Daniel Ironside

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o Profeta Daniel o Profeta Daniel o Profeta Daniel o Profeta Daniel

1ª edição em português: dezembro 20031ª edição em português: dezembro 20031ª edição em português: dezembro 20031ª edição em português: dezembro 2003

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ÍndiceÍndiceÍndiceÍndice

Prefácio 3 Prefácio à Segunda Edição em Inglês 4 Introdução 5 Lição 1 — Capítulo 1 — A Condição moral necessária para conhecer e entender a mente de Deus 7 Lição 2 — Capítulo 2 — Os tempos dos gentios – a grande estátua 14 Lição 3 — Capítulo 3 — A abominação desoladora – uma figura 22 Lição 4 — Capítulo 4 — A humilhação de Nabucodonosor – a subjugação dos gentios simnbolizado 28 Lição 5 — Capítulo 5 — A ímpia festa de Belsazar e a derrota de Babel – os sistemas do mundo em figura 35 Lição 6 — Capítulo 6 — A preservação do remanescente – em figura 44 Lição 7 — Capítulo 7 — Os quatro grandes impérios mundiais e O chifre pequeno do oeste 51 Lição 8 — Capítulo 8 — O chifre pequeno – a Grécia 59 Lição 9 — Capítulo 9 — As setenta semanas 67 Lição 10 — Capítulo 10 — Atividade angelical 74 Lição 11 — Capítulo 11:1–35 — As guerras dos ptolemaicos e selêucidas 82 Lição 12 — Capítulo 11:36–45 — O anticristo 90 Lição 13 — Capítulo 12 — O Tempo do Fim 98 Apêndice — Perguntas e objeções respondidas 106

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PrefácioPrefácioPrefácioPrefácio

A conteúdo substancial do assunto exposto nas próximas páginas foi originalmente dado em forma de preleções. Ocasião em que foram feitas anotações estenográficas, agora disponíveis de forma revisada e consideravelmente alteradas pelo próprio escritor.

Muita matéria tem sido eliminada a fim de reduzir o volume, que poderia ter ficado demasiado grande e assim cansativo para muitos dos leitores. Se espera que foi mantido o suficiente para dar um esboço claro e sucinto do ensino do livro de Daniel. Os estudos foram consideravelmente simplificados pelo fato de às vezes reportar o leitor ao mapa que acompanha este livro.

Não entramos em questões críticas como autenticidade e proveniência. Entretanto, o escritor tem minuciosamente examinado praticamente tudo aquilo que tem sido incitado contra receber esta porção das Sagradas Escrituras como sendo de fato parte integral da inspirada Palavra de Deus. Se algum dos leitores tiver dúvidas ou dificuldades referente a essas linhas, então o encaminhamos às exposições eruditas e hábeis de W. Kelly, Sir Robert Anderson e Dr. Pusey.

Orando que agrade a Deus usar este pequeno livro para encorajar e levantar o Seu próprio povo a maior devoção a Ele mesmo, a um desejo mais ardente da vinda do nosso Senhor Jesus Cristo e a nossa união com Ele, e para acordar qualquer um que ainda esteja em seus pecados, assim estes estudos são entregues a Ele, o único que pode aplicá-los à coração e consciência.

H. A. Ironside

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Prefácio à segunda edição em inglêsPrefácio à segunda edição em inglêsPrefácio à segunda edição em inglêsPrefácio à segunda edição em inglês

Que se fez necessário uma segunda edição desse pequeno livro é razão para agradecimento não fingido a Deus, Quem, confio, tem se agradado de usá-lo em certa medida para revivificar o Seu amado povo, e para instigar um interesse mais profundo no estudo da palavra profética.

Desde que estes estudos têm sido impressos pela primeira vez, grandes e excitantes eventos têm se realizado. Já se pode ver a caligrafia na parede, que fala do colapso total da civilização pela qual o homem se vangloria — civilização esta que se distanciou de Deus. A caligrafia fala também daqueles poderes blasfemos que hão de se levantar preditos em Daniel e Apocalipse.

Ao revisar este livro, pouquíssimas mudanças têm sido feito, e essas apenas em prol de eufonia ou maior clareza. Que seja agradável ao Senhor continuar a usá-lo para a Sua glória e a bênção de almas.

H. A. Ironside

Oakland, Califórnia em janeiro de 1920

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução Chave do mapa

O mapa que acompanha este volume é uma reprodução de um maior usado com o propósito de auxiliar obter uma clara compreensão do livro de Daniel por ocasião das preleções públicas dos assuntos tratados em seguida.

Um pequeno estudo cuidadoso do diagrama fará, assim se espera, óbvio muitas coisas que de outra forma poderiam ficar obscuro para alguns que deram pouca atenção ao ensino profético.

O primeiro capítulo de Daniel, como assinalado, é introdutório e em si não porta caráter profético, mas ilustra, para a nossa instrução, a condição moral apropriada para ser iluminado referente aos caminhos e desígnios divinos, dando ênfase à necessidade de santidade como pré-requisito para crescimento na verdade.

Os capítulos dois a nove são fechados em si e dão ou instrução profético referente acontecimentos atuais daqueles dias ou contêm ensinos tipificados de igual caráter. Tudo, como será observado sem dificuldade, culmina no “Tempo do Fim”.

O que deve se entender sob essa última expressão se tornará claro se notarmos que um período intercalado no plano divino é indicado pelo espaço largo entre as duas linhas negritas que cruzam o mapa perto do centro. Tudo que é anotado ou apresentado acima da linha negrita superior, representa profecia já cumprida, ou seja história já concluída. Há de se notar que a própria linha (veja a coluna intitulada “Capítulo 9”) coincide com a cruz de Cristo. Por baixo da segunda linha temos o “Tempo do Fim”. Essa segunda linha representa o término da presente “época da Igreja” com o arrebatamento dos santos, ou seja a vinda do Senhor nos ares. Entre ambas, temos toda a época do evangelho ou a dispensação da graça de Deus, na qual Lhe agrada fazer conhecido para a obediência da fé à revelação do mistério de Cristo e da Igreja que “desde os séculos esteve oculto em Deus” até o momento da rejeição e ascensão do Seu amado Filho seguido pela descida do Espírito Santo para batizar os salvos dentre judeus e gentios em um corpo. Assim é assegurado, no século vindouro e por toda a eternidade, para a glória do Senhor Jesus Cristo, um povo celestial que participará do Seu trono como a noiva do Seu coração.

Agora, tudo isso estava ainda oculto nos dias de Daniel. Se dobrássemos o mapa de tal maneira que as duas linhas horizontais e negritas estariam emendadas assim como era o mistério nos tempos do Antigo Testamento. Cobrindo esse período, então temos um esboço daquilo que fora revelado a Daniel. A grande imagem, então, é visto na sua continuidade e a condição da besta no capítulo 7, tendo dez chifres, segue imediatamente a sua primeira aparição.

Os capítulos 10 a 12 formam uma única profecia. A divisão em passado e futuro ocorre entre os versículos 35 e 36 do capítulo 11.

Daniel diz pouca coisa sobre o reino, pois o seu assunto particular é “os tempos dos gentios”; mas os capítulos 2 e 7 como também 12 nos levam até o reino, embora mencionando poucos detalhes a seu respeito.

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Se o leitor referir-se de tempo em tempo a este mapa no decorrer da leitura dos estudos, esperamos que toda a obscuridade seja removida.

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ESTUDOS SOBRE O PROFESTUDOS SOBRE O PROFESTUDOS SOBRE O PROFESTUDOS SOBRE O PROFETA DANIELETA DANIELETA DANIELETA DANIEL

Lição 1

CAPÍTULO 1

A CONDIÇÃO MORAL NECESSÁRIA PARA CONHECER E ENTENDER A MENTE DE DEUS

Para iniciar uma série de discursos sobre este livro, gostaria que notassem o título do mapa — “Esboço do livro de Daniel, o profeta”. Chamo a sua atenção especial para o nome dado a Daniel, porque lhe foi dado, não por homens, mas sim por nosso Senhor Jesus pessoalmente em Mateus 24, versículo 15 e também em Marcos 13, versículo 141. Ali O encontramos advertindo os discípulos com respeito à “abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel”. Dou ênfase nisso, porque é muito comum para alguns em nossos dias negar que jamais havia um profeta Daniel. Se estivermos só moderadamente familiarizados com as teorias de “críticos” destrutivos, sabemos que o livro de Daniel era uma das primeiras porções das Escrituras a ser contestada. Declararam que era de todo impossível dar crédito à idéia de que Daniel tivesse vivido nos dias de Nabucodonosor, Dário e Ciro, e ainda assim houvesse escrito um livro que relatava algo a respeito de todos esses impérios mundiais antes de qualquer um deles, com exceção dos primeiros dois, viria a existir. Daniel — assim esses mestres eruditos nos dizem — era um simples autor de romances, que vivia mais do que 200 anos depois e escrevera as suas profecias quando já se tornaram história.

Como um simples crente, que deve tudo com respeito à eternidade àquilo que o bendito Cristo de Deus efetuou na cruz do Calvário, prefiro aceitar o Seu testemunho, embora tivesse em oposição a todos os homens sábios do tempo atual. Ele declarou que Daniel era um profeta. Ele não falou de Daniel, o histórico, nem de Daniel, o autor de romances, nem de Daniel, o autor de novelas, mas de Daniel, o profeta — de Daniel, o homem que foi iluminado pelo Espírito de Deus e por isso pôde falar das coisas ainda não existentes como se já o estivessem. É esse um ponto em qual insistirá em todos esses estudos. Estou de pé pela inspiração completa de toda a reputada Palavra de Deus e assim, necessariamente, do livro de Daniel.

O primeiro capítulo, como indicado no mapa, é de caráter introdutório. Mostra a condição moral apropriada para a iluminação nos caminhos e desígnios de Deus. Lemos nesse capítulo de um pequeno grupo de homens fiéis que mantinham um estado de separação do mal voltados para Deus numa época em que tudo aparentava estar contra eles. Parecia que não havia ninguém a quem se poderiam dirigir por ajuda.

Esse pequeno grupo, Daniel, Hananias, Misael e Azarias, quatro jovens devotos, se opuseram a todo o mal do reino da Babilônia. Disseram: “Não nos contaminamos nós mesmos” — e foram esses os homens a quem Deus podia comunicar os seus pensamentos. Acredito ser importante permanecermos um pouco nisso, porque, em nossa época, infelizmente, em muitos casos, pessoas não

1 Algumas traduções omitem essa expressão em Marcos, embora o mantenham em Mateus. — N.d.A.

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espirituais têm se dedicado a estudos proféticos. Se quisermos receber a mente de Deus estudando esse livro, havemos de lembrar que ele consiste em revelações, livramentos e visões dadas a um homem de mente espiritual, que estava separado da iniqüidade da sua época; e se queremos entendê-lo, também precisamos de uma mente espiritual e andar em separação de tudo aquilo que não é santo, de tudo aquilo que nos impede fazermos progresso nas coisas divinas. Precisamos sempre pôr diante de nós as palavras: Olhai por vós mesmos para que não percamos o que temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão” (2 Jo 8).

A verdade de Deus se apreende pela consciência; é essa a razão pela qual os homens mais brilhantes possam ler a Bíblia inteira vez após vez e jamais ouçam a voz de Deus falando nela. Foi dito: “Aquilo que é o alimento de um é veneno para um outro”. A própria Palavra de Deus se torna em veneno para um homem não espiritual, se a ler sem estar em sujeição a Deus — a lê para encontrar nela dificuldades. Levanta da sua leitura atenta ainda mais confirmado na sua incredulidade do que antes de ter sentado para considerá-la. Por outro lado, o mesmo livro colocado na mão de uma pessoa com uma mente espiritual — alguém que se dobrara na presença de Deus, que confiou no Senhor Jesus Cristo na condição de seu Salvador e que agora está buscando viver para Deus e deixar toda a sua vida estar sujeita à Sua Palavra — essa pessoa se assenta com o mesmo livro e nele encontra alimento para a sua alma, edificando-se a si mesmo sobre a sua santíssima fé.

Se você almeja iluminação nas coisas divinas, atenta para andar no poder de um espírito não angustiado, pois “o segredo do SENHOR é com aqueles que o temem” (Sl25:14).

Nos versículos 1 e 2 achamos cumprida a palavra que Deus havia previamente declarada por Isaías, Jeremias e outros dos profetas. Por alguns anos o Senhor havia enviado profetas aos reis de Judá que estavam no caminho da apostasia, advertindo-os que o dia da Sua paciência estava se esgotando e que, embora Israel fosse o Seu povo escolhido, Ele os entregaria ao poder dos seus inimigos por causa do pecado deles, e a terra da Palestina havia de ser desolada. É um fato singular que Deus liga isso com a sua falta no guardar do ano sabático. Ele lhes dissera que, ao entrar na terra, cada sétimo ano deveria ser dEle. Durante 490 anos não haviam guardado nenhum ano sabático. Sem dúvida pensavam que fosse melhor lavrar a terra anualmente, e que ficassem mais ricos como resultado de ter seguido o seu próprio caminho. Deus lhes dissera que, se Lhe dessem cada sétimo ano, teriam abundância no sexto ano de tal forma que lhes sobejasse até a colheita do oitavo ano; mas, evidentemente, não acreditaram nEle, e julgaram melhorar a si mesmos pelos próprios esforços. Assim, por avareza — pecado esse que corrói como um câncer entre muitos dentre o povo professo de Deus ainda hoje em dia — a palavra do Senhor havia sido ignorada e o Seu mandamento infringido. Durante 490 anos Ele parecia ser indiferente à infração em conseqüência de sua desobediência. Ele parecia fechar os olhos ao pecado deles. Mas Ele havia tomado nota de tudo isso; e quando eles, talvez, pensavam que a Sua Lei tivesse se tornado em letra morta, Ele enviou Jeremias para dizer-lhes que agora haviam de descer a Babilônia na condição de cativos por setenta anos, enquanto a terra guardava o sábado! Eles haviam passado um conto do vigário para com Deus — pensavam; mas Ele quitou a conta entregando-os no poder de Nabucodonosor, rei dos caldeus, que os levava para longe à terra de Sinar; e ali

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permaneceram até que os setenta anos expiravam, enquanto os sábados perdidos foram recuperados.

É algo muito comum para com os homens de esquecer-se dos direitos de Deus e supor que Ele jamais os reivindicaria. Até conheceu-se santos que falharam a esse respeito. Mas ninguém jamais prosperara que ignorava a autoridade do Senhor no passado; e agora ninguém pode prosperar que esquece da obediência que convém a nós como filhos de um Pai e também como redimidos para com Aquele que não é Salvador somente, mas Senhor. No mundo, e até na igreja, hoje em dia, ouvimos muito dos direitos do povo; mas há Alguém, cujos direitos não ouvimos ser enfatizados tantas vezes quantas deveriam — os direitos do nosso Senhor Jesus Cristo. As pessoas desse mundo são indiferentes a Seus direitos, e os santos são facilmente capazes a adotar o espírito da época; mas o dia se aproxima rapidamente quando Deus quitará as contas. As pessoas, atualmente, possam não estar preocupados com aquilo que Lhe é devido; mas o dia virá quando Ele os acordará do seu aparente sono, como Ele nos diz no Salmo 50. O seu orgulho, os seus joelhos arrogantes hão de se dobrar e as suas línguas hão de confessar que Jesus Cristo é Senhor de todos para a glória de Deus Pai então, quando o Salvador outra rejeitado manifestará a Sua autoridade e poder. Judá ignorara os direitos de Deus, e o resultado era que foram enviados para a Babilônia, como o encontramos nesses versículos de abertura a esse capítulo.

Mas havia uma segunda e ainda maior razão pela qual Deus optou por entregar a Sua herança no poder dos caldeus. Há séculos a idolatria estava ganhando terreno entre eles. Desviaram-se dEle, do Deus vivo e verdadeiro, para servir aos deuses falsos dos pagãos. Babilônia, por sua vez, era a pátria da idolatria; assim os judeus foram enviados para lá, para que aprendessem repugnar os ídolos que amaram. E achamos essa lição ter sido bem gravada neles. Desde do cativeiro da nação judaica, seja quais têm sido os seus outros pecados, sempre estiveram livres desse grande mal. Infelizmente são como aquela casa limpa, varrida e adornada, da qual o espírito maligno da idolatria fora expulso; rejeitaram o Messias quando veio em graça humilde; e assim, num futuro não muito distante, uma multidão de espíritos malignos entrará na casa vazia, e os judeus — com exceção de um remanescente preservado e libertado — aceitarão e adorarão o “homem do pecado”. Logo ouviremos mais disso.

Os quatros jovens já mencionados estavam distinguidos dentre o restante dos seus irmãos cativos de uma maneira especial. Foram presos por ordem do rei, para que fossem treinados na administração de negócios do estado e assim preparados para posições de responsabilidade e confiança. O nome de cada um deles contém alguma forma hebraica do nome de Deus, e indica a piedade dos seus antecedentes; pois, na Escritura, os nomes têm significados que muitas vezes ajudam grandemente para esclarecer os pensamentos do Espírito Santo referente a um determinado assunto.

Todos esses jovens eram devotados ao SENHOR, como os seus nomes implicam. Mas isso não era conveniente para o chefe dos eunucos, a cujos cuidados haviam sido entregues. Assim lhes deu nomes novos que indicavam a sua sujeição aos caldeus, chamando Daniel de Beltessazar; e os outros, Sadraque, Mesaque e Abednego, são nomes contêm os títulos de divindades pagãs; como se ele os forçasse assim de se entregarem como sujeitos a ídolos sem significância. Mas esses homens assim classificados (classificados como servidores de deuses

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pagãos), ficavam firmemente de pé em defesa do Deus de Israel e rejeitaram desonrá-Lo por submissão a uma ordem que os apresentaria como imundos diante dEle.

A prova veio. Tinham que comer das iguarias do rei; e todas aquelas iguarias, aquela carne, foram sagradas a ídolos, fazendo-as horrorosas e contaminadores para um judeu piedoso. Como, porém, o rei havia dado as suas ordens, poderia se pensar que esses hebreus não tinham escolha nesse negócio. Muitos, pelo menos, argumentariam dessa forma e diriam que não teriam responsabilidade individual num caso desses. A autoridade de Nabucodonosor provinha de Deus. Apenas deviam obedecer, assim poderiam raciocinar, sendo o próprio SENHOR os entregara a esse poder. Porém nem Daniel nem os seus jovens companheiros encaravam o assunto dessa forma. Eles olharam para a ordem do rei como sendo uma prova da fé deles. Será que guardariam a si mesmos da imundícia nessa terra do idólatra? Será que estariam minuciosamente fiéis como o fariam na sua própria terra, dando a devida honra à Sua Palavra e buscando glorificá-Lo por sujeição a ela, embora estivessem cativos no país do opressor?

Passaram no teste de uma maneira muito notável, como também os apóstolos num dia ainda futuro naquela época, que disseram: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5:29). Daniel pediu ao chefe dos eunucos que lhes dessem legumes a comer. Temendo o impacto disso na condição física deles, ele fez objeções temendo de incorrer na ira do rei. Mas os devotos jovens pediram que lhes fosse concedida, pelo menos, uma oportunidade para pôr à prova se não prosperassem tão bem comendo legumes quanto o restante dos companheiros comendo as iguarias do rei. Melzar2 consentiu e o teste provou, ao findar de dez dias, que Daniel e seus três amigos estavam mais gordos e de semblantes melhores do que aqueles que haviam se alimentado da dieta regular. Em acordo com o resultado, foi lhes dado a permissão de continuar com a mesma alimentação. Assim foram capazes de manter uma posição de separação das imundícias — mesmo na própria casa da idolatria.

Tudo isso, pois, para muitos dos judeus, pode ter aparecido como uma coisa bem trivial; e alguns daqueles que lêem esse relato em nossos dias também talvez o considerem mera minúcia da parte de Daniel, Hananias, Misael e Azarias. Mas realça um princípio de grande força e beleza que deveria causar simpatia em cada coração e consciência cristãos. Note bem, o único caminho de andar adiante com Deus é por meio de ser fiel nas coisas pequenas. Aquele que honra o Senhor por fidelidade à Sua Palavra naquilo que alguns chamariam de pormenores, estará igualmente preocupado com coisas maiores. Ouvi cristãos se referirem a certos detalhes nas Escrituras como não essenciais ou dispensáveis. Mas podemos estar bem certos que não há nada de não essencial em nossas Bíblias. “As palavras do SENHOR são palavras puras, como prata refinada em forno de barro, e purificada sete vezes” (Sl 12:6). Se as pessoas falam sobre coisas não essenciais se referindo a algo, a cujo respeito Deus revelou os Seus pensamentos, então é bom perguntarmos: “Essencial ou não essencial a quê?” Se for uma questão da salvação da alma, sem dúvida aquilo que é essencial sobre tudo é a fé no Seu bendito Filho, Cuja obra cumprida é a única coisa eficaz de remover pecado e conceder paz com

2 Melzar: Provavelmente uma palavra de origem pérsia que significa “mestre do vinho”, portanto o título de certo oficial na côrte da Pérsia. — N.d.T.

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Deus. Mas se for uma questão de que é essencial para o gozo da comunhão com Deus — essencial para obter a aprovação do Senhor no tribunal de Cristo — então fazemos bem em lembrarmos que o crente em tudo é santificado para a obediência de Cristo. E é nisto que deveríamos procurar imitar a Daniel que “propôs no seu coração” não se contaminar a si mesmo. Paulo e Barnabé exortaram os cristãos dos primeiros dias “a que permanecessem no Senhor, com propósito de coração” (At 11:23). É essa a única maneira de sermos guardados de contaminação. Tudo que contamina a consciência interrompe o elo de comunhão com Deus e se torna em um obstáculo para o nosso avanço em coisas espirituais. Não pode haver progresso se não houver o cuidado de preservar inviolado esse monitor interior. “Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na3 fé” (1 Tm 1:19) — é essa uma palavra solene digna de ser ponderada cuidadosamente.

Foi por causa do seu cuidado para manter uma boa consciência que a esses jovens hebreus foi dado mais iluminação espiritual do que a todos os homens da sua época. Tinham um entendimento dos mistérios divinos em que outros falharam entrar, porque permanece verdadeiro durante todas as dispensações que as coisas espirituais devem ser discernidas espiritualmente. Deus geralmente não comunica os Seus segredos a homens descuidosos, mas àqueles que são devotos aos Seus interesses. Ele poderá, na Sua soberania, usar até um Balaão ou um Caifás para expressar verdades divinas, mas casos como esses são extraordinários. A regra é que “o segredo do SENHOR é com aqueles que o temem” (Sl 25:14).

É de suma importância termos esse princípio em mente nesses dias laodiceianos. Estamos vivendo em dias onde tudo que outrora fora julgado ser importante é visto como algo de indiferença; dias em que verdades, por cuja causa milhares de mártires derramaram o seu sangue, são consideradas como mal dignas de batalhar-se por elas — dias em que os direitos de Deus como expostos na Sua fiel Palavra são postos abertamente de lado até mesmo por aqueles que se chamam segundo o nome do Senhor, e que professam dever tudo à cruz na qual o Senhor Jesus morreu. Latitudinarianismo é a ordem prevalecente, e poucos perguntam, com a intenção de obedecer: “O que diz a Escritura?” É de maravilhar que um exército de doutrinas falas está entrando como uma enchente de águas e que milhares estão sendo levados por todos os lados para longe dos seus ancoradouros? Se uma boa consciência — isto é uma consciência controlada em todas as coisas pela Palavra de Deus — uma vez for posto de lado, então naufrágio é quase certo ser aquilo que se segue. Não é uma questão de naufrágio na fé em Cristo; mas, pondo de lado uma boa consciência, as pessoas sofrem naufrágio em aaaa fé; e o termo “a fé” significa “a fé dos eleitos de Deus”, a verdade por Ele revelada, referente a qual Paulo escreveu: “Guardando o mistério da fé numa consciência pura” (1 Tm 3:9). É a mesma fé, da qual Judas escreve, exortando os crentes a “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd 3).

Assim podemos considerá-lo como uma máxima comprovada pela experiência e sustentada pela Escritura, que o único caminho para avançarmos na verdade é por mantermos uma boa consciência. Permita que haja só uma única coisa na sua vida sabidamente contrária à Palavra de Deus ou que tema não estar

3 O artigo definitivo não será encontrado em algumas traduções, mas sim em qualquer edição crítica realmente boa. — N.d.A.

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de acordo com a vontade de Deus para você, logo experimentará que os seus olhos espirituais serão cegados, as suscetibilidades espirituais serão mortas e não haverá progresso real na sua alma, mas antes declínio constante. Quando, porém, houver fidelidade em separação daquilo que é oposto à mente de Deus, quando é permitido que a Sua Palavra julgue todos os seus caminhos, então aprenderá que “a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4:18). A Palavra iluminará cada passo diante de você, se tomar aquele passo já indicado.

Está escrito com respeito a esses quatro jovens que “Deus lhes deu o conhecimento e a inteligência em todas as letras, e sabedoria; mas a Daniel deu entendimento em toda a visão e sonhos” (Dn 1:17). Nisso nos faz lembrar muito de José, que também entrava nos segredos do Senhor e que, primeiramente, se caracterizava por fidelidade para com Deus; o sorriso de Deus, a aprovação de Deus para ele significava mais do que o sorriso ou a amizade e aprovação de qualquer ser humano. E tal como era com Daniel, que “achou graça e misericórdia diante do chefe dos eunucos”, assim José, revelando a piedade da sua vida e a transparência da sua natureza, também achou graça diante do carcereiro-mor. E para coroar tudo isso, vemos Deus abrindo o seu entendimento e dando-lhe sabedoria para a interpretação de sonhos e visões, como aqui o fez com Daniel.

Que lição para nós — pureza de coração e fidelidade para com Deus antecedem a iluminação nos mistérios divinos! Caso tentar inverter essas coisas, não precisa estar surpreso, se cair em toda a qualidade de erros. Se tentar colocar conhecimento ante pureza de coração, se tentar pôr a compreensão das Escrituras na frente de viver conscientemente na presença de Deus, então está quase certo de que você poderá esperar uma queda horrível. Está justamente nisso que grandes números de pessoas têm falhado, que podem ser uma alerta para nós.

O primeiro capítulo de Daniel, dessa forma, se apresenta a nós como uma recordação séria da necessidade de santidade no limiar desse livro de figuras e profecias. Nos faz lembrar que, se queremos ir em frente e aprender tudo aquilo que Deus nos revelou nos capítulos seguintes, precisamos primeiramente ficar parados e perguntar-nos a nós mesmos: “Estou eu, pessoalmente, em ordem com Deus? Procuro viver de tal maneira que O honre em todos os meus caminhos?” É a solenidade disso que gostaria de imprimir em minha própria alma e em cada leitor ao terminar essa lição. Oh, que tanto salvos quanto perdidos possam considerar bem isso!

Se estiver fora de Cristo, com toda a afeição gostaria de relembrá-lo do perigo em que se encontra. Mais tarde falaremos dos pesares e sofrimentos, cujas dores fortes esse pobre mundo logo experimentará. Será que é aqui que você tem todas as suas coisas? Está edificando a sua esperança de alegria numa cena assoladora! Muitas coisas dadas nesse livro de Daniel como profecia, já se tornaram em história; muitas outras porções logo se cumprirão. Querido leitor ainda não salvo, se continuar em seus pecados até “o Tempo do Fim” — sem Deus e sem esperança — os seus sofrimentos, sua angústia, suas amarguras e seus pesares serão maiores do que qualquer língua pode contar. Pense o que significará para os que rejeitam o evangelho de vagar nessa cena depois que o Espírito Santo terá sido retirado — quando a cristandade terá apostado por completo — quando a Palavra de Deus não será pregada mais — quando os santos de Deus terão sido chamados para a pátria celestial — quando o poder do anticristo será supremo e

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haverá fome, não por pão e água, mas sim pelo ouvir das palavras do Senhor! Tudo isso está diretamente diante de você num futuro próximo. Logo talvez entrará nisso, se não pores a sua causa com Deus em ordem. Você pode suportar de gracejar ainda mais com eventos tão eminentes e de desenvolvimento rápido?

E se o Senhor não vier em seus dias, e os Seus juízos sobre este mundo culpado, em graça, ainda serão adiados um pouco, assim mesmo considere que logo haverá de passar dessa vida para aparecer diante o Seu justo trono e o relatório mal referente a você. Então será para todo o sempre tarde demais para encontrar um Salvador. Refugie-se agora, lhe imploro, nEle que pede ao pecador, ao cansado, sedento e perdido vir para achar purificação, descanso, refrigério e salvação nEle mesmo, nEle que “uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” — quem logo “aparecerá segunda vez”, à parte da questão do pecado, para a salvação final de todos os Seus!

Tendo em vista tudo isso, podemos nós, os redimidos por Seu próprio sangue precioso, lembrar-nos sempre da palavra: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional (ou inteligente)” (Rm 12:1). Assim estaremos, tal como Daniel e seus amigos, separados dos caminhos contagiosos do mundo.

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Lição 2

CAPÍTULO 2

OS TEMPOS DOS GENTIOS — A GRANDE ESTÁTUA

Este segundo capítulo com razão tem sido intitulado o “á-bê-cê da profecia”. Suponho que contenha o quadro profético mais completo e ao mesmo tempo mais simples que temos em toda a Palavra de Deus. Há de notar que foi dado em forma de sonho a um monarca pagão. Nabucodonosor, em sua época, era o soberano da maior parte do até então conhecido mundo civilizado, e também de uma boa parte daquilo que foi entregue ao barbarismo. Fazemos referência a isso como a um império mundial, muito embora, claro, no próprio sentido da palavra mal o fosse: havia tribos e nações fora do alcance de seu domínio não sujeitas a Nabucodonosor — aquelas situadas na costa norte do Mar Mediterrâneo, por exemplo, e porções do Egito austral e regiões além dessas. Mas Deus lhe concedeu o título para reinar sobre todas as nações. Essa autoridade fora dada a Nabucodonosor por causa da rejeição de Israel como o reino de Deus sobre a terra. Se tivessem permanecido fiéis a Deus, tivessem sempre sidos obedientes a Ele, os poderes reais jamais teriam se apartado de Judá; mas por causa da sua desobediência e os seus multiformes pecados, Deus deu a glória deles a um estrangeiro, e o domínio passou para os gentios na pessoa de Nabucodonosor. Esse era, de fato, o início daquele período distinto designado pelo Senhor Jesus em Lucas 21:24 como “os tempos dos gentios”, que continuarão até que todo o poder derivado será derrotado. Então as palavras do poeta se tornarão verdade:

“Jesus, sim Ele reinará onde quer que o sol

a sua viagem contínua fará. O Seu reino, estendido de mar a mar,

o seu estandarte mostrará, até não haverá mais lua crescente nem minguante.”

No livro de Jeremias, bem como em Reis e Crônicas, lemos de

Nabucodonosor vindo contra a terra da Palestina durante o reino do rei Jeoiaquim. Naqueles dias — ao menos por ocasião da sua primeira invasão — não era ele o imperador, mas o seu pai estava assentado no trono do domínio babilônico, e Nabucodonosor era vive-rei. No momento, porém, em que o nosso capítulo começa, já reinara sozinho há dois anos. A glória de Deus se apartara de Jerusalém, e o povo de Judá se tornara cativo na terra de Sinar: “Junto dos rios de Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião” (Sl 137:1).

Ora, agradou a Deus revelar um esboço de Seus caminhos a esse monarca pagão. Do discurso de Daniel depreende-se que esse grande rei estava preocupado com aquilo que havia de sobrevier a terra. Vejamos versículo 29: “Estando tu, ó rei, na tua cama, subiram os teus pensamentos acerca do que há de ser depois

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disto”. Nada podia ser mais natural. Nabucodonosor era o mais poderoso monarca que mundo jamais havia conhecido; e enquanto deitado na sua cama naquela noite, começou a ponderar e se perguntar o que haveria de acontecer nos anos depois. Sabia que não podia ficar aqui para sempre. Havia de partir bem como outros potentados o fizeram antes de seus dias. O que haveria de seguir? Não era em nada imprudente da sua parte considerar essas coisas. Que, alias, todas as pessoas estivessem mais preocupados com aquilo que o futuro há em espera! A grande ocupação dos homens de hoje parece ser apenas segurar prosperidade e prazer para a vida presente; e a maioria aparenta estar totalmente indiferente àquilo que há de acontecer depois. Ora, Deus não nos tem deixado em ignorância com respeito ao futuro. Ele nos deu a palavra profética para lançar luz sobre aquilo que há de vir. Se as pessoas só quisessem parar o tempo suficiente para ler em seriedade o Seu Livro, em sujeição ao santo autor dele, então nele encontrariam revelado claramente todo o curso de acontecimentos humanos até mesmo o momento do grande trono branco. Assim, cada um, seriamente o desejando, pode saber a verdade referente aos caminhos de Deus em linha direta até o fim.

Nabucodonosor era mais sábio do que muitos hoje em dia, pois estava exercitado com respeito a essas coisas. Enquanto deitado na sua cama, tinha um sonho impressionante, mas, de manhã, esse havia partido dele. Ainda assim, agitava a sua mente; não tinha como se livrar do sonho. Achava impossível vencer a impressão que havia feito nele, contudo, quando tentasse recordar o que era que sonhara, não estava capaz de fazê-lo. Por conseguinte, conforme os costumes dos seus dias, enviou por seus homens sábios — adivinhadores, astrólogos e mágicos. Disse-lhes: “Tive um sonho, mas ele deixou a minha mente; e eu quero que me contem o meu sonho e, então, me digam a interpretação dele”.

Charlatanos miseráveis que eram! Alegavam a absurdidade e impossibilidade disso, declarando— o que, muito provavelmente, era verdade — que nenhuma rei ou soberano jamais havia solicitado algo tão difícil dos seus homens sábios. Asseguraram ao rei que, se ele só lhes relatasse o sonho, eles explicariam o seu significado. Ele, porém, declarava que, se tinham habilidade o suficiente para interpretar sonhos, então também deveriam estar capazes de contar-lhe o sonho. Ameaçava que, se, após de um tempo limitado, não consentissem com a sua exigência, todos eles seriam levados à morte — e não apenas eles, mas todos os homens sábios em todo o seu reino — o que incluiria, naturalmente Daniel.

Quando Daniel ficou sabendo do decreto, por meio de Arioque, capitão da guarda, entrou e implorou a Nabucodonosor de conceder uma pequena prorrogação, para que pudesse buscar a face de Deus referente aquele assunto. Comunicando a seriedade da situação a seus três amigos, juntamente fizeram súplicas ao Deus do céu.

