DADOS DE COPYRIGHT Que... · Como dizia o jornalista gaúcho Aparício Torelli, grande frasista que...

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DADOSDECOPYRIGHT

Sobreaobra:

ApresenteobraédisponibilizadapelaequipeLeLivroseseusdiversosparceiros,comoobjetivodeoferecerconteúdoparausoparcialempesquisaseestudosacadêmicos,bemcomoosimplestestedaqualidadedaobra,comofimexclusivodecomprafutura.

Éexpressamenteproibidaetotalmenterepudíavelavenda,aluguel,ouquaisquerusocomercialdopresenteconteúdo

Sobrenós:

OLeLivroseseusparceirosdisponibilizamconteúdodedominiopublicoepropriedadeintelectualdeformatotalmentegratuita,poracreditarqueoconhecimentoeaeducaçãodevemseracessíveiselivresatodaequalquerpessoa.Vocêpodeencontrarmaisobrasemnossosite:LeLivros.orgouemqualquerumdossitesparceirosapresentadosnestelink.

"Quandoomundoestiverunidonabuscadoconhecimento,enãomaislutandopordinheiroepoder,entãonossasociedadepoderáenfimevoluira

umnovonível."

Copyright©MarioSergioCortella,2016Copyright©EditoraPlanetadoBrasil,2016Todososdireitosreservados.

Ediçãoparaoautor:PauloJebailiPreparação:LiviaLimaRevisão:PamelaOliveiraeValquiriaDellaPozzaDiagramação:VivianOliveiraCapa:MateusValadaresImagemdecapa:StratiHovartosAdaptaçãoparaeBook:Hondana

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAPUBLICAÇÃOSINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

C856p

Cortella,MarioSergioPor que fazemos o que fazemos? : aflições vitais sobre trabalho, carreira e realização /Mario

SergioCortella.-1.ed.-SãoPaulo:Planeta,2016

ISBN978-85-422-0741-5

1.Bem-estar.2.Qualidadedevida.3.Sucesso.4.Auto-realização.5.FilosofiaI.Título.16-32375

CDD:650.1

CDU:65.011.4

2016

TodososdireitosdestaediçãoreservadosàEDITORAPLANETADOBRASILLTDA.RuaPadreJoãoManoel,100–21ºandarEdifícioHorsaII–CerqueiraCésar01411-000–SãoPaulo–[email protected]

SUMÁRIO

Vidacompropósito!

1.Aimportânciadopropósito2.Eu,robô?Não…3.Odeiosegunda-feira4.Rotinanãoémonotonia5.Autoriadaobra6.Otrabalhoquenosmolda7.Aorigemdamotivação8.Oquemaisdesmotiva9.Trabalhocomsignificação10.Éticadoesforço11.Valoresepropósitos12.Porquefazer?Eporquenãofazer?13.Tempo,tempo,tempo…14.Futurosepretéritos15.Euerafelizenãosabia16.Lealdadeàempresaatéquando?17.Desenvolvimentogeraenvolvimento18.Motivaçãoemtemposdifíceis19.Organizaçõescompropósito20.Aempresamesustenta,euasustento

Paciêncianaturbulência,sabedorianatravessia…Sobreoautor

Vidacompropósito!DAMORTE

Umdia…pronto!..,meacabo.Poissejaoquetemdeser.

Morrer:quemeimporta?…OdiaboÉdeixardeviver!(MárioQuintana)

Segunda-feira, seis damanhã. “Triiiiiimmmm, triiiiiimmmm…”Odespertadordo seu celular toca e você não quer sair da cama. E isso pode indicar doisestadosdeânimo.Vocêgostariadedormirmaisumpouquinho.Oqueésinaldecansaço. Provavelmente o final de semana foi movimentado, com festas,atividadefísica,viagem,evocêprecisariademaisalgumashorasatéocorposerecuperardeumesforçointenso.Seavontade,noentanto,édenãosairdacama,issoésinaldeestresse.Vocênãoenxergamaisrazãoparafazeroquefaz.Háuma diferença marcante entre esses dois estados: cansaço você resolvedescansando, estresse você só consegue evitar se compreender o motivo parafazeroqueestáfazendo.

Umquestionamentoaserfeitoantesdelevantardacama:afinaldecontas,porquefazemosoquefazemos?

CAPÍTULO1

AimportânciadopropósitoUmavidapequenaéaquelaquenegaavibraçãodaprópriaexistência.Oqueéuma vida banal, uma vida venal? É quando se vive de maneira automática,robótica, sem uma reflexão sobre o fato de existirmos e sem consciência dasrazõespelasquaisfazemosoquefazemos.

Algumasreligiões,entreelasajudaico-cristã,nosfalamsobreoJuízoFinal,omomentoemqueumadivindadeviráfazerasgrandesperguntasparajulgaranossavida,seelafoiumavidaquevaleuounãovaleuapena.Asperguntasdadivindadesupostamenteseriam:

“Oquefez,fezporquê?”“Oquenãofez,nãofezporquê?”“Oquefezenãodeveriaterfeito,porqueofez?”“Oquenãofezedeveria

terfeito,porquenãoofez?”Essasperguntassãosobreapercepçãodossentidos,aquiusadosnadupla

acepção,tantodesignificadoquantodedireção.Aindaquenãoseconsiderenenhumacrençadenaturezareligiosa,mesmo

quenosatenhamosàconcepçãocientíficadequetemosapenasumaexistência,estanãopodeserdesperdiçada.ComodiziaojornalistagaúchoAparícioTorelli,grandefrasistaqueficouconhecidocomoBarãodeItararé:“Aúnicacoisaquevocêlevadavidaéavidaquevocêleva”.

Qual o propósito que coloco adiante demim?A palavra “propósito”, emlatim, carrega o significado de “aquilo que eu coloco adiante”. O que estoubuscando.Umavidacompropósitoéaquelaemqueeuentendaasrazõespelasquaisfaçooquefaçoepelasquaisclaramentedeixodefazeroquenãofaço.

Atualmente,noâmbitodomundodotrabalho,aperguntasobreopropósitovemganhandocrescenterelevância.Boapartedaspessoashojedesejaencontrarno emprego algo que ultrapasse omero ganho salarial.Há uma busca por serreconhecido,porservalorizadopeloquesefaz.Nãoqueroquemeuesforçosejadesperdiçadoouinútil.Tampoucoquesejamal-intencionado,sesouumapessoadeboaintenção.

Essa questão sobre os propósitos foi vindo à tona gradativamente. Atéalgumtempoatrás,avidaeramuitomenoscomplexaeaintençãoprincipalera

sobreviver. Istoé,obterrecursosparamontarumafamíliae terumpatrimônioque se pudesse deixar de herança. Como a sociedade hoje é mais focada noindivíduo, a ideia de propósito estámarcada por um conceito que já existiu evoltou com força: o da realização. E a palavra “realizar” em suas leituras nolatim e inglês indica, respectivamente, realizar no sentido de “tornar real”,mostrar a mim mesmo o que sou a partir daquilo que faço, e to realise, naacepçãode“dar-meconta”.Issosignificaaminhaconsciência.

Tanto quemuita gente hoje se recusa a atuar em algumas atividades quesejam danosas à vida coletiva. A dinâmica da relação muda: não é só umemprego onde faço o quememandam. Preciso saber para o que serve o queestou fazendo. Não quero ser apenas um inocente útil. Desejo que a minhaatividadesejaconsciente.

A ideia de vida com propósito retoma um princípio do pensador alemãoKarl Marx, do século XIX: a recusa à alienação. Alienado é aquele que nãopertenceasimesmo.Emlatimeramusadasduasexpressõespara falardonãoeu.Oeuéego.Eonão-eupodeseralter,queé“ooutro”,oualius, queé “oestranho”,deondevêm“alienígena”,“alheio”,“alienação”.

O conceito de alienação – elaborado originalmente naModernidade pelofilósofo alemão Hegel – se refere a tudo aquilo que eu produzo, mas nãocompreendo a razão. Isto é, sou apenas uma ferramenta para que as coisasaconteçam, mas não decido sobre o destino das minhas ações. Esse é umconceito forte, uma vez que o trabalho alienado provoca uma série dedesconfortos nas pessoas. Eu, trabalhador, colaborador, funcionário, quero terclarezadaquiloquefaço,porqueissodámaissentidoamimmesmo.

Reconhecimentoéumaquestão-chavenessabuscaporsentido.Euprecisome reconhecer nas atividades que exerço, usando um termo de Hegel, isto é,devoobjetivar aminha subjetividade.Hegel diziaque fazíamos as coisasparanosobjetivarmos.Eusouumasubjetividade,maseunãoseioquesouanãosernaquilo que faço. Porque quando faço algo, eu me “re-conheço”, isto é, euconheçoamimmesmodenovo.

Aceito o fato de que souuma subjetividade enclausuradadentro demim,mas,comoissoéabsolutamenteabstrato,sóseioquesouquandomevejoforademim.Eeumevejo foraquando tenhominhaobra feita.Então,me realizo.Souoqueeufaço.Sesouoqueeufaço,enãooqueeupensodemim,aquiloqueeufaçotemumanecessidade.

Desse ponto de vista, Hegel pode ser considerado um filósofo idealista,uma vez que para ele o ponto de partida domundo é a ideia.A cultura, obra

humana,vemporqueeuprecisomerealizar.Marxinverteisso.“Não,oquefazcomqueeufaçaéanecessidade.”Ambossediferenciamemrelaçãoaopontodepartida.ParaHegel,eufaçooquefaçoporqueprecisomeverforademim.ParaMarx,eufaçooquefaçoporqueprecisofazereaíeumereconheço.Repito,oqueosdiferenciaéopontodepartida.Qualoimpulsooriginal?ParaHegel,éoespíritoquetemnecessidadedesemostrar.ParaMarx,éocorpoquetemdesersustentadoe,paraisso,oespíritoprecisaseelaborar.

No campo da filosofia, existe uma formulação clássica segundo a qual otrabalhopode ser sintetizadocomoumaação transformadoraconsciente.Todoanimaltemação,algunstêmaçãotransformadora,enós,humanos, temosaçãotransformadora consciente. Nós sabemos por que fazemos algo. E não sófazemosporquequeremos;muitasvezes, apesardenãoquerermos e sabermosdisso,tambémsabemosporqueestamosfazendo.Nessesentido,aideiadeaçãotransformadoraconscientenosdistinguedeoutrosanimaisemrelaçãoaoesforçoparaexistir.

Para traduzir essa condição, os gregos usavam a expressão práxis. Nãoimportaoqueeufaça,tudooqueemmimnãoforimpulsodanatureza,masumadecisão e intervenção da minha parte, é práxis. Até a atividade de coleta earmazenamento de alguns de nossos ancestrais é práxis. Enquanto a nossaespécie saía pelomundo coletando e comendo no local, ela ainda estava numestágiodaevoluçãopoucomarcadopelaideiadepráxis.Mas,nomomentoemquepassaaguardaroresultadodacoletacoma intençãodeutilizarnofuturo,esta passa a ser uma ação transformadora consciente. Por exemplo: quandocomeçamosa trazeráguaemvezdenosdeslocarmosatéa fonte todavezquesentíamossede.Issoéumaaçãotransformadoraconsciente,portanto,trabalho.

Somosseresquetêmdeconstruiraprópriarealidade.Eanoçãodetrabalhoétãoforteentrenósqueperpassaoutrasesferasdanossavida.Atéanoçãoquetemosde saúde está ligada à ideiade trabalho.Você só se considera saudávelquandopodevoltara trabalhar,nãoquandoécapazdepassear, transar,cantar,dançar.

Opropósitooriginaldotrabalhoéquenãonosdeixemosmorrer.Afinaldecontas,somosseresdecarência,denecessidade.Ouconstruímosonossomundoounãohácomoexistir.

Em relação a isso, foi feito um cálculo curioso. Somos hoje mais de 7bilhõesdehumanos,mas,sefôssemosumanimalquenãotrabalhasse,quenãotivesseumaação transformadoraconscienteevivessecomoosoutrosanimais,apenas da natureza, stricto sensu, seríamos no máximo 10 milhões da nossa

espécie. A começar pelo fato de que só poderíamos viver em regiões muitodelimitadas do planeta. A região dos polos e a área temperada estariamexcluídas, viveríamos numa faixa subsaariana onde seríamos capazes deencontrarumclimapropícioparaaexistênciadecoleta,sempredadoresecomuma natureza que não fosse rarefeita. Nós, no entanto, só fomos além dos 7bilhõesporque,emvezdevivermosnanatureza,vivemoscomelaedela.

Por incrível que pareça, a nossa ação no mundo é antinatural, é umenfrentamentodanatureza,e,apesardissonãoimplicarumcaráterdestrutivo,éumalutacontra.Bastalembrar,porexemplo,dequalseriaocaminhonaturaldeumainflamaçãoagudadoapêndiceouumferimentoinfeccionado.Asepticemiae a morte sequente. Nós enfrentamos isso, lutando contra, por meio de umacirurgia “antinatural” ou de medicamentos sintéticos, pois não são frutos danatureza. A natureza é algo que se opõe a nós e, ao se opor, nós atransformamos.

Essatransformação,dopontodevistateórico,échamadadetrabalho.Temosdetrabalhar!Podemosfazê-loparameraobtençãodasobrevivência

outambémcomoummododemarcarnossapresençanomundo!

CAPÍTULO2

Eu,robô?Não…DoaltodeumedifícionacidadedeSãoPaulo,aoolharumaviaengarrafada,cenaqueserepetetodososdias,conseguimosimaginarodeslocamentohumanoque acontece em vários grandes aglomerados urbanos ao redor domundo porcausadotrabalho.Sónacapitalpaulista,sãocercade11milhõesdepessoasquetrabalhamtresloucadamenteemseucotidiano.

Poderiaserdiferente?Épossívelquesim.Essaspessoaspoderiamtrabalharmenos, demaneiramenos sofrida, se repartíssemos o que é produzido.A nãorepartição leva a duas situações: quem acumula quer continuar acumulando, equem não tem preci sa se mobilizar mais para ter alguma possibilidade desobrevivência.

Adivisãosocialdo trabalhoabordadapelasociologia,especialmentepelofrancês Émile Durkheim, traz a percepção de que potencializamos nossascapacidades quando nos dividimos para fazer tarefas diferentes, demaneira anão termos de fazer a mesma coisa. Por trás disso, há sempre umquestionamento,comoumdiálogointerno:

–Porquefaçooquefaço?–Ora,porquesouobrigado.–Maseseeunãoforobrigadoafazerexclusivamenteisso?Poderiafazer

outracoisa?–Seeutiverescolha,partoparaessaoutracoisa.–Mas por que, emvez de fazer o que faço no trabalho, não vou ser um

empreendedor?–Porqueeunãotenhocondiçãodefazê-lo.Quandotiverofarei.Ondeháo travamento?Na impossibilidadedeação, eentãoeucumproa

minhatarefa.KarlMarxfaziaumadistinçãomuitoclaraentreosdoisreinosdavida:oda

necessidadeeoda liberdade.Noreinodanecessidade,eunãopossodeixardefazeraquiloqueeufaço,senãopereço.Noreinodaliberdade,avidaéescolha.

SegundoMarx,existeumadiferençaentreser“livrede”e“serlivrepara”.Sevocênão for livreda fome, da falta de abrigo, da falta de socorromédico,você não é livre para outras escolhas. Uma parcela das pessoas é livre da

miséria,dapenúria,dacarência,eé livre inclusiveparadizer“nãovouterumtrabalhoregular”,“vouviajar”.

Paraserummochileiro,éprecisoserlivredeumasériedeoutrasrestrições.Não adianta imaginar que um menino pobre da periferia de uma metrópolecolocaráumamochilanascostaseviajaráparaaAustrália.Umgarotodefamíliamaisabastadaseriacapazdefazerisso.Porqueeletemcontatos, jáarmazenouna sua mochila vivencial uma série de ferramentas que o permitem essaexperiência,porqueéprivilegiado.Paraooutronãoháescolha,outrabalhaoumorre.

Emumadesuasobras,Marxsonhouquechegaríamosaumatecnologiatalqueohomemdividiriaodiademodoquefossepossíveltrabalharapenasquatrohoras.Easoutrasvinteseriamdedicadasaolazer,àconvivênciacomosfilhos.Ele dizia, inclusive, que iríamos pescar. Esse sonho de Marx é, em grandemedida, resultado da crença na racionalidade tecnológica, a partir da qualteríamos a possibilidade de partilhar as tarefas, o que economizaria tempocoletivo.

Do ponto de vista técnico, já chegamos a esse patamar, a humanidadepoderia viver hoje com sobra de matéria e tempo do que já produzimos. Aquestão é que caminhamos para a concentração em vez da distribuição e, demodo realista, não temos uma partilha das tarefas. Enquanto algumas pessoassãosobrecarregadas,outrassãoliberadas.

Isso é bastante evidente, basta imaginar a quantidade de roupas queguardamossemusarpordois, trêsanos.Senumacomunidadeousotivessedesercontínuo,aproduçãodemuitositensseriareduzidaemuitosrecursosseriampoupados.

Sobreisso,concordocomopensadornorte-americanoBenjaminFranklin,quediziaquetrêsmudançasdecasaequivalemaumincêndio,porquedeixamosmuitacoisaparatrásquenemtínhamosnotadoacumular.Odesperdíciohojeétantoqueprecisamoscontinuarnos esforçandoparamanterummodeloque jáseriasustentadosehouvessepartilha.

AindanoséculoXIX,ojornalistaeescritorfrancêsPaulLafargue(genrodeKarlMarx)produziuumaobramuitointeressantechamadaOdireitoàpreguiça.Nela,eleescrevealgoquepareciaumcontrassensonadécadade1880,quandoosoperáriosnaAlemanha,InglaterraeFrançadiscutiamodireitoaotrabalho.

Na época, ainda não havia uma legislação trabalhista regulamentando ajornadadeoitohoras,oque,apósváriasdiscussões,apareceria tardiamentenoséculoXX.Oprimeirodocumentoa reivindicaruma jornadaorganizadaéuma

encíclica do papa Leão XIII, a Rerum Novarum, de 1891, que inclusiveargumenta a necessidade de organização sindical. Produz-se naquelemomentoum debate anterior à encíclica sobre o direito ao trabalho. Enquanto isso,Lafarguereivindicaodireitoàpreguiça,combasenoseguinteargumento:“Jásetrabalha bastante, o que nós precisamos ter é uma máquina que nos poupetrabalhoparaficarmosmaiscomafamília”.

