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DANÇA DAS OPOSIÇÕES: ANÁLISE DE FOTOS
Isabel Cristina Vieira Coimbra Diniz Doutoranda em Estudos Linguísticos. Linha Linguagem e Tecnologia.
Pós-Lin/FALE/UFMG
A dança é um ato puro de metamorfoses,
O instante gera a forma, e a forma faz ver o instante. Paul Valéry (1996)
INTRODUÇÃO
Como explorar as relações entre linguagem e dança? Uma estratégia é dada pelo título do
livro de Renato Cohen, Performance como Linguagem1, que explicita um gesto razoavelmente
comum no espaço entre os estudos da linguagem e outros campos de investigação. Com bastante
conforto, acomodamos no espaço intelectual a noção de que podemos tomar certas práticas como
linguagem. Ao fazer isso, comumente estamos apontando para um caráter de regularidade na
produção de sentido e eficácia comunicacional, atributos que localizamos na linguagem por meio de
nossa experiência cotidiana e que, por analogia, emprestamos a outras práticas sociais, como a
perfórmance, a moda ou a dança.
Grosso modo, no acontecimento da comunicação entre duas pessoas ou duas partes o que
pode ser observado serão signos verbais e não-verbais, os quais o destinador comunica ao
destinatário exprimindo o objeto cultural por meio de um nome e suas funções, ou seja, o objeto
cultural torna-se um conteúdo e um signo concreto de uso virtual. Para Barthes (1977) existindo
sociedade, toda função se transforma automaticamente em signo daquela função e tal coisa só é
possível porque existe cultura. Por outro lado a cultura existe porque tal coisa é possível.
Nessa abordagem a semiótica francesa inspirada na fenomenologia interessa-se pelo
“parecer do sentido”, que se apreende por meio das formas de linguagem e, mais concretamente,
dos discursos que o manifestam tendo sempre em vista que temos o signo como função que é
resultado do significante (figuras gestuais) mais significado (projeto gestual).
Nossa maior expectativa é abrir possibilidades do estudo da dança como um sistema
semiótico veiculado na cultura livre, uma vez que nos últimos anos fotos, espetáculos e
performances de dança saltaram dos palcos para fitas VHS, depois para os DVDS e hoje são muitas
vezes veiculados na internet e baixados livremente nos computadores revelando um novo tempo e
uma avalanche de informações on-line disponíveis. Essa acessibilidade à cultura da dança se
relaciona ao que a cultura livre objetiva: acessibilizar também os demais meios culturais.
1 COEN, 2002.
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Assim, nessa oportunidade, o objeto deste trabalho é a dança refletida em duas fotografias
específicas. Uma é da “Dança Clássica Indiana Odissi” desenvolvida e praticada principalmente no
Oriente e a outra do “Balé Clássico Romântico”, originalmente desenvolvida e praticada
principalmente no Ocidente. As imagens são da bailarina indiana Sanjukta Panigraghi (1944-1997)
em uma posição clássica tribhangi e a segunda é a imagem da bailarina russa Natalia Makarova
(1940) na obra “Lago dos Cisnes” de Marius Petipa
Foto 1: Sanjukta Panigraghi (BARBA et al, 1995, p.181) Foto 2: Natalia Makarova (BARBA et al, 1995, p.181)
ELEMENTOS PARA ANÁLISE DAS FOTOS
A dança a ser estudada neste trabalho é a dança teatral, compreendida, segundo Dantas
(1997), como uma atividade artística e organizada deliberadamente para estabelecer uma relação
significativa com o público (destinador vs destinatário).
Fundamentada em Barthes (1977), percebemos o signo como portador de expressão e
conteúdo. Enquanto o significante pertence ao plano da expressão, o significado integra o plano do
conteúdo. O significante é o mediador e necessita de matéria: a matéria transporta o signo e, no caso
de signo gestual, a matéria é o movimento.
Nesse sentido, a idéia é aproximar o modelo da semiótica visual/plástica tensiva à dança,
onde se pode ter como signo o gesto corporal como significado, o conteúdo desse gesto e, como
significante, a dança, lembrando que o significado de um gesto é dado por um contexto
coreográfico, pela dança como um todo e pelas suas relações com a cultura e sociedade vigente.