Gostaria que o leitor atentasse para esse título — “o Deus do céu”. Nada mostra mais claramente a fonte divina e a inspiração verbal das Escrituras, senão a maneira em que os nomes e títulos da Divindade são usados por toda parte da Bíblia. Pessoas não espirituais e ignorantes tentaram, por vezes, tirar vantagem da diversidade de nomes divinos, supondo que deuses diferentes fossem alegados, e assim deduziram um arranjo de fragmentos em alguns dos livros. Fato, porém, é que todos esses nomes e títulos são usados de maneira muito exata e cuidadosa. Por exemplo: Em todo o Antigo Testamento, SENHOR (ou: Javé) é sempre usado

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num sentido particular e Elohim (Deus, forma plural) em outro. Quando é o Criador que é posto diante de nós, então, no hebraico, temos a palavra Elohim, encerrando o Deus trino, agora revelado em três pessoas como Pai, Filho e Espírito Santo. Quando se trata da questão da aliança de Deus com o Seu povo, do lidar dEle com os homens que Ele fez e trouxe em relação Consigo mesmo, então é o SENHOR (ou: Javé). Isso não é assim apenas em Gênesis, mas por toda Bíblia isso se confirma.

Agora, no que diz respeito a essa expressão, “o Deus do céu”, há três livros no Antigo Testamento onde é usado, e um no Novo Testamento — o Apocalipse. Os três livros do Antigo Testamento são Esdras, Neemias e Daniel. Todos se referem, praticamente, ao mesmo período, quando Deus havia espalhado o Seu povo entre as nações por causa de seus pecados. Ele abandonara o Seu trono em Jerusalém. A glória havia subido ao céu, e não mais era chamado “o Senhor de toda a terra”. Ele era, agora, “o Deus do céu” e, pelo que toca ao mundo, isso continua o Seu título. Ele não será mais reconhecido como o Senhor de toda a terra até o Milênio.

Assim Daniel e seus amigos rogavam ao Deus do céu. Ele respondeu ao clamor deles e lhes revelou o mistério. Então lemos: “Daniel louvou o Deus do céu”. O leitor há de notar que temos três coisas aqui: Primeiro a oração —pediram “misericórdia ao Deus do céu”. Então há ministério divino — Deus revelou o assunto a Daniel em uma visão de noite. E o resultado disso era adoração — “Louvou o Deus do céu”. Onde Deus fala, mexem-se os corações do Seu povo, e os leva à adoração e louvor que recai sobre Ele mesmo. As pessoas, hoje em dia, têm idéias muito medíocres sobre adoração: Falam em adorar a Deus, indiferente do exercício religioso com que estão ocupados. Mas relembramos que nem mesmo a oração é adoração e nem o ministério é adoração. Orara é pedir algo de Deus; ministério é quando Deus dá algo ao homem. Mas quando o homem tem pedido e Deus tem dado até que o coração transborda em devoção a Deus, então isso é adoração.

A minha esposa e eu estávamos, certo dia, contemplando as cataratas do Niágara. Como os nossos corações foram movidos enquanto contemplávamos a imensa catarata soltando incessantemente o seu imenso volume de água sobre o grande despenhadeiro. Mas logo notávamos que lá de baixo subiu uma neblina ou um finíssimo chuvisco que realmente alcançava o ponto onde estávamos na orla acima das cataratas. Disse à minha esposa: “Isso é como adoração — o amor e graça imensos de Deus se derramando sobre nós, e então o nosso amor e louvor sobem e ascendem de volta a Ele, a fonte de toda a bênção”.

O Pai procura adoradores; mas as pessoas têm que nascer de novo antes que possam adorá-Lo. Como pode um pobre e culpado pecador, que nunca fora trazido à família de Deus e nunca se convertera ser um adorador em espírito e em verdade? Ainda assim, muitas vezes ouvimos de “adoração pública”; mas é fato que o público como tal não pode adorar no verdadeiro sentido cristão.

Voltamos para Daniel. Ele entra na presença do rei e lhe declara que seja capaz de revelar o segredo. Elucida que não é por meio de sua própria sabedoria que é capaz de fazê-lo; mas comunica a Nabucodonosor que “há um Deus no céu, o qual revela os mistérios; ele, pois, fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de acontecer nos últimos dias”. Foi por Deus que esse rei foi levado a reconhecer o fim de todos os recursos humanos. Havia de aprender a sua própria insignificância

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e ignorância bem como a insignificância e ignorância de todos os seus homens sábios, para que a incomparável sabedoria de Deus lhe fosse revelada. E a mesma lição havemos nós de aprender. Se jamais quisermos tratar com Deus, haveremos de apreender primeiro a pobreza de nossos próprios recursos.

O leitor já alguma tem notado onde o Senhor Jesus foi crucificado? Foi no Gólgota — o lugar de caveira. Isso não é muito bonito para o orgulho humano, porque é o lugar de morte e o término de toda a sabedoria humana. Não pode chegar a uma conclusão pensando nisso; todos os homens sábios dessa terra não podem ensinar-lho; você deve ser levado até o lugar de uma caveira vazia — a impotência da morte — e ali perceberá que Deus considera confusão toda a sabedoria desse mundo. E assim esse grande rei tinha que ser levado a ponto de aprender que “os limites humanos são as oportunidades de Deus”. Foi então que o Deus do céu, por intermédio de seu profeta, lhe revelou o sonho e a sua interpretação.

Daniel diz: “Tu, ó rei, estavas vendo, e eis aqui uma grande estátua, que era imensa, cujo esplendor era excelente, e estava em pé diante de ti; e a sua aparência era terrível. A cabeça daquela estátua era de ouro fino; o seu peito e os seus braços de prata; o seu ventre e as suas coxas de cobre; as pernas de ferro; os seus pés em parte de ferro e em parte de barro. Estavas vendo isto, quando uma pedra foi cortada, sem auxílio de mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro, e os esmiuçou. Então foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, os quais se fizeram como pragana das eiras do estio, e o vento os levou, e não se achou lugar algum para eles; mas a pedra, que feriu a estátua, se tornou grande monte, e encheu toda a terra” (Dn 2:31-35). Imediatamente, o rei reconheceu que isso realmente era o sonho que esquecera.

Daniel, então, procedeu com a interpretação. A própria imagem representa todo o período dos “tempos dos gentios”, mas há de se notar que no mapa os pés da imagem têm sido separados das pernas de ferro. A razão para tal é esta: Durante a época presente, embora seja verdadeiro que os tempos dos gentios estão em curso, a profecia não lida com esses dias, mas com o período que terminou na cruz e um outro breve espaço de tempo que começará depois que a Igreja terá sido arrebatada para estar com o Senhor. A obra especial de Deus nesse dia de graça é tomar de entre os gentios um povo para o nome de Seu Filho. Agora, Ele não lida com as nações como tais, mas com almas individuais as quais está salvando e, por meio do batismo com o Espírito Santo, formando em um só corpo para ser a noiva do Cordeiro nos dias vindouros.

Daniel mostra que os tempos dos gentios se iniciaram com Nabucodonosor. Ele é declarado ser a cabeça de ouro desse “homem da terra” (Sl 10:18). Não é assim que ele por si só fosse o cumprimento desse tipo, mas ele representa o Império Babilônico que se iniciou com ele e havia de terminar com a queda de Belsazar, seu neto.

“Depois de ti”, diz Daniel, “se levantará outro reino, inferior ao teu; e um terceiro reino, de bronze, o qual dominará sobre toda a terra”. Não precisamos ir além das Escrituras para descobrirmos os nomes desses impérios. No capítulo 5:39 lemos: “E Dario, o medo, ocupou o reino”. A partir do livro de Ester aprendemos que os dominadores persas reinavam sobre toda a terra. Dario é geralmente considerado como sendo idêntico com Cyaxerxes II, o último rei da Média, ou — como pensam alguns — com Gobryas, o general que liderou o assalto à Babilônia

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sob as instruções de Cyaxerxes e Cyrus o Persa, que reuniu a Média e a Pérsia em um grande império. Daniel, em outro lugar, nos mostra que esse domínio medo-persa, após de uma existência por vários séculos, seria derrotado por um poderoso guerreiro grego. Isso se cumpriu, como sabemos, por meio de Alexandre o Grande.

Um quarto reino haveria de seguir, que seria forte como ferro, “pois, como o ferro, esmiúça e quebra tudo; como o ferro que quebra todas as coisas, assim ele esmiuçará e fará em pedaços” (Dn 2:40). Esse não pode ser outro senão aquele grande poder mundial existente nos dias do nascimento do Senhor Jesus, quando “saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse” (Lc 2:1). Sob esse império o nosso Senhor foi crucificado. Depois da morte dEle, continuava existindo por ainda mais ou menos 500 anos, embora no fim dividido em duas partes — os reinos ocidental e oriental. Talvez as duas pernas falem dessa divisão, embora dificilmente se possa insistir tanto nisso como alguns o fazem, pois, desde o início, Roma é representado pelas pernas de ferro.

Por isso não precisamos considerar História para descobrirmos quem são esses quatro grandes impérios. Encontramos todos eles revelados diante de nós nas Escrituras, exatamente na mesma ordem em que foram revelados ao rei da Babilônia. Tudo isso é confirmado pela História, como todo estudante sabe, e assim é uma prova notável da inspiração da Bíblia. Naquele tempo quando Nabucodonosor sonhou o seu sonho, o reino da Pérsia não existia. Pérsia não era nada mais do que uma satrapia (ou: província) babilônica. Um império grego deve ter parecido totalmente impossível. Os estados helênicos constituíram uma massa de tribos e reinos guerreando uns contra os outros e assim pouco promissores de sua grandeza futura. A cidade de Roma acabara de ser fundada — um vilarejo insignificante nas margens do Tibre. Como Daniel descrevia com tanto precisão a história futura de todos esses poderes sem o auxílio do Espírito Santo de Deus?

Os metais que compuseram a grande imagem deterioram da cabeça aos pés, ilustrando a redução contínua no poder absoluto e na magnificência de cada reino. Nabucodonosor reinava na condição de um déspota ilimitado. “A quem queria matava, e a quem queria conservava em vida.” Os governadores dos impérios sucedentes viram o seu poder mais e mais circunscrito, até que, no último estado do Império Romano, encontramos ferro misturado com barro ou olaria frágil — falando de uma tentativa de unir o imperialismo com a democracia. Note também que o peso específico, a densidade, dos metais é decrescente: ouro sendo o mais pesado e ferro o mais leve, enquanto os pés de ferro misturado com olaria são mais leve do que todos os outros materiais. Não é de se admirar que tal imagem se esmiúça no momento em que a Pedra cai do céu sobre tais pés! O poder gentílico pode aparentar ser firmemente fundado sobre uma base imóvel; pode aparecer de ser poderoso o suficiente para resistir todo esforço que visa a sua derrota; mas a hora virá e agora já chegou perto em que a Pedra cairá do céu e tudo terminará num colapso instantâneo.

Isso nos leva à última forma do quarto reino, pois o Império Romano, embora momentaneamente suspenso, ainda não chegou ao seu fim. Os dez dedos dos pés representam — como uma comparação com os dez chifres da besta no capítulo sete esclarecerá — dez reis, que reinam ao mesmo tempo, mas formarão uma confederação sob a base do império antigo. Isso é algo que o mundo jamais tem visto.

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Os comentaristas geralmente nos dizem que a condição de dez dedos do império foi alcançada nos séculos cinco e seis, quando os bárbaros do norte assolavam o Império Romano e esse último se dividiu em algo parecido com dez reinos diferentes. Um bom número de listagens diferentes tem sido feitas, cada uma contendo dez reinos, mas poucos dos escritores concordam entre si com respeito às divisões reais. Uma coisa todos, parece, negligenciaram: os dez reinos devem existir ao mesmo tempo — não durante um período de vários séculos — e todos devem formar uma confederação. Não houve nada na história dos reinos da Europa no passado que correspondesse a esse fato. Geralmente eram inimigos guerreando uns contra os outros, cada um procurando a destruição de outros. Por isso rejeitamos expressamente essa interpretação dos dez dedos de pé. Que evento durante os séculos do declínio e da queda de Roma poderia corresponder àquela pedra caindo do céu e à instituição do reino de Deus? E como poderia ser dito que todos os domínios representados pela imagem tivessem sido esmiuçados a pó quando nós constatamos que a maioria deles ainda está existindo sob uma ou outra forma?

Alguns nos dizem que a Pedra caiu do céu quando o Senhor Jesus nasceu nesse mundo, e que o Seu reino tem existido desde então se espalhando pelo mundo. Daniel, porém, diz: “Nos dias desses reis, o Deus do céu levantará um reino”; isso quer dizer que nos dias dos dez reis aquele reino há de ser estabelecido. Ora, a condição dos dez reinos certamente não tinha sido alcançado no momento da encarnação. Roma permaneceu um reino não dividido por ainda 300 anos depois da morte de Cristo; e durante mais 200 anos existiu sob a forma dos impérios ocidental e oriental. Obviamente, então, o nascimento do Filho de Deus nesse mundo não é o evento profetizado nesse trecho. O domínio dos gentios não havia sido derrubado e destruído nem naquele tempo, nem desde então. Por isso o consideramos ainda futuro.

Tentar localizar a queda da Pedra nos séculos cinco ou seis é o cúmulo de absurdidade. Em que sentido, então, o Deus do céu teria estabelecido um reino? Foi justamente aquele o tempo em que o bispo de Roma lutava pela supremacia sobre a Igreja e as nações. Foi seguido por mil anos de trevas, quando a Palavra de Deus foi perdido para as massas, superstição tomou o lugar de fé, iniqüidade reinou em esferas elevadas tanto no sentido civil como eclesiástico, e a paz parecia ser tirada da terra. De fato tudo isso é realmente muito diferente do predito reinado de Cristo em justiça e bênção. Obviamente a Pedra então ainda não tem caído do céu, embora nenhum mortal possa dizer quanto em breve isso acontecerá.

Gostaria de desenhar os traços daquilo que a Escritura nos diz em outros lugares sobre essa Pedra. Sem dúvida, é figura do Senhor Jesus Cristo. O Salmo 118:22 nos diz, muito antes que entrasse em cena, que Ele seria a Pedra rejeitada pelos edificadores e se tornaria a cabeça da esquina; e, no Novo Testamento, esse versículo é declarado ser uma profecia que aponta para Cristo. Quando veio a essa terra, Ele realmente era a Pedra rejeitada pelos edificadores, os príncipes dos judeus. Mas note: Ele não veio como uma Pedra caindo do céu. É essa a maneira em que virá por ocasião da segunda vinda4. Antes viera para os Seus, mas os Seus

4 A segunda vinda: A Palavra de Deus conhece duas vindas do Senhor, não três como alguns querem ensinar. A primeira vinda de Cristo foi para morrer na cruz do Gólgota. A Sua segunda vinda haverá duas fases: A primeira fase será o arrebatamento quando Ele vier para buscar a Sua Igreja. A segunda fase dessa segunda vinda será a Sua vinda com poder e grande glória juntamente com os Seus mais ou menos

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não o receberam. Veio na condição de fundamento, de cabeça da esquina, mas aqueles que deveriam ter reivindicado os seus direitos, exclamaram na sua incredulidade e ódio: “Tira, tira, crucifica-o!” (Jo 19: 15). Deus o elevou ao céu. Ali, na glória do Pai, o olho da fé contempla a Pedra exaltada. O dia virá em que cairá sobre os Seus inimigos; e quando cair, moerá a pó todo o domínio dos gentios e todos aqueles que rejeitaram a preciosa graça de Deus.

Em Isaías 8:14, Cristo é descrito, profeticamente, como uma Pedra de tropeço e Rocha de escândalo. Ficamos sabendo que muitos entre eles tropeçarão e cairão. Assim foi quando veio em humilde graça: “Tropeçaram na pedra de tropeço” (Rm 9:32). Eles estavam aguardando um grande monarca desse mundo; e quando Ele veio em humilhação, Israel como nação tropeçou nEle; e foram quebrados — e permanecem quebrados até hoje. Quando quer que veja um judeu andando sobre as ruas numa cidade dos gentios, pode dizer no seu coração: Ali há uma prova de que aquilo que o Senhor disse é verdade: “E, quem cair sobre esta pedra, despedaçar-se-á” (Mt 21:44). Despedaçados, dispersos e despidos têm peregrinado em todos os países da Terra, quase em lugar nenhum bem-vindos, até que Deus, nesses últimos dias, tem voltado o coração das nações para eles, uma preparativa para trazê-los de volta à sua própria terra5. Aos poucos, um remanescente retornará ao Senhor conforme diz Isaías 28:16: “Eis que eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada; aquele que crer não se apresse”. Então, continua descrevendo a libertação de Israel por ocasião da segunda aparência de Sua Pedra de salvação. É Ele que é descrito por Zacarias (veja capítulo 3:9) como a Pedra esculpida coma escultura de um selo, sobre a qual estarão sete olhos.

Mas o que se diz referente às nações naquele dia? A mensagem da graça saiu para eles, e o que tem sido o resultado? Deus tomou de entre eles um povo para o Seu nome, mas a massa deliberadamente tem rejeitado o Cristo de Deus; e aquele rejeitado Senhor Jesus em breve cairá sobre eles em juízo. Então o restante da palavra se cumprirá: “E aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó” (Mt 21:44). Israel tropeçou sobre Ele, e eles foram despedaçados. Ele cairá sobre os gentios na Sua ira e indignação, e eles ficarão reduzidos a pó, e lançados de diante a Sua face como a moinha da eira no verão.

Você pergunta: “Quando há de cair a Pedra?” Será então, quando os países que outrora ocupados pelo Império Romano fizerem uma coalizão de dez reinos, elegendo um de entre eles para ser o árbitro supremo. No capítulo 7, o temos apresentado sob a figura do chifre pequeno subindo do Império Romano — uma passagem que muitas vezes tem sido aplicado ao Papa, embora, como haveremos de constatar, não tenha nenhuma aplicação sequer a ele. Naquele dia, o ferro do poder imperial estará misturado com a olaria frágil do socialismo e da democracia; mas não se ligarão um ao outro.

Vemos essa preparação no tempo presente. Se, por exemplo, leio os relatórios das “Conferências de Paz” e reuniões similares, não penso que paz

uns sete anos mais tarde. É essa segunda fase da Sua segunda vinda que é referida pelo autor. Em toda a Palavra de Deus não lemos em lugar nenhum de três vindas, mas sim de duas, sendo que a segunda vinda acontecerá em duas fases. — N.d.T. 5 Lembremos: O autor deu essas lições em 1920. Hoje podemos ver como o estado de Israel surgiu novamente, mas mesmo assim, as palavras do autor ainda continuam sendo verdade: Estão peregrinando pelos países da Terra. — N.d.T.

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universal e duradouro será conseguido dessa forma, enquanto o Príncipe da paz é rejeitado. Penso, porém, que vejo a sombra desse Império Romano reavivado. A partir dos meus estudos da Palavra de Deus, espero uma de duas coisas acontecer: ou guerra universal ou arbitragem universal; e como resultado de uma ou outra dessas duas possibilidades, o Império Romano na forma dos dez reinados aparecerá.

Antes que aquele dia chegue,a Igreja será arrebatada ao céu; assim nenhum crente da presente dispensação estará sobre a Terra quando essas coisas se cumprem na sua plenitude. Mas haverá muitos às quais essas palavras se dirigirão, pessoas ainda vivendo sobre a Terra nos dias dos pés da imagem — o último solene período dos tempos dos gentios. Será medonho viver então nessa cena — participar do juízo quando a pedra cairá do céu. Se essas palavras alcançarem alguém que ainda está sem Cristo, então deixe-me te advertir fielmente: Se continuar a rejeitar o Senhor Jesus por ainda um pouco de tempo, se continuar a endurecer o seu coração, se deixá-Lo de lado, se tapar os seus ouvidos, se fechar os seus olhos à verdade de Deus, então poderá estar enumerado entre aqueles que serão deixados para trás quando o Senhor chamará os Seus redimidos para se levantarem e encontrarem-No nos ares. Então, para você, não sobejará nada senão “uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários” (Hb 10:27). Pense no que significará de ser exposto dessa forma à vingança de Deus! Se ainda não tiver dado atenção à voz dAquele que apela em graça, então se humilhe diante dEle agora, lhe rogo, e exclame: “Sou desprezível e me arrependo no pó e na cinza!” Então se lembre: “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação” *Rm 10:9-10). Assim estarás pronto para saudar a vinda dEle com alegria — vinda esta que de outra forma significaria, para você, o fim do dia da graça, a confirmação do seu destino.

Para finalizar, gostaria de observar que, embora Nabucodonosor caísse sobre a sua face e adorasse a Daniel e reconhecesse que o Deus dele era o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores e revelador de mistérios, ainda assim não há evidência nenhuma que a sua consciência tivesse sido alcançado pela revelação que lhe fora dada com respeito à sabedoria e poder de Deus. Ele adiantou Daniel para uma posição de confiança e confidência e, pela petição desse, pôs Sadraque, Mesaque e Abednego sobre os negócios da província de Babilônia; mas ainda não estava pronto a aceitar o Deus de Daniel como o seu Deus e único Salvador. Para ele continuava sendo um deus, se bem que maior do que outras divindades. Logo haveria de conhecê-Lo como o Deus que governa, Ele só, os reinos dos homens.

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Lição 3

CAPÍTULO 3

A ABOMINAÇÃO DESOLADORA — UMA FIGURA

Naquilo que em seguida chama a nossa atenção, veremos quão pouco Nabucodonosor havia aproveitado da revelação que Deus lhe dera. Já notamos que, quando Daniel explicara o significado do sonho, Nabucodonosor caiu sobre a sua face diante do profeta e o adorou. Sabia dizer-lhe muitas coisas bonitas e lhe deu grandes recompensas; mas não tinha sido trazido ao arrependimento e autojulgamento diante de Deus que assim manifestara o seu poder onisciente. O rei podia apreciar a sabedoria de Daniel, mas não tinha um coração para o Deus que inspirara o Seu servo.

Nabucodonosor não está só com essa atitude. Há muitos que manifestam certa admiração pelo ministério e a Palavra de Deus, mas eles próprios continuam, na prática, no decorrer de toda a sua vida estranhos a Ele, cuja Palavra os ministros dEle anunciam. Era esta a condição de Nabucodonosor exatamente naquele momento. Porque neste capítulo três nós vemos que, ao invés dele estar humilhado pela revelação feita, ela simplesmente servia para que ele exaltasse a si mesmo como alguém favorecido pelo céu e para que magnificasse os seus próprios pensamentos com respeito a mente humana e a sua própria grandeza.

Isso me faz recordar um outro homem honrado por uma revelação notória e a cujo respeito lemos no Novo Testamento. Me refiro ao apóstolo Paulo, que fora arrebatado ao terceiro céu. E esse homem, embora um filho de Deus e um mui devotado servo de Cristo em todas as maneiras, tinha precisamente o mesmo coração de um Nabucodonosor. E assim, para que não se exaltasse por causa da abundância da revelação, lhe fora dado um espinho na carne para lembrá-lo da fraqueza humana. Desta forma somos relembrados que até mesmo verdades divinas, se não retidas em comunhão com Deus, possam ser usadas para incharmo-nos. Mero conhecimento, separado de amor divino, incha. Não é este o caso quando se trata de discernimento espiritual, porque o primeiro requisito para espiritualidade é humildade. Discernimento espiritual vem de Deus e não exalta a ninguém; porém até mesmo conhecimento das Escrituras, se separado de piedade, terá um efeito pernicioso sobre mente e coração. Assim foi com Nabucodonosor. No próximo capítulo, porém, veremos como ele ganhava o seu espinho na carne e o resultado abençoado disso.

Aqui, ênfase é dada ao fato de que Nabucodonosor se levanta orgulhosamente e está determinado a fazer uma grande imagem (provavelmente uma réplica daquela que vira no seu sonho), e apela a todos para curvarem-se a ela. De fato foi feito para demonstrar o poder e glória do ser humano, porque ilustrava o domínio gentílico em independência de Deus. Está caracterizada com o mesmo número que distingue a besta em Apocalipse 13 — o número de um homem — 666. O leitor há de notar que a passagem nos relata a sua altura sendo de sessenta côvados e a sua largura de seis côvados. Sete é o número que fala de perfeição espiritual. Parece que o número seis nos fala dos maiores esforços humanos para atingir a perfeição.

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A imagem foi feita conforme a ordem e posta no campo de Dura. Então saiu uma ordem que ao som de uma grande orquestra todos os povos e nações e línguas se reunissem de todas as diversas províncias do império para se prostrar e adorar a imagem. Caso alguém se recusasse, haveria de ser lançado dentro de uma fornalha de fogo ardente.

É digno de notar a importância dada aquela grande orquestra — bem como também hoje nas grandes reuniões religiosos do mundo. Excita as emoções e, operando com os sentimentos, dá as pessoas uma sensação de devoção e religiosidade, que apesar de tudo possa ser muito irreal. Na dispensação do Antigo Testamento, instrumentos musicais foram usados nos serviços do templo, mas certamente não há mandato e fundamento para isso no Novo Testamento. As pessoas chamam de “adoração” assentarem-se para ouvir uma orquestra bem treinada e muitas vezes composta por pessoas não convertidas apresentando composições doces e comoventes. A música, porém, simplesmente tem efeito na parte sensual da nossa natureza e não tem nada a ver com a verdadeira adoração ao Pai e ao Filho, que deve ser em espírito e em verdade para ser agradável a Deus. Aqueles que pleiteiam o seu uso por causa do lugar que ocupava nos tempos do Antigo Testamento, deveriam recordar-se que isso era uma dispensação específica. Os instrumentos então usados, exemplificavam a melodia agora composta nos corações dos redimidos de Deus. Por vezes cantamos — e com razão —

“Ó Senhor, sabemos não ser importante,

quão doce ser o cântico; se não instrui o Teu Espírito,

o coração não traz música tocante.

Um chamado ministro certa vez observava que muitas pessoas assistiam o culto na “sua igreja” para adorar a Deus pela música; por isso procurava ter os melhores músicos e a mais fina música possível, pois, ao contrário, as pessoas não viriam. Que desilusão tudo isso! E ainda assim, as pessoas atualmente vêem isso como verdadeira adoração a Deus — sejam elas convertidas ou não! Na verdade, apenas satisfazem o seu próprio gosto de música e harmonia — um sentimento dado por Deus, admito eu, e muito próprio no devido lugar, mas não deve ser confundido com adoração verdadeira. Um coração cheio de Cristo produz a música mais doce que jamais tenha chegado ao ouvido de Deus, o Pai. Ele diz: “Aquele que oferece o sacrifício de louvor me glorificará” (Sl 50:23). Recordamos, então, que na dispensação do Novo Testamento lemos: “…cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração” (Ef 5:19). O cristão é exortado a praticar isso. É ali onde deve estar a música — num coração cheio de louvores ao Deus de toda graça. Que nós conhecêssemos mais disso!

Me lembro de ter levado em certa ocasião um amigo meu — sem dúvida um cristão sincero — a um pequeno salão onde mais ou menos 50 pessoas salvas estavam reunidas para adoração em um domingo de manhã. Ele estava acostumado com um culto muito aparecido com aquele descrito acima. Naquela manhã, tive a impressão que a presença do Senhor em nosso meio estava manifestada de uma maneira especial. Um após outro tomava parte no louvor e nas ações de graças, tal como o Espírito Santo parecia guiar. Juntos partimos o

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pão e tomávamos do cálice que fala tão alto ao coração de um cristão dAquele que Se deu a Si mesmo por nós. Certas horas não havia quase nenhum olho seco no salão quando lembrávamos dEle, que nos redimira para Deus em graça infinita. Voltando para casa, inquiri o meu amigo se gostara da reunião. Ele respondeu: “Sim, bastante. Havia muitas coisas que me atraem, mas senti falta da música.” — “O quê?” — respondi — “Você não ouviu a música?” A resposta foi: “Música? Não havia música ali.” Respondi: “Claro que havia; todos os corações que estavam ocupados com Cristo eram semelhantes a instrumentos tocados por Sua própria mão bendita. E Ele, o cantor-mor sobre os instrumentos de corda6, estava ali em nosso meio, liderando os nossos corações em adoração ao Pai.” Mas o meu amigo não parecia estar capaz de entrar nessas coisas” Como está o seu caso, leitor? Você já aprendeu o que significa “adorar em espírito e em verdade”?

Voltando ao nosso assunto, notamos que os instrumentos deviam ser tocados; as pessoas deviam estar agitadas pela música e, então, todos haviam de se prostrar diante da grande imagem que demonstrava a glória do ser humano.

Havia, porém, três naquela grande congregação que não davam atenção ao decreto do rei. Sadraque, Mesaque e Abednego recusaram dobrar-se; e espias mal intencionados trouxeram as notícias ao monarca altivo. Disseram: “Há uns homens judeus,… ó rei, não fizeram caso de ti; a teus deuses não servem, nem adoram a estátua de ouro que levantaste” (Dn 3:12). O rei, no seu furor, mandou trazer os três homens devotos. Ofereceu lhes outra oportunidade para atenderem ao seu mandado; caso contrário, deveriam sofrer o fado reservado para todo aquele que não adorasse a imagem. Sadraque, Mesaque e Abednego não eram como os oportunistas daqueles dias degenerados; não eram como os bajuladores dos dias atuais. Sabiam que Deus disse: “Não farás para ti imagem de escultura,… Não te encurvarás a elas nem as servirás” (Êx 20:5). Por isso, esses três hebreus enfrentaram corajosamente o grande rei, dizendo: “Não necessitamos de te responder sobre este negócio. Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que nos pode livrar; ele nos livrará da fornalha de fogo ardente, e da tua mão, ó rei. E, se não, fica sabendo ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste” (Dn 3:16-18). Assim deram testemunho de uma boa confissão e, em sua força concedida por Deus, corajosamente estavam de pé diante do rei e de todo o povo na condição de testemunhas do poder e glória do Senhor.

Na sua ira e no seu furor, Nabucodonosor ordenou que a fornalha fosse aquecida sete vezes mais do que normalmente e que as suas ordens fossem executadas ao pé da letra. Tão grande era o calor da fornalha que ela consumou os homens que lançaram os três nas chamas. Então lemos que Nabucodonosor se levantou e, chegando-se à fornalha, exclamou estupefato: “Não lançamos nós, dentro do fogo, três homens atados? … Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, sem sofrer nenhum dano; e o aspecto do quarto é semelhante ao Filho de Deus” (ou filho dos deuses — Dn 3:24-25). Sabemos bem Quem era o quarto homem; assim a tradução que temos na versão Corrigida e Revisada da SBTB é correta no que diz respeito à pessoa, quer seja isso que Nabucodonosor tencionava dizer ou não. O bendito Filho de Deus estava ali junto dos Seus queridos servos na sua hora de provação. Ele dissera, muito tempo antes,

6 Veja o postscriptum, ou a dedicação que fecha a profecia de Habacuque (Hc 3:19)

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por meio do profeta Isaías: “Quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti” (Is 43:2). E cada palavra de Deus há de se cumprir, “porque fiel é o que prometeu” (Hb 10:23).

Não nos é dito que alguém outro senão Nabucodonosor visse a quarta pessoa. Ele exclamou imediatamente: “Sadraque, Mesaque e Abednego, servos do Deus Altíssimo, sai e vinde!” (Dn 3:26). E saíram, não tendo nem cheiro de fogo sobre eles; a chama simplesmente queimara as suas ataduras e os deixara pessoas livres. O resultado era que Nabucodonosor foi enchido de admiração pelo poder do grande Deus de Sadraque, Mesaque e Abednego. Ele fazia um decreto real, declarando que todo aquele que falasse alguma coisa imprópria a respeito do Deus deles, deveria ser morto. Ainda assim, tal como antes, quando o seu sonho fora interpretado, ele não se dobra arrependido aos pés do Senhor e o aceita como o seu Deus. E, enquanto admira a Sua grandeza e o Seu poder, não adora e serve ao Senhor Deus.

Quantas pessoas há no mundo exatamente iguais a ele! Não diriam nada contra Deus, nosso Pai, nem contra o Seu Filho, o Senhor Jesus Cristo; talvez até pensam nEle como o Deus de suas mães ou o Deus de seus pais, mas não podem exclamar “Senhor meu, e Deus meu!” (Jo 20:28) como Tomé o fez depois de ter visto as marcas dos cravos. E assim, outra vez, somos recordados que uma coisa consentirmos com as Escrituras e a revelação dada nela com referência à glória do Deus trino, mas é bem outra coisa ter se curvado no seu coração na presença dEle, confessado ser um pecador perdido e culpado, e ter confiado no bendito Filho de Deus, o Salvador crucificado e ressuscitado, como o nosso próprio libertador. Nabucodonosor reconhece o Seu poder, mas ainda não reconhece os Seus direitos sobre ele. Havia de passar por uma experiência humilhante antes que chegasse a esse ponto.

Alguém poderia inquirir: O que tudo isso tem a ver com profecia? Por que Deus deixa registrar esse particular detalhe da história no livro do profeta Daniel? Isso seria algo muito oportuno num livro histórico ou devocional, mas por que o temos aqui num livro profético? De fato é por uma excelente razão. Esse evento, embora claramente histórico, é uma cena simbólica retratando a aflição e a libertação do remanescente fiel do povo de Daniel que há de acontecer no Tempo do Fim. Virá uma dia em que — como a imagem levantada por Nabucodonosor — aquilo que o Senhor Jesus chama de “a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel” será levantado em Jerusalém pelo anticristo dos dias futuros. Veja Mateus 24:15.

Depois de a Igreja ter sido arrebatado ao céu, no final da atual dispensação, os judeus (que já estão retornando à Palestina em grandes números) serão iludidos a reconhecer os direitos de um impostor blasfemo que reclama para si ser o Messias. Ele levantará aquela abominação da desolação. Ele exigirá que todos os seres humanos adorarem a imagem por ele levantada. Dessa forma, a cena no campo de Dura será restabelecida. Naquele dia, tal como no passado, um remanescente dentre os judeus recusará reconhecer os seus direitos ou obedecer a sua voz. Isso será o sinal do início da grande tribulação — “o tempo de angústia para Jacó”; mas muitos dos fieis serão salvos dela, exatamente como esses três jovens hebreus foram preservados por Deus em meio da fornalha de fogo e, finalmente, foram libertados dela .

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Alguém talvez se pergunte: O que vem a ser a “abominação da desolação”? Não posso lhe dizer com toda a certeza; a Escritura não o revelou claramente. Parece ser idêntico com a imagem da besta levantada pelo falso profeta conforme predito em Apocalipse 13, e que induz todos os seres humanos a adorá-la — todos aqueles que não têm o selo de Deus. Essa imagem da besta talvez não seja um ídolo no sentido literal. Pode ser que se refira a um grande movimento popular, mas parece estar intimamente ligado àquilo de que o nosso Senhor adverte os Seus discípulos. De qualquer forma, diz respeito a um tempo em que os seres humanos serão conclamados a reconhecer o poder e autoridade daquilo que é satânico no lugar daquilo que é divino, e quando praticamente todo o mundo será levado a receber o anticristo como o Messias.