A ironia nesse texto de Lafargue é a recusa a essa laborlatria, tambémmanifestadanoséculoXIX.Evidentemente,Marxestápensandonaorganizaçãodeumavidanaqualhouvesseumarepartição,paraissoeleusaumaexpressãoproveniente do mundo anarquista, que sintetiza muito bem o que seria essapartilhacomtempopoupado:“Decadaumdeacordocomasuapossibilidade;paracadaumdeacordocomasuanecessidade”.

Inclusive,essefoiolemadeváriasexperiênciasanarquistasqueocorreramaté mesmo no Brasil. No estado do Paraná existiu uma fazenda anarquista,chamada Colônia Cecília, e, ao contrário do que se supõe, anarquismo não éausência de ordem, é ausência de opressão. Em fazendas como essa, apropriedadedaterraeracoletiva,conformeesseprincípio:decadaumdeacordocoma suapossibilidade;paracadaumdeacordocoma suanecessidade.Elasforamosmodelosparaoquemaistardeseriamoskibutzim,emIsrael.

Desde a Revolução Industrial, o mundo do trabalho ficou extremamentemarcado pela máquina, reforçando inclusive a noção do trabalho alienado. Oautomatismo, esse modo automático de ação, em grande medida, tem comoconsequênciaaalienaçãodaexecução.Umapessoaalienadaéalheiaaalgo.Aintencionalidadedelanãoestánaquiloquefaz,elanãotemconsciênciadiretadoqueproduz,estáfazendoalgoautomaticamente.

Nesse sentido, o trabalho feito de modo robótico é algo que, durante oséculo XX, foi decisivo para a alteração do mecanismo de produção. Otaylorismo ou fordismo, em grande medida, acabou gerando a perda dainovação,dacriatividade,oque,nummundotecnológico,éumacoisanegativa.

Por isso, se o próprio indivíduo fizer as coisas de modo automático,robótico,issolevaráaumprocessodealienação,istoé,deperdadesimesmo.Portanto,algomuitofortedanaturezadotrabalhoseperde,anaturezaautoral,asensaçãode“eusouorealizadordaquilo”.Fazê-lodemodoautomáticoétirardemim a dimensão realizadora. Nessa hora, eu me desumanizo, isto é, meaproximodomundodasmáquinas.

RetomandoaexpressãodeMarx,otrabalhoalienadoéaquelequeeufaçoequenãopertenceamimeeutambémnãopertençoaele.Nemoqueeufaçoé

minhapropriedade,nemeusoupropriedadedemimmesmo.Otrabalhoalienadoéaquelequeéestranhoamim.

Quandovejoumlivroquepubliquei,aqueletrabalhonãoéestranhoamim.Assimcomoumalmoçoquepreparo.Arespeitodisso,Marxvaiusaraideiadeestranhamento, o trabalho no qual você se perde. Daí uma expressão muitorecorrente no mundo do trabalho ser “eu não estou me achando naquilo quefaço”.

A grande simbologia do filme Tempos modernos (de Charles Chaplin,1936)équeoChaplin,interpretandoooperário,nãoéesmagadopelamáquina.O mais triste nessa obra não é o automatismo do movimento da linha demontagem,queele,mesmoapósaparadadaesteira,continuareproduzindo.Massimaalegoriadequeeleseintegraàquelaengrenagemdetalmodoquesaidooutroladoileso.Eissoéocontráriodoqueseimaginariadomundodotrabalho,noqualapessoadeixadeserpessoanocotidiano.

Algumasempresas,naáreaindustrial,conseguiramampliaravisãodotodofazendocomquehouvesseumrodíziodeprofissionaisentreasváriasfunções.Nas equipes autogerenciadas, o rodízio permitiria uma visãomais panorâmicados processos, umavez queo fordismo e o taylorismo acabaram introduzindoaqueleparcelamentodaatividadecomoqualavisãogeraldoresultadodoquesefazéperdida.

Alguns até poderiam dizer que “seria muito bom se o trabalhador fosseobediente,servil,nãopensasse,apenasexecutasse”.Essetipoderaciocínionãocabemais nos tempos atuais, porque uma pessoa com essa condição pode serpoucoprodutiva,jáquenãoteminiciativa,autonomiaoucriatividade,portanto,podesersubstituídaporumrobô.Eapalavra“robô”vemdotchecorobota,quesignifica“escravo”,aquelequefazoquelheéordenado.

Hoje este é um valor organizacional: uma pessoa consciente das razõespelasquaisfazaquiloquefazémuitomaiseficaz.

Nessa concepção, uma empresa inteligente tem funcionários que tambémpensamarazãodaquiloqueestãofazendo,inclusiveporqueissopermitiráqueseproduzainovação,istoé,quesepensemoutrosmodosdesefazeraquiloquesefaz e ganhar produtividade, competitividade, lucratividade e perenidade emrelaçãoaopróprionegócio.

CAPÍTULO3

Odeiosegunda-feiraQuemcomeçaodiade trabalhocomumnívelde tristezaprecisareinventarasrazõespelasquaisfazaquiloquefaz.Istoé,qualéoseupropósito?

Seessepropósitofortãosomenteganhardinheiro,então,nãosofra.Éparaisso.Pronto.Seforrealizar-se,terumapercepçãoautoral,obterreconhecimento,então,esseéolugarouoofícioerrado.

Quandodesejoreconhecimento,autoria,mesmoquetenhaumnívelgrandede desgaste, ainda assim, me felicito por fazer o que faço. Assim como umatleta,umartista,umprofessor.

Um artista pode, por exemplo, passar meses em condições inóspitasgravandoumfilme.Mas,quandoaobraélançada,apercepçãoautoraldelevemàtona.Ouumartistaquepassasemanasensaiandoumapeçadeteatro,àsvezespara quatro ou cinco sessões apenas. Mas aquilo dá a ele outra visão designificado.Não acredito, demaneira alguma, que a pessoa que sofra demaiscomachegadadasegunda-feiraestejaapenascansada.Naverdade,elanãoestáseencontrandonaquiloquefaz,precisareverospropósitosquetemparaaquiloqueestáfazendo.

A empresa pode auxiliá-la nesse sentido. Seria uma sugestão interessantepara a área de RecursosHumanos tematizar essa questão. Levar as pessoas arepensar suasatividades.Poucasempresas fazem isso.A razãoéque se supõeque,seoempregadoficarmatutandoemexcesso,poderáirembora,mesmoquepor impulso. Bom, mas vai aquele que, de fato, não deveria estar ali. Ainteligência estratégica exige a tomada de algumas medidas que não sejamóbvias. Uma delas é fazer com que o empregado possa pensar se ele quercontinuartrabalhandonaquelelugar.Enãoéumaquestãodeeconomiadecusto.Oque está em jogo é o bem-estar daquela convivência, inclusive como efeitodiretosobreoíndicedeprodutividade.

Pode ser bastante deletério conviver com pessoas que passam a semanatorcendoparachegarsexta-feira.

Nóssomosserescíclicos.Primeiro,noâmbitodabiologia,obedecemosaoritmocircadiano,emrelaçãoaoconsciente(despertado)eoinconsciente(estadodesono).Lidamoscomdiaenoite,comasestaçõesdoano.Aliás,osciclossãoa

grandemarcaçãoparaanossavidanãosercaótica,especialmenteosdanatureza.Poroutrolado,éclaroqueaperspectivadequeeupossoaspiraràquiloque

virásempreaumentaoprazerdaespera,nãonecessariamenteodarealização.A encrenca não é dizer “hoje é sexta-feira”. É aguardar com tanta

intensidade que chegue esse dia, que não se consiga aproveitá-lo por absolutaansiedade.

Mas,seolharmospelaperspectivadotemporarefeito,desejarqueofimdesemana venha logo é até compreensível. Eu sempre brinco quando meperguntamqualodiadasemanadequemaisgosto.Eudigoqueésegunda-feira.Eapessoaseespanta:“Masporquê?”.Eurespondo:“Porqueéodiamaislongedaoutrasegunda-feira”.

Aideiadeumtrabalhoqueseorganizaporciclos,umperíodointensodeatividade,depoisumintervalo,dependedaculturaemqueseestáinserido.

Asculturasagrícolas tradicionais,emsociedadesmaissimples,não têmaparadanofimdesemana.Hásociedadesnomundoemqueasemanadetrabalhoédeseisdias,éocasodajaponesa.Nemtodosospaísestêmtrintadiasdeférias.Hánações,comoosEstadosUnidos,emqueasfériasnãosãoremuneradas.Oempregadotemdireitodetirar,masnãorecebe.Hásociedadesemqueoperíododefériasédecinquentadias.Nasociedadejaponesa,emqueotrabalhointensoecontínuo é quase umdevermoral, o funcionário não reclama, é resignado e ahierarquiaéfechada.

Entre nós, não. Queremos, como na Europa, ir diminuindo o número dehorasquetrabalhamosparaganharmaisetrabalharmenos.Oqueéumacoisainteligente,se,claro,coletivamentesustentável.

Masoproblemaéquenãotemosumapartilhaequilibradadastarefas.Nasempresas é frequente a sobrecarga em algumas pessoas quando há umplanejamento equivocado da distribuição de trabalho dentro do grupo. Umachefiaouliderançaquenãosaibaorganizarotrabalhocoletivoficarásempreemdesvantagem.Nahoradosufoco,geralmenteapareceumapessoaquediz“podedeixarqueeufaço”.Esempreexistealguémadizer“tudobem,entãovocêfaz”.

Issosignificaquehaverá,deumlado,umaestruturaparasitáriae,dooutro,umabnegadoqueassumeoconjuntocentralizadodastarefas.

VoltoaMarx,anossa incapacidadedepartilhadas tarefasé tamanhaquesobrecarregamos alguns, enquanto outros se liberam mais para se dedicar acoisasdiferentes.

Quando ocorre extinção de cargos, quem fica faz o trabalho dobrado,situaçãoqueevidenciaequívocosnagestão.Quepodetersidodeavaliação,pois

aestruturanãoestavaenxutaehaviaumcustoinútil.E,numasupostacorreçãoderota,incorre-seemoutroerro:sobrecarregarquempermaneceu.Pressionadopelas circunstâncias, ele pode até render por um tempo,mas depois chegará àexaustão.Eaíseráprecisoformaroutrapessoaparaareposiçãoeperde-setodooinvestimentofeitonaformaçãodaprimeira.

Por isso é necessário que a empresa saiba balizar o movimento que faznessadireção.Émuitomaisinteligentedistribuirmelhorastarefaseprepararaspessoasparaessapartilhadoquecolocarumaparafazerotrabalhodeduas.

Esseplanejamentovaleparaosciclosdaeconomia.Porexemplo,empresasinteligentessabemquevivempicosdeconsumoeoutrosdediminuição.Quandoenfrentam restrição de vendas, de concretização de negócios, algumasrapidamentemandampessoasembora.

Outrasnãofazemisso.Elasretêmaspessoas,sabemqueaatividadepodemaisadianteseintensificaremantêmaquelesnosquaisinvestiramemformaçãoporanos.

Quando a empresa manda parte da mão de obra embora, pode atéeconomizarnoscustosdetrabalho,mas,sehouverumaretomadadofôlego,vaigastarmuitomaisparaprepararpessoasnovasparaaquelaatividade.

Portanto,éumaquestãodeinteligênciaoperacional.

CAPÍTULO4

RotinanãoémonotoniaMuita gente se queixa da rotina do trabalho. Vale lembrar que rotina não ésinônimo de monotonia. O que faz com que haja um enfado em relação aocotidianoprofissionaléamonotonia,nãoarotina.

A rotina pode ser, inclusive, altamente libertadora. É ela que permite aorganizaçãodeumaatividadee,portanto, autilização inteligentedo tempo.Arotinagarantemaioreficiênciaesegurançanaquiloquesefaz.

Por exemplo, quando entro num avião, espero que o mecânico tenhaseguido a rotina, que o piloto e o copiloto façam o mesmo, bem como oencarregado de abastecer a aeronave. A rotina consiste numa série deprocedimentos-padrão comosquais umprocesso se completa.E essenível derepetibilidade é o que torna a rotinamais adequada. Uma orquestra sinfônicaserátãomelhorquantomaisacuradativersidoaleituradapartituradapeçaalicolocada.

Otrabalhorotineiroéumtrabalhoorganizado,estruturado.Oque,defato,faz com que haja um enfado, um tédio, é amonotonia. O perigo é quando arotinadeixadeseralgoquemepreparamelhorparaaquiloqueestoufazendoepassa a ser algo no qual eu não presto mais atenção. Isto é, quando arepetibilidadesetornaautomatismo.Háumadiferençaentrearotina,naqualeufaçoumaatividadenotandoasequênciacorretaeacompleto,eamonotonia,emque a faço sem perceber. Nessa hora, a motivação falece. Seja qual for aprofissão.

Um músico que tem uma rotina de viagens, de shows, ao fazer isso demodoautomático,quandoestánopalcoeacabeçaestáemoutrafrequência,emqueelenãovêahoradaquiloacabar,éentãoquecomeçaodesgaste.

Amonotoniaéamortedamotivação!Issovaletantonasrelaçõesafetivascomonasdetrabalho.Nãoéporacaso

que as pessoas que gerenciam outras no ambiente de trabalho procuram fazercom que a rotina tenha um padrão de sequência, de completude, mas tentamalterarasituaçãoquandoveemoriscodevirarmonotonia.Algumasempresas,como lembrei antes, têm o hábito de fazer um rodízio nas várias funções, emdeterminadosmomentos,demodoqueo funcionárioganheumdistanciamento

emrelaçãoàquiloquefaziaepossaretornaràatividadesemficarautomatizadonoprocesso.

O automatismo é distrativo. Isso serve até para ver televisão. Quando oescritormineiroFernandoSabinodizia,demaneiragenial,que“atelevisãoéochiclete dos olhos”, era para descrever o estado em você assiste a algo e nãoretémnadadoconteúdoexibido.

Naleitura,quandolemosdeformaautomática,chegamosaopédapáginadolivrosemlembrardoqueestavanaslinhassuperiores.Jáaleiturarotineiraéaquelaemquevocêpegaomaterialevailendoemsequência,procurandofruir.Quandovocêsedistrai,ésinaldequeelasetornouautomática.

Porisso,quandoseprecisaestudarereterconteúdos,háumarecomendaçãodeseguiraleituracomumlápis,comumacanetamarca-textooumesmocomodedo. Eu faço isso, se o livro formeu. Pode parecer arcaico, mas esse é umprincípiobásicodeconexãoneurológica.Seleioseguindocomodedo,nãovouperderaatenção.Secoloco sóosolhosnopapel, epasseidoestadoda rotinaparaamonotonia,aleiturasetornaautomática.

Nesse sentido, o que as pessoas mais reclamam no dia a dia é de umtrabalho automatizado mentalmente e não pela máquina. A finalidade datecnologia e da robotização é exatamente liberar a gente desse trabalhomonótono.Arotinaéabsolutamentenecessária.

Qualquerpacientequeentrenumcentrocirúrgicodesejaquetodaaequipealipresentesigaarotina.Quefaçaacontagemdequantasgazesforamretiradasdo pacote e quantas foram dispensadas no descarte, de modo que se tenhacertezadequenãoficounenhumadentrodele.

Euachointeressantequenumhospitalcomumaestruturamaisorganizadasejacolocadaumapulseiracomumcódigodebarrasnopaciente.Mesmoqueelefiqueinternadoumasemana,etodososdiasencontreamesmaenfermeira,éótimo que ela cheque a pulseira, olhe novamente o medicamento que foiprescrito.Essarotinaéabsolutamentenecessária.

Umadascoisasmaisperigosasemrelaçãoàmonotoniaéadistração.Elafaz comque você arrisque a sua integridade ou a da estrutura do negócio, daoperação,doqueestásendofeito.

Nomundodaaviaçãoháumnomeparaissoemrelaçãoaopiloto.Enquantoestá“narotina”,eleestáatento.Seentrarnumprocessodemonotonia,permiteque a fadiga venha à tona.Esse é o estado que faz comque o profissional seequivoque,demoreaencontrarsoluções,retardeaadoçãodeumprocedimento,porqueoníveldedistraçãofoielevado.

Sejanarelaçãoafetiva,sejanarelaçãodetrabalho,vocêédistraídoquandoécapturadopelamonotonia.Por isso, amonotonia éoprincipal adversáriodamotivação.

CAPÍTULO5

AutoriadaobraNoséculoXXI,oconhecimentoémuitoimportanteparaainovação,criação,paraque o indivíduo não se sinta alguém que apenas ganha seu sustento,mas quecolabora,realizaetemumavidacompropósito.

Convémreafirmaranecessidadedequeotrabalhosedescoledaalienação,daquilo que é a ausência de pertencimento.Eunão quero apenas fazer coisas,quero ter uma postura autoral em relação às coisas que faço, como algo quetambémédaminhalavra.Decertaforma,essaautoriaseaproximadoespíritoartíficenahistóriadoOcidente.Aquelequefaziaascoisascomasprópriasmãoseassinavaaobra.

Émuito comum nomundo do trabalho ouvir pessoas dizerem: “Nãomereconheço naquilo que eu faço”. E não é um reconhecimento de naturezapecuniária.Não é sóo reconhecimentodo tapinhanas costas, do abonooudaParticipaçãonosLucroseResultados.Éoreconhecimentoautoral.

Cada vezmais desejamos o autoral. A percepção da autoria é necessáriaparaqueapessoaseconstruacomoindivíduoquenãoédescartável,quenãoéinútilequenãopodesercolocadoàmargem.

Umavidacompropósitoéaquelaemquesouautordaminhaprópriavida.Eunãosoualguémquevouvivendo.

Notrabalhoalienado,desumanizado,nãoexisteapercepçãoautoral.Curiosamente, num mundo altamente tecnológico, fica difícil imaginar

quemé o autor, porque há umadiluição das autorias nos conteúdos e formas,naquiloquecircula,masnãonoqueémaissimples.Opadeiro(nãoodonodapadaria) tem a percepção autoral, o pipoqueiro com seu carrinho na esquinatambém, tanto que nós nos referimos à “pipoca do seu Dito”. Algumasprofissõesqueremcaminharnessadireção.Oartista temisso.O jardineiroquecolhearosa.Porquenomundoaltamentetecnológico,dasplataformasdigitais,oque alguns chamam de democratização, em grande medida, é uma diluiçãoautoral.

