores tambm estavamintactos. O troll sentia as bandagens apertarem-lhe o pescoo, e uma comicho indicavaque pelo menos parte de uma das orelhas fora costurada de volta.

    Fitando a mo direita, ele desejou que os dedos se movessem. Mesmo vendo omovimento, s depois de alguns instantes ele o sentiu. Era como se estivessemimpossivelmente distantes e, ainda assim, diferente de quando acordara, ele podia senti-los. J alguma coisa.

    Chen sorriu: Sei que h muitas coisas que voc quer saber. Devo comear pelo incio ou pelo

    fim? O meio no daria um bom comeo, mas posso comear por ele. Apesar de que issofaria do meio o comeo, no mesmo?

    A voz de Chen se elevava conforme as explicaes tornavam-se cada vez maisintrincadas. Vrios pandarens deram as costas, antecipando o tdio e perdendo ointeresse pela conversa. Ao notar a presena deles, Voljin tambm notou as paredes depedra antiga e escura. Assim como outras partes de Pandria, o lugar recendia a tempo, eali tambm, a fora.

    Voljin queria dizer comeo, mas a garganta o impedia. Fim no.

  • Chen olhou para trs e aparentemente notou que os outros pandarens escolheramignor-lo.

    Ento, o comeo. Pesquei voc de um riacho longe daqui, na Vila Binan. Fizemoso que foi possvel para ajud-lo. Voc no morria, mas tambm no melhorava.Aparentemente a faca que cortou sua garganta estava envenenada. Eu trouxe voc para c,para o Monastrio Shado-pan, que fica no Monte Kun-Lai. Se algum podia ajudar, seriamos monges.

    O pandaren parou por um instante e, ao examinar os ferimentos de Voljin, meneoua cabea. O troll no detectou nenhum sinal de pena na inspeo, o que o agradou.Quando no estava fazendo palhaadas, Chen sempre fora sbio; e Voljin sabia que ele sepassava por palhao para que os outros subestimassem sua verdadeira inteligncia.

    No consigo nem imaginar tropas da Aliana fazendo isso com voc.Voljin semicerrou os olhos. Minha. Cabea. J era.O pandaren abafou uma risada. Algum estaria ceando na companhia do rei de Ventobravo com sua cabea numa

    bandeja, sem dvida. Mas imaginei que voc nunca permitiria que a Aliana pegasse voconde poderiam machuc-lo assim.

    Horda. Voljin sentiu um aperto no estmago. No, Horda no. Garrosh. Suagarganta se fechou completamente antes que pudesse proferir o nome, e um gosto amargoinundou sua boca.

    Chen recostou-se na cadeira, coando o queixo. Foi por isso que o trouxe aqui. De toda sorte, no havia outra forma de cuidar de

    voc, mas sua segurana O Mestre Cervejeiro inclinou o corpo para a frente e baixouo tom de voz: Garrosh lidera a Horda agora que Thrall no est por perto, no ?Eliminando os rivais.

    Voljin se afundou nos travesseiros de novo: No. Sem. Razo.Chen soltou outra risada abafada, e, por mais que tentasse, Voljin no via nenhum

    sinal de reprovao. No h cabea da Aliana que j no tenha se deitado e no tenha tido pesadelos

    com voc. No surpreende que algumas da Horda sintam o mesmo.Voljin tentou sorrir. Nunca. Voc? Eu no, nunca. Gente como eu, como Rexxar, ns vimos voc em batalha, furioso

    e terrvel. Tambm vimos voc chorar a morte do seu pai. Voc foi leal a Thrall, Horda, tribo Lananegra. A questo , quem no consegue ser leal no consegue acreditarquando outros so. Eu acredito na sua lealdade. Gente como Garrosh pensa que s umamscara traioeira.

    Voljin assentiu com a cabea. Ele queria que sua voz estivesse bem o suficiente paracontar a Chen sobre sua ameaa a Garrosh. Ele tinha certeza de que no importaria para o

  • pandaren. A lealdade de Chen o levaria a racionalizar uma dezena de justificativas para abravata, e o estado atual de Voljin confirmava cada uma delas.

    Isso s serviria pra provar a amizade que ele sente por mim. Quanto. Tempo? Tempo suficiente para terminar a cerveja da primavera e chegar metade de um

    panach de fim de estao. Talvez no incio do vero. Pandarens no se preocupam tantocom o tempo, e os de Pandria, menos ainda. Um ms desde que o encontramos, duassemanas e meia aqui. Os curandeiros enfiaram um caldo pela sua goela para te fazerdormir. Chen ergueu a voz para ajudar aqueles que comeavam a se aproximar. Eudisse que podia fazer um ch preto com algas e frutas e tirar voc da cama rapidinho, maseles no acham que um cervejeiro sabe o suficiente sobre cura. Ainda assim cuidaram devoc, ento at que no so to maus curandeiros.