É um erro supor que o anticristo seja o papado. Veremos claramente, eu confio, quando chegarmos a considerar a última parte do capítulo 11, que ele será um personagem bem diferente — um judeu de nascença que reinará na terra da Palestina e será aceito pelos judeus na condição de Messias deles. Ele negará o Pai e o Filho e receberá a sua energia pelo diabo, por quem será controlado. Naqueles dias, a cristandade apóstata se unirá ao judaísmo apóstata em lealdade e submissão a esse monstro da iniqüidade. Mas, conforme a sua promessa, Deus levantará uma estandarte contra ele, mesmo naqueles dias quando a iniqüidade virá como uma enchente. Ele terá o seu pequeno, mas fiel rebanho, que ousará estar em pé — como Sadraque, Mesaque e Abednego — pela verdade que Ele terá feito conhecido a eles; e por causa disso, se tornarão nas vítimas do furor de Satanás e do ódio das pessoas, contudo será libertados de tudo isso para a glória de Deus, a Quem servirão. Nenhuma arma inventada contra eles, prosperará; porque o Altíssimo será escudo e broquel deles.

Já estamos vendo sendo feito preparativos para aqueles eventos significativos. Embora não acontecerão enquanto a Igreja permanece na terra, já agora a terra da Palestina está sendo preparada por Deus para ser uma vez mais o lar do Seu povo terrestre, e o povo está sendo preparado para a terra dele. Pensemos nas mudanças que aconteceram no Médio Oriente nos últimos 50 anos! Meio século atrás, não era permitido a um judeu morar dentro dos muros de Jerusalém, e havia menos que 50 mil judeus em toda a Palestina. Agora vivem mais do que esse número na própria Jerusalém; e é estimado que moram três vezes mais na terra. 7 E agora, a serôdia que Deus retivera em juízo durante muitos séculos, está retornando outra vez à terra; e embora não tenha vindo a cada ano, ainda assim houve chuvas suficientes para encorajar agricultores em tão grande escala que milhares de alqueires de olivais, vinhedos e fruticulturas foram plantados; a maioria desses é propriedade de e trabalhado por judeus. Claro que tudo isso é muito diferente do cumprimento das profecias considerando a sua volta em massa à terra por um poder onipotente. Ainda assim nos mostram que as coisas tomam um rumo para poder ser levado ao cabo as predições com respeito à grande tribulação, e os eventos que a seguem numa seqüência rápida.

Na hora do governo terrível do anticristo, significará muito ser fiel a Deus; significará muito não aceitar a abominação da desolação; mas graça será concedida ao fraco remanescente e glorificarão a Deus em meio do fogo. Se assim

7 Lembremos: O livro foi publicado em janeiro de 1911. Muitos acontecimentos mais ocorreram nas últimas décadas. Já existe novamente o estado de Israel e milhões de judeus habitam nesse país.

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será o triunfo dos santos em dias vindouros, que devoção e fidelidade deveriam nos caracterizar a nós que somos tanto mais agraciados nesta presente dispensação da graça de Deus! E contudo, quantos não há que falham frente à prova quando se requer de reter aquilo que Deus lhes concedeu! Quão pouco a maioria de nós sabe daquele espírito de devoção a Cristo que levou a Atanásio de tempos antigos —frente ao insulto e escárnio do imperador: “Todo o mundo é contra ti” — a responder com as palavras jamais esquecidas: “Então eu serei contra todo o mundo!”

Era este espírito que capacitava Paulo a triunfar quando estava diante de Nero; ainda assim havia de dizer: “Ninguém me assistiu na minha primeira defesa”. Todavia, embora deixado sozinho, ele deu um testemunho fiel e ficou “livre da boca do leão” (2 Tm 4:16).

Que repreensão representam esses devotos servos de Deus para muitos de nós hoje em dia! Quão pouco nós conhecemos de estar em pé em favor de Cristo e Sua verdade, mesmo se tivermos que estar sozinhos! E quão desprezível a nossa fraqueza e covardia aparecerão naquele dia vindouro de glória! Tenha certeza, que não haverá nem um só dos santos que lamentará haver sofrido por Cristo ou de ter levado vergonha por causa do Seu nome; mas haverá milhares que dariam mundos, caso estivesse no seu poder dá-los, se tivessem sido mais fiéis e devotos enquanto estavam nessa cena de prova.

O tempo é curto. O nosso dia de testemunhar em favor de um Senhor ausente logo terá passado. Oh, que não nos esqueçamos que

“Uma só vida — breve passar-se-á; só o que fizemos para Jesus durará.”

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Lição 4

CAPÍTULO 4

A HUMILHAÇÃO DE NABUCODONOSOR: A SUBJUGAÇÃO DOS GENTIOS SIMBOLIZADO

No capítulo 33 do livro de Jó, nos versículos 14 a 17, nos é dito: “Antes Deus fala uma e duas vezes; porém ninguém atenta para isso. Em sonho ou em visão noturna, quando cai sono profundo sobre os homens, e adormecem na cama. Então o revela ao ouvido dos homens, e lhes sela a sua instrução, para apartar o homem daquilo que faz, e esconder do homem a soberba.” É essa a maneira como Deus muitas vezes fala aos homens ali onde não têm Bíblias abertas para dar-lhes a clara revelação da Sua vontade. Ele tem muitos caminhos para alcançar aqueles que parecem estar inclinados para a sua própria destruição. Este quarto capítulo de Daniel é um exemplo notável da graça infinita de Deus e ilustra de uma forma muito preciosa as palavras de Eliú.

Deus falara uma vez a Nabucodonosor, dando-lhe o sonho da grande imagem referente aos tempos dos gentios, mas o coração do rei era obstinado e continuava seguindo a sua própria intenção em orgulho e insensatez. Deus falara pela segunda vez por meio da maravilhosa visão do Filho de Deus no meio da fornalha ardente, guardando as suas fiéis testemunhas de todo perigo e dano. Mas novamente o rei altivo continuava no seu caminho com um coração não sujeito e vontade indômita. Agora, Deus fala pela terceira vez — e isso de uma maneira muito humilhante — para vergonha deste grande governador mundial diante dos seus príncipes.

Na passagem de Jó, Eliú continua mostrando de que quando sonhos e visões não ajudam, Deus às vezes permite que uma doença se apodera do corpo até que o pobre pecador seja quebrado em espírito e esmagado no coração, pronto, finalmente, a exclamar: “Pequei, e perverti o direito, o que de nada me aproveitou”, e: “Então terá misericórdia dele, e lhe dirá: Livra-o, para que não desça à cova; já achei resgate”.

Assim, neste comovente capítulo, escrito pelo próprio Nabucodonosor e preservado e incorporado no volume inspirado por Daniel, temos o relato interessante dos meios usados por Deus para levar esse altivo rei ao seu próprio fim, e guiá-lo a humilhar-se a si mesmo diante da Majestade nos céus. Com outras palavras, essa é a conversão de Nabucodonosor, e parece mostrar claramente que uma obra da graça aconteceu na sua alma antes que depor o cetro confiado à sua mão por Javé. Sem dúvida, o capítulo também é tipológico; porque em Nabucodonosor nós vemos um tipo de todo o poder gentílico — do seu afastamento de Deus, da sua degradação e caráter bestial, e da sua subjugação final a Deus no Tempo do Fim, quando Cristo voltará em glória e todas as nações se prostrarão diante dEle, reconhecendo o seu domínio justo e benévolo. Nabucodonosor, levantado em inteligência, era a personificação da autoridade dada da parte do Céu: “…as potestades que há foram ordenadas por Deus”. Mas está escrito: “Todavia o homem que está em honra não permanece; antes é como os animais, que perecem”. Isso, a loucura do rei, demonstra claramente o desvio

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das nações de Deus e a corrupção dos governos a fim de servir alvos humanos. Não tem sido isso uma característica dos grandes desse mundo? Não encontramos que, de uma maneira geral, orgulho e obstinação, cobiça e egoísmo controlam os grandes, ao invés de vermos reis que representam a Deus e agem como os Seus representantes para manter justiça e juízo nesta terra? Tudo isso é tipificado pela humilhação de Nabucodonosor, quando o seu coração foi mudado em coração de um animal e quando ele foi forçado para comer capim tal como o boi no campo.

Mas o dia se aproxima em que Deus reivindicará os seus direitos e todo domínio dos gentios chegará ao fim. Então o há muito tempo prometido Rei resplenderá na Sua gloriosa majestade, e os reis da terra trarão a honra e glória deles à Nova Jerusalém, a cidade celestial que será a sede do trono do reino vindouro. Então as nações levantarão os seus olhos como pessoas redimidas e não olharão para baixo como as bestas que perecem.

Até mesmo neste presente século a História nos ensina o valor que tem o reconhecimento do governo moral de Deus por uma nação. Ouvimos de um chefe tribal pagão que viera da sua distante esfera de domínio para visitar Sua Majestade, a Rainha Vitória. Certo dia perguntou-lhe qual seria o segredo do progresso e grandeza da Inglaterra. Conta-se que como resposta a rainha o presenteou com uma Bíblia, dizendo: “Esse livro lho dirá”. Quem poderia duvidar que na medida em que foi dado crédito a esse Livro dos livros e em que foi amado por um povo, Deus o honrou a este; e você há de se dar conta de que toda nação que deus as boas vindas ao Evangelho e o tem protegido, tem sido cuidado e abençoado de uma maneira especial.

Por outro lado, se houver rejeição nacional da Sua Palavra — como o foi o caso da nação francesa, que estava entre os primeiros agraciados por Ele nos dias da Reformação, mas expeliu a verdade que Ele lhe deu —, você encontrará desastre após desastre; pois não pode mentir Aquele que disse: “aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam serão desprezados” (1 Sm 2:30).

Pois não, vamos agora diretamente ao nosso capítulo para vermos um exemplo concreto de tudo isso. Inicia-se: “Nabucodonosor rei, a todos os povos, nações e línguas, que moram em toda a terra” (Dn 4:1). Isso mexe com meu coração de uma maneira mui marcante. Percebo que estou lendo o testemunho pessoal de alguém que era, em alguns aspectos, o maior monarca que o mundo já tem conhecido; e estou privilegiado de ter o seu próprio relato de como ele — um homem orgulhoso e obstinado — foi levado ao arrependimento e ao conhecimento salvador do Deus de toda a graça! Porque, como já insinuado, deduzo dessa proclamação que esse poderoso potentado foi vivificado de cima, e que uma obra divina foi realizada na sua alma por Aquele bendito eternamente que, em misericórdia, Se revelara a Si mesmo a ele.

Que coisa maravilhosa é esta! E que milagre! Fato é que toda conversão é um milagre — toda alma salva sabe o que quer dizer ter sido tratado com poder sobrenatural. É só Deus que faz mudar pessoas como essa. Ele toma um vil e desprezível pecador e faz dele um consagrado e feliz santo. Ele opera na alma do beberrão e o torna em um sóbrio e útil membro da sociedade. Ele quebra o orgulhoso e obstinado, e se tornarão mansos e humildes, fácil de se lidar com eles. Não são milagres essas coisas? Certamente que sim; e eles são efetuados todo ao nosso redor. E ainda assim, as pessoas zombam e dizem que o milagroso jamais acontece neste mundo comum controlado por leis! Oh, que os olhos das pessoas

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fossem abertos para verem e os ouvidos para ouvirem o que Deus, na Sua graça, está operando com base naquele um sacrifício pelo pecado em que se tornara o Seu Filho bendito lá na cruz!

“Pareceu-me bem” — assim Nabucodonosr continua — “fazer conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo. Quão grandes são os seus sinais, e quão poderosos as suas maravilhas! O seu reino é um reino sempiterno, e o seu domínio de geração em geração” (Dn 4:2-3). Que confissão esplendida e quão diferente dos seus reconhecimentos feitos nos capítulos 2 e 3! Ah, agora a sua consciência tem sido alcançada, e conhece a Deus pessoalmente. Deleita-se em contar os Seus sinais e maravilhas feitas para com ele! Ele O reconhece não meramente como um deus, mas como o único Deus verdadeiro e vivo, Cujo reino domina sobre todos e há de continuar eternamente.

Esse, claro, não é o reino intermediário de Cristo de que ele fala, mas o governo moral de Deus sobre o universo, que por nada será alterado ainda que fosse por um único instante.

E agora gostaria de ser bem pessoal e colocar severamente algumas perguntas diante de todo leitor. Você tem algo a contar dos sinais e maravilhas que o Deus Altíssimo tem feito para contigo? Você foste levado a ter contato direto com Ele, para que possa falar confidentemente daquilo que Ele fizera para a sua alma? Você tem sido humilhado por recebendo uma visão de você mesmo na sua condição de pecador perdido e arruinado diante dEle? Você assumiu aquele lugar — o seu único lugar legítimo — e se reconheceu a si mesmo como alguém imundo e perdido que tem grandíssima necessidade de misericórdia soberana? E você sabe o que quer dizer ter se refugiado naquele mesmo Deus contra Quem pecara tão horrivelmente, e ter encontrado no Filho dEle, nosso Senhor Jesus Cristo, um esconderijo do juízo que os seus pecados mereciam? Rogo-lhe: Não tente pôr essas questões de lado. Se não puder responder cada uma delas de imediato afirmativamente, pare e pondere-as novamente. Pergunte a si mesmo se houver alguma razão válida por que persistir negligenciando o caminho de salvação aberto por Deus e por que deveria deixar a sua alma ainda mais tempo em perigo? Oh, que o testemunho de Nabucodonosor falasse em voz alta a seu coração e consciência, se você for ainda um estranho àquele Deus a Quem Nabucodonosor aprendeu adorar.

Algo definitivo havia sido feito para a alma dele, e ele regozijava-se em falar disso e dar resposta a cada um referente à razão da esperança que havia nele.

Antes que Deus o acordasse, ele “estava sossegado em sua casa, e próspero no seu palácio” (Dn 4:4). Medite nisso! Sossegado e próspero enquanto ainda em seus pecados e desconhecedor de Deus! Ah, existe uma sossego enganador, uma paz enganadora, que leva muitas almas a se sentirem numa segurança falsa. Estar sem perturbação não é evidência de segurança. Estar em paz não comprova que tudo esteja bem. Certa vez agarrei um cego e puxei-o de volta ainda em tempo de não cair de ponta-cabeça para dentro de uma abertura de um armazém subterrâneo. Ele pensava que tudo estava bem, e estava em paz mental enquanto andava por aí; e ainda assim: mais dois passos e teria caído para baixa! Assegure-se de que a sua paz seja baseada no sangue de Cristo derramado sobre a cruz — e então haverá aquela paz que é verdadeira e duradoura. Toda e qualquer outra é falsa e flutuante. A paz de Deus é aquela que procede da confiança no

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testemunho de Deus, e ela segue ao arrependimento com respeito aos pecados que separavam a alma dEle.

Nabucodonosor nos conta como ele fora despertado daquela falsa segurança na qual vivia por tanto tempo. “Tive um sonho” — ele diz — “que me espantou; e estando eu na minha cama, as imaginações e as visões da minha cabeça me turbaram” (Dn 4:5). A visão fora enviada a este exato propósito. Deus viu que precisava ser perturbado — necessitava ser despertado do seu sono mortal. Foi graça que assim o atormentava. E de uma ou outra maneira toda alma que há de ser salva deve passar por esse período de ansiedade e inquietação da alma . Nabucodonosor se voltou, como anteriormente, à fonte errada para ajuda em seu tempo de dificuldade. Ele conclama os seus magos, astrólogos, caldeus e adivinhadores e lhes narra o seu sonho, porém tudo sem proveito. Eles, que anteriormente eram incapazes de revocar à sua mente aquele sonho desvanecido, agora não conseguem interpretar este. Por fim, porém, Daniel entra e o rei se volta a ele com esperança. Ele conta como vira uma grande árvore no meio da terra, que crescia tão fortemente e a tal altura que alcançava até o céu e era vista até os confins da terra. Coberta de folhagem e carregada de fruto ela fornecia alimento para todos. “debaixo dela os animais do campo achavam sombra, e as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e toda a carne se mantinha dela” (Dn 4:12). Mas o rei vira um vigia e um santo descendo do céu, que clamava fortemente, dizendo: “Derrubai a árvore, e cortai-lhe os ramos, sacudi as suas folhas, espalhai o seu fruto; afugentem-se os animais de debaixo dela, e as aves dos seus ramos. Mas deixai na terra o tronco com as suas raízes, atada com cadeias de fero e de bronze, na erva do campo; e seja molhado do orvalho do céu, e seja a sua porção com os animais na erva da terra; seja mudado o seu coração, para que não seja mais coração de homem, e lhe seja dado coração de animal; e passem sobre ele sete tempos. Esta sentença é por decreto dos vigias, e esta ordem por mandado dos santos, a fim de que conheçam os viventes que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer, e até ao mais humilde dos homens constitui sobre ele” (Dn 4:14-17). Era esse o sonho, e o rei inquiriu ansiosamente, se Daniel, ou Beltessazar, pudesse declara a sua interpretação.

O significado, evidentemente, era claro para Daniel desde o início; mas nos é dito que “esteve atônito por uma hora, e os seus pensamentos o turbavam” (Dn 4:19). É evidente que o caráter de Nabucodonosor era em vários aspectos nobre e admirável; e isso atraia o profeta. Ele também fora altamente favorecido da parte do rei, e o pensamento naquele julgamento solene que em breve havia de sobrevir o seu senhor real o entristeceu. Nabucodonosor deve ter discernido a ansiedade e o pesar no rosto de seu ministro, pois ele fala de uma tal maneira de dar-lhe confiança para proceder com a sua interpretação. Não eram palavras suaves compostas especialmente para aquela ocasião que queria. Embora pouco concebesse o que viria, ainda assim desejava saber a verdade. É uma coisa abençoada para toda alma chegar até ao ponto de poder dizer: “Dá-me a Palavra de Deus e deixe-me saber que é a palavra dEle, e recebê-la-ei independentemente de como ela corte ou interfira com os meus mais apreciados pensamentos”.

“Senhor meu” — Daniel responde — “seja o sonho contra os que têm ódio, e a sua interpretação aos teus inimigos” (Dn 4:19). Então continua a explicar que a grande árvore representava ao próprio Nabucodonosor, que fora colocado por Deus em um lugar de proeminência na terra na condição de cabeça de todos os

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povos e domínios. O cortar da árvore significava que ele estava prestes a ser humilhado ao mais profundo abismo, até mesmo seria tirado dentre os homens; a sua morada haveria de ser com os animais do campo, onde comeria erva como os bois e seria molhado do orvalho do céu até que passassem sete tempos por cima dele; até que conheceria que os céus têm o domínio. O profeta acrescenta uma palavra de fiel conselheiro, rogando ao rei que pusesse fim aos seus pecados praticando justiça, e às suas iniqüidades usando de misericórdia com os pobres. Tudo isso na esperança que se prolongasse a sua tranqüilidade. Note bem que não é a questão de ganhar a salvação eterna da qual Daniel fala aqui. O seu conselho tem a ver com o governo de Deus sobre a terra e com o reconhecimento disso e sujeição a isso da parte de Nabucodonosor.

Tudo acontecia exatamente tal como Daniel o havia dito; porque Nabucodonosor, ainda não humilhado, embora tivesse respeitosamente ouvido as palavras do profeta, passeava certo dia, um ano mais tarde, no palácio de seu reino, que obviamente estava situada em eminência permitindo a vista por cima da sua capital. Enquanto passeava, dizia a si mesmo: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com a força do meu poder, e para glória da minha magnificência?” (Dn 4:30). Assim Nabucodonosor esqueceu o quanto estava em dívida com o mais alto Deus no que dizia respeito à posição que ocupava e também às suas riquezas e glória, considerando todo o mérito seu. A palavra estava ainda na sua boca, quando fora dito o decreto e fora informado por uma voz que vinha do céu, que o tempo chegara em que o sonho havia de ser cumprido. Na mesma hora perdeu a sua racionalidade, se tornando, de verdade, em um lastimável espetáculo, incapaz de se socializar com os seus companheiros. Foi tirado dentre os homens para o campo, onde ele se tornou realmente igual aos animais que perecem. Não precisamos ter dificuldades em acreditar neste solene relato, se recordarmos o tratamento geralmente aplicado aos doentes mentais nos países orientais. Considerados como afligidos da parte de Deus, são deixados a andar conforme a sua própria vontade, ninguém interferindo nem assustando-os.

Em tudo isso vemos um símbolo do poder gentílico em seu afastamento de Deus e em seu caráter bestial. De que loucura têm sido culpados governadores e nações que pisaram a Palavra de Deus debaixo dos seus pés e desprezaram a Sua misericórdia e graça, recusando sujeição a Seu governo! Uma grande árvore levantando-se em sua independência até o céu é o símbolo freqüentemente usado nas Escrituras para descrever os grandes desse mundo. Ezequiel o aplica como figura do reino assírio; e no Novo Testamento é usado por nosso Senhor Jesus Cristo como símbolo do reino dos céus na sua forma que tomou enquanto nas mãos dos seres humanos.

“Passem sobre ele sete tempos” (Dn 4:16). Gostaria de me prolongar um pouco sobre esse assunto em ligação com aquilo que tem sido freqüentemente mostrado por uma certa escola de mestres da profecia, chamado de “ano-dia-teoria”. É esse um sistema de interpretação que toma tempos e épocas proféticas, dizendo: Todos os dias devem ser entendidos como anos, meses como trinta anos, e anos como períodos de trezentos e sessenta anos. Um “tempo” seria, já que todos concordam, um ano. “Sete tempos”, então, seriam sete anos. Se a ano-dia-teoria fosse correta, havia de ser aplicada aqui como em qualquer outro lugar neste livro. O que significariam, então, sete vezes trezentos e sessenta anos nesse contexto? Totalizariam dois mil e quinhentos e vinte anos. Nesse caso, a

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loucura de Nabucodonosor ainda estaria de pé e estaria comendo erva como o boi por mais uns cinqüenta anos. Mas se isso é ridículo e impossível, então seria loucura tentar de aplicar essa teoria em outras passagens, pois trata-se aqui claramente de uma profecia referente a um espaço de tempo. Pois bem, em qualquer ocasião onde essas profecias referente a um espaço de tempo já se cumpriram e assim são claramente identificadas nas Escrituras, fica evidente que dias, meses ou anos sempre têm se cumprido literalmente. Por exemplo: Deus disse referente à população antediluviana que os seus dias seriam cento e vinte anos; e exatamente nesse espaço de tempo o mundo de então foi derrotado pelo dilúvio. Suponha que a “ano-dia-teoria” tivesse sido sustentado por Noé, ele teria calculado que certamente não havia necessidade para se apressar em construir a arca, porque o dilúvio não viria durante pelo menos os próximos quarenta e três mil e duzentos anos, ou cento e vinte anos proféticos de trezentos e sessenta dias reais cada. E novamente: Deus disse a Moisés que os filhos de Israel, por causa da sua incredulidade, haveriam de andar pelo deserto durante quarenta anos, conforme os número de dias em que espiaram a terra. Agora, se em algum lugar, então aqui suporíamos ter autoridade para essa “ano-dia-teoria”; mas, ao contrário, encontramos justamente o oposto. Dias significam dias e anos significam anos. No livro de Ezequiel, ao profeta foi dito que deitasse sobre o seu lado esquerdo por espaço de trezentos e noventa dias, para que carregasse a iniqüidade da casa de Israel. Então havia de deitar sobre o seu lado direito por quarenta dias para carregar a iniqüidade da casa de Judá; e Deus acrescenta: “…um dia te dei para cada ano” (Ez 4:6). Essa passagem muitas vezes é aludida como evidência de essa teoria estar em conformidade com as Escrituras. Porém, seguramente não dá razão para raciocinarmos de que quando são especificados tempos e épocas nas escrituras proféticas pudesse ser aplicado o princípio de “um dia igual a um ano” como correto. No caso da grande profecia das setenta semanas, poderia aparentar termos um caso a respeito disso. Mas ali, como veremos quando chegarmos a considerar o nono capítulo, o termo “semana” não se refere de forma alguma a “sete dias”.

Fato é que sistemas de todos os tipos contraditórios entre si têm sido montados em cima dessa “ano-dia-teoria”. Datas para a segunda vinda do Senhor o cumprimento de outros eventos proféticos têm sido estabelecidas repetidas vezes, apenas para resultar em desapontamento e confusão e para dar ocasião aos inimigos da verdade para blasfemar quando as datas especificadas se passaram sem acontecer algo significante nelas. Tudo isso se baseia em algo que Deus jamais revelara.

Na ocasião que está diante de nós, Daniel declarara que o rei seria louco até que tivessem passado sobre ele sete tempos. Depois de exatamente sete anos, Nabucodonosor levantou os seus olhos, o seu entendimento lhe voltou, ele viu que Deus lidara com ele. Apreendeu a sua lição, louvou ao Deus Altíssimo, se voltou a Ele em arrependimento e O aceitou como o seu Deus. Então escreveu esse relato da sua conversão, para que outros pudessem, juntamente com ele, ser humilhados diante do único verdadeiro Deus e louvá-lo por causa da Sua misericórdia.

Assim será com as nações sobejantes depois dos juízos que haverão de acontecer no Tempo do Fim. Nabucodonosor tipifica adequadamente todo o poder gentílico como já notamos. Foi um poder altivo, insolente e desafiador referente aos céus. Esquecendo-se de Deus, a fonte verdadeira de autoridade e

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poder, se tornou igual às bestas da terra. Você conhece algo do seu andamento desde que crucificara o Senhor da glória. As nações têm sido loucas — totalmente privado de todo verdadeiro entendimento tal como o fora o dementado rei da Babilônia. Mas o dia se aproxima em que Deus, na Sua graça, porá fim a tudo isso e libertará um mundo em gemidos de todos os males de despotismo egoísta e ciúmes nacionais. A volta pessoa de Cristo dos céus concluirá o longo período de desgoverno gentílico. A criação geme pela hora em que o verdadeiro Rei será manifesto — quando o nosso Senhor Jesus Cristo mostrará a Seu tempo quem é o “bem-aventurado e único poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores” (1 Tm 6:15).

Esse “bem-aventurado e poderoso Senhor”, Ele é um governador verdadeiro e feliz!O mundo nunca vira um potentado feliz no passado. Shakespeare’s palavras se tornaram em ditado: “Ansiosamente se deita a cabeça que carrega uma coroa”. Porém, nos dias de nosso Senhor Jesus Cristo, quando Ele toma o cetro do poder e governa em justiça, então o mundo, pela primeira vez, verá um poderoso Governador feliz. Quem poderia medir a felicidade do Filho de Deus ao descer para tomar o reino pelo qual tem esperado há tanto tempo, quando Ele tem consigo a Sua amada noiva para compartilhar a Sua glória! Então “verá o fruto do trabalho da Sua alma, e ficará satisfeito” (Is 53:11). Serão estes os dias de céu na terra dos quais lemos em Cantares que o “tempo de cantar” terá chegado e toda criação redimida se regozijará debaixo do governo de Emanuel. Algumas traduções inserem duas pequenas palavras de forma que o texto reze: “o tempo de cantar dos passarinhos chegou”. Oh, como têm enfraquecido o sentido! Deveria ser simplesmente: “o tempo de cantar” — o tempo em que todos os santos celestiais cantarão hinos em Seu louvor lá da glória; o tempo em que Israel, abençoado na terra, se regozijará na Sua bondade e quando toda a criação se inclinará aos Seus pés para adorar. Ele se regozijará neles com cântico naquele dia da alegria do Seu coração. Então mostrará quem é aquele feliz e único poderoso Senhor. Aquele feliz e “poderoso Senhor” exclui todo pesar e desapontamento. Sobre a sua cabeça haverá muitas coroas. Todas as demais coroas serão lançadas diante de Seus pés, e reinará como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Felizes aqueles que naquele dia se tiverem humilhado nisso e, como Nabucodonosor, reconhecerem a justiça de Seus feitos com eles. Felizes aqueles que tiverem confessado os seus pecados diante dEle, e que estiverem capazes de exclamar jubiloso quando Ele descenderá em majestade: “Este é o nosso Deus — temos esperado por Ele”. De tais Ele regozijar-se-á, exclamando: “Ajuntai-me os meus santos, aqueles que fizeram comigo uma aliança com sacrifícios” (Sl 50:5).

Antes desse dia alvorecer é a trilha da sabedoria de “beijar o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se acender a sua ira” (Sl 2:12). Você já beijou o Filho? Isso quer dizer: Você se dobrou em arrependimento aos pés do Senhor Jesus Cristo e O reconheceu como o Seu legítimo Senhor? Se for assim, então você pode levantar os olhares e dizer em feliz confiança: “Vem, Senhor Jesus”. Porém, se você tiver feito isso ou não — o Senhor Jesus há de voltar, e voltará muito em breve. E realmente, o seu estado será infeliz para toda a eternidade, se Ele encontrar você em seus pecados, um estranho para Deus e não usufruindo da Sua graça. “Porquanto há furor, guarda-te de que não sejas atingido pelo castigo violento, pois nem com resgate algum te livrarias dele” (Jó 36:18). Agora esse resgate beneficia a todos que nEle crêem. Naquele dia, o sangue

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precioso de Cristo não será oferecido para salvação daqueles que menosprezaram o Espírito da graça e finalmente se recusaram a atender à mensagem do evangelho.

“Oh, não deixa partir o som, não fecha os olhos ante a luz! Não endureça o teu coração,

podias ser salvo — por que não já?

O mundo nada te dará — alegria não tem, prazer não há!

Olha a Jesus e viverá; podias ser salvo — por que não já?

Ele a ninguém recusará — alma, a Ele vem, e vem já! A obra da graça se iniciará;

podias ser salvo — por que não já?”

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Lição 5

CAPÍTULO 5

A ÍMPIA FESTA DE BELSAZAR E A DERROTA DE BABEL — O SISTEMA DO MUNDO EM FIGURA

Agora estamos nos ocupando com o findar da história do império babilônico — as últimas cenas solenes ligadas a queda da cabeça de ouro. Encontraremos nesse capítulo, tal como nos dois anteriores, um quadro de linguagem tipificada. Nesse caso específico temos a explanação da derrota do poder gentílico, especialmente sob o seu caráter religioso como a grande Babilônia nos Tempo do Fim. O relato dado referente à queda da Babilônia mística nos capítulos 17 e 18 de Apocalipse é evidentemente baseado em e intimamente ligado com aquilo que encontramos aqui.

Primeiramente convém observarmos que, embora o relato dado por Daniel referente à destruição da orgulhosa capital à beira do Eufrates concorde em grande medida com aquilo que nos foi deixado por Heródoto, o chamado “Pai da História” e por outros escritores da antigüidade, ainda assim o conto das Escrituras está sendo recusado por uma certa classe de críticos modernos como não confiável, por causa de supostas discrepâncias entre o relato bíblico e as inscrições em alguns dos recém decifrados monumentos. O pontos cardinais em questão são o título dado a Belsazar, filho de Nabonide, e a identidade de Dario, o medo. Porém, Belsazar reinava juntamente com o seu pai naquele tempo e era certamente “rei da Babilônia” ou “rei dos caldeus” no sentido de regente enquanto príncipe, tendo a sua sede na cidade imperial. O título “rei”, naqueles dias, não se aplicava somente ao monarca supremo; nem é, necessariamente, usado assim hoje em dia. É digno de nota, que, no capítulo 2, quando Daniel foi honrado por Nabucodonosor, o grande rei o fez segundo governador do reino. Neste, capítulo, porém, Belsazar lhe aponta a posição de terceiro regente, sendo que ele próprio claramente era o segundo. Dessa forma não há discrepância aqui, mas antes exatidão — exatidão esta que sempre se encontra nas Sagradas Escrituras.

Quanto a Dario, o medo, o nome dele certamente não aparece nos monumentos e Heródoto nos relata que Ciro estava no comando dos exércitos que conquistaram a Babilônia. Mas o nome Dario não deve necessariamente representar alguma dificuldade, pois os reis antigos muitas vezes são conhecidos por diversos nomes diferentes. De fato, não existem nem duas listagens dos reis medos posteriores dadas pelos historiadores antigos que concordassem entre si, e os monumentos aparentam diferir de todas elas. O último rei dos medos era Cyaxares II, que formou uma aliança com Ciro, seu sobrinho, e liderou uma parte dos exércitos dos reinos confederados à batalha. A sua idade, como dada por Heródoto, confere com a de Dario tal como relatada nesse capítulo (Dn 5:31). Os dois poderiam ser, portanto, idênticos. Por outro lado, alguns supõem que Dario seja idêntico com Gobryas que, conforme os relatos antigos, conduziu o cerco de Babilônia como representante dos reis aliados. A discrepância de nomes não é em nada maior do que aquela no caso de Cambyses e Atrodates — ambos os nomes referindo-se ao mesmo monarca. O primeiro é dado por Xenophon e o outro por

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Nicolas de Damasco. É um fato bem conhecido que as listagens dos reis medos dadas por Ctesias e Heródoto diferem em cada detalhe e que as cronologias são desesperadamente confusas e contraditórias. Ainda assim, o racionalista pesca e se agarra ansiosamente em cada aparente discrepância entre cronistas não confiáveis e muitas vezes até positivamente desonestos e o relato dado na Palavra de Deus. O cristão não precisa de temer que a História em momento algum refutará aquilo que temos relatados em nossas Bíblias. Nesse caso específico, Daniel era testemunha ocular. Ele escreveu os fatos tal como os via e conhecia. O seu testemunho, não falando da questão da inspiração divina, é certamente mais confiável do que aquele lisonjeiros cortesões ou de historiadores, conhecedores apenas por ouvir dizer, cujos fatos professos muitas vezes são indignos de crédito, altamente tingidos e opostos uns aos outros.

O que se apresenta de forma especial neste capítulo é a impiedade do poder gentílico como representado pelo regime de Belsazar — alcançando o seu clímax na profanação dos vasos que haviam sido tirados do templo do SENHOR em Jerusalém. Deus confiara o governo às nações, dando o domínio supremo a Nabucodonosor. Porém encontramos que desde o início falharam em render-Lhe a honra e a fidelidade que Lhe são devidas. Embora o próprio Nabucodonosor tivesse sido humilhado mais tarde, os seus sucessores, Evil-Merodaque8, Nabonide e o seu ímpio filho falharam completamente em se aproveitarem da lição apreendida por seu ilustre ancestral a tão grande custo.

Em tudo isso é fácil vermos todo o curso do governo enquanto confiado ao homem. Governadores orgulhosos e arrogantes se deleitam em tirar vantagem do fato de que “as potestades que há foram ordenadas por Deus” (Rm 13:1), porém, de modo geral, sem pensarem em procurar a Sua glória ou agir na condição de representantes dEle aqui na terra. Antes, procuram estabelecer a aumentar o seu próprio poder, deduzindo disso a doutrina do “direito divino dos reis”.

