Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) · artículo portugués al aprendizaje...

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)

EDITORA UFMS

Universidade Federal de Mato Grosso do SulEstádio Morenão, Portão 14, Caixa Postal 549Campo Grande, MS.Fone: (67) 3345-7200e-mail: [email protected]

CORRESPONDÊNCIA EDITORIAL

Universidade Federal de Mato Grosso do SulCentro de Ciências Humanas e SociaisPapéis: Revista do Programa de Pós-Graduação em Estudos de LinguagensPrograma de Pós-Graduação em Estudos de LinguagensCidade Universitária, Cx. Postal 549, UNIDADE 4, Campo Grande, MS.Fone: (67) 3345-7634e-mail: [email protected]

Papéis : Revista do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. – v. 1, n. 1 (1997)- . Campo Grande, MS : A Universidade, 1997- . v. : il. ; 23 cm.

SemestralSubtítulo anterior: revista de Letras.ISSN 1517-9257

1. Literatura - Periódicos. 2. Lingüística - Periódicos. 3. Semiótica - Periódicos. I. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

CDD (22)-805

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SULCENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAISPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS

CÂMARA EDITORIALEdgar Cezar Nolasco dos Santos – Eluiza Bortolotto Ghizzi – Geraldo Vicente Martins – Márcia Gomes Marques – Marcos Antônio Bessa-Oliveira – Rosana Cristina Zanelatto Santos

CONSELHO CIENTÍFICOÁlvaro Cardoso Gomes [UNIMARCO] – Benjamin Abdala Junior [FFLCH/USP] – Clotilde Azevedo Almeida Murakawa [FCLAR-UNESP] – Daniel Abrão [UEMS] – Eduardo de Oliveira Elias [UNAES] - Gladis Maria de Barcellos Almeida [UFSCAR] – Jacyra Andrade Mota [UFBA] – Jaime Ginsburg [USP] – Luiz Carlos Santos Simon [UEL] – Luiz Gonzaga Marchezan [FCLAR-UNESP] – Márcia Valéria Zamboni Gobbi [FCLAR-UNESP] – Maria Cândida Trindade Costa de Seabra [UFMG] – Marilene Weinhardt [UFPR] – Richard Perassi Luiz de Sousa [UFSC] - Silvia Maria Azevedo [FCL-ASSIS/UNESP] – Thomas Bonnici [UEM] – Vanderci de Andrade Aguilera [UEL].

REITORACélia Maria Silva Correa Oliveira

VICE-REITORJoão Ricardo Filgueiras Tognini

DIRETORA DE CENTROÉlcia Esnarriaga de Arruda

COORDENADOR DO PROGRAMADE PÓS-GRADUAÇÃOGeraldo Vicente Martins

EDITOR CIENTÍFICOGeraldo Vicente Martins

EDITORA ADJUNTA DESTA EDIÇÃOEluiza Bortolotto Ghizzi

IMAGEM DE CAPAVanise Paschoal de Melo35010 - Série: Calendário de feriados pessoais, 2010Manipulação digital

PROJETO GRÁFICOEluiza Bortolotto Ghizzi

REVISÃOA revisão linguística e ortográfica é de responsabilidade de Maria Emília Borges Daniel

TRADUÇÃO PARA O INGLÊS DO TEXTO DA ORELHAMarta Banducci Rahe

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Sumário

Apresentação

Linguística e Semiótica[Artigos]

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INTERFERENCIAS EN LA ESCRITURA DE LOS ESTUDIANTES BRA-SILEÑOS DURANTE EL APRENDIZAJE DEL ARTICULO ESPAÑOL COMO LENGUA EXTRANJERA (E/LE)Gerardo Manuel García Chinchay

TUPINISMOS E REGIONALISMO: PERSPECTIVAS LEXICOGRÁFICA E GEOLINGUÍSTICADaniela de Souza Silva Costa e Aparecida Negri Isquerdo

A (RE)SOCIALIZAÇÃO EM MATO GROSSO DO SUL: DO DISCURSO À REALIDADELuciene Paula Machado Pereira e Virgílio Napoleão Sabino

DOS ESTUDOS SAUSSURIANOS AOS ESTUDOS DA LINGUÍSTICA MODERNA: BREVES REFLEXÕESFrancisco Borges da Silva

AS FIGURAS DE LINGUAGEM NA RETÓRICA DO VÍDEO “ANIMANDO”Richard Perassi Luiz de Sousa

IMAGENS, SIGNIFICAÇÃO E MEMÓRIARaquel Andrés Caram Guimarães e Eluiza Bortolotto Ghizzi

Projeto editorial e normas para publicação

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[Resenha]

Apresentação

Abrir-se à publicação de artigos das muitas frentes de estudo que compõem, na atualidade, o campo da Linguística e da Semiótica é apostar na diversidade como um dos elementos fundamentais do fazer científico contemporâneo. E ainda que, para alguns, isso signifique o risco de não apresentar uma faceta característica, a possibilidade de se oferecer uma abordagem heterogênea dos fenômenos linguageiros sempre vale a aposta.

Nesta edição, Papéis continua a transitar por esse território da multiplicidade, trazendo à baila a discussão de pontos de vista distintos e complementares sobre a língua e outras formas de linguagem. O volume se abre com o texto “Interferências em la escritura de los estudiantes brasileños durante el aprendizaje del articulo español como lengua extranjera (E/LE)”, de Gerardo Manuel García Chinchay, que, sob a ótica da linguística aplicada, discute uma nova forma de se conceber algumas ocorrências no aprendizado de uma língua estrangeira.

A seguir, Daniela de Souza Silva Costa e Aparecida Negri Isquerdo, em “Tupinismos e regionalismo: perspectivas lexicográfica e geolinguística”, voltam a chamar nossa atenção para o fato de que a língua, companheira inseparável da aventura humana no tempo e no espaço, guarda marcas da história em um de seus estratos mais superficiais: o léxico. Entretanto, em processo dinâmico, tais elementos são atualizados, configurando novos sentidos, os quais, de certa forma, não deixam de presentificar o passado – caso da herança indígena que marca o português.

Em “A (re)socialização em Mato Grosso do Sul: do discurso à realidade”, Luciene Paula Machado Pereira e Virgílio Napoleão Sabino, recorrendo a fundamentos da análise do discurso francesa, analisam

questões relacionadas à problemática da ressocialização na forma como esta se apresenta no discurso jurídico-penal, dos agentes prisionais e dos encarcerados do estado de Mato Grosso do Sul, por meio dos jogos de imagens que se constroem nesse discurso.

Francisco Borges da Silva, colocando-se em uma perspectiva de estudo diacrônica, aborda, no texto “Dos estudos saussurianos aos estudos da linguística moderna: breves reflexões”, a importância de se compreender o desenvolvimento das ideias linguísticas como um trajeto contínuo, no qual mesmo as consideradas rupturas epistemológicas precisam ser consideradas a partir da relação que entretém com eventos anteriores.

Já Richard Perassi Luiz de Souza, no artigo “As figuras de linguagem na retórica do vídeo ‘Animando’”, apropria-se de mecanismos de produção de sentido geralmente vinculados à linguagem verbal para demonstrar que eles também podem ser apropriados à discussão de alguns exemplares da visual, ainda que submetidos às adequações necessárias; indo além, o autor demonstra a possibilidade de outras analogias possíveis entre os procedimentos empregados pelas duas linguagens.

Fechando o volume, sob a responsabilidade de Raquel Andrés Caram Guimarães e Eluiza Bortolotto Ghizzi, encontra-se a resenha do livro “Linguagens Inventadas - palavras, imagens, objetos: formas de contágio”, de Fernando Gerheim. Na pena das resenhistas, evidencia-se a riqueza dessa obra que pode interessar a estudiosos diversos das questões do sentido, uma vez que, nela, o autor elabora reflexões instigantes sobre a questão da imagem na literatura e nas artes plásticas, além das discussões sobre o poder de suscitar amplos sentidos que a acompanha.

Feita a apresentação sucinta dos textos que compõem a presente edição de Papéis, é lançar-se, agora, à exploração de cada um deles, aproveitando-os, de acordo com os interesses específicos do leitor, da superfície à profundidade. Que o percurso seja proveitoso para todos!

Geraldo Vicente MartinsEluiza Bortolotto GhizziEditores da área de Linguística e Semiótica

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Interferencias en la escritura de los estudiantes brasileños [11-25]

Interfêrencias en la escritura de los estudiantes brasileños durante el aprendizaje del articulo español como lengua extranjera (e/le)Interference in the writing of students during the brazilian article learning spanish as a foreign language (e/le)

Resumen: Este trabajo tiene como objetivo presentar el uso escrito de los artículos definidos del Español como Lengua Extranjera (E/LE) por parte de brasileños. Básicamente, ellos transfieren el concepto de regularidad presente en el artículo portugués al aprendizaje del artículo de la lengua de Cervantes, como se demuestra con la aparición de “Lo” en vez de “El”. Este hecho es para la Lingüística Contrastiva un simple “error”, pero nosotros mostraremos que ello no es más que un estadio intermedio en la llegada del elemento meta, es decir, una interferencia. De la misma forma, reflexionaremos sobre el concepto “error”; aquél que toma en cuenta las características de los sistemas L1 y L2 mostrando el sistema intermedio o gramática del aprendiz brasileño donde él se genera.

Palabras clave: Artículo. Español como lengua extranjera. Interferencia. Portugués brasileño.

Abstract: This paper aims to present the use of definite articles written Spanish as a Foreign Language (SFL) by Brazilians. Basically, they transferred the concept of regularity present in the Portuguese article in the learning article the language of Cervantes, as evidenced by the emergence of “Lo” instead of “EL.” This is for a simple Contrastive Linguistics “error”, but we show that this is only an intermediate stage in the arrival of the target element, ie interference. Similarly, we reflect on the concept of “error”, one that takes into account the characteristics of L1 and L2 systems showing intermediate system or grammar of Brazilian apprentice where he generates.

Keywords: Article. Spanish as a foreign language. Interference. Brazilian portuguese.

Gerardo Manuel García Chinchay Mestre em Letras pela UFMS (2010), e professor de lingua

espanhola do projeto de extensão Pró-linguas da UFMS, campus de Três Lagoas. E-mail: [email protected]

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Gerardo Manuel García Chinchay [11-25]

El presente articulo pretende demostrar que la presencia de Lo en los documentos escritos por estudiantes brasileños que aprenden el E/LE es un hecho natural, un sistema intermedio y no un error, como sugieren los conceptos de Lingüística Contrastiva (LC) (ELLIS, 1994). Intentamos “sumergirnos” en el pensamiento del aprendiz brasileño para percebir como él transfiere el concepto de regularidad presente en el microsistema de los artículos definidos de su L1 para L21.

1. Metodologia

Nuestros informantes fueron nuestros alumnos del nivel iniciante (Módulo I y II) del curso de Lengua española del Projeto Pró-línguas de la Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus Três Lagoas, de los años 2008, 2009 y 2010.

Los datos recolectados fueron obtenidos a partir de los textos elaborados por los alumnos del Curso Pró-línguas. De todo este material, extraímos varios “fragmentos comunicativos2” que reflejan la presencia de “Lo”.

2. Sincronía e diacronía: Los artículos definidos en portugués y español

A continuación, conceptualizaremos el artículo definido en ambas lenguas románicas. Situándolas sincrónicas y diacronicamente, explicaremos su surgimiento a partir del latín.

1 En este artículo, tomamos como sinónimos los términos LE (lengua extranjera) y L2 (segunda lengua). Aunque sabemos que en otras investigaciones diversos autores las definen como diferentes. Donde una LE es un idioma aprendido fuera del contexto de uso de la misma, es decir, fuera del país donde es utilizada como lengua materna. En el caso de L2, se considera al idioma aprendido y usado por el aprendiz en un contexto de inmersión (Cf. YOKOTA, 2005, p.21).2 Debe entenderse por “fragmento comunicativo” como aquel espacio espacio comunicativo natural donde se encuentra el fenómeno estudiado. No lo analizamos a nivel de palabra, frase ni oración, pues perdería el contexto comunicativo en que fue producido.

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2.1. Sincronía

2.1.1. El artículo en portugués

Siguiendo a Celso Cunha en su Gramática do português contemporâneo (1970, p. 144) los artículos definidos en esta lengua son o, os, a, as y anteceden al sustantivo conforme al género, al número y a la función gramatical Ellos ocurren, en general, en sintagmas en el que están contenidas informaciones conocidas tanto por el hablante como por el oyente. Lo que determina la presencia de los artículos definidos es la intención del hablante y el modo como ellos quieren comunicar una determinada experiencia (NEVES, 2000, p. 391). Para mejor didáctica presentamos los artículos definidos de esta lengua a través de un cuadro:

Esta clase de artículos dentro del portugués muestra una simetría pudiéndose apreciar mucho mejor en los ejemplos que se muestran en la siguiente figura:

CUADRO N° 1: Los artículos del portugués

2.1.2 El artículo en español

En la Gramática descriptiva de la lengua española se define al artículo definido, como uno de los elementos que caracterizan al español y a las restantes lenguas románicas frente a su lengua madre, el latín. Las lenguas que poseen el artículo lo emplean, al igual que los otros determinantes,

FIGURA N° 1: La frase nominal (artículo + nombre) en portugués

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para restringir y definir la referencia de los sintagmas nominales, es decir, la relación entre las expresiones nominales y las entidades a las que los hablantes aluden por medio de tales expresiones (LEONETTI, 1999, p. 789).

El paradigma de la flexión de género y número da lugar a las siguientes cuatro formas del artículo el y la para masculino y femenino singular, y los y las para masculino y femenino plural. A ellas debe añadirse la forma lo, carente de plural y tradicionalmente considerada como neutra (LEONETTI, Ibídem). De la misma forma a través de un cuadro y ejemplos tomados del Compendio Académico de Lenguaje y Literatura (2007, p. 113), resumimos el funcionamiento de los artículos definidos en español:

CUADRO N° 2: Los artículos del español

Con respecto a la clase de artículos dentro del español, en comparación, al portugués muestran una asimetría que se muestrán en la siguiente figura:

FIGURA N° 2: L frase nominal (artículo + nombre) en español

2.2. Diacronía

2.2.1. Del latín al portugués

El artículo portugués surgió del acusativo singular latino illum, illam, illud tal como lo aseveran Williams (1973, p. 144) y Masip (2007, p. 210), donde el neutro y el masculino evolucionaron obteniendo la misma forma fónica:

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illum homem > ilu homem > iu homem > o homem ‘el hombre’

illam casa > ila casa > ia casa > a casa ‘la casa’

illud bom > ilo bom > io bom > o bom ‘lo bueno’

2.2.2. Del latín al español

Diferente del portugués, los artículos en español se originaron de los demostrativos ille, illa, illud del latin culto (LCL) que ya eran usadas en la función de los artigos definidos en el latín vulgar (LATROP, 1980, pp. 106-107). Los artículos singulares tienen su origen en las formas nominativas de esos demostrativos; en tanto, los artículos en el plural fueron extraídos de las formas acusativas. En al latín vulgar (LV) de Hispania, los demostrativos usados como artículos perdieron una sílaba en todas sus formas, normalmente il-, excepto el masculino singular:

2.2.3. Portugués y Español

El artículo en latín, como forma lingüística plena, não existió; pero sí como función, que era realizada por los demostrativos. A continuación, Masip (2007, pp. 210-211), nos explica com mayor detalle sobre este hecho:

O demonstrativo latino ille, illa, illu, além de fazer as vezes de pronome pessoal sujeito da terceira pessoa, substituindo nomes masculinos, femininos e neutros, começou a ser usado como pronome-adjetivo, acompanhando substantivos, base léxica do artigo definido em ambas as línguas, uma necessidade imperiosa quando as declinações latinas perderam as suas oposições distintivas e ficou difícil identificar o gênero e o número de

LCL ille > LV il > Esp. el

LCL illos > LV los > Esp. los

LCL illa > LV la > Esp. la

LCL illas > LV las > Esp. las

LCL illud > LV lu > Esp. lo

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muitos substantivos. Impunha-se uma caracterização inequívoca, que marcasse as palavras. O artigo definido provém, portanto, em ambas as línguas, do demonstrativo latino, mas por caminhos diferentes.

Efectivamente, el demostrativo latino es la base léxica en las dos lenguas románicas, pero seguidas por diferentes líneas de evolución. Así, el artículo del portugués proviene del acusativo singular latino y el artículo español: los singulares (el, la, lo) se origina del nominativo singular y los plurales (las, las) del acusativo plural. Para mayor comprensión obsérvese el siguiente cuadro (MASIP, Ibidem).

CUADRO N° 3: Los demostrativos en latín

Un dato importante a resaltar es que el portugués antiguo sí tenía artículos como *lo, *la, *los y *las (CUNHA, 1970, p. 145) con l simple, muy parecidas al español. Y esa l simple se torna medial en portugués en combinación con la vocal precedente; su dessarrollo consecuentemente dependió de la final anterior que podia ser a) una vocal, b) r ou s, y c) n consonantal. Cuando precedido por formas verbales terminadas en vocal, por la proposición a, de y para, y por las formas del singular del adjetivo, el l del artículo, siendo simple e intervocálico, cayó. Sobre esto, Williams (1973, p. 145) nos muestra en los siguientes ejemplos:

*vejo-los livros > vejo os livros ‘veo los libros’

*a-lo > ao ‘al’

*de-lo > deo > do ‘del’

*tôda-la casa > tôda a casa ‘toda la casa’.

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Fue a partir de este contexto que las formas *lo, *la, *los y *las pasaron a o, os , a y as. Después de establecido el cambio, éste fue irradiado a otras posiciones.

3. La Linguística Constrastiva y el “error” en el aprendizaje de una LE

Uno de los primeros modelos a ser desarrollados en el ámbito de la LC fue el Modelo de Análisis Contrastivo, que nace a partir de las ideas comportamentalistas o conductuales, concibiendo el proceso de aprendizaje de una LE como la adquisición de uma serie de hábitos, basados en el binomio estímulo-respuesta. Uno de los principales conceptos de este modelo es el de “interferencia lingüística”, que sería la transposición de elementos de la L1 para a L2, sean fonéticas, morfológicas o sintácticas que salen fuera de la norma estándar de cada lengua y pasan a ser vistas por la gramática normativa como “errores” (CERQUEIRA, 2003, p. 87). Desde esta perspectiva, el “error” es visto de una forma negativa, como algo que debería ser evitado a través del uso de materiales didácticos; donde se muestre el contraste sistemático de la lengua materna del estudiante con la lengua extranjera que se pretende aprender. Siendo así, bajo una previsión de que aquello potencialmente podería resultar en “error” en la LE en virtud de la divergencia con la LM del alumno. Por ello, la grande culpable de los “errores” cometidos sería principalmente la L1 o lengua materna.

Posteriormente, los trabajos desarrollados fueron demostrando que aquellos “errores” que muchas veces eran previstos no ocurrían y, en muchos casos, aparecían otros, que no estaban estrictamente relacionados con la distancia o proximidad entre la LM y la LE, suscitando muchas críticas al modelo anterior (ANDRADE, 2002, p.2).