    O troll fez um esforo para umedecer os lbios, s que mesmo isso parecia exauri-lo. Duas semanas e meia e ainda t nesse estado. Bwonsamdi me deixou ir, mas no tprogredindo como deveria.

    Chen inclinou o corpo outra vez, baixando a voz: Lorde Taran Zhu lidera os Shado-pan. Ele concordou em permitir que voc fique

    at estar recuperado. Mas existem condies. Como tanto a Aliana quanto a Hordagostariam de continuar... cuidando de voc, cada um sua maneira

    Voljin encolheu o corpo o mximo que pde: Intil. e considerando que voc est se recuperando, ouvir no vai fazer mal. Chen

    balanou a cabea, pedindo calma com um gesto da pata. Lorde Taran Zhu quer quevoc aprenda conosco. Bem, no conosco. A maioria dos pandarens daqui considera ospandarens crescidos em Shen-zin Su como ces vira-latas. Ns nos parecemos com eles,falamos como eles, temos o mesmo cheiro, mas somos diferentes. Eles no tm certezado que somos. Primeiro eu fiquei confuso, depois pensei que muitos trolls devemenxergar os Lananegra da mesma maneira.

    No. Mentira. Voljin fechou os olhos por um instante. Se Taran Zhu quer queeu aprenda sobre os pandarens, ele vai me estudar. Do mesmo jeito que eu faria com ele.

    Ele acha que voc Tushui, mais racional e estvel. Eu contei muito sobre voc, eeu tambm acho isso. Ele nunca viu um Tushui na Horda. Ele quer entender por que voc diferente. Isso significa que ele quer que voc aprenda a cultura pandarnica. Algumaspalavras, nossos costumes. Ele no quer que voc seja um desses trolls que vo aoPenhasco do Trovo e se tornam taurens azuis. Ele quer que voc compreenda.

    Voljin abriu os olhos novamente e assentiu com a cabea. Ento, olhando bem,percebeu que Chen titubeava:

    Qu?Chen virou os olhos para cima, tamborilando nervosamente as pontas dos dedos: Bem, veja s, Tushui equilibrado por Huojin. Quer dizer, mais impulsivo, do

    tipo que mata primeiro e conta as carcaas depois. Como Garrosh decidindo matar voc.

  • Uma coisa bem Hordeira hoje em dia. No o que a Aliana faz. E? Essas coisas esto equilibradas agora. Taran Zhu me falou sobre gua, ncoras,

    navios e um monte de coisas. Muito complicado, e eu no vou nem mencionar atripulao. O que importa o equilbrio. Ele realmente gosta do equilbrio e, veja s, atvoc chegar, elas estavam desequilibradas.

    Mesmo tendo que se esforar muito, Voljin arqueou uma sobrancelha. Bem Chen olhou por cima do ombro na direo de uma cama vazia.

    Cerca de um ms antes de encontrar voc, encontrei um homem vagando seriamenteferido, a perna quebrada no, destruda. Eu tambm o trouxe para c. Ele est umpouco melhor que voc, mas trolls se curam mais rpido. E Lorde Taran Zhu quer quevoc fique sob os cuidados dele.

    Um reflexo percorreu a mente de Voljin e, mesmo fraco como estava, causou umestremecimento que percorreu todo o seu corpo.

    No!Chen estendeu os braos, segurando o troll com as duas patas. No, no, no, voc no entende. Ele est aqui sob as mesmas restries que

    voc. Ele no vai Eu sei que voc no est com medo de um humano, Voljin. LordeTaran Zhu espera que ajudando voc a se curar, esse homem tambm se cure. Isso partede quem somos, amigo. Restaure o equilbrio e voc fortalece a cura.

    Mesmo com Chen mantendo as patas suaves e segurando-o gentilmente, Voljin eraincapaz de oferecer resistncia. Por um instante que durou uma batida de corao, o trollimaginou que os monges o tinham envenenado com a poo que o fizeram engolir paradeix-lo fraco. Porm, isso necessariamente teria que ser feito com a anuncia de Chen, eele jamais teria concordado.

    Voljin repeliu a raiva e a frustrao. Lorde Taran Zhu no queria apenas estud-lo,queria ver como agiria na presena de um humano. Voljin poderia discorrer sobre alonga histria das relaes entre trolls e humanos, quem sabe esclarecer por que o dioera to forte. Voljin matara mais homens do que se preocupava em contar. Longe deperder o sono por isso, ele, na verdade, dormia melhor por t-lo feito. E podia apostarque o humano no monastrio sentia o mesmo.