Pouco antes da abertura de nosso capítulo, Ciro o Grande, rei da Pérsia, entrara numa aliança com Cyaxares II, o seu idoso tio. Os reinos coligados sujeitaram várias nações ao norte e ao sul. Então determinaram de anexar o império babilônico, que se encontrava em estado de rápida decadência, aos seus domínios. Nisso, Ciro evidentemente era quem liderava, embora enquanto vivesse Cyaxares, ele tinha a primazia. Ciro, ainda que não o soubesse, era o flagelo do SENHOR como Nabucodonosor já o era antes dele. Quando Israel ofendera a Deus, Ele se valeu dos caldeus como vara de punição dEle para com eles. Nessa ocasião, Deus se valeria dos medo-persas para punição dos caldeus, que, por sua vez, se haviam mostrado insensíveis para todas as suas misericórdias para com eles.

Babilônia, naqueles dias, era a cidade mais magnífica e luxuriosa do mundo — devota de cada vício, e o centro e mãe da idolatria. Desde os dias de Ninrode e da torre de Babel até que fora apagada debaixo do céu, Babilônia havia sido o quartel-general para os mistérios pagãos. As suas muralhas, supostamente inconquistáveis, eram de tal largura, que vários carros podiam andar lado a lado em cima delas. O Eufrates percorria o centro da cidade, passando por baixo das muralhas. E, certamente, era esse rio, do qual as pessoas dependiam para o seu sustento — ainda assim fora destinado para se tornar o inimigo deles, porque após

8 Neriglassar e Laborosoarchode, reinando ambos por apenas pouco tempo depois da morte de Evil-Merodaque, não eram do sangue real.

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um cerco de muitos meses sem sucesso, os exércitos medo-persas concluíram que o único caminho de forçar entrada seria por meio do leito do rio. Conseqüentemente cavaram um canal novo ao redor da cidade sem que os babilônios atentassem para isso. Esse canal havia conexão com um lago próximo. Ainda na mesma noite em que a obra de desvio das águas do rio para fora do seu leito estava para ser concluída e o assalto final estava para ser feito, Belsazar, completamente inconsciente do perigo em que se encontrava a cidade, celebrava uma festa ímpia com milhares dos seus nobres em honra das divindades pagãs. Não era meramente uma festa que manifestava o orgulho do seu coração. Tinha um caráter muito pior do que esse, porque, em afronta ao SENHOR, Belsazar dava ordem de trazer os vasos de ouro do templo de Jerusalém, que foram trazidos para a Babilônia. Estariam para ser usados nessa ímpia festa pagã. Dessa forma beberam, e louvavam os deuses de prata e ouro, de bronze e pedra, e se esqueceram inteiramente, ou até mesmo blasfemaram abertamente, o Deus do céu. Foi nessa ocasião do ato coroador da sua impiedade, estando cheio o cálice da sua iniqüidade, que o repentino, doloroso e severo juízo de Deus caiu sobre eles. Deus nunca dá o golpe antes desse momento, quando age com as nações em juízo. Não podia permitir que o povo de Israel tomasse posse da terra de Canaã antes dos dias de Moisés, porque “a medida da injustiça dos amorreus não estava ainda cheia” (Gn 15:16). Assim era no caso de Babilônia. Ele tardava por muito tempo e permitiu que o Seu povo fosse povo de escravos a Nabucodonosor, ao filho dele e ao filho do filho dele, assim como predito por Jeremias, até que a maldade dos caldeus estivesse alcançado o seu auge.

Finalmente o momento funesto chegou. Naquele mesmo tempo, Belsazar estava em pé diante de seus nobres e nas suas mãos um dos cálices do templo destruído de Jerusalém. Estava louvando aos seus próprios deuses vãos e demoníacos. Então apareceram, perfeitamente visíveis por toda aquela multidão os dedos de uma mão de homem, escrevendo na caiadura da parede as palavras de sentença: “MENE, MENE, TEQUEL, UFARSIM”. Sem dúvida, todos os nobres presentes podiam decifrar as estranhas palavras, mas ninguém era capaz de dar-lhes significado ou conexão. Quando é dito que não podiam ler as palavras, isso quer dizer que não podiam lê-las inteligivelmente. Deus as escreveu no seu próprio idioma, mas quem poderia compreender quatro termos aparentemente sem conexão: “CONTADO, CONTADO, PESADO, DIVIDIDO”? Todos, por instinto, as reconheceram como uma mensagem do outro mundo, mas quem poderia interpretar a sentença?

Imagino Belsazar estando em pé com o cálice de vinho na mão. Posso ver a expressão terrível de horror que toma conta do seu semblante — a palidez da morte que se estende sobre o seu rosto. Vejo até o cálice caindo de sua mão sem vigor, vejo como ele se agarra no pilar para apoiar os seus membros trêmulos. A palavra de Deus diz: “os seus joelhos batiam um no outro” (Dn 5:6). Em vão ele clamava, com oca voz, pelos astrólogos, os adivinhadores e aqueles instruídos na erudição dos caldeus, para explicarem esse terrível presságio, porém: “não puderam ler o escrito, nem fazer saber ao rei a sua interpretação” (Dn 5:9). Enquanto estavam terrivelmente consternados, a rainha-mãe entrou. Parece que ocupara um lugar separado de toda aquela perversidade e festança daquela multidão. Quase que como um representante de um outro mundo ela aparece para informar o rei de alguém capaz — e disso ela tem certeza — de ler o escrito e de

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dar a sua interpretação. Ela diz: “Há no teu reino um homem, no qual há o espírito dos deuses santos; e nos dias de teu pai se achou nele luz, e inteligência, e sabedoria, como a sabedoria dos deuses; e teu pai, o rei Nabucodonosor, sim, teu pai, o rei, o constituiu mestre dos magos, dos astrólogos, dos caldeus e dos adivinhadores; porquanto se achou neste Daniel um espírito excelente, e conhecimento, e entendimento, interpretando sonhos e explicando enigmas, e resolvendo dúvidas, ao qual o rei pós o nome de Beltessazar. Chame-se, pois, agora Daniel, e ele dará a interpretação” (Dn 5:11-12).

Belsazar estivera completamente indiferente para com aquele homem que Deus usara nos dias de seu avô Nabucodonosor. Daniel, por sua vez, continuara de maneira quieta e humilde procurando a aprovação dAquele que é mais sublime do que mesmo os maiores aqui. Enviaram por ele com pressa e ele entrou para reprovar, por sua simples presença, aquela multidão sem Deus. Belsazar se dirigiu a ele com palavras lisonjeiras e lhe promete grandes honras caso lesse o escrito e mostrasse a sua interpretação. Seria vestido em escarlata, poriam um colar de ouro ao seu pescoço e seria o terceiro regente do reino.

Pobre e enganado monarca! De quão pouco valor seriam tudo isso na manhã seguinte! Quão pouco seria ter um feudo real na mão legitimando-o como terceiro regente do reino ao nascer do sol do próximo dia! Belsazar ignorava de que, enquanto acontecessem esses mesmos eventos no palácio, as águas do rio estavam sendo desviadas para aquele canal novo e os exércitos dos reis aliados, um bando poderoso, estava debaixo dos muros no leito seco do rio, despercebidos e não detectados, porque até mesmo os próprios guardas da cidade — assim conta Heródoto — estavam todos bêbedos. Nas ruas bem como no palácio, milhares de farristas estavam passando a noite em divertimento ímpio; orgias imundas estavam sendo perpetrados em honra dos deuses pagãos — e o exército persa estava sobre eles antes que mesmo estivessem cônscios do perigo.

E nem Daniel, suponho, não sabia nada disso. Porém, isso faz as suas palavras a Belsazar ainda mais solenes e sérias: “Então respondeu Daniel, e disse na presença do rei: As tuas dádivas fiquem contigo, e dá os teus prêmios a outro; contudo lerei ao rei o escrito, e far-lhe-ei saber a interpretação. Ó rei! Deus, o Altíssimo, deu a Nabucodonosor, teu pai, o reino, e a grandeza, e a glória, e a majestade. E por causa da grandeza, que lhe deu, todos os povos, nações e línguas tremiam e temiam diante dele; a quem queria matava, e a quem queria conservava em vida; e a quem queria engrandecia, e a quem queria abatia. Mas quando o seu coração se exaltou, e o seu espírito se endureceu em soberba, foi derrubado do seu trono real, e passou dele a sua glória. E foi tirado dentre os filhos dos homens, e o seu coração foi feito semelhante ao dos animais, e a sua morada foi com os jumentos monteses; fizeram-no comer a erva como os bois, e do orvalho do céu foi molhado o seu corpo, até que conheceu que Deus, o Altíssimo, tem domínio sobre o reino dos homens, e a quem quer constitui sobre ele” (Dn 5:17-21) E então notemos bem a terrível acusação referente ao vil monarca ante quem estava: “E tu, Belsazar, que és seu filho, não humilhaste o teu coração, ainda que soubeste tudo isto. E te levantaste contra o Senhor do céu, pois foram trazidos à tua presença os vasos da casa dele, e tu, os teus senhores, as tuas mulheres e as tuas concubinas, bebestes vinho neles; além disso, deste louvores aos deuses de prata, de ouro, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra, que não vêem, não ouvem, nem sabem; mas a DEUS, EM CUJA MÃO ESTÁ A TUA VIDA, E DE QUEM SÃO TODOS OS TEUS CAMINHOS,

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A ELE NÃO GLORIFICASTE. Então dele foi enviada aquela parte da mão, que escreveu este escrito” (Dn 5:22-24).

Daniel não falara diante de Belsazar tal como antes falara diante de Nabucodonosor. Não podia ter o mesmo respeito por ele que mantivera para com o seu avô. Havemos de recordar de que Daniel se afligia pensando no sofrimento pelo qual havia de passar o rei, quando Nabucodonosor contou o seu sonho da grande árvore, e disse: “Senhor meu, seja o sonho contra os que te têm ódio, e a sua interpretação aos teus inimigos” (Dn 4:19). Cuidadosa e afetuosamente rogou-lhe de arrepender-se dos seus maus caminhos. Dessa forma não falava a Belsazar. Sabia que a sorte desse estava selada, o seu dia de graça havia passado. Nele viu apenas um vil e ímpio degenerado que pecara não obstante da luz e conhecimento que tinha, e que não merecia nem simpatia nem compaixão. Ele estava ciente de que Belsazar havia continuado firmemente desafiando o Deus do céu até que a hora do juízo chegasse. Nada mais poderia impedir a ira do Santo justamente merecida. Fielmente o profeta procede em expressar ao rei culpado a sua pecaminosidade e impiedade. Então continua solenemente a leitura e interpretação da mensagem enviada do céu. Enquanto estava falando, os exércitos invasores estavam se aproximando mais e mais dos portões do palácio, mas o rei culpado e os seus nobres que o cercavam, estavam completamente inconscientes daquilo que acontecera à beira do rio.

O sentido das palavras é explicado da seguinte maneira: MENE “contado” — “Contou Deus o teu reino, e o acabou” (Dn 5:26). Os dias de experiência para Belsazar se passaram para todo o sempre. O dia do seu julgamento chegou.

TEQUEL “pesado” — “Pesado foste na balança, e foste achado em falta” (Dn 5:27). Aquele que se elevara a si mesmo em seus orgulho e tolice, foi achado “mais leve do que a vaidade” (Sl 62:9).

E então, vejamos bem, Daniel diz PERES “dividido”, uma forma da mesma palavra UFARSIM que leu na parede, implicando, porém, que a divisão já acontecera, porque ao invés de dizer “Deus está dividindo o teu reino”, ele declara: “Dividido foi o teu reino, e dado aos medos e aos persas” (Dn 5:28). Era tanto quanto dizer que o golpe já acontecera. Não mais significava que Deus estava para fazer isso, mas sim que já se cumprira. Enquanto Daniel estava interpretando, o reino havia passado a outras mãos.

A despeito de tudo isso, o néscio e não arrependido rei parece estar imaginando ainda estar em segurança. Ele oferece a Daniel as honras sem valor que lhe prometera, tentando de cumprir as promessas feitas como se estivesse ainda no auge da sua glória. A terrível crônica, porém do Espírito Santo é: “Naquela noite foi morto Belsazar, rei dos caldeus. E Dario, o medo, ocupou o reino, sendo da idade de sessenta e dois anos” (Dn 5:30-31). Assim a história da cabeça de ouro chegou ao fecho e o peito e os braços de prata entraram em cena. A Palavra de Deus se cumprira e naquela noite Babilônia caiu para jamais se levantar outra vez. Naquela destruição podemos ver prefigurado, como já indicado, a derrota de todo o poder e domínio gentílico no fim do tempo, e especialmente a ruína daquele sistema no livro de Apocalipse designado “Mistério, a grande Babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra” (Ap 17:5). É esse o sistema religioso desse mundo a ser destruído imediatamente antes da volta do Senhor do céu.

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Há os que ensinam que em algum momento futuro Babilônia estaria a ser restaurada literalmente para ser destruída novamente. Uma leitura cuidadosa de Jeremias 50 e 51, porém, deixará muito claro para toda mente espiritual, acredito,, que a sua destruição é perpétua e definitiva. A cidade nunca mais será reavivada. A Altíssimo afligiu o seu juízo sobre ela. A Babilônia mística, por sua vez, chegará ao seu clímax depois da Igreja ter sido arrebatada para estar com o Senhor, isto é quando o papado e todas as suas filhas formarão uma grande organização apóstata — o refúgio de todas as várias frações de uma cristandade que rejeita as verdades bíblicas. É nessa Babilônia que veremos aquilo de que a Babilônia histórica era uma figura.

A antiga Babilônia, como temos visto, era a cidade da idolatria e a expressão do orgulho do coração humano, combinando religião com egoísmo. A idolatria propriamente dita se iniciou ali. Era esse o lugar onde foi feito a grande torre e onde seres humanos diziam: “Façamo-nos um nome” (Gn 11:4). Quando construíram a torre, o pensamento que os preenchia não era o de fugir de outro dilúvio possível. Desejaram um centro ao redor do qual podiam se ajuntar, para que se fizessem um grande nome sobre a terra. Deus lhes havia dito de se espalharem, mas eles decidiram de não obedecer-Lhe. Não sujeitos a Ele em seu querer, se desviaram dEle para a adoração de demônios. Foi esse o início do paganismo. Ali começaram a adorar e servir à criatura mais do que o Criador. Todo sistema idolatra no mundo é simplesmente um ramo daquele primeiro sistema-mãe.

Dessa forma encontramos na Babilônia mística dos últimos dias a união de todas as igrejas humanas apenas suplantadas pela adoração do anticristo. Nos fala de uma glória ainda a ser gozada por um pequeno espaço de tempo pela igreja professa depois de o Corpo de Cristo ter sido arrebatado para o céu e durante a formação do império dos dez reis. Isso antes de os reis a as nações da terra se enfadarem da impostura contemptível e, se tornando completamente ateístas, queimarem a carne da prostituta com fogo, destruindo para sempre a grande igreja mundial que diz em seu coração: “Estou assentada como rainha, e não sou viúva, e não verei o pranto” (Ap 18:7).

Alguns possam perguntar: “Você não pensa que a grande Babilônia já está existente?” Certamente: A descrição da Babilônia em Apocalipse 17 coincide tão exatamente com o relato da história referente a igreja papal, que somos autorizados a identificá-la positivamente. Qual outra igreja tem se assentado sobre os sete montes da grande cidade que reina sobre os reis da terra? Qual outra igreja tem se embriagado durante séculos com o sangue dos mártires de Jesus? Qual outra igreja tem possuído o poder e prosperidade que lhe são atribuídos? E em que outro lugar encontraríamos uma organização religiosa que se deleita tanto em nomes de blasfêmia como ela?

Porém, a comunidade romana sozinha não constitui a grande Babilônia. A prostituta tem filhas que, tal como ela mesma, professam ser comprometidas com o noivo celestial enquanto estão cometendo fornicação com o mundo que O rejeitou. “Adúlteros e adúlteras, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus?” (Tg 4:4). Fornicação espiritual é, como um todo, a união da igreja com o estado; individualmente é a união do cristão com o mundo — uma aliança profana, oposta à toda a doutrina do Novo Testamento. Portanto, se Roma é

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expressivamente a grande prostituta, então as igrejas do estado9 são a sua descendência, e: “Como a mãe, tal as filhas”.

Logo as filhas dirigirão o seu caminho em direção ao lar, de volta aos braços de sua malvada mãe. Muito ouvimos em nossos dias de “reunificação da cristandade”. Não precisamos pensar nisso como se fosse o sonho de alguns entusiastas religiosas que não seja praticável. A cristandade, sem dúvida, será reunificada. Tudo aponta para tal fim, e nenhum estudioso sério das escrituras proféticas poderia questioná-lo por apenas um instante. Porém, quando acontecerá, será uma união sem Cristo, pois não acontecerá até que o Corpo de Cristo seja arrebatado, e todos que ficarão, terão lançado fora a sua sujeição à Palavra e ao Espírito de Deus e ao Senhor Jesus Cristo. A apostasia há de acontecer primeiro. Então o homem do pecado será manifesto.

O pecado do cristianismo é a rejeição do Espírito Santo. Em conjunto com isso, necessariamente, vai a rejeição das Escrituras dadas pelo mover do Espírito em corações e mentes de “homens santos de Deus”. Ligado a isso está o desejo de obter reconhecimento como poder no mundo, dominando as consciências dos seres humanos. Conseqüentemente, após a Igreja verdadeira ser arrebatada, todos os sistemas professas, sem dúvida, se unirão em um para exclamar orgulhosamente: “Não é esta a grande Babilônia que nós edificamos?” Regozijar-se-ão numa cristandade unida — unida por rejeitar a Cristo, desprezando o Espírito Santo e lançando desonra sobre a Palavra de Deus! Todos se encontrarão numa base carnal e satânica e durarão por pouco tempo somente antes de serem derrotados com indignação pelas nações, que se ofenderão com qualquer obrigação religiosa após a partida do Espírito da vida.

É para isso que vemos tudo vagueando. O orgulho e a altivez de Babilônia se tornarão tão insuportável que os seres humanos dirão tal como recentemente na França, Espanha e outros reinos latinos: “Não queremos igreja qualquer que seja; destruiremos todo o negócio e vamos levando a vida sem ele”. É essa a doutrina abertamente defendida por muitos socialistas e é para isso que claramente leva aquele sistema jactancioso de economia, embora pouco o notem os tais chamados socialistas cristãos.

Deus colocará em seus corações de cumprirem a Sua vontade. Ele pode fazer uso de uma coisa ruim para destruir outra, tal como muitas vezes o fez no passado. Fez uso da Pérsia para destruir a Babilônia, e ainda assim os persas também eram uma nação pecadora a ser arruinada no tempo determinado por um outro poder. E assim, no Tempo do Fim, um governo ateu será usado para destruir uma igreja sem Cristo, “porque é forte o Senhor Deus que a julga” (Ap 18:8). O seu destino chegará tão repentinamente e tão esmagador quanto veio sobre a Babilônia de Belsazar. “Com igual ímpeto será lançada Babilônia, aquela grande cidade, e não será jamais achada. E em ti não se ouvirá mais a voz de harpistas, e de músicos, e de flautistas, e de trombeteiros, e nenhum artífice de arte alguma se achará mais em ti; e ruído de mó em ti não se ouvirá mais. E luz de candeia não mais luzirá em ti, e voz de esposo e de esposa não mais em ti se ouvirá; porque os teus mercadores eram os grandes da terra; porque todas as nações foram

9 E também todas as igrejas que se envolvem nos negócios do estado sem serem “igrejas do estado”. — N.d.T.

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enganadas pelas tuas feitiçarias. E nela se achou o sangue dos profetas, e dos santos, e de todos os que foram mortos na terra” (Ap 18:21-24).

Antes dessa hora da vingança de Deus chegar, a mensagem está saindo: “Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados, e para que não incorras nas suas pragas” (Ap 18:4). Aquele que desejar ser fiel ao Senhor é chamado a andar em separação de tudo que leva o carimbo de Babilônia, recordando a palavra: “Não comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as” (Ef 5:11). No primeiro capítulo de Gênesis lemos como Deus criou uma separação, separando a luz das trevas. Essa separação Ele quer ver sempre mantida. Desde então, o diabo tem sido ativo, procurando a mesclar a luz e as trevas. O homem de Deus é chamado a andar em separação das trevas na condição de filho da luz e do dia. Seja assim conosco por amor ao Seu nome!

E agora, antes de finalizar esse assunto solene, gostaria de dirigir uma palavra de advertência aos não salvos. A ofensa de Belsazar foi essa: Embora soubesse dos lidares de Deus com Nabucodonosor, ele continuou pecando, agindo contra luz e conhecimento. Ninguém é tão culpável quanto os que agem dessa forma. E a todos esses uma palavra como a seguinte se dirige com poder horroroso: “O homem que muitas vezes repreendido endurece a cerviz, de repente será destruído sem que haja remédio” (Pv 29:1). Oh, deixe que seja alertado, lhe rogo, caso você tenha sido familiarizado por anos com essas coisas. Não ouse por mais tempo ainda desafiar a Deus no rosto, lançando a Sua Palavra atrás das suas costas.

Pouco você sabe de quão perto você possa estar do ponto final da paciência de Deus para com você. Ele hesita em graça, mas logo pode infligir o julgamento. O seu “MENE” em breve pode estar escrito na parede — os seus dias contados — a sua vida terminada! “TEKEL”, para você, pode ser verdade já agora — pesado, e encontrado em falta!

“Pesado na balança, e em falta —, pesado, mas sem Salvador —,

pesado, mas sem valor achou-se a tua alma, pesado, e estás mais leve que o ar.”

E, então, “PERES” selará o seu destino, e as suas oportunidades de

misericórdia estarão passadas para todo o sempre — o seu corpo um cadáver e a sua alma no inferno! Dividido — separado de tudo o que é bom, de tudo o que é santo — perdido para sempre, trancado numa eternidade sem Cristo!

Oh, atenta agora à palavra de advertência, lhe rogo, e fuja para salvar a vida à cidade de refúgio, que é o próprio Cristo Jesus, que diz: “O que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora” (Jo 6:37).

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Lição 6

CAPÍTULO 6

A PRESERVAÇÃO DO REMANESCENTE FIEL — EM FIGURA

No interessante incidente histórico trazido diante de nós pela pena da inspiração, temos um retrato de algo que deveria ser de conforto para toda alma confiante: O cuidado tenro de Deus de todos aqueles que andam justamente diante dEle e confiam em Seu amor e poder. Tal como os eventos anteriormente relatados, também esse tem o seu caráter tipológico, mostrando a posição peculiar de tribulação em qual o remanescente fiel de Judá se encontrará nos dias do anticristo.

A Dario, governador da Babilônia, pareceu bem, assim nos é dito, constituir sobre o reino cento e vinte príncipes; e sobre esses, três presidentes, cujo primeiro era Daniel. Dessa forma, o profeta foi designado para uma posição muito semelhante aquela de um primeiro ministro ou secretário de estado hoje em dia. Por causa da excelência de seu espírito e de sua fidelidade na administração dos assuntos de reino, ele foi preferido acima de todos os outros dignitários. Nessa posição elevada, como muitos outros em circunstâncias similares, ele se tornou o objeto de inimizade e ódio de conspiradores políticos sem princípios, que procuravam a sua própria promoção a custo da queda de Daniel. Embora eles mesmos fossem corruptos, procuravam ocasião contra ele, tomando por certo que ele fosse movido pelos mesmos motivos egoístas como eles. Ainda que se esforçassem de todas as maneiras de obter prova de alguma negligência das suas obrigações que servisse para que o acusassem diante do rei, por fim foram forçados a confessar: “Nunca acharemos ocasião alguma contra este Daniel, se não a acharmos contra ele na lei do seu Deus” (Dn 6:5).

Os astutos conspiradores, sabendo da intensidade de suas convicções religiosas, se uniram e esboçaram um estatuto, que — e eles se sentiram seguros disso, caso pudessem persuadir o rei a assiná-lo — asseguraria a queda do favorito do rei. Isso em mente, chegaram à presença do rei e, fingindo grande lealdade e zelo para a dignidade de seu ofício, disseram: “Ó rei Dario, vive para sempre! Todos os presidentes do reino, os capitães e príncipes, conselheiros e governadores, concordaram em promulgar um edito real e confirmar a proibição que qualquer que, por espaço de trinta dias, fizer uma petição a qualquer deus, ou a qualquer homem, e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões. Agora, pois, ó rei, confirma a proibição, e assina o edito, para que não seja mudado, conforme a lei dos medos e dos persas, que não se pode revogar” (Dn 6:6-8).

A sua afirmação obviamente estava errada, porque no mínimo havia um dos presidentes e ele ainda o chefe de todos que não havia sido consultado referente ao assunto; mas era esse, cuja ruína desejaram. Aqui Dario, embora fosse talvez nos seus princípios um homem excelente, mostra por causa de uma vantagem pobre, que podia ser facilmente persuadido por línguas lisonjeiras. Sem consultar o seu principal ministro, assinou o decreto. Assim o estabeleceu uma lei inalterável até mesmo por veto real. Assinando esse estatuto, Dario, na prática, se colocou no lugar a ser ocupado nos últimos dias por aquele homem do pecado, o

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homem sem lei. Se tornou uma figura do anticristo, que se “assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus” (2 Ts 2:4). E nesse instante é o momento certo para observar que possa haver uma vasta diferença entre aquilo que um homem é em si mesmo e o lugar que ocupa na tipologia das Escrituras. Dario, visto como homem, sem dúvida tinha um caráter bem diferente daquele do falso Messias que há de vir. Era gentil e amável e, como sabemos, mais tarde, se arrependeu profundamente por ter se permitido agir tão nesciamente. Mas na sua condição de rei, fazendo a si mesmo objeto de adoração e negando a liberdade de qualquer um de oferecer orações e adoração a outro Deus exceto a ele próprio, nessa condição prefigura adequadamente o anticristo.

Podemos observar o mesmo princípio revelado, por exemplo, no caso de Davi. Contemplado no seu ofício, ele constitui um dos mais perfeitos tipos de Cristo no Velho Testamento. Enquanto homem, ele possui as mesmas falhas e comete pecados tão sérios quanto muitos outros.

Depois que o monarca, em sua vanglória, se permitiu de o selo real no interdito infame, os conspiradores, sem dúvida, se congratularam a si mesmos, pensando que o destino de Daniel estivesse selado. A santidade de sua vida era uma contínua repreensão da sua impiedade, e a sua integridade salientava ainda mais a sua desonestidade. Quando lemos da sua incapacidade de encontrar algo para acusá-lo senão nas coisas do SENHOR, seu Deus, somos lembrados daquele versículo de Provérbios que nos diz: “Sendo os caminhos do homem agradáveis ao SENHOR, até a seus inimigos faz que tenham paz com ele (ou: que sejam quietos com ele)” (Pv 16:7), isso é: Não podem, se falarem a verdade, alegar alguma coisa contra o homem que anda com Deus.

Quando Daniel ficou sabendo que a escrita fora assinada, da sua parte não se evidenciava nem temor nem ostentação. Simplesmente seguiu em frente em seu curso pio de tal maneira como se nem existisse o decreto. Notemos — o versículo 10 nos diz: “Entrou em sua casa (ora havia no seu quarto janelas abertas do lado de Jerusalém), e três vezes no dia se punha de joelhos, e orava, e dava graças diante do seu Deus, como também antes costumava fazer”. Observemos: Não é dito que abria as suas janelas; é exatamente o contrário: “havia … janelas abertas” — fechá-las agora seria covardia; abri-las, se antes tivesse tido o hábito de mantê-las fechadas, teria sido provocar perseguição — atividade imprudente, para a qual os filhos de Deus jamais têm sido chamados. Daniel, porém, se recordava das palavras de Salomão, as quais orava referente a Israel: “Quando pecarem contra ti (pois não há homem que não peque), e tu te indignares contra eles, e os entregares diante do inimigo, para que os que os cativarem os levem em cativeiro para alguma terra, remota ou vizinha, e na terra, para onde forem levados em cativeiro, caírem em si, e se converterem, e na terra do seu cativeiro, a ti suplicarem, dizendo: Pecamos, perversamente procedemos e impiamente agimos; e se converterem a ti com todo o seu coração e com toda a sua alma, na terra do seu cativeiro, a que os levaram presos, e orarem para o lado da sua terra, que deste a seus pais, e para esta cidade que escolheste, e para esta casa que edifiquei ao teu nome, ouve, então, desde os céus, do assento da tua habitação, a sua oração e as suas súplicas, e executa o seu direito; e perdoa ao teu povo que houver pecado contra ti” (2 Cr 6:36-39).

Em pleno acordo com essas palavras, Daniel subia à sua casa três vezes ao dia e, ajoelhando-se em frente das suas janelas abertas para Jerusalém, oferecia as

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suas orações e ações de graças e fazia a sua confissão a seu Deus. E, então, quando sabia que tomava a vida na sua mão a cada vez que levava a cabo o seu pio costume, ele não recuava nem por um instante nem procurava de forma alguma esconder dos seus inimigos o fato de que ele tratava com o Deus de Israel. Quando ajoelhado, de cabeça curvada, voltado o rosto em direção à cidade desolada de Javé, Jerusalém, o lugar onde o SENHOR havia posto o Seu nome, podemos ter certeza de que a sua oração não era em nada menos fervorosa e as suas ações de graças nada menos reais por saber, e não podia evitar senão saber, que espias malignos estavam esperando para relatar a sua conduta ao rei, que, conforme as leis inalteráveis dos medos e persas, estava forçado a executar o previsto nelas e infligir a penalidade prescrita em cada ofensor.

Após terem se assegurado da evidência desejada, os conspiradores reapareceram na presença real, e fizeram acusação contra Daniel. Dario notou imediatamente o erro cometido e nos é dito que “até ao pôr do sol trabalhou para salvá-lo” (Dn 6:14). O rei, porém, se achou desamparado na mão de seus astutos conselheiros. Ele tinha que reconhecer a autenticidade do decreto e da sua assinatura. Ele não podia fazer outra coisa, a não ser notar que fora forçado. Nisso vemos uma grande diferença entre a cabeça de ouro e o peito de prata. A palavra de Nabucodonosor era absoluta. Não havia lei que o freasse: “A quem queria matava, e a quem queria conservava em vida” (Dn 5:19). Mas era diferente com os governadores persas. A lei do país tinha autoridade até mesmo sobre os reis. E em cada império que seguiu após esse, encontramos o poder imperial mais e mais restringido e a voz do povo fazendo se ouvir cada vez com mais força e intensidade até aos dias dos pés da imagem, parcialmente de ferro e parcialmente de frágil olaria — uma união de democracia social e imperialismo.

Dario achou ser impossível evitar o estatuto face a seus ministros insistentes, que exigiam a execução do decreto e lançar o chefe dos presidentes na cova dos leões. O rei parece ter tido algum sentimento na sua alma do poder do Deus de Daniel, porque, após de ter dado a sua ordem, disse-lhe confiadamente: “O teu Deus, a quem tu continuamente serves, ele te livrará” (Dn 6:16).

Assim Daniel foi lançado na cova e Dario teve uma péssima noite por causa disso num vaivém de emoções conflitantes de esperança e temor com respeito à sorte de seu servo. De manhã, vemo-lo já cedo na abertura da cova e, com grande aflição, chamando para descobrir se Daniel havia sido destruído ou libertado: “Daniel, servo do Deus vivo, dar-se-ia o caso que o teu Deus, a quem tu continuamente serves, tenha podido livrar-te dos leões?” (Dn 6:20). Era essa a ansiosa indagação expressando tanto uma medida de confiança naquilo que deve ter aprendido da parte do próprio Daniel no que diz respeito ao poder onipotente do Deus dele quanto a carência de familiaridade com Ele. Para sua alegria, achou que o Deus de Daniel era tão bom quanto a Sua Palavra e preservara o profeta ileso em meio das bestas vorazes. A resposta de Daniel é nobre em sua simplicidade: “Ó rei, vive para sempre!”— ele diz — “O meu Deus enviou o seu anjo, e fechou a boca dos leões, para que não me fizessem dano, porque foi achada em mim inocência diante dele; e também contra ti, ó rei, não tenho cometido delito algum” (Dn 6:21-22).

O rei mal orientado ficou feliz em saber de que a sua ignóbil estupidez não fez nenhum dano real a seu ministro e imediatamente ordenou que fosse tirado da cova. A lei fora satisfeita por completo e o profeta não sofreu nenhum mal. Assim

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Daniel foi libertado, porque havia crido em Deus. Que lição para santos em circunstâncias de provação em todos os lugares! “E qual é aquele que vos fará mal, se fordes zelosos do bem?” (1 Pe 3:13). Talvez não sempre agrade a Deus livrar-nos do mal, mas Ele sempre nos preservará em meio dele e, no fim, trazer os Seus em paz para fora do mesmo.

O rei, então, ordenou que todos os acusadores de Daniel juntamente com as suas casas fossem lançados na cova. Foi uma maneira pagã de afligir-lhes retribuição, visto que as mulheres e as crianças não eram os ofensores, porém estava bem de acordo com os conceitos orientais de justiça. Os leões se apoderaram deles, assim nos é relatado, e lhes esmigalharam todos os ossos no momento em que chegaram ao fundo da cova. Assim o justo foi liberto da tribulação, enquanto os maus sofreram no lugar dele.

Dario, então, fez um novo decreto que foi enviado a todos os povos, nações e línguas em todo o domínio medo-persa, decreto este em que pedia aos seres humanos em todos os lugares que tremessem e temessem perante o Deus de Daniel: “Porque ele é o Deus vivo e que permanece para sempre, e o seu reino não se pode destruir, e o seu domínio durará até ao fim. Ele salva, livra, e opera sinais e maravilhas no céu e na terra; ele salvou e livrou Daniel do poder dos leões” (Dn 6:26-27). Podemos ter esperança de que Dario apreendeu a mesma lição que fora ensinada a Nabucodonosor muito tempo antes em uma escola um tanto diferente. Quanto a Daniel, o relato diz que prosperou no reinado de Dario e no reinado de Ciro, o persa. Até que ponto a sua influência era importante com a emissão daquele decreto anos mais tarde que permitia aos judeus retornarem a Jerusalém não o sabemos, porém pouca dúvida pode haver que a sua voz fora ouvido por Ciro a respeito desse assunto.