Quemnãogostadefazeralgocomasmãos?Um sinalmuito forte contrário a esse automatismo foi a febre dos livros

paracolorirduranteoanode2015.Foiumfenômenoeditorial.

Tudobemquetudojáestádesenhadoeéprecisoapenaspreenchercomascores.O que émuito pouco autoral.Ainda assim, é umamanifestação de umdesejoimensodefazeralgumacoisa,denãoconsumirtudojápronto.

O mesmo se nota com o interesse por programas de televisão sobregastronomia.Essaideiaautoralédecisiva.“Aminhapizza.”Seessaéamoussequeeufiz,então,eumevejonela,porque,quandoaspessoasestãodegustandoum doce feito pormim, estãome experimentando.Perire, em latim, significa“provar”,deondevemapalavra“perigo”,mastambémaspalavras“aperitivo”e“experimentar”.Experireé“experimentar”,ouseja,“provardefora”.

Aminhaexperiênciaéquandoeuprovodeforaeolhoaquilo.Operigoéaquiloquemeprova.Porisso,eumeseinaquiloquesaboreio.

Nãoécasualqueemlatimaspalavras“saber”e“sabor”tenhamamesmaorigem.Sapore,emlatim,significatanto“saber”quanto“sabor”.Nãoporacaso,oslusitanos,quandoapreciamumprato,dizem:“Issomesabebem”.

Então, esse movimento de experimentar a mim mesmo significa que opropósitodaminhavidaéterconsciênciadequenãosoudescartável.Senãosoudescartável, eume experimento naquilo que faço. E, dessa forma, preciso terreconhecimentodeautoria.

Muitasvezesapesardeaautorianãoserexclusividademinha,eunãodeixode ser um dos autores. Por isso, essa indiferenciação, que por venturaencontramosnomundodotrabalho,nosdeixaextremamenteamargurados.

Muitasempresasenfatizamooutrocaminho,tentandopassaraoempregadoochamado“espíritodedono”,eissopodesermuitointeressante.Aintençãoéfazerofuncionárioagircomosefosseproprietáriodaempresa.Elesabequenãoé,queéempregado,que temoutra relação,masapercepçãodedono fazcomqueeleatuecomoaquelequecuidadaprópriaautoria,emvezdeseralguémqueapenasexecuta.Émuitoruimserentendidoapenascomoumexecutor.

Opropósitoestáemnãoseralienado.

CAPÍTULO6

OtrabalhoquenosmoldaNós fazemos o trabalho, mas, em certo sentido, ele também nos faz. Issoacontecenamedidaemqueo trabalhoajudaamoldar asnossashabilidadesecompetências. As atividades que realizamos contribuem para formar a nossaidentidadeprofissional.

Nas décadas de 1960 e 1970, aquilo que hoje se chamaautodesenvolvimentooueducaçãocontinuada,tinhaadenominaçãodeformaçãoemserviço.Porquehaviaumasuposiçãodequeaformaçãoparaumaatividadesedavaforadoserviço,fossenumcurso,escola,emalgumlugar.Oconceitodeformação em serviço passou a ser trazido para dentro da empresa como aorganização de processos e projetos de natureza formativa no espaço por elaestruturado.

Masháoutromododeformaçãoemserviço:acarreira.Tomandoomeucasoparailustrar,comeceiadaraulasem1974,portanto,

durantequatrodécadas,desenvolviumaatividadesemteraindaumaidentidadedocente, que foi sendo construída, foi me formando, me forjando. A minhaidentidadesobreaquiloquesou.Eu,quecomeceicomoprofessordefilosofiaeteologia, aos poucos fui também fazendo palestras. Depois, entrei na área decomunicação,atuandoemmídiasvariadas.PasseiaapresentaralgunsprogramasdeTVerádio.Paramim,issoeraoutraformadedocência,quepassouaserpartede um jeito de ser de alguém que se comunica. E assim me tornei mais umcomunicadordoqueumdocente.

A comunicação, no entanto, passou a ser feita de modo pedagógico. Eugostava de trabalhar a comunicação como instrução. Voltei a lecionar e acomunicaçãoficouembutidanaideiadedocência.Portanto,meconsideromaisumeducador.

Omeucursodevida,meucurriculumvitae, fezcomqueeuconstruísseamim mesmo. Uma parte foi planejada, outra foi circunstancial. Claro que euplanejei minha carreira docente, na universidade, como auxiliar de ensino,mestrado,assistente-mestre,doutor,assistente-doutor,adjunto,háumasequênciasegundoaqualépossívelseorganizar,inclusiveporqueéumavidacomtempos.Masumasériedecoisasfoicircunstancial.

A participação na gestão pública se deu pela conexão com pessoas comquemtenhoafinidadeideológicaque,porumasériedecircunstâncias,vencerama eleição na cidade de São Paulo. Pode-se argumentar: “Mas disputavam aeleição”.Noentanto,anomeaçãodaquelegruponãoeratãoprevisível.Ummêsantesdopleito,acandidaturaestavaemquartolugarnadisputapelaprefeitura.Mas, naquelemês, várias coisas aconteceramnopaís que fizeramcomqueoseleitoresmudassemdeperspectiva.

Aquilonãofoiplanejadopormim.Derepenteogrupoemqueeuestavafoiparaogoverno.Efui trabalharnelecomPauloFreire,quepretendiaficardoisanos na atividade de gestão da educação, como secretário municipal deEducaçãodeSãoPaulo,edepoispartiriaparaoutrostrabalhos.

Quando ele saiu, as minhas atividades na Secretaria de Educação e asrelações de trabalho que eu havia estabelecido me tornaram a pessoa maisadequada,nãopormimmesmo,asuceder-lhenocargodesecretário.

Nãoentreinasecretariacomaintençãodegalgarpostos.Aocontrário,nemmeachava,semserimodestotolamente,apessoamaisadequadaparaafunção.No entanto, o grupo considerou que eu tinha mais habilidade para assumiraqueleposto,porcontadosdoisanosanterioresdetrabalho.Assim,construiu-seuma identidade para mim de articulador na gestão de pessoas, com certacapacidadediplomática.

Quandosaídasecretaria,areitoriadaminhauniversidadedeorigem,aPUCdeSãoPaulo,decidiucriarumprogramadeTV.ComachegadaaoBrasildaTVacabo e a exigência por lei de um canal universitário, que deveria agregaruniversidades numa mesma base territorial, a PUC teria de fazer umaprogramação.Oreitorchamouumgrupodeprofessoreseelesdecidiramqueeuapresentaria o primeiro programa e depois aconteceria um rodízio entre osdemais integrantes. Eu apresentei o primeiro e o grupo disse: “Você temhabilidadepara fazer isso, seguevocê”.E fiz issoporonzeanos.Emboranãofosseaminhaintenção.

Nesse contexto, entrou outra ocasionalidade, aquilo que o pensadorrenascentistaNicolauMaquiavelchamavacommuitaclarezade“fortuna”,queno latim significa “a ocasião”, “a circunstância”, isto é, uma dose de sorte.Maquiaveldiziaqueo“príncipe”,ohomemquepoderiacomandareconduziraspessoas (ocondottiere), era aquele que juntava a virtude à fortuna.Emoutraspalavras, a capacidade com a ocasião. A frase clássica: “O homem certo, nolugarcerto,nahoracerta”.

Porisso,quarentaanosdepois,ofatodehojeeusertidocomoalguémque

lidacomcomunicaçãoresultadeumpercursoemqueumaparcelafoiplanejada,metódica,estruturada,eoutrafoiaproveitamentodecircunstâncias.

Porisso,otrabalhotambémmemolda.O magnífico artista Michelangelo expressou bem isso ao dizer: “Todo

pintorpintaasimesmo”.Aoafirmarisso,apercepçãoédequevocêsecolocanasuaobra.Euestou

invertendoumpouco,aquiloqueeufaçoéaquiloquemefaz.Porissoseusaapalavra “realizar”. É quando me torno real, quando não sou uma merasubjetividade,comdesejoseintenções,maseuconstruoaliaminhaidentidadeeaquiloquepassareiaser.

É interessante porque as razões para fazer aquilo que faço hoje não sãonecessariamenteasmesmasqueeutinhanocomeçodessatrajetória.

Porqueeufaçooquefaçohoje?Porqueeumeconstruícomoumfazedordisso, e quero me manter nessa feitura, de modo que eu possa continuar mefazendo.

Deixardefazê-loagoraseriamedesfazer.

CAPÍTULO7

AorigemdamotivaçãoHáuma fraseantiga segundoaqual “motivaçãoéumaportaque sóabrepeloladodedentro”.

Amotivaçãotemumníveldesubjetividade,eissosignificaqueelapartedosujeito. Nós, às vezes, dizemos: “Eu precisomotivar a minha equipe”, “devomotivaraspessoas”,“tenhoquemotivarmeusfilhos”…

Énecessárioentenderque,emboraapalavra“motivação”signifiquemover,movimentar, fazercomquehajaopontodepartidaparaalgo,elaéumestadointerior.

Nãodevemosconfundirmotivaçãocomestímulo!Oqueumgestorpode fazer,porexemplo, comalguémque trabalhacom

ele?Podeestimulá-lo,impulsioná-lo,masnãoobrigá-loafazeralgoapartirdeumaatitudequedevepartirdaprópriapessoa.Ointegrantedaequipeécapazatécumpriraordem,masnãoestarámotivado.Elefarácomoumatarefa,umdever.

Háumadiferençaentredeveremotivação.Paraalgumaspessoas,odeveréamotivação.Emdeterminadasatividades,principalmentenocampodasaúde,naáreamilitar,nocorpodebombeiros,aprópriapercepçãodedeverjáémotivaçãosuficiente.Istoé,a ideiadeque,seexisteumatarefaacumprir,eladeverásercumpridaaqualquercusto.

Olemaé“tarefadada,tarefacumprida”,demodoqueoprofissionaldessaáreaenxerganasuaobrigaçãoaquiloqueomovimentapordentroparaquedêcontadamissãodequefoi incumbido.Algumaspessoasdiriamquecumprirodever é uma questão de honra, portanto, não há outra estrutura motivacionalalémdessa.

No dia a dia de outras funções, no entanto, o que motiva alguém a serprofessor,empresário,piloto,paioumãe?Aquiloquevocêdeseja,querealiza,que o completa, aquilo que permite que você se reconheça. Eu me conheçonaquiloqueajo.

Motivaçãoéumaatitude interna.Quaissãoasminhasrazõesparafazeroquefaço?Arespostarevelaráafontedaminhamotivação.

Alguémexternamenteamimtambémpodemeestimular,fazercomqueeuprimeiroganheforçanoqueestoufazendo,possoserinspirado,animado,masa

motivaçãotemumanaturezanaqualopontodepartidaéopróprioindivíduo.Posso,porexemplo,lidarcomumaequipedesmotivada?Sim,maselanão

faráumtrabalhodeumacompletudemaior.Uma pessoa motivada faz algo decisivo: ela procura excelência. A

expressão latina excellens significa “aquilo que ultrapassa”, “aquilo que vaialém”.

Uma pessoa excelente é aquela que faz mais do que a obrigação!Curiosamente,essaexpressãoàsvezesparecesoardemaneira incorreta, soboponto de vista da lei, dizer que alguém faz mais do que a obrigação dariamargem a pensar que trabalha sem receber ou fora das normas. Não é isso.Quemestámotivadofazmaisdoqueaobrigação,istoé,temaobrigaçãocomopontodepartidaenãodechegada.

Nósgostamosdeumgarçomquandoelefazmaisdoqueaobrigação.Qualaobrigaçãodeumgarçom?Anotarospedidos,trazeracomidaetc.Masporquese aprecia umbomgarçom?Porque ele não faz só isso.Ele se antecipa à suanecessidade,sugereolugarmaisagradável,ficadisponívelsemseintrometer.

Porqueseapreciaalgummédico?Porqueelefazmaisdoqueaobrigação.Atarefadomédicoéconsultar,fazeraprescrição.Mas,quandoeleseinteressaporvocê,quandonãooolhaapenascomoumadoençaemalguém,mascomoalguémcomumadoença,istoé,olhaasuainteirezacomopessoa,fazmaisdoqueaobrigação.

Quantosprofessoreseprofessorasqueadmiramosnavidafaziammaisdoqueaobrigação?Aquelaprofessoradehistória,cujodevereranosensinarumpouco sobre omundo greco-romano daAntiguidade,mas nos envolvia de talmodo com o tema que íamos sexta-feira de manhã animados para a escola,ansiosospelaaula.Elanosencantavacomoconhecimento.

Porisso,umconceito-chavenessapercepçãoé:quemtemummotivoqueoimpulsioneconsegueatingiraexcelência.

Como gestor, eu não vou motivá-lo, mas posso estimulá-lo a encontraraquiloqueemvocêéabuscadaexcelência.

Posso fazê-lo de vários modos, seja pela formação, seja peloreconhecimento,peloelogioevalorização,pelacorreçãodenaturezainteligente– a capacidade de corrigir sem ofender, orientar sem humilhar – ou pelapossibilidadedecolocarmetaseprazosquefazemcomqueapessoadêopassonadireçãodesejada,emvezdeseacomodarnasituaçãoemqueseencontra.

Oladoexterno,portanto,oladoobjetivodamotivaçãoseráoestímulo.Àsvezes,esseestímulopodevirnaformadeumprêmio,deumretornofinanceiro,

mas também pelo reconhecimento da autoria ou da qualidade daqueleprofissionalesuacontribuiçãoparaotododaobra.

Fazendoumabrincadeiracomaspalavras,possofalarqueamotivaçãoéoestímulo interno, enquanto o estímulo é a motivação externa, mas são duascoisasdistintas.

Adiferençaédeondepartem,masambastêmamesmaintenção.

CAPÍTULO8

OquemaisdesmotivaEmminhaspassagensporempresas,nacondiçãodepalestranteoudeconsultor,háumaspectoqueconsideroamaior fontededesmotivaçãodos funcionários.Muitospodempensarquesetratadealgumfatorligadoàremuneração.Nãoé.Oretornofinanceirotemimportância,masérelativa.

A principal causa da desmotivação é a ausência de reconhecimento.Quandooprofissionalnãoéobjetodegratidãopeloquefaz.

Embora o indivíduo saiba que é um empregado, ser só “mais um”empregadoéumfardomuitomaior.Sersómaisumnãosignificanãosernada.Quer dizer que não é o patrão, é um entre outros. E que, portanto, o nãoreconhecimento do valor, do resultado do trabalho, da colaboração no projetocoletivo,éabsolutamentefrustrante.

Essa sensaçãoacometegrandepartedaspessoasnas corporações,quandonão lhes dãoo valor que julgamadequado.Embora o salário tenhaumapartenisso,nãoéaprincipal.Éovaloremrelaçãoàatitude,àdedicação,àobra.

As organizações mais atentas ao capital humano costumam fazer oreconhecimentopúblico,sejaemfestividades,sejanoregistroemalgummeiodecomunicação da empresa, até coisas que até parecem tolas – como a foto dofuncionáriodomês–nãoosão.

Éumgostoimensoreceberalgumtipodedistinção.Naáreaacadêmicaéoequivalenteareceberalgumatitulação,algumprêmio.

Afontecentraldadesmotivaçãoéonãoreconhecimento.Afinaldecontas,se a pessoa está naquela atividade, algummotivo forte ela teve – pode ser anecessidade,avontadedefazeraquilo,maselaestáexercendoaqueleofícioporalguma razão. Essa razão vai minguando quando o não reconhecimento écorriqueiro.

Outromotivodedesconexãoéquandoapessoanãomaisconsideraaquelaatividadedecente.Comoalgopeloqualeladariaosangue.Alguémquepercebe,por exemplo, que a empresa é hipócrita, isto é, propaga posturas ecomportamentos, fala do balanço social e da importância das pessoas, mas époucoautêntica.

A falta de autenticidadeda empresa faz comque apessoaváperdendo a

energia,porconsiderarquenãovale ser colocadaemalgoaquenãoadere.Anãoserpornecessidade,émuitodifícilpersistirnumaempresanaqualnãoseacreditamais,sejapeloproduto,sejapelaaçãodelanomercado,oupelacondutanacomunidade.

Aausênciadereconhecimentosemanifestadeváriasformas.Seochefeéinjusto,seosalárionãoéadequado.

Quandoeujulgoquevalhomuitomaisdoqueachamqueestouvalendo,ésinaldeexploração.Umacoisaécolocaromeu trabalhoa serviçodealguém,vender meu tempo para uma empresa. Outra coisa é achar que estou sendoexplorado,istoé,queestãomeusandosemretorno.

Para ilustrar a importância do reconhecimento, basta reparar no quanto aatividademilitartrabalhacominsígnia,aquiloquemarca.Umuniformecheiodesímboloscarregaasmarcasdoqueaqueleintegrantefez.Eissotemumpoderdeincentivoimenso.

Adesmotivaçãovemàtonaquandoeupercopotênciaparafazeralgoquepassoajulgarquenãovalemais.Aliás,sempreacheicuriosaaexpressão“nãovaleapena”.Ficoimaginandooqueapessoapensaquandolêumlivromeuouvaiaumapalestrae,aofinal,paraelogiar,diz:“Valeuapenatervindo”.Tenhocuriosidadeemsaberoqueelaentendecomopena.Seráquehaviaumsuplícionopontodepartidaparaassistiraumaconferênciaouparalerumlivro?

“Vale a pena trabalhar nesta empresa.” Qual pena? Existe ali algumacondenaçãoprévia?Porqueaideiacentraléadepena?Essaéapercepçãodotrabalhooudoempregocomocastigo.Valeosacrifício.Essapercepção,sempredanosa,martirizante,éagravadaquandonãoseobtémreconhecimentopeloqueérealizado.

Poroutrolado,ogestorprecisatercautelaparanãofazerumelogioquesoefalso, ou indistinto, convenienteparaqualquer situação.Comoquando alguémapresenta uma ideia e não se quer avaliar,mas se diz “que interessante”, umafrasedegrandevacuidade.