    O troll percebeu que, mesmo que Taran Zhu tivesse conhecimento de toda ahistria, os relatos estariam modificados pela natureza de quem os contara. Reunindo umtroll e um homem, ele poderia assistir, aprender e fazer seu prprio julgamento.

    Um jeito esperto de sacar essa parada. Voljin fez questo de relembrar que noimportava o quanto Chen tivesse dito ao Lorde Taran Zhu sobre ele; para o mongepandaren, Voljin no passava de um troll. Com certeza tampouco importava o pedigreedo humano. Quem eram no tinha relao alguma com a reao que teriam um ao outro.Era essa a informao que o pandaren queria. Saber isso, e perceber que poderiacontrolar as informaes, deu poder a Voljin.

    Ele ergueu os olhos para Chen.

  • Voc. Aprova?A surpresa encheu os olhos de Chen, que sorriu. o melhor para voc e para ele, para Tyrathan. As nvoas ocultaram Pandria

    por muito tempo. Voc e ele esto ligados por vnculos que os pandarens nuncacompreendero. Vocs se curaro melhor juntos.

    Para. Depois. Matar.Chen franziu o cenho. Provavelmente. Ele no est mais contente que voc, mas vai concordar para

    poder continuar aqui.Voljin fez um movimento brusco com a cabea: Nome? Tyrathan Korth. Voc no o conhece. Ele no tem na Aliana o mesmo status que

    voc na Horda. Mas ele era um homem importante. Era um lder das foras da Alianaaqui. E seus ferimentos no foram causados por assassinos do rei. Tudo o que sei queele se feriu numa batalha para ajudar Pandria. por isso que Lorde Taran Zhuconcordou em acolh-lo. Ele carrega uma grande tristeza que nada parece curar.

    Nem. Cerveja?O pandaren balanou a cabea com o olhar distante. Ele bebe e aguenta bem, mas no um grande bebedor. Introspectivo e quieto.

    Outro trao que vocs compartilham. Tushui, no?Chen jogou a cabea para trs e explodiu em gargalhadas: Eles podem cortar seu corpo, mas no conseguem machucar sua mente. Sim,

    parece Tushui, e isso desfaria o equilbrio. Mas todos os dias, desde que conseguiu ficarde p com as muletas pela primeira vez, ele sai para subir a montanha. Muito Huojin.Ento ele para. Cem metros, duzentos metros, depois volta, exausto. No fisicamente, masno esprito. Muito Huojin.

    Muito curioso. Por que ser Voljin se recomps e fez um pequeno movimentocom a cabea para Chen.

    Muito. Bom. Amigo. Talvez voc consiga descobrir.O que significa que vou ter que tolerar esse cara, j que o que todo mundo quer.

    Voljin suspirou e deixou a cabea repousar sobre os travesseiros. E, por enquanto, eu tcom todo mundo.

  • 5

    Os monges no exigiram de Voljin que desse ao homem permisso para cuidar de seucorpo, pois o troll jamais aceitaria. Voljin no sentia nenhuma malcia na eficincia firmecom que os pandarens o lavavam, cuidavam de suas feridas, trocavam os lenis e oalimentavam. Mas percebeu que os monges, um de cada vez, cuidavam dele por um diainteiro, desapareciam por dois dias e voltavam para repetir o turno. Depois de trs diasna tarefa, saam do rodzio e no retornavam mais.

    Taran Zhu s aparecia vez ou outra. Ele sabia que o velho monge o observava commais frequncia do que ele podia perceber; provavelmente, s tomava conhecimento doLorde quando o ancio assim desejava. Para o troll, o povo de Pandria se parecia comseu mundo envolto numa nvoa que permitia apenas raros vislumbres. Embora Chentivesse um pouco daquilo, ele era um dia ensolarado se comparado complexidadeelusiva dos monges.

    Voljin passava muito tempo observando, decidindo o que revelaria de si. Apesar dea garganta estar curada, a cicatriz tornava a fala difcil e um pouco dolorosa. Os pandarensno percebiam, mas o ferimento roubara da lngua troll a fluidez meldica que lhe erapeculiar. Se comunicao sinal de vida, os assassinos conseguiram me matar. Ele esperavaque os loa que permaneceram quietos e distantes durante sua recuperao aindareconhecessem sua voz.