É necessário agora demorar um pouco de maneira particular sobre o caráter tipológico de tudo isso. Toda a cena faz alusão a um tempo em que o povo de Daniel estará outra vez restaurado na sua terra, e se levantará entre eles um que se magnificará a si mesmo acima de tudo que é chamado de “Deus” e será adorado a tal ponto que se assentará no templo de Deus, querendo parecer Deus. Fará um decreto de que adoração e oração devem ser dirigidos exclusivamente a ele e outros deuses devem ser ignorados. Tudo isso será considerado ainda no seu devido lugar, quando chegamos a nos ocupar com a última parte do capítulo 11, onde, a partir do versículo 36, temos uma descrição viva do anticristo e de seus dias. Não entro em detalhes referente a noção de muitos protestantes (ou evangélicos) de que o papado seja o anticristo, porque também disso será tratado mais tarde. O que gostaria de esclarecer em especial agora é: A Palavra de Deus predisse de maneira distinta a volta dos judeus a Palestina, embora primeiro na incredulidade, e de todo o povo será tomado um remanescente em graça que se voltará ao Senhor. A massa reconhecerá as pretensões daquele obstinado que se apresentará na condição de Messias deles, enquanto o remanescente se distinguirá por sua notável oposição a seus decretos e por isso, como no caso de Daniel nesse capítulo, será chamado para passar por um período de severo teste, designado em ambos os Testamentos de a tribulação. Porém, de tudo isso, por fim, emergirão em triunfo pelo poder de Deus, e verão infligidas em seus inimigos a desolação e destruição que eles queriam lançar sobre o remanescente fiel.

Primeiramente, para que fique claro que a restauração de Israel, tão freqüentemente aludida nos profetas, ainda é futuro, gostaria de dirigir a sua

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atenção para o capítulo 11 de Isaías. Fará bem em ler o capítulo inteiro nas suas horas vagas, embora citarei aqui apenas alguns versículos, iniciando com versículo 11: “E há de ser que naquele dia o Senhor tornará a pôr a sua mão para adquirir outra vez o remanescente do seu povo, que for deixado, da Assíria, e do Egito, e de Patros, e da Etiópia, e de Elã, e de Sinar, e de Hamate, e das ilhas do mar. E levantará um estandarte entre as nações, e ajuntará os desterrados de Israel, e os dispersos de Judá congregará desde os quatro confins da terra… E haverá caminho plano para o remanescente do seu povo, que for deixado da Assíria, como sucedeu a Israel no dia em que subiu da terra do Egito” (Is 11:11-12 e 16). Que essa passagem não tem referência à volta da Babilônia no passado é evidente, porque nos é dito distintamente que o Senhor porá a sua mão outra vez (ou pela segunda vez) para adquirir o remanescente do seu povo. A primeira vez foi quando subiram dos domínio de Ciro e Artaxerxes, nos dias de Esdras e Neemias. A segunda restauração será quando serão tragos de volta não apenas daquelas terras, mas do Egito e de todas as ilhas do mar. Como retornarão é posto diante de nós no capítulo 18 do mesmo profeta. Ali aprendemos que uma grande nação marítima favorecerá a obra da restauração trazendo-os dos mais distintos lugares à sua antiga pátria. “Naquele tempo trará um presente ao SENHOR dos Exércitos um povo de elevada estatura e de pele lisa, e um povo terrível desde o seu princípio; uma nação forte e esmagadora, cuja terra os rios dividem; ao lugar do nome do SENHOR dos Exércitos, ao monte Sião” (Is 18:7).

Devia ser evidente que esse retorno há de acontecer para cumprir as promessas feitas por Deus aos pais. No capítulo 30 de Jeremias, o Senhor confirma a palavra de Isaías, dizendo: “Porque eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que farei voltar do cativeiro o meu povo Israel, e de Judá, diz o SENHOR; e tornarei a trazê-los à terra que dei a seus pais, e a possuirão” (Jr 30:3). E esse retorno é ainda futuro, porque em conexão com isso é dada a garantia de que “Jacó voltará, e descansará, e ficará em sossego, então haverá quem o atemorize” (Jr 30:10). Isso dificilmente pode ser dito referente ao retorno anterior da Babilônia, porque em nenhum momento até quando foram outra vez expulsados da sua terra depois da rejeição do Messias eles habitaram em descanso e sossego imperturbados por seus inimigos possuindo a terra. Mas eles são o povo do SENHOR, apesar de todos os seus pecados. E a seu próprio tempo cumprirá ao pé da letra todas as promessas feitas a eles. Que eles hão de passar por um período de severa provação antes de entrar no descanso prometido é igualmente claro, pois o mesmo capítulo e muitas outras porções das Escrituras testemunham disso: “Porque assim diz o SENHOR: Ouvimos uma voz de tremor, de temor mas não de paz. Perguntai, pois, e vede, se um homem pode dar à luz. Por que, pois, vejo a cada homem com as mãos sobre os lombos como a que está dando à luz? E por que se tornaram pálidos todos os rostos? Ah! porque aquele dia é tão grande, que não houve outro semelhante; e é tempo de angústia para Jacó; ele, porém, será salvo dela” (Jr 30:5-7).

Poderíamos nos voltar a Isaías, capítulo 24 para uma descrição mais completa desse tempo de aflição, a grande tribulação. Os primeiros doze versículos descrevem a terra de Palestina tal como será naqueles dias de angústia. A palavra “terra”, ao longo do capítulo, deve ser considerada no sentido de “país / terra” e não no sentido de “terra = globo terrestre = astro Terra”. Notemos versículos 13-14: “Porque assim será no interior da terra, e no meio destes povos, como a sacudidura da oliveira, e como os rabiscos, quando está acabada a vindima. Estes

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alçarão a sua voz, e cantarão com alegria; e por causa da glória do SENHOR exultarão desde o mar”. Aqui encontramos o remanescente distinguido da massa. Ao invés de estarem esmagados em desespero por causa dos sofrimentos quando serão, como podemos dizer, lançados naquela cova de leões, eles levantarão as suas vozes em cântico, tal como Daniel glorificava o Deus do céu. Neles se cumprirão as promessas preciosas de Isaías, capítulo 43, no dia em que o Senhor dirá “ao norte: Dá; e ao sul: Não retenhas; trazei meus filhos de longe e minhas filhas das extremidades da terra. A todos os que são chamados pelo meu nome e os que criei para a minha glória, os formei, e também os fiz” (Is 43:6-7). Esses serão testemunhas do SENHOR, testificando do poder e da glória do único Deus verdadeiro em tempos em que a cristandade apóstata será dada à forte ilusão da crença na mentira do anticristo.

O profeta Ezequiel, no capítulo 36, prediz tanto a sua dispersão bem como a sua volta. Versículo 24 diz: “E vos tomarei dentre os gentios, e vos congregarei de todas as terras, e vos trarei para a vossa terra”. Os versículos que seguem mostram que naquele tempo serão purificados de toda a sua impureza. Um novo coração e um novo espírito ser-lhes-á dado. O Espírito de Deus colocado neles, fará com que andem em Seus estatutos e guardarão os Seus juízos para fazê-los. Agora pergunto a cada pessoa que não tenha preconceitos: Isso se tem cumprido em algum momento no passado? Quando o remanescente de Judá retornou de Babilônia, eles manifestaram alguma evidência de terem sidos regenerados como um todo ao ponto de encontrarem prazer na lei do Senhor? Não foi o contrário que era fato, como evidenciado em se desviarem de Seus estatutos até mesmo durante os dias de Esdras e de seu colaboradores e mais tarde na crucificação do Senhor da glória?

As revelações do Novo Testamento referente a esse assunto nos mostram claramente que a recuperação deles acontecerá após o término da presente dispensação. Na profecia de nosso Senhor referente à destruição de Jerusalém, tal como relatado no capítulo 21 de Lucas, Ele diz: “Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação… E cairão ao fio da espada, e para todas as nações serão levados cativos; e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem” (Lc 21:20 e 24). A restauração de Jerusalém aguarda, então, o tempo em que a pedra cair sobre os pés da imagem gentílica. Isso, como já vimos, concluirá os tempos dos gentios. Uma passagem coligada a essa em Romanos 11 nos mostrará onde e quando situarmos corretamente a volta do remanescente para Deus. No versículo 25 daquele capítulo o apóstolo escreve: “Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado”. Agora não devemos confundir a plenitude dos gentios com os tempos dos gentios. A última expressão engloba todo o curso da dominação gentílica na Terra Santa. Enquanto o judeu não é senhor na Palestina, os tempos dos gentios continuam em andamento. Mas a plenitude dos gentios, como o contexto desse capítulo esclarece, é uma expressão com referência a bênção espiritual e não nacional ou temporal. Essa plenitude terá sido entrado quando a mensagem do evangelho tiver cumprido o propósito para qual fora dada, e quando Deus tiver cumprido a Sua obra presente de tomar de entre os gentios um povo para o Seu nome. Em outras

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palavras: a plenitude dos gentios e o arrebatamento da Igreja coincidem.10 Por isso haverá um período de tempo entre a plenitude dos gentios e o término dos tempos dos gentios — período de tempo esse em que a maior parte das profecias encontrarão o seu cumprimento. É esse o período designado em Daniel como “o Tempo do Fim”. Uma referência ao mapa ajudará a esclarecer a própria posição. A linha que atravessa o mapa abaixo da porção de parêntesis — que representa a época presente — continua a plenitude dos gentios. A linha mais em baixo, imediatamente acima da inscrição referente ao reino, representa o término dos tempos dos gentios. Entre essas duas linhas temos o Tempo do Fim; é então que a conversão e a provação do remanescente ocorrerá.

Os últimos capítulos de Zacarias dizem-nos muito sobre aquele tempo de tribulação e o testemunho mantido em meio dela. Me refiro agora a somente dois versículos — capítulo 13:8-9: “E acontecerá em toda a terra, diz o SENHOR, que as duas partes dela serão extirpadas, e expirarão; mas a terceira parte restará nela. E farei passar esta terceira parte pelo fogo, e a purificará, como se purifica a prata, e a provarei, como se prova o ouro. Ela invocará o meu nome, e eu a ouvirei; direi: É meu povo; e ela dirá: O SENHOR é o meu Deus”.

A maior parte do livro de Apocalipse começando com capítulo 4 até o final do capítulo 19 trata dos eventos do Tempo do Fim. Os santos vistos na terra, naquele tempo, não são cristãos, mas judeus chamados a sofrer por causa de seu Messias outrora rejeitado. Parece-me que no capítulo 7, depois do relato dos 144.000 mil selados de todas as tribos de Israel, temos retratado uma grande multidão de salvos de entre os gentios que ninguém pode contar.Porém, eles não fazem parte da Igreja nem aparecem no decorrer do livro como sendo um testemunho na terra. Eles saem da grande tribulação, emergindo finalmente para ocupar o seu lugar no reino mundial de nosso Deus e de Seu Cristo. É exclusivamente a porção do remanescente israelita a quem o testemunho é dado11. Esse remanescente então guardará a Palavra do Senhor; perscrutarão as Escrituras; é delas que aprenderão a respeito de seu próprio lugar no curso do tempo. Entenderão que a plenitude dos gentios entrou e que Deus está lidando novamente com o seu povo terrestre. Não duvido em nada que esse mesmo livro de Daniel que estamos estudando lhes mostrará onde que estão e os guiará a procurar a face de Deus e a estar do lado dEle em um tempo em que toda a cristandade e a grande massa de seu próprio povo terão entrado na última grande apostasia. Por meio deles uma última chamada sairá para os pagãos que jamais têm ouvido o evangelho nem rejeitaram a sua mensagem preciosa. O resultado desse ministério será o ajuntamento de uma grande multidão a nos mostrado na capítulo 7 de Apocalipse.

Com isso finalizamos a presente lição e quero estimular a cada um de buscar nas Escrituras por si só para ver se essas coisas realmente são assim.

10 Num livrete intitulado “Os Mistérios de Deus” entrei mais detalhadamente nesse assunto. 11 Um panfleto de J. N. Darby, “What Saints will be in the Tribulation?” — “Quais santos haverá na tribulação?”, e um outro da autoria do escritor desse livro: “Who will be Saved in the Coming Period of Judgment?” — “Quem será salvo no período vindouro de juízo?”

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Lição 7

CAPÍTULO 7

OS QUATRO GRANDES IMPÉRIOS MUNDIAIS E O CHIFRE PEQUENO DO OESTE

Agora estamos entrando na segunda parte de nosso livro. Neste capítulo temos um novo começo como verá facilmente olhando para o mapa. O capítulo 7 ocupa basicamente o mesmo campo do que o capítulo 2. Cobre todo o curso dos tempos dos gentios, iniciando com Babilônia e terminando na derrota de toda a autoridade derivada e no estabelecimento do reino do Filho do Homem. A diferença, porém, entre a primeira e a segunda divisão é esta: Naquilo que já contemplamos, nos ocupamos principalmente com a história profética vista do ponto de vista humano. Na segunda metade do livro temos as mesmas cenas visto na luz imaculada de Deus. No segundo capítulo, quando um rei gentílico teve uma visão do curso dos impérios mundiais, ele viu a imagem de um homem — uma figura imponente e nobre — que o encheu de tanta admiração ao ponto dele mesmo levantar uma estátua semelhante para ser adorada como um deus. Neste capítulo de abertura da segunda divisão, Daniel, o homem de Deus, tem uma visão dos mesmos impérios e ele os vê como quatro bestas selvagens de caráter tão brutal e tão monstruoso que nenhuma criatura real conhecida por homem algum poderia adequadamente descrevê-los.

Há algo extremamente solene nisso. Se você ler história como visto simplesmente pelo homem natural, encontrará que um grande espaço é dado a elogiar a humanidade por causa de seus maravilhosos feitos heróicos. Até poderia se supor que agora já alcançamos um estado de quase-perfeição no que diz respeito ao governo humano ou à economia política. A civilização e o progresso da raça humana presumivelmente chegaram ao auge de sua glória. Quando se lê, porém, história à luz das Sagradas Escrituras com o Espírito de Deus iluminando às páginas, então, certamente, receberemos uma impressão bem diferente. Então, começamos a notar que as coisas estimadas altissimamente entre os homens são abominações aos olhos de Deus. E, no que se refere aos grandes dessa terra que exercem o poder sobre as nações, somos lembrados daquilo que está escrito no salmo 49, versículo 12: “Todavia o homem que está em honra não permanece; antes é como os animais, que perecem”.

Nas visões de Daniel, lhe fora dado ver a evolução de cada um desses impérios prefigurados por essas bestas selvagens. Isso é, cada besta selvagem porta um tal caráter que é capaz de prefigurar as características principais vistas na história integral do império representado por ela. Por exemplo: Toda a evolução de Babilônia é demonstrada pelo leão alado, cujas asas, mais tarde, foram arrancadas e que foi posto em pé como homem, dando-lhe um coração de homem. Depois toda a evolução de Medo-Pérsia é exemplificada na visão do urso com três costelas na boca, que se levantou de um lado. Toda a história do Império Grego e de sua quádrupla divisão é demonstrado por meio do leopardo de quatro cabeças e quatro asas. E a evolução contínua do Império Romano até o Tempo do Fim (uma condição ainda não alcançada) é prefigurada na besta, terrível e espantoso com os dentes grandes de ferro e os dez chifres. É importante vermos isso. Alguns tomam

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por certo que, uma vez que o Império Romano saiu de cena, tudo que está ligado à essa besta romana também teria chegado ao fim e que assim não estaria mais de interesse para nós que vivemos na dispensação do evangelho da graça; o contrário, porém, é verdade.

Agora, pois, por um momento, olhemos para o versículo 17. Ali é dito que os quatro animais são “quatro reis, que se levantarão da terra”. Todavia, o contexto esclarece que o anjo não estava falando de quatro reis como indivíduos. Nas escrituras proféticas, o termo “rei” muito freqüentemente é usado no sentido de “reinado”. No versículo 23 lemos: “O quarto animal será o quarto reino na terra”. Necessariamente esse princípio é válido para todos. Ainda assim, por outro lado, gostaria que notassem bem que em conexão com cada um desses reinos um rei se destaca de maneira proeminente — em todos os casos exceto o último sempre é aquele durante cujo governo o reinado obteve a dignidade de uma grande poder mundial. Assim, Nabucodonosor se apresenta diante de nós como aquele que representa de maneira distinta a Babilônia — exatamente como lhe fora dito no capítulo 2: “Tu és a cabeça de ouro” (Dn 2:38). O leão alado, por sua vez, representa tanto a glória como o enfraquecimento do Império Caldeu. As suas asas lhe foram arrancadas, perdeu o seu coração de leão e no lugar lhe foi dado um coração humano. Ciro o Grande é figura preponderante quando pensamos na Medo-Pérsia. Foi ele que destruiu as principais cidades babilônicas, das quais, aparentemente, falam as três costelas na boca do urso. O leopardo claramente faz alusão a Alexandre o Grande, e as quatro asas falam da quase incrível rapidez de suas conquistas. As quatro cabeças, por sua vez, representam a quádrupla divisão de seu domínio feita por seus principais generais após a sua morte. Na última visão, nenhum grande potentado resuma em si só a autoridade romana. Olhamos para o futuro que alguém se levante capaz disso — certamente a “besta” descrita em Apocalipse 13 que obterá controle sobre Europa imediatamente antes do estabelecimento do reino do Filho do Homem, quando toda a autoridade, glória e todo o poder estarão encabeçados por nosso Senhor Jesus Cristo.

Embora esse reinos surjam sucessivamente, um não destrói completamente o outro. As quatro grande monarquias com as suas características específicas de alguma forma têm seqüência até a vinda de Jesus. Até que vier a aurora daquela gloriosa manhã sem nuvens, esse mundo jamais estará livre de guerra e derramamento de sangue, pestilências, desgoverno e males parecidos. Todas essas coisas continuarão como a Escrituras nos mostra. Enquanto isso, o mal na igreja professa aumentará e abundará até aquela hora tão esperada do estabelecimento da liberdade da glória.

Por vezes as pessoas dizem: “Não vejo o porquê de você tão ardentemente desejar a segunda vinda do Filho de Deus se realmente for verdade que o dia da graça terminará para aqueles que têm rejeitado a Sua Palavra”. Nós, porém, sabemos que a única esperança desse pobre mundo é o retorno do Rei verdadeiro. As coisas jamais estarão sendo colocadas em ordem aqui em baixo até que forem postos em ordem pelo juízo. A pregação do evangelho jamais estabelecerá o Reino, nem era a intenção de Deus fazê-lo por meio do mesmo. Após 1.900 anos de pregação do evangelho, há mais pagãos no mundo do que na primeira aparição do Senhor Jesus Cristo. Aqueles que realmente são cristãos são apenas um punhado de gente comparado à multidão que não conhece a Deus. O evangelho não é o caminho de Deus para trazer o Reino e converter o mundo. Isso

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acontecerá apenas por meio de juízo; e embora recuemos quando pensarmos naquelas terríveis coisas que virão sobre essa pobre cena, ainda assim nos conscientizamos isso ser o único caminho para a bênção esperada pela criação gemendo. E assim clamamos “Vem, Senhor Jesus”, porque sabemos que Ele é a única esperança para a libertação. Todos os conflitos entre as nações, cada luta entre interesses de várias classes sociais, todas as crueldades praticadas contra os fracos e indefesos — todas essas coisas nos levam a exclamar: “Vem, Senhor Jesus”. Porque quando vier, Ele porá fim em tudo isso. Quando Ele vier, secará as lágrimas dos oprimidos. Quando Ele vier, dará um governo justo aos homens tal como Daniel o viu prefigurado na última dessas visões. Primeiramente, todos os quatro impérios mundiais, todos de caráter brutal, devem tomar o seu curso. Então, após o total colapso do poder na mão do homem, o império mundial do Cristo de Deus será levantado e a justiça virá sobre a terra como as águas do mar. E podemos descansar seguros de que o Senhor não virá enquanto ainda tenha uma alma sem Cristo ansiosa para ser salva.

Notemos que as primeiras três bestas não são comentadas na interpretação dada a Daniel. Essa tem a ver quase integralmente com a quarta besta, terrível e espantosa, porque esse animal estaria no controle tanto na primeira como na segunda vinda de nosso Senhor.

Agora gostaria de entrar em alguns detalhes de todo o capítulo um pouco mais cuidadosamente. Era no primeiro ano do rei Belsazar, rei de Babilônia, que Daniel teve um sonho e visões da sua cabeça na sua cama. Ele viu os quatro ventos do céu agitando o grande mar. O grande mar, com certeza, ser refere ao Mediterrâneo. E é muito bem conhecido que cada um dos impérios descritos nessa profecia formava fronteira nas praias do grande mar. O reino e Babilônia englobava as costas no leste e sudeste do Mediterrâneo; com Medo-Pérsia era a mesma coisa; enquanto isso, a Grécia ocupava também as costas no nordeste e o Império Romano o circundava por completo. Por isso veio a ter o seu nome “Mediterrâneo”, que significa “o meio / o centro da terra”. Foi esse o mar para a qual Daniel olhava na sua visão. E num sentido muito real e literal cada um dos impérios parece ter a sua origem no grande mar.

Se formos para o capítulo 17 de Apocalipse — um livro que encaixa com o livro de Daniel — receberemos uma interpretação mística do mar. No versículo 15 lemos: “E disse-me: As águas que viste, onde se assenta a prostituta, são povos, e multidões, e nações, e línguas”. Isaías também nos relata que os ímpios são como o mar agitado que não descansa e cujas águas lançam para fora lodo e sujeira. Assim podemos claramente justificar a interpretação que o mar é uma imagem das nações agitadas. Em outras palavras — do estado desordenado das nações na circunvizinhança do Mediterrâneo esses grandes impérios surgiriam

Os quatro ventos agitando o mar indicam agentes operantes sobre as mentes das pessoas. A figura do vento também se encontra empregada dessa forma no livro de Apocalipse. Certamente, embora os seres humanos pouco o realizem, todos os grandes movimentos das nações estão em acordo com as atividades da providência de Deus. Assim, num sentido bem real, um outro disse com razão: “Toda a história é Sua história”. Independente de que sejam os movimentos entre os homens, Deus está acima de todos eles. Ele talvez possa estar como escondido atrás da cena, mas, como claramente mostrado no livro de Ester, Ele controla todas as cenas atrás das quais está.

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No aclive da Babilônia para a dignidade do primeiro domínio, veremos a providência de Deus operando entre as nações para remover a realeza de Judá, por causa de seus pecados. Quando a raça caiu em idolatria depois do dilúvio, Deus concedeu a liderança a Abraão. Porém, quando a semente de Abraão violou a aliança, então Ele fez uso de Nabucodonosor e o colocou acima de todas as nações; mas ele também falhou, embora, por fim, chegasse a reconhecer o poder e misericórdia de Deus.

Na sua visão, Daniel viu quatro grande animais saindo do mar, um diferente do outro. O primeiro era como um leão e tinha asas de águia — falando de majestade, ferocidade e velocidade. Foi num espaço de tempo maravilhosamente curto que Babilônia subjugou todas as nações vizinhas e as levou debaixo do seu poder. Porém, quando Daniel olhou, viu as asas arrancadas e o animal posto em pé como um homem e lhe foi dado o coração de um homem. Assim todo o progresso chegou ao fim e a majestade se apartou, porque dificilmente se pode imaginar algo mais desajeitado e desazado do que um leão ereto dessa forma. O coração de homem nos fala de fraqueza como a vemos manifesto em Belsazar. De fato, depois da morte de Nabucodonosor, o declínio começou de imediato e continuou até os dias em que os medos e persas tiraram o seu neto inglório do reino. Quando essa visão foi dada a Daniel, o último estado tinha sido quase alcançado. Belsazar já estava reinando.

Em segundo lugar, Daniel viu um animal como um urso saindo do mar, levantando-se de um lado. Na sua boca tinha três costelas entre as suas dentes e uma voz dizia: “Levanta-te, devora muita carne” (Dn 7:5). Foi depois da queda do Império Babilônico, que a união medo-persa se realizou. No princípio, a Média era mais forte, mas logo se tornou evidente que os persas haveriam de ocupar o lugar superior. Assim o urso se levantou de um lado. As três costelas entre os seus dentes indicam que já destruíra a sua presa. Destruíra o leão babilônico e as três costelas podem simbolizar as três cidades principais do Império Caldeu — Babel, Ecbatana e Borsipa — que foram todas tomadas pelos exércitos unidos de Ciro e Cyaxares. O comando para se levantar e devorar muita carne indica as extremas crueldades muitas vezes praticadas pelos persas, e também a larga extensão de suas conquistas.

O terceiro animal tinha aparência de um leopardo, com quatro asas de ave nas suas costas e quatro cabeças. Simboliza uma sinopse da história do Império Grego. Uns trezentos anos antes de Cristo, Alexandre o Grande, como é conhecido, nasceu como herdeiro de Filipe de Macedônia. Não era mais do que um dos minúsculos reinos da Grécia; mas depois da ascensão de Alexandre ao trono, Macedônia, e por meio dela toda a Grécia, tomou uma lugar nos assuntos mundiais e das nações que nunca ocupara antes. Ele uniu os estado gregos e os reinos asiáticos do oeste e então se voltou em direção a leste, onde encontrou e subjugou por completo a altivez da Pérsia. Ele próprio se fez ser proclamado imperador do mundo e honras divinas lhe foram dadas. Porém, a sua glória era de pouca duração, porque morreu, como resultado de uma vida libertina e devassa, pouco após ter completado os seus trinta anos. Os seus domínios logo foram divididos entre os seus generais líderes. O progresso maravilhoso de Alexandre — maior ainda do que o de Nabucodonosor — é indicado nessa visão; porque o animal que representou a Babilônia tinha duas asas, enquanto o leopardo grego tinha quatro.

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Há uma história interessante relatado por Joséfo. Quando Alexandre estava marchando pela Síria, após a conquista de Tiro, e os seus exércitos se dirigiam a Jerusalém com a intenção de destruí-la, o sumo sacerdote e os seus companheiros colocaram as suas vestes sacerdotais e marcharam numa procissão solene para fora da cidade a encontrar o conquistador. É dito que Alexandre tenha reconhecido o sumo sacerdote como alguém que tinha visto em visão. De sua mão recebeu uma cópia do livro de Daniel em que as profecias referente a sua pessoa estavam relatadas. Por causa daquilo que ali estava escrito, ele aceitou a sujeição dos judeus, lhes concedeu tolerância religiosa e deixou a sua cidade em paz. Enquanto não temos meios para decidir se esse relato é verdade ou não, podemos ainda assim facilmente ver que não é impossível.

O quarto animal é descrito nos versículos 7 e 8: “Depois disto eu continuei olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível e espantoso, e muito forte, o qual tinha dentes grandes de ferro; ele devorava e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dele, e tinha dez chifres. Estando eu a considerar os chifres, eis que, entre eles subiu outro chifre pequeno, diante do qual três dos primeiros chifres foram arrancados; e eis que neste chifre havia olhos, como os de homem, e uma boca que falava grandes coisas” (Dn 7:7-8).

O Império Grego, por sua vez, foi destruído. E, meio século antes de Cristo, Roma se tornou a dona do mundo. O próprio nascimento do Senhor Jesus em Belém, humanamente falando, foi levado ao cabo por meio de um decreto de César Augusto para que todo o mundo se alistasse (deixasse registrar para um censo). Isso levou Maria o seu futuro marido José à cidade de Davi profetizada por Miquéias para ser o lugar de nascimento dAquele “cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5:2). No mapa, apresentei esse animal tendo um caráter composto, porque acredito que corresponde ao animal descrito em Apocalipse, capítulo 13, como tendo a cabeça de leão, o corpo de um leopardo e os pés de um urso. Assim embute em si todas as características principais de todos os reinos simbolizados pelos outros animais. Era o orgulho dos romanos de que nunca tivessem destruído a civilização quando conquistaram algum povo; mas tiraram de lá tudo aquilo que era digno de atenção de combinaram tudo numa coisa só, produzindo assim a maior civilização já conhecida pelo mundo. A evolução desse último animal ainda não está completa. No livro de Apocalipse, está descrito como tendo sete cabeças, e uma delas foi ferida até à morte, depois, porém, curada. As sete cabeças, diz-se, são sete reis ou formas de governo. Na época de João, cinco já haviam passado; a sexta, ou seja a forma imperial, estava em existência. A outra ainda não chegara, nem tem aparecida até a época presente.Terá o seu cumprimento na união do imperialismo com a democracia que vai acontecer no Tempo do Fim. Como, porém, a interpretação dessa visão é dada mais tarde nesse capítulo não entraremos em detalhes agora.

Em seguida, Daniel viu tronos sendo postos. É interessante notarmos que a expressão aramaica usada aqui literalmente significa “foram jogados para baixo”. Isso faz referência ao costume de jogar tapetes e almofadas no chão para fazer um trono-divã. Traduzir assim, porém, no português, daria a idéia de destruir os tronos e assim “postos” fica melhor. Continua: “E um ancião de dias se assentou; a sua veste era branca como a neve, e o cabelo da sua cabeça como a pura lã; e seu

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trono era de chamas de fogo, e as suas rodas de fogo ardente. Um rio de fogo manava e saía de diante dele; milhares de milhares o serviam, e milhões de milhões assistiam diante dele; assentou-se o juízo, e abriram-se os livros” (Dn 7:9-10). Então, Daniel viu que, por causa das palavras blasfemas do chifre pequeno, o último animal foi morto e o seu corpo destruído e lançado na chama ardente. Os outros animais não haviam sido tratados tão sumariamente. O seu domínio lhes fora tirado, mas uma continuação de vida lhes fora dada. Isso confere com aquilo que sabemos da história.

Em seguida, o Filho do Homem é visto vindo com as nuvens do céu e se dirigindo ao ancião de dias. Esse lhe dá “o domínio, e a honra, e o reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem; o seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e o seu reino tal, que não será destruído” (Dn 7:14). Com isso a visão termina; o que segue é a interpretação.

O espírito de Daniel foi abatido dentro dele, por causa de tudo que vira. Um anjo, porém, parece ter estado do lado dele e rogou por luz quanto “à verdade acerca de tudo isto” (Dn 7:16). Esse lhe diz que os quatro animais representam quatro reis ou reinos, assim como já vimos, mas que “os santos do Altíssimo receberão o reino, e o possuirão para todo o sempre, e de eternidade em eternidade” (Dn 7:18). Daniel, porém, deseja receber informação mais completa quanto ao significado do quarto animal e, em especial, sobre o chifre pequeno, aquele que “tinha olhos, e uma boca que falava grandes coisas, e cujo parecer era mais robusto do que o dos seus companheiros” (Dn 7:20), aquele que tirou três dos dez chifres e que fazia guerra com os santos e prevalecia contra eles “até que veio o ancião de dias, e fez justiça aos santos do Altíssimo; e chegou o tempo em que os santos possuíram o reino” (Dn 7:22). O anjo explica que do quarto reino surgirão dez reis — claramente ao mesmo tempo. De entre esses, mais tarde, se levantará outro diferente dos primeiros e subjugará três deles. Esse será caracterizado por blasfemar o nome do Altíssimo. Ele não pode ser outro do que a besta de Apocalipse 13 e 17. Perseguirá os santos do Altíssimo — os santos do remanescente, dos quais, como já notamos, as Escrituras têm muito a dizer em conexão com os últimos dias. É este aquele de quem lemos no capítulo 9 que firmará uma aliança com os judeus por sete anos, mas violará o pacto na metade do período especificado e, como consta aqui, “cuidará em mudar os tempos e a lei; e eles serão entregues na sua mão, por um tempo, e tempos, e a metade de um tempo” (Dn 7:25). Isto é, será o perseguidor do remanescente judeu durante os últimos três anos e meio do Tempo do Fim. Ao findar esse tempo, porém, o juízo se assentará. O próprio Senhor voltará do céu e o domínio desse animal será tirado e ele mesmo, como aprendemos de Apocalipse 19, será lançado vivo no lago de fogo.

Então “o reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo; o seu reino será um reino eterno, e todos os domínios o servirão, e lhe obedecerão” (Dn 7:27). Assim será introduzido aquele reino eterno pelo qual a terra, que ainda está gemendo, terá esperado durante tanto tempo.

Estou bem consciente que há muitos interpretadores pensando que no chifre pequeno deve se ver o papado assim como no rei do capítulo 11:36, que tem aspirado o domínio universal depois da queda do Império Romano. Aquele chifre pequeno, porém, não há de se levantar até que esse império tenha

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alcançado a sua condição de co-existência de dez reinos; e isso, já o observamos, nunca tem sido o caso no passado. Em momento algum depois da desagregação do império dez reinos formados de seus fragmentos se uniram em um só. E então também é importante relembrarmos que o papado existia até mesmo antes do colapso do império. Dessa forma, ao invés de surgir na cabeça da besta após de todos os demais chifres ter recebido o seu poder, o papa apareceu antes mesmo da existência dos dez chifres — algo claramente em contraste com aquilo afirmado aqui com respeito a esse chifre pequeno e blasfemo. E, além disso, deve ser observado que o chifre pequeno está exercendo o poder supremo na terra quando da vinda do Filho do Homem para estabelecer o Seu reino, enquanto o papado não tem sido supremo e nem reconhecido como poder mundial por muitos anos.

Em Apocalipse, a igreja papal é apresentada sob a figura de uma mulher vestida de escarlata, montada na besta. No Tempo do Fim, pois, os dez chifres se unirão na procura e, por fim, na execução da destruição dessa mulher. Notemos com todo o cuidado que em Apocalipse 17:12-13 se lê: “E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão poder como reis por uma hora, juntamente com a besta. Estes têm um mesmo intento, e entregarão o seu poder e autoridade à besta”. Já no versículo 16, nós aprendemos que o seu poder será usado para destruição da grande Babilônia: “E os dez chifres que viste na besta são os que odiarão a prostituta, e a colocarão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no fogo”. Posto isso, deveria ficar claro para cada leitor cuidadoso que o chifre pequeno de Daniel é a besta romana de Apocalipse, e que esse chifre será reconhecido por parte dos dez reinos como governador supremo da Europa durante o período vindouro da tribulação. Ser-lhe-á permitido prosperar e perseguir o remanescente fiel de Israel depois do traslado da Igreja ao céu até a aparição do Senhor Jesus Cristo com todos os Seus santos para destruição daqueles que recusaram a Sua Palavra.

É com os eventos desse curto período, chamado “Tempo do Fim”, que a grande parte das profecias tem a ver. A época presente é uma época nunca referida no Velho Testamento senão de uma maneira muito geral. O chamamento da Igreja era um mistério oculto em Deus durante todas as dispensações passadas e somente tem sido revelado nesta dispensação presente para a obediência da fé. Agora, a Igreja pode ser completa a qualquer momento e, então, o próximo grande evento será a descida do Senhor nos ares e o arrebatamento de sua Noiva. Assim se preparará o caminho para as coisas que hão de sobrevir a terra.

No último versículo de nosso capítulo, Daniel nos diz que guardou essas coisas no seu coração. Que nós façamos o mesmo! Certamente, enquanto cristãos, nada nos fará entender tão bem a nossa presente posição e porção como ter uma apreensão clara do lugar que Israel e as nações têm na mente de Deus tal como revelado na Sua Palavra. Na época presente, deveríamos ter por privilégio feliz poder passar por essa cena como estrangeiros e peregrinos, participando assim com Cristo da Sua rejeição. Para nós, é esse o tempo de sofrermos por causa da justiça; — a época de nos alegrarmos quando julgados dignos de padecer vergonha por causa de Seu Nome. A glória está chegando quando Ele retornará para tomar o Seu grande poder e o Seu reino. Até então, seja nossa a porção de sairmos “a ele fora do arraial, levando o seu vitupério” (Hb 13:13).