Damesmaforma,oelogioexageradofragilizamaisdoquemotiva,poisapessoaachaquejáchegouaopontoemqueprecisariachegar.Nessecaso,nãoqueoelogiodesestimule,masengana.Seoprofissionalsesente“ocara”,imuneaqualquertipodefragilidade,abrebrechasparaficardebilitado.

Comosempredigo,ograndecalcanhardeAquilesfoiacharquenãotinhaum calcanhar de Aquiles, portanto, supor-se invulnerável. Nenhum de nós éperfeito,queemlatimsignifica“feitoporcompleto”.

A propósito, na área de educação escolar, um professor disse uma frase

absolutamente tonta: “Comigonão temessenegóciodedez.Nuncaeudeiumdeznavida.Porquesemprehaveráapossibilidadedemelhorar”.Issoédeumatoliceimensa.

Conformeasuposiçãodele,aideiademelhoréumagradação.Emelhoréumaatitudedeelevaralgo,mesmoqueele jásejaótimo.Gradaçãoé“ótimo”,“bom”, “regular” e “ruim”.Dez, nove, oito, sete… zero. Eu posso tirar dez efazer melhor. Eu posso dar dez e falar: “Fantástico, e você consegue fazermelhor”.

Algumasempresasdãoaentenderque“nãosermandadoemboradaquijáéumelogio”,“nãoserrepreendidojáéumamaneiradeserelogiado”,“silêncioéamelhormaneiradedizerqueestátudoemordem”.

Feitorarnãoéumaformadegestão.Darnotaboaparaalguémnãosignificadesestimulá-loacrescer.Édaraavaliaçãomáximaedizer:“Nessacircunstância,ótimo,evocêconseguefazermelhor”.Estabelecerumpatamardeconclusãoéabsolutamentelimitante.

Tanto a ausência de reconhecimento quanto o reconhecimentosuperdimensionadosãoatitudesequivocadasnotratocomooutro.

CAPÍTULO9

TrabalhocomsignificaçãoFaçooquefaçoporqueaminhaobra,omeulegado,aquiloquerealizometornaalguém que não é fútil, descartável? Faço o que faço porque isso me dásatisfaçãoeorgulho?Oufaçooquefaçoporquetenhodefazere,senãofizer,pereço?

Essa última possibilidade é concreta. Afinal de contas, como dizia o jácitadoMarx,aprimeiraintençãodetodoservivoémanter-sevivo.

Nessesentido,seeufaçosóporfazer,porquenãoháoutromodo,nãodeixadeserumrazão,maséapior.Porqueéamaisóbvia,maisbásica,eéaquenosaproximadeoutras formasdevida.Outrosanimais fazemoquefazemporquenão têm como não o fazer. Portanto, é uma vida automática, robótica, jádeterminada.

Seeudesejoumavidacomconsciência,comarecusaàalienação,sequeroalgoquemeleveaopertencimentodemimmesmoedaquiloquefaço,precisoter razões que sejammais sólidas do que apenas argumentar a necessidade desobrevivência.

Hámomentosnavidaemque,defato,nãoháalternativa.Temosdefazeralgoquenosgarantaasobrevivência.Todoorganismo,parairalémnaquiloquedeseja,precisamanter-seemestadodefuncionamento.Emalgunsmomentosdanossatrajetória,foinecessáriofazercoisasparagarantirasobrevivêncianaquelacircunstância.

Jáhouveocasiõesemque,sepudesseescolher,istoé,senãofosseobrigadoa fazer determinada coisa, não faria. Não porque aquilo fosse imoral oudescartável,masporquenãoeraalgoquemecolocavanarotadosmeusmotivos.Tratava-sedeumanecessidadeenãodeumaliberdade.

Quandofalamosdasrazões,estamosnosreferindoaoreinodaliberdade.Aprópriaideiadenecessidadeéoreinodacarência,nãoéamelhorrazão.Éumarazãopelaqualfaçooquefaço.

Emrelaçãoaqualquercoisaquesefaça,amelhorrazãoéporqueeuqueroenãoporqueeupreciso.

Isso significa queme recuso a fazer o que preciso?Claro que não, seriatolice. Vamos imaginar que eu esteja em uma circunstância qualquer de

rarefaçãomaterial,dedificuldade,emqueprecisodeumacréscimonascoisasque faço para poder garantirminha sobrevivência.Nessa hora, até farei o quenãoquero,masaquiloqueeupreciso.Issonãoédeselegante,nemdesonroso,amenosquesejaalgoabsolutamenteantiético.

Setenhoclarezadacircunstância,tenhomotivação.Preciso colocar um filho na escola, algum familiar necessita de um

tratamento médico de alto custo, ou devo apoiar uma ação na minhacomunidade, então coloco minha energia num projeto cuja racionalidade nopontodepartidaéanecessidade,masnãoaondequerochegar.

Porque posso, sim, me agradar, me alegrar com o que eu faço apenasporquefuiobrigadoafazê-lo,desdequenãotorneaobrigaçãoumsuplício.Quea obrigação seja uma circunstância a ser enfrentada, e não um castigo que osdeusescolocaramsobreasminhascostasequeeuprecisosuperar.

Há pessoas no mundo do trabalho que encaram o que fazem como umaprovação.Deusouqualquerforçaoestáprovando,paraqueelesejadepurado.Por isso,éumsofrimentopurificador.Nãoseencaraaquilocomoum inferno,mascomoumachancedesalvação.Eissopodefazercomqueopropósitosejaseguirdemaneiraobsequiosa,semreclamar.

No contoO capote, do escritor Nikolai Gógol, nascido no que hoje é aUcrânia, tem aquele típico funcionário que passa a vida cumprindo tarefasburocráticase,pormaisquesejatripudiado,humilhado,segueinabalávelemsuarotina.

Hátambémoutrotipo,paraoqualessesofrimentonãoirápurificá-lo,masredimi-lo,reconhecê-locomoalguémdevalor.ÉocasodeAjornadadoherói,doantropólogonorte-americanoJosephCampbell,estudiosodemitologias(emqueoheróisaidomundocomumembuscadeumameta,superandoprovaçõeseagruras para conquistá-la). Existem pessoas no universo do trabalho que secomportamcomomártiresque,emalgumdia,emalgummomento,vãoobteraglória.

Aquele que entende o trabalho como provação, em que o sofrimento éinerente ao esforço do trabalho do dia a dia, acha que precisa ser passivo,paciente, porque um dia desfrutará demelhores condições e, portanto, precisapassarporisso.

O outro entende ser vítima de uma estrutura que umdia chegará ao fim.“Estousendovitimado,mashaveráummomentoderedenção.”Ouainda:“Aspessoasmeperseguem,nãogostamdemim,porquesoumaiscompetentedoqueelas,nãosoupromovidoporqueelastêmmedodemim,masemalgummomento

aredençãovirá”.Existempessoasqueseguemessadireção,istoé,cujopropósitoévingança.

Haveráumahoraparadarotroco,oquemelembraumafraseempara-choquedecaminhãonoParaná:“Nasubidacêmeaperta,nadescidanósacerta”.

Com isso, usa-se a estrutura do trabalho como um local para exercer aspequenasidiossincrasiasqueenvolvemmaniasemedos.Oespaçodotrabalhoéumterritórioemqueseencontraumafaunaimensaemrelaçãoaessasquestões.

Masépossívelressignificaralgumasatividades.Issopodeviroupormeiodeumatomadadeconsciênciainternaoudeumaatitudequepartadogestor.

Umadasáreasquemaistêmdificuldadeparaestimularofuncionárioéadeteleatendimento,callcenter.Porquê?Geralmente,trata-sedeumjovemnafaixadosvinteanosdeidade,noprimeiroemprego,equevaitrabalharalipornãoterexperiência. Por conta dessa condição, ele receberá um treinamento para serrobótico.Logo, vai encarar aquilo como algomeramente transitório, enquantoele não arruma um empregomelhor. Qual a principal dificuldade da empresacomessegrupo?Altarotatividade.Oturnoveràsvezeschegaa70%,justamenteporque as pessoas estão ali de passagem.O propósito delas é ir embora.Vãoficandoenquanto forpreciso.Nahoraemquenãoprecisaremmais,pegarãooboné.

Como consultor, frequentei algumas empresas de telemarketing. Minharecomendaçãoaelasfoiparaquemostrassemaojovemqueele,defato,estavaali de passagem, mas que não deveria perder a profundidade da experiênciavivenciada.

Embora esteja ali transitoriamente, não adianta a empresa dizer para ele“você está num ótimo lugar”, “vai crescer na empresa”, “podemos oferecercargosesalários”,porqueelesabequenãoéverdade.Oquedevesercolocadoé: “Nós sabemos que você está aqui por um período, você quer pagar a suafaculdade,equandopudervaiparaoutraatividadenaqualtenhamaisinteresse”.Mas issonão impedeque,“enquan tovocêestiveraqui,depassagem,percebaquanto essa experiência pode contribuir profundamente para a sua formação.Vocêvaiconvivercompessoasdiferentes,vaienfrentarsituaçõesdeconflitoaotelefone, vai lidar com informações relevantes.Você vai sair daqui preparadoparadaroutrospassosemsuacarreira”.

Nas empresas em que essa lógica foi colocada, houve uma diminuiçãosignificativadarotatividade.

Afinal, seriapossíveldizerque, assimcomo tenhoumaposturadepoucoenvolvimento porque estou de passagem pela empresa, também estou de

passagemnavida.Eu estou tão de passagem quanto o meu primeiro emprego. Mas não é

porque estou de passagem por esta vida que vou deixar de vivenciar aexperiência com maior densidade, enquanto aguardo uma coisa melhor, quepodeseroparaíso,aeternidadeetc.

Essaexperiênciaquetenhoaquimefaz,elameformaeeuafaço.Eudousentidoaela.

Algumas organizações perceberam algo de especial na área detelemarketing.Umadelas,dosetor financeiro,priorizaacarreira fechadae,nahoradapromoção,aproveitaoprofissionalquejáestiverládentro.Sórecorreaomercadoemcasosdeexceção.Etodasasvezesqueabriamvagaporpromoção,apareciamcandidatosdeváriasáreaseporúltimodotelemarketing.

O que eles notaram: quem conhecia a empresamelhor?O telemarketing.Aquele funcionário que passa o dia inteiro explicando tudo para o cliente.Resultado: toda vez que abria uma vaga em outro departamen to, elescomeçavamoferecendo ao telemarketing.Com isso, conseguiram funcionáriosbastanteadequadosparaocargo.O jovemrapidamente sequalificavananovaposição,porquetinhaoconhecimentodetudooqueouviaefalavanodiaadia.

A partir disso, passou a haver disputa para começar a trabalhar notelemarketing ou pedidos de transferência para o setor com o intuito de secandidatarmaisfacilimenteàsposiçõesacimanahierarquia.

É fundamental que eu tenha clareza de qual é o meu propósito, se éamealharumpatrimônio,seégalgarposiçõesnumacarreiraascendente,seéterumcargodoqualeumehonre,seéserviraumacomunidade.Qualafinalidadedaquiloquefaço?Insisto:nãopodeserautomático,robótico,alienado.

Nocallcenter, omeu propósito pode ser reunir condiçõesmateriais paradar outro passo, mas, enquanto estiver ali, eu não devo perder de vista essehorizonte, porque senãome enfraqueço e diminuominha potência em relaçãoàquiloqueprecisofazer.Porisso,aconstruçãodopropósitoédecisiva.

Aliás,porqueoprofessordecursinhonãoprecisapedirsilêncioemsaladeaula,enquantooprofessordeensinomédiopassaboapartedotempotentandocontrolar um grupo de quarenta adolescentes de dezessete anos? Porque noensinomédiooalunoestá láporqueéobrigado.Eeleestánocursinhoporquequerentrarnauniversidade.Opropósito reordenaasnossasações.Passarpeloensinomédioépassar.Outracoisaéestarnumlugarparafazeralgoembuscadeumobjetivo.

“Por que fazemos o que fazemos?” não é uma questão secundária em

relaçãoaomodocomolevamosavida.

CAPÍTULO10

ÉticadoesforçoVezououtra,souquestionadoseempresaélugardegentefeliz.“Épossívelserfelizcomavidaqueselevanocotidianodasorganizações?”

Aempresaéumlugarondepossoconstruirumaparceladaquiloquepodemeproporcionarsituaçõesdefelicidade.

Mas quando alguém diz “Ah, eu quero fazer só o que gosto na vida”,lamento,issoéimpossível.

Tenhoumvínculofortíssimocomaminhaatividadededocente.Masnãogosto de fazer uma parte das coisas que faço. E outra parte imensa eu gostomuitodefazer.

Gostomuitodedaraula,masnãoapreciocorrigirprovas.Quemgostadeler cinquenta redações sobre o mesmo tema? Depois, mais cinquenta, maiscinquenta….Maseunãopossonãocorrigir,porque,sedeixardefazerisso,nãotereivisãodecomoosalunosestãoaprendendoedecomoestouensinando.

Quando estou escrevendo um livro, não gosto de fazer a releitura domaterial,arevisão,acorreçãogramatical.

Queatletagostadetodososdiasdemanhãseguirumarotinadeexercíciosparapraticarumesporte?Éclaroqueelegostadojogo,daemoçãodadisputa,masaquiloqueestánaestrutura,quecriaascondiçõesparaelecompetir,nãoéagradável.

Écomoumadieta.Podeserobrigatóriaparaapessoanãoperecer,oupodeser por razões de autoestima.Mas ninguém em sã consciência acha agradávelumarestriçãodaquiloqueapreciacomer.

Omesmovaleemrelaçãoaomundodotrabalho.Sevocêégestordeumaempresa,hádemandaporreuniõesconstantes,alémdeumaagendaparaleladecompromissossociais,almoçoscomclientes,eventosdaárea.

Épossívelnotarumcomportamentomarcadopelohedonismonasgeraçõesmais jovens.Umposicionamentoexpressopeloclássico“euquero fazeroquegosto”.

Evidente,eutambém.Aliás,umafrasequefaleinumaentrevistarepercutiubastante:“Sóumimbecilgostariadefazeroquenãogosta”.

Claro,todomundogostadefazeroquegosta.Maséprecisoterconsciência

dequenodesenrolardavidaprofissional,parafazeroquesegosta,énecessáriopassarporetapasnãonecessariamenteagradáveisnodiaadia.Ocaminhonãoémarcadoapenasporcoisasprazerosas.

Oproblemaéquegrandepartedageraçãoatual foicriadasema ideiadetransição entre o desejo e o fato, entre a vontade e o sucesso, o anseio e asatisfação. Existem jovens de vinte anos de idade que nunca se deram aotrabalhodearrumaracamaoulavaralouça.Araizestánaformaçãodentrodafamília.

Sobessepontodevista,algunsdelesachamque,dentrodeumaempresa,ochefeéumaespéciedepaioumãe,ouseja,alguémquetemdeprovê-lodetudooquenecessita, e issonãoéa realidade.Umaparceladessageraçãochegaaomercadodetrabalhosemaideiadeesforço.

E o que há de positivo na nova geração? Ela não quer um trabalhoautomáticoerobótico.Elaquercompreenderarazãodeestarfazendooquefaz.

Mas ela, por outro lado, nem sempre se prepara para o esforço que temdesgaste,emquenãoháprazercontínuo.

Éprecisoqueosgestores trabalhemnessadupladimensão.Nãodeixardeofereceràsnovasgeraçõesacondiçãodepoder fruiro localde trabalhocomoparte do propósito de sua própria vida, mas, por outro lado, mostrar que énecessário fazer coisas que não são prazerosas e fáceis. Para as coisasacontecerem,éprecisoesforço.

Osgestoresprecisamlidarcomessedesafiodemodoaformarpessoascomcompromisso,metaseprazos,massemperderoquetêmdemaisinovador.Istoé,nãosóafamiliaridadecomodigital,masosensodeurgência,amobilidade,acapacidade de inovação. Isso é uma força vital, altamente contributiva para omundodasempresas.

Nãoposso,emumnegócio,prescindirdepessoasquequeiramviveralgonovo.Mastambémnãopossoaceitarqueachemqueavidasófuncionacomonovo.

Menosprezar essa geração, por conta daquilo quenela é umdesvio, seriaumatoliceimensa.Fazmuitomaissentidoaproveitaroqueelatemaoferecereprocurarformá-lanadireçãodaquiloqueafarácrescer.

Em relação a essa ética do esforço, um caso que costumo contar é o doexímiopianistaArthurMoreiraLima.Apósumconcertomagnífico,umjovemfoiatéeleefalou:“Gosteidemaisdoconcerto,eudariaavidaparatocarpianocomoosenhor”.Eele,depronto,respondeu:“Eudei.Foramquarentaanosdededicação,denoveadezhorasdiáriasdeesforço”.

Cautela com a expressão “eu só quero fazer o que gosto”. Para ter oresultado que eu gosto, nem sempre faço o que quero. Porque o desgaste éinerente a qualquer processo de produção: do tempo, do espírito, da peça, danatureza. E esse desgaste poderá ser negativo se eu não entender o sentidodaquilo que estou fazendo.Mas, se existir um objetivo adiante, um propósitomaior,essedesgasteserácompensadopeloresultado.

Quem tem um trabalho maçante no dia a dia, um trabalho repetitivo, otaylorismo encarnado, não vai dizer que gosta daquilo. Mas pode gostar doresultadogeradoporaqueleesforço.

Conheçogenteque,mesmotendopassadoodiatodoparafusandopartedeumveículonumalinhademontagem,seorgulhadoprodutofinal.Quandoolhaevêquetempartenaquilo,ficaanimado,poistemaideiadepertencimentoedeque contribui para a realização do todo.Ainda assim, o trabalho em si não éagradável.

Éanimadorteracapacidadedeconcluirumaobra,maselaexigeesforço.Essaideiadeesforçonãonecessariamenteéaquiloquenoscompensamais.

Quandoeueracriança,tinhaumsonho,principalmenteàsvésperasdeumaprovadematemática,história,geografia:“Porqueagentenãonascesabendo?Seagentenascesse sabendo, eu estaria tranquilo, nãoprecisariapassaromeusábadoedomingodebruçadosobreos livros”.Eu ficavaquietonomeucanto,comdezanosdeidade,tinhadeestudar,ler,voltar,recapitular.Contudo,quandofazia aprovae tinhaali a satisfação–queé sempreprovisória–deobterumbomresultado,aquilomealegrava.“Oesforçocompensou.”