    Com algum esforo, Voljin conseguira aprender um pouco do idiomapandarnico. O fato de que os pandarens tinham cerca de meia dzia de palavras paraquase tudo significava que ele poderia escolher aquela cuja pronncia causaria menosdesconforto. O fato de que os pandarens tinham tantas palavras com as quais acomunicao podia comear a refletir a dificuldade de conhecer esta raa. O idioma tinhanuances que um estrangeiro jamais compreenderia, e os pandarens poderiam muito bem

  • usar isso para mascarar suas verdadeiras intenes.Voljin queria ter exagerado sua fraqueza ao lidar com o homem, mas teria feito

    pouca diferena. Apesar de alto para os padres humanos, Tyrathan no era robustocomo um guerreiro de sua raa. Mais esguio, as cicatrizes no antebrao esquerdo e oscalos cobrindo os dedos da mo direita indicavam que era um caador. Ele usava o cabelobranco curto e solto. A boca era emoldurada por um bigode e um cavanhaque, tambmembranquecidos e ainda ralos. Portava as vestes simplrias de um novio rsticas,marrons e grandes demais para ele, por serem feitas para um pandaren. Talvez para umapandarena, suspeitava Voljin, uma vez que as roupas no sobravam tanto assim.

    Mesmo no forando o homem a cuidar do corpo de Voljin, os monges exigiramque ele se incumbisse das roupas e dos lenis do troll. O homem obedeceu semcomentrios ou reclamaes, e foi deveras eficaz o tecido voltou totalmente livre dendoas, alguns perfumados com ervas e flores.

    Duas coisas no homem asseguravam Voljin de que ele era perigoso. A maioria teriapercebido os calos e o fato de que sobrevivera sem muitas cicatrizes, s para comear.Mas para Voljin eram os olhos verdes e ariscos, o jeito de virar a cabea ao ouvirqualquer som, a pausa que fazia antes de responder at mesmo pergunta mais simples;aquele era o comportamento de um homem incrivelmente observador. No que fosseincomum entre homens com a mesma vocao, mas daquele jeito, s nos que eram muitobons.

    O outro aspecto era sua pacincia. At perceber que era intil, Voljin causou vriospequenos acidentes para fazer com que Tyrathan trabalhasse mais. Talheres derrubados ecomida espalhada sobre a roupa em nada perturbavam o homem. Voljin chegou atmesmo a esfregar comida para manchar a roupa, mas as vestes voltaram impecveis.

    O modo como cuidava de seu prprio ferimento ressaltava a pacincia mpar.Apesar de as roupas esconderem as cicatrizes, o humano mancava ao caminhar o ladoesquerdo do quadril estava evidentemente totalmente enrijecido. Cada passo devia serterrivelmente doloroso. O homem no conseguia sequer esconder as caretas de dor,embora o esforo de tentar fizesse honra at a Taran Zhu. Ainda assim, depois que o solse escondia atrs do horizonte, ele saa diariamente para percorrer a trilha que levava at ocume da montanha sobre eles.

    Depois de se alimentar, Voljin se sentou na cama e balanou a cabea enquanto ohomem se aproximava. Tyrathan trazia um tabuleiro quadriculado e dois recipientescilndricos um vermelho, o outro preto , cada qual com um orifcio redondo nocentro da tampa. O homem deixou os objetos sobre a mesa, puxou a cadeira que estavajunto da parede e se sentou.

    Pronto para o jihui?Voljin assentiu com a cabea. Ainda que soubessem os nomes um do outro, jamais

    os usavam. Chen e Taran Zhu disseram-lhe que o homem era Tyrathan Korth. Voljinpresumia que tambm o tivessem informado acerca de sua identidade. Se carregava algumtipo de hostilidade, o humano no demonstrava. Com certeza ele sabe quem eu sou.

  • Tyrathan pegou o cilindro preto, girou a tampa e despejou o contedo sobre otabuleiro. Vinte e quatro cubos estalaram e danaram sobre a superfcie de bambu. Todostraziam smbolos inscritos em vermelho sobre um fundo preto, incluindo pontos paraindicar movimento e uma seta para a direo. Para provar quantos havia, o homem osseparou em grupos de seis e, em seguida, enfiou-os novamente no recipiente.

    Voljin tocou uma pea: Esse lado.O homem acenou positivamente com a cabea e chamou uma monja usando uma

    verso precria do idioma pandarnico. Os dois conversaram rapidamente o humanode maneira hesitante, e a monja, como se falasse com uma criana. Tyrathan curvou acabea rapidamente e agradeceu.

    Em seguida, virou-se novamente para Voljin: A pea o navio. O lado, o navio de fogo. Tyrathan virou o cubo de forma que

    o glifo pandarnico ficasse de frente para Voljin. Depois repetiu navio de fogo emperfeito Zandali.

    Seus olhos se ergueram a tempo de ver a reao de Voljin. Selva do Espinhao. Teu sotaque.Tyrathan apontou para a pea, ignorando o comentrio: O navio de fogo uma pea importante para os pandarens. Ele destri tudo, mas

    consumido na destruio. Sai do jogo. Ouvi dizer que alguns jogadores queimam a pea.Dos seis navios na sua esquadra, s um pode se tornar navio de fogo.