Ó você que ainda não está salvo, é bom que também você pondere essas coisas em seu coração, para que não seja cegado pelo resplendor falso e

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enganador da glória sem valor desse mundo. Tudo é destinado para desaparecer, e infeliz será a sua parte se, naquele dia, não possuirá valor algum numa cena mais estável. “As [coisas] que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2 Co 4:18). Veja, lhe rogo, que seja enumerado entre aqueles que têm parte no reino eterno que tão em breve sucederá a todos os domínios passageiros desse mundo. Deus, na sua graça, deu o Seu Filho, para morrer em prol de sua salvação, mas recorde-se que está escrito: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo, assim também Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para salvação” (Hb 9:27-28). Se quiser saudar a prometida vinda dEle com alegria, então deve conhecê-Lo agora como Salvador. De outra maneira, à volta dEle à terra para reinar você se encontrará entre os inimigos dEle que serão destruídos diante de Sua face.

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Lição 8

CAPÍTULO 8

O CHIFRE PEQUENO — A GRÉCIA

No início desse capítulo, gostaria de chamar a sua atenção a um fato muito interessante com respeito à estrutura do livro que estamos contemplando. Originalmente, foi escrito em dois idiomas. O capítulo 1 e os versículos 1 a 3 do capítulo 2 foram escritos em hebraico. A partir do versículo 4 do segundo capítulo até o final do capítulo 7, a língua empregada é caldaico também conhecido como aramaico. O resto do livro está escrito em hebraico. Parece ter uma razão muito simples e ainda assim muito significante para isso. A primeira parte se destinava como ajuda especial e encorajamento aos fieis entre os judeus dispersos; assim fora escrita em seu próprio idioma. Na segunda parte, porém, Deus está traçando o curso dos tempos dos gentios e guiou Daniel a escrever o relato disso na língua do povo daqueles dias, para que os caldeus pudessem lê-lo, entendê-lo e ter proveito dele.

A porção diante de nós agora, iniciando-se com capítulo 8 e continuando até o final do livro, lida com os judeus de uma maneira especial; assim fora escrito em hebraico, tal como a primeira parte. È de importância vermos as aplicações diferentes de cada uma dessas repartições. Deus não diz nada a respeito da evolução da cristandade, da Igreja dessa dispensação atual — nem aqui nem em outro lugar nos profetas. Ele nos revela a verdade referente à Judá e Israel bem como aos gentios em geral. Se falharmos em observar isso, então as Escrituras no seu todo se tornarão confusas, isto é a nossa compreensão das mesmas será confusa. O princípio é bem simples, mas quando tido em mente, ajudará largamente para entender corretamente a Palavra de Deus. Quando lemos nos profetas de Judá, não devemos supor que se fale da Igreja, nem quando lemos de Sião ou de Jerusalém. Judá significa literalmente Judá, Sião significa Sião, Jerusalém quer dizer Jerusalém e Israel designa Israel. E os gentios não têm parte nem porção naquilo que está escrito com referência àqueles primeiros. A Igreja, o Corpo de Cristo, é algo muito diferente. Há três classes de pessoas e não meramente dois no mundo hoje — e todos são contemplados nas Escrituras. “Portai-vos de modo” — diz o apóstolo Paulo escrevendo aos Coríntios — “que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus” (1 Co 10:32). São essas as três classes; e se as diversas passagens das Escrituras que se referem a cada uma delas são corretamente discernidas, senão misturadas na mente do leitor, então estamos no caminho bom, para recebermos um entendimento correto daquilo que geralmente é chamado de verdade dispensacional. Isso nada mais é do que dar a cada dispensação ou período da ação de Deus para com os homens o lugar que se aplica a cada uma em particular.

Enquanto estudávamos a parte caldaica desse livro, notamos como o Deus onisciente traçou para nós o curso dos grandes impérios desse mundo. Nós fizemos um esboço da sua ascensão,progresso, declínio e queda, enfatizando a verdade que afirma que “justiça exalta os povos, mas o peacdo é a vergonha das nações” (Pv 14:34). Tudo isso fora escrito no idioma falado pelos gentios naqueles dias.

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Agora, porém, nos ocuparemos principalmente com aquela raça desprezada e odiada durante muito tempo, mas ainda assim observada pelo SENHOR — o Seu povo da aliança, amado por causa dos pais, qualquer que seja a sua falha ou o seu pecado. É por isso que a última parte do livro está escrito em hebraico. É verdade que continuamos lendo de alguns desses poderes mundiais (estaremos nos ocupando em grande medida com dois deles nesse capítulo), mas é apenas para preparar o terreno à luz no que diz respeito ao futuro da nação judaica.

Um estudo cuidadoso do livro de Apocalipse nos mostrará que é muito semelhante ao livro de Daniel na sua estrutura. Após a primeira parte (Ap 1 a 3) dedicada à história profética da Igreja, temos os juízos que hão de sobrevir a cristandade apóstata e os poderes em conexão com isso (Ap 4 a 11:18). A sua história está sendo traçada diretamente até o fim, terminando com “o tempo dos mortos, para que sejam julgados” (Ap 11:18). Mas o Senhor dissera a João: “Importa que profetizes outra vez”(Ap 10:11). E assim retoma outra vez as coisas a partir do capítulo12, porém essa vez em sua relação ao povo terrestre de Deus, a nação de Israel. Assim a primeira parte trata principalmente da evolução das coisas no mundo em geral e lança a luz divina sobre os grandes movimentos entre as nações. A segunda parte, porém, trata do mesmo povo que temos diante de nós na última parte do livro de Daniel. Como já mencionado anteriormente, um livro se encaixa no outro. Daniel não pode ser entendido fora do livro de Apocalipse; e o próprio livro de Apocalipse, em muitas passagens, somente se torna inteligível levando em consideração aquilo que fora previamente revelado ao profeta em Babilônia. Recordemos, então, que o presente capítulo é o primeiro da seção escrita em hebraico. Enquanto isso, os capítulos contemplados por último, estavam escritos em aramaico e lidaram especialmente com os gentios.

O primeiro versículo nos mostra que dois anos haviam passado entre as visões do capítulo 7 e aquilo que temos aqui, porque era o terceiro ano do reinado do rei Belsazar, quando Daniel recebeu a visão do carneiro e do bode. Ou realmente ou em espírito ele estava na cidadela de Susã, na província de Elão, junto ao rio Ulai. Elão era o nome antigo das terras montanhosas ao leste de Babel que se estendem da Índia até o Golfo Persa. Era exatamente nessa região que Ciro conquistou as suas primeiras vitórias. Assim era conveniente que Daniel, em sua visão, estava na terra que logo estaria dominada completamente pelos persas, porque aquilo que viu estava principalmente em ligação com a Pérsia em seus triunfos iniciais e sua subseqüente derrota.

“E levantei os meus olhos, e vi, e eis que um carneiro estava diante do rio, o qual tinha dois chifres; e os dois chifres eram altos,mas um era mais alto do que o outro; e o mais alto subiu por último. Vi que o carneiro dava marradas para o ocidente, e para o norte e para o sul; e nenhum dos animais lhe podia resistir; nem havia quem pudesse livrar-se da sua mão; e ele fazia conforme a sua vontade, e se engrandecia” (Dn 8:3-4). No versículo 15, o anjo intérprete se aproxima, cuja missão era explicar o significado da visão. Havemos de considerar cada parte separadamente em conexão com a respectiva interpretação dada. Nos versículos 19 e 20, o anjo diz: “Eis que te farei saber o que há de acontecer no último tempo da ir; pois isso pertence ao tempo determinado do fim. Aquele carneiro que viste com dois chifres são os reis da Média e da Pérsia”. Dessa forma não temos a liberdade para formar a nossa própria opinião a respeito do significado do carneiro, mas nos é dito inconfundivelmente pelo anjo,que o carneiro representa o

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mesmo domínio como também o peito e os braços de prata da grande estátua vista por Nabucodonosor e como o urso levantado de um lado na visão anterior. É como se Deus quisesse nos dar símbolo após símbolo, para imprimir em nossas mentes os eventos que sobrevirão a terra um após outro antes do estabelecimento do reino de Seu Filho. Em outro lugar nos é dito: “O cordão de três dobras não se quebra tão depressa” (Ec 4:12).

Lembremos-nos: Quando Daniel tinha a visão, Babilônia ainda era o poder supremo, embora já se encontrava em declínio. A Daniel, porém, fora dada essa revelação referente ao carneiro da Pérsia, quando nenhuma mente humana podia possivelmente predizer o lugar que havia de ocupar nos acontecimentos da história humana. É certamente interessante sabermos que, segundo autoridades no assunto, o cordeiro era o símbolo da Pérsia e uma imagem dele se encontrava nas suas bandeiras levadas adiante de seus exércitos. Os dois chifres, dos quais o mais alto surgiu por último, é claramente ligado ao urso que se levantava de um lado, i.e.: Mostram o fato que o Império Medo-Persa era composto de duas nações — o reinado antigo e respeitável da Média e, então, o reinado moderno da Pérsia. Esse último, depois da confederação sendo formada, se tornou o mais poderoso dos dois. Dessa forma, o chifre que surgiu por último se tornou o mais alto. Daniel viu esse carneiro dando marradas para o oeste, para o norte e para o sul. Isso indicava exatamente o curso das futuras conquistas persas. Os exércitos de Ciro não se dirigiram para o leste a fim de conquistar as terras dos tribos bárbaros para o lado do levante, mas avançaram rapidamente em direção ao Mediterrâneo e o Mar Negro, ao Golfo Persa, e continuaram as suas conquistas até o oeste da Ásia e o Egito lhes foram sujeitos.

Enquanto Daniel estava considerando o que poderia significar o carneiro, viu um bode vindo do oeste sobre toda a terra, mas sem tocar no chão — de tão veloz que era. Esse bode tinha um notável chifre entre os seus olhos. Se chegou ao carneiro que tinha os dois chifres e correu contra ele no ímpeto da sua força. Daniel descreve de maneira vívida o terrível ataque violento: “E vi-o chegar perto do carneiro, enfurecido contra ele, e ferindo-o quebrou-lhe os dois chifres, pois não havia força no carneiro para lhe resistir, e o bode lançou por terra, e o pisou aos pés; não houve quem pudesse livrar o carneiro da sua mão” (Dn 8:7). A interpretação é dada no versículo 21: “Mas o bode peludo é o rei da Grécia; e o grande chifre que tinha entre os olhos é o primeiro rei”. Dessa forma, novamente somos libertados de toda necessidade de exercer alguma ingenuidade na busca do significado da visão, porque o próprio Deus, Ele Mesmo, revelou-o por meio de Seu anjo.

A Grécia, na época em que Daniel profetizava, consistia em um número de estado independentes e muitas vezes em guerra um contra o outro, porém, ainda assim, ligados por laços de consagüinidade. Foi reservado para Alexandre III, comumente chamado de o Grande, filho notavelmente dotado de Filipe da Macedônia, de consolidadr esses reinos independentes em um poder unido e leal a ele destinado, então, ao menos por um tempo, a dominar o mundo. Aqui, como sempre nesse livro, a visão corresponde exatamente à história que se desenrolou mais tarde. Não quero ocupar-lhes muito com história, porque o conhecimento de anais humanos certamente não é necessário para capacitar alguém a entender a Palavra de Deus. Por outro lado, porém, nada se ganha por meio da ignorância e a fé é ainda mais confirmada e Deus glorificado quando vemos como a

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maravilhosa exatidão de Sua Palavra é testemunhada até mesmo por meio dos relatos não inspirados da humanidade.

A primeira coisa notável é esta: o bode veio do ocidente. Ora, conforme a história, sabemos que algo totalmente novo apareceu na ascenção e progresso de Alexandre o Grande. Antes daqueles dias, o poder sempre surgiu no Oriente e se estendeu até o Ocidente. O Leste era o berço da raça humana, e foi ali que as civilizações mais antigas existiram. As nações do Oriente pensavam que todo o restante do mundo — e especialmente as terras distantes do Oeste — seriam “bárbaros” olhados por eles, orgulhosamente, com desdém. Mas do Ocidente desprezado veio o bode com grande cólera. Em grande ira, nem tocou no chão — tanto era a sua velocidade e a fúria de seu ataque violento. Nisso facilmente podemos ver um símbolo adequado da campanha como um furacão do exército do Oeste liderado por seu intrépido comandante. A devastação da Ásia por Alexandre não era meramente algo para satisfazer a sua ambição pelo império mundial, mas também era um acerto de contas antigas. Os gregos nunca esqueceram a desgraça e vergonha das conquistas persas ocorridas antes. Também não podiam perdoar o assalto dos persas debaixo do reinado de Xerxes aos estados helênicos. Durante anos estiveram pensando sobre essas coisas e haviam nutrido o desejo de uma vingança sangrenta e triumfante. E, finalmente, se conscientizaram que o tempo chegou para satizfazer a sua paixão. Por esta razão era que com mais que boa vontade usual tomaram as armas e, a ordem e chamado de Alexandre, atacaram os exércitos persas com ânimo furioso, ansiosos de quitar aquelas contas antigas e executar vingança sobre os seus antigos inimigos. Assim Daniel vê o bode movido de cólera, dirigindo-se ao carneiro no ímpeto da sua força. Por esse ataque terrível o carneiro foi lançado por terra e os seus dois chifres foram quebrados. Tudo isso se cumpriu quando Alexandre encontrou os exércitos do último Dario e os derrotou por completo. Com esse ato, ele se tornou domindaro do mundo.

Mas Daniel continua, dizendo: “E o bode se engrandeceu sobremaneira; mas, estando na sua maior força, aquele grande chifre foi quebrado; e no seu lugar subiram outros quatro também insignes, para os quatro ventos do céu” (Dn 8:7). Na interpretação, depois de ter explicado que grande chifre seria o primeiro rei da Grécia, o anjo diz: “o ter sido quebrado, levantando-se quatro em lugar dele, significa que quatro reinos se levantarão da mesma nação, mas não com a força dele” (Dn 8:22). O dia do poder de Alexandre era um dia muito curto. A sua morte, enquanto ainda jovem, testifica a sua incapacidade de conter os seus apetites e paixões. Assim o grande chifre foi quebrado.

Ninguém de sua própria casa sucedeu Alexandre; mas, como conseqüência de sua morte precoce, seus domnínios foram divididos entre os seus quatro principais generais, a saber: Ptolemeu, que foi reconhecido como rei do Egito e países adjacentes; Seleucas, que tomou a Síria e Ásia Menor; Lisímaco, que tinha a soberanidade sobre a Trácia e territórios vizinhos; e Cassandro, a quem foi dada Macedônia e toda a Grécia. Assim o império foi dividido e nunca mais o comando estava em uma única mão até que a conquista romana no último século antes de Cristo. Duas dessas divisões ocupam um largo espaço na profecia; mas as Escrituras nunca mais se ocupam com a Trácia e apenas uma vez diretamente com a Grécia. Isso temos no capítulo 9 de Zacarias, versículo 13. A Síria e o Egito, porém, são conhecidas neste livro como o “Rei do Norte” e o “Rei do Sul”. As

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direções dadas nas Escrituras sempre devem ser entendidas, se não estiverem expressamente especificados de outra maneira, como tendo referência a Jerusalém como centro. Assim, quando a Bíblia fala de Norte e Sul, então isso quer dizer ao norte ou ao sul de Jerusalém. Se não se lembrar disso, facilmente se confundirá. Até um pouco mais que cinqüenta anos antes da vinda do Senhor Jesus, esses dois reinos continuaram existindo na condição de poderes independentes, tendo a terra da Palestina entre si. A Terra Sata se tornou em um verdadeiro campo de batalha dos exércitos inimigos, ferida por dissensões durante duzentos anos. A história desgraçada desses dois séculos de horror, profeticamente, nos é relatada no capítulo 11 e entraremos em seus detalhes quando chegaremos a considerar aquela porção desse livro.

A razão principal para introduzir tudo isso, era que recebêcessemos luz referente àlguem que ocupará um papel importante no Tempo do Fim e que é destinado a surgir da parte siríaca do império de Alexandre. No tempo presente, e continuamente desde a conquista romana, o bode com os quatro chifres, aparentemente, tem sido destruído. Mas assim como o Império Romano há de reviver nos últimos dias, assim aprendemos que também dois dos quatro chifres do domínio grego dividido reaparecerão no cenário profético no tempo da tribulação. E dentre um deles, o pequeno chifre surgirá — o mordaz inimigo dos judeus retornados naquela época vindoura.

No versículo 9 a seguir lemos: “E de um deles saiu um chifre muito pequeno, o qual cresceu muito para o sul, e para o oriente, e para a terra formosa. E se engrandeceu até contra o exército do céu; e alguns do exército, e das estrelas, lançou por terra, e os pisou. E se engrandeceu até contra o príncipe do exército; e por ele foi tirado o sacrifício contínuo, e o lugar do seu santuário foi lançado por terra. E um exército foi dado contra o sacrifício contínuo, por causa da transgressão; e lançou a verdade por terra, e o fez, e prosperou”. Não questiono em momento algum, que tudo isso teve um cumprimento na grandeza daquele monstro da maldade, Antíoco Epifanes, cujas perseguições dos judeus e profanação do templo estão descritos aqui. Porém, uma compração com a interpretação da visão o faz igualmente claro, que ainda resta um outro e mais completo cumprimento no futuro.

Muitos confundem o pequeno chifre mencionado aqui com o pequeno chifre do capítulo sete. Mas já notamos que aquele que se levanta no reino ocidental de dez chifres é o mesmo designado como a besta em Apocalipse, capítulos 13 e 17. Ele é de origem romana e não grega. Aqui vemos alguém se levantando do antigo reino de Seleucas — um “Rei do Norte” e não do Oeste. Antíoco, em sua carreira sangrenta, era uma figura daquele que será o mordaz inimgo de Jerusalém no tempo da induganção do Senhor. Atualmente e desde alguns séculos, os turcos têm possuído as terras outrora dominadas por Seleucas. O futuro “Rei do Norte” talvez seja o último sultão do Império Otomano (i.e. turco)12 ou o feroz líder do poder que estará no controle da parte asiática da Túrquia naquela época.

O Pequeno Chifre Romano será um cristão apóstata aliado à pessoa do anticristo, que tomará o Israel incrédulo debaixo de suas asas enquanto servirá a seus propósitos. O Pequeno Chifre Grego provavelmente será uma pessoa

12 Recordemos que o autor escreveu em janeiro de 1911.

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totalmente incrédula, sucessor de Maomé, impulsionado por ódio inveterado contra os judeus e, provavelmente, um mordaz inimigo do futuro imperador do ocidente. O anjo diz a Daniel, nos versículos 23 a 25, que “no fim do seu reinado, quando acabarem os prevaricadores, se levantará um rei, feroz de semblante, e será entendido em adivinhações. E se fortalecerá o seu poder, mas não pela sua própria força: destruirá maravilhosamente, e prosperará, e fará o que lhe aprouver; e destruirá os podersos e o povo santo. E pelo seu entendimento também fará prosperar o engano na sua mão; e no seu coração se engrandecerá, e destruirá a muitos que vivem em segurança; e se levantará contra o Príncipe dos príncipes, mas sem mão será quebrado”. Ora, é evidente que muitas coisas escritas aqui não podem se referir a Antíoco. Esse personagem corresponde plenamente à visão, mas não à interpretação. Em preimeiro lugar, a profecia terá o seu cumprimento quando “acabarem os prevaricadores” — uma expressão que pode se referir ao madurecimento da iniqüidade na antiga Síria senão fosse fato de que esse reinado não foi destruído por ocasião da morte de Epifanes como teria sido caso tivesse alcançado o limite colocado pelo Governador Moral do universo. Parece ser muito mais provável que a expressão se refere ao Tempo do Fim, quando o mundo todo terá amadurecido para receber o juízo da parte de Deus.

Isso corresponde às palavras do anjo: “Eis que eu te farei saber o que há de acontecer no último tempo da ira” (Dn 8:19) — afirmação esta que se refere sem dúvida ao fim dos tempos dos gentios. Naquele tempo, esse anunciado chifre pequeno se levantará — um homem de grande inteligência e diplomacia, porém lemos dele: “se fortalecerá o seu poder, mas não pela sua própria força” (Dn 8:24). Essas palavras dificilmente poderiam ser aplicadas àquele “chifre pequeno” do passado, pois reinava na condição de monarca independente, prosseguindo com seus propósitos conforme a sua própria vontade lhe ditara, até parcialmente contrariado pela interferência de Roma. Há, porém, um líder que ocupa um grande espaço na profecia, denominado por Isaías “o Assírio”. Esse será o inimigo de Israel nos últimos dias e será destruído pela aparição pessoal do Senhor Jesus Cristo. A bênção e a restauração de Israel estão ligados, conforme Isaías, com a queda dele. Ele parece ser claramente o mesmo que está sendo apresentado pelo chifre pequeno nessa passagem de Daniel, porque ele também depende, assim parece, de um outro aliado. Do poder que o apoia profetiza Ezequiel no capítulo 38. Esse poder, evidentemente, é a Rússia, o grande poder do Norte. Então, o chifre pequeno há de se levantar contra o Príncipe dos príncipes e será quebrado sem mãos humanos. O Príncipe dos príncipes não pode ser ninguém outro senão o Messias; conseqüentemente essas palavras não se cumpriram na vida e morte de Antíoco. Elas, por sua vez, nos levam ao Tempo do fim, quando o próprio Messias aparecerá pessoalmente nos interesses do Israel oprimido e derrotará o Assírio.

Aquilo que é dito do chifre pequeno como indivíduo, largamente confere ao Império Otomano como um todo. Feroz e inflexivelmente sempre se mostrou inimgo do povo de Deus. Tem existido durante séculos não por causa de sua própria força, mas sim por causa das invejas das nações européias. Caso os turcos fossem lançados para fora de Constaninópolis, toda a Europa estaria sendo atirada em guerra.13 Cada poder grande estaria ansioso de possuir os domínios sobre os quais o Crescente paira agora. É por isso que os massacres abomináveis cometidos

13 Isso foi escrito alguns anos antes da primeira guerra mundial que inciou-se em 1914.

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contra armênios e judeus estão permitidos por nações civilizadas e chamadas cristãs. Não ousam interferir, para não pôr em perigo a paz de todo o mundo. É dito a respeito do chifre pequeno que fará prosperar o engano e que destruirá a muitos enquanto houver paz ou segurança. Isso também foi característico do “indescritível truco”, especialmente no que diz respeito a seus feitos para com os judeus. O monoteísmo dos muçulmanos naturalmente atrai o judeu; e o falso próprio falso profeta fazia avanços notáveis em direção à semente de Israel, esperando de ganhá-los para o Islã. Porém, atrás de todas as palavras lisonjeiras e promessas bondosas dos sultãos, o veneno e a espada sempre estavam de emboscada. O chifre pequeno dos tempos vindouros incorpora em si mesmo o espírito do Império Otomano.

Mas ainda não terminamos com a visão. Nos versículos 13 e 14, Daniel diz: “Depois ouvi um santo que falava; e disse outro santo àquele que falava: Até quando durará a visão do sacrifício contínuo, e da transgressão assoladora, para que sejam entregues o santuário e o exército, a fim de srem pisados? E ele medisse: Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”. A palavra hebraica traduzida por “tardes e manhãs” não se refere a períodos prolongados, mas clara e distintamente a dias de 24 horas cada um. Trata-se de uma profecia temporal ligado à contaminação do templo por Antíoco. Daquele tempo em que ele poluiu o templo sacrificando um porco no altar e levantando uma estátua de Júpiter no santo dos santos até a nova purificação do templo e a dedicação do serviço a Javé, 2300 dias literais se passaram. Como se quisesse nos alertar a não alegorizar esse período, o anjo diz a Daniel no versículo 26: “E a visão da tarde e da manhã que foi falada, é verdadeira. Tu, porém, cerra a visão, porque se refere a dias muito distantes”.

Foi a falha de compreensão desse fato que levou os mileritos a seu erro grave na primeira parte do século passado. E o mesmo erro grosseiro cegou os seus sucessores, os adventistas do sétimo dia e resultou na teoria blasfema referente ao santuário que defendem. Conforme eles, o Senhor Jesus nunca entrara no santo dos santos até o ano 1844. Esse ano, conforme eles, corresponde a 2300 dias de anos desde a época em que Ciro emitiu o decreto de construir o templo. Isso, porém, é um conto de fado todo profano e de maneira alguma apoiado pelas Escrituras. Os 2300 dias já há tempo se cumpriram literalmente na história do povo de Daniel, os judeus depois da profanação dos lugares santos pelo tirano siríaco. Não indício algum de que restassem outros 2300 dias a serem cumpridos no futuro, embora as características do chifre pequeno da visão e o último grande Assírio de Isaías, capítulo 14:24-27 sejam tão parecidas umas com as outras. Esse último será, indubitavelmente um homem de grande habilidade, mas astuto, enganoso e frauduloso — um sucessor digno dos governadores otomanos do passado. Porém, será quebrado na terra de Emanuel e todo o seu exército será destruído sobre as montanhas de Israel, quando ousar de se levantar contra o Príncipe dos príncipes, Que virá em majestade gloriosa para a libertação do remanescente fiel, cujos corações se apegarão ao SENHOR naqueles dias horríveis da tribulação de Jacó. Já podemos ver eventos se formando que indicam o cumprimento dessas coisas. O fim não pode estar longe! “Bem-aventurado aquele que vigia, e guarda as suas roupas, para que não ande nu, e não se vejam as suas vergonhas” (Ap 16:15).

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O efeito da visão de Daniel era que ele enfraqueceu , e esteve enfermo alguns dias. “Então”, diz ele, “levantei-me e tratei do negócio do rei. E espantei-me acerca da visão, e não havia quem a entendesse” (Dn 8:27). Os séculos que se passaram desde então testemunharam a verdade de muitas coisas dessa visão. Os dias vindouros manifestarão a continuidade. Que os nossos corações sejam tão impressionados por estas coisas que nós também sejamos profundamente exercitados diante de Deus por elas e sejamos encontrados tratando em um sentido muito real “do negócio do rei”, enquanto aguardamos a Sua vinda pessoal desde os céus!

Não vou terminar sem que haja dado mais uma alerta a quem está sem Cristo, para que fuja da ira vindoura. As núvens do julgamento se formam por cima desse mundo, negras e agourentas. Logo os relâmpagos da ira, os trovões do juízo e o temporal da vingança se desencadearão. Quão indizivelmente triste será a sua condição se exposto a completa fúria da tempestade da indignação divina, sem Cristo e sem algum refúgio por perto! Confie nEle agora enquanto a graça está sendo oferecido a cada alma pecadora. Caso contrário: “Que dirás, quando ele te castigar” (Jr 13:21).

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Lição 9

CAPÍTULO 9

AS SETENTA SEMANAS

O aspecto distintivo e principal desse capítulo que agora há de ocupar a nossa atenção é a grande profecia das setenta semanas. Sir Edward Denny, um estudioso notável da profecia do século passado, comumente designou esse capítulo “a coluna vertebral da profecia”. E esse título parece bem empregado, porque se as setenta e duas semanas forem mal interpretadas, então se fará necessário um esforço para fazer encaixarem-se todas as demais escrituras proféticas nessa interpretação errônea. Se, porém, tivermos um entendimento correto do ensino desse capítulo, então podemos prontamente ver como todas as profecias, sem forçar alguma coisa, se encaixam no lugar certo intimamente ligadas a esta maior de todas as profecias referente ao tempo.

Vamos primeiramente considerar po rum tempo aquilo que levou ao ponto de essa revelação especial ser dada. O próprio Daniel era um estudioso da profecia. Era ele alguém que sentiu profundamente em sua alma, embora as palavras nem tivessem sido escritas ainda, que “toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça” (2 Tm 3:16). E assim vemos, nos versículos iniciais, no primeiro ano do reinado de Dario, esse homem devoto curvado sobre a palavra profética nas Sagradas Escrituras. Ele nãotinha nada parecido com uma Bíblia completa assim como nós o temos, mas valorizou aquilo que possuía, examindo-o diligentemente. De fato, o último livro que havia sido acrescentado à Bíblia era o livro de Ezequiel. Não sabemos com certeza se esse alguma vez chegou em suas mãos, porém sabemos com certeza, a partir dessa passagem, que ele tinha o livro de Jeremias. Quando o estudava cuidadosamente, notou que duas vezes nesse livro está escrito que Deus cumpriria setenta anos com respeito as desolações de Jerusalém.

Então, Daniel olhando para trás e fazendo a conta dos anos que passara na côrte de Nabucodonosor, depois os dias que se seguiram durante o período das dificuldades de Babilônia seguidos do triunfo dos medos e pérsas e somando tudo isso, evidentemente percebeu que os setenta anos em breve haviam de chegar ao fim. Por causa disso, o dia da libertação dos judeus tinha que ter chegado bem próximo. Provavelmente, ele mesmo podia rememorar quase sete décadas, porque ele fora levado cativo no reinado de Jeoiaquim quando era apenas um jovem, e ele se tornara um homem idoso.

Encontramos que o estudo da profecia exercitou o coração e a consciência de Daniel. Ele não tina interesse na profecia somente por curiosidade intelectual. O mero cálculo de tempos e épocas não podia satisfazer esse devoto homem de Deus, mas quando apreendeu de sua Bíblia que o tempo havia chegado próximo em que o povo de Judá seria restaurado em sua terra, então isso mexeu com ele até nas profundezas de sua alma e o levou a ficar de joelhos. Ele poderia ter dito: “Se for o próposito de Deus restaurar o Seu povo, Ele levará esse propósito ao cabo independente de sua condição, e eu não tenho necessidade de me afligir por causa disso”. Mas não! Daniel notou que, quando Deus está prestes a operar, Ele

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começa exercitando o Seu povo, para que sejam restaurados na sua alma se tiverem se afastado dEle. E assim resultará bênção do fato de eles terem sido levados ao lugar de autojuízo e humilhação diante dEle.

Feliz para nós se o estudo de seu livro terá em nós o mesmo efeito como o estudo do livro de Jeremias teve em Daniel. Caso contrário, temo que tenha um efeito endurecedor e nos deixará em uma condição pior do que quando iniciamos. Se, porém, as coisas que vimos, tudo aquilo que Deus trouxe para diante de nós, resultará em humilhação nossa diante dEle e nos causa a clamar: “Ah! Senhor Deus! Nós pecamos, temos muita razão de estar diante de Ti em confissão e quebrantamento, por causa da falha de Teu povo, a Igreja, da qual fazemos parte”, então, digo, se tiver esse efeito em nós, então será realmente para a glória de Deus e para nossa bênção.

E certamente temos seriamente razão de estar de joelhos diante de Deus, quando pensamos em todas as falhas e nos pecados que entraram para arruinar o nosso testemunho. Não sentimos muito a vontade de encontrar falhas nos outros, mas, se realmente estarmos diante de Deus, encontraremos a nossa própria vergonha em tudo isso. Às vezes, quando ouço as pessoas falar mal de tal denominação e daquela companhia de cristãos, enquanto se gloriam de sua própria posição, ignorando inteiramente o seu próprio estado verdadeiro, então penso quão pouco essas pessoas adentram nos pensamentos e sentimentos que encheram o coração de Daniel e espremeram ua confissão dos lábios desse homem, Daniel. Note que ele não começa acusando os judeus que agiram tão perversamente em dias passados nem acusando os seus contemporâneos naquele momento solene da história de Israel, mas ele volta o seu rosto ao SENHOR, buscando-O “com oração, e súplicas, com jejum, e saco e cinza” (Dn 9:3); saco e cinza — a expressão exterior do profundo e sincero arrependimento. Nos é dito que orou ao SENHOR, seu Deus, e fez a sua confissão. Disse: “Pecamos (plural), e cometemos iniqüidades, e procedemos impiamente, e fomos rebeldes, apartando-nos dos teus mandamentos e dos teus juízos; e não demos ouvidos aos teus servos, os profetas, que em teu nome falaram” (Dn 9:5-6). Ele reconhece a justiça de Deus no julgamento que viera sobre eles. Ainda assim ele ousa dizer que ao Senhor, seu Deus, pertencem a misericórdia e o perdão, embora eles tivessem se rebelado tão gravemente contra Ele. Em todos os Seus procedimentos com eles, Deus havia, antes de mais nada, confirmado as Suas próprias palavras e manifestado a fidelidade de Seu testemunho dado por meio de Moisés, Seu servo.

Quando podemos apreender de tudo isso! Se olharmos ao nosso redor e vemos o fracasso na Igreja, a carnalidade e o mundanismo que prevalecem por todos os lados, não fiquemos contentes em expressar o nosso julgamento sobre isso, levantando os nossos corações em orgulho espiritual, dizendo: “Graças a Deus” Nós não somos iguais aos demais”. Recordemos, pois, que nós também fazemos parte dessa Igreja que tem falhado. Não podemos nos dissociar a nós mesmos de outros cristãos. Temos que tomar o nosso lugar juntamente com eles e inclinar as nossas cabeças na presença de Deus, reconhecendo que nós pecamos. Se pudéssemos somente nos recordarmos disso sempre, isso nos curaria menosprezar os do povo de Deus que têm menos luz do que nós ou do que supomos que tenhamos.

Me recordo de um querido servo de Deus que me escreveu há um número de anos atrás de um lugar onde ele estava trabalhando no evangelho: “Os

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preconceitos são muito fortes aqui, e lamento ter que dizer que em grande medida os nossos próprios queridos irmãos devem ser culpados por causa disso. Em tempos passados, passaram tanto tempo apedrejando aquilo que, sem dúvida alguma, merecia apedrejamento, porém de que eles não tinham autoridade para apedrejar”14. Deus não nos levantou para irmos apedrejando o Seu povo. Não fomos designados censuradores da cristandade. Ele disse: “Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai” (Rm 14:4).

E assim, continuando o nosso caminho, sejamos exercitados referente à santidade individual e fidelidade para com Deus. Sejamos também preocupados com justiça coroprativa e de estar livres de associações não santas. Porém, não procuremos nos assentar em julgamento sobre os nossos co-cristãos que talvez não vejam claro como nós, mas cujo amor pelo Senhor Jesus e cuja fidelidade para com aquilo que vêem podem bem ser um exemplo digno de ser imitado. Não, tomemos antes o lugar de Daniel em humilhação própria e arrependimento na presença de Deus e abracemos a todo o Seu povo com amor e fé, dizendo: “Ó Deus, nós — enão eles — pecamos, e cometemos iniqüidades diante de Ti”. E quando chegarmos a essa condição, então podemos contar com Sua bênção e podemos, esperançosamente, olhar para Ele aguardando uma certa medida de restauração. É isso que resplandece de forma tão bela em nosso profeta. Ele se identifica a si mesmo, embora fosse um homem de fidelidade singular (de fato, talvez o homem mais devoto de sua geração), com a sua nação fracassada e fracassando.