4. Interferencias y el nuevo concepto del “error”

Dentro de los estudios generativistas, principalmente con las con-tribuciones dadas por Corder, la lengua materna tiene un papel menos relevante en la aparición de los “errores” y estos son vistos como “el

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resultado de la aplicación de estrategias de aprendizaje” (CORDER, 1992, p. 40 apud SANTOS, 2005, p. 43). Ganan peso las hipótesis formuladas por el alumno a partir del contacto con la lengua meta y el “error” pasa a ser interpretado como señal de que el alumno está aprendiendo, como indicio de las hipótesis que él construye sobre la gramática de la lengua extranjera a partir del contacto con ella (SANTOS, ibidem). De la misma forma, bajo la óptica constructivista, Matui (1995), explica que ahora el “error” debe ser tomado como un medio de contrucción de conocimientos, siendo utilizado como un mediador de aprendizaje.

5. Transferencia del concepto de regularidad

Bajo el punto de vista normativo, pensaríamos que expresiones como Lo Luis y Lo gato dicho por brasileños, que se encuentran en el proceso de aprendizaje de la lengua española como L2, es un error lingüístico, pues no es ni es español ni portugués (BALBINO, 2005). Pero en este trabajo, mostraremos que el uso de Lo es un proceso de transición de clase natural presente en la regularidad de los artículos de su L1.

Iniciaremos esta parte definiendo brevemente los conceptos de transferencia y regularidad para aplicarlos en la explicación del proceso de aprendizaje de una L2. Sobre la transferencia, sabemos que es un proceso lingüuístico que aparece durante el contacto de lenguas. Ese contacto lingüístico, prototípicamente, puede ser observado bajo dos puntos de vista: social y psicológico. Social, ya que, son dos sociedades con sus respectivas lenguas las que entran en contacto. Psicológico, porque ese contacto ocurre en la mente-cerebro de un individuo cuando comienza a aprender una L2 (APPEL & MUYSKEN, 1996).

Una definición de este término, aquella que nos esclarece, la encontramos en el texto de Thomason y Kaufman (1988). Al respecto, ellos afirman que la “transferencia es la reproducción de alguna característica (ítem lexical, estructura lingüística, etc.) de un idioma

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sobre el modelo de otra lengua3” (1988, p. 37). Lo que dicen Thomason y Kaufman en otras palabras, es que producto del contacto una L2 posee información de una L1. Esta información transferida puede ser de distintos niveles: lexical, fonológica o morfosintáctica. En el caso de un estudiante de lenguas extranjeras las transferencias lingüísticas serán vista como estrategia del propio aprendiz para alcanzar la lengua-meta.

6. Análisis de datos

En esta investigación, se percibe por parte de los brasileños aprendices de español que realizan transferencia de la regularidad del portugués . Como se vio arriba (2.1.1), los artículos definidos del portugués poseen una regularidad reflejada en una simetría formal: o art. masculino, a art. feminino y sus plurales os y as. Como se presenta en la siguiente figura:

3 transfer = ‘the replication of some feature (vocabulary item, linguistic structure etc.) in one language on the model of another language’.4 Esta asimetría no es la única dentro del español. El ejemplo más didáctico es la conjugación del paradigma del presente de indicativo del verbo haber entre las formas de la primera y la segunda persona del plural (BUSTOS y MORENO, 1992)

FIGURA N° 3: La frase nominal (artículo + nombre) en español

Ya en la lengua española (2.1.2), dentro de esta microestrutura existe una asimetría en el número4. El artículo masculino el (sg.) no es analógicamente formal con el artículo plural los (pl.), pero los si parece el neutro lo. Veamos a continuación como ocurre esa irregularidad.

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La figura arriba mostrada resalta la irregularidad y la hipotetización del hablante aprendiz brasileño. En este primer caso, seguimos la posible funcionalidad de la mente. En este caso, partimos del artículo el donde en el plural esperaríamos unidades hipotéticas como *els ou *eles aumentando los alomorfos {-s}, {-es} del morfema plural del español y no la forma irregular los. Ahora visualicemos este segundo caso:

FIGURA N° 4: La irregularidad en el artículo masculino (de singular a plural) en español

FIGURA N° 5: La irregularidad en el artículo masculino (de plural a singular) en español

Vemos en esta figura, partiendo ahora de los donde esperaríamos la forma hipotética *lo, fenómeno que ocurre con nuestros informantes que no producen el elemento esperado el.

A continuación, mostramos los ambientes en que aparece “lo” en los textos, de los brasileños aprendices de español, tal como fueron escritos por ellos:

a) “Lo” + Nombre + (Adjetivo) = FN

En este caso “lo” aparece como integrante de una FN; ya que funciona como determinante. Ejemplos:

Lo hombre camiña para la dirección de la historia finalLo hombre y la poluiciónTrabajo en la universidad, en lo laboratorio de AlfabetizaciónLo zapato de lo Marco es indígena

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No me gusta lo inviernoNosotros nos gusta lo perroRoberto, lo hermano de Maria, juega futbol La casa de Miguel fue vendida lo otro dia

Construir y preservar: Los hombres cuando realizan sus constructiones siempre promuven la destruction del meyo ambiente. No hay una action humana que no tiene impactos en lo meyo ambiente.

Lo vaso quebró cuando cayó en lo piso

b) De + “Lo” = FP

En esta situación “lo’ se presenta como integrante de una frase nominal; pero a la vez esta frase forma parte de una frase preposicional, como se observa en estas oraciones:

La situación de la Región Amazónia: El hombre tien destruido mucho la región del norte de lo pais brasileño.Mi padre trabaja en lo restauranteLo vaso quebró cuando cayó en lo piso

FIGURA N° 6: “Lo” formando un FN

FIGURA N° 7: “Lo” dentro de una FN y a la vez dentro FP

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c) “Lo” + N. Propio

Aquí “lo” es una visible transferencia del artículo portugués “o”. Ya que en esta lengua, es admisible su presencia delante de nombres de persona. Como en: “O Luiz, O Pedro, O Carlos, A Maria, A Rosa”, para indicar cercanía e intimidad. Los brasileños que se inician en el aprendizaje del español escriben “lo” delante de nombres masculinos, como se aprecia en las siguientes oraciones:

Lo zapato de lo Marco es indígena.Lo Joao camina todos los dias por la cadie de la universidadEl carro de lo Marcos es azulLa computadora de lo Carlos está nuevo

A partir de nuestra experiencia como docente, percibimos que el estudiante aprendiz brasileño de español pasa por tres fases. En el iniciante, “lo” esta presente como una marca regular que viene del portugués. Ya en el intermedio, “lo” aparece como una contradicción dentro de su mente, donde comienza a aprecir la asimetría del artículo español. Por eso, un estudiante de nivel intermedio escribe “El carro de lo Marcos es azul”, donde reconoce al artículo masculino de la primera FN (el carro); pero aún, pone “lo” delante del nombre propio (lo Marcos), como en portugués. Es decir poco a poco, se está desprendiendo de su lengua, para aprender un nuevo microsistema. Finalmente, en el nivel avanzado obtenemos “El carro de Marcos”, donde el estudiante ya ha asimilado la diferencias por estar en contacto con esa simetría.

Por ello vale la pena aclarar que cuando los alumnos no terminan sus estudios y solo se quedan en el nivel iniciante hacen que “lo” se fosilice; es decir, permanece en la mente-cerebro del aprendiz como la forma “correcta” del artículo. Lo anterior nos demuestra que el brasileño para adquirir esta microetructura pasa por fases desde la iniciante donde transfiere visiblemente los padrones de su L1, portugués, en la segunda, existe en su mente en conflicto, entre ambas lenguas, y en la tercera, consiguió aprender la simetría del artículo español. Para mayor didáctica mostramos la siguiente figura, donde veremos, con mayor claridad, las tres fases:

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Podemos ver que las reglas que el estudiante brasileño aprendiz de español, usa para aprender los artículos definidos parten de su L1. Lo es efectivamente un indicador de una fase de transición natural producto de una transferencia del concepto de regularidad presente en los artículos del portugués. Para focalizarnos solo al artículo vemos que para llegar a “el” del español existe una fase intermedia en el estudiante, como se observa, a continuación en la figura:

FIGURA N° 8: Fases (interlengua) en el aprendizaje del articulo masculino español por brasileños

FIGURA N° 9: Transición en el aprendizaje del artículo masculino español por brasileños

7. Consideraciones Finales

Ante todo lo presentado, concluimos que existen fuertes argumentos para demostrar que “lo” no es un “error”, desde el punto de visto normativo o de la Lingüística Contrastiva. Sino un hecho natural por el que pasa todo hablante lusófono, tal como ocurre con los brasileños, que aprenden español como LE. Dependerá del estímulo y la constante práctica para que el aprendiz perciba la asimetría del español en la

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microestructura de los artículos, sobre todo el masculino singular. Reconociendo esa asimetría podrá llegar al artículo español “el”; ya que si no lo hace, permanecerá con “lo” fosilizándolo y creyendo entonces que es la forma correcta del español.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Otávio Goes de. A conjugação dos modelos de análise contrastiva e de análise de erros no tratamento dos matizes do verbo português ficar em espanhol. En: ANALES DEL CONGRESO BRASILEÑO DE HISPANISTAS, Vol. 2., San Pablo, 2002.

ALCARÁZ, Enrique e MARTINEZ, Maria. Diccionario de lingüística moderna. Barcelona: Editorial Ariel, 1997.

APPEL, René. y MUYSKEN, Peter. Bilingüismo y contacto de lenguas. Barcelona: Ariel, 1996.

BUSTOS, Eugenio y MORENO, Jesús. La asímetría “hemos, habéis”. En: Actas del II Congreso Internacional de Historia de la Lengua Española. Tomo I, Madrid, Pabellón de España, 1992, pp. 307-322.

CERQUEIRA, Juciana. Erro: Incapacidade ou tentativa de acerto?. En: SITIENTIBUS N° 9. Bahia: Universidade Feira de Santa, 2003, pp. 85-94.

CORDER, S.P. La importancia de los errores del que aprende una segunda lengua. En: MUÑOZ-LICERAS, J. (Org.). La adquisición de las lenguas extranjeras. Madrid: Visor, 1992, pp. 31-40.

CUNHA, Celso. Gramática do português contemporâneo. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares, 1970.

DURÃO, Adja. Análisis de errores en la interlengua de brasileños aprendices de español y de españoles aprendices de portugués. Londrina: Editorial de la Universidad Estadual de Londrina, 2004.

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Tupinismos e regiolalismo: perspectivas lexicográfica e geolinguísticaTupinysms and regionalism: lexicographic and geolinguistic viewpoint.

Resumo: A língua, utilizada pelo homem para representar experiências, exprimir ideias e perpetuar costumes e tradições, recebe influências extralinguísticas que ajudam a desenhar suas características, dentre elas, os contatos interétnicos, cuja herança reflete-se especialmente no nível lexical. No Brasil, a influência da etnia tupi, desde o período colonial (séculos XVI a XVIII), deixou um legado significativo de tupinismos no léxico do português do Brasil. Este trabalho analisa aspectos da influência desse substrato indígena na fala dos habitantes das capitais brasileiras, a partir do corpus recolhido pelo Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), perguntas 64 a 88 do Questionário Semântico Lexical – área semântica da fauna. O estudo buscou identificar marcas dialetais atribuídas às variantes estudadas pelos dicionários Houaiss (2001) e Ferreira (2004), bem como discutir a relação entre a dicionarização e o uso dos itens lexicais mencionados pelos falantes, segundo a capital brasileira em que foram documentados. O estudo identificou no universo de dados consultado a presença de 22 tupinismos, 08 deles com registro de marca dialetal – 02 confirmaram a marca atribuída pelos dicionaristas (carapanã e tacaca/maria tacacá); 02 foram registrados em áreas diversas da registrada nas obras lexicográficas (saruê e maretaca) e os demais foram produtivos em espaços geográficos mais abrangentes que os dicionarizados – tapuru/taparu/tapuruzim, timbu, mucura e muriçoca. A pesquisa demonstrou o processo da dinamicidade da norma lexical do português do Brasil e ratificou a importância das pesquisas geolinguísticas para o registro e estudo do léxico, testemunho cultural de uma sociedade.

Palavras-chave: Tupinismos. Regionalismos. Português do Brasil. Atlas linguístico.

Daniela de Souza Silva CostaAcadêmica do 4º ano do curso de Letras da UFMS campus

de Campo Grande, bolsista de iniciação científica.

Aparecida Negri IsquerdoDoutora em Letras pela UNESP (1996), professora

colaboradora no Programa de Mestrado em Estudos de Linguagens da UFMS e bolsista produtividade/CNPq.

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Abstract: The language, used by men to represent experiences, symbolize ideas and perpetuate practices and tradition, receive extralinguistic influences, which contribute to design its features, like interethnic contacts, whose heritage is reflected in lexical level, specially. In Brazil, the Tupi people had left a bequest that is still on the Brazilian lexicon, since the 16th Century, forming the tupinisms, words which enriched the Brazilian Portuguese lexicon. This article discuss the Tupi influence on the speech of people who live in the capital cities of Brazil, from answers collected by Brazilian Linguistic Atlas Project (ALiB) – questions 64 to 88 of lexical-semantic questionnaire (referring to fauna semantic area). The study tries to identify dialectal marks attributed by Houaiss (2001) and Ferreira (2004) dictionaries to recorded tupinisms, furthermore it discusses the relation between dictionarization and uses of these words. The paper registered 22 tupinisms, eight with dialectal mark in the dictionaries: two of them were documented in the same areas pointed by the authors (carapanã and tacaca/maria tacaca); two others were registered in different regions (saruê and maretaca), and the four others were in more extended areas than the dictionaries registered – tapuru, timbu, mucura and muriçoca.The paper demonstrated dynamic aspects in the Brazilian lexicon and it confirmed the importance of geolinguistic researches to register and study of local lexicon.

Keywords: Tupinisms. Regionalism. Brazilian portuguese. Linguistic atlas.

Em todas as línguas é marcante o processo de renovação lexical, produto de influências do ambiente sociocultural do falante, seja pelos aspectos físicos e geográficos onde reside, seja pelas interações de uma comunidade com outras de diferentes culturas. Esse processo perpetua-se em todas as línguas, uma vez que o sistema linguístico sofre mutações constantes, pois “há sempre uma parte do sistema em vias de formação, outra em vias de desaparecimento e outra perfeitamente acabada” (BIDERMAN, 1978, p.131). O léxico, visto nessa perspectiva, funciona como testemunho da cultura de um povo, por ser instrumento de disseminação de experiências e tradições, além de representar um produto das sociedades.

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No Brasil, alguns dos fatores que geraram e ainda geram a muta-bilidade do léxico decorrem especialmente do contato e da interação entre os povos europeu, indígena e africano, em terras brasileiras, desde o século XVI. Carecendo de designações para referentes da nova rea-lidade encontrada – hábitos e costumes, elementos da natureza antes desconhecidos –, a língua do colonizador português foi incorporando, durante todo o período colonial (séculos XVI a XVIII), unidades lexicais oriundas de outras línguas com que aqui se defrontou.

Além desse período, a variante brasileira do português continuou sofrendo influências de outros povos que para cá migraram, nos diversos momentos da história do Brasil, como italianos e espanhóis, com ápice de fluxos migratórios no século XIX, e os japoneses, no início do século XX, além dos árabes, que se estabeleceram especialmente no Brasil Central e cuja atividade econômica era voltada ao comércio. Também as fronteiras do Brasil com países da América do Sul favorecem as trocas linguísticas entre os povos, como por exemplo, em grande parte, falantes do espanhol. Um exemplo desse tipo de contato é a forte presença paraguaia no Estado de Mato Grosso do Sul, em decorrência de condicionantes geográficos (área de fronteira) e históricos (período pós Guerra do Paraguai (1864-1870), quando grandes levas de paraguaios migraram para o Brasil em busca de sobrevivência). Em virtude de contatos dessa e de outras naturezas, “a diversidade étnica dos grupos populacionais brasileiros [...] acabou provocando o exercício de trocas ou empréstimos vocabulares, para nos atermos, aqui, apenas ao campo léxico” (DICK, 2000, p. 305).

Das etnias indígenas que habitavam o Brasil à época do descobrimento, o povo tupi foi, notadamente, o que mais exerceu influência no léxico do português do Brasil, por ter sido o primeiro a entrar em contato com os portugueses em decorrência de habitarem a costa brasileira, primeiro acesso dos europeus ao novo território. Além disso, a língua tupi gozou de prestígio dentre as demais etnias indígenas, sendo utilizada por vezes como “língua segunda”, conforme Melo (1981, p. 41).

Além das questões geopolíticas, também a união matrimonial e as relações de concubinato entre os brancos colonizadores e as índias

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tupis fortaleceram a influência indígena na variante lusitana do português transplantada pelos colonizadores, por serem as índias responsáveis pela educação dos filhos desses brancos, como atesta o depoimento de Vieira (1951, apud NAVARRO, 1998, p. 174):

[...] é certo que as famílias dos Portugueses e Índios de S. Paulo estão tão ligadas hoje umas com as outras, que as mulheres e os filhos se criam mística e domesticamente, e a língua que nas ditas famílias se fala é a dos Índios, e a portuguesa a vão os meninos aprender à escola.

Ainda há que se considerar, para o entendimento da marcante presença do substrato indígena na variante brasileira do português, a expansão da língua tupi pelo interior da Colônia, posto que a Língua Geral, mescla do português lusitano e da língua indígena, com predominância desta, era a utilizada pelos bandeirantes que adentraram em territórios antes desconhecidos, incluindo áreas então pertencentes à potência rival, Espanha, em busca de minérios e de escravos indígenas.

As bandeiras (expedições terrestres) e as monções (expedições fluviais) eram formadas basicamente por mestiços, filhos das índias com os colonizadores (os mamelucos), ou seja, falantes da Língua Geral que lhes era ensinada desde a infância. As rotas bandeirantes com saída de São Paulo para a captura de índios tinham como principal destino a atual região Centro-Oeste e, em menor proporção, o Sul e o Norte do Brasil. Pode-se aventar a hipótese de essas rotas para o Brasil Central terem sido motivadas também pela existência da Província do Itatim, grande aldeamento indígena regido pelos missionários jesuítas, cuja localização é indicada no relato histórico a seguir:

[...] por volta de 1629, o Padre Ruiz de Montoya, embarcou em 300 canoas rumo às terras do sul do país, fugindo dos bandeirantes. Nas cachoeiras de Sete Quedas perderam todas as embarcações, o que os obrigou a seguir viagem por terra, e um grande número refugiou-se em território que hoje pertence a Mato Grosso do Sul, dando origem a reduções que passaram a constituir a Província de Itatim ou Itati, no curso médio do M’botetey (rio Miranda). (Indígenas sul-mato-grossenses: uma história de luta pela sobrevivência, disponível em http://www.al.ms.gov.br/Default.aspx?Tabid=56&ItemID=12357).

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Apesar do uso corrente da Língua Geral em território nacional, essa língua local não foi oficialmente adotada como idioma. Mesmo tendo exercido domínio sobre o português, nos primeiros séculos da colonização (século XVI até o início do século XVIII), teve seu uso proibido pela Coroa Portuguesa que, antes beneficiada pela adoção da língua indígena como forma de comunicação colonial, passou a considerá-la como ameaça à unificação do território recém-descoberto.

A Língua Geral era usada pelos missionários jesuítas para a catequização dos indígenas, passando a ser língua veicular, no âmbito dos aldeamentos organizados por eles, sistemas organizacionais que favoreciam as relações comerciais com outras nações que não Portugal. Sendo assim, para combater uma possível insurreição nesses aldeamentos, o governo português, por meio de seu primeiro-ministro, Marquês de Pombal (1759), decretou a proibição do uso do idioma local. Em consequência desse ato, “com o passar do tempo, a língua geral foi desaparecendo e o português sobrepujou-a como língua da colônia” (SILVA; ISQUERDO, 2009b, p.2).