    Valeu.O jihui encapsulava muito da filosofia pandarnica. Cada pea tinha seis lados. O

    jogador podia se mover conforme a indicao no lado superior ou virar a pea uma vez e,ento, escolher entre se mover ou atacar. Tambm era permitido selecionar um ladoaleatoriamente rolando a pea, para depois devolv-la posio e voltar jogar. Essa era anica maneira de o lado do navio de fogo aparecer para um navio.

    O jogador tambm podia escolher no se mover e, em vez disso, sacaraleatoriamente outra pea, sacudindo e virando o cilindro sobre a mesa. A primeira a sairpelo furo seria posta em jogo. Se duas cassem, a segunda seria removida do tabuleiro e oadversrio ganharia o direito de sacar uma pea aleatria sem penalidade.

    Ao mesmo tempo que encorajava o raciocnio, o jihui incorporava certaimpulsividade. O jogo equilibrava deliberao e sorte que poderia ser punida. Aderrota de um jogador com menos peas no era uma grande derrota. Render-se a umaposio superior, a despeito do nmero de peas em jogo, no era considerado umadesonra. Mesmo que a meta fosse eliminar as peas do adversrio, jogar com esse nicoobjetivo era visto como indelicadeza e at sinal de barbarismo. Geralmente um dosjogadores acabava encurralado e se entregava, apesar de que alguns se apoiavam na sortepara dar a volta por cima e vencer.

    Chegar a um impasse, para alcanar um perfeito equilbrio entre as foras, essa era amaior vitria.

  • Tyrathan estendeu o cilindro vermelho na direo de Voljin. Cada um sacou meiadzia de cubos, centralizando-os na ltima linha da grade de doze por doze casas. Todosforam posicionados com o menor valor virado para cima, de frente para o adversrio.Depois, sorteando mais um cubo de cada cor, os dois compararam os valores mais altos.Tyrathan venceu Voljin, por isso se moveria primeiro. Os cubos voltaram para oscilindros e o jogo comeou.

    Voljin deslocou uma das peas para a frente: Seu pandarnico. Bom. Melhor que eles imaginam.O homem levantou uma das sobrancelhas sem tirar os olhos do tabuleiro: Taran Zhu sabe.Voljin estudava o campo de batalha, assistindo manobra de flanqueamento do

    humano se desfraldar. C caa. Que rastro ele deixa? Fugidio, mas forte quando quer que voc o veja. O homem roeu o canto da

    unha do polegar. Boa ideia, mudar a direo do arqueiro. Teu movimento com a pipa tambm. Voljin no vira hesitao no movimento,

    mas seu comentrio fez com que o olhar de Tyrathan examinasse a pea mais uma vez.Depois de observar fixamente, procurando por algo, o homem olhou para o recipiente.

    O troll antecipou sua jogada. Tyrathan lanou o cubo, que girou e parou. O navio defogo. Ele o posicionou junto ao arqueiro, fortalecendo o flanco. O equilbrio do jogohavia mudado no a favor de um jogador, mas para longe daquele canto da mesa.

    Tyrathan acrescentou outra pea um guerreiro que, mesmo no caindo com olado mais forte voltado para cima, era forte o suficiente. Os cavalos, que se moviam maisrpido, chegaram rapidamente quele flanco. Tyrathan fazia suas jogadas rapidamente,mas no com pressa.

    Voljin pegou o cilindro outra vez, mas o homem agarrou sua mo: No. Tira. A. Mo. O aperto de Voljin ficou mais forte. Com um pequeno

    movimento, o cilindro se despedaaria. Peas e lascas voariam em todas as direes. Elequeria gritar, perguntar ao homem como ousava tocar num caador sombrio, no lderdos Lananegra. C sabe quem eu sou?

    Mas ele no o fez. Era impossvel fazer mais fora com a mo. Na verdade, o breveesforo fora suficiente para fatigar seus msculos. Os dedos falhavam; era o homem queimpedia o cilindro de espatifar-se sobre o tabuleiro.