Em simplicidade e fé, então levanta os olhos a Deus, rogando-Lhe que se aparte a Sua ira e o Seu furor de Jerusalém que faça resplandecer o Seu rosto sobre o santuário assolado (veja Dn 9:16-17). Notemos a sinceridade e a ternura dos versículos 18 e 19 que encerram a comovente petição: “Inclina, ó Deus meu, os teus ouvidos, e ouve; abre os teus olhos, e olha para a nossa desolação, e para a cidade que é chamada pelo teu nome, porque não lançamos as nossas súplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas misericórdias. Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age sem tardar; por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu povo são chamados pelo teu nome”.

A uma oração desse caráter não podia faltar a resposta. Enquanto estava ainda falando e fazendo a sua confissão, o anjo Gabriel “veio, voando rapidamente, e tocou-me, à hora do sacrifício da tarde” (Dn 9:21), — isto é à mesma hora em que o cheiro suave do sacrifício da tarde, apontando para o sacrifício de nosso Senhor Jesus Cristo, teria ascendido a Deus, se Jerusalém não tivesse estado em ruínas. Gabriel declara que fora enviado para dar a Daniel habilidade e entendimento com respeito aos tempos previstos por Deus no tocante à bênção de Israel. Citarei na íntegra essa mensagem e peço ao leitor que preste cuidadosamente atenção em cada uma das palavras:

“Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados, e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santíssimo. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas

14 O irmão referido é o amado Paul J. Loizeaux, agora já há tempo com Cristo.

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semanas; as ruas e o muro se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta e duas semanas será cortado o Messias, mas não para si mesmo; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas as assolações. E ele firmará aliança com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador” (Dn 9:24-27).

Considerando, então, essa profecia detalhadamente, é importante, antes de mais nada, notar que o período de tempo das setenta semanas claramente se refere a anos. Daniel apreendeu das Escrituras que o Senhor cumpriria setenta anos com respeito as desolações de Jerusalém. Porém, como resposta a sua oração, Deus lhe faz saber que em setenta semanas, ou seja unidades de sete anos, toda a profecia com respeito a Seu povo Israel seria cumprida. A palavra traduzida aqui “semanas” não necessariamente se refere a semanas de dias, mas é um termo genérico (assim como a nossa palavra “dúzia”), significando uma unidade de sete e pode ser aplciado a qualquer que seja o assunto a ser considerado. No mapa, usei as palavra heptada como equivalente para evitar confusão de expressões.

Também é importante notarmos que esses setenta vezes sete, ou 490 anos, são separados do período de tempo integral referente ao povo de Daniel e a sua santa cidade, Jerusalém. Por isso, as setenta semanas somente estão correndo enquanto houver um remanescente em Jerusalém reconhecido por Deus como o Seu povo.

Isso nos leva a um terceiro ponto, ponto esse que muitos não preceberam. O ciclo das setenta semanas é dividido em três partes. Isso pode ser visto claramente quando se contempla o mapa. Primeiro temos sete unidades de sete, ou seja 49 anos. É esse o período chamado o estreito ou aperto, uma época em que a cidade e os muros de Jerusalém estavam sendo reconstruídos. A segunda parte do ciclo consiste em sessenta e duas semanas, ou seja 434 anos, depois dos quais o Messias seria cortado e não teria nada. Isso deixa ainda uma semana, ou 7 anos, para ser cumprida. E essa não pode ser cumprida até que haja novamente um remanescente de Judá na cidade de Jerusalém reconhecido por Deus como Seu povo.

Um ciclo de 490 anos terminou no cativeiro babilônico. Deus, então, disse que os daria outro período igual que terminaria diferente. Notem quantas coisas haviam der ser cumpridos antes que esse período chegaria a um fim. A transgressão deles cessaria; seria dado um fim aos seus pecados; a reconciliação ou, mais exatamente, a expiação da iniqüidade seria feita ; justiça eterna — isto é o reino milenar — seria trazida; a visão e a profecia seriam seladas por terem sido cumpridas; e o Santo dos Santos seria ungido no futuro templo em Jerusalém.

Ora, fica evidente que há muita coisa mencionada ali que nunca tem sido cumprido até hoje. Conseqüentemente, os 490 anos ainda naõ se cumpriram.

Uma outra pergunta é: Podemos, definitivamente, afirmar quando as setenta semanas começaram? Sim, vejamos o versículo 25: “Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas” (Dn 9:25). Agora, a saída da ordem de restaurar e edificar a Jerusalém nos é relatada no segundo capítulo do livro de Neemias, e não pode haver questionamento referente a datas.

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O decreto foi dado no mê de Nisã, no ano vigésimo do rei Artaxerxes — um ano bem conhecido aos historiadores como 445 a. C. Observamos que o decreto que saiu nos dias de Ciro, cujo relato encontramos em Esdras 1, claramente não é o ponto de partida aqui referido, porque esse decreto se referia unicamente à reconstrução da casa de Deus em Jerusalém, ou seja do templo de Zorobabel. Nada é dito referente à reconstrução da cidade ou dos muros. Por isso trata-se da ordem de Artaxerxes referida aqui pelo anjo como o ponto verdadeiro de partida. Desde o tempo desse decreto até a vinda do Messias, o Príncipe, haveriam de decorrer sete semanas e sessenta e duas semanas, somando ao total sessenta e nove semanas ou seja 483 anos. 49 anos se distinguem do restante, porque durante eles a cidade e os muros haviam de ser reconstruídos. Essa divisão também ocorre, não tenho dúvidas, para que a nossa atenção fosse chamado ao fato de que os 490 anos se dividem em três seções e que não seguem necessariamente ininterruptamente em direta ordem cronológica. É verdade que as sessenta e duas semanas seguiam imediatamente ao cumprimento das sete semanas, mas isso não altera o fato de que Deus claramentesepara as sessenta e duas semanas das sete que haviam de correr antes. Assim também a última semana, ou seja os últimos sete anos, é separada de tudo que aconteceu antes. Cronologistas aptos mostraram que a crucificação do Senhor Jesus Cristo aconteceu imediatamente após a expiração dos 483 anos proféticos, cada um de 360 dias, a partir do tempo do decreto de Artaxerxes. Se referirmos aos demais profecias cronológicas nesse livro, então se torna imediatamente evidente, acredito eu, que esse é o método correto de contagem. O tempo, tempos e a metade de um tempo dos capítulos 7:25 e 12:7 são claramente idênticos com os 1.260 dias de Apocalipse. Eles representam exatamente 3 anos e meio, como fica evidente de uma comparação com os sete tempos em que Nabucodonosor fora afastado dos seres humanos.

No final das sessenta e nove semanas, então, o Messias, por Quem todo o Israel havia esperado tanto tempo, finalmente viria, mas somente para ser cortado e rejeitado por Seu povo que deveria ter recebido a Sua vinda com alegria. Até esse tempo, o grande relógio profético marcara ano após ano cumprindo-se aquilo que temos nesse capítulo; mas causada pela crucificação do Senhor Jesus Cristo, o grande relógio parou, e não tem havido outro tique-taque desde então, nem haverá algum até, em um dia futuro, os judeus serão restaurados em sua própria terra e um remanescente se encontrará entre eles pronto para reconhecer os direitos do Cristo de Deus. Por causa da rejeição do seu Príncipe por Jerusalém, Ele os tem rejeitado. E ele profetizou, antes mesmo da Sua morte, que a sua cidade e o templo seriam derrubados e que não ficaria pedra sobre pedra. Isso também é predito no versículo 26 de nosso capítulo: “…o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até o fim haverá guerra; estão determinadas as assolações”. Essas palavras, em breve, descrevem a história da Palestina desde a vinda dos exércitos romanos debaixo de Tito até a época presente. Jerusalém, e Palestina como um todo, têm sido pisados pelas nações e o serão “até que os tempos dos gentios se completem” (Lc 21:24).

Notemos que não é dito no versículo 26 que o príncipe viria naqueles dias. De fato, é confirmado claramente que a cidade seria destruída — não pelo príncipe, que hveria de vir —, mas sim pelo povo dele. O príncipe é aquele terrível caráter que ainda entrará em cena e que arrogará para si mesmo o poder supremo

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nos dias do período dos dez reis do Império Romano — dias estes que ainda estão para vir, como vimos. Em outras palavras: ele é expressivamente a besta de Apocalipse 13:1 e 17:3.

É ele que se destaca imediatamente no versículo 27. Ele firmará aliança com muitos por uma semana. A septuagésima semana se iniciará quando o povo judeu estiver restaurado em sua terra e cidade, embora em incredulidade, e entre eles for achado um remanescente crente, que reconhece o seu próprio pecado e procura a face do SENHOR. Os muitos, a massa apóstata do povo, entrarão em uma aliança com o príncipe, cujo povo, anteriormente, era o instrumento para destruição de sua cidade. Isso quer dizer que esse grande e blasfemo líder romano garantirá proteção e liberdade de culto religioso a eles durante sete anos. Em troca, eles lhe prometerão lealdade reconhecendo-o como o seu soberano. Na metade da semana (i.e. depois de 3 anos e meio), ele violará a sua parte da aliança e fará com que os sacrifícios e oblações ao SENHOR cessarão. Idolatria da pior categoria lhes será imposta. O resultado direto será a distinção do remanescente da massa e assim será introduzida a grande tribulação, cuja duração será de 42 meses — “um tempo, e tempos, e metade de um tempo”, ou seja 1.260 dias.

A última frase podemos ler ou como a temos na Edição Corrigida e Revisa Fiel ao Texto Original da Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil: “…e o que está determinado será derramado sobre o assolador”, ou como reza a King James Authorized Version em inglês: “… sobre o assolado”. Aquilo que Deus determinou será derramado sobre a pobre assolada Judá por causa da sua rejeição do legítimo Rei e Salvador. E então, quando o cálice deles estiver cheio até a borda das terríveis perseguições da besta e do anticristo, então esses inimigos mortais de Deus e o Seu próprio povo serão punidos com a eterna destruição da presença do Senhor e da glória de Seu poder. Temos a seu destino claramente predito no livro de Apocalipse, capítulo 19, versículo 20: “E a besta foi presa, e com ela o falso profeta, que diante dela fizera os sinais, com que enganou os que receberam o sinal da besta, e adoraram a sua imagem. Estes dois foram lançados vivos no lago de fogo que arde com enxofre”. Ali estão vistos ainda 1.000 mais tarde, em Apocalipse 20:10, quando o próprio diabo, o instigador de toda a iniqüidade, será lançado no mesmo lago de fogo “onde está a besta e o falso profeta; e de dia e dnoite serão atormentados para todo o sempre”.

Fica claro então, por meio de tudo que contemplamos, que essa última semana das setenta ainda não se cumpriu. Porque, se fosse diferente, então os judeus estariam agora em sua terra na condição de uma santa e feliz nação; o templo deles estaria ungido para o serviço a Deus, as suas transgressões teriam cessado, e os anos de seu pranto teriam terminado. Deus, porém, conta somente o tempo com respeito a Israel enquanto são reconhecidos como povo dEle na terra de Palestina. Todos os anos de sua sujeição ao governo gentílico são vistos como desperdiçados. Nessa época presente de sua rejeição, Deus toma de entre os gentios um povo para o Nome do Senhor Jesus — a Igreja que será o Seu corpo e a Sua noiva para toda a eternidade. Quando essa grande obra terá cessada, então “reedificará o tabernáculo de Davi, que está caído”, e iniciará mais uma vez o cumprimento das profecias do Antigo Testamento a partir do ponto a que chegaram quando da cruz de Cristo. Enquanto isso, os opressor gentílico anda com arrogância e orgulho pela terra da Palestina, e o pobre judeu é desprezado e odiado em quase todos os países de sua peregrinação. O Senhor Jesus nos dá a

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história da Palestina em uma frase bem sugestiva quando diz: “E ouvireis de guerras e de rumores de guerras;… mas ainda não é o fim” (Mt 24:6). Isso caracteriza toda a dispensação e continua assim até o fim. Quando será esse fim? Quando a septuagésima semana começar o seu curso, e quando Deus uma vez mais Se dedicar à nação de Israel e iniciar a cumprir as promessas feitas pelos profetas. Ele tocará o pêndulo do grande relógio profético tal como ficou parado e pô-lo mais uma vez a marcar a hora para contar os anos preparatórios que prenunciam o reino glorioso do Filho do homem — época essa em que Jerusalém se tornará a capital do mundo e Palestina será outra vez o jardim do SENHOR.

Antes de encerrar, gostaria de fazer uma breve anotação sobre uma interpretação um tanto peculiar dada freqüentemente com referência aos versículos 26 e 27. Diz-se que o Senhor Jesus seria Ele próprio o “príncipe, que há de vir” e que “firmará aliança com os muitos por uma semana”. Supõe-se que a Sua própria crucificação teria sido o evento que fez cessar o sacrifício e a oblação. Porém, essa interpretação não fica em pé nem um momento nem do ponto de vista cronológico nem doutrinário, quando examinada à luz de outras Escrituras. Com quem o Senhor Jesus teria firmado aliança por sete anos? O Seu sangue precioso é chamado “o sangue da aliança eterna”; não de uma aliança pelo período de uma semana de anos. Podemos descansar seguramente que esse personagem não é o Messias de forma alguma, mas sim o príncipe blasfemo que ainda há de vir e que cumprirá aquilo que é predito nesse versículo.

Até que ponto o mundo está perto de realmente entrarem todas essas coisas, ninguém pode dizer, mas faz parte da sabedoria de aprender das Escrituras proféticas e de se voltar agora Àquele que somente é capaz de salvar. Reconhecê-Lo como Redentor e Senhor é preciso e assim estar certo de que será arrebatado a fim de encontrá-Lo quando vier com as núvens, antes que tempo chegar em que o Seu justo juízo será derramado sobre esse pobre mundo.

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Lição 10

CAPÍTULO 10

ATIVIDADE ANGELICAL

A última grande profecia ou revelação feita conhecida a Daniel nos é apresentado detalhadamente nos capítulos 10 a 12. É a mais minuciosa de todas as profecias dadas nesse livro. Começa nos dias de Daniel e culmina na antecipação do reino.

É importante notarmos, que tanto aqui como também em outros lugares nas Escrituras proféticas é distintamente o povo de Daniel que está em vista (veja versículo 14). Não encontraremos nada nem aqui nem alhures no Antigo Testamento que diga respeito à Igreja da presente dispensação. É por causa de falta de inteligência com respeito a esse ponto que tem entrado tanta confusão na interpretação da profecia.

Vemos, baseado no versículo de abertura do livro de Esdras e no versículo 1 de nosso capítulo, que dois anos se passaram entre a época em que o rei Ciro deu a permissão aos judeus para retornarem a Jerusalém e a época em que Daniel teve essa visão. Ele mesmo não era um daqueles que voltaram; sem dúvida devido ao fato de que estava em uma posição que requeria a sua atenção para o rei e também era um homem bem avançado em idade — provavelmente tinha em torno de noventa anos. Vemo-lo esperar tranqüilamente pelo tempo em que deixaria esse mundo para trás, mundo este em que viu tantas mudanças e revoltas. O seu coração, porém, está exercitado referente ao remanescente de sua nação que foi até o lugar do Nome do SENHOR. E ele se encontra em grande aflição, em grande tristeza de coração — aquela aflição de coração que talvez somente aqueles conhecem que, assim como Daniel, adentram na situação verdadeira do povo de Deus. Até mesmo aqueles que haviam subido a Jerusalém falharam desde o início em realizando por completo aquilo que era conforme a mente de Deus. Eles subiram com uma certa medida de entusiasmo e foram reunidos de volta à sua cidade santa que estava em ruínas. Mas que tristeza! Preguiça e indiferença para com a glória de Deus logo começaram a operar como um câncer entre eles, e alianças foram formadas com os estrangeiros ao redor de Jerusalém. Assim Deus, de fato, teve pouco proveito do retorno deles ao lugar de Seu templo e altar.

Sem dúvida, Daniel sabia e sentia tudo isso. E o seu coração estava entristecido a esse respeito. Ele sabia também, que aqueles que haviam subido eram, na verdade, bem poucos comparado aos que ficaram sossegados na terra onde o seu cativeiro deu lugar para tolerância indiferente. Enquanto esses, como os vemos no livro de Ester, parecem estar bem contentes com a medida de liberdade que usufruíam e, aparentemente não tinham coração para aquilo que tinha um lugar tão amplo na mente de Daniel, ele se encontra curvado diante de Deus em profunda tristeza, condoendo-se por três semanas inteiras. E aqui se trata de semanas de dias — fato este a qual intentei chamar a sua atenção no capítulo anterior com respeito ao significado da palavra “semana”. Durante esse período de lamentação, ele não provou pão aprazível, nem carne nem vinho e nem se ungiu até que três semanas inteiras se cumpriram.

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No final desse tempo, quando estava ao lado do grande rio Hidequel, levantando os seus olhos, viu um certo homem vestido de linho, cujos lombos estavam cingidos com ouro fino. O corpo desse homem é descrito como sendo de berilo, e sua face parecida um relâmpago; os seus olhos eram como tochas de fogo. Os seus braços e pés brilhavam como bronze polido e a voz de suas palavras era como a voz de uma multidão. A descrição não pode haver outro efeito senão recordar-nos da descrição dada do próprio Senhor glorificado em Apocalipse, capítulo 1. Que esse mensageiro que apareceu a Daniel não era uma manifestação visível de Deus (ou teofania), mas um anjo criado, parece ser evidente baseado no fato de que requeria a ajuda de Miguel em seu conflito.15 Quando Daniel o viu, os homensque estavam com ele fugiram, para se esconderem, embora não vissem a visão; mas grande temor os sobreveio. Deixado sozinho na presença desse ser majestoso, a força do profeta foi transformada em fraqueza, e o seu vigor em corrupção, de forma tal que se achou em terra como alguém que estivesse em profundo sono, embora ouvisse ainda assim a voz do anjo. Uma mão se estendeu que o tocou e que o colocou de joelhos, embora ainda tivesse que se apoiar sobre as palmas de suas mãos. Então o mensageiro falou, dizendo: “Daniel, homem muito amado, entende as palavras que vou te dizer, e levanta-te sobre os teus pés, porque a ti sou enviado” (Dn 10:11). Nesse momento, o profeta se levantou tremendo.

Então o anjo disse: “Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia em aque aplicaste o teu coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, são ouvidas as tuas palavras; e eu vim por causa das tuas palavras. Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu vinte e um dias, e eis que Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu fiquei ali com os reis da Pérsia” (Dn 10:12).

Aqui nós recebemos uma notável visão do mundo invisível e o conflito, mesmo agora, está sendo levado a cabo nos lugares celestiais. E podemos encontrar aqui também a razão por que muitas das nossas orações parecem não serem respondidas quando e como nós desejássemos que fossem, não é? Durante três semanas inteiras, Daniel estara diante de Deus com intensas súplicas: ele orava, ele rogava, ele intercedia a favor de seu povo; porém, nenhuma resposta viera. E se Daniel tivesse cessado de orar, poderia ter perdido de vista o objeto de suas orações e declarado que Deus estava surdo com respeito às suas orações. Porém, o anjo lhe diz que no início de sua súplica saiu a ordem e ele foi enviado da direta presença do trono de Deus para fazer Daniel saber aquilo que tranqüilizaria a sua mente com respeito ao propósito de Deus e a bênção final de Seu povo. Mas, durante 21 dias, esse anjo teve que lutar pelo caminho através do reino dos demônios nos ares. O príncipe do reino da Pérsia (não o próprio Ciro, mas evidentemente uma njo mau, encarregado por Satanás, procurando a influenciar os corações dos reis persas contra o povo de Deus) resistiu a esse santo anjo do Senhor durante 21 dias. O anjo divinamente enviado também não podia

15 É com a maior difidência que aqui discordo com a interpretação do falecido irmão William Kelly e um número de outros expositores capacitados. A minha única razão para proceder assim é aquela dada no texto. O estudante cuidadoso pode consultar com muito proveito as “Notas sobre Daniel” (disponível somente em inglês sob o título “Notes on Daniel”) e avaliar aquilo que é dito ali com referência a esse anjo glorioso. Alguns não consideram o anjo que fala no versículo 11 a seguir o mesmo como descrito inicialmente aqui.

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prevalecer antes que Miguel, aqui chamado de “um dos primeiros príncipes” e, no Novo Testamento, “o arcanjo” veio em sua ajuda.

Ora, concordo que tudo isso é muito misterioso. É algo totalmente fora da esfera da percepção humana. Sabemos nada sequer sobre os conflitos continuamente acontecendo nomundo invisível, exceto aquilo que aprendemos a partir de nossas Bíblias. Porém, o seguinte é claro: Aqui havia um homem na terra que orou intensamente, e Deus ouviu aquela oração no céu. Em resposta a ela, Ele enviou um anjo; porém, durante três semanas havia algum empecilho retendo o anjo de seu alvo que era chegar a Daniel. Esse empecilho estava no mundo invisível e de um poder tal, que o próprio arcanjo era preciso intervir para vencê-lo.

Agora gostaria de chamar a sua atenção a algumas outras passagens que dizem respeito a esse solene assunto. Nos primeiros capítulos do livro de Jó encontramos os filhos de Deus se apresentando diante do SENHOR, e nos é dito que o próprio Satanás também veio. Os “filhos de Deus” são claramente uma ordem de ministros angelicais, incumbidos de levar a cabo a vontade de Deus em ligação com esse mundo e de acordo com a palavra: “Faz dos seus anjos espíritos, e de seus ministros labareda de fogo … Não são porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” (Hb 1:7 e 14). Entre esses filhos de Deus, Satanás, o líder malvado e infame das hostes da maldade, anda descaradamente. Ele age — posso dizê-lo? — como alguém que não teme de forma alguma repreensão naquela companhia. Ele está ali, como em outras passagens das Escrituras, na condição do grande adversário e acusador dos irmãos. Ele acusa Jó diante do próprio Deus; e, como no caso do apóstolo Pedro e de outros discípulos, parece que pediu para cirandá-los como o trigo. E o Senhor não lhe nega esse pedido, mas entrega Jó em suas mãos — para o próprio bem de Jó, como sabemos. Assim podemos deduzir dessa passagem, que Deus é capaz de fazer uso até mesmo do diabo, para levar a cabo os Seus propósitos para a bênção dos Seus filhos. Satanás de forma alguma era mais esperto do que Deus, mas Deus está fazendo uso dele durante todo esse tempo presente. O diabo é o cirandor do trigo de Deus. O Senhor quer que o Seu trigo seja cirandado. Ele não quer um montão de palhiço. Mas quando o diabo é usado assim para cirandar o trigo de Deus, quando os Seus filhos estão sendo colocados assim na ciranda do diabo, então nenhum grão do trigo é perdido. O diabo é simplesmente usado por Deus para a separação do palhiço e do trigo; somente isso. Não desepere então se, à maneira de Jó e Pedro, está sendo colocado na ciranda do diabo. É o próprio Deus que deixa você ser cirandado assim, porque Ele tem visto o palhiço em sua vida, e Ele quer que o falso seja separado do certo. Porém, o ponto que tinha em mente chamando a sua atenção para essa passagem das Escrituras foi que todos pudessem enxergar que tanto anjos bons bem como maus têm acesso à presença de Deus.

No capítulo 18 de segunda Crônicas temos o relato de uma aliança entre Acabe e Jeosafá. Acabe era uma rei perverso, o governador das dez tribos. Jeosafá era, em grande medida, um homem de Deus; mas, infelizmente, ele era uma pessoa que não sabia dizer “não”. Era um caráter que cedia demais quando parecia ser para o seu bem e o bem do reiuno de Judá, sobre qual reinava. À petição de Acabe ele prometeu de sair à batalha ajudá-lo contra os seus inimigos, mas também desejava consultar um profeta do SENHOR. Acabe trouxe uma multidão de profetas de Baal, que todos predisseram uma gloriosa vitória. Porém,

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isso não satisfazia a Jeosafá. E assim Micaías, um profeta do SENHOR feito prisioneiro por causa de sua fidelidade, é trazido do calabouço, para declarar a mente do SENHOR. Quando ele veio, o rei de Israel disse: “Iremos a Ramote de Gileade à guerra?” (2 Cr 18:14). E Micaías respondeu ironicamente: “Subi, e triunfarás; e serão dados na vossa mão” (2 Cr 18:14). Porém, o rei detectou o tom de ironia em sua voz, e Acabe o intimava a falar a verdade. Nesse momento, Micaías tirou, assim podemos dizer, o véu do outro mundo e declarou que tinha visto uma multidão de espíritos ao redor do trono de Deus. Um desses, em obediência à permissão divina, havia vindo para se tornar um espírito de mentira na boca dos profetas de Acabe, para que seduzisse o vil rei idólatra à destruição. Ali vemos novamente a mesma coisa que está diante de nós no livro de Jó — anjos, tanto bons como maus, têm acesso ao céu.

É a mesma coisa no capítulo 3 de Zacarias. Que imagem bonita temos aqui! Josué, o sumo sacerdote, é o representante de toda a nação de Israel: ele estava diante do SENHOR vestido de vestes sujas — uma figura de um eleito por Deus, porém contaminado pelo pecado. Um adversário está ali para acusá-lo, mas o anjo do SENHOR está ali para ajudá-lo. Quem é este místico “anjo do SENHOR”? Quem seria senão Aquele de Quem o SENHOR disse: “…o meu nome está nele” (Êx 23:21)? Ele nos fala do próprio Senhor Jesus, o Mensageiro da aliança. O que diz o SENHOR, quando Satanás tenta acusar? — “O SENHOR te repreenda, ó Satanás, sim, o SENHOR, que escolheu Jerusalém, te repreenda; não é este um tição tirado do fogo?” (Zc 3:2). Isso expõe duas coisas: primeiro, há a soberana graça eleitora de Deus; e então, há redenção. É por isso que Deus podia reconhecer ser dEle o remanescente de Israel apesar de suas falhas. O SENHOR diz: “E o escolhi” — é essa a Sua resposta a Satanás. “Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Rm 11:29). Isso, por sua vez, está baseado na redenção, porque diz àqueles que estavam ao redor: “Tirai-lhe estas vestes sujas” (Zc 3:4). E a ele mesmo disse: “Eis que tenho feito com que passe de ti a tua iniqüidade, e te vestirei de vestes finas” (Zc 3:4). Apresença do Anjo da aliança aponta para a cruz; porque era naquela cruz que a aliança seria ratificada no precioso sangue dAquele que se tornou homem com vistas a sofrer a morte, para que purificasse de toda a iniqüidade a todos aqueles a quem redimiu para Si mesmo. Assim temos a plena redenção e o tição tirado do fogo.

Agora, ligamos com isso aquela passagem importante no capítulo 12 de Apocalipse. Lembremos que ali se fala de algo que ainda é futuro. Lembremos uqe ali fala de algo ainda futuro. “E houve batalha no céu; Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhavam o dragão e os seus anjos; mas não prevaleceram, nem mais o seu lugar se achou nos céus. E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele. E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora é chegada a salvação, e aforça, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite” (Ap 12:7-10). Isso nos dá o fim do lugar de Satanás em sua condição de acusador com acesso aos céus. É precipitado pelo mesmo Miguel que veio em auxílio do anjo que fala a Daniel em nosso capítulo. Esse evento acontecerá no meio da septuagésima semana do capítulo nove. Depois disso, nunca mais algum espírito imundo terá acesso à presença de Deus.

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No capítuo seis da epístola aos Efésios, há uma passagem de grande importância. Observe versículos 11 e 12: “Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo. Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais (ou literalmente: espíritos) da maldade, nos lugares celestiais”. Os inimigos do cristão são esses espíritos da maldade, que, assim como o príncipe do reino da Pérsia, governam e dominam os corações dos seres humanos nesses dias de trevas. Nós somos alertados contras as suas astúcias. O grande emrpeendimento de Satanás atualmente é procurar a enganar o povo de Deus com coisas que aparentam estar de acordo com a Sua mente, porém, na verdade, são imitações fraudulosas.

O leitor se recorda de que, quando Josué e o povo de Israel entraram na terra de Canaã, Deus lhes disse de destruir por completo todas as nações que habitavam ali. Porém, os gibeonitas, cheios de terror, enviaram representantes a Josué, pretendendo de terem vindo uma longa distância. Por meio de seu pão bolorento, roupas rasgadas e sapatos gastos enganaram os líderes de Israel para que fizessem aliança com eles. Assim foram iludidos por descuidar das astúcias dos canaanitas. Nós também seremos enganados pelos estratagemas infernais de nosso grande adversário, se não estivermos cuidadosos em continuamente perguntar pelos conselhos do Senhor. Nesse capítulo 6 de aos Efésios nos é dito que a nossa luta é contra “os príncipes das trevas deste século”. Quem são esses príncipes deste século? Não são o Rei da Inglaterra, o Imperador da Alemanha, o Czar da Rússia ou o presidente dessa grande república16 — esses grandes e muitas vezes bons homens têm a ver com o governo temporário desse mundo, são “as potestades que há” (Rm 13:1), ordenados por Deus —, mas eles podem ser como as pequenas figuras no tabuleiro de xadrez nas mãos dos verdadeiros príncipes das trevas deste século.17

É isso que aprendemos nesse capítuo 10 de Daniel. O príncipe do reino da Pérsia que resistiu durante 21 dias ao anjo do Senhor, era um desses príncipes das trevas deste século. O príncipe da Grécia no versículo era um outro que procurava influenciar os corações dos governadores gregos contra a vontade de Deus. E então, por outro lado, o lietor tem notado como Miguel é chamado no último versículo? É designado como “Miguel, vosso príncipe”. E no capítulo 12:1 é chamado de “o grande príncipe, que se levanta a favor dos filhos do teu povo”. Isso quer dizer que Miguel, de maneira especial, tem cuidado pelo povo de Israel. Assim, enquanto anjos maus estavam procurando a ruína de Israel, Miguel e as suas hostes de anjos benevolentes estavam protegendo os interesses do povo.

O leitor há de se recordar que naqueles dias foram feitos esforços para frustrar os propósitos de Deus concernentes aos judeus. Sanbalate e os seus companheiros procuravam de toda e qualquer maneira pôr empecilhos ao progresso da obra do Senhor em Jerusalém. O que estava acontecendo na terra, evidentemente estava intimamente ligado, e até mesmo o resultado, daquilo que estava acontecendo na esfera superior. Satanás é chamado o príncipe do poder do ar; e os seus subordinados angelicais e os santos anjos de Deus estavam pelejando 16 Os Estados Unidos da América. — N. do. T. 17 Como isso tem sido demonstrado no decorrer dos últimos 5 anos! Deixei a passagem no texto assim como a escrevi primeiramente, embora hoje não haja mais um Czar da Rússia.

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com respeito à tentativa de levar a cabo aquilo que o próprio Deus havia planejado a favor de Seu povo terrestre.

Talvez o maioral de todos os príncipes das trevas deste século seja descrito no capítulo 28 de Ezequiel, versículos 11 a 18. Há de notar que nos primeiros dez versículos é feito menção do príncipe de Tiro; mas, iniciando com o versículo 11, temos um ser muito diferente — um que é claramente sobre-humano, designado como o rei de Tiro. Dele Ezequiel diz: “Assim diz o Senhor DEUS: Tu eras o selo da medida cheio de sabedoria e perfeito em formosura. Estiveste no Éden, jardim de Deus; de toda a pedra preciosa era a tua cobertura: sardônica, topázio, diamante, turquesa, ônix, jaspe, safira, carbúnculo, esmeralda e ouro; em ti se faziam os teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados. Tu eras o querubim, ungido para cobrir, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pdras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti. Na multidão do teu comércio encheram o teu interior de violência, e pecaste; por isso te lancei, profanado, do monte de Deus, e te fiz perecer, ó querubim cobridor, do meio das pedras afogueadas. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, coorompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por terra te lancei, diante dos reis te pus, para que olhem para ti”.

Tudo isso era verdade referente ao rei terrestre de Tiro? Certamente que não! Porém, era verdade referente ao grande príncipe, o governador invisível, que guiava o reino de Tiro em direção a seu destino. E ai deles! Quão prontamente os governadores e nações obedecem aos comandos desses espíritos malignos que, tendo perdido o céu para si mesmos, agora, assim parece, encontram o seu deleite em realizar a ruína da raça humana! E embora Deus procure, em Sua graça, a bênção do ser humano e tenha dado a Sua Palavra e o Seu Espírito para guiar nas sendas da justiça e da paz bem como tenha enviado hostes de anjos eleitos e não caídos, para influenciarem líderes e guiá-los a preferir justiça e santidade antes de injustiça e inqüidade, ainda assim o coração do ser humano é tão perverso em seu estado natural que ele está sempre pronto a ser levado cativo pelo diabo a fazer a vontade dele.

Na época presente, o nosso conflito como cristãos é dito ser com os principados e potestades que não são de carne e sangue. Isso evidencia uma graduação hierárquica entre os anjos, sejam eles caídos ou não, assim como existem nos exércitos humanos. O esforço especial dessas hostes organizadas do inferno agora é enganar o povo de Deus por meio de apresentar algo diferente aos seus corações que tome o lugar de Cristo e de Sua verdade e dessa maneira os mantenha longe de sua bênção. Juntado a isso há o esforço de colocar empecilhos a almas exercitadas, para que nem cheguem ao conhecimento da verdade por meio de imitar aquilo que é de Deus, para que tais pessoas sejam desviados para dentro dos labirintos tortuosos do erro que, por outro lado, aparenta com aquilo que obedece a verdade.

O leitor tem notado como para cada verdade preciosa das Escrituras existe uma imitação satânica? Tem sido assim desde o início. Mal o glorioso evangelho da graça fora proclamado e o diabo já introduziu ocultamente homens entre as assembléias de Deus, cujo alvo era tornar a mesma graça em lascívia. Quando o apóstolo ensinava que o cristão não estava debaixo da Lei, mas debaixo da graça, então o antinomiano estava seguindo-o imediatamente muito de perto para

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exclamar: “Façamos males, para que venham bens” (Rm 3:8). É a mesma coisa em nossos dias. Deixe que a preciosa verdade da habitação e dos dons do Espírito Santo seja exposta, e Satanás logo em seguida estará ali com dons falsos e um outro espírito, conduzindo a mesmo almas sinceras ao mais frenético fanatismo. Deixe que seja insistida na verdade do novo nascimento, e o diabo levantará ensinadores conforme o seu próprio coração, para que digam aos homens que “nascer de novo” signifique simplesmente “elevar-se sobre a vida para si próprio a uma vida espiritual, estender-se após ideiais superiores, procurando a praticar aquilo que é o mais elevado, o mais nobre e melhor de nós próprios, assim salvando-nos a nós mesmos pelo caráter”18. É esse um exemplo dos ensinos que se ouve em muitos púlpitos supostamente ortodoxos nessa presente época.