Nessesentido,partedaspessoasachaqueoqueelasfazemnãocompensa,porqueémuitodifícil,muitoduro.Claroqueé.Noentanto,nãohácomonãofazerissodaformamaisescorreita.

Steve Jobs dizia “que a única maneira de fazer um excelente trabalho éamaroquevocêfaz”.Sim,noentantoémaisfácilprocurargostardaquiloquesefazdoquefazeroquegosta.

Eupossopegarumasituaçãoemquesouobrigadoaficaremrepousoporrazõesmédicas como uma circunstância para descansar, atualizar a leitura ououvirumpoucodemúsica.Istoé,nãoéfingirumacircunstância,maspreenchê-ladeoutromodo.

Por isso, essa fixação hedonista de encontrar o prazer no mundo dotrabalho,naempresa,éforadepropósito.Essehedonismomarcanegativamenteaprópriaexpectativa.Quementranocircuitodotrabalhodessemodoacabasefrustrandorapidamente.

Éótimoparaumjornalistafazerumamatériaevê-lapublicadanumjornalou numa revista, mas o trabalho de apuração, acordar de madrugada, checarinformações, receber vários nãos enquanto se procura fontes, tudo isso édesagradável.

A agradabilidade tem um caminho anterior que não necessariamente éagradável.Talvezafrasemaisclássicaquetraduzaissoéanorte-americana“nopain,nogain”(semdor,semganho).

Épossívelserfeliznaempresa?Afelicidadenãoépossívelemlugarnenhumdemaneirainteira,exclusiva,

hegemônica.Agora,queaempresaéumdos territóriosnosquais construímosnossascondiçõesdefruiçãodascircunstânciasdefelicidade,nãotenhoamenordúvida.

Apesar da possibilidade de encontrar no mundo do emprego o que nosfelicita,issotambémaconteceemoutrosterritórios.

Comumadiferença:trabalhardátrabalho.

CAPÍTULO11

ValoresepropósitosAideiadeconsciênciasobreospropósitosestáligadaànoçãodevalores.Quaissãoosmeusvalores?Oqueeuachoquevaleeoqueeuachoquenãovale?Aminhavidavalerádequemodo?Éumavidacomousemvalia?Quevaliaeuquero colocar nela? Para que serve essa vida?Qual é omeu papel dentro daestruturaemqueatuo?

Ocampoéticoédecisivoporquelidacomosvaloresquemepermitemterumacondutanavida.Opropósitoestáconectadotambémaessapercepção.

Existem pessoas, no entanto, que podem ter maus propósitos. Apesar depossuíremumaéticamaléfica,nãodeixamdetervaloreseprincípiosdeconduta.

Por isso, quem deseja uma vida decente precisa de valores e propósitosdecentes,quenãosejamdestrutivos,autofágicos,degradantes.Bonspropósitossãoaquelesqueelevamoindivíduoeacomunidadenaqualeleestáinserido.

O filósofo espanhol Ortega y Gasset afirmou “eu sou eu e a minhacircunstância”.Quando chego numa relação afetiva ou num grupo de amigos,não estou absolutamente isento do que carrego na minha história. O meucaminharéfeitocomtodasasminhascoisas.

Ora, se Ortega y Gasset classifica o indivíduo não como uma meraidentidade,maslevandoemcontaasuahistóriacomoutros,omesmovaleemrelaçãoaessaquestão.

Qualomeuprincipalpropósitodenaturezaética?Meelevar,nãoterumavidadegradante,maselevarcomigotodaaminhacircunstância,aquelesquemeacompanham.Aéticaentranessecircuitoporqueopropósitodavidacoletiva,enão só individual, deveria ser fazer comque avida fossemelhorpara todos etodas.Essaforçamotrizinternaéquemuitasvezesfazcomquepessoasmudemdeatividadeprofissionalouredirecionemsuacarreira.

Conheçocasos,porexemplo,deummédicoque largouaatividadenumaclínica para trabalhar no resgate do Samu, e de um advogado que decidiutrabalharnumTribunaldeContas,porquepassouaencararaqueleafazercomoumatarefacidadã.EsseesforçotambémébastantefortenoTerceiroSetor.

Tenho visto gente que entra no Terceiro Setor para organizar atividadescomoconvicção,quasesempreembuscadeidentidade.“Eusoudaperiferia,da

favela,queroelevá-la.Euvimdomeiodopovoequerofazercomqueissofaçasentido.Portanto,vouganharavidadessemodo.”

Existeumfirmepropósito,queéservir.Afinalidadeprimordialdafunçãodesenvolvida não é a aquisição material, mas a ideia do trabalho comoconsequênciadeserviraumacausa.

De modo geral, mesmo com as oscilações da economia, a motivaçãopecuniáriadeixoudeterexclusividadenomundodotrabalho.

Durante algum tempo, a lógicaque imperavanabuscadeumacolocaçãoprofissional era: “Vou procurar um serviço porque quero sustentar a minhafamília,ganhoumdinheirinho,doueducaçãoparaosmeusfilhos,vouemboraempaz”.

Isso foi exacerbado nas décadas 1980 e 1990, quando a aquisição dopatrimôniopassouasermuitovalorizadaemrelaçãoaoresultadodotrabalho.

Hoje,comoenriquecimentodanossasociedadeemcomparaçãoàsdécadasanteriores, já se observa que esse modelo do trabalho tendo como vínculoexclusivamenteoacúmulopatrimonialnãoémaistãosignificativoparaalgumaspessoas.Muitagentedesejaqueotrabalhotragasatisfação,bensmateriais,masnão seja focado apenas nisso, e que não bloqueie as outras frentes. Que otrabalhonãoimpeçaquesecurtaaexistência,quesepossaviajar,quesepossaconvivercomafamília.

Issonãodependetantodoquadroeconômico.Temmuitomaisavercomoesgotamentodeummodeloanterior,noqualhouvecasosdegrandeinfelicidade,dequemtinhaacapacidadedetrabalhardeformaintensaeacumular,masnãoconseguiafruirdemodoalgum.

Aliás,essaideiadejuntardinheiroedepoisnãosaberoquefazercomelemecausaestranheza.

Exceto pelo lado da ganância de acumular por acumular, que é a docolecionador em busca de aumentar o acervo, qual a lógica dessecomportamento?Oque levaumempresárioa trabalharde segundaa segunda,dezesseishoraspordia,atéofinaldavida,enãoalmoçarfora,nãobrincar,nãopassear,nãoveromar,nãocontemplaraLua?

Para mim, o pecuniário oferece um nível de gratificação extremamentelimitado.Eu atéme sinto bemde frequentar um restaurante emque aprecio acomida.Masnãopossoalmoçar trêsvezesnomesmodianesse lugar.Nãofazsentido.

Eu quero fazer coisas que me engrandeçam para além do acúmulo depatrimôniooudameraremuneração.Queroalgoquemepermitaseradmirado.

Essaquestãodaadmiraçãoéséria.Eudesejoalgumacoisaquemefaçasergostado pelosmeus filhos e que eles queiram ser como eu. Isto é, a ideia defuncionar comouma referência positiva. Jamais passou pelaminha cabeça seradmirado por ter um carro de luxo. Não descarto tê-lo, mas não quero seridentificadoapenascomo“ocaradocarrãodeluxo”.

Existeumainsatisfaçãopositiva,queéaqueladequerermaisemelhor.Masexisteuma insatisfaçãonegativaque induza sofrimento,que fazcomquenãohajapontoderepousooudeserenidade.

Toda insatisfação necessita de um ponto de serenidade, porque, docontrário, não se aproveita aquilo por que tanto se almejou. Se você passa otempotodoemestadodesofreguidão,embuscadealgo–mesmoquejátenha,quersempreumpatamaracima–semquehajapossibilidadedeagregaraquilocomousoefruição,qualosentido?Voltoaocasodocolecionador,osujeitoquetemumaadegadevinhos inacreditável,masqueestá ali para ser exibida, nãoparabeber.

Emoutraponta,háempartedageraçãoatualummovimentomuitofortederecusaaomodelodospais.Aideiadetrabalhoeramuitoclaraháduasgerações.Hoje não é tanto. Para algumas pessoas da nova geração, elas não precisamnecessariamenteexistirnessemodoprodutivo.

Uma parte da nova geração acha que omeio de subsistência não precisaobrigatoriamenteadvirdeumemprego.Istoé,“eutenhoodireitodenãofazerisso,possoviverdemodoalternativo”.

Éumavidadesindustrializada,nãonosentidodeperderoacessoaomundodoconsumo,masdeelepoderfruirsemaperdadetempoqueseconsideraqueopaiteve.

O jovem diz: “Meu pai trabalha, trabalha, trabalha e não aproveita nada.Fazerissoparaquê?”.Eopairesponde:“Maséjustamenteporqueeufaçoissoquevocêpodenãofazer.Masvocêprecisafazerparaosseusfilhospoderemteressapossibilidade”.

Aíojovemreplica:“Masdequeadiantaeufazerparaosmeusfilhosteremseeunãovou ter?Que lógicaé essadeumacadeiacontínua, emque sóháareproduçãodomesmo,seninguémchegaráaopontodafruição?Euquerofruir”.

Esseconflitoexpõeocontrastedecrençasquecercaramotrabalhoaolongodotempo.

Para alguns, o trabalho é uma obrigação. Dentro do protestantismo, éinclusive umaobrigaçãomoral.Toda a concepçãoweberiana (deMaxWeber,intelectualalemãoconsideradoumdosprincipaisnomesdasociologia),advinda

da percepção da ética protestante, colocará a ideia do trabalho como umaobrigaçãomoral.

AideiadeservagabundoseráintroduzidanoOcidente,noscódigospenais,como infração. A legislação brasileira, até dez anos atrás, previa avagabundagem como uma contravenção penal. Se você fosse parado por umaautoridade,pediamasuacarteirade trabalho.Nãoterumacarteirade trabalhoerasinaldevagabundagem.Tinhaonomedevadiagemnaleiepodialevaraatétrêsmesesdedetenção.Alógicaeradequesenãotrabalha,évadio;seévadio,éimoral.Essalógicaperpassa,emboraomundohojetenhaoutraconfiguração.

Éprecisoencontraroequilíbrio,nemaacumulaçãopelaacumulação,nemarecusa irredutível ao trabalho. Isso só é possível quando se tem clareza depropósito.

Não existeumacondiçãona sociedadequeviabilize avida sem trabalho,masexistemalgumaspossibilidadesdeexistênciaemoutrosâmbitos.

Pode-se entender vida como missão, é o caso hoje de grupos radicaisreligiosos, em que o jovemnão se dedicará a uma atividade produtiva,mas auma lutaparaconversãooudefesa religiosa,eesseseráomodoouomeiodeexistência.

Agrandequestãoque se coloca é: aqualquer custo?Valequalquer coisadesde que eu fique vivo? Então você começa a dar passos subsequentes emrelaçãoàprópriaideiadeumavidacompropósito.

Um dos apelos que o tráfico no Brasil (não só,mas especialmente aqui)exerce para arregimentar jovens é oferecer, além de condições de vida,perspectivadepoder.Dealguémqueérespeitado,quetemnomeeétemido.Istoé,aperspectivadeseralguém.Háváriosmodosdefazê-lo.

E no caso de quem não tem mais a questão da sobrevivência comopremente,mas se envolve emmaracutaias e apropriação indevida do dinheiroalheio?Porquefazoquefaz?

É preciso cautela para não ser vitimado por essa pauperização depropósitos.

CAPÍTULO12

Porquefazer?Eporquenãofazer?Oquestionamento“porquefaçooquefaço?”trazoutraperguntanasequência:“Porquenãofaçooquenãofaço?”.

Hácoisasqueeupossofazer,masnãodevo.Ehácoisasqueeunãofaçoporque considero indecentes. E porque acho indigno fazê-las – mesmo quealguém faça e isso seja uma regra não escrita de mercado – eu continuopreferindonãofazer.

Algumas mensagens da história ajudam bastante na reflexão. Uma delasestánoevangelhodeMarcos,queoscristãosacreditamtersidoditaporJesus:“Denadaadiantaumhomemganharomundoseeleperderasuaalma”.

Independentemente de se ter religião ou não, a mensagem é forte. Elaremete à identidade, àquilo que a pessoa é, ao que a torna alguém que podeandardecabeçaerguidaedormirempaz.

Nessahora,aquiloqueeudeixodefazeréoquegarantequeeunãopercaaminhaalma.Na sentence“denadaadiantaumhomemganharomundo seeleperderasuaalma”,háumaacepçãoreligiosaqueentendealmacomoalgocujaperda causa a danação eterna. Mas, se meus princípios éticos não foremnecessariamenteorientadosporconvicçãoreligiosa,possoolharaideiadealmacomoaquiloqueeumefizequenãoqueroperderemmim,nãoqueroperderdemim,porquenãoqueromeperder.

Não quero me perder ao ser um profissional que transige com algunsvalores,aquelesquefazemvaleroquefaço.

Podesurgiroargumento:“Ora,masnomercado todomundofaz”.Certo,maseunãofaço.Eofatodetodosfazeremnãosignificaqueissosejacorreto.“Ah,masseforassim,vocênãopoderácompetir.”Essaéumaescolha.

Nãoexistedecisãosemabdicação.Nãoexisteescolhasemexclusão.Seeuentendo a minha vida como resultante de opção livre, consciente, deliberada,intencional,todasasvezesqueescolho,seiquedeixooutrascoisasdelado.

Issoseaplicaaocampodosafetos.Quandoescolhoumapessoaparavivercomigoemantenhocomelaumpactode fidelidade, excluooutraspessoasdaminharelaçãosensual.Escolhaimplicaabdicação.

Na esfera profissional, pode ser que seja preciso abdicar de crescer na

carreira,demelhoraracondiçãofinanceira,deatingirameta,masnãoabromãodaquiloemqueacredito,porqueéoquemeimpededemeperder.

Porisso,comrelaçãoaomundodoempregoedotrabalho,nãosóvalemasminhasrazõescomotambémosmeussenões.Aquiloquetenhocomoobstáculotem a ver com o que os antigos chamavam de “escrúpulo”, que significa“pequenapedra”,nosentidodeseralgoquepodemeincomodar,mastambémmepreservadefazeroqueeunãodevo.Atépossofazer,eeventualmenteissonãocausaráoutrosimpactos,masseiquenãodevo.

Esse tipo de ideia se aplica à conduta dentro da empresa e também àcondutadaempresa.

Compliance é uma palavra que passou a ser corrente no linguajar dasorganizações. Mas esse conjunto de disciplinas tem de estar nas práticascotidianas.Qualquerdescompassoentrediscursoeprática atingirá a reputaçãodacompanhia,dadoograudeinformaçãoeavelocidadededifusãoquesetematualmente.

Nessecontexto,complianceganhouumvalornegocialmuitomaisforte.Éum valor de sobrevivência no mercado, no que se refere ao modo como aempresaéolhadaporquemestádeforaetambémpelopúblicointerno.

Se houver fratura na coerência entre o que a empresa preconiza e o quepratica, a adesão e o engajamento dos funcionários sofrerão abalos. Otrabalhador não é tolo, a ponto de se supor que possa ser requisitado parapraticaralgoqueaprópriaorganizaçãonãorealizanodiaadia.

Organizaçõesqueanunciamcompliancecomoumdeseusfocosdeatençãoàs normas e regras precisam praticá-la com muito mais rigidez, pois, docontrário, o cinismo fará desmoronar não só a reputação como também alealdadedaspessoasquealitrabalham.

Nessarelação,nãocabeo“façaoqueeudigo,masnãofaçaoqueeufaço”.Aempresaprecisaprimarpela autenticidade, isto é, coincidir comelamesma.Nãoadiantaumaorganizaçãoanunciarqueatuanocampodaresponsabilidadesocioambientalenãoterissocomoprática.

Os sinais enviados por esse tipo de dissintonia não geram admiração,lealdadeeatratividade.

Atualmente,umadaspercepçõesmaisfortesparaquemchegaaomundodotrabalhoéaadmiração.Hoje,aáreadeproduçãotecnológica,asorganizaçõesdetrabalho social ou aquelas empresas que geram bons resultados contribuindoparaobem-estardacomunidadenaqualestãoinseridassãoasmaisadmiradas.

Aspessoasnãoqueremapenas tero emprego,mas algoquedê sentido à

suaexistência,queasajudemaganharavidacuidandodeoutrasvidas.Houveumtempoemqueosheróisdascriançaserampoliciais,bombeiros,

médicos, cientistas que chegariam a encontrar solução para algumas doenças,nãoaspessoasqueganhavammuitodinheiro.Osheróisdehoje,noentanto,sãoaquelesquedetêmpoderoubens.Asfigurasemblemáticasdomundoatualestãoligadas ao esporte, pelo fato de que é um meio que possibilita acúmulo deriquezacomvelocidade.Isso,claro,noscasosdosbem-sucedidos.

Essageração, contudo, estáumpoucocansadade encenaçãoedesejaumpoucomaisdeautenticidade.

Se essa autenticidade colidir com valores que são anunciados nasorganizaçõesemqueháumarupturaentreoditoeofeito,olaçodeadmiraçãoficafragilizado.Hoje,aspessoaspodemcaminharparaoutrasopções.

É fundamental que a organização entenda o impacto disso para atrairprofissionaisquepoderãogarantirasuaperenidade.

Esse princípio também vale para nortear o relacionamento com oconsumidor,sejadoprodutooudoserviço.Umapartedaindústria,paraseduzirmaisoconsumidoreentraremmelhorcondiçãodedisputanomercado,adotouatática de desmaterializar o objeto. O cliente não compra uma TV, mas umaexperiênciadeimagem.Nãoadquiremaisumageladeira,masumasensaçãodeproteçãoeconforto.

Éumfenômenocurioso,porquetransformacadaobjetonumectoplasma,demaneiraqueelesejacapazdepossuiroindivíduoporaquiloqueelecarregadefantasia.

Umaquestãoaserrefletida:seráqueosujeitoqueestávendendoumpacotedeviagemacredita deverdadeque aquela éumaexperiência insubstituível ouparaeleaquiloéumpacoteeseoclientenãocomprar,essaexperiênciapodeserfeitaemoutrolugar,poroutrapessoa?