    Tyrathan abriu a mo, dissipando qualquer insinuao de perversidade: Eu estou ensinando voc a jogar. Voc no precisa sacar outra pea. Se

    permitisse, eu ainda venceria e sua nova pea s ampliaria minha vitria.Voljin examinou as peas. O guerreiro preto, com uma mudana de lado, podia

    vencer seu senhor da guerra. O navio de fogo teria que voltar para repelir a ameaa, masse fizesse isso, entraria na rea de alcance da pipa de Tyrathan. As duas peas seriamdestrudas, deixando o guerreiro e a cavalaria direita livres para invadir pelo flanco. Se

  • reforasse a esquerda, a direita estaria perdida.O troll soltou o recipiente na mo de Tyrathan. Pela minha honra. Obrigado.O homem repousou o cilindro sobre a mesa. Eu sei o que voc estava fazendo. Eu venceria, mas teria derrotado um aluno que

    permiti errar. Com isso, voc teria ganhado. Voc venceu, pois me forou a agir deacordo com seus caprichos.

    E no era pra ser assim, rosadinho? Voljin comprimiu os olhos: C ganha. C me saca. Eu perco.Tyrathan balanou a cabea e se recostou. Ento ns dois perdemos. No, este no um jogo semntico. Eles esto

    observando. Eu leio voc. Voc me l. Eles leem ns dois. Leem como jogamos e comoreagimos um ao outro. Taran Zhu l todos, e como eles nos leem.

    Um arrepio percorreu a espinha de Voljin. Ele balanou a cabea, torcendo paraque tivesse sido imperceptvel, mas Taran Zhu saberia. Contudo, o homem percebera atempo e, por enquanto, os estrangeiros estavam unidos.

    A voz de Tyrathan foi ficando mais baixa enquanto ele recolhia os cubos de voltanos cilindros.

    Os pandarens esto acostumados nvoa. Eles veem atravs dela, e so invisveisquando esto envoltos. Eles seriam uma terrvel fora se no fossem to equilibrados eto preocupados com o equilbrio. Nele, eles encontram a paz e, com razo, relutam emabandon-la.

    Eles to de olho. Vendo como a gente se equilibra. Eles gostariam que houvesse equilbrio entre ns. Tyrathan balanou a cabea.

    Por outro lado, talvez Taran Zhu queira saber como nos desequilibrar tanto a pontoque a gente acabe se destruindo. Meu medo que ele aprenda isso rapidamente.

    Naquela noite, vises zombaram de Voljin. Ele se viu cercado de guerreiros, todosconhecidos. Eles estavam reunidos para o ataque final contra Zalazane, para dar um fim loucura e libertar as Ilhas do Eco para os Lananegra. Cada um dos combatentes assumirao aspecto de um cubo de jihui, todos com o poder mximo. No havia nenhum navio defogo, mas isso no surpreendeu Voljin.

    Ele era o navio de fogo, mas no estava na posio mais potente. Por maisdesesperadora que fosse, essa no seria uma luta em que destruiria a si mesmo. Ajudadospor Bwonsamdi, eles matariam Zalazane e reclamariam as Ilhas do Eco.

    Quem tu, troll, que t tendo lembranas de um esforo heroico?Voljin se virou, ouvindo o estalo de um cubo que mudava de posio. Ele se sentia

    preso dentro daquele cubo, embora os lados fossem transparentes, e a ausncia demarcas nas laterais era amedrontadora.

    Eu sou Voljin.

  • Bwonsamdi se materializou num mundo cinzento de nvoas rodopiantes. E quem esse tal de Voljin?A pergunta o fez estremecer. O Voljin da viso fora lder dos Lananegra, mas j

    no era mais. Notcias de sua morte estariam chegando naquele instante ao conhecimentoda Horda. Bem, talvez no ainda. Em seu corao, Voljin esperava que seus aliadostivessem se atrasado, para que Garrosh pudesse perder mais um dia se perguntando seseu plano funcionara.

    Isso no respondia pergunta. Ele no era mais lder dos Lananegra, em nenhumsentido real. Talvez ainda o reconhecessem, mas ele no podia dar ordens. Elesresistiriam a Garrosh e a qualquer tentativa da Horda de sobrepuj-los; mas, em suaausncia, poderiam dar ouvidos a qualquer emissrio que lhes oferecesse segurana. Elespoderiam se perder.

    Quem sou eu?Voljin estremeceu. Apesar de se considerar superior a Tyrathan Khort, pelo menos

    o humano se movia, vestindo roupas que no eram de um enfermo. Ele no fora tradopor um rival e assassinado. O homem havia claramente incorporado algo dos pandarens.

    Ainda assim, Tyrathan hesitara quando no deveria. Parte daquilo era um jogo, paraque os pandarens o subestimassem, mas Voljin vira alm. Em outros momentos, noentanto, como quando ele hesitou diante do cumprimento de Voljin movimentao desua pea, aquilo fora real. No algo que o homem se permitira fazer.

    Voljin ergueu os olhos para Bwonsamdi: Eu sou Voljin. Eu sei quem eu era. Quem eu vou ser? Isso, s Voljin vai poder

    saber. Por enquanto, Bwonsamdi, isso basta.