Ou deixe alguém pregar que o Senhor Jesus Cristo há de voltar; deixe que anuncie a abençoada verdade do arrebatamento da Igreja quando o Senhor voltar, e os espíritos maus nos lugares celestiais estão ali para envenenar as mentes dos seres humanos com tantos conceitos falsos e em desacordo com as Escrituras referente a esse assunto tão solene e importante, que a segunda vinda se torna um apelido pejorativo nas mentes de algumas pessoas inteligentes e eles ficam enjoados e cansados de assunto inteiro. Esses, porém, são exatamente os ardis do diabo contra quais o crente é advertido, e precisamos de estar de alerta para com eles, lembrando da palavra: “Examinai tudo. Retende o bem” (1 Ts 5:21).

Graças a Deus, as hostes da esfera superior não são todos malévolos. O leitor se recorda que no campo de Dotã, em resposta à oração de Eliseu, o Senhor abriu os olhos do servo do profeta e viu que o monte ao redor estava cheio de carros de fogo. “O anjo do SENHOR acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra” (Sl 34:7). O amados irmãos, nós também precisamos de olhos abertos! Então viríamos a hoste angelical acampado ao nosso redor para a nossa proteção e nos vigiando para o nosso bem. Assim continuaríamos lutando com nova coragem, vestidos de toda a armadura de Deus, sabendo que contra a Igreja de Cristo, fundada nEle mesmo, as portas do inferno (ou do hades) não hão de prevalecer.

E agora, finalizando esse solene assunto, deixem-me dizer alguma palavra aqueles que ainda não são salvos. Esse espíritos malignos, dos quais tenho falado, estão determinantemente decididos a levar a sua alma à condenação. Farão uso de qualquer esforço conhecidos pelos demônios para impedir a sua salvação e para selar o seu destino. Quanto mais, então, precisa apreender a lição que em você próprio não há nem força nem poder. Você é apenas uma pobre, fraca e fácil a ser enganada alma guiado por Satanás e comandada por seus hostes malignos. Apenas UM pode lhe libertar de seus terríveis inimigos. Esse UM é o bendito Senhor Jesus Cristo que morreu sobre a cruz, “para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” (Hb 2:14-15). Então, clame a Ele, e seja libertado dos temíveis e sobre-humanos inimigos, cujo desejo é a sua ruína eterna, porque está escrito: “Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10:13).

Retomemos agora, depois desse longo parêntesis, o nosso capítulo. No versículo 14, o anjo conta a Daniel que viera para fazê-lo entender o que haveria de acontecer com o povo do profeta, os judeus, nos derradeiros dias. Face a isso,

18 Uma citação de um sermão a respeito de “Teologia Nova” (“New Theology”).

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Daniel abaixou o seu rosto em terra e emudeceu. Um outro anjo, ent’ao, se aproximou e tocou os seus lábios; fato esse que fez com que falasse em alta voz ao ser glorioso que estava diante dele: “Senhor meu, por causa da visão sobrevieram-me dores, e não me ficou força alguma. Como, pois, pode o servo do meu senhor falar com o meu senhor? Porque, quanto a mim, desde agora não resta força em mim, e nem fôlego ficou em mim” (Dn 10:16-17). O anjo servidor o tocou outra vez, fortalecendo-o e pedindo-lhe não temer, mas ficar fortalecido. Nesse momento, Daniel pediu ao anjo revelador que continuasse falando. Esse lhe diz que haveria de voltar a pelejar contra o príncipe da Pérsia e que, depois que tivesse ido embora, o príncipe da Grécia viria. Primeiramente, porém, lhe foi confiada a missão de mostrar a Daniel “o que está registrado na escritura da verdade” (Dn 10:21). Esse é certamente um registro mantido no céu, não na terra. O Deus onisciente traçou os eventos a ocorrer nos reinos dos homens muito antes que acontecessem na terra. Essa revelação é dada no próximo capítulo.

Assim como “no rolodo livro” estava escrito referente ao eterno Filho de Deus: “Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua lei está dentro do meu coração” (Sl 40:8); e assim como cada passo de Sua jornada desde o trono do universo descendo à cruz do calvário e de volta ao trono, sim, até mesmo aos séculos dos séculos estava de antemão conhecido já antes da fundação do mundo, assim Deus previu tudo aquilo que há de realizar-se nesse planeta nos assuntos dos seres humanos. Na “escritura da verdade” mencionada acima, tudo está sempre diante de Seus olhos; deixe Satanás e seres humanos maus enfurecer-se o tanto que quiserem, Ele “faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1:11).

O coração do cristão pode seguramente descansar nisso, regozijando-se nesse conhecimento que, em todo o tempo, Deus está assentado na condição de soberano sobre o Seu trono e governa todas as coisas bem!

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Lição 11

CAPÍTULO 11:1 – 35

AS GUERRAS DOS PTOLEMAICOS E SELÊUCIDAS

Iniciando essa primeira parte do capítulo, uma vez mais quero imprimir-lhes as palavras do apóstolo Paulo já algumas vezes aludida nessas lições, que “toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa” (2 Tm 3:16). Porque, procurando a desenvolver essa porção particular, eu estarei obrigado a ocupar-lhes, quase integralmente, com um desenrolar de eventos históricos que cobrem um período de aproximadamente 200 anos, em conexão com as guerras que desolaram a terra da Palestina depois da morte de Alexandre, o Grande. Para alguns, isso possa aparecer máteria muito seca e não espiritual; porém o assunto, se ele for para ser ilucidado e feito claro, requer, me parece, o tipo de tratamento que me propûs dar-lhe. E me sinto seguro dizer, se cuidadosamente assim observado, que fará ver em muitas coisas, como nunca antes, a absoluta e infalível precisão da santa Palavra de Deus.

Aqui nós temos diante dde nós para o nosso ensino um relato que foi feito primeiramente no céu. E deve ter sido a intenção de Deus que nós o estudássemos e o entendéssemos. Caso contrário não o teria incluído no volume das Escrituras. E para isso, devemos fazer alguns esforços, porque é uma porção da Palavra que não podemos entender claramente, senão nos esforçamos a investigar um pouco e ver como se cumpriu. Ora, se houver pessoas que depreciam o estudo histórico e de outros assuntos em conexão com a Palavra de Deus, gostaria de recordá-los da frase sugestiva: “Toda a história é Sua história”. E certamente, o homem de Deus não pode perder nada senão ganhar muito observando quão maravilhosamente a história confirma a profecia e assim coloca o seu selo sobre a inspiração divina da Bíblia. O Espírito Santo nunca nos condena por adquirir o conhecimento desse mundo. Aquilo que não é confiável, que somente traz discussão como fruto, que é especulação e contenda vã, isso é a “sabedoria / ciência” desse mundo. Por isso somos advertidos contra a filosofia humana, contra o raciocínio damente humana em seu estado não instruído por e fechado para a iluminação divina. Porém, não estamos sendo advertidos contra a aquisição de conhecimento verdadeiro, caso juntamos a ele o temor de Deus e o amor do Espírito.

Deus não recompensa a ignorância. Alguns cristãos são bastante míopes, tacanhos e fanáticos; intolerantes para com opiniões de outros, ou, de fato, de tudo que esteja fora de seu próprio campo de visão. Sem dúvida, a melhor cura para esse espírito pouco semelhante ao de Cristo é, estar mais na companhia do próprio bendito Senhor; mas a isso pode muito bem ser acrescentado um conhecimento de fatos e eventos que auxilia e alarga a visão, especialmente quando em conexão com as Escrituras.

O anjo que aparecera a Daniel lhe diz, que no primeiro ano de Dario, o medo, depois da queda de Babilônia, ele se levantou para fortalecê-lo. No segundo versículo ele começa, de certo modo, a desenrolar o rolo da Escritura da verdade. Ele diz: “Eis que ainda três reis estarão na Pérsia, e o quarto acumulará grandes riquezas, mais do que todos; e, tornando-se forte, por suas riquezas, suscitará a

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todos contra o reino da Grécia” (Dn 11:2). No capítulo 10, nós vimos que essa visão fora dada a Daniel no terceiro ano de Ciro. Os três reis que haviam de seguir, eram: primeiro, o seu filho Cambises. Esse foi sucedido — não por seu filho Smerdis, mas por um ignóbil impostor comumente chamado Pseudo-Smerdis. Ele parecia bastante com o filho de Cambises e, po meio de malandragem, se declarou a si mesmo imperador e governou em nome de Smerdis. Dario Histaspes o sucedia e ele, por sua vez, foi seguido por Xerxes, o Grande19. Esse Xerxes não era o último rei da Pérsia e isso também não é afirmado aqui, embora, à primeira vista, possa parecer implícito. Porém, ele era o quarto e, como profetizado, “mais rico do que todos”. Ele agitou a Ásia contra o reino da Grécia, e com um imenso exército de mais de 2½ milhões (se pudermos confiar nos relatos dos historiadores daqueles dias) atravessou o helesponto e invadiu a Grécia. Porém, justo o tamanho de seu exército derrotou o seu propósito e as suas hostes foram rechaçadas à Ásia. Os gregos nunca esqueceram-se desse insulto feito a sua raça e alimentaram o desejo por vingança até aos dias de Alexandre, o Grande. É esse o “rei valente” referido no versículo 3.

Há um bom intervalo entre os versículos 3 e 4 passado por alto, para ligar a invasão de Alexandre com os esforços de Xerxes para conquistar a Grécia. Depois que Alexandre estabelecera a sua autoridade sobre toda a Grécia, ele resolveu passar para a Ásia com o objeto especial de apagar a desgraça mencionada. Ele encontrou as forças de Dario Codomano, derrotou-as por completo, e tomou posse de todo o domínio persa. Porém, ele mesmo saiu de cena pouco tempo depois durante uma folia de bebedeira. Ele morreu no auge de sua vida e ainda jovem — uma vítima infeliz de uma maneira de viver prejudicial. Assim se cumpriu a palavra: “Mas, estando ele em pé, o seu reino será quebrado” (Dn 11:4). O versículo continua nos dizendo que o seu reino seria “repartido para os quatro ventos do céu; mas não para a sua posteridade, nem tampouco segundo o seu domínio com que reinou, porque o seu reino será arrancado, e passará a outros que não eles” (Dn 11:4). Ora, tudo isso se cumpriu ao pé da letra. Alexandre teve dois filhos: Hércules e Alexandre, porém ambos foram assassinados — um antes, o outro depois da morte dele. O seu reino, então, foi dividido, assim como Deus dissera que havia de acontecer. Depois da batalha de Ipso, ocorrido em no ano 301 AC, os seus domínios foram repartidos — como já vimos nos capítulos 7 e 8 — entre quatro de seus generais. A partir desse ponto, o nosso capítulo se ocupa somente com os governos e os fatos referentes a dois deles e de seus sucessores, a saber: Ptolemeu Lago, governador do Egito, e Seleucas, sátrapa da Síria. Dessa forma, o grande império estabelecido por Alexandre a tão alto custo foi quebrado em fragmentos que guerreavam uns contra os outros. Nenhum deles jamais alcançou o esplendor ou o poder do reino de Alexandre.

A partir do versículo 5 até o versículo 35 temos as guerras dos selêucidas e dos ptolemaicos no decorrer de dois séculos. Esses governadores são chamados de o Rei do Norte e o Rei do Sul respectivamente — as direções se referem, naturalmente, à terra de Palestina, que, aos olhos de Deus, é o centro da Terra. “Quando o Altíssimo distribuía as hernaças às nações, quando dividia os filhos de Adão uns dos outros, estabeleceu os termos dos povos, conforme o número dos

19 Aparentemente, esse Xerxes da história é idêntico com o Assuero do livro de Ester e a campanha conta a Grécia se situa entre o final do capítulo 1 e p início do capítulo 2 do livro de Ester. — N.d.T.

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filhos de Israel. Porque a porção do SENHOR é o seu povo; Jacó é a parte da sua herança” (Dt 32:8-9).

A razão pela qual os outros dois reinos não aparecem aqui nas páginas da profecia é feita clara dessa forma. O anjo disse a Daniel que lhe mostraria as coisas que diziam respeito a seu povo; e aqueles dois reinos não haviam lugar algum em conexão com Israel ou a terra de Israel.

É quase que necessário de seguirmos versículo por versículo aquilo que temos diante de nós agora. E rogo a Deus que, fazendo-o, cada coração seja impressionado com a perfeição absoluta das Escrituras Sagradas e a sua perfeição até mesmo nos mínimos detalhes. O Rei do Sul mencionado no versículo 5 era Ptolemeu Lago. A expressão “um dos seus príncipes” pode se referir ou ao fato de que Ptolemeu era um dos príncipes de Alexandre ou, como julgam outros com mais probabilidade, de que Seleucas Nicator era, inicialmente, sujeito a Ptolemeu. Esse último tinha poder sobre ele e possuía o maior domínio dos quatro em que o império se dividira. Por ocasião da morte de Ptolemeu, porém, quando Ptolemeu Soter o sucedeu, as condições foram invertidas. O domínio de Seleucas se ampliado por meio da anexão de Babilônia, Média e as nações dos arredores. Ele livrou-se da submissão ao Egito e governou independentemente. Naturalmente, isso trouxe consigo um estado de guerra e inimizade entre os dois reinos; mas, como lemos no versículo 6, “ao fim de alguns anos, eles se aliarão”. Isso aconteceu nos dias do reinado do neto de Nicator, Antíoco Teos. Em seus dias, um pacto de paz foi combinado com Ptolemeu Filadelfo, confirmado pelo casamento de Berenice, filha do Rei do Sul com Antíoco que se divorciou de sua própria esposa Laodice a esse propósito. Porém, Deus havia declarado que “ela não reteraria a força do seu braço; nem ele persistiria, nem o seu braço, porque ela será entregue, e os que a tiverem trazido, e seu paio, e o que a fortalecia naqueles tempos” (Dn 11:6). Tudo isso se cumpriu assim como foi predito. Laodice conseguiu agitar os seus amigos contra o rei; e como resultado, Berenice e todos os seus criados foram mortos. Antíoco, então, empossou novamente a sua rainha divorciada, que, pouco tempo depois, o envenenou e o filho dela, Seleucas Calínico, foi coroado em seu lugar.

“Mas de um renovo das raízes” de Berenice, isso é de sua família, havia de se levantar alguém em seu lugar e viria com um exército, para entrar na fortaleza do Rei do Norte, e prevaleceria contra ele (veja Dn 11:7). Isso se refere ao irmão dela, Ptolemeu Euergetes, que, com um poderoso exército, forçou o seu caminho através da terra de Palestina, espalhando desolação por todo lado, impulsionado pelo desejo de vingar o assassinato de sua irmã e de apagar a desonra infligido no Egito. Ele tinha sucesso em todos os lugares, derrotando Calínio por completo e colhendo despojos imensos. Porém, notícias de uma incitação a motim no Egito fizeram-no se apressar a voltar, levando consigo um número imenso de cativos com “os seus deuses com as suas imagens de fundição, com os seus objetos preciosos de prata e ouro” (Dn 11:8). Não retornou à Síria, e o próprio Calínio morreu pouco tempo depois caindo de seu cavalo. Ptolemeu reinou quatro anos mais, assim persistindo por alguns anos contra o Rei do Norte (ou: continuando alguns anos mais do que o Rei do Norte; veja Dn 11:8).

No versículo 10, os filhos de Calínico são contemplados. Esses são conhecidos na história como Seleucas Cerauno e Antíoco, o Grande. Reuniram uma grande força para infligir vingança nos egípcios. Cerauno, porém, morreu em

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menos que dois anos e deixou assim seu irmão como governador único. Era um dos reis mais notáveis daqueles dias e não perdeu tempo em liderar uma invasão ao Egito. Liderou um exército de 75.000 contra os inimigos de sua casa por herança. Mas ele provou estar mais que à altura do indolente e desprezado Rei do Sul, Ptolemeu Filópator, que só com dificuldade pôde ser arrastado para longe de seus prazeres e loucuras, para liderar um exército contra os invasores. Na batalha de Ráfia, derrotou a Antíoco com grande massacre, reconquistou tudo que lhe tinha sido tomado, colocou Antíoco debaixo de tributo e retornou ao Egito coroado com honras militares. Porém, assim como um outro Alexandre, ele, então, se entregou à absoluta maldade e libertinagem e, logo após uma revolta ocorrido na Síria, firmou uma paz ignóbil com Antíoco, porque estava depravado e indolente demais para levar avante as suas vitórias. Por ocasião de sua morte, o Egito caiu mais do que durante anos. Tudo isso nos é traçado de maneira breve nos versículos 11 e 12.

À sucessão de seu filho, Ptolemeu Epífanes, uma mera criança, ao trono, Antíoco, o Grande formou uma aliança com Filipe III da Macedônia e também procurou a juntar os judeus à sua causa. Os fiéis entre eles se recusaram a servir no exército dele, mas o apóstatas, chamados no versículo 14 de “os violentos dentre o teu povo”, prontamente entraram na aliança com ele e provaram ser de grande ajuda em um número de ocasiões. Com os seus exércitos unidos, ele sitiou a guarnição egípcia em Jerusalém e a feriu a fio da espada. Ele derrotou a Scópias, general egípcio em Panéias, que fugiu para Sidão, uma cidade murada, porém ali ele foi destruído. Os exércitos egípcios, enviados para libertar Panéias, igualmente foram extirpados e Antíoco se achou por todos os lados em supremacia. Quando voltou das guerras egípcias, ele entrou na “terra gloriosa”, i.e. Palestina, onde, por causa da ajuda prestada pelos judeus em suas tropas, ele mostrou muitas evidências de seu favor ao povo. A última frase do versículo 16 deveria ser lido: “… que por sua mão será aperfeiçoado”. Sem dúvida, se refere ao fato de que Palestina em seus dias se tornou um país mais pacífico e produtivo do que fora durante meio século.

O versículo 17 se cumpriu por meio dos esforços dele, para minar a influência e poder restantes de Ptolemeu Epífanes, dando-lhe a sua filha Cleópatra como mulher. Antes tinha incumbido a filha de agir, depois de seu casamento, em tudo em favor dos interesses do pai dela. Porém estava escrito: “ela, porém, não subsitirá, nem será para ele” (Dn 11:17). Cleópatra provou ser uma fiel esposa para Epífanes, apoiando-o contra o pai dela, quem, naturalmente, foi muito despontado que os seus planos bem preparados falharam completamente.

Ele, então, resolveu de estender a glória de seus domínios conquistando a Grécia. Em preimeiro lugar, as ilhas do Mar Egeu foram sujeitos ao seu domínio. Então, ele cruzou o mar com os seus exércitos, para adentrar a Grécia. Porém, naquele momento um evento inesperado aconteceu. O “reino de ferro”, destinado a ser o quarto e último na terra antes do estabelecimento do reino do Filho do homem, naqueles dias começou a fazer sentir a sua presença. Os gregos entraram numa aliança, tanto ofensiva como defensiva, com os romanos. Assim notificaram imediatamente aos seus poderosos aliados o perigo, ao qual estavam expostos. O senado comissionou Lúcio Scípio Asiático para aliviá-los com um exército de guerreiros experimentados. Encontrou Antíoco em batalha e o derrotou por completo, enviando-o para casa nas condições mais ignominiosos. Scípio, sem

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dúvida, é o príncipe ou, como alguns traduzem, capitão referido no versículo 18. Assim, Antíoco, humilhado e profundamente desgraçado, virou a sua face “para as fotalezas da sua própria terra” (Dn 11:19), mas, confome a Escritura da verdade, havia de tropeçar e cair e não ser achado. Foi isso que fez, pois em sua aflição e seu desespero tentou, com um bando de soldados, saquear o templo de Júpiter em Elymais. Nessa ocasião, ele e os seus guerreiros foram assassinados pelo enfurecido populacho, inflamado por aquilo que eles consideram um ato de sacrilégio de mais grave natureza.

No versículo 20 nós lemos: “E em seu lugar se levantará quem fará passar um arrecadador pela glória do reino; mas em poucos dias será quebrantado, e isto sem ira e sem batalha” (Dn 11:20). Isso se refere ao filho de Antíoco, Seleucas Philopator, que enviou Heliódoro, para que saqueasse o templo do SENHOR em Jerusalém devido a sua desesperada necessidade de dinheiro, por causa da situação em que seu pai havia deixado o reino. Na sua volta com o saque, Heliódoro traiçoeiramente assassinou a seu senhor depois de ter reinado por doze anos — “poucos dias”, comparado com o longo reinado de Antíoco que se estendeu a quase quarenta anos.

Nos versículos 21 a 25, nós temos diante de nós aquele temeroso monstro que, com razão, tem sido chamado de “o anticristo do Antigo Testamento”, por causa de sua infatigável inimizade contra o povo e o culto a JAVÉ. Ele é o mesmo de quem já estudamos no capítulo 8 — o infame e blasfemo “pequeno chifre” que nasceu de um dos quatro chifres da cabeça do bode grego. O seu nome é execrado pelos judeus em todos os países até ao dia de hoje. Por seus cotesãos bajuladores foi chamado Antíoco Epífanes, i.e. o esplêndido ou magnífico; mas um trocista de seus dias modificou uma letra de seu nome e o chamou de Antíoco Epímanes, i.e. o louco — isso por causa de suas travessuras selvagens e quase insanas tolíces e brutalidades. Ele foi movido de tanto ódio contra os judeus e a sua religião, que havia nenhuma atrocidade grande demais, para que esse malvado rei não a cometesse. Ele bem descrito como uma pessoa vil que entrou pacíficamente e obteve o reino por meio de adulações. No início fez uma aliança tanto com os judeus como também com Ptolemeu Filómeter, mas provou ser falso com ambos, assim como Deus havia declarado que ele seria (versículos 22 a 24). “O príncipe da aliança” em Israel era, me parece, um título dado ao sumo sacerdote. É um fato notório que Epífanes degradiu esse cargo ao mais baixo nível, vendendo o sumo sacerdócio ao homem mais vil que se encontrava entre a parte apóstata do povo.

De acordo com o versículo 25, ele suscitou “a sua força e a sua coragem contra o rei do sul com um grande exército”, o Rei do Sul, Filómeter, veio contra ele em guerra “com um grande e mui poderoso exército”, porém era incapaz de subsistir, por causa de coisas maquinadas contra ele, principalmente pelos seus próprios filhos e servos de casa que trairam, o entregando a Antíoco, cumprindo assim o versículo 26: “E os que comerem os seus alimentos o destruirão; e o exército dele será arrazado, e cairão muitos mortos”. Professando grande magnanimidade, Antíoco propûs uma trégua e os dois reis falaram “a uma mesa” (Dn 11:27). Ali fizeram-se promessas nunca intentadas a serem cumpridas, assim falando “mentiras” (veja v. 27).

Encolerizado com a exultação dos judeus que ouviram que tinha sido vencido no Egito, Antíoco marchou com os seus exércitos contra Jerusalém que foi exposto a todos os horrores de cerco e saque, poupando nem idade, sexo ou

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condição das pessoas. Em seu desespero, os judeus apelaram aos romanos, que infereriram anteriormente em favor dos gregos, e pediram a sua ajuda no que, para eles, era uma luta de vida ou morte tanto para a sua religião bem como a sua liberdade. Marchando contra os macabeus, Antíoco foi encontrado por Popílio Loeno e os demais encarregados romanos que encabeçaram o exército. Popílio exigiu que Antíoco parasse de imediato a sua interferência nos negócios dos judeus e se comprometesse a manter a paz e reconhecer a autoridade de Roma. Epífanes pediu um tempo, para que pudesse considerar as condições, que lhe foram propostas, para serem aceitas. Popílio, porém, com a sua espada ou um bastão, desenhou na mesma hora um círculo ao redor de Antíoco e exigiu que esse decidisse antes de sair desse. Tendo nenhuma outra alternativa, ele se submeteu — evidentemente com nenhuma intenção de guardar os votos que fizera. Os “navios de Quitim” (Dn 11:30) se referem, sem dúvida, às galeras romanas enviadas como resposta da deplorável súplica dos judeus.

Depois que os romanos se foram, Antíoco renegou sua lealdade e se voltou mais uma vez contra os filhos devotos de Israel, indignando-se “contra a santa aliança” (Dn 11:30). Certos judeus traiçoeiros, descritos aqui como “os que tiverem abandonado a santa aliança”, formaram uma coligação com ele e trairam aos seus próprios compatriotas, entregando-os ao tirano que os odiava. Ele colocou uma estátua de Júpiter Olímpo, a quem identificava consigo mesmo, no templo em Jerusalém. Sacrificou uma porca no altar e fez cessar as oblações ao SENHOR, declarando que somente ele mesmo seria objeto de adoração. Os fiéis de Judá, horrorizados fora de medida com esse indizível sacrilégio, levantaram as armas contra ele, liderados pela família dos macabeus e foram massacrados a milhares.

Foi isso o estabelecimento da “abominação desoladora”, predita no versículo 31, em ligação com a profanação do santuário e o tirar do sacrifício contínuo.

O próximo capítulo fala deuma outra abominação desoladora, da qual o nosso Senhor Jesus Cristo declarou em Mateus, capítulo 24, ainda ser futuro, quando Ele estava nessa terra. Dessa abominação leremos no próximo capítulo. Os 2.300 dias do capítulo 8 começam com essa profanação de Antíoco. No final desse período, o santuário foi purificado e os sacrifícios ao SENHOR reinstituídos.

Os versículos 32 a 35 descrevem as condições que prevaleciam entre os judeus naquele tempo terível de sofrimentos, que nunca encontrou nem encontrará um paralelo até que chegue a grande tribulação dos últimos dias. De fato, apresentam figuradamente toda a história do povo de Judá começando com o tempo em que foram anexados ao Império Romano diretamente até o tempo do fim ou a septuagésima semana, da qual já falamos.

Entre os versículos 35 e 36 há um intervalo de muitos séculos. A história dos Reis do Norte e do Sul agora está encerrada e uma outro caráter horrível está a ser introduzido. Antíoco Epífanes era meramente um precursor ou uma figura desse último — o obstinado rei, o grande anticristo dos últimos dias em pessoa. Dele trata a nossa próxima lição.

E agora, concluindo esse esboço histórico das guerras dos Reis do Norte e do Sul, gostaria de imprimir em cada um que a profecia é realmente nada mais do que história escrita de antemão e, nesse caso, até mesmo nos mínimos detalhes, a história pode ser vista como profecia cumprida. Terrível é realmente a arrogância daqueles que, mesmo tendo um relato desses em suas mãos, recusam o

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testemunho da inspirada Palavra de Deus. Parece-me que até mesmo a mente natural, se de todo imparcial e disposto a aprender, deve ser impressionado por essa notável correspondência entre a história por uma lado e a profecia por outro. Toda alma verdadeiramente honesta deve ser guiada a exclamar: “Deus falou todas essas palavras!”

E recorde-se: Aquele que falou essas palavras é o Deus que inspirou todas as Escrituras e que tem por responsável a todos os seres humanos a aceitar o testemunho dado por Ele sob pena de banir eternamente de Sua santa presença a cada um que persistir em rebelar contra a Sua autoridade, recusando a Sua Palavra. Essa Palavra é dada a você agora como advertência contra o perigo em que se encontra e para apontar para o caminho da salvação. Essa Palavra será aberta no dia do juízo; e se você aparecerá ali sem a salvação, você será julgada conforme aquilo que está escrito ali. E assim como em tempos ainda vindouros, quando os redimidos hão de olhar para trás para os seus caminho trilhado nessa terra, eles exclamarão, assim como Israel na terra de Canaã: “…nem uma só palavra caiu de todas as suas boas palavras”; assim cada alma perdida exclamará em amarga agonia: “Nem uma palavra caiu de tudo aquilo que Deus declarou com respeito ao destino dos impenitentes e os rejeitores de Cristo!”

Oh! Como é importante, então, que você tenha a tratar naquele momento com o Deus que lhe deu agora a Bíblia, e que você conheça, baseado em Sua obra reconciliadora, o Seu Filho bendito como Salvador pessoal. Oxalá, que você fosse despertado por esses discursos, você que não tem esperança e está sem Deus no mundo, para que veja o perigo em que está e a sua necessidade de se voltar a Ele — a Ele, que outrora em graça infinita Se deu a Si mesmo em prol dos nossos pecados na vergonhosa cruz do Calvário.

Os macabeus, nos dias de Antíoco, foram chamados de “martelos de Deus”, e Deus perguntou: “Porventura, a minha palavra não é como o fogo … e como um martelo que esmiuça a pedra?” (Jr 23:29). Pregar o evangelho é semelhante a martelar em corações endurecidos. Que pena que há tão poucas respostas! Ouvi falar de um senhor, um negociante viajante, que costumava ir a uma cidade onde havia muitas fábricas grandes e oficina de fundição. Naquela cidade, um grande número de martelos de aço imensos estavam continuamente socando. O baruilho era ensurdecedor e esse senhor o achava impossível de dormir naquela cidade, porque o barulho não cessava nem de dia nem de noite. Porém, as pessoas daquela cidade eram tão perfeitamente acostumados com ele, que podiam dormir bem apesar do barulho. Certa noite, algo deu errado no fornecimento de energia e todos os martelos pararam. De imediato, todos na cidade acordaram. O que foi que os acordou? Foi o sossego e silêncio não habitual que sucedia a anos de barulho ensurdecedor. Queridos amigos, agora o dia tem chegado perto em que os martelos de Deus cessarão de bater. Logo os dias da pregação do evangelho chegarão ao fim; a pregação da mensagem do amor e da graça que há tanto tempo está recusando cessará. E então, ah então! De fato haverá um grande despertamento — um despertamento em um dia em que será tarde demais para ser salvo. Nesse dia os grande homens e os chefes e os poderosos, e cada escravo e todo homem livre se esconderão nas covas e cavernas das montanhas e clamarão aos rochedos: “Caí sobre nós!”, e aos montes: “Escondei-nos do rosto daquele que está assentado sobre o trono, e da ira do Cordeiro; porque é vindo o grande dia da sua ira; e quem poderá subsistir?” (Ap 6:16)

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Porém, na se achará esconderijo naquele dia, porque então Deus não agirá mais em graça, mas em servera intrínseca justiça com aqueles que não receberam o amor da verdade, para que fossem salvos. O seu grito que rasga o coração será: “Passou a sega, findou o verão, e nós não estamos salvos” (Jr 8:20).

O querido amigo ainda não salvo, pondere bem essas coisas e não continue brincando com a questão do destino eterno de sua alma preciosa não resolvida. Se coninuar a desprezar o Espírito da graça, “que dirás, quando ele te castigar?” (Jr 13:21)

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Lição 12

CAPÍTULO 11:36 – 45

O ANTICRISTO

“Ouvistes” — diz o apóstolo João, “que vem o anticristo” (1 Jo 2:18). Ele logo continua dizendo que há já agora muitos anticristos; mas ele distingue claramente entre esses precursores de menor escala da apostasia final e do ímpio personagem futuro que tão freqüentemente é mencionado na profecia como a própria encarnação da iniqüidade e blasfêmia, embroa seja apenas aqui inconfundivelmente mencionado por nome.

Suponho que há muito poucos ensinadores da profecia de algum discernimento das Escrituras, que questionassem a aplicação da passagem presente ao anticristo. A única pergunta restante é a de sua identidade. E quanto a isso, uma grande variedade de soluções desse problema tem sido proposta. De acordo com muitos, Antíoco Epífanes cumpriu em sua pessoa tudo predito aqui referente ao rei obstinado. Outros, que reconhecem o intervalo referido na última lição entre os versículos 35 e 36, aplicam a passagem, juntamente com a primeira parte de Apocalipse 13, que consideram ser paralelo a essa, ao imperador Nero, o primeiro perseguidor romano dos cristãos. Para muitos dos “Pais”, Simão o mago, o impostor de Atos 8, era o anticristo. Alguns doutores católicos aplicaram a passagem a Maomé, o falso profeta da Arábia, enquanto inúmeros interpretadores protestantes, desde o dia de Lutero até a época presente, acharam nessas palavras uma descrição do papado. Há outros — e julgamento desses parece-me ser o correto — que mantêm nenhum desses caracteres satisfaz por completo a todos os requerimentos colocados; assim, conseqüentemente, o anticristo ainda há de surgir no futuro, e entraá em cena apenas no Tempo do Fim.

Antes de concluir essa lição, espero poder fazer claro as minhas razões do porquê não poder aceitar a hipótese que o papado, embora manifestamente anticristo em seu caráter, é o anticristo. Pelo momento, vou me esforçar a simplesmente trazer à vista aquilo que me parece ser o ensino claro dessa passagem.

Primeiramente, para que tenhamos claramente diante de nós o papel desempenhado pelo anticristo na grande crise do mundo, desejo, de forma breve, tentar mostrar os vários líderes que hão de ocupar posições proeminentes no dia vindouro.

Já achamos em nosso estudo desse livro, que em tempos vindouros, quando os trangresores chegam a se mostrar plenamente, o Império Romano será reavivado em sua condição de dez reis. Dez poderes europeus serão unidos em uma federação. Para realizar tudo isso, haverá uma união de princípios socialísticos e imperialísticos por parte da política. Um desses dez reis se tornará o árbitro da Europa. É esse governador principal que em Apocalipse 13:1-8 e em outras passagens é chamado emfaticamente “A Besta”. No capítulo 7 de Daniel, ele é visto como o chifre pequeno do oeste. No Tempo do Fim, esse chifre pequeno, a besta, terá a sua sede em Roma. Ele será completamente infiel, lançando fora todo o tipo de pretensão de temor a Deus e se posicionará a si mesmo como o único

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deus digno de adoração. É a ele que a cristandade apóstata prestará homenagem universal depois da destruição da grande anti-igreja, “Babilônia, a mãe das prostitutas e abominações da terra” (veja Ap 17:5). Evidentemente, essa adoração não será apenas o reconhecimento de que a Divindade habite no ser humano, mas também será o reconhecimento da blasfema doutrina que Deus e o homem são um só (algo para que a chamada “Ciência Cristã” — Christian Science — e o “Pensamento Novo” — New Thought — atualmente estão preparando o caminho). A besta será a incorporação do poder e magnificência intelectuais — o insuperável homem que está por vir, por quem as nações há tempo têm esperado. Assim como Napoleão Bonaparte, quem talvez corresponda a esse caráter com mais proximidade do que qualquer outro ser humano que tem vivido até hoje, ele deslumbrará as nações por sua abilidades quase supra-humanas e se sucesso sem paralelo. A ele as pessoas com alegria concedarão o título que Napoleão arrogou para si mesmo: “O Homem do Destino”.

No leste, como vimos no capítulo 8, um outro poder disputará a preeminência da besta durante um tempo. Esse será o chifre pequeno da Ásia. O último governador das terras hoje dominadas pela Turquia20 será a pessoa em quem essa profecia há de se cumprir. De maneira alguma