Mesmo após essa proibição, o uso da Língua Geral não foi interrompido de imediato na comunicação diária da população, o que também contribuiu para a manutenção do substrato tupi na norma lexical do português do Brasil (PB), fato comprovado pela parcela significativa de tupinismos que tanto enriquece o acervo lexical da variante brasileira do português.

Na atualidade, várias são as áreas da Linguística que investigam a herança tupi no PB (Português do Brasil), dentre elas, a Toponímia, ramo da Onomástica que estuda os nomes próprios de lugares. Segundo Dick (1994, p. 435), os topônimos tupis têm sua frequência registrada em índices expressivos na norma lexical brasileira “nos mais variados itens semânticos (a exemplo de zoonímia, fitonímia, hidronímia, geomorfonímia, ergononímia)”.

Todavia, não somente bases etnolinguísticas ajudam a desenhar a variante brasileira do português, também outros fatores devem ser considerados, dentre eles, o geográfico. O Brasil é um país de dimensões continentais com área territorial de mais de 8,5 milhões de Km2 (IBGE)

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e essa característica explica a diversidade existente em relação à fauna, à flora e ao clima, por exemplo, nas diferentes regiões brasileiras, o que resulta na necessidade de particularidades lexicais para nomear referentes por vezes de uso específico em uma região geográfica.

Também se devem considerar os processos migratórios e as atividades econômicas desenvolvidas de acordo, inclusive, com as características geográficas que particularizam as regiões, definindo áreas culturais distintas, cujas características foram se desenhando a partir do contexto etno-histórico: “as áreas culturais [...] individualizam-se, pois, por marcas étnicas, histórico-geográficas e linguísticas, o que permite, por exemplo, o delinear de áreas dialetais que evidenciam características dos diferentes falares que convivem em determinado território” (ISQUERDO, 2006, p. 12).

De fato, a norma lexical do português do Brasil, produto da diversidade sociocultural do País, aglutina unidades lexicais de uso restrito dos habitantes de uma região, em oposição às de uso geral, em todo o território nacional. Essas peculiaridades lexicais constituem os regionalismos que particularizam o falar do brasileiro das 05 regiões político-administrativas do Brasil, em maior ou menor proporção.

Este artigo discute parte dos resultados de estudo de natureza geolinguística e léxico-semântica sobre tupinismos na língua falada por habitantes de 25 capitais brasileiras1, que teve como objetivo analisar a influência indígena, sobretudo do tupi, no português falado por habitantes dessas cidades. O corpus de análise foi obtido por meio de consulta à base de dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil, entrevistas realizadas pela equipe de pesquisadores nas capitais brasileiras, respostas fornecidas para as perguntas 064 a 088 do Questionário Semântico-Lexical (QSL), área semântica da fauna. Este trabalho examina a questão da dicionarização desses tupinismos do ponto de vista das marcas dialetais, tomando como referência os dicionários Houaiss (2001) e Ferreira (2004), além de

1 Pesquisa realizada como bolsista de Iniciação Científica/UFMS, no período de agosto/2008 a julho/2009, desenvolvendo o Plano de Trabalho “A presença de tupinismos na língua falada nas capitais brasileiras: um estudo no campo léxico da fauna”.

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discutir a relação entre essa dicionarização e o uso desses itens lexicais pelos falantes. Fundamentam a análise dos dados orientações teóricas fornecidas pela Dialetologia, da Geolinguística e da Lexicologia.

Para fins de seleção das variantes de base tupi, foram consultados esses dois dicionários de língua portuguesa, já citados, e obras que têm como temática a língua tupi, produzidos em diferentes momentos históricos, como Sampaio (1928) e Cunha (1998). Este trabalho direcionou, pois, a análise para a distribuição diatópica dos tupinismos catalogados, segundo dois eixos: registro em dicionários gerais da língua portuguesa como regionalismo/brasileirismo e documentação nas diferentes regiões brasileiras pelo Projeto ALiB.

O Projeto ALiB (Atlas Linguístico do Brasil), sediado na Universidade Federal da Bahia, tem como objetivo mais amplo registrar e descrever a variante brasileira do português, por meio de um atlas linguístico nacional. Para tanto, estabeleceu uma rede de 250 localidades e definiu um montante de 1.100 informantes como amostra, selecionados segundo o perfil definido pelo Comitê Nacional e coordenação do Projeto: idade: 18 a 30 anos e 50 a 65 anos; escolaridade: Ensino Fundamental incompleto e Superior (capitais) e Ensino Fundamental incompleto (localidades do interior); sexo: homens e mulheres; naturalidade: nascidos e criados na localidade com pais também nascidos na mesma região linguística.

1. Tupinismos no português do Brasil: da língua oral aos registros lexicográficos

Como está documentando a língua em uso, o Projeto ALiB também tem fornecido dados para o estudo de tupinismos. No Questionário Semântico-Lexical (QSL), a área semântica da fauna é contemplada com 25 perguntas (064 a 088). No universo investigado, foram registradas variantes de origem tupi nas 25 capitais brasileiras, totalizando 22 registros, ora sendo registrados em todas as capitais, ora circunscrevendo-se a determinadas áreas geográficas. O item lexical urubu (designação da “ave preta que come animal morto, podre” – QSL/64), por exemplo, foi mencionado por todos os informantes das 25 capitais pesquisadas, enquanto a variante carapanã

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(nome do “inseto pequeno de pernas cumpridas, que canta no ouvido das pessoas à noite”) foi citada apenas nas capitais da região Norte.

Os dados analisados neste trabalho evidenciam a presença de tupinismos que também se configuram como regionalismos nas 05 regiões geográficas do Brasil. O Quadro 1, a seguir, contém o conjunto de tupinismos em análise, distribuídos segundo a pergunta do QSL que os gerou e a região onde foram documentados.

QSL/pergunta Variante Lexical

Norte Nordeste Sul Sudeste Centro-Oeste

64. “ave preta que come animal morto, podre”

urubu

68. “ave de penas coloridas que quando presa pode aprender a falar”

curica

maracanã

arara

maretaca

iandaia

69. “galinha sem rabo” nambu/ nabu / nhambu

socó

71. “bicho que solta cheiro ruim quando se sente ameaçado”

gambá

mucura

timbu

coati

saruê

tacaca / maria tacaca

83. “um tipo de mosca grande, esverdeada, que faz barulho quando voa”

mutuca / motuca

86. “aquele bichinho branco, enrugadinho, que dá em goiaba, em coco”

tapuru / taparu /

tapuruzim

87. “bicho que dá em esterco ou pau podre”

tapuru / taparu /

tapuruzim

turu / toru

cupim

imbua

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Um primeiro dado evidenciado nesse quadro é o fato de as regiões comportarem-se linguisticamente de modo distinto, particularizando o uso de determinados tupinismos, como curica, maracanã, coati, toru/turu, imbuá e carapanã (Norte), tacaca/maria tacaca e maruim/muruim (Nordeste), socó (Sul), saruê (Sudeste), maretaca e iandaia (Centro-Oeste). Nota-se também que certas variantes integram a norma lexical de todas as regiões (urubu, gambá e cupim).

O registro em dicionários de língua portuguesa: a questão das marcas dialetais

Como já assinalado, neste estudo, a análise foi direcionada especialmente para o viés dos regionalismos lexicais, tomando-se como parâmetro duas perspectivas: a classificação registrada nas duas obras lexicográficas brasileiras de grande representatividade em termos de nomenclatura (HOUAISS, 2001; FERREIRA, 2004) e a documentação in loco do uso pelo Projeto ALiB.

O Quadro 2, na sequência, apresenta os tupinismos em estudo, organizados segundo a distribuição diatópica por região. Para tanto, foram considerados o registro da marca dialetal nos dicionários de língua portuguesa e a documentação in loco pelo Projeto ALiB, nas capitais brasileiras.

88. “inseto pequeno de pernas cumpridas, que canta no ouvido das pessoas à noite”

carapanã

muriçoca

maruim / muruim

Quadro 1: Distribuição diatópica dos tupinismos, segundo as regiões do Brasil (Projeto ALiB)

Tupinismo Ferreira (2004) / Houaiss (2001)(brasileirismo / regionalismo)

Projeto ALiB

carapanã N N

coati - N

curica - N

iandaia - CO

imbuá - N

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O cotejo das variantes documentadas com o registro nos dicionários evidenciou que alguns tupinismos marcados como regionalismos pelos lexicógrafos em questão foram produtivos na fala do homem urbano, nas áreas apontadas pelos dicionários, confirmando, assim, a marca regional imputada ao termo. Em contrapartida, outros foram registrados em áreas geográficas diferentes das mencionadas pelos lexicógrafos. Dentre os tupinismos aqui examinados, os dicionários consultados classificam como brasileirismos/regionalismos carapanã, tacaca/maria tacaca, saruê, maretaca, taparu/tapuru/tapuruzim, mucura, muriçoca e timbu.

A documentação de carapanã somente na região Norte, por exemplo, particulariza a variante em termos de uso, circunscrevendo-a a uma área geográfica específica e, consequentemente, gerando o fenômeno do regionalismo, que pode ser explicado por diversos fatores, pois a norma lexical do PB

[...] foi se desenhando de forma distinta nas diversas regiões brasileiras, motivada por condicionantes extralinguísticos, como os fatores físico-geográficos que os individualizam, os contatos étnicos que ali se processaram, as atividades econômicas predominantes, enfim, pela história social das várias áreas culturais que foram se formando, nos mais diferentes rincões do Brasil, ao longo da sua história (ISQUERDO, 2006, p.18).

maracanã - N

maretaca N (FERREIRA) / SE (HOUAISS) CO

maruim/muruim - NE

mucura N N/NE

muriçoca NE/SE (MG) NE/S/SE/CO

saruê NE SE

socó - S

tacaca/maria tacaca NE NE

tapuru/taparu/tapuruzim NE (FERREIRA) / MT (HOUAISS) N/NE

timbu / NE (FERREIRA) / BRASIL (HOUAISS) N/NE

toru/turu - N

Quadro 2: Distribuição diatópica dos tupinismos, com base em dicionários da língua portuguesa e em dados do Projeto ALiB.

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Carapanã é apontada por Ferreira (2004) e por Houaiss (2001) como termo regional da Amazônia que nomeia o conceito requisitado pela questão 088/QSL: “inseto pequeno de pernas cumpridas, que canta no ouvido das pessoas à noite”.

Já Maretaca, utilizada para nomear a “ave de penas coloridas que quando presa pode aprender a falar” (QSL/069), está dicionarizada na forma maritaca como particular da região Sudeste, na obra de Houaiss (2001), e da Amazônia (região Norte), na de Ferreira (2004).

Mucura, por seu turno, utilizada pelos falantes para nomear o “bicho que solta cheiro ruim quando se sente ameaçado” (QSL/071), tem seu registro nas obras pesquisadas como brasileirismo/regionalismo do Norte, cuja entrada, no dicionário, remete à variante gambá, tupinismo léxico que, segundo os dicionários consultados e os dados do Projeto ALiB, é de uso corrente em todo o Brasil.

Também nomeando o animal comumente designado de “gambá” foi documentado o item lexical saruê, que consta como brasileirismo/regionalismo do Nordeste nas duas obras lexicográficas pesquisadas. Na entrada relativa a esse termo nesses dicionários, lê-se “gambá”. Outro designativo para o referente contemplado pela questão 071/QSL, que está dicionarizado com a marca dialetal brasileirismo do Nordeste na obra de Ferreira (2004), é tacaca/maria tacaca. Houaiss (2001), todavia, não marca essa unidade lexical como regionalismo.

Outro tupinismo recolhido na língua falada como designação desse mamífero, com registro de marca dialetal nas obras lexicográficas consultadas, é timbu, classificado por Ferreira (2004) como brasileirismo do Nordeste. Como nos casos anteriores, nesse verbete há a remissão para “gambá”. Já Houaiss (2001) marca esse termo como regionalismo do Brasil.

Por fim, dentre os tupinismos listados no Quadro 2, temos muriçoca, unidade lexical também identificada com marca regional do Nordeste e do Estado de Minas Gerais, nos dicionários gerais de língua portuguesa consultados para este estudo. Muriçoca designa o inseto comumente conhecido por “pernilongo”, cuja fêmea é hematófaga e reconhecida pelos seus hábitos alimentares noturnos.

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Em síntese, nota-se que os dados visualizados no Quadro 2 indicam uma considerável variedade de tupinismos recolhidos pelo Projeto ALiB que: i) confirmam as marcas regionais apontadas pelos lexicográficos; ii) ampliam a esfera espacial de uso desses tupinismos indicada nos dicionários e, iii) enriquecem os regionalismos lexicais com novas variantes lexicais de uso particular a certas regiões.

1.2 A documentação pelo Projeto ALiB nas capitais brasileiras: o registro in loco de tupinismos/regionalismos

Conforme já assinalado, além da análise dos dados do ponto de vista da sua dicionarização com marcas dialetais por dicionários da língua portuguesa, este estudo considerou ainda a distribuição diatópica dos tupinismos em análise, com base nos registros do Projeto ALiB. O exame dos dados sob essa segunda perspectiva demonstrou, por exemplo, que a unidade lexical carapanã, que está dicionarizada como regionalismo/brasileirismo do Norte, teve essa marca confirmada pelos registros orais nas capitais da região Norte, posto ter essa variante sido documentada apenas nas capitais dos Estados da região Amazônica, onde ela reina em absoluto – todos os informantes das seis 06 capitais nortistas2 mencionaram a variante carapanã como resposta para a pergunta 088/QSL.

Esse registro apenas no Norte do Brasil é justificável pelo fato de essa região, historicamente, não ter sido origem de consideráveis fluxos migratórios, ao contrário, tem-se caracterizado como destino de grandes contingentes de migrações internas, movimentos que influenciam a norma lexical dos falantes da Amazônia brasileira, uma vez que “é no âmbito de um grupo social que a norma se instaura, é disseminada ou fica confinada a determinados espaços geográficos, dependendo das condições socioculturais desse grupo” (ISQUERDO, 2006, p.22).

2 Os dados de Palmas/TO não constam neste trabalho, pois essa capital não faz parte da rede de pontos do Projeto ALiB, origem do corpus deste trabalho. Isso porque se trata de uma cidade de constituição recente, ainda não possuindo história social desenhada por habitantes genuinamente ali nascidos e criados.

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Também confirma essa hipótese o fato de essa região ter fornecido apenas outro tupinismo com marca regional, timbu, registrado como brasileirismo do Norte na obra de Ferreira (2004) e presente na fala de uma informante residente em Porto Velho/RO, mas que viveu na capital do Pernambuco por 04 anos, cidade que também registrou essa variante como designativo do “gambá”. Além desse registro, timbu também foi registrado em Natal e em Recife. Isso demonstra que essa variante deve ter sido transplantada para a região Norte pelo grande contingente de nordestinos que migraram para os vários Estados amazônicos, sobretudo, na época da exploração da borracha (séculos XIX e XX).

O uso documentado de tacaca/maria tacaca (designação para “bicho que solta cheiro ruim quando se sente ameaçado” – 071/QSL), por seu turno, também confirmou a marca dialetal, nordestina, atribuída a essas variantes por um dos lexicógrafos consultados (FERREIRA, 2004), uma vez que essas variantes foram documentadas em três capitais da região Nordeste: João Pessoa, Natal e Recife.

Ainda nomeando o referente comumente nomeado de “gambá”, há o registro de saruê, dicionarizada como regionalismo do Nordeste, que teve seu uso documentado apenas na região Sudeste, na fala de um informante de Vitória, capital do Espírito Santo. Logo, os dados orais estão apontando para a necessidade de atualização dos dicionários, no que tange à impressão de marca dialetal a essa variante.

O último tupinismo para nomear o referente requisitado pela 071/QSL/Projeto ALiB (“gambá”) é mucura. Esse designativo foi coletado pelos inquiridores do Projeto ALiB numa área de maior abrangência que a delimitada pelos dicionários utilizados como base para este estudo – Houaiss (2001) e Ferreira (2004) –, haja vista que teve seu uso documentado nas capitais do Norte, à exceção de Belém (Pará), mas também em Teresina (Piauí) e São Luis (Maranhão), da região Nordeste, fenômeno provavelmente decorrente dos fluxos migratórios entre os Estados dessas duas regiões brasileiras.

No caso das demais unidades lexicais, os dados do Projeto ALiB também apontam dados discordantes entre o registro oral e o

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dicionarizado. A unidade lexical maretaca, por exemplo, foi registrada apenas na região Centro-Oeste, na fala de um informante jovem do sexo masculino e de baixa escolaridade de Goiânia (Goiás), diferentemente de sua dicionarização, que a apresenta como particular do Sudeste ou Norte.

Ainda as variantes taparu/tapuru/tapuruzim, documentadas como resposta tanto para a pergunta 86 (“aquele bichinho branco, enrugadinho, que dá em goiaba, em coco”) quanto para a 87 (“bicho que dá em esterco ou pau podre”), do QSL/ALiB, também se enquadram nesse contexto. Para Houaiss (2001), tapuru é um regionalismo de Mato Grosso. Entretanto, essa variante foi documentada no falar do homem citadino apenas das capitais das regiões Norte e Nordeste do Brasil, não tendo sido mencionada por nenhum dos informantes da região Centro-Oeste. O uso dessa unidade lexical por informantes das capitais brasileiras, em termos de marcas dialetais, condiz, em parte, com o registro na obra de Ferreira (2004), que a classifica como brasileirismo do Nordeste, pois foi documentada em seis capitais dessa região – Maceió, João Pessoa, Recife, Natal, Fortaleza e São Luiz. Além disso, os dados do Projeto ALiB demonstram a produtividade da unidade léxica tapuru também em todas as capitais da região Norte.

Por fim, temos o tupinismo muriçoca que, como mucura, também teve seu registro abrangendo áreas para além da indicada pelos dicionários pesquisados. Muriçoca nomeia o “inseto pequeno de pernas cumpridas, que canta no ouvido das pessoas à noite” (088/QSL) e foi registrado nas respostas de falantes radicados em todas as capitais da região Nordeste. Porém, não teve registro na região Norte, onde carapanã predomina. No Centro-Oeste, Goiânia registrou grande produtividade de uso dessa variante (87,5% dos informantes), também com um registro em Cuiabá e nenhum em Campo Grande. Além disso, obteve ocorrência única em Vitória (região Sudeste) e em Florianópolis (região Sul). Muriçoca também não foi registrada na fala dos mineiros, Estado onde se documentou apenas a variante pernilongo. A disseminação desse tupinismo representa mais uma confirmação do papel das migrações no caminhar das palavras, no caso, a fala dos nordestinos influenciando o vocabulário das outras regiões do Brasil, onde fincaram raízes, disseminando hábitos culturais e linguísticos.

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Haja vista a diversidade de tupinismos registrados para designar o “bicho que solta cheiro ruim quando se sente ameaçado” com marca dialetal – mucura, saruê, tacaca/maria tacaca e timbu –, optou-se pelo mapeamento das variantes apuradas como resposta para a pergunta 071/QSL numa Carta Linguística, com o objetivo de visualizar a distribuição diatópica dessa variedade de tupinismos usados pelos brasileiros para nomear o referente em pauta (gambá).