A fantasia funciona enquanto é possível acreditar nela. Nomomento emquecorreoriscodeperderacredibilidade,opropósitodesaba.

Porexemplo,umadasáreasmaisdifíceisdeserecrutarhojeéadotabaco.Comoépossívelseduziralguémparatrabalharnessaindústria?Hátrintaanos,havia charme naquele ato. O artista fumava e era sinal de independência, ocowboysimbolizavaavidasolta,destemida.

Hoje,qualéoencantamentodaindústriadotabaco?Anãoserquealguémdigaparaojovemqueéumserviçoqueseprestaàsociedade,dadoquehágentequequeirafumar,nãoháoutroargumento.

Obviamenteaqueleéumprodutoquefazmal,tantoquantooconsumode

bebida alcoólica. Ainda que se admita a bebida alcoólica como objeto defestividade, a recomendação de “beba commoderação” está sempre presente.Mas não se pode dizer omesmo em relação ao cigarro, mesmo que algumascomunidades façam celebrações em roda com a presença do fumo.Mas essacondiçãoantropológicanãoésuficienteparademoveraassociaçãodoprodutoàsdoençasqueelecausa.

Uma parte da indústria hoje encontra grande dificuldade de se afirmar,quandosepensanaperspectivadeoferecerpropósito.Háoutras,noentanto,quesãoencantadoras.

Umacoisaaltamentesedutoraéconvidarumjovemparaatuarnumaáreade proteção ecológica. Trabalhar com engenharia ambiental, com segurançaalimentar,comtecnologiasqueajudamaeconomizarrecursos,comoscuidadosdasaúdeebem-estaretc.

Hámuitoscaminhoshonrados,hámuitosnegóciosdecentes;éprocurarnãodesperdiçartempo–tempoévida.

CAPÍTULO13

Tempo,tempo,tempo…Como o trabalho ocupa uma parte significativa do nosso tempo, ele acaba serelacionando comoutras dimensões da vida.Aquantidadede horas quepassoabsorvidonasatividadesprofissionaispodecolidircomotempoqueeugostariadededicaràconvivênciacomafamília.

Essa condição existe, e é séria, porque somos seres pluridimensionais,agimosemvárias frentes.Eugostaria imensamentede ficarmuitomais tempocomosmeusfilhos,comaminhamulher,mas,sefizesseisso,nãoteriaosbensàminhadisposiçãoquemepermitemfruiralgumassituaçõescomeles,comoacasa onde nos encontramos, o passeio que fazemos etc. Para formá-los, mededicoaomundodo trabalhoedoempregocomuma intensidademuito forte.Mas,aofazê-lo,restrinjoomeutempodeconvivência.

Estamos sempre lidando com dilemas. Há quem paute sua trajetória pordecisões sensatas e equilibradas.Outros chegam aos sessenta anos de idade edizem: “MeuDeus, passei a vida inteira acumulando e agora não tenhomaistempo”.

O nível de gratificação ou de remorso dependerá muito de como sedespendeu esse precioso recurso chamado tempo. Por exemplo, vários de nósutilizamos o tempo para acumular coisas que nos permitem cuidarmelhor depessoas,nocampodasaúdeedaeducação,paraqueessaspessoastenhamumaexistênciamaisdigna.

Nessahora,aquestãoéqualéopropósitomaiorquecarregamos?Alguém que passa a vida cuidando de uma criança com algum tipo de

deficiêncianãopoderáchegaraossessentaanosdeidadedizendo:“Passeiavidacuidandodealguém”.Sim,eraessaatarefaparaaqualvocêsedispôs.

Afinal de contas, há um nível de escolha em relação a algumas coisas.Aquiloqueéimposiçãoestáforadocampodaescolha.Masaescolhapodeserfeita e olhada como algo que valeu o esforço ou como um tempo em que fuiprivadodeváriasoutrassituações,fazendocomqueeutenhaumadívidacomigomesmopeloquenãofiz,peloquedeixeideviveraolongodotempo.

Eu não considero que desperdicei temponaminha trajetória.Tudo o quefiz,otempoqueutilizeiparaalgotinhaumafinalidadequeultrapassavaocampo

dodesperdício.Nãodeixeinadafora,nãodescarteinenhumapossibilidade.Aocontrário,quandoolhohojeparameusfilhosenetos,vejoomeutempo

alitambém.Quandonosjuntamosemvoltadeumamesa,quandovejoafotodetodomundoreunido,aquilomedáumníveldesatisfaçãoimensoepenso:“Quetempobemusado!”.

Seeugostariadepassarodiatodocomquemeuquero?Sim.Mastambémháumníveldefastionessasituação.Éprecisoproduzirsaudadenaspessoas.Apresençacontínuasetornaextremamenteenfadonha.

Somos acometidos pela sensação de valorizarmos sempre o que nãoestamosfazendo.Umaespéciedenostalgiaquenosacompanha.Eissotambémtemavercomofatodequeescolherimplicaabdicardealgo.

Nóssomosseresdeinsatisfação.Hámuitotempohaviaumjoguinho,queera umquadradinhodeplástico com letras ounúmeros dentro dele, e vocêosmovimentava para formar uma frase ou uma sequência numérica. Umpassatempo simples, mas que carregava uma lógica interessante. Para vocêmoverojogoefazerumasequência,precisavadoespaçovazio,senãonãohaviaomovimento.

O que é o ser humano? É a capacidade de ter essa lacuna. Uma vezpreenchida, estamos desumanizados. Demaneira geral, um cão, um gato, umcavalojáestãocomoseujogopreenchido.Nãoháespaçodemovimentação.Eleéoqueé.Elenãopodeserdeoutromodo,nãoporsimesmo,apenassehouveruma forçaexternaaele.Maseuposso.Consigomontaromeu jogodeoutrosmodos.Masissoexigequeeutenhaotempotodoumalacunainterior.

É o que o filósofo alemãoMartinHeidegger chama de angústia, que é asensaçãodooco.

Pode até soar estranho falar de um ser preenchido como nós, tendo asensaçãodooco.Aquelaqueaparecequandovocêacordae“unhnnnn,nãosei”.Adefiniçãoémaissensorialdoqueintelectual.Vocêpuxaagoladacamisa,edizcomestranhamento“eunãosei…”

Heidegger dava valor à angústia porque, segundo ele, era a sensação donada. Isto é, todo sentimento tem um objeto. Alegria, raiva, inveja, mas aangústianãotem.Vocêsóasente.Vocêsenteooco,eoocoéovazio.

E passamos de Heidegger para o seu conterrâneo Friedrich Nietzsche,quandoexpressaaimagemdequevocêolhaparaoabismoeoabismoolhadevolta para você. Essa é uma sensação assustadora. Heidegger valorizava essapercepção ao dizer que, como a angústia é o nada, e o nada é a possibilidadeplena,eranessepontoquevocêiriaseencontrar.

Quando o sujeito tem a sensação do nada, tudo passa a ser possível. Porisso,aescolhasedáapartirdaangústia.

Mas não há a possibilidade de preencher essa lacuna. Pois, uma vezpreenchida, acaba a possibilidade de liberdade. Nesse sentido, um nível deinsatisfação é extremamente benéfico para nós, porque ele impede o nossoautomatismo.

Os caminhos que tomamos são fruto de escolhas. Vale lembrar queprioridade é uma palavra sem plural. Se você põe um “s”, deixa de serprioridade. Quan do ouço alguém dizer que tem duas prioridades, eu digo,“então você não tem, precisa fazer uma escolha”. A prioridade requerexclusividade.Sevocêdeucontadessa,estabeleceoutra,ouentãoabandonaessaepassaparaapróxima.

As minhas prioridades ao longo da vida se constroem a priori ou aposteriori? Vou ver qual caminho sigo depois que eu já estou fazendo algo?Não.

Emprincípio,precisopensaremquaissãoasminhasmetaseprioridadesnomeu tempo e vou escalonando cada uma sem o “s”. Nessa hora, a noção depropósitoéfortíssima.

Oquevocêdeixoudefazeredeveriaterfeito?Oquevocêescolheuporqueera mais cômodo? As escolhas terão seu custo. É preciso desenvolver umacapacidadedeautorrevisãoereflexãoarespeitodelas.

CAPÍTULO14

Futurosepretéritos“Umdia,quandotivertempo,voufazeraquilodequegosto.”“Assimquetivermelhorescondições,voumededicaraomeusonho.”“Omeuplano,quandomeaposentar,éfinalmentefazeraquiloquemedáprazer.”

Frasesdessanaturezasãomuitocomunsempessoasquealimentamaideiade um dia se livrarem das atribulações do cotidiano e enfim se ocuparem daatividade de que realmente gostam. Esse projeto está invariavelmente numfuturo.

Temos, comohumanidade, apercepçãodequeumdia fomos felizes.Emdeterminado momento, quando éramos mais simples, foi construída umapercepçãodeÉden,ondejávivemos,eaideiadequevoltaremosaesselugar.

HáumaconexãoentreOparaísoperdido,dopoeta inglês JohnMilton,eEmbuscado tempoperdido,doescritor francêsMarcelProust.Asensaçãodeque um dia nós vamos voltar a uma situação que desejamos. Para uns, essemomentoderetornoetranquilidadeestánamorte.Paraoutros,naaposentadoria.Istoé,“nodiaemqueeuparardeteressaatividadeintensa,voucurtirosnetos,voupassear,voupescar…”.

Nessa ocasião, se você não tiver um planejamento que tenha providorecursosparaisso,seasuasaúdenãoestiveradequada,vocêvaipassarorestoda sua existência cuidando de ficar vivo e não necessariamente realizando osprojetosqueambicionouquandotinhamenostempodisponível.

Aprocrastinaçãocontínuaéumdistúrbio.Elaé,acimade tudo,umindicadordequeapessoa temmedoderealizar

aquilo.Istoé,elatemumtemor,porqueserealizaroquetantodesejou,podenãoseraquiloque,defato,vaifelicitá-la.

Teremmente“umdiavouserbailarino”,“umdiavouserescritor”enãoofazerpermitequesevivaosonho,portanto,sevivamuitomaisaexpectativadoque a realização. Porque existe uma espécie de xeque-mate: no dia em quechegarahora,vaiterdeser.

E comodisse o genial poeta portuguêsFernandoPessoa: “Na véspera denãosepartirnunca/Aomenosnãoháquearrumarmalas”.Eesse“nãoháquearrumar malas”, grafado por Pessoa, é amanhã, depois de amanhã, depois de

depoisdeamanhã…indefinidamente.Essaideiadeexpectativacomoaquelaqueacalmaédequemdefatotemea

realização.Porque,depois,qualseriaopróximopasso?OpoetachilenoPabloNerudabrincavacomumaideiairônica:“Escreveré

fácil,vocêcomeçacomumaletramaiúsculaeterminacomumpontofinal.Nomeio você coloca ideias”. Que dá para começar com uma letra maiúscula econcluircomumpontofinal,semdúvida,masasideiasqueestãonomeiovocêdemoradécadasparaconseguir.

Porisso,aprocrastinaçãocomomaneiradefruiçãodoimaginárioémuitoforte.

É o campo do desejo não realizado, numa perspectiva platônica, seja odesejo platônico entendido como aquele em que a pessoa se contenta com arepresentação.Poisémuitomaisfácilromantizaraideia.

Quemprojeta“euvouserumpintor”,comcertezanãoficaseimaginandodesesperado, tendo de vender quadro, disputando mercado em galerias oupassandoanoite inteira comcrisedecriação.Normalmente se imaginacomagaleria lotada, recebendo homenagens, e tendo suas obras expostas em umabienal. Evidentemente que se a pessoa não tiver esse sonho da bienal, dosquadros,nãohaveráopontodepartidaparafazê-lo.

Oproblemaéquemuitasvezesseesquecequeparachegaraessepatamarhátodoumprocessodesgastante,deusodotempoedavida,deesforçomuitogrande.

E,frequentemente,saidocampodosonhoemigraparaocampododelírio.Ehápessoasqueprocrastinamporqueelasdesejamodelírioenãoosonho.Osonhoéodesejofactível,odelírioéodesejonãofactível.

Umapartedaprocrastinação temcomofontemaiora ideiadequeeunãoquero realizar,mas apenas desejar que algo fosse assim. Como não será, nãopossodaropassonaqueladireção.

Algunsadiamparaoperíododaaposentadoria:“Agoravouterumaloja”,“Agoraeuvouterumbistrozinho”ou,oquejáfoimoda,“Agoravouterumapousada”. E o sujeito fica um tempo imenso desesperado porque não eraexatamente aquilo que ele queria, era a ideia da pousada, não a pousada real.Entãoéplatônico.Elenãoqueriaobistrozinho,eraaideiadobistrozinhoqueoseduzia,comaspessoaschegando,acomidafeitanumlocalcharmoso.

Essasimpatiapelosonhonãoénecessariamentea realizaçãodeleemuitagenteseacalmaquandocarregaisso.

Eu conheço muita gente que diz “eu vou escrever um livro”, mas não

começanunca.Ouficanaprimeirapáginaediz“euvoufazer,euvoufazer…”.Esse fazer,primeiro,dáum trabalho imensoe, segundo,umavez feitaaobra,nãohágarantiadesucesso.Serealmenteforfeita.

Há tambémum fenômenopsicológico interessantenaoutradireção.Umaespéciede“síndromedoporpouco…”.Oindivíduoqueporpouconãosetornoujogadordefutebol,porpouconãofoiescolhidoparaoelencodeummusical,porpouconãobateudeterminadameta.

Eosujeitoviveumsonhodeagora,dealgumacoisaquenopassado,nãosendo,écomosetivessesido.

Hádoisresultadosdisso:aquelesque,tendoumsonhofrustrado,passamaviver amargurados pela não realização e sentem que não hámais tempo paraviabilizá-lo.Emvezdeconstruiroutrosonho,sofremcomoquenãoaconteceu.

E aqueles que imaginam o sonho como realidade e criam um nível defantasiaemrelaçãoaisso,queéresultantedeumainconformidade.“Eunãofiz,masseeutivessefeito…ah,seeutivessefeito…”

Atualmentefalamoscommuitafrequênciasobrefelicidade.“Euqueroserfeliz”,“euvivoumavidainfeliz”,ou“estouinfeliznotrabalho”,“euseriafelizdeoutromodo…”.

Há uma obsessão muito forte por essa ideia de felicidade e, em grandemedida,pessoasvivemmuitomaisaexpectativadoquearealização.

Oescritor francêsJulesRenardanotounodiáriodele,em1893:“Casoseconstruísseacasadafelicidade,seumaiorcômodoseriaasaladeespera”.

Afinal de contas, a expectativa criada, aquelemovimento de inclinação auma forma de desejo, que é ser feliz, é colocado numa fila de espera muitolonga,emqueseimagina:“Umdiaeuvousê-lo”,“Umdiavoufazê-lo…”.Isso,evidentemente, ajuda amovimentar as nossas intenções e ações,mas tambémprecisamos percorrer o caminho. Enquanto aguardamos aquilo que virá, nãopodemosdeixardeviveraquiloquepodeservividoagora.

Nãofazsentidoficarsomentenaespera.

CAPÍTULO15

EuerafelizenãosabiaEssa expressão tem aplicabilidade no nosso cotidiano. Muita gente costumareclamar do dia a dia no trabalho, implica com uma série de coisas, se deixaafetar sobremaneira pelos contratempos. Mas, se por algum motivo, essesprofissionaisforemafastadosdaqueleofício,começarãoasentirfaltadarotina,doconvívio,eosaspectospositivosganharãodestaquenamemória.

Nomundo do emprego, o que entendíamos comomaçante, desagradável,eraapenasumcomponentemenordeummovimentomuitomaisfrutíferodoqueaquilo.

Quando estamos imersos em um ambiente monótono no mundo dotrabalho, sem desafio, sem nada que nos estimule externamente ou que nosmotiveinternamente,émuitocomumprestarmosmaisatençãonafechaduradoquenamaçaneta.Enãoabrimosasportas.

Nessa hora, é necessário lembrar que a constatação “eu era feliz e nãosabia”éumsinaldeinteligência,àmedidaquenóssomosoúnicoanimalcapazdesesentiridiota.Porquenóstemosumaconsciênciaqueéotempohistórico,isto é, eu não vivo apenas o tempo, tenho percepção de passado, presente edesejofuturo.

Eusoucapazhojedemepercebercomvinteanosde idadeede recordaralgoquefiznaquelaépocaedizer“puxa,comoeufuitonto”ou“comoeudeixeideresponderaisso”,“porqueeufaleiissoparaela?”.

Essaé a capacidadedeolhar a simesmocomoumasubjetividadeque seobjetiva,nummovimentoemqueeumevejocomoseestivessenopalcoenaplateia. Olhando no tempo, estou representando, mas também estou meassistindo.

Nomundodotrabalho,essaéacapacidadeavaliativa,crítica,deselecionardentro do que tenho aquilo que de fato me incomoda e o que é apenasmanifestaçãodealgumaumaoutracoisa.Podeserqueestejafaltandomotivaçãoporque estou entrando num processo absolutamente robotizado naquelaatividade.

Enãoéqueotrabalhonãomeofereçadesafios,euéquenãoestoumaismeoferecendo desafios. É aquele que diz: “Paramim, está bom assim.Deixa eu

tocarminhavida,levarminhascoisas”.Issovaleparaavida.Todososdias,eutelefonoparaaminhamãe,queéidosa,efaçoamesma

perguntahádécadas:“Eaí,mãe,quaissãoseusplanosparaofuturo?”.Eufaziaissoquandoela tinhasessenta,setenta,oitentaanosde idade.Enquantoelamedisser“Euestouaqui,cuidandodasplantas,pensandoemfazerumcursonovonaigreja…”,issomedeixaanimadocomavitalidadequeelaestácarregando.

Significaqueelanãoestáamarguradacomarotinaqueelatemcomoumapessoaidosa.Nodiaemqueeufizeressamesmaperguntaeelaresponder“Ah,estou aqui,Deus équemsabe, já estouquaseno fim…”, ficarei emestadodealerta.

Um gestor dentro de uma organização precisa estarmuito atento a essessinaisnaequipe,nãosóemsimesmo.