  • 6

    Talvez Voljin no estivesse totalmente certo sobre quem era, mas sabia com certeza quemno era. Aos poucos, forou o corpo a abandonar o leito. Ele afastava lentamente oslenis, dobrando-os com cuidado quando, na verdade, queria atir-los para longe, e selevantava de uma vez.

    O primeiro toque da pedra fria nos ps o surpreendeu, mas a sensao deu-lhefora. Ele deixou que ela vencesse a dor nas pernas e o repuxar das cicatrizes e dospontos. Apoiando-se na cabeceira da cama, o troll fez fora para ficar de p.

    Na sexta tentativa, conseguiu. Na quarta, pontos do abdome abriram-se. Recusou-sea admitir o fato e repeliu com um aceno os monges que correram para examinar amancha que crescia em sua tnica. Pensou que teria que pedir desculpas a Tyrathan porfaz-lo trabalhar mais, mas apenas pediu aos monges que dobrassem as vestes.

    Mas, antes, ele se deitou novamente. Ele ficara de p por um tempo que pareceuuma eternidade. O sol que entrava pela janela no se movera nem a largura de um insetono cho, o que dava uma noo mais clara do tempo decorrido. Bem, ele ficara de p. Erauma vitria.

    Depois que os monges fecharam o ferimento novamente e fizeram outro curativo,Voljin pediu uma bacia dgua e uma escova. Ele tomou a tnica e esfregou a mancha desangue o melhor que podia. No foi fcil, mas estava determinado a livrar-se dela, mesmosentindo os msculos arderem com o esforo.

    Tyrathan esperou os movimentos de Voljin perderem a intensidade at a superfcieda gua ficar tranquila, ento tomou a tnica de suas mos.

    Voc muito gentil, Voljin, por aceitar meu fardo. Vou pendurar isso parasecar.

    Voljin quis protestar ele ainda via resqucios da mancha escura , mas

  • permaneceu em silncio. Em um instante, viu o equilbrio entre Huojin e Tushui serestabelecer. Tyrathan fora sensato quando ele fora impulsivo, interferindo de modo queno lhes custasse a dignidade. Em silncio, reconhecera o esforo e a inteno, alcanandoo objetivo desejado sem envolver o ego nem perseguir algum tipo de vitria.

    No dia seguinte, Voljin conseguiu ficar de p na terceira tentativa, e se negou avoltar para o leito at que o raio de sol caminhasse pelo menos a largura de um dedo.Um dia depois, levou o mesmo tempo para percorrer a distncia de uma extremidade dacama outra e voltar. No fim da semana, ele j havia caminhado at a janela para observaro ptio.

    Monges pandarens dispostos em linha reta dominavam o centro. Eles faziamexerccios, socando o ar com uma velocidade incrvel. Os trolls estavam habituados aocombate desarmado, mas, por serem mais desengonados, suas tcnicas no seequiparavam disciplina e ao controle que os monges demonstravam. Nos cantos, emvrios pontos, monges lutavam com espadas e lanas, armas de haste e arcos. Um sdaqueles golpes de basto j soterraria um soldado de Ventobravo em sua prpriacarapaa de ao. No fosse pelo brilho do sol refletido nas lminas afiadas, Voljinduvidava que conseguisse acompanhar o movimento das armas.

    E l, nos degraus, Chen Malte do Trovo varria a neve. Dois degraus acima, LordeTaran Zhu fazia o mesmo.

    Voljin se apoiou no parapeito da janela. Quem que ia imaginar que eu ia ver ofiguro do monastrio ralando? Ele achava que se tornara uma criatura de hbitos,acordando sempre na mesma hora. Isso vai mudar.

    Mas isso significava que Taran Zhu no s sabia o que ele estivera fazendo comosabia em que momento chegaria janela. Voljin no tinha dvidas de que, se perguntassea Chen com que frequncia Taran Zhu varria a neve, descobriria que fora apenas naqueledia, quela hora. O troll lanou um olhar na direo de vrios monges que o ignoravam,o que significava que o observavam sem querer ser detectados.

    Nem cinco minutos se passaram desde que se deitara novamente quando Chen veiofazer uma vista, trazendo uma pequena tigela com um lquido espumante.

    Foi bom ver voc de p de novo, amigo. Eu queria trazer isso h dias, mas LordeTaran Zhu proibiu. Ele achou que seria forte demais. Eu disse que seria preciso muitomais para dar cabo de voc. Quer dizer, voc est aqui, certo? Experimente. Voc ser oprimeiro. Bem, depois de mim. Chen sorriu. Eu tinha que ter certeza que nomataria voc.