Na Carta, as variantes lexicais estão representadas por símbolos que foram inseridos no espaço relativo à região em que foram documentadas. Assim, foram assinaladas com um X as regiões sem ocorrência de tupinismos com marcas de regionalismos, como ocorre nas regiões Centro-Oeste e Sul, onde se registrou apenas a variante gambá que, embora de base tupi, não foi analisada neste estudo por seu uso já se configurar como norma comum em todo o território nacional, fato confirmado tanto pelos dados coletados, quanto pelas obras lexicográficas consultadas – Houaiss (2001) e Ferreira (2004) – que não atribuem a essa unidade lexical qualquer marca dialetal.

Figura 1: Designações para “gambá” nas cinco regiões brasileiras.

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Além dos tupinismos analisados neste trabalho, outras variantes de base tupi também podem ser configuradas como regionalismos, uma vez que tiveram seu uso documentado pelo Projeto ALiB em áreas específicas do Brasil – coati, curica, iandaia, imbuá, maracanã, maruim/muruim, socó e turu/toru. Esse dado ratifica a importância do futuro atlas linguístico do Brasil como fonte de regionalismos que em muito poderá auxiliar os lexicógrafos na atualização dos dicionários, em termos de marcas dialetais.

Os dados analisados neste trabalho confirmam, pois, que a norma lexical brasileira continua em constante mutabilidade, sendo essa mutação reflexo das mudanças sociais em curso nas diversas regiões brasileiras. O fato de variantes lexicais serem dicionarizadas como regionalismos de determinadas regiões e serem documentadas também em áreas circunvizinhas, como é o caso de taparu/tapuru/tapuruzim, revela o processo de expansão lexical que caminha paralelo aos fluxos migratórios, como pode ser observado no uso de tapuru e de mucura e variantes, nas capitais das regiões Norte e Nordeste, regiões com histórias sociais muitos próximas em termos de migrações internas.

Além dos fluxos migratórios, podemos também destacar o importante papel da mídia na disseminação de culturas locais, como é o caso do Nordeste, sempre retratado em telenovelas e seriados de televisão aberta. Um exemplo disso é o caso de muriçoca, variante lexical tão característica dessa região, que foi registrada em quatro, das cinco regiões brasileiras (Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste).

Considerações finais

Pode-se depreender, frente ao exposto, que a herança tupi permanece na língua oral dos habitantes de todas as regiões do Brasil, e em algumas delas tem seu uso particularizado pelas razões expostas ao longo deste trabalho, mantendo-se também no falar do homem citadino, por vezes distante da realidade rural. Essa presença sinaliza a permanência do elemento indígena na cultura brasileira, refletindo-se no léxico, melhor representação humana das marcas históricas e sociais

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constituintes das identidades individuais e sociais de um grupo, e cuja análise, como afirma Sapir (1969, p.19), acaba “se tornando um guia cada vez mais valioso no estudo de uma dada cultura”.

O registro de tupinismos também confirma a importância das pesquisas geolinguísticas para o registro do léxico e identificação de suas bases linguísticas, como no caso da variante brasileira do português com seus substratos africanos e indígenas, especialmente o tupi. E muito particularmente demonstra a necessidade de os lexicógrafos valorizarem os atlas linguísticos como fonte confiável de regionalismos, haja vista representarem uma fotografia da realidade linguística num tempo e num espaço determinados, à medida que registram dados concretos de uso documentados in loco nas localidades que integram a rede de pontos coberta pelo atlas produzido.

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A (re)socialização em Mato Grosso do Sul: do discurso à realidade(Re)socialization in state of Mato Grosso do Sul: from discourse to reality

Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar uma análise sobre a temática da ressocialização tal como se apresenta no discurso jurídico-penal, dos agentes prisionais e dos encarcerados. O discurso da ressocialização no sistema prisional de Mato Grosso do Sul acompanhou a mudança de conceito em torno do aparelho prisional de aparelho meramente punitivo para aparelho reformador, tornando os agentes prisionais em agentes reeducadores, e os encarcerados em reeducandos em um ambiente complexo cuja operacionalização é precária, o que na prática faz divergir o discurso, tornando-o utópico. Todos os fatores negativos da prisão – historicamente enraizados – colaboram para a construção de uma imagem adversa da formação moderna de sua verdadeira essência: aparelho ideologicamente restaurador. A teoria de Análise de Discurso de linha francesa possibilitou apreender uma versão desse jogo de imagens proveniente da relação de todos os envolvidos nesse processo, mostrando a não concretização desse discurso em realidade, na medida em que esses atores nem sempre desempenham o papel que lhes cabe.

Palavras-chave: Ressocialização. Discurso. Jogo de imagens.

Abstract: This article aims to present an analysis about the issue resocialization as is presented into penal juridical discourse, prison staff and prisoners. The discourse about the resocialization in the prison system of State of Mato Grosso do Sul followed the change of concept around the prisonal apparatus from apparatus merely punitive to reformer unit, turning the prison staff in re-educator and the prisioners fit for re-education in a

Luciene Paula Machado PereiraMestre em letras pela UFMS (2009) e professora do

curso de letras EAD/UFMS e do quadro efetivo de docentes da Secretaria de Estado de Educação SED/MS

Virgílio Napoleão SabinoMestre em Desenvolvimento Local pela UCDB (2009)

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complex environment whose operationalization method is poor, what in practice does differ discourse, making it utopic. All the negative factors of the prison - historically rooted - collaborate to build a adverse image of the modern formation to their true essence: apparatus ideologically restorer. The set of images from the all those involved in this process shows a failure to achieve this discourse in fact, to the extent that these actors do not always play what they have to do.

Keywords: Resocialization. Discourse. Game images.

1 Agradecemos à colaboração da Professora Doutoranda Ana Carolina Nunes da Cunha Vilela-Ardenghi (UFMS) e da Professora Ma. Rosane Ap. Ferreira Bacha (UCDB) pelos valiosos comentários.

1. Introdução

Neste artigo1, o discurso da ressocialização, tal como o Estado de Mato Grosso do Sul o instituiu em seus textos legislativos, foi considerado a partir da imagem que dele fazem aqueles envolvidos no âmbito prisional: os servidores, enquanto Estado, e os encarcerados, enquanto “clientela”. Um estudo desse jogo de imagens proveniente da institucionalização desse discurso deu-se a partir do resultado obtido através da aplicação de questionários a servidores penitenciários de variadas áreas de atuação e a detentos de um presídio masculino e feminino de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, ambos de regime fechado.

A análise se baseia em textos que constituem as respostas dadas por servidores do Sistema Prisional de Mato Grosso do Sul e por encarcerados do Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho e Estabelecimento Penal Feminino Irmã Irma Zorzi, ambos de regime fechado da capital do Estado, a duas perguntas apresentadas em um questionário distribuído nessas unidades de detenção. O questionário continha, além de uma apresentação e explicação que o justificasse, três perguntas transcritas

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a seguir: 1) Há quanto tempo você trabalha no Sistema Penitenciário?/Há quanto tempo você está preso?; 2) Como você qualifica a estrutura prisional onde trabalha?/Como você qualifica a estrutura prisional onde cumpre pena? e 3) Você acredita que a ressocialização do encarcerado seja possível atualmente no Sistema Prisional de Mato Grosso do Sul?

Para a análise dos textos, utilizou-se uma teoria transdisciplinar, a Análise do Discurso de linha francesa, cuja base, alicerçada em diferentes campos das Ciências Humanas, traz elementos da Linguística, da Psicanálise e do Marxismo, tendo como foco a apreensão da imagem que cada ator envolvido faz de si, do outro e do próprio discurso no contexto que vivenciam.

O foco de pesquisa deste trabalho, porém, não é questionar a ressocialização em si e sim o conflito entre discurso versus realidade, bem como sua efetivação, segundo a visão dos sujeitos envolvidos no processo: o governo enquanto Sistema, os servidores e os encarcerados.

2. O discurso e o seu contexto ideológico

A relação entre discurso e realidade sempre foi foco de interesse em um campo de estudo linguístico e social e, nesse patamar, o grande questionamento era em relação ao modo de acesso ao objeto ou, em outros termos, como apreender o sentido do texto. Erigindo-se contra uma análise não linguística ou subjetivista, a teoria de Análise do Discurso de linha francesa considera o texto enquanto discurso, não desvinculado de seu contexto histórico-social, levando-se em consideração o teor ideológico presente em determinada manifestação linguística.

A linguagem, assim, é o elemento de mediação necessário entre o homem e sua realidade, é uma forma de engajá-lo na própria realidade, é lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais (BRANDÃO, 1998, p. 12).

A Análise do Discurso se desenvolveu na década de 1960 e teve em Michel Pêcheux seu precursor. Com base na Linguística, aliou-se à

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psicanálise freudiana e ao marxismo para erigir seus postulados teóricos, cuja base está na consideração do discurso como o ponto de articulação entre os fenômenos linguísticos e os fenômenos ideológicos. Assim considera que:

A linguagem enquanto discurso não [...] serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente (na medida em que está engajada numa intencionalidade) e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. (BRANDÃO, 1998, p. 12)

Dessa forma, cabe efetivar a análise da relação da realidade do sistema prisional frente ao discurso da ressocialização, criado sobre esse sistema, que alcança os que nele estão envolvidos e a imagem que cada qual faz um do outro.

2.1 Discurso enquanto aparelho ideológico e prisão enquanto aparelho repressor

A teoria dos aparelhos ideológicos de Estado, desenvolvida pelo filósofo francês Louis Althusser na década de 1960, ampara-se na teoria marxista na medida em que considera a organização social como fruto da reprodução da luta de classes com sua consequente concepção de ideologia.

Dessa forma, apoiado nessas concepções, o Estado é concebido como um aparelho – o aparelho de Estado:

O Estado é, antes de mais nada, o que os clássicos do marxismo chamaram de o aparelho de Estado. Este termo compreende: não somente o aparelho especializado (no sentido estrito), cuja existência e necessidade reconhecemos pelas exigências da prática jurídica, a saber: a política – os tribunais – e as prisões; mas também o exército, que intervém diretamente como força repressiva de apoio em última instância [...] quando a polícia e seus órgãos auxiliares são “ultrapassados pelos acontecimentos”; e, acima deste conjunto, o Chefe de Estado, o Governo e a Administração. (ALTHUSSER, 2007, p. 62-63)

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Assim, a prisão entra nesse conjunto como aparelho repressivo quando cumpre sua função – jurídica – dentro da organização estatal de mantenedora do poder repressivo do Estado, sendo o único aparelho que garante a manutenção da ordem social mediante o afastamento dos indivíduos política e juridicamente em conflito com a lei e, consequentemente, com a sociedade. Portanto, a prisão também se constitui como um aparelho protetor da ordem e manutenção do poder do Estado.

A organização e a estrutura de poder do Estado não são apenas garantidas pelos aparelhos repressivos do Estado (ARE) como também encontram respaldo em formas de organização não explicitamente repressoras, cujo objetivo maior é garantir uma ordem social que assegure o pleno funcionamento das instituições estatais: os aparelhos ideológicos do Estado (AIE). Cabe explicitar que, enquanto os aparelhos repressivos do Estado funcionam através da violência, os aparelhos ideológicos do Estado funcionam através da ideologia:

O aparelho (repressivo) do Estado funciona predominantemente através da repressão (inclusive física) e secundariamente através da ideologia. (Não existe aparelho unicamente repressivo). [...] Da mesma forma, mas inversamente, devemos dizer que os Aparelhos Ideológicos do Estado funcionam principalmente através da ideologia, e secundariamente através da repressão seja ela bastante atenuada, dissimulada ou mesmo simbólica. (Não existe aparelho puramente ideológico) (ALTHUSSER, 2007, p. 70).

As instituições sociais, que reproduzem em si as relações de produção, se instituem como os aparelhos ideológicos do Estado: as escolas, as igrejas, os sindicatos, etc. Em comum, essas instituições personificam determinada ideologia, que se realiza em sua prática. Mais do que um sistema de ideias e representações, a ideologia possui existência material na medida em que se manifesta na prática dos sujeitos enquanto agentes que ocupam determinado lugar na sociedade.

O discurso recente acerca da ressocialização, concretizado em uma esfera jurídico-penal, devido à sua concretização na forma de leis e

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decretos2, passou a ser um instrumento ideológico do aparelho repressivo do Estado prisão, na medida em que, atualmente, orienta a prática dos agentes prisionais – ressocializadores – dentro da esfera social na qual eles se constituem como sujeito.

Notoriamente, a prisão é um aparelho repressivo do Estado que, com a sua falta de estrutura e superlotação, exerce um papel de multiplicador da criminalidade e da violência; oferece como contrapartida a ressocialização, que é o seu aparelho ideológico, pois precisa justificar a existência de suas penitenciárias e consolidar uma nova imagem perante a sociedade.

Os novos paradigmas relacionados à real função da prisão redimensionam seu caráter num âmbito imaginário e fornecem a esse discurso um significado ideológico, não apenas por se situar no campo das ideias, mas em um sentido utópico, por não estabelecer entre esse âmbito imaginário uma relação com a realidade empírica.

Assim, o discurso da ressocialização assume status de instituição – dogmatizada – pertencente ao sistema prisional, sendo aqui esse discurso considerado um aparelho de Estado – aparelho ideológico do Estado.

O neologismo ressocialização deu uma roupagem nova a um discurso ideológico que superdimensiona a função da prisão, levando-a de punitiva a uma dimensão (re)formadora, pedagógica, mesmo sabendo seus produtores que esse discurso não encontra eco na realidade prisional de um Estado subdesenvolvido3, o que por sua vez leva esse discurso

2 A partir do Decreto-Lei estadual n. 11 de 1º de janeiro de 1979, o Departamento do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul tem como missão propiciar a custódia dos presos provisórios, assistência às pessoas submetidas a medidas de segurança, desenvolvimento do trabalho prisional, bem como permitir aos egressos oportunidades de reintegração social (MATO GROSSO DO SUL, 1979, p. 22). O Decreto-Lei estadual n. 48/79 instituiu que “o tratamento penitenciário terá como objetivo a preparação do preso para futura vida livre na sociedade e terá como orientação básica o reconhecimento de que ele é uma pessoa sujeito de direitos, deveres e responsabilidades, e não mero objeto do tratamento” (MATO GROSSO DO SUL, 1979, p. 03).3 Interessante perceber que o termo país subdesenvolvido – hoje tido como politicamente incorreto – foi substituído pela expressão país em desenvolvimento que é politicamente

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a uma dimensão demagógica, uma vez que não se concretiza porque não se conecta com a realidade através de ações e atitudes condizentes com demandas necessárias e urgentes.

2.2 O jogo de imagens

Segundo a Análise do Discurso (AD), o discurso, analisado em relação às suas condições de produção, pode ser considerado a partir do reconhecimento de um esquema no qual dois lugares sociais são preenchidos por determinados atores em determinado contexto de comunicação: a relação destinador – mensagem – destinatário. Nesse esquema, consideram-se esses atores como seres dotados de reações psicológicas, a partir das relações sociais que vivenciam. Segundo Pêcheux (1969, p. 82),

[...] o que funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro.

Dessa forma, nesta análise, serão consideradas as imagens decorrentes da relação entre os diferentes atores do contexto prisional até então discutido. Para isso, se estabelece um código que explicite a relação entre os atores do discurso, conforme segue:

correta embora não mude a realidade, mas serve para mascarar uma realidade perante o imaginário coletivo – ainda que com ela não faça paralelo. Tal artifício linguístico nos faz lembrar do neologismo ressocialização que nos remete àquela ideia da tentativa de criação de uma realidade artificiosa através de uma linguagem vistosa, de roupagem nova.

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Sociedade versus agente prisional

Em seu âmago, a sociedade, de uma forma geral, sempre teve uma secreta repulsa à realidade do ambiente prisional. A prisão sempre foi tida como um lugar sombrio, seja pela falta de estrutura e pelos tipos de indivíduos que nela habitam, em uma realidade singular, seja por ser esse um local de castigo, onde se cumpre um regime de privação de liberdade entre outras sanções que, em dadas situações, vão muito além das estabelecidas em lei.

Considerando a sociedade como destinador (A) e o agente prisional como destinatário (B), é notória e clássica a visão da sociedade em relação a esse agente do aparelho repressivo do Estado prisão, principalmente os setores sociais progressistas, que veem a atuação desse agente parcial ou totalmente desvinculada de preceitos humanísticos e como elemento descompromissado com os Direitos Humanos.

À luz desses paradigmas contemporâneos acerca desse setor da Segurança Pública, surgiu o discurso da ressocialização (R), que favorece a construção de uma imagem positiva do Governo perante a sociedade.

Governo versus Servidor

Dentro do discurso da ressocialização (R), o Estado (A) atribui ao Servidor4 (B) o status de agente ressocializador, pois ele simboliza o Estado em seu contato mais imediato com o Preso. Contudo, a esse agente não é dada a estrutura adequada para que tal discurso transponha a dimensão demagógica e entre numa dimensão pedagógica esperada – mas quase nunca perseguida.

Concomitantemente a essa nova função atribuída ao agente prisional – que de carcereiro passou a reeducador – não houve uma reformulação estrutural e operacional no sistema carcerário, sendo que,

4 Consideramos Servidores os profissionais das diversas áreas que atuam com a população carcerária: agentes de segurança, assistentes sociais e psicólogos que expressaram seu próprio discurso a partir das respostas dadas ao questionário.

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contraditoriamente, essa dimensão pedagógica foi proposta transferindo, inclusive, as próprias especificidades dessa atribuição: de agente de segurança e custódia para agente reeducador.

A instituição jurídico-penal sugere e espera que o agente prisional, parte do aparelho repressivo, seja uma espécie de reeducador, embora não seja essa a sua atribuição principal, que, antes de tudo, zela primor-dialmente pela manutenção desses presos sob a égide da punição de atos legalmente considerados contrários às normas sociais.

Vê-se, dessa forma, mais uma desconexão com a realidade através da paradoxal relação entre esse aparelho repressivo do Estado e seu correspondente – ou pretensamente – aparelho ideológico que, en-quanto discurso, tenta atribuir uma função que não encontra paralelo na realidade.

Servidor versus Governo

O discurso da ressocialização, visto por quem está diretamente rela-cionado a ele, enquanto sujeito do agir, se apresenta sob um pensamento comum: a (res)socialização do encarcerado não é possível atualmente no Sistema Prisional de Mato Grosso do Sul. Essa crença de que não é possível (res)socializar, na visão dos servidores, baseia-se em três fato-res claramente expressos: vontade política, competência profissional e autonomia pessoal dos presos. Detemo-nos nesses fatores, valendo-nos de trechos transcritos do discurso produzido por alguns servidores que foram utilizados como amostra5.

Há uma visão corrente que atribui a não possibilidade de (res)socialização a fatores estruturais, como a superlotação dos presídios e a falta de programas profissionalizantes ou educacionais para a formação do encarcerado. Em comum, esse pensamento aponta como fator preponderante para o fracasso desse discurso o Governo, enquanto agente político e administrativo:

5 Os trechos transcritos foram selecionados a partir das respostas obtidas nos questionários entregues aos Servidores e Presos.

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Texto 1

Texto 2

Não é possível enquanto houver uma superpopulação de internos, nº reduzido de funcionários em todas as áreas, e nenhuma vontade política para mudar o quadro em que se encontra, o sistema prisional no Brasil não cumpre o papel ressocializador.

Devido à falta de estrutura do estabelecimento, superlotação e a falta de incentivo quando o interno é colocado em liberdade ou quando recebe um benefício de progressão de pena.

A superpopulação carcerária dificulta a ressocialização, na medida em que torna inviável a realização de um trabalho individual e constante!