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Além disso, é importante salientar que o uso do movimento e o modo como usamos nosso
corpo físico a partir de técnicas cotidianas é substancialmente diferente de como o usamos em
situação de representação, através de técnicas extracotidianas:2
Ostrower (1987), por sua vez, nos auxilia nesta análise, na compreensão e interpretação das
imagens escolhidas para esse contexto, a partir de sua pesquisa sobre orientações e direções
espaciais de uma composição visual. Nesse sentido:
Os elementos visuais que entram na composição, formando a imagem, receberão qualificações de acordo com sua posição no plano. Terão valores diferentes, tanto em termos de estrutura de espaço, como em termos de expressividade. Se uma forma visual estiver colocada no alto do plano, as várias qualidades formais que porventura já existiam (por exemplo, diagonalidade, sequências rítmicas, cores claras) serão reforçadas no sentido de maior leveza e movimentação. Ao contrário, na área baixa do plano haverá reforço no sentido de maior densidade, maior peso e menor movimento. (OSTROWER, 1987, p.49)
Para Lara e Matte (2009, p. 97) “a semiose depende não da substância da expressão e do
conteúdo, mas das formas: a forma semiótica é, portanto, a união da forma da expressão com a
forma do conteúdo. O conteúdo é imanente, exceto por meio dessa conjunção com a expressão: só
assim o signo é manifestado.”
Os textos em análise são constituídos pela linguagem não verbal/visual, tendo a semiótica
plástica como via de acesso às relações semissimbólicas que se instauraram entre o plano do
conteúdo e o plano da expressão que abordam o nível fundamental do percurso gerativo de sentido.
No entanto considerando o contexto histórico e cultural de cada imagem, apropriamos das
relações semissimbólicas examinando-as também no nível discursivo (subcomponente figuras) do
plano do conteúdo articulando-o ao plano da expressão.
A partir de uma rápida contextualização, as imagens em cena nos apresentam duas bailarinas
que têm a competência (técnica corporal) para realizar a performance de executar um movimento
complexo no qual pode-se identificar uma estratégia de persuasão (mantendo o olhar curioso do
destinatário) por meio de elementos visuais (cores, sinuosidade, equilíbrio, olhar, figurino e
iluminosidade). A fruição entre sujeito (bailarina) e objeto (a dança) liga-se à intencionalidade do
texto que foi produzida firmando uma conexão entre destinador (bailarina) e destinatário (público)
na extensidade temporal de posterioridade através da manipulação de um porvir performático
(equilíbrio vs desequilíbrio)
Nessa perspectiva, é no nível fundamental do percurso gerativo do sentido que as categorias
elementares, mais simples, das fotos são organizados. Pretendemos, aqui observar as categorias de
2 Representação aqui deve ser compreendida no sentido ampliado, numa atitude extracotidiana de transformação do corpo. (BARBA et al,1995, p.10)
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base desse nível, principalmente as identidades e diferenças tendo instrumento o quadrado
semiótico.
PRÉVIA PARA A ANÁLISE
O ponto inicial para a analise deste trabalho é a sinuosidade entre as duas fotos caracterizada
pela formação Tribhangi, mas para isso é interessante compreender o significado do princípio do
que chamamos dança das oposições:
De acordo, com o princípio da oposição, se se deseja ir para a esquerda, começa-se indo para a, direita, então pára-se subitamente e volta-se para a esquerda. Se se deseja agachar, primeiro se levanta na ponta dos pés e então se agacha. (BARBA et al, 1995, p.176)
Barba et al (1995), afirma que na Índia, o princípio de oposição, chamado tribhangi,
significa três arcos, onde o corpo do bailarino assume uma forma que se assemelha à forma da letra
“S”. O resultado dessa posição articulada entre a cabeça, tronco e pernas é de um equilíbrio
precário, de novas resistências e de tensões que criam a arquitetura extracotidiana do corpo.
A linha sinuosa, também, é encontrada na mais remota tradição Ocidental, na qual está
presente na ondulação dinâmica do corpo ao redor do eixo (coluna vertebral), que torna as figuras
mais animadas nas esculturas gregas. Essa linha foi retomada pelos escultores florentinos de século
XIV como uma reação contra a imobilidade das figuras bizantinas e medievais. No entanto, os
artistas renascentistas rejeitaram essa forma, por considerarem que não há somente um tipo de
beleza, mas muitos tipos, pois isso vai depender do gosto estético e da época.