Quandosenotaqueapessoaestádesanimada,éprecisosepararaquiloqueé resultante da circunstância externa àquele emprego – como uma criseeconômica,porexemplo–doqueéumdesencantocomotrabalho.Acoisamaisgostosadavidaéoencanto,terumtrabalhoencantador.Quandoalguémperdeesseencanto,quenãoéoencantodanovidade,masodavitalidade,começaadesistir.

Nãoterdesafioséumfatorderiscoparaamotivação.Há quem exagere no estabelecimento de metas. Aliás, a principal

reclamaçãonasempresaséquequandosechegaaumameta,elaéelevada.Mas essa é a própria condição domundodos negócios, não há como ser

diferente. Afinal de contas, quando uma meta é estabelecida em relação aresultadoe lucro,eécolocadano tempo,existe,naeconomia,umprocessodecorrosãodevalorfinanceiro,eesse tipodesituaçãoéatualizadopelaelevaçãodameta.

Senesteanoametaera120,eduranteoperíodoestabelecidonóschegamosaessepatamar,mas tivemosumadepreciaçãodovalordamoeda,ouseja,umprocessode inflação, isso significaque seaempresamantiverparaopróximoanoamesmametade120,teráumdecréscimonoresultado.

Ésemprenecessárioentenderaelevaçãodameta,omesmovalenoesporte.Ninguémseanimaemsercampeão,ogostosoéserbi,tri,tetracampeão.

Eseaplicatambémaopatrimônio.Quemtemumacasacomdoisquartos,se pudesse teria umamaior, ou gostaria de ter um carro melhor ou de viajarmais.Aideiadeescalaréinerenteànossacondição.

Evidentementeaspessoasdizem:“Puxa,qualfoionossoprêmioporbater

umameta?Terquebaterumametasuperior?”.Mas issonão temavercomametaemsi,mascomalógicadalucratividade.Sevivêssemosemumaeconomiaplanificada,comoduranteaeconomiasocialistasoviéticadeEstado,nãohaveriaessaquestão.Ametaapenasserepetiria,masessaexperiêncianãofoiadiante,portanto,nãopodemossabercomoseria.Naorganizaçãocapitalistaouseelevaametaouseretroage.

AregranomercadoéaqueleparadoxoqueaRainhaVermelhaprescreveuparaAlice,no livroAliceatravésdoespelho, deLewisCarroll; quandoAlice,apóscorrerpormuitotempo,demãosdadascomarainha,percebe,espantada,terficadonomesmolugar,aquelalhediz:

Aqui,sabe,énecessáriotodaacorridaquevocêtemparasemanternomesmolugar.Sevocêqueriraumlugardiferente,vocêdevecorrerpelomenosduasvezesmaisrápidoqueaquilo!

CAPÍTULO16

Lealdadeàempresaatéquando?Aempresamuitas vezes é local onde se vivemdissabores, coisas que tiramosabor do que se está fazendo. E passa a não sermais agradável estar naqueleambiente.

Oquetornaotrabalhodissaboroso?Ausênciadereconhecimento,injustiçana promoção, desprezo em relação àquilo que faço, humilhação no cotidiano,assédiomoral,portanto,tudooquetirademimoprazer,ogostodeestarali.

Nessahora, énecessárioavaliar seaquele tipodedissaboré relevanteoupodesercolocadoàmargem.Seeleédecisivoparaomeubem-estar,senãoforeventual ou circunstancial, preciso alterar a rota e me preparar para essamudança.

Porque engolir sapoo tempo todo é algoque se pode entender comoumsinaldecoragemoupersistência,masmuitasvezesésinônimodecovardia,istoé,alguémestásubmetidoaumsofrimentonocotidianoevai seconformando:“Eusoumaisfraco…”.

Ninguém deixa de ter dissabores naquilo que faz, mas, quando isso éfrequente,aempresaprecisaestaratentaaosseusgestores.

Umadascoisasquemaisamarguramaspessoasnasempresaséainjustiça,naformadeproteçãoeprivilégiodeoutros.

Um gestor que cuida de uma equipe precisa observar as relações.Váriasempresas fazem pesquisa de clima: “Como está o nosso ambiente? Acomunicação?Apercepçãodereconhecimento,oníveldelealdade?”.

Paraalgumasempresasédifíciltrazeràtonaalealdadenostemposatuais,porque ela era entendida por muito tempo como reciprocidade. Isto é, eumededicoàempresaeelacuidademim.Como?Oferecendoplanodesaúde,clube,ajudandona escola para osmeus filhos.No fimdo ano, tinhabônus, cesta deNatalefestadeconfraternização.Elameofereciaisso,eeutrabalhava.

Nas duas últimas décadas, a noção de lealdade se modificou. Por quê?Haviaumaperspectivadequeeuseriavalorizadopelomeutrabalho,seficassemuito temponamesmaempresa,que,porseuturno,faziade tudoparaqueeupermanecesseali.Nosúltimosvinteanos,porém,começamosaterumturnovermuitoforte.

Porquesecolocoualgomuitonegativonomundodotrabalho:nodiscurso,aspessoaseramtidascomo“omaisimportanteativodaempresa”,mas,diantedanecessidadedecortarcustos,eramalvoprioritário.

Nosúltimosanos,umfatordecisivonaquestãodalealdadefoiacrisequeeclodiu no setor financeiro nosEstadosUnidos a partir de 2008. Por ser umaeconomia internacional, essa crise levou a uma modificação séria de algunspatamaresdeemprego.

Mesmocomasreengenhariasdosprocessosdeajustesdaglobalizaçãonosmeadosdosanos1990,aindasediziaque“onossomaisimportanteativosãoaspessoas”. Muitas companhias deixaram de se referir a seus quadros comoempregados,adotaramotermo“colaboradores”,ocrachádeixoudeassinalarahierarquiaeumasériedeoutrasmedidasdecarátersimbólico.

No entanto, aos primeiros sinais de turbulência econômico-financeira, ofacãopassouexatamentenaspessoas.

Comodizocaipira,“pauquedáemChico,dáemFrancisco”,eissoproduzumabalotambémnoclimaorganizacional,aspessoasficamemestadodetensãoesperandochegarsuahora.

Hojealgumasempresassederamcontadoquantoissoétolo.Corporaçõescominteligênciaestratégicadãoespecialatençãoaessesmomentos,demodoaevitarferidasquenãoserãosanadas.

Quando se temnecessidade de encolher cus tos, numprimeiromomento,talvez seja mais interessante focar no material, no planejamento, noreposicionamento do produto no mercado e, eventualmente, na reduçãomomentâneada rentabilidadeparaoacionista.Porqueaconsequênciadocortedepessoasémuitonegativa.

Quandoaempresadispensaofuncionário,nãodiminuiapenascusto,perdeinvestimento.Porquepassouanosinvestindonaformaçãodaqueleindivíduo.Nomomentoderetomadadefôlego,seránecessárioreinvestir.Éumdesperdíciodecapital.

Algumas indústrias, sobretudo a automobilística, usam em algunsmomentosumainteligênciaespecíficanessaárea.Emvezdefazeradispensadecara,busca-seumacordoparareduzironúmerodehorastrabalhadasediminuiropercentualdototal,paraquetodosmantenhamoemprego.

Claroqueexisteumapressãosindicalqueinfluinessadecisão,mastambémhá uma inteligência da organização para não descartar aquele capital, nasuposição de que, havendo a retomada do mercado, ela terá de formar umaequipenovamente.

Isso só não se aplica àquelas áreas que estão deixando de existir, comoescoladedatilografia,empresaqueconsertafax…

Eusereilealseeuforcuidado.Masomododesercuidadomudou.Nãoqueromaissóaescolinhaparaomeufilho,acreche.Issoestánalei.

Alémdomais,seiqueaempresaabateissodoconjuntodoscustosdela.Euseique ela tem direito legal de abatimentos. Portanto, não entendo mais essesbenefícioscomomanifestaçãodeafeto,mascomoumaformadeelisãofiscal,deabatimentolegaldetributo.

Masalealdadeécativadadeoutromodo,quandoeutenhoreconhecimento,quandoaspessoassão transparentescomigo,quandoficosabendocomclarezados planos para o futuro, quando não sou tratado apenas como uma peça naengrenagem.

Agora, se euperceboque estão tendouma relação cínica comigo,queháhipocrisia no circuito, então não há motivo para ter lealdade. Eu toco o meuserviçoenquantomeinteressar,quandonãointeressarmais,saiofora.

CAPÍTULO17

DesenvolvimentogeraenvolvimentoQuandoasnoçõesdeeducaçãocontinuadaeeducaçãocorporativaapareceram,no início dos anos 1990, a ideia central era a empresa estruturar modos deformaçãodosseustrabalhadoresforadomeioacadêmicoouemparceriacomasinstituiçõesdeensino.

Paralelamente, surgiuapercepçãodoautodesenvolvimento. Istoé,eunãoaguardo apenas aquilo que a empresa disponibiliza para mim, mas procuroaprimoraraminhaqualificação.E,muitasvezes,façoesseprocessoemacordocomaempresa,quefacilitasituaçõesdeautodesenvolvimento,sejaremunerandouma parte do curso, seja liberando uma parte do tempo de trabalho para adedicaçãoaosestudos.

Passadas trêsdécadasdesdeentão,éevidentequenenhumaempresaquerdeixardefortaleceracompetênciadeseusfuncionários.Masoempregadonãopode abrir mão de procurar, por conta própria, a sustentação da suaempregabilidade,queeleconquistaquando,mesmocomasmudançasnomundodo trabalho, permanece apto e desejável para produzir com alto desempenho.Esseéumconceitodecisivo,surgidonessamesmaépoca,equesemantémcomforça até hoje. Nessa busca por qualificação, a responsabilidade peloautodesenvolvimentoédoprópriocolaborador.

Comoprofissional,elepodeprocurarumcurso,umaespecializaçãoouummba.Ao fazer isso, ele temdoismovimentos possíveis: ou toma essa decisãoparanão ficardesparelhadoemrelaçãoaoscolegasque já fizeram,e isso serálevadoemcontacomoumcritériodemanutençãodoempregooupromoção,oufazporquejulganecessárioadensarasuacompetência.

Dequalquermodo,essesdoismovimentospartemdaquiloqueémotivadordentrodele,sejasetornarmaiscompetentenaquiloquefaz,inclusivecomoumaquestão honrosa de ser melhor para si mesmo, seja pelo estímulo externo daempresa,aofavorecerqueeleassimofaça,ouatécomosinaldealerta,defazercomqueelesesintaameaçado.

Essanecessidadedequalificaçãoaparecehojecomoumaurgência.Há trinta anos, um trabalhador poderia entrar no mercado de trabalho e

passaralgumasdécadasapenasreproduzindooquejásabia.Orestanteaprendia

nafamosa“escoladavida”,queaindacontinuatendoumpercentualrelevantenanossa formação,mas a vida ficou tão acelerada no cotidiano que é necessárioturbinaroaprendizadoproporcionadoporessavia.

Esse incrementovempor atitudes intencionais: ou a empresao fazou euprocuro.Ousejuntamasduasvertentes.

Dopontodevistadaretenção,umprofissionalterámuitomaisinteresseempermanecer numa empresa que lhe ofereça oportunidades de aprimorar suascompetências.

Um local de trabalho que tem uma ambiência pedagógica (não precisanecessariamente ter uma sala de aula, um local físico, embora possa ter),masaqueleambienteemqueoprofissionalsesintaultrapassandoaquiloquejásabia,em que haja uma permeabilidade de um aprendizado recíproco, ao ensinopartilhado.

Égratificantedeixarum lugarnasexta-feiraounosábadopensando:“Eunãoestouterminandoasemanasabendoamesmacoisaqueeusabianasegunda-feira”.Aexpressãoqueseusaé“aquieutenhooportunidadedecrescer”.

Eocrescimentonãoésódecarreiranosentidomonetáriooudehierarquia.Éasensaçãodequeseestácrescendoprofissionalmente.

EumelembroquenosmeusprimeiroscincoanoscomoprofessornaPUCdeSão Paulo tinha uma alegria imensa. Era um tempo de um cansaço grandetambém, mas havia uma efusividade latente, porque a convivência comprofessoresmaisexperienteseassituaçõesaqueeuerasubmetidoemsaladeaulaenasreuniõespedagógicasmefaziamirfelizparacasanosábado.Euhaviacruzadoalgumasfronteirasdeconhecimento.

Sentir-semaiscapaz,maiscompetenteéalgoabsolutamentegratificante.Hápessoasqueusamcomocritériodepermanênciaoudeentradaemum

lugarafrase:“Láeuvouaprender”.Claroqueninguémsóaprende.Todomundoaprendeeensina,masafrase

retoma a percepção antiga do aprendiz. Assim como existe o termo “menoraprendiz”,gostodebrincarqueeusouummaioraprendiz.Porqueessaéumaposturaaselevarnavida.Eucontinuoemaprendizado.

Hálocaisondeaprendiimensamente.Emoutros,apenasrepetioquesabia,e saí comamesmabagagemquehavia trazido.Assimcomoégostoso irparauma viagem e trazer na mala mais coisas do que havia levado. Não peloconsumo,maspelofatodequeaquiloindicaquehouvefruiçãonolugarondeseestava.

Pelaviagemnomundodacarreiraissotambémédecisivo:odesejodesair

commaiscoisasdoquehaviatrazidonopontodepartida.Essapermeabilidadedoaprendizado,acapacidadedebuscarumterritório

desconhecido,tudoissoéaltamentemotivador.Há empresas que são estimulantes em relação a essa questão, inclusive

algumas delas o fazem demodo sistemático, criam círculos de conhecimento.Por exemplo: a cada quinze dias, é realizada uma reunião com profissionaisseniores na organização, ocasião em que o funcionário pode apresentar suasideiaseprojetoseouviroqueelestêmaagregaràquelaspropostas.

Algumas empresas fazem disso momentos de inovação. Desse modo,passam a ser um lugar onde não apenas se aprende,mas se ensina, aparecemideias,percepções,insights,eeventualmenteondesepremiamaquelescujaideiacontribuiparaaperformancedaempresa.

Égostosoestarnumlugarondemuitoseaprende.Portanto,umambientequemefaçacresceréencantador.

CAPÍTULO18

MotivaçãoemtemposdifíceisExistemmomentosemqueoventomudadedireção.Aeconomiapodepassarporcrises,osetordeixardeterapujançadeoutrostemposouaempresaperderposiçõesnomercado.

Nesses períodos de baixa, como encontrar motivação para continuar embuscademelhoresresultados?Imagineoânimodeumrepresentantecomercialque temdepegar a pastinha e ir embuscade clientes quandoomercado estápoucoounadacomprador.

Lidarcomessasalternânciastambémfazpartedoaprendizadonacarreira.Devo lembrar que o nosso país passou por um período de dez anos de

exuberânciaeconômicaaté2013.De2003a2013,oBrasilviveuumforteciclode crescimento, com vendas, aquisição de veículos, incentivo ao consumo delinhabrancaeboapartedapopulaçãofoibancarizada.Hojesomosumdostrêspaísesdomundocommaisprodutosdigitais, emqueonúmerode celulares émaior do que o de habitantes. Depois, veio um período de vacas magras, dedificuldade.

Ora, assim como um representante de vendas aprendeu a viver a fartura,precisaaprenderaviverarestrição.Nãoéagradávelterrestrição,nuncaoé,masaprender a lidar com isso fazparteda formaçãoda carreirade alguém.Assimcomoquandosofremosalgumpercalçonasaúdeeprecisamosaprenderafazerdieta,anosprivardecomeralgunsalimentosquenosdãosatisfação.

Éprecisoencontrarcaminhosecompreenderquesãoperíodos.Conhecemoshistóriasdepessoasànossavoltaqueficaramdesempregadas

por um tempo, depois se levantaram, foram para outro lugar, fizeram a suacarreira,aquilofoiummomento.Tambémsabemosdeumououtroquetomouumtomboenuncamaisselevantou.

Qualquer sistema de organização do mercado de trabalho é submetido aoscilações.

De modo geral, seria possível dizer que alguém muito competentedificilmente ficaria fora do mercado. Mas isso seria desconhecer que hásituações de injustiça, por exemplo, quando a empresa dispensa alguémequivocadamente, ou quando a função exercida pela pessoa se tornou

desnecessáriadentrodaquelecontexto.Éclaroque existemsituações emque alguémpoderá ficardesempregado

por falta de empenho ou por conduta inadequada. Porém, individualizar aresponsabilidadepelademissãoésempremuitoperverso.

Falarparaoprofissionalquesevêalijadodomercadodetrabalhomanteracalma é jogar palavras ao vento. Afinal de contas, passar por momentos deturbulência é algo perturbador. Mas ele precisa ter a clareza de que essacircunstância não é definitiva. Que nesse intervalo em que não consegueencontraraocupaçãodesejada,énecessárioabrirportasparaoutrasocupações,nemque seja demodo circunstancial, emergencial, para que ele garanta a suamanutençãonodiaadia.

Hápessoasque ficamo tempo todoemcompassode espera.É claroquemuitagentedemoraseismeses,umanoatéencontrarumaocupaçãoequivalenteàquedesempenhava.Mas,nesseínterim,éprecisoencontraroutrasmaneirasdese viabilizar financeiramente, seja pela venda de algum produto, pelacolaboração em algum projeto temporário, pela disponibilidade para dar aulasparticulares.

Eu sei que não precisarei fazer isso indefinidamente e que me dará asustentaçãoatéqueacircunstânciamude.

Nessemomento, oquememotiva é aminhanecessidade,mas tambémapercepçãodequeasituaçãonãotemumcaráterdedurabilidade.

Haverá um momento no ciclo econômico em que poderei recuperar ofôlegoeretomaracaminhada.

É necessário que quem perde o trabalho não se retraia a ponto de entrarnummovimento depressivo.A ausência de vitalidade predispõe a pessoa a sefechar dentro de casa (e de si mesma), em vez de ir para fora procuraralternativas.

Nãoéfácilsairtodososdiasdemanhã,arrumadoeesperançoso,embuscadeumtrabalhoevoltarànoitesemele.Masficaremcasa–porcontadoesforçoquesedespendeedachateaçãoqueéenfrentartodasasetapasdessabusca–nãocompensademodoalgum.