(...) a prisão tem caráter “punitivo”, onde os custodiados vivem uma situação de “caos emocional”, desintegração humana, em um lugar que serve como “depósito humano”, contando com o financiamento e apoio do governo e sociedade civil.

Texto 3

Texto 4

Como ressocializar se nem o básico que o interno tem direito de receber (kit higiene, colchão e cobertor) sequer recebem?

Texto 5

Uma segunda visão atribui o fracasso da (res)socialização ao próprio agente prisional que não exerce seu trabalho adequadamente, seja por incompetência, falta de capacitação ou falta de estímulo profissional (remuneração salarial insatisfatória, entre outros). Essa visão atribui ao sujeito encarcerado (B) a imagem de vítima e ao agente (A) o lugar de responsável pelo fracasso parcial ou total do discurso da ressocialização enquanto projeto governamental. Seguem abaixo exemplos de discursos nos quais o agente enxerga o outro agente como parte diretamente responsável pela falência desse sistema:

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Texto 6

Não acontece inclusão, não há programas específicos, tratamento penal (ilusão). Os próprios funcionários não são capacitados para fazer com que a ressocialização aconteça.

Texto 7

Quando se tem uma equipe interagida com o trabalho prisional, é possível. A maior dificuldade é o corpo de segurança que dificulta o trabalho da assistência psicossocial; dificulta a liberação do preso para atendimento, escola, trabalho.

Texto 8

Em um terceiro grupo encontramos uma visão que consiste na descrença de que um indivíduo que não foi socializado, por inúmeros fatores, não poderia ser (res)socializado. Esse pensamento atribui ao lugar ocupado pelo sujeito encarcerado (B) uma autonomia que o responsabiliza pelos atos cometidos e que o privaram de sua liberdade. Mais do que atribuir uma responsabilidade ao Sistema e a si mesmo (A) pela (re)inserção social desse sujeito encarcerado, é ao próprio preso que cabe efetivá-la; visão que considera aqueles inúmeros fatores que agora se mencionam, tais como: falta de estrutura familiar, desvios de personalidade (que varia muito de indivíduo para indivíduo), entre outros que demandariam maiores reflexões e estudos específicos.

Não existe trabalho para toda a massa carcerária, o espaço físico é limitado para atividades variadas. Ainda é possível se fazer algo para melhorar, depende muito dos esforços dos profissionais, é preciso trabalho em equipe para superar as barreiras da superlotação e falta de recursos.

Pouco provável e na minoria dos casos. Haja vista as condições da estrutura penitenciária não possibilitar a ações de ressocialização. Aliás... é difícil e complexo falar em ressocialização e reinserção quando a grande maioria da população carcerária não teve acesso a ações de socialização e inserção quando em meio livre.

Texto 9

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(...) É possível que nem mesmo a aplicação da Lei ressocialize. Ressocializar é complexo, envolve:

1. oportunidade social (integração digna na sociedade, especialmente com trabalho);

2. família, educação; personalidade do preso etc.

Texto 10

A crença na (res)socialização, por parte da minoria do grupo de servidores, concebe uma imagem de sujeito encarcerado autônomo que pode estabelecer sua própria mudança de sujeito infrator e excluído para sujeito (res)socializável, (res)socializado. Nesse caso o Sistema pode sim transpor o discurso para a realidade tornando a (res)socialização possível:

Texto 11

Preso versus Governo/Servidor

A visão do encarcerado (A), dentro do contexto do discurso da ressocialização (R), recai sobre a responsabilidade acerca do sucesso do processo. Para esse sujeito, é necessário acreditar – ou pelo menos explicitar – a crença na possibilidade da (res)socialização, sob o risco de negativizar sua própria imagem e/ou negar qualquer mudança em si mesmo. Torna-se comum culpar o Sistema pelo fracasso atual desse discurso em relação à realidade. Esse Sistema é constituído por todo o conjunto estatal em torno da estrutura prisional onde seus atores principais são justamente os agentes prisionais divididos em suas respectivas áreas de atuação.

A maioria desses indivíduos encarcerados atribui ao Governo (B) o lugar de sujeito agente que deve obrigatoriamente se responsabilizar pela não reincidência deles. No entanto, esse sujeito não cumpre sua

Sempre acreditei na ressocialização. Em se tratando de seres humanos tudo é mutável. Nós trabalhamos com pessoas, por isso existe a possibilidade, sempre, de mudança, seja ou para melhor ou para pior. Aqui no Feminino temos visto resultados, frutos da ressocialização, ainda que sejam poucos.

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função, sendo que o sujeito destinador encarcerado (A), em seu discurso sobre a ressocialização, atribui ao seu destinatário Governo falta de vontade política e competência administrativa para solucionar problemas estruturais em relação aos aspectos físicos e Recursos Humanos:

Só depende do Governo que só discrimina o preso, não dá nenhum tipo de recurso para o preso trabalhar, estudar; apenas critica e humilha com opressão e pauladas.

Texto 12

Texto 13

Talvez porque o sistema prisional hoje deixou de ser um centro de ressocialização e se tornou uma “fonte de renda”, estimulando a superlotação; o que transformou o sistema prisional em verdadeiros “depósitos de seres humanos”.

Texto 14

(...) eu acredito que o que vai mudar esse quadro de cadeias lotadas, tem que vir a partir do momento em que o Governo Federal, junto com o Estadual e o Municipal trabalharem no sentido da EDUCAÇÃO, incentivar os internos a estudar (...)

Com certeza, basta que a nossa justiça brasileira faça realmente justiça, algo que não acontece em nosso Estado. O sistema é muito falho. (...)

Texto 15

No discurso produzido pelo sujeito encarcerado (A), é atribuída, especificamente ao sujeito agente prisional (B), enquanto parte significativa do Sistema, uma imagem negativa, de incompetência e truculência em relação a sua função de servidor estatal que trabalha diretamente com o encarcerado. A explicitação da imagem negativa do agente (B) se fortalece na medida em que o discurso trabalha favoravelmente para a construção de uma imagem positiva do próprio sujeito encarcerado (A), pois ele se vê e se faz visto como vítima de um sistema falho, uma vez que não considera que tenha seus direitos fundamentais respeitados.

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Falta preparo psicológico da parte dos servidores; principalmente dos que tem contato direto com reeducandos. A instabilidade temperamental de alguns servidores os transformam em produto do meio mediante suas atitudes.

Texto 16

Desde que tenham pessoas qualificadas para essa ressocialização, ou seja, pessoas que realmente se deparam com nosso dia-a-dia, tanto aqui como na rua, na rua precisamos de oportunidades, mas encontramos pela frente, na maioria das vezes, o preconceito.

Texto 17

Texto 18

Sem comentário, é tanta patifaria que rola aqui dentro, da parte dos agentes penitenciários, falta de assistência de várias partes, saúde, jurídica e ressocialização para os presos.

Enquanto os responsáveis pela formação os quais tem o compromisso da educação, ressocialização, trabalho e estudo para o preso não fazer cumprir o que nunca saiu do papel, poucos serão os que vão se auto-ressocializar.

Texto 19

Dentro desse processo discursivo no qual o sujeito encarcerado (A) se institui como enunciador/detentor da mensagem, o lugar ocupado pela sociedade (B), enquanto sujeito destinatário, obedece a uma formação imaginária consensual, na qual a sociedade ocupa o lugar de único responsável pela não reincidência desse destinador. A imagem de (A) como vítima de um processo injusto se manifesta no pedido de chance e na obrigação atribuída a (B) para que o sujeito que antes já não se adequou às regras dessa sociedade, não as infrinja novamente.

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Texto 20

Desde que todos trabalhem em prol de oportunidades para nós que somos excluídas. Porque é assim que somos vistas perante a sociedade! Porque se realmente houvesse uma preocupação não haveria tanta reincidência no estado.

Texto 21

Desde que os prisioneiros tenham chance de trabalhar na sociedade para não voltar a fazer coisas erradas. Vai da sociedade dar oportunidades para que isso não aconteça.

Texto 22

(...) não somos incapazes, apenas erramos e estamos pagando, como vamos conseguir mudar sem uma nova chance.

Basta dar oportunidade de trabalho.

São poucas sociedades que empregam ex-presidiário.

Texto 23

Texto 24

No entanto, há uma minoria que atribui o fracasso do discurso da ressocialização, quando contraposto à realidade, à autonomia pessoal do próprio encarcerado (A), negando uma imagem construída a partir de uma vitimização, que culpa outros sujeitos desse discurso, para ocu-par o lugar de sujeito responsável por seus atos e também por sua (re)inserção social.

A partir do momento em que o encarcerado toma consciência do que é melhor para ele e queira, uma mudança de vida é possível, não que o sistema ofereça isso.

Texto 25

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(...) é possível sim, basta o preso querer e se ajudar.

Aqui temos tempo para pensar no tempo perdido, que ficamos longe da liberdade que não demos valor na vida. Todas nós saímos daqui com o pensamento mudado para trabalhar e cuidar das pessoas que mais amamos.

Texto 26

Texto 27

Considerações finais

O discurso da ressocialização se perdeu no relativismo quando passou, em pouco tempo, desde que foi instituído, por um processo de dogmatização em que, ao invés de realizar-se dentro da prisão, deixou de ser pensado em sua plenitude empírica para tomar um status de mero discurso ideológico, distante de qualquer objetivo concreto. Esta discussão acerca do discurso da ressocialização mostrou uma visão crítica sobre esse discurso, salientando sua desconexão com a realidade, o que pode à primeira vista pesar a responsabilidade para o Sistema (Governo), pois este é o produtor, detentor e mantenedor das leis que regem esse discurso. Os textos produzidos, tanto pelos servidores quanto pelos encarcerados, demonstram essa responsabilidade atribuída ao Governo.

A teoria da Análise do Discurso oportunizou o acesso a uma melhor compreensão, não somente do jogo de imagens, mas também de seus efeitos entre os atores, pois a partir desse jogo forma-se um ambiente que viabilizará ou inviabilizará a conversão desse discurso em realidade, ou seja, em ressocialização de fato, independente da contraditoriedade do termo em si.

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Dos estudos pré-saussurianos aos estudos da linguística moderna: breves reflexõesFrom saussurean studies to modern linguistic: brief reflections

Francisco Borges da SilvaMestrando do Programa de Mestrado

em Estudos de Linguagens – UFMS

Resumo: Este artigo apresenta um recorte histórico acerca da Linguística. Para tal fim, propõe ao leitor uma abordagem teórica sobre os estudos de linguagem, compreendendo a fase pré-saussuriana e a pós-estruturalista. O presente artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a relevância dos estudos pré-saussurianos para a consolidação da Linguística como ciência. A literatura bibliográfica embasada em Emmon Bach, Eugenio Coseriu, Maurice Leroy, John Lyons, Edward Lopes e outros teóricos comprova que a os estudos acerca da linguagem que antecedem os postulados de Saussure tiveram grande relevância para que a linguística recebesse o status de ciência.

Palavras-chave: Linguística. Ciência.

Abstract: This article presents a historical view on the Linguistic. To this end, offer readers a theoretical approach to language studies, including the pre-saussurean and post-structuralist. This article aims to present the following reflection: the relevance of pre-saussurian for the consolidation of Linguistic as a science. The related literature based on Emmon Bach, Eugenio Coseriu, Maurice Leroy, John Lyons, Edward Lopes and others show that the theoretical studies on language preceding the postulates of Saussure had great relevance to the language received the status of science.

Keywords: Linguistic. Science.

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Sabe-se que as reflexões sobre a linguagem são contemporâneas à história da humanidade, suas impressões aparecem nos primeiros documentos conhecidos pelo homem. Assim, a história da humanidade não poderia ser de outro modo, visto que a escrita que conservou esses textos se baseia necessariamente em uma análise preliminar da linguagem. Em muitos casos, porém, tal reflexão anuncia a linguística apenas indiretamente, quase sempre manifestada como uma série de indagações sobre a origem, a forma e o poder das palavras.

Assim, as pesquisas sobre a origem da linguagem se afirmam no momento em que aparecem as primeiras gramáticas e se prolongam no transcorrer da história ocidental, até a primeira metade do século XIX (FARACO, 2005).

A classificação das línguas, a evolução histórica de seus aspectos fonológicos, morfológicos e léxicos, os estudos sobre a distribuição geográfica dos idiomas indo-europeus e a reconstrução da língua comum de que provinham definiram o contorno geral dos estudos linguísticos que dominaram a segunda metade do século XIX.

Na década de 1870, o movimento dos neogramáticos, cujos principais representantes foram os alemães August Leskien e Hermann Paul, marcou um dos períodos mais significativos da linguística histórica por conferir à disciplina um caráter mais científico e preciso (FARACO, 2005).

Com base nas teorias evolucionistas de Charles Darwin e na compreensão da língua como um organismo vivo, que nasce, se desenvolve e morre, os neogramáticos atribuíram a evolução histórica das línguas a determinadas leis fonéticas, regulares e imutáveis, a partir das quais seria possível reconstruir as formas originais de que haviam surgido. Apesar das evidentes limitações desse enfoque fonético, o método e as técnicas dos neogramáticos muito influenciaram os linguistas posteriores.

Nas correntes linguísticas surgidas durante a primeira metade do século XX, foram também importantes as teorias desenvolvidas um século antes pelo alemão Wilhelm von Humboldt, para quem a língua, organismo vivo e manifestação do espírito humano, era uma atividade

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e não um ato. Com sua concepção estruturalista da língua como um conjunto orgânico composto por uma forma externa (os sons), estruturada e dotada de sentido por uma forma interna, peculiar a cada língua, Humboldt foi o precursor do estruturalismo linguístico de Ferdinand de Saussure (FARACO, 2005).

Sob esse entendimento e mediante os recortes nos estudos de linguagem, este artigo apresenta uma reflexão sobre a fase pré-saussuriana, o advento do estruturalismo, o gerativismo e as linguísticas textuais.

1. Estudos pré-saussurianos

Antes do século XIX, quando a linguística ainda não havia adquirido caráter científico, os estudos nessa área eram dominados por considerações empíricas, que proliferaram em vários glossários e gramáticas cujo objetivo era explicar e conservar as formas linguísticas conhecidas.

No século V, antes da era cristã, surgiu na Índia a primeira gramática destinada a preservar as antigas escrituras sagradas. Na Grécia antiga, as questões propostas em torno da naturalidade e da arbitrariedade da linguagem, ou seja, o que existe nela “por natureza” ou “por convenção”, deram origem a duas escolas opostas: os analogistas sustentavam a regularidade básica da linguagem, devida à convenção, e os anomalistas consideravam que a linguagem era irregular, por refletir a própria irregularidade da natureza. As pesquisas sobre essas questões, que os gramáticos romanos se encarregariam, mais tarde, de continuar e transmitir, impulsionaram o progresso da gramática no Ocidente.

O primeiro texto de linguística de que dispomos é o da gramática sânscrita de Panini (século IV a.C). O tratado de Panini tem por objeto essencial os procedimentos de derivação e de composição morfológica descritos com auxílio de regras ordenadas.

No final do século XVIII, as descobertas das afinidades “genealógicas” entre o sânscrito, o grego e o latim, atribuídas comumente ao orientalista inglês Sir William Jones, deu lugar a um exaustivo estudo comparado

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dessas e de outras línguas. Tais pesquisas apresentaram os primeiros resultados positivos quando, em 1816, o linguista alemão Franz Bopp publicou sua obra (Sobre o sistema das conjugações em sânscrito...). Por meio da comparação metódica das conjugações do sânscrito, persa, grego, latim e alemão, Bopp concluiu que as afinidades fonéticas e morfológicas demonstravam a existência de um tronco hipotético ou língua comum anterior, o indo-europeu (FARACO, 2005).

Foram assim estabelecidos os alicerces da gramática comparada, que não tardaria a adquirir caráter científico graças ao trabalho de dois linguistas: Rasmus Rask, na Dinamarca, e Jacob Grimm, na Alemanha. Ao primeiro, se deve a elaboração de uma gramática geral e comparativa das línguas do mundo e o estabelecimento de uma série de correspondências fonéticas entre as palavras de significado igual ou semelhante. Grimm acrescentou a esses estudos uma perspectiva histórica, ao pesquisar as numerosas correspondências fonéticas entre as consoantes do latim, do grego, do sânscrito e do ramo germânico do indo-europeu. O resultado de sua pesquisa, conhecido como “lei de Grimm” ou “primeira mutação consonântica do germânico”, representou um progresso notável nos estudos linguísticos (LOPES, 1997).

Assim, os estudos teóricos acerca da linguística, enquanto ciência, comprovam que, antes do advento saussuriano (estruturalismo), o apogeu que vigorava referia-se à linguística histórica ou à gramática comparada.

Lopes (1997, p. 54) refere que antes de Saussure estava em plena

[...] vigência a linguística histórica ou gramática comparada – que cobre todo o século XIX e se pode dividir, conforme Pedersen e Meillet, em um primeiro período, de Rask e Bopp até Schleicher (aproximadamente 1870), e em um segundo, que começando por esses anos (1870) teria como nomes de primeira plana Jakob Grimm e Friedrich Diez.

Os neogramáticos pregavam a teoria da transformação das línguas à imagem e semelhança da transformação dos seres vivos, isto é, eles acre-ditavam que a língua tinha seu ápice e seu declínio. De acordo com Lopes (1997, p. 56), essa teoria da transformação das línguas à imagem e semelhança da transformação dos seres vivos foi levada a extremos pelos neogramáticos.

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Portanto, a utilização, por parte dos neogramáticos, da teoria da transformação (línguas vivas como seres vivos) antecede o período saussuriano.

Negar a contribuição de Ferdinand de Saussure aos Estudos Linguísticos seria negar a Linguística como ciência, pois foi a partir dos estudos linguísticos efetuados por Saussure que a Linguística passou a ser considerada como ciência. Por essa razão, Ferdinand de Saussure passou a ser conhecido como o pai da linguística moderna.

Segundo Faraco (2005, p. 27), os manuais de história da linguística costumam apresentar Ferdinand de Saussure como o pai da linguística moderna. Entende-se por linguística moderna, os estudos sincrônicos praticados intensamente durante o século XX em contraste como os estudos históricos, que predominaram no século anterior.

2. O Estruturalismo

Sabe-se que com o progresso do método comparativista, os estudos linguísticos do século XX adotaram uma nova orientação e uma nova atitude com relação ao enfoque e ao objeto de estudo da linguística. Ao invés de se concentrar na descrição histórica da língua, como queriam os gramáticos comparativistas, a linguística daria maior ênfase ao estudo da linguagem em si mesma e a seu caráter sociocultural.

Durante a primeira metade do século XX, as novas orientações linguísticas estiveram representadas fundamentalmente pelo estruturalismo, cujos expoentes foram Ferdinand de Saussure, na Europa, e Leonard Bloomfield, nos Estados Unidos (FARACO, 2005).

Convém lembrar que, até a Segunda Guerra Mundial, a linguística ainda não tinha se consolidado como ciência, era encarada apenas como disciplina fundamental histórica nos estudos efetuados pelas universidades. Somente a partir dos estudos saussurianos (estruturalismo) é que a linguística realmente se tornou ciência. Nesse processo de consolidação científica, o estruturalismo recorreu ao método científico indutivo – do particular para o geral para tal fim (FARACO, 2005).

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De acordo com Lopes (1997, p. 52),

Saussure foi o primeiro cientista da área de humanas e sociais a empregar o método hipotético-dedutivo, sistematicamente, justificadamente e por princípio – isso em um tempo que a regra geral era privilegiar o método empírico-indutivo, o que inviabilizava, de saída, qualquer tentativa de se produzir ciência pura, teoria.