No século XVIII, esse perfil dinâmico inspirou William Hogarth a definir o que ele chamou
de “linha de beleza”, ou seja, uma linha sinuosa inscrita numa pirâmide, onde há uma combinação
de movimento e repouso, equilíbrio e simetria, enfim, uma dança de oposições. (BARBA et
al,1995, p.180)
3
3 A “linha da beleza” ou “variedade” numa gravura feita pelo pintor inglês William Hogarth(1697-1764). (BARBA et al,1995. p. 180)
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A formação tribhangi é identificável tanto na dança e na estatuária da Índia, quanto se
manifesta no trabalho de atores e bailarinos de outras culturas. E, é nesse sentido que esta análise se
aventura na possibilidade de uma leitura dessa linha sinuosa, presente nas técnicas extracotidianas
da dança nas duas culturas distintas, a Oriental e a Ocidental.
Análise da Foto 1
Em Panigraghi, a força de oposições que trabalham em sua postura corporal quer chegar ao
extremo do movimento sinuoso (equilíbrio vs desequilíbrio). Os braços se apresentam em
articulação sinuosa ao lado do corpo ampliando o equilíbrio e imagem corporal. Observamos,
também, a série de ângulos que quebram a forma do eixo do corpo e dos braços (angulosidade vs
curva). A cabeça pende para a esquerda e a perna direita cruza à frente da esquerda (movimento vs
repouso). Os pés estão descalços em apoio plantar no chão e os joelhos em flexão (peso vs leveza).
A ênfase do movimento está nas mãos, pois é nelas que estão os principais significados da fala
gestual. A bailarina tem a competência e realiza performance tradicional da formação tribhangi. O
figurino usado é uma roupa típica indiana. Sua cabeça e seu olhar estão virados para frente
(posterioridade vs anterioridade). A foto está em preto e branco, mas sinaliza uma variedade de
cores (terreno vs etéreo).
Análise da Foto 2
Em Makarova, a dinâmica das forças de oposições produz linhas sinuosas longas e afiladas
(equilíbrio vs desequilíbrio). As oposições são reveladas por meio do esforço físico para uma
manutenção do equilíbrio precário nas pontas dos pés articulado com a posição do queixo colado ao
ombro direito, enquanto o ombro esquerdo se levanta, criando uma oposição assimétrica
(movimento vs repouso). Os braços aqui, se apresentam com angulação nos punhos, alinhados e
cruzados à frente junto ao corpo da bailarina, diminuindo o equilíbrio e alongando a imagem
corporal da mesma (angulosidade vs curva). A ênfase está nos pés em sapatilhas de ponta apoiados
no chão e nos joelhos estendidos no sentido de dar a leveza e aspecto diáfano ao texto cisne (peso vs
leveza). A foto também está em preto e branco, mas sinaliza a predominância da cor branca tanto no
figurino como no cenário (etéreo vs terreno). A bailarina usa figurino tradicional do balé “Logo dos
Cisnes” coreografia Petipa (a narrativa da foto é de uma mulher que se transforma em cisne durante
o dia e na foto é o personagem cisne). Sua cabeça está virada para o lado direito e pende junto com
o olhar para o nível baixo (anterioridade vs posterioridade).
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Quadrado Semiótico 1
Quadrado Semiótico 2
Quadrado Semiótico 3
Comparação entre Foto 1 e Foto 2 – Tensividade (Zilberberg, 2006)
Observando as imagens/objeto desta análise, apropriamo-nos do olhar de Ostrower (1987),
no aspecto do movimento visual no plano fotográfico e de Barba et al (1995), no aspecto de sua
análise da formação tribhangi. Numa análise geral, podemos dizer aqui que a “dança de oposições”
é expressa pelo corpo de inúmeras maneiras como, por exemplo, o esforço do corpo em manter um
equilíbrio extracotidiano e a ideia ou sensação da oposição tonificação (movimento) vs atonização
(repouso).