    Muito gentil da sua parte.Voljin ergueu a tigela e respirou fundo. A cerveja tinha um cheiro penetrante, algo

    de amadeirado. Ele bebericou e no achou doce nem amarga, mas encorpada, rica. Osabor lembrava o cheiro da floresta depois da chuva, quando o vapor subia da vegetaotrazendo vrios aromas. Lembrava as Ilhas do Eco, e a recordao quase tapou suagarganta.

    Ele se forou a engolir e balanou positivamente a cabea, sentindo a cerveja

  • queimar a garganta at chegar ao estmago. Muito bom. Obrigado. Chen olhou para o cho. No dia em que chegamos, voc no

    parecia nada bem. Foi uma jornada dura. Disseram que teramos que enterr-lo namontanha. Mas eu sussurrei no seu ouvido, no bom, no no que Li Li ajudou a costurar,que, se voc aguentasse, eu teria algo especial para lhe dar. Vi que tinha trazido comigoalguns condimentos e flores de sua terra. Para voc se lembrar dela. Ento usei o quetinha para fazer uma cerveja. Chamei de Melhoras.

    Te devo minha recuperao.O pandaren olhou para cima. Foi uma produo pequena, Voljin. Sua recuperao vai levar mais tempo. Eu v me recuperar. Foi por isso que j comecei a fazer minha nova cerveja: Comemorao.

    * * *

    Fosse pela cerveja de Chen, por sua constituio de troll, pelo ar limpo da montanha oupelas terapias s quais os monges o submetiam ou tudo combinado , o fato que empoucas semanas Voljin progredira admiravelmente. Todos os dias, quando se enfileiravajunto aos monges, primeiro ele se curvava para o professor, depois olhava para cima,para a janela de onde os observara. O troll mal teria acreditado que se juntaria a eles;agora, sentindo-se muito melhor, mal podia lembrar que um dia fora a pessoa na janela.

    Os monges, que o aceitaram sem comentrios e com grande solicitude, referiam-se aele como Voljian. Por alguma razo era como o som saa mais facilmente de suaslnguas, mas ele sabia que no era s isso. Chen explicou-lhe que jian tinha muitossignificados, todos relacionados a grandeza. De incio, os monges escolheram essa palavrapara descrever seu jeito desengonado, mas depois para falar da velocidade com queaprendia.

    Se no fossem professores dedicados, ele teria ficado ofendido com todo odesrespeito. Ele era um caador sombrio. Por maiores que fossem suas habilidades,nenhum monge podia sequer imaginar o que ele passara para se tornar um caadorsombrio. Os monges lutavam para manter o equilbrio, mas ser um caador sombrio eradominar o caos.

    Sua fome de conhecimento e a competncia veloz com que se atinha aos detalhesmotivaram os monges a ensinarem-lhe tcnicas cada vez mais complexas. Conforme suafora aumentava e seu corpo readquiria a capacidade de curar cortes e feridas, a nicacoisa que o limitava era a falta de resistncia. Voljin queria culpar o ar rarefeito damontanha, mas a falta de flego no parecia incomodar Tyrathan.

    No entanto, outras coisas limitavam o homem. Ele mancava muito menos do que

  • antes, mas ainda mancava. Apoiava-se numa bengala e muitas vezes treinava com osmonges que usavam basto. Voljin percebeu que, durante o treino, a deficinciadesaparecia totalmente. S no fim, depois que Tyrathan recuperava o flego e retomavaconscincia de si, que voltava a mancar.

    O homem tambm assistia aos monges treinarem com o arco. S um cego no veriao quanto ele queria atirar. Ele perscrutava os monges, observava-os dispararem as setas,baixando a cabea quando um errava e abrindo um largo sorriso quando uma flechadividia outra j cravada no alvo.

    Agora que estava em condies de participar do treinamento, Voljin foratransferido para uma cela pequena e austera na ala leste do monastrio. A notriasimplicidade uma esteira de dormir, uma mesa baixa, uma bacia com um jarro e doisprendedores para pendurar a roupa certamente servia ao propsito de desencorajardistraes. A frugalidade ajudava os monges a se concentrarem e a encontrarem paz.

    Voljin notou uma semelhana com Durotar apesar de consideravelmente maisfrio. Adaptar-se foi muito fcil. Ele posicionou a cama de modo que a primeira luz damanh o acordasse. Todas as manhs, saa para cumprir suas tarefas como os outros,depois tomava um caf da manh simples antes dos exerccios matinais. Ele observou quesuas raes incluam mais carne do que os monges consumiam, o que fazia sentido, jque estava em recuperao.

    Manh, tarde e noite, o padro era sempre o mesmo: tarefas, comida e exerccios.Os exerccios de Voljin giravam em torno de fora e flexibilidade