Como se sabe, a linguística é uma ciência nova que teve sua con-solidação no século XIX, com a solidificação de uma ciência sincrônica da linguagem estudada por Saussure.

Para Faraco (2005, p. 28), é inegável que

[...] Saussure realizou um grande corte nos estudos linguísticos. Suas concepções deram as condições efetivas para se construir uma ciência sincrônica da linguagem. A partir de seu projeto, não houve mais razões para não se construir uma ciência autônoma a tratar exclusivamente em si mesma e por si mesma, e sob o pressuposto da separação estreita entre a perspectiva histórica e a não-histórica.

Saussure, pai da linguística moderna, com base no estruturalismo, mostrou que a língua poderia ser exclusivamente como uma forma1 (livre de suas substâncias) e que essa forma se constituía pelo jogo sistêmico de relações de oposição. Jogo este que funciona de tal modo que nada é num sistema linguístico senão uma teia de relações de opiniões (FARACO, 2005, p. 28).

Ora, é sabido que o gesto epistemológico saussuriano instaurou a possibilidade da imanência da língua, ou seja, a língua como um sistema de signos independentes, e juntamente com ela a de uma ciência autônoma da linguagem sob a perspectiva real sincrônica que se deu graças aos estudos pré-saussurianos. De fato, o marco simbólico do início da linguística como ciência ocorreu com o manifesto de William Jones (1746-1794).

1 A forma compreende os aspectos morfológicos e a substância os aspectos fonológicos.

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Cabe lembrar que os postulados saussurianos só puderam se efetivar graças aos seus sucessores, pois como se sabe, ele nada publicou, apenas deixou anotações em seus manuscritos. Nesse sentido, mencionamos o botânico A. Schlei (1821-1867) com sua concepção naturalista e evolucionista da época que concebia a língua como um organismo vivo. E Whitney que formulou a ideia da língua como uma instituição social dentre outros estudiosos da linguagem.

Contudo, também não se pode negar os esforços, tampouco o legado dos estudiosos da linguagem que antecederam a fase saussuriana (estruturalista). Então, cabe, aqui, destacar o legado deixado por alguns pioneiros antes de a linguística ser consolidada como ciência e apontar as contribuições linguísticas após o advento do estruturalismo.

Willian Jones (1786), em seus estudos linguísticos, destacou as inúmeras semelhanças entre o sânscrito, o latim e o grego, explicando as semelhanças através de uma origem comum entre tais linguas. A partir dessa semelhança entre as línguas neolatinas, houve uma febre de estudos sânscritos: escreveram-se gramáticas e dicionários, fundou-se a Escola de Estudos Orientais (Paris, 1795). Inicia-se o surgimento do método comparativo.

Schlegel (1772-1829) e Franz Bopp (1791-1867) desenvolveram a gramática comparativa. Faz-se necessário esclarecer que a gramática até então utilizada era a tradicional, que se baseava nos estudos sintáticos (puramente Sintaxe). Schlegel e Bopp desenvolveram a gramática funcional que se baseava na estrutura paradigmática (Morfologia).

Vale recordar que a gramática já havia sido desenvolvida na Antiguidade por Panini que contribuiu estudando a gramática – a língua – com fim religioso. Com objetivos práticos, servindo de ferramenta para utilização prática.

Schlegel (1808) publicou Uber die Sprache und die Weisheit Inder (Sobre a Língua e a Sabedoria dos Hindus). Nesse texto, o autor reforçou a tese de Jones sobre o parentesco das línguas que se evidenciava principalmente pelos elementos gramaticais (fonológicos e morfológicos). Essa semelhança foi o ponto de partida dos estudos comparativos germânicos.

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Franz Bopp (1816) publicou sobre o sistema de conjunção da língua sânscrita em comparação com o da língua grega, latina, persa e germânica, no qual, por meio da comparação da morfologia verbal de cada uma dessas línguas e das correspondências sistemáticas que havia entre elas, encontrou fundamentos para se revelar empiricamente seu efetivo parentesco. Assim, criou-se o método comparativo, procedimento essencial nos estudos de linguística histórica.

Bopp estendeu esse trabalho comparativo durante décadas, o que resultou no surgimento de Gramática comparativa do sânscrito, persa, grego, latim, lituano, gótico e alemão, obra básica e pioneira em linguística histórica, no que se refere aos estudos comparativos, constituída pelos estudos das línguas indo-europeias.

Costuma-se dizer que o estudo histórico foi estabelecido por Jacob Grimm (1785- 1863), um dos irmãos que ficaram famosos, no contexto Romantismo alemão, coletando histórias infantis tradicionais (FARACO, 2005, p.32). Grimm, em seu livro Deutsche Gram Matik, interpretou a existência de correspondências fonéticas sistemáticas entre as línguas como resultado de motivações regulares no tempo.

Os trabalhos iniciais de Bopp e Grimm se diferenciam pelo fato de que Bopp estabelecia o parentesco entre as línguas sem nenhuma cronologia entre eles, já Grimm, ao estudar as semelhanças, tinha seus dados distribuídos numa sequência de 14 séculos, o que pôde estabelecer a sucessão histórica das formas que estava comparando.

Foi a partir dos estudos de Grimm que clareou acerca de que a sistematicidade das correspondências entre as línguas tinha a ver com o fluxo histórico e, em particular, com a regularidade dos processos de mudanças linguísticas.

Vale salientar que nesse período, ocorreu o desenvolvimento da chamada filologia ou linguística românica, nome que se deu ao estudo histórico-comparativo das línguas oriundas do latim, iniciado sistematicamente pelo linguista alemão Friedrich Diez (1794-1876). Diez (1836-1844) publicou uma gramática histórico-comparativa das línguas

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românicas e mais tarde (1854) um dicionário etimológico dessas línguas. E que a filologia românica teve um papel fundamental no desenvolvimento dos estudos histórico-comparativos (BACH, 1979).

Em 1878, teve início o movimento neogramático, com a crítica da concepção naturalista da língua atribuída por Hermann Osthoff e Karl Brugmann, os quais alegavam que a língua deveria ser vista ligada ao indivíduo falante. O que implica na introdução de uma concepção psicológica subjetivista na interpretação dos fenômenos linguísticos. Para Osthoff e Brugmann, o principal objetivo do pesquisador era estudar as línguas vivas atuais e aprender a natureza de suas mudanças.

Sabe-se que a linguística americana foi reexaminada sob a luz de duas correntes científicas: baconiana e kepleriana. (BACH, 1979) Baconiana: objetiva-se obter um conhecimento seguro sobre o mundo. A única base certa para esse conhecimento é a observação e a experimentação. Utilizava-se dos métodos elaborados por Francis Bacon (método de experimentação – indução e dedução). Fundada na maior quantidade de evidências, e, pois, com a maior probabilidade de ser verdade. Kepleriana: dá ênfase à natureza criadora da descoberta científica, salto para hipóteses gerais, muitas vezes, matemáticas na forma, cujo valor se julga em termos de fertilidade, simplicidade e elegância. Todavia, em 1957, os postulados que prevaleciam na linguística norte-americana eram de natureza baconiana.

Com o advento da ciência moderna, grande parte dos estudos científicos foi rejeitada, quando se tentou banir da filosofia a metafísica, uma vez que os conceitos mais comuns da ciência física (magnético: solúvel em água) foram reprovados no teste da redução absoluta.

Sendo assim, todos os esforços para justificar um princípio de indução fracassaram. A história da ciência comprova que as teorias do mundo não são verdades absolutas. E só a partir dos estudos comparados a ciência deixou de ser vista como pronta e acabada.

Conforme Bach (1979), Freeman Twaddel mostrou que os fonemas são construções totalmente hipotéticas. Se a fonologia deve

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ser considerada como base da gramática por motivos fisicalistas, essa base é muito frágil, uma vez que a linguística lida com dados culturais.

Como se sabe, os dados sobre os sons de uma língua são tão culturais quanto os dados sobre as sentenças de uma língua ou os dados sobre os significados dessas sentenças. Desse modo, as hipóteses e construções teóricas da fonologia não são nem mais ou menos seguras do que as da sintaxe. Acreditava-se que todas as línguas tinham a mesma estrutura que o latim, porém, o método comparativo constatou que não tinham.

De acordo com Bach (1979), Chomsky fez com que se voltasse a atenção para a forma das gramáticas, para a explicação da noção de regra gramatical e para as propriedades das gramáticas que seriam necessárias se quiséssemos que as gramáticas nos permitissem fazer predições sobre as línguas que podem ser testadas de um modo mais amplo e mais explícito. Ele contribuiu pra os estudos de linguagens com as regras transformativas. Traçou analogia entre teoria matemática e gramática para explicar os níveis linguísticos. Tal analogia constatou que o sistema linguístico é mais complicado que a teoria lógica ou matemática e que uma teoria de qualquer língua não é completa.

De acordo com Chomsky (BACH, 1979), enquanto as perspectivas teóricas tomam a distribuição como algo dado, como uma noção que se pode usar para definir as unidades e classes de uma descrição gramatical, a abordagem gerativa toma a distribuição como a noção que deve emergir como o resultado final de uma teoria gramatical. Para ele a distribuição passa a ser exatamente o problema.

É importante lembrar que os postulados da linguística pré-chomskyana foram postos em dúvida. A teoria formulada por dedução fora chamada de linguística taxionômica e de história natural (termo considerado maldoso na época). Entretanto, as revoluções sempre acarretam recolocação da história, quer intelectual, quer política. A reavaliação da história da linguística tem sido alvo de grandes debates, pois os linguistas são considerados polêmicos. As controvérsias durante a história da linguística são louváveis, pois graças a elas a ciência cumpre o seu papel de investigar.

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3. Estudos linguísticos: mudanças e repercussões

Sabe-se que a abordagem linguística, em sua diversidade de conceitos e de escolas, bem como sua evolução, desde os estudos pré-linguísticos aos estudos de Fonética e Fonologia contribuiu com avanços significativos no campo da escrita (LOPES, 1997).

A invenção da escrita propiciou à humanidade a percepção da existência de formas linguísticas à medida que transformavam o som em escrita convencional, criando uma nova atitude social, cujo clima em relação à linguagem e seu estudo podem desenvolver-se através do impacto de fatores sociais e culturais, o que originou a criação da gramática (CÂMARA JÚNIOR, 1986).

Já Castelar de Carvalho (2000) apresentou uma visão geral da linguística antes de Saussure, como também, as mudanças e repercussões.

De acordo com Carvalho (2000, p. 17-18), a partir do século

[...] XIX, a Linguística adquiriu “status de ciência”, porém, para isso, passou por três fases sucessivas: 1. Filosófica – teve como precursores os gregos, cujos estudos, calcados na filosofia, abrangeram a Etimologia, a Semântica, a Retórica, a Morfologia, a Fonologia e a Sintaxe; 2. Filológica – surgida na Alexandria por volta do século II a.C., definiu-se historicamente como estudo da elucidação de textos, de preocupação marcadamente gramatical, dedicou-se à Morfologia, à Sintaxe e à Fonética; 3. Histórico-comparatista – marcada pela descoberta do Sânscrito entre 1786 e 1816, mostra “as relações de parentesco genérico do latim, do grego, das línguas germânicas, eslavas e célticas com a antiga língua da Ìndia. Nessa terceira fase, havia a preocupação diacrônica em saber como as línguas evoluem, e não como funcionam.

Petter (2002) retraçou a história da linguagem humana e das línguas com uma nítida intenção de desfazer a primeira visão de Linguística prescritiva/normativa, substituindo tais termos por explicativa/descritiva. A princípio, a autora apresenta um breve histórico acerca dos estudos de linguagem e uma discussão sobre o que é linguagem e sobre a existência de uma linguagem animal. Em seguida, a referida autora discorre acerca do que é linguística, o

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que vem a implicar nessa posição explicativa/descritiva oposta à da gramática prescritiva/normativa.

Uma visão de conjunto das principais correntes de linguística moderna, focalizando os grandes momentos da história da língua nos foi apresentada por Leroy (1971). O referido autor abordou seus estudos a partir dos precursores, enumerando uma sequência de estudiosos da história da língua. E chamou a atenção para o fato de que a hierarquia da língua é um fato social e não linguístico, pois se estabelece por razões estranhas à própria língua.

Lyons (1979) expôs os objetivos, métodos e princípios básicos da teoria linguística. De acordo com o referido autor, cada um dos principais subcampos da linguística: os sons da língua, a gramática, a semântica, as modificações linguísticas, a psicolinguística, a sociolinguística, a linguagem e a cultura, há uma introdução. Lyons destacou, ainda, as tendências atuais mais significativas e examinou as obras relacionadas a elas, priorizando os aspectos da disciplina, aqueles julgados mais importantes, ou seja, mais fundamentais e duradouros, e o contexto biológico da linguagem humana, mostrando como as preocupações e os interesses dos linguistas se ligam produtivamente aos interesses das ciências humanas e sociais.

Blecua (1979) notificou os antecedentes de uma revolução nos estudos da língua – a pré-revolução – 1ª fase, período que compreende 1816 a 1916. De acordo com o autor mencionado, as teorias científicas dominantes estruturam os estudos linguísticos em todas as épocas da cultura ocidental.

Segundo Blecua (1979, p. 33),

[...] os estudos linguísticos estão firmemente ancorados nas teorias científicas dominantes; dependem do conceito geral de ciência, da divisão das ciências, da situação dos estudos gramaticais dentro desta classificação e da relação com saberes conexos, como a retórica, a dialética, a psicologia, a sociologia ou a investigação das obras literárias.

A invenção da imprensa foi outro fator que muito contribuiu para esse período revolucionário dos estudos da língua, pois promoveu uma grande expansão na divulgação dos livros de cunho estruturalista. A partir do século XX, o termo estruturalismo constituía atração para a aquisição de livros.

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Como se sabe, a invenção da imprensa possibilitou a leitura e a aquisição de conhecimentos nas classes sociais que não tinham acesso à leitura, auxiliando na fixação das línguas e, na mesma época, o início do uso do alfabeto nos dicionários até a redação e a publicação. O século XIX foi marcado por diversos autores e momentos que desenrolaram os estudos linguísticos e apontaram eixos que atualmente se mantêm em diferentes práticas de análises históricas. Sendo assim, pode-se afirmar que “a língua é um sistema de signos independentes”, conforme afirmou Saussure.

Vale ressaltar que foi a partir dos estudos filosóficos que os estudos de linguagem se expandiram. Os filósofos eram especialistas nos estudos de textos literários e os estudos de linguagem eram feitos sob a luz de outras áreas. Mais tarde, porém, foi se voltando para a grande área da linguagem das quais compreende toda a filologia. Entretanto, havia certa preocupação por parte dos estudiosos de linguagem que antecedem o século XIX acerca da fonologia e da fonética.

Saussure, em seus estudos, acreditava que não havia lógica em estudar os sons, as sílabas, as palavras, as frases e os textos sem analisar um todo, isto é, sem uma estrutura.

De acordo com Sapir (In: MALMBERG, 1974), pode-se afirmar que a linguística iniciou sua carreira científica e a reconstrução das línguas indo-europeias a partir dos estudos comparativos. Muitas das formulações dos linguistas comparativistas indo-europeus têm uma nitidez e uma regularidade que lembram as fórmulas, ou as chamadas leis das ciências naturais. Franz Bopp introduziu sistematicamente o comparativismo, ou seja, analisou e comparou as línguas que apresentavam semelhanças.

Segundo Sapir (apud MALMBERG, 1974), a linguística histórico-comparatista se constituiu principalmente sob a hipótese de que as mudanças fonéticas são regulares e que a maior parte dos reajustamentos morfológicos em linguagem vem como produtos residuais na esteira desse desenvolvimento regular nos sons. É, em verdade, desejável e até necessária uma interpretação psicológica e sociológica para esse tipo de regularidade, na mudança linguística, com que se defrontam, há tanto tempo, os estudiosos da linguagem.

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Não cabe à psicologia nem à sociologia, por falta de condições, dizer à linguística que espécie de formulações históricas o linguista deve fazer. Pois essas disciplinas poderão apenas estimular o linguista a se interessar, de maneira mais vital do que até agora, pelo problema de colocar a história linguística no amplo quadro do comportamento humano, individualmente isolado e dentro da sociedade.

Saussure postula que o estudo da língua isolada não contribui em nada e que se deveria privilegiar o estudo da língua numa perspectiva sincrônica sem menosprezar a diacronia. Os conceitos fundamentais e básicos dos estudos de linguagem (estruturalismo) são o sistema e a estrutura, para Saussure. Como se sabe, Ferdinand de Saussure é o homem dos fundamentos.

A partir desse conceito, Saussure elaborou a dicotomia: diacronia x sincronia; significante x significado; paradigma x sintagma; língua x fala. Sendo estilo filosófico da época, paradigma x sintagma; língua x fala. Foi a partir da dicotomia saussuriana – língua e fala - que houve a distinção entre fonologia e fonética, feita por Troubtzkoy e Jakobson. A fonologia tem como objeto de estudo os fonemas e a fonética, os sons. A partir desses estudos, Jakobson passou a ser conhecido como pai da Fonética.

Desse modo, o estruturalismo tornou-se modelo epistemológico para século XXI, tendo a contribuição de alguns pesquisadores como Bacon, Foucault e outros.

De acordo com Lopes (1997, p. 61), Foucault

[...] caracterizou, em entrevista concedida em 1966, toda a sua geração – o grupo de pesquisadores que não tinha vinte anos feitos à época da Segunda Guerra Mundial – como uma geração apaixonada pelo sistema: “Nós pensávamos que a geração de Sartre era, decerto, uma geração corajosa e generosa, que tinha a paixão da vida, da política, da existência. Mas nós descobrimos outra coisa, uma paixão: a paixão do conceito e do que eu denominarei o sistema”.

O conceito novo de signo, criado por Saussure a partir de sua dicotomia, diverge do conceito de signo já existente, criado por Aristóteles. Na visão aristotélica – o signo é convencional, porém na visão saussuriana – o signo é dotado de duas acepções: significante (imagem acústica) e significado (conceito).

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De acordo com Saussure, o signo linguístico

[...] une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito geralmente mais abstrato (PAVEAU e SARFATI, 2006, p. 65).

Hjelmslev, discípulo de Saussure, prolongou a dicotomia significante e significado, trabalhando plano e conteúdo, visando dentro dessa perspectiva à forma. E, ainda, propôs o Plano de Expressão: substância de expressão - forma de expressão, e o Plano de Conteúdo: substância de conteúdo – forma de conteúdo.

O princípio da teoria de Saussure consiste na concepção de que a língua é forma e não substância. Já a fala, para Saussure, é psicofísica, ou seja, possui um lado psíquico e um lado físico. O conceito de valor sob a perspectiva da teoria saussuriana consiste na função que cada elemento representa. Como exemplo, pode-se tomar a função que o “a” desempenha dentro das orações a seguir: 1. A Bahia é belíssima. 2. Nunca fui à Bahia. 3. Eu não a conheço.

Pode-se observar, nos exemplos acima, que a palavra “a” desempenha várias funções, dependendo do contexto em ela esteja inserida.

A contribuição de Martinet para os estudos linguísticos compreende a economia linguística e a dupla articulação da linguagem – A primeira articulação diz respeito ao Conteúdo: morfema (palavra); a segunda diz respeito à Expressão Material: sons (fonemas). O princípio básico da linguística compreende estudar a língua em uso, pois parte do princípio de que nenhum ato de fala se repete, não existem duas línguas que representem a realidade da mesma forma.

Houve, então, a partir desse princípio, uma supervalorização dos estudos sincrônicos. Ficando, então, claro o objeto de estudo da linguística – a língua e, da semiologia – a linguagem. Vale frisar que a pronúncia, ou melhor, o dialeto (regionalismo) é fator da linguística externa.

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Eugênio Coseriu (1979) desmembrou (destinguiu) língua de fala. Sem deixar de lado o foco principal – normas – a língua passou a ser objeto de estudo específico do campo fonológico e a fala do campo fonético, pois entre a língua e fala há as normas. Toda língua se sustenta em dois eixos: paradigmático (eixo das oposições) e o sintagmático (eixo das associações).

Como se sabe, o estruturalismo teve sua ascensão graças ao comparativismo, e para tanto, faz-se necessária uma abordagem histórica. A descoberta do Sânscrito e as semelhanças entre as línguas grega e latina consolidaram o método comparatista, embora os estudos teóricos evidenciem que já se estudava a língua pela língua (viés comparatista) a partir do século XVIII. Ora, a imanência consiste no ato de os fenômenos linguísticos serem explicados a partir da própria língua, isto é, de os fenômenos linguísticos. Já a sociolinguística consiste na transcendência (contrário da imanência).

O estruturalismo norte-americano nasceu no seio da antropologia – essa foi a diferença entre o estruturalismo norte-americano do europeu. É sabido que há duas correntes norte-americanas: estruturalismo mecanicismo e estruturalismo mentalismo.

Segundo Malmberg (1974, p. 200), o mentalismo

[...] supõe que os fatos meramente linguísticos devem ser interpretados e completados com referências a fatos psíquicos (in terms of mind), enquanto, para o mecanicismo, a descrição linguística perfeitamente independente e unicamente fundamentada em fatos linguisticamente determináveis é mais sólida e mais justa que uma linguística que, em vários pontos, supõe o recurso a uma disciplina científica estranha ao seu assunto. O leitor observa a semelhança dessa posição com o princípio de imanência reivindicado pela glossemática.

Assim, entende-se que a linguística do século XX era a ciência piloto e, de acordo com a filologia, o texto era estático e só após o estruturalismo passou a ser visto como dinâmico.

Posto isso, pode-se afirmar que Saussure foi um autor de duas faces: uma para o passado e outra para o futuro, pois em seus estudos, embora desse muita ênfase ao sistema e à sincronia, ele já previa uma linguística que abordasse o texto.

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Sabe-se que os neogramáticos estudavam a partir de várias línguas um fato de ordem morfológica, sintática, fonológica. Tais estudos contribuíram para que a unidade máxima de estudo do estruturalismo fosse a frase que se estende até o gerativismo, porque a linguística é a ciência que se preocupa com o funcionamento da língua.

De acordo com Saussure, na língua não há mais do que diferença. A língua é forma e não substância. Não existe certo ou errado no que se refere aos vocábulos, mas sim o diferente.

Para se compreender esse processo de que língua é forma e não substância, é necessário destacar alguns itens: 1. Relatividade – não basta apenas saber qual é a natureza da palavra, mas qual é a função dela no contexto do discurso. 2. Funcionalidade – a função de cada elemento se define pela sua totalidade, ou, seja, pelo contexto em que o vocábulo está inserido. 3. Unidade – toda estrutura se apresenta como uma unidade construída. A soma de cada elemento forma um todo organizado, ou, seja, a unidade. 4. Totalidade – toda unidade remete à totalidade. Uma estrutura, uma vez decomposta, ordenada forma uma totalidade. Ex.: um texto na totalidade é formado pelas unidades (palavras). [Uma unidade, uma vez estruturada, não tem significado nenhum sem ser visto de acordo com a posição e com as outras unidades que constituiem um todo.] – princípio do estruturalismo. 5. Transformalidade – nenhum texto pode ser considerado estático. Todo texto tem uma estruturação em completa mutuação. A estrutura é sujeita à transformação. Exemplo disso são as novas palavras que surgem e as que caem em desusos. 6. Autorregularidade – cada conjunto de unidades possui imanentemente seu próprio sistema de escrita. Por exemplo: ao escrever, nós lemos e reestruturamos nossos enunciados. Usamos as regras internas. Há uma retroalimentação.

Sendo assim, a partir dos estudos saussurianos, a língua passou a ser abordada sob dois aspectos: identidade e diferenças, isto é, a língua possui sua própria identidade e suas diferenças. Vale abordar que Greimas foi identificador dos conteúdos de função e relação do estruturalismo como conceito de estrutura elementar da significação semiótica.

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Chomsky – considerado pai do gerativismo – porém, atribuiu seus estudos à frase, abordando um estudo diacrônico e sincrônico ao mesmo tempo. Ele ampliou os estudos voltados para a frase. Atualmente, estuda-se a partir de um todo para o específico, ou seja, do texto à sílaba (ao som). O gerativismo tinha por método investigador (científico) a dedução – do geral para o particular.

Para Bloomfied (apud BACH, 1979), as únicas generalizações úteis sobre a linguagem são as indutivas. Ele atacou a tendência de se conferirem certas propriedades a todas as línguas. Ex.: A existência das categorias sujeito e predicado. Para ele, o postulado básico é que cada língua deve ser escrita nos termos da sua estrutura própria sem que o linguista tente colocá-la dentro de um sistema preconcebido.

Sob o ponto de vista do gerativismo, a língua é entendida como um conjunto sistêmico, dividido em competência (objeto de estudo do gerativismo) possibilidades de criação das mensagens: cognitivismo: psicológica; desempenho: enunciados.

Chomsky (apud MALMBERG, 1974) (Gramática Transformacional) considera que a linguística deve determinar as propriedades fundamentais em que se baseiam as gramáticas bem sucedidas. O resultado final dessa pesquisa deve ser uma teoria da estrutura linguística em que os tipos descritivos utilizados pelas gramáticas particulares são apresentados e estudados abstratamente, sem referência específica a línguas determinadas. Uma das finalidades da teoria é pôr em evidência um método geral que permita escolher uma gramática para cada língua, dado um corpus da língua em questão.

Chomsky seguiu o modelo americano, porém, admitindo uma única hierarquia de dependências. Para ele, “Uma língua” é um sistema extraordinariamente complicado, e é evidente que toda tentativa que visa a apresentar diretamente o conjunto das sequências gramaticais de fonemas levaria a uma gramática tão complexa que seria praticamente inútil. Por essa razão, entre outras, a descrição linguística elabora um sistema de representações (apud MALMBERG, 1974).

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Depois de Chomsky, quando começou o estudo da sociolinguística, a linguística passou a ser estudada sob a ótica do discurso. Na segunda metade do século XX, nos anos 1970, passou-se a considerar a linguagem em uso, em funcionamento. E os usuários, a sociedade, a cultura passaram a ser componentes da linguística textual e não mais a linguística piloto da época dos estudos de Saussure. Consideramos como fundamento da linguística piloto o sistema (langue e parole), o qual Saussure optou pela langue, e Chomsky, pelo desempenho da langue.

Segundo Bouquet (2004), para Saussure, a língua e a linguagem, consideradas através da reforma da linguística, continuavam a ser o lugar de uma busca inacabada, até mesmo quanto aos conceitos fundamentais que traçam o mapa dessa busca.

Sabe-se que Saussure já mencionara, em sua teoria estruturalista, a necessidade de uma linguística da fala, mas ele apenas deu vez para os estudos comparativos das línguas a partir de suas semelhanças gramaticais.

Até os anos 1970, o estruturalismo desenvolveu e aprofundou a teoria da língua, pois a partir daí, aumentaram os estudos acerca da enunciação. A linguística da enunciação analisa as marcas da enunciação na fala, marcas que são ferramentas cuja função é inscrever na enunciação a subjetividade do locutor. (PAVEAU e SARFATI. 2006).

Para as autoras, agrupam-se sob a etiqueta linguística discursiva a linguística textual, a análise do discurso e a semântica de textos, que se fundamentam na dimensão transfrástica dos enunciados (2006, p. 191).

Afirmam Paveau e Sarfati (2006, p. 191) que a abordagem das unidades

[...] transfrásticas, i.e., unidades superiores à frase, é um fenômeno de origem americana, pois a lingüística européia esteve principalmente constituída sob o postulado saussuriano do primado da língua que teve como efeito, até os anos 1970, desconsiderar os textos e os discursos, i.e. as unidades superiores à frase. Em 1950, o linguista americano Zellig Harris apontou os problemas do nível transfrástico e da relação entre cultura e língua, pontos retornados e refinados, posteriormente, por Pike.

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Assim, os alemães dominam igualmente uma tradição de linguística textual com uma orientação gramatical, trabalhos que começam a ser difundidos na França, no início dos anos 1970. Embora, na França, os domínios sejam da semiótica e da análise do discurso que trabalham o domínio da fala, mas as verdadeiras tentativas de reflexão sobre o texto são bastante raras, e provêm da filosofia. A elaboração teórica mais completa em linguística sobre a noção de texto vem da Suíça.

De acordo com Paveau e Sarfati (2006), a linguística textual, como disciplina das ciências da linguagem, constituiu-se a partir de várias heranças deixadas ao longo dos estudos linguísticos: As hipóteses estruturalistas que contêm a ideia de que as unidades superiores à frase são organizadas como as frases; A semiótica literária (Barthes – Escola de Paris) que constrói um objeto no qual as dimensões ultrapassam o quadro da frase; A semiologia que dirige a análise por meio da dimensão textual das produções verbais; A linguística textual que toma as aquisições da retórica antiga clássica e nova, integrando-as em novas questões; As produções verbais, a sociolinguística de Labov e a sociologia de Goffmann.

Sabe-se, contudo, que a linguística textual apareceu num contexto epistemológico dominado pela linguística da frase, produto da cultura da gramática tradicional e da influência da gramática chomskyana e transformacional.

Os estudos sobre a linguagem, sob a influência dos pesquisadores da linguística textual, apresentam um enfoque diferente daquele proposto pela gramática tradicional que visava apenas a memorização de algumas regras. Para os novos estudiosos da língua, que despontam a partir da década de 1980, é preciso saber usar a língua em todas as possibilidades de interação.

Nesse sentido, a linguística representa, hoje, um campo aberto e em contínua renovação, cujos estudos, a partir de perspectivas diferentes, contribuem para a construção de modelos cada vez mais amplos que considerem os elementos constituintes do fenômeno linguístico.

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Considerações finais

A reflexão que propusemos, neste artigo, traz à baila a contribuição inegável de Ferdinand de Saussure para os estudos de linguagem. Os seus postulados deram, de fato, à linguística o caráter científico. Assim, pode-se constatar que, graças aos estudos de Saussure, com a imanência da língua, a linguística pode caminhar com suas próprias pernas.

Nesse sentido, conclui-se que a partir do estruturalismo, os estudos acerca da linguagem puderam ser delimitados, ou seja, foram analisados sob determinados ângulos.

Assim, o estruturalismo observou a língua sob os aspectos fonético- morfológicos, o gerativismo sob o aspecto sintático, isto é, o gerativismo se incumbiu da parole – discurso, uso em si. Mais tarde, ao ampliar seus estudos, o gerativismo contribuiu para o surgimento da linguística textual, que por vez se encarregou do discurso, da enunciação.

Conclui-se que o estruturalismo muito contribuiu para os estudos de linguagem, pois Saussure, ao estudar a língua, deixou brechas para que a ela fosse estudada sob outros vieses. Ora, Saussure se ateve aos estudos acerca da langue, deixando a porole para outros estudiosos pesquisarem. Nesse sentido, ele já sabia que a linguística necessitaria de uma teoria que desse conta do discurso. Assim, a linguística textual surgiu para para cumprir essa tarefa.

Constata-se que os estudos linguísticos tiveram um avanço significativo e, muito ainda terão os linguistas para pesquisar, deixando sua contribuição acerca da linguagem humana – fonte inesgotável de pesquisa. Sabe-se que a linguística, como toda ciência, não está pronta e acabada, é passível de novas pesquisas, novos estudos.

Nessa perspectiva, entendemos que há muito, ainda, para contextualizar sobre as consideráveis contribuições do linguista suíço Ferdinand de Saussure, pai da Linguística Moderna, com sua obra Curso de Linguística Geral. Partimos do pressuposto de que todos e quaisquer estudos acerca da linguagem necessitarão retomar aos postulados saussurianos.

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Esse retrospecto se dá porque o universo do discurso da linguagem e da fala é uma característica exclusiva do ser humano e, por isso, fundamentais para alcançar a compreensão do mundo e das coisas a nossa volta. Pensamos a linguagem e somos o que a linguagem nos faz ser. Construímos e destruímos mundos diferentes. Podemos estreitar relacionamentos ou nos distanciarmos de relações com o exterior. A partir do momento em que falamos, abandonamos o nosso estado natural e passamos a dominar tudo o que existe no mundo. Criamos novos objetos e seres dentro e fora da realidade, nomeado o que nos cerca e fazendo de nós donos do real e do imaginário.

A pretensão que se tem com este artigo, entretanto, não é a de exaltar especificamente a contribuição de nenhum estudioso da linguagem, tampouco desmerecê-lo ou desconsiderá-lo, mas sim enfocar as contribuições dos estudiosos da área da linguagem para o avanço dos estudos linguísticos, contribuições essenciais à linguística, permitindo a ampliação dos estudos acerca da linguagem, desde os estudos anti-estruturalistas às linguísticas textuais.

REFERÊNCIAS

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As figuras de linguagem na retórica do vídeo “Animando”The figures of speech in the rhetoric of the video “Animando”

Richard Perassi Luiz de SouzaDoutor em Comunicação e Semiótica pela

PUC-SP (2001) e professor associado da UFSC.

Resumo: O conteúdo deste texto identifica e analisa recursos de retórica no vídeo “Animando”, um registro antológico de exercícios de animação de personagem, com o uso de diversos materiais e diferentes técnicas artesanais. O audiovisual foi primeiramente registrado em película fílmica, sendo composto e apresentado como texto informativo e metalinguagem do processo de animação cinematográfica. A descrição sequencial das técnicas artesanais de animação propõe uma narratividade informativa. Além disso, o audiovisual como um todo, também, compõe uma narrativa sobre a interação entre criador e personagem. Para tanto, esses atores são textualmente compostos como tipos. Os recursos retóricos da narração audiovisual não utilizam signos linguísticos e, apesar disso, podem ser categorizados e compreendidos, de acordo com as figuras de linguagem, típicas dos textos linguísticos.

Palavras-chave: Interpretação. Figuras de retórica. Animação. Audiovisual.

Abstract: The content of this text identifies and analyses rhetoric features in the video “Animando”, an anthological record of character’s animation exercises using different materials and different craft techniques. The audiovisual film was first recorded in foil film, composed and presented as informative text and meta language of the cinematographic animation’s process. The sequential description of the crafts techniques of animation offers informative narrative. Furthermore the audiovisual altogether also composes a narrative about the interaction between creator and character.

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To do so, these actors are textually composed as types. The rhetoric resources of the audiovisual narration do not use linguistic signs, and yet, they can be categorized and perceived according to the figures of speech typical in linguistic texts.

Keywords: Interpretation. Rhetoric figures. Animation. Audiovisual.

O audiovisual em estudo “Animando” (MAGALHÃES, 1983) tem duração de 13 minutos e, primeiramente, foi gravado em filme com bitola de 16 mm. É uma produção brasileira, na qual parte de seu processo de realização aconteceu nos estúdios canadenses National Film Board. O autor da animação é Marcos Magalhães (1958), profissional nascido no Rio de Janeiro e reconhecido por seu trabalho com textos de animação.

O audiovisual em estudo atende à função didático-informativa, apresentando ao público expectador uma sequência de técnicas artesanais de animação, com a utilização de diversos materiais, como lápis, tintas, pincéis, cartões coloridos, tesoura, barbante, clipes, massa de modelar e areia, entre outros.

Um personagem é representado e animado de diversas maneiras (fig. 1 e fig. 2). O personagem mostra ter sido inspirado na expressão física do próprio animador, que também aparece no audiovisual. Durante a apresentação das técnicas e linguagens da animação, o personagem é representado e animado por meio de recursos artístico-expressivos, os quais são manipulados pelo animador.

Ao ser animado, o personagem sugere ter vida própria, mas sua ação é constantemente interrompida pela ação do animador ou criador, evidenciando que esse manipula sua criatura.

Muitas vezes, as ações do animador e do personagem são mostradas simultaneamente no audiovisual. Portanto, há dois atores, um deles é humano e o outro é o personagem composto e animado pelo primeiro. O jogo entre as ações do animador e as ações do personagem alinhavam e apresentam uma narração.

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A narração é composta a partir da descrição das técnicas e linguagens de animação. Porém, ultrapassa a simples descrição, porque compõe também a narrativa que demarca o período de trabalho do animador. Pois a ação cênica é apresentada desde antes do início do trabalho e prossegue até um pouco depois do término dos atos de animação. Assim, mostra a chegada e a saída do animador do local de trabalho. A narração começa com a entrada do animador no estúdio e segue mostrando seu trajeto até a mesa de trabalho. A narração termina quando o animador percorre o caminho contrário, levantando-se da mesa de trabalho e caminhando até a porta de saída.

Além de narrar os acontecimentos em sequência, o audiovisual também disserta sobre a relação entre “criador e criatura”, que é um tema recorrente na literatura universal e consagrado na Bíblia. Todavia, o conteúdo filosófico é revestido pelo estético e pelo lúdico, compondo uma narrativa dinâmica e divertida.

Técnica, Linguagem e Significação

O termo técnica indica um campo de elementos e procedimentos que são ordenados pela razão prática. Isso é feito para promover uma atuação que se pretende eficiente na consecução de um trabalho para atender determinados fins.

Por exemplo, a animação cinematográfica em estudo requer elementos, como tintas, pincéis, papéis, tesoura e filme, entre outros, requerendo também procedimentos, como desenhar, pintar, cortar, filmar e alguns mais, como são vistos no audiovisual “Animando”. Conjugados nas técnicas apresentadas, os elementos e os procedimentos serviram para compor as representações dinâmicas do personagem.

O audiovisual mostra que a variação de materiais e procedimentos não altera somente a técnica da animação, porque também altera sua significação. As expressões características de cada material ou instrumento definem estilos ou estéticas particulares. Essas alterações estilísticas definem poéticas específicas e, também, influenciam na semântica final do texto, interferindo no seu significado. Assim, a interação de certos

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materiais e procedimentos produz expressões interpretadas como sendo mais leves, eufóricas e impressionistas, como as resultantes das pinturas aquareladas, ou expressões mais pesadas, disfóricas, dramáticas e expressionistas, como as produzidas com o uso de areia ou as decorrentes da raspagem direta da película filmica.

Em condições específicas, além de denotar e narrar o acontecimento, um texto pode expressar alegria ou pesar, racionalidade ou emoção e outras significações. Isso é possibilitado pelo tipo de poética ou prática que define a expressão estética ou o sentido do texto.

O objeto em estudo é um texto audiovisual, cuja estética bem humorada reveste um conjunto de situações, as quais se alternam entre o sublime, o jocoso e o dramático. Entretanto, a estilização dos movimentos do animador, a aceleração do tempo, as variações na trilha musical, a semelhança e a disputa entre o animador e o personagem são elementos poéticos eficientes para a composição estética de um texto lúdico e cômico. Além do interesse didático por técnicas artesanais de animação, o texto audiovisual também tende a despertar o riso no público, especialmente na cena de fechamento.

A Retórica nas Técnicas de Filmagem

A película fílmica registra uma série de imagens estáticas em sequência. Portanto, não registra o movimento, porque tornou discreto o que era continuo. No filme tradicional, o movimento é proposto pela dinâmica da máquina de projeção, que faz a fita de filme correr diante da lente. As imagens projetadas em sequência na tela expressam o movimento da fita, provocam o movimento da luz e representam ou sugerem os movimentos das coisas e dos personagens filmados.

A discrepância, entre o movimento das coisas e o movimento das imagens, permitiu o filme de animação, como resultado da produção e registro em sequência de uma série de coisas inanimadas. Essas são posteriormente animadas pelo movimento da fita, que provoca alterações na luz projetada, fazendo-a também movimentar-se. É na

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falha persistente entre a realidade e a representação que a linguagem se instala e é desenvolvida, inclusive, doando materialidade aos seres tipicamente imaginários, como o personagem representado e animado no audiovisual em estudo.

As sequências de imagens para compor as cenas costumam ser previamente determinadas em um roteiro escrito e em outro roteiro desenhado, o qual recebe o nome de store board. Nas cenas filmadas, as lentes das câmeras assumem o lugar dos olhos dos espectadores. Desse modo, o deslocamento das câmeras é percebido como o deslocamento do espectador, durante a projeção do filme, a despeito de sua posição fixa. Pois, geralmente, o espectador permanece assentado durante toda a projeção. Quando a câmera é fixa, como no caso da animação gráfica, os movimentos de câmera são substituídos pelo enquadramento e por projeções perspectivas, representadas nas composições dos quadros ou das cenas.

A câmera capta a luz que, por sua vez, impressiona o filme. Depois de revelado, o filme demonstra uma analogia direta com o modo como a luz expressa a aparência das coisas. Contudo, o filme não produz a luz que incide na tela, essa é produzida e projetada pela mesma máquina que o movimenta. Tanto no momento de captação quanto no momento de projeção, a mediação da luz com relação às imagens do filme permite que as imagens captadas e projetadas recebam tratamentos técnicos e estéticos, de acordo com o controle da luz incidente. O controle pode ser obtido por meio de diversos recursos como, por exemplo, o uso de filtros.

A câmera atua como o narrador e, como todo narrador, constrói um discurso parcial. No audiovisual em estudo, a atuação da câmera sugere um “discurso direto”, no qual o narrador reproduz literalmente a fala do outro. Porém, a câmera institui de fato um “discurso indireto”, no qual a fala do outro é recontada pelo recorte e pelo direcionamento da lente da câmera.

No audiovisual em estudo, há uma “elipse” de edição, que omite o processo de projeção das imagens. A animação visual parece decorrer diretamente da manipulação do animador, que é apresentado como um mágico.

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A narração fotográfica atinge alto grau de verossimilhança com as imagens diretamente percebidas, omitindo também “aspas” e “glosas”, como comentários e explicações, que o falante usa para prevenir a sua manifestação.

A focalização aparece predominantemente como parcial e externa, apresentando as ações externas do animador e do personagem e omitindo seus pensamentos e sentimentos. Isso reforça os efeitos de neutralidade e objetividade. No entanto, há momentos em que uma visão interna e reflexiva aparece em forma de sonhos ou fantasias, quando a representação do personagem é transformada, por metamorfose gráfica, em pássaro, em peixe ou em outros elementos.

Figuras de Retórica na composição do vídeo “Animando”1

Como foi devidamente assinalado, há uma discussão dentro do texto, que é própria da representação. Esse debate relaciona duas vozes, uma que trata da realidade e outra que trata da representação. Está em jogo a “imitação”, um procedimento que mostra duas vozes no texto sem demarcá-las. A oposição entre realidade e imitação ou representação compõe o próprio tema do texto.

Há dois tipos de imitação, uma que atua por subversão, acentua as diferenças e caracteriza a “paródia”, e outra que atua por captação, mostra as semelhanças e caracteriza a “estilização”. Na primeira fase do vídeo, a ênfase recai sobre a paródia, porque a criatura, a despeito das semelhanças, distancia-se da figura do criador, como uma caricatura se distancia de um retrato. Entretanto, na cena final, a ênfase recai sobre a estilização, porque o traço surpreendente e cômico é assinalado pelo comportamento do animador ou criador, que se assemelha ao da criatura. Há um processo contrário de estilização, compondo as expressões do criador com aspectos semelhantes aos da criatura.

1 Denominações e conceituações pesquisadas em Platão e Fiorin (1996).

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A paródia inicial e a estilização final indicam o uso de outra figura de linguagem, a “prosopopeia”, porque tanto o personagem quanto o animador assumem características que não lhes são próprias. O personagem assume características humanas, e o animador assume características do personagem. Há, ainda, o uso de “hipérbole” visual, caracterizado pelo exagero nos aspectos expressivos, tanto na composição do personagem quanto na expressão do animador, que é apresentado como personagem. Depois que foram reificados com os recursos da prosopopeia, os personagens são apresentados como “tipos” ou simulacros estereotipados. Por fim, é o exagero na composição e na articulação dos tipos que propõe todo o texto como uma “sátira”.

Considerações finais

No vídeo em estudo, utilizaram-se recursos discursivos para garantir unidade e continuidade à apresentação da sequência de técnicas artesanais de animação. O primeiro recurso foi o uso dos efeitos de edição para suprimir os processos da revelação do filme, da edição e da projeção das imagens. Assim, apresentou-se a animação do personagem como consequência direta do ato de desenhar. O outro recurso foi representar a interação entre o criador-animador e a criatura, fora do ato direto de representação do personagem. Pois isso compôs as cenas de ligação, dando continuidade e unidade ao enredo da narrativa.

Sob o foco da câmera como instância de enunciação, a interação direta com o personagem animado alterou a condição do animador de autor enunciador do desenho, indicando-o também como ator-personagem. O tratamento expressivo dos atores propõe a paródia, por semelhança do personagem com relação ao animador, também, configura a estilização, na semelhança do animador com relação ao personagem. Porém, a estilização de uma paródia é igualmente uma paródia. Assim, a prosopopeia foi utilizada para tipificar os personagens e compor a paródia, juntamente com o recurso da hipérbole. Portanto, o subgênero ou a técnica de retórica que categoriza a narrativa em estudo é a “sátira”. Pois, no geral, o texto ridiculariza o tema: “criador e criatura”, devido à tipificação dos dois atores, animador e personagem, como modelos paródicos.

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REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques (et. al.). A Estética do Filme. Campinas, SP: Papirus, 1995.

BARTHES, Roland. A Mensagem Fotográfica, in LIMA, Luiz Costa, Teoria da Cultura de Massa. 4. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

PLATÃO, Francisco e FIORIN, José Luiz. Lições de Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática, 1996.

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Tupinismos e regionalismo [27-44]

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Resumo: este texto é uma resenha da obra de Fernando Gerheim - Linguagens Inventadas - palavras, imagens, objetos: formas de contágio. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008 que, por sua vez, propõe uma reflexão sobre as formas de contágio entre a palavra, a imagem e o objeto na arte. O texto do livro desenvolve a ideia de que a comunhão entre consciências humanas encontra, na convergência de linguagens, a forma de eternizar as experiências da memória, potencializando sua força geradora de significados. O autor instiga o leitor a decifrar o enigma humano, o da capacidade humana em semantizar a linguagem ao reinventá-la constantemente.

Palavras-chave: Consciência. Objeto. Linguagem.

Abstract: this text describes the works of Fernando Gerheim – Created Languages, words, images, objects: means for dissemination. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. It is an invitation to reflect upon the scattered dialogue of words, images and objects through art. The book elaborates the idea of a common humane consciousness in the midst of languages - a way to immortalize memory experiences as well as enhancing their meaning strength. The author encourages the reader to decode the human enigma: the ability of dealing with language semantics while constantly reinventing them.

Keywords: Consciousness. Object. Language.

Imagens, significação e memóriaImages, meaning and remembrance

Raquel Andrés Caram GuimarãesProfessora na Universidade Anhanguera-Uniderp e mestranda no

Programa de Mestrado em Estudos de Linguagens da UFMS.

Eluiza Bortolotto GhizziProfessora da graduação em Artes Visuais, da graduação em

Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagens da UFMS.

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GERHEIM, Fernando. Linguagens Inventadas - palavras, imagens, objetos: formas de contágio. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

O livro - Linguagens Inventadas - palavras, imagens, objetos: formas de contágio - propõe uma reflexão sobre as formas de contágio entre a palavra, a imagem e o objeto na arte.

A obra, dividida em doze partes, insere as reflexões do autor sobre a poesia visual na literatura e a visualidade nas artes plásticas, assim como sobre a própria linguagem semantizada e a sobreposição da fronteira entre as diversas modalidades perceptivas, gêneros artísticos, formas de linguagem, produzindo experiências que dão forma ao pensamento.

A reflexão sobre a linguagem, construtora de significação, “pretende oferecer uma forma de pensar a linguagem que aponta para sua potência transformadora em um mundo em que ela parece não ter outro fundamento senão o de fazer imagens” (GERHEIM, 2008, p. 10), tão importante na cultura contemporânea.

Para sua reflexão, Gerheim se utiliza da obra literária de Bioy Casares1, intitulada Invenção de Morel, que narra a história de um homem (Morel) que inventa uma máquina de fazer “reproduções vivas”, captando imagens. O que a máquina de Morel faz é captar, gravar e projetar os seres, que viverão para sempre; ela não capta só a imagem e o som, mas, também, os sentidos do tato, do paladar e do olfato; com os cinco sentidos, dá origem à alma. Ao serem projetadas, as imagens possuem a consciência que as pessoas tinham no momento em que foram gravadas, mas o preço que se paga, para eternizar os momentos, é a vida.

1 ADOLFO, Bioy Casares, argentino, iniciou sua carreira literária com uma série de relatos impregnados de surrealismo. Sua obra de ficção, na qual se destacam - ‘La invención de Morel’ (1940), ‘El sueño de los héroes’ (1954) e ‘Diario de la guerra del cerdo’ (1969), caracteriza-se pela trama elaborada.

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Nesta narrativa, um foragido da Justiça é condenado a viver em uma ilha que tinha um mistério desconhecido, se apaixona pelo que pensa ser uma mulher real e, em toda a história, tenta se comunicar com a amada, até descobrir que ela não passa de uma imagem projetada. Assim, deseja eternizar-se juntamente com ela, para vivenciar um amor impossível.

A obra de Casares (apud GERHEIM, 2008) propõe a mitologia da imagem na era da reprodutibilidade e da disponibilidade técnica, do mito da linguagem em uma visão que engloba signos verbais, visuais e qualquer fenômeno que possa ter a ação de signo e cultura. O mundo inexiste fora do envoltório de tempo de cada indivíduo e, para Morel, a máquina é uma metáfora do Criador, e as imagens vivas, uma metáfora das criaturas. O que dá dimensão mítica à obra é exatamente a convergência do tecnológico com a imortalidade. A ilha onde ela foi abrigada seria, para Casares (apud GERHEIM, 2008), uma metáfora da diversidade de formas de linguagem, de acúmulo de experiências.

A análise de Gerheim se dá em torno da maneira com que a comunicação é efetivada, do fato de a linguagem manter o narrador preso no círculo de sua própria consciência; constituiria, assim, esta impenetrabilidade da consciência do outro, o obstáculo que o protagonista tem que vencer? Entender essa dinâmica é de fato, instigante. Assim,

[...] dizer que o mundo da ilha, do ponto de vista do narrador, é comparável ao modelo hegemônico de produção de imagem em nosso mundo é afirmar que vivemos em uma sociedade habitada por imagens que servem às nossas projeções, que despertam desejos cuja satisfação é adiada, em um sistema de consumo ilimitado. (GERHEIM, 2008, p. 22)

Essas imagens criam uma imagem de comunhão – o que condiz com o conceito da comunicação, o “tornar comum”.

Gerheim analisa a linguagem em formas distintas - uma em dimensão sensível e outra na qual as ideias gerais se sobrepõem criando convergência entre o conceito e a percepção realizada na dimensão estética e apresentada nas formas de linguagem adquiridas na arte brasileira, na poesia concreta e na poética neoconcreta.

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O autor cita obras de vários estudiosos e filósofos da linguagem, entre eles, Guy Debord, em “A sociedade do Espetáculo”2, na qual documenta a vivência humana em um mundo de imagens possuidoras de poder e importância na cultura contemporânea, elevando a capacidade do ser humano de produzir signos.

Gerheim apropria-se de ideias filosóficas abordando a convergência entre conceito e percepção sensível (George Berkeley - “ser é perceber e ser percebido”), formas de linguagem (Merleau-Ponty), pensamento (Wittgenstein), algo que escapa à linguagem e que a põe em movimento contínuo (Derrida), significação englobando palavra, imagem e objeto, na linguagem do cinema (Pasolini), em diálogos com a teoria da montagem (Eisenstein, que desenvolve uma “cinelíngua” na qual a unidade é um conceito-sensível, que ele chama de Imagem).

Gerheim defende que a “relação entre qualquer tecnologia e a sua utilização pelo homem é dialética e cabe à arte quebrar os condicionamentos impostos pela técnica, criando uma experiência estética” (2008, p. 24). O autor analisa que, no nível empírico, esse movimento em relação à representação é como voltar-se para o próprio produto da linguagem no qual o efeito que o signo produz sobre o homem supera o que ele tinha a comunicar.

Gerheim sugere, assim, que toda vertente poética experimental se desenvolve no cruzamento de palavra, imagem e objeto. A poesia concreta, ao emancipar a palavra, uniu seu sentido à imagem, transformando o conceito em um fenômeno perceptível, excluindo de suas preocupações a expressão e a subjetividade individual — o mundo extralinguístico.

Gerheim cita o cineasta Eisenstein, como quem entende que a arte organiza imagens no sentimento e na mente do espectador, a qual não deve receber o resultado pronto, mas absorvê-lo no processo e à medida que ele se verifica - colocando a ênfase para o processo.

2 A Sociedade do Espetáculo foi publicado pela primeira vez em novembro de 1967, em Paris, por Buhet-Chastel.

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Surgem na obra vários questionamentos sobre a saturação do mundo de imagens, no qual a única forma de não ser capturado pela linguagem “é um regime de produção permanente de imagens, que é como um movimento contínuo de morte e renascimento, no qual o homem ‘movimenta-se a si mesmo a cada jogada’ ”, como diz Wittgenstein (apud GERHEIM 2008, p. 69-70).

Como em A sociedade do espetáculo, de Guy Debord, que define o mito como “a construção unitária do pensamento que garante toda a ordem cósmica em torno da organização que essa sociedade já realizou de fato dentro de suas fronteiras” (apud GERHEIM, 2008, p. 70), fica a pergunta: a ordem simbólica garantida pelo mito contemporâneo seria aquela que superpõe a linguagem à realidade, tornando o mundo habitado por imagens como a ilha de Morel do ponto de vista do narrador? E a imagem hegemônica dessa cultura teria na reprodutibilidade, e também na disponibilidade, uma forma de idolatria?

Gerheim, em sua obra, sugere que imagens – convergindo seus conceitos e percepções - constroem simultaneamente a si mesmas e o real, potencializando sua força geradora de significados.

Ao finalizar a obra, o leitor, já envolvido pelas reflexões sugeridas pelo autor, tem a sensação de que, pelas imagens, as manifestações da consciência podem penetrar na consciência do outro, projetando a si mesma e os seus sentimentos ao satisfazer seu desejo de completude. Seria, então, possível vivenciar atos por essa via?

Fica a pergunta que instiga e faz da obra do autor um enigma a ser decifrado, o da capacidade humana em semantizar a linguagem de forma plena e, por que não, eterna.

Projeto Editorial e Normas para Publicação

Projeto editorial

PAPÉIS: Revista do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens tem como objetivo a divulgação de ensaios inéditos, resenhas, entrevistas, elaborados por professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação, voltados para a grande área de Letras, Linguística e Artes, mais especificamente para as linhas de pesquisa do Programa, e que apresentem contribuições relevantes para a ampliação e o aprofundamento do debate teórico, da análise de questões estéticas e culturais.

Os trabalhos que atendam à linha editorial da revista são submetidos ao conselho editorial e encaminhados para análise por dois pareceristas ad hoc.

A partir de 2006, ano de implantação do Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Estudos de Linguagens, a revista Papéis aceita contribuições com a seguinte temática:

As edições de número par se dedicam aos estudos da literatura e as de número ímpar, aos estudos linguísticos e de semiótica.

Para os estudos literários, aceitam-se artigos sobre:

Poéticas modernas e contemporâneas, em abordagens individuais ou inter--relacionadas; comparações entre objetos de linguagens diferentes (artes visuais, artes plásticas, música, por exemplo); poesia ou narrativa.

Literatura e memória cultural, compreendendo o estudo de textos literários em suas relações com outros textos, tratando as questões memorialistas como manifestações de uma dada cultura.

Para os estudos linguísticos e de semiótica, aceitam-se artigos sobre:

Constituição do saber linguístico: estudos relativos às várias dimensões do saber linguístico, tendo a língua como complexo fenômeno de natureza sociocultural e histórica.

Produção de sentido no texto/discurso: estudos sobre os procedimentos de organização textual, as variáveis sócio-históricas ou condições de produção que engendram o sentido do discurso em relação ao contexto.

Normas para publicação

O artigo deve ter extensão máxima, preferencialmente, de quinze laudas e vir acompanhado de resumo, contendo de três a cinco palavras-chave, e de abstract e keywords.

Formatação: papel A4, margens de 3 cm, fonte Times New Roman, corpo 12, parágrafos justificados, primeira linha com recuo de 0,8 cm, espaçamento 1,5 entre linhas.

Estrutura: título alinhado à esquerda na primeira linha, nome do autor alinhado à direita na segunda linha, subtítulos das seções alinhados à esquerda, em negrito e sem recuo de parágrafo.

Citações bibliográficas: o sobrenome aparece apenas com a primeira letra em maiúscula - Ex.: Hernandes (2006, p. 30) - ou com todas as letras maiúsculas - Ex: (HERNANDES, 2006, p. 30).Notas: se necessárias, devem constar do rodapé, com corpo 10 e espaçamento simples.

Referências bibliográficas: apresentadas ao final do texto, de acordo com as normas da ABNT. (Ver exemplos abaixo).

Livro:HERNANDES, Nilton. A mídia e seus truques. São Paulo: Contexto, 2006.

Ensaio em periódico:NOLASCO, Edgar César. A pobreza é feia e promíscua. Revista Cerrados, Brasília, n. 21, p. 47-59, 2006.

Capítulo de livro:SOUZA, Eneida Maria de. Crítica cultural em ritmo latino. In: MARGATO, Izabel & GOMES, Renato Cordeiro (orgs.) Literatura/Política/Cultura. (1994-2004). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 239-252.

Documentos eletrônicos:CAMPOS, Haroldo de. Uma leminskiada barrocodelica. Disponível em: www.planeta.terra.com.br/arte/PopBox/Kamiquase/ensaios.htm. Acesso em 08 mai. 2007.

Os autores deverão encaminhar, separadamente, sua identificação (nome do artigo, nome do autor, instituição de vínculo, cargo, últimas publicações, etc) em texto que não ultrapasse 6 linhas; endereço, telefones para contato e e-mail.

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