Ainda na idéia de oposição podemos observar uma linha sinuosa ao longo do eixo do corpo
nas duas imagens (linhas sinuosas vs linhas retilíneas). Na primeira (Sanjukta Panigraghi) em um
tribhangi da Dança Clássica Odissi e a segunda (Natalia Makarova) em equilíbrio precário na
quinta posição estendida (pés e pernas cruzadas em extensão máxima e braços a frente para baixo
junto ao tronco). Nessa aparência externa, dentro do espaço visual enquanto Sanjukta Panigraghi
possui algo terreno e sensual, Natalia Makarova passa a sensação de etérea e impassível.
Relativizando o peso visual no plano, a primeira imagem, com os pés descalços em apoio
Equilíbrio vs Desequilíbrio Não desequilíbrio Não equilíbrio
Leveza vs Peso Não peso Não leve
Movimento vs Repouso Não repouso Não movimento
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plantar pé esquerdo se direciona para baixo (joelhos flexionados em agachamento), para os lados e
com os braços (direito para baixo e esquerdo para cima) afastados do eixo corporal (coluna
vertebral) apresenta maior peso visual que a segunda imagem, que por sua vez projeta o corpo para
cima com os braços entrelaçados para baixo e bem próximo ao eixo corporal (peso vs leveza). Na
segunda foto a área de apoio/contato mínimo com o chão (pontas dos pés em extensão) indica
menor ocupação de espaço e menos peso visual dando a impressão de graça, leveza e quase
levitação etérea (abertura - horizontalidade vs fechamento- verticalidade).
O figurino da primeira foto tem mais volume (corpo-espaço) e mais cor que o da segunda
foto (variedade vs uniformidade) projetando uma idéia de ostentação vs discrição (maior ocupação
de espaço terreno e mais cor). Também é interessante salientar o próprio contexto de cada realidade
cultural que traz toda uma gama de leituras específicas. Enquanto a Dança Clássica Odissi tem
origem ritualística oriental, o Balé Clássico tem origem nas cortes imperiais européias (cultura
oriental vs cultura ocidental)
Outro aspecto a ser considerado é a forma expressivo-dramatúrgica trabalhada por cada
estilo de dança retratada pela imagem. A primeira usualmente trata com simbologias de objetos,
animais, fenômenos da natureza e tantos outros aspectos da vida do homem indiano através dos
gestos sistematizados das mãos que, possuem significados específicos, descritos e codificados em
inúmeros tratados chamados de mudras (sinais). A segunda, o Balé Clássico Romântico, é regulada
por princípios e técnicas corporais sistematizadas que se baseiam em movimentos e passos pré
determinados, onde a ênfase está no gesto e no movimento técnico em virtuose, que vão dos saltos
em grandes amplitudes, ao equilíbrio precário nas pontas dos pés, sempre em busca do irreal, da
fantasia e do sobrenatural (natural vs sobrenatural).
O olhar das personagens também revela o tempo (anterioridade vs posterioridade). Enquanto
Panigraghi olha para frente (posterioridade) Makarova olha para baixo (anterioridade). Interpreto
esse olhar como esperança vs desesperança. Ambos os personagens vivem o presente. A diferença é
que a mulher-cisne lembra que um dia existiu só como mulher (passado), Panigraghi, por sua vez
está a contar histórias que se organizam, desenvolvem e se concretizam no futuro.
Quadro 1
Categorias/figuras Cromáticas Topológicas Eidéticas Contrastes Branco,
Cores não brancas
Figuras centralizadas em equilíbrio Verticalidade das posições
Linhas sinuosas vs
Linhas retilíneas Oposição Gradações de cinza (foto)
Luminosidade Nível alto (pontas dos pés )
vs Nível médio (em agachamento)
Plano frontal
Forma alongada vs
Forma arredondada
Equilíbrio Variedade vs Uniformidade Verticalidade vs Horizontalidade menos equilíbrio vs mais equilíbrio
Angulosidades vs
Linhas curvas
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Quadro 2
PLANO DA EXPRESSÀO PLANO DO CONTEÚDO
Sinuosidade vs Linearidade Terreno vs Etéreo
Angulosidade vs curva Sensualidade vs Impassibilidade
Equilíbrio vs Desequilíbrio Repouso vs Movimento
Variedade vs Uniformidade Ostentação vs Discrição
Alongada vs arredondada Leveza visual vs Peso visual
Dança Clássica Indiana Odissi vs Balé Clássico Romântico. Natural vs sobrenatural
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O problema que está na origem da semiótica tensiva é construir um modelo descritivo dos
fenômenos contínuos diretamente associados ao universo sensível.