Porqueaqueleouaquelaqueseempenhartodososdiaspodenãoencontrar,mas não será derrotado pela situação de não ter tentado. É difícil, geraintranquilidade,masnessashoraséfundamentalterpersistência.

Também é possível (e recomendável) aproveitar essa circunstância parainvestirnoaperfeiçoamentodecompetências:estudar,ler,terideias,seinformara respeito de casos bem-sucedidos. Nem que seja passar o dia lendo numa

biblioteca ou fazer um curso gratuito para aperfeiçoamento de algumahabilidade.

Possoficardepressivo,afundadonosofá,vendotelevisão?Possoficaremestadodeautocomiseração,compenademim?Posso,masquenãopassedetrêsdias.Setentaeduashorasétemposuficienteparaeuficarcomdódemim,meacharinjustiçado(oqueàsvezeséumfato),maseuprecisolevantar,sacodirapoeria e dar a volta por cima, como lembra a música do compositor PauloVanzolini.

Quem fica sem trabalho evidentemente sofre um abalo na autoestima. Eissoécompreensível,maséprecisotambémentenderqueessemomentoexigeumatomadadeatitudenoqueserefereaoestadodeespírito.

Como diria Shakespeare, “or sink or swim”, “ou afunda ou nada”. Sim,chateia.Sim,éruim,maséprecisosereerguer.

Alguémpodeargumentarqueesseéummomentodevidaconstrangedor.Issosófariasentidoseapessoativersidoacausadoradaquelasituação,a

responsávelporsuadispensa.Maseujamaisficariaenvergonhadoporcontadecircunstâncias externas àminha própria capacidade. Se a empresa fechou, porexemplo.Seaoperaçãofoisuspensaousehouveduplicidadedefunçãoquandoacompanhiafoiadquiridaoufundiu-secomoutra.

Eudeiauladurantequinzeanosnumainstituiçãodeensinoquefoivendida.E eu não queria trabalhar para as pessoas que a compraram, por não as achardignas dentro do campo acadêmico. E elas me disseram: “Ou você assina ocontratodessemodoouserádispensado”.Eufuiembora.Etivevergonhadisso?Nenhuma.

Tal como o tempo anterior foi de sol resplandecente, vez ou outra apenumbravem.

Assiménaeconomia,assiménanossavida.Eu jápasseihorasehoras trabalhandocomaltodesempenho.Derepente,

umvírusqualquermedeixasemenergiaparafazerobásico.Mastenhonoçãodequesetratadeumcicloequevouencontrarforçasparamelevantar.

Possotersidoderrubado,masseiquenãofuidominado.Essaconsciênciamedácoragem.

CAPÍTULO19

OrganizaçõescompropósitoVárias organizações são encantadoras. Apesar de não renegarem o lucro,encaram-nocomo resultadodeum trabalho comdesdobramentosbenéficosnoâmbito social-comunitário. Não ambicionam um ganhar indiscriminado,independentementedoresultadodaação.

Éumaaçãoconsequencialista, istoé, emque seavaliaa justezado lucrotambémpeloresultadoqueeleproduznacomunidadeenãoapenascomoefeitodanegociaçãodeumprodutoouserviço.

Hápessoasqueencontramnaempresaumafunçãosocial,quenãoéfocadaexclusivamentena lucratividade,mas fazbemà comunidade.Esse éum lugaremqueéprazerosotrabalhar,portanto,temumníveldeatratividademaior.

Uma indústria de cosméticos, digamos, consegue criar vínculos com apreservaçãoambiental,comotrabalhosolidário,epassaaatrairmuitostalentosqueseidentificamcomessaconduta.

Claroqueessaprojeçãoparaasociedade tambémfazcomqueaempresasejasubmetidaaumcrivootempotodo,poisbastaumasituaçãofalsificadaparadesmontaressaimagem.

Existem empresas de investimento social e grupos de investidores queagregamcapitalquesóapoiamcompanhiascomretornosocial.Ojovemadereaumaempresadesseperfilcommuitomaisfacilidade.

Porquefaçooquefaço?Porqueolugarondefaçooquefaçoproduzumimpactopositivonacomunidade,nãoéumlugarsóparaseganhardinheiro.

Fazerbemnosfazbem.Issocriaumalógicadequeépossívelconciliarlucroeboasações,eainda

fazcomqueaconcepçãooriginaldapalavra“lucro”percaosentido.Até oRenascimento, lucrum, em latim, significava “engano”. É de onde

vem a palavra “logro”, “lograr alguém”, embora nós usemos também aexpressão“lograrresultado”,nosentidodedarcerto.Masoriginalmentelucrumremetiaaengano.

OscaminhosdareligiãocristãnoOcidentetêmimpactonessaalteraçãodesentido;umavezqueareligiãoépartedacultura,istoé,doambientehumano,elanãodefinetudo,masinfluenciabastante.

Claro que a Igreja católica teve um peso nessa percepção, ao negar,especialmente no final doperíodomedieval europeu, a possibilidadedo lucro.MasaIgrejareformadaapartirdoséculoXVIinverteráessalógicaaocolocaraideia de lucro como resultado justo por um serviço prestado, um produtovendidoeumacolaboraçãocomaobradivina.Areformaluteranaemaistardeareforma calvinista, especialmente, farão com que sejamos entendidos comoaqueles que levam a obra de Deus adiante. Se Deus fez o mundo, nóscontinuamos.Seeucontinuo,preciso receberalgumtipodebenefício,queéolucro.

Não é casual que o nascimento do capitalismo renascentista venha juntocomareformaprotestante.Eessemovimentoalteraalógicadepercepçãosobreasalvação.Segundoocristianismocatólicoantigo,apobrezasalva.Nomundoreformado calvinista, a riqueza é indício da salvação, apesar de não ser suacausa;porisso,emrelaçãoàquelequenãotemriqueza,sópossoterumaatitudepiedosa.Nocristianismocatólico,vouampará-lo,eissosechamamisericórdia.Nocristianismoreformado,sereievangélicoeajudareiomeu irmão,dadoqueelenãoconseguesempreporesforçopróprio.

Épor issoqueoprotestantismocriou a expressão “o trabalhodignificaohomem”,aocontráriodasorigenscristãssegundoasquaisDeusprovê.

Oneopentecostalismo,presentenosséculosXXeXXI,juntaasduasideias:adequeDeusprovêcomadeesforçoecontribuiçãoaosquenosajudamasermosajudados.

Para algumas pessoas, a motivação para trabalhar em uma empresa é oprodutoqueelacomercializa.Paraoutras,aadesãosedápelapossibilidadedetrabalharnumamarcaquecarregaalgunssignoscomosquaistêmsimpatia.

Se o profissional admira um produto, a motivação pode passar por essecaminhoenãoapenaspeloretornofinanceiro.

Umanovidadedostemposatuaiséquenãoexisteumatrilhaexclusivadomundodaproduçãodebensouserviços.

Ainovaçãoeacriatividadetêmferramentasmuitomaispoderosasdoqueasquenóstínhamosantes.Eramuitodifícilhávinte,trintaanos,criarumnovonegócio. Enquanto estar num negócio que já existia era fácil. Mas criar umastartuphojeéumaempreitadafacilitadaemrelaçãoaopassado, inclusivepelavirtualização das relações. Não precisomais ter um posto físico para vender,comprar,aprender,juntar,trabalhar.

Nessa nova lógica de uma empresa que não seja apenas lucrativa, massocialmenterelevante,ocritériodeterumacausadáumajustezaaoesforçoeao

lucro.

CAPÍTULO20

Aempresamesustenta,euasustentoHá alguns anos, quando ainda não era tão nítida a discussão sobresustentabilidade do ponto de vista da missão e dos valores, tanto na óticaempresarial quanto na do indivíduo, publiquei uma reflexão que retomo agoraporterganhomaisrelevância.

Uma empresa precisa ter lucratividade, rentabilidade, produtividade ecompetitividade.A sustentabilidadenesses quatro tópicos advémde uma sériedefatores:competênciaemseusetor,otipodeprodutoouserviçoqueoferece,acapacidade de planejar-se estrategicamente, os equipamentos de que dispõe, oposicionamentonomercadoeacapacidadedeanalisarcenáriosfuturos.

Mastambémdependeessencialmentedomodocomoelamanejaoestoquedeconhecimentoquedetém,pormeiodoscolaboradores.

Aoinvestiremeducaçãocorporativa,nãonecessariamenteaempresaestarámaisbempreparada.Essarelaçãonãochegaaserdireta.Ocontrário,entretanto,é automático: não investir na formação implica uma perda significativa dacompetênciaedaqualidade.

Háumaclássicafrasequetodossemprelembramos:“Sevocênãoacreditaqueeducaçãoéumbominvestimento,tenteinvestiremignorância”.

Não existe uma relação direta, linear, entre formação e aumento decompetitividade.Nummundo totalmentecomplexo, seria reducionistapôressaquestãosobumpontodevistaexclusivo.Hoje,noentanto,asorganizaçõesquesediferenciamsãoasquenãoenxergamotrabalhodaspessoascomocommodityepriorizamaqualificaçãopermanentedeseusquadros.

Essaeducaçãocontinuadapressupõeacapacidadededarvitalidadeàação,àscompetências,àshabilidades,aoperfildaspessoas.Oestabelecimentodessacondiçãotrazumamultiplicidadedeelementos,desdetreinamentospontuaisatécursosdeformaçãoeespecializaçõessofisticadas.

Se a liderança não estiver voltada para priorizar a formação contínua, omáximoqueessaempresateráéumgrandepassadopelafrente.

E existem também empresas cuja gestão de capital humano dá um passoalémeofereceoportunidadesparaoaprimoramentodasensibilidade.

Essaéumaquestãocentral,hoje,nomundodotrabalho,istoé,afacilitação

deatividadesqueenvolvamasensibilidadeestéticanocampodamúsica,poesia,artesplásticas,ecologia.

Isso propicia aos que atuam em uma empresa um prazer grande pelaestrutura de conhecimento em seus múltiplos níveis. Aliás, as empresas querumamcéleresaofuturosãoasqueseencontramnessasintonia.

Numambientede crescente interdisciplinaridadee conexõesmúltiplas, asorganizaçõesprecisamdepessoascapazesdepensaronovo,deenxergaralémda moldura, de buscar soluções para o que ainda está no horizonte. Essascapacidades só podem advir de gente com repertório técnico, intelectual esensorial.

Porisso,hoje,asempresasfalammenosnaformaçãodeumgeneralista,emais na de um multiespecialista. Não se trata de mera diferenciação delinguagem.Émenosumapessoavoltadaparaumavisãogenéricadascoisas,esim aquele ou aquela que ganha autonomia para construir uma novacompetência.

Ofilósofonorte-americanoJohnDewey,quetrabalhounaáreadeeducaçãona primeira metade do século XX, cunhou a clássica expressão: “É precisoaprenderaaprender”.Portanto,quemaprendeaaprenderganhaautonomia.

Por isso não se pode atuar no campo empresarial apenas para formaçãoestratégica, porque ela temprazomais dilatado.Mas tambémnão se pode serimediatista e trabalhar apenas para a semana seguinte com uma formaçãoespecíficae,portanto,focadaelimitada.Éprecisoequilibrarasduasvertentes.

Apalavra“equilíbrio”temavercombalança,“libra”,equilibrarabalançaécolocarospratosemsuacondiçãodeusomaisadequada.Umaempresaquenãopensanaformaçãodeummultiespecialistafraturaacondiçãodeiradiantecommaiorperenidade.

Afinaldecontas, avelocidadedaalteraçãodosprocessosprodutivos,dosconhecimentos,dosnichosdemercadoé tamanhaqueaquestãonãoépartirotempotodo,masestarsempreaptoapartir.

Amissão dos gestores não é formar uma pessoa continuamente de saídaparaoutrolugar.Elatemdeestardeprontidão,aptaaseguirparaoutradireção,seascircunstânciasdemandarem.

E formar pessoas para a autonomia exige que elas desenvolvam asensibilidade, a capacidade de acumulação de conhecimento e informação, ahabilidadedeapropriar-sedesseconhecimentoedaraeleaplicabilidade.

É preciso formar pessoas que detenham um conhecimento eficaz.Aristóteles chamaria isso de causa eficiente. Não basta uma causa formal, é

precisoterumacausaeficiente,diriaele,quedêresultado.Eempresasvivemderesultados, obtidos a partir da condição de competência que carregam. E essacompetênciaestánaspessoas.Logo,asempresasvivemdepessoas.

Nessa lógica, reforcemos, existe a necessidade de colocar o recursohumano, a força de trabalho, não como uma commodity a ser negociada,dispensada,adquirida,deacordocomomomentoeaperspectiva.

Relembremos: ninguém fica num local apenas por conta do salário. Apermanênciaestáligadaàcapacidadedeenxergarafinalidadepositivadoquesefaz,aoreconhecimentoqueseobtém,aobem-estarsentidoquandoseutrabalhoévalorizadoe,sobretudo,àpercepçãodequeexistealiapossibilidadedefuturoconjunto.

Dispordetalentosrequerrelaçõesquesesustentemnessasbases.Uma empresa quenãooferece condições de reconhecimento nodia a dia

compromete esse equilíbrio. E não só o funcionário é dispensável para aempresa,dependendodoramo,aempresaédispensávelparaele.Hajavistaque,apartirdoníveldegerênciamédia,aconteceumrodízio intensodeexecutivosentreasorganizações.

Aretençãodeumbomprofissionalpassapelapercepçãodequeaempresainvestenele–oqueéumaformadereconhecimento.

Quem faz uma parceria com o colaborador, dizendo que paga parte docurso de idiomaou que facilita o horário de trabalho para que ele complete agraduaçãooufaçaumapós-graduação,estáinvestindonessetalento.Semprequealguémfala“Vocêvaleoqueestamosfazendo”,produz-seumbem-estareumsentimentodegratidão.

Todasasvezesqueaempresaéingratacomoempregadoouotratacomose fosse tão somenteumapeçaa sermobilizadaoudesmobilizadaconformeaurgência,issocriaindiferençanotrabalhador.

Seelepercebequeaempresainvestenele,aumentaoníveldegratificação,deumlado,edegratidão,dooutro.

Não significa que se obtenha lealdade absoluta, mas, ao menos, seestabeleceumníveldefidelidademaior.

E o investimento em educação significa que a empresa quer preparar otrabalhador – e, ainda que eventualmente tenha de dispensá-lo por qualquercircunstância,elevoltaaomercadomaisqualificado–,oquegeraumníveldetranquilidademaiore,consequentemente,deadesão.

Quando o crescimento individual contribui para o crescimento coletivo,comdesdobramentosquebeneficiamoconjuntodasociedade,tem-seentãouma

relaçãosustentável,eopropósitodespontacomvalor!

Paciêncianaturbulência,sabedorianatravessia…

DOAMOROSOESQUECIMENTOEuagora—quedesfecho!Jánempensomaisemti…MasseráquenuncadeixoDelembrarqueteesqueci?

(MárioQuintana)

GostomuitodoqueumdiaobritânicoBeda,oVenerável,escreveulánoséculoVIII: “Há três caminhosparao fracasso:nãoensinaroque se sabe;nãopraticaroqueseensina;nãoperguntaroqueseignora”.

Por isso,umacarreira a ser “turbinada”exigea capacidadede“ensinaroque se sabe”, isto é, ter permeabilidade e ser reconhecido como alguém quereparte competências, de modo a fortalecer a equipe e demonstrar ambição(querermais)emvezdeganância(querersóparasi,aqualquercusto).

Énecessáriotambém“praticaroqueseensina”,deformaadeixarclaraacoerência de postura, o equilíbrio entre o dito e o feito, e a disposição paraassumircomsegurançaaquiloqueadotacomocorreto.

Porfim,omaisimportanteé“perguntaroqueseignora”,poiscorreperigoaquele que não demonstrar constante estado de atenção (em vez de estado detensão)paraampliarcapacidadeseassumirahumildade(semsubserviência)decompreendereviveraquiloqueSócratesnaGréciaclássicanosadvertiu,“sóseiquenadasei”,ouseja,sóseiquenadaseiporinteiro,sóseiquenadaseiquesóeusaiba,sóseiquenadaseiquenãopossaaindavirasaber…

Afinal, os projetos e metas em qualquer organização são apenas umhorizontequefuncionaespecialmenteparasinalizarquaissãoaspossibilidadeselimitesdeprogressão;noentanto,horizontesnãosãoobstáculosesimfronteiras.

Aperformance,o“fazer”carreiraexigeatitudee iniciativa,por issoéum“fazer”emvezdeum“receber”.

Construir o equilíbrio entre intenções e condições é prioritário, semprelembrandoqueoequilíbrioprecisaseremmovimento(comonabicicleta),semse conformar com o sedutor e falso equilíbrio que se imagina atingir naimobilidade.

Assim, caminhamos para o futuro, com propósito, esforço e alegria,

sabendo que ciladas e sobressaltos exigem de nós paciência na turbulência esabedorianatravessia…

SobreoautorMario Sergio Cortella é filósofo, escritor, commestrado e doutorado em

educação e professor-titular da puc-sp, com docência e pesquisa na Pós-Graduação emEducação.FoiSecretárioMunicipal deEducaçãodeSãoPaulo(1991-1992), tendoantes sidoAssessorEspecial eChefedeGabinetedoprof.PauloFreire.ComentaristadaRádiocbnnosprogramasAcademiacbneEscoladaVida.

Éautordemaisdevintelivros.EntreelesQualéatuaobra?,Educação,Convivência e Ética, Vida e Carreira: um equilíbrio possível?, com PedroMandelli,ePensarBemNosFazBem!.

TableofContentsVidacompropósito!1.Aimportânciadopropósito2.Eu,robô?Não…3.Odeiosegunda-feira4.Rotinanãoémonotonia5.Autoriadaobra6.Otrabalhoquenosmolda7.Aorigemdamotivação8.Oquemaisdesmotiva9.Trabalhocomsignificação10.Éticadoesforço11.Valoresepropósitos12.Porquefazer?Eporquenãofazer?13.Tempo,tempo,tempo…14.Futurosepretéritos15.Euerafelizenãosabia16.Lealdadeàempresaatéquando?17.Desenvolvimentogeraenvolvimento18.Motivaçãoemtemposdifíceis19.Organizaçõescompropósito20.Aempresamesustenta,euasustentoPaciêncianaturbulência,sabedorianatravessia…Sobreoautor