As categorias de base como oposições abstratas são investidas tematicamente pela semântica
discursiva. Nas imagens analisadas a sinuosidade e a performance do equilíbrio dos movimentos
aliados à ocupação do espaço planar têm nas categorias cromática, topológicas e eidéticas pistas
para uma sobredeterminação tímica ou fórica dos termos do quadrado semiótico. Pensando no
percurso de ambos os textos imagéticos ousamos dizer que esses são euforizantes uma vez que
realizam a tarefa da execução do equilíbrio cada um à sua maneira culturalmente construída.
Os gestos codificados pelo corpo têm um peso histórico e cultural que talvez possam se
configurar como uma ancoragem, que influem tanto na criação quanto na interpretação das
imagens. O enfrentar as interpretações é o que se torna um grande desafio diante de uma conjectura
de um número variado de possíveis leituras, ruídos e de elementos persuasivos.
O corpus imagético desta análise é também um recorte histórico da dança Considerando que
nas imagens da dança aqui apresentadas, nas duas culturas diversas, podemos observar um ponto
em comum: a formação tribhangi, que à maneira de cada cultura e tradição propaga e seculariza
seus sentidos e significados.
Um corpo ao dançar desenha no tempo e no espaço com seus gestos. As leituras dessa
linguagem são orquestradas pelas dimensões do sensível (intensidade) e do inteligível (extensidade)
em deslocamento, pelas impulsões do movimento gerando formas e (re)formas em constantes
transformações, tornando a dança uma realidade visível e dinâmica mesmo em fotografias.
A exemplo dos pintores que usam as cores e as linhas para dar forma no plano pictórico, e
dos poetas que se utilizam de palavras para construir seus poemas, o bailarino e o coreógrafo
utilizam-se dos gestos corporais para dar “corpo” à dança.
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O movimento em dança não é somente a demonstração de gestos corporais e a perfeição de seus desenhos, mas também uma forma de retenção é um traço que atravessa e sustenta a unidade do gesto. O movimento não é só impulso corporal liberado. Ele é, também, a demonstração corporal de uma desobediência a um impulso: o corpo que, para poder dançar, também deve resistir ao impulso do movimento, gerando uma força de retenção. (DANTAS, 1997, p. 52)
Portanto, o mesmo corpo que se deixa envolver pelo movimento dançante, da mesma forma
se envolve em um jogo, onde o traço do seu gesto ou da ausência de gesto gera outro gesto, que por
sua vez gera outro gesto, criando-o e (re) criando-o em um contínuo, deixando marcas/impressões
nos corpos-sujeitos daqueles que dançam (destinadores) e daqueles que desfrutam da dança
(destinatários), como convivas da mesma sensação estética, seja ao som de acordes musicais ou no
sabor do silêncio.
Neste contexto, imaginando os vários significados que os gestos em dança podem ter,
Makarova e Panigraghi nos permitiram ler mais do que sentidos estéticos da forma tribhangi. Eles
também nos permitiram formas de conectar estados de coisa e estados de alma e transformar o
deslumbramento provocado como destinadoras as inúmeras possibilidades poéticas de suas falas
gestuais.
Nossa certeza é de que ainda há muitas “coisas” a se descobrir.
REFERÊNCIAS BARBA, Eugenio & SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator. São Paulo: Hucitec UNICAMP, 1995. BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 1977. COEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2002. DANTAS, Mônica Fagundes. Dança e linguagem: a construção de sentidos coreográficos. Revista Perfil. ESEF/UFRGS, ano 1, n 1, 1997. P.52-66.
LARA, Glaucia Muniz Proença; MATTE, Ana Cristina Fricke. Ensaios de semiótica: aprendendo com o texto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro: Campus, 1995.
VALÉRY, Paul. A alma e a dança. Rio de Janeiro: Imago, 1996
ZILBERBERG, Claude. Síntese da gramática tensiva. In: Significação - Revista brasileira de semiótica. 2006. junho/25 pag. 165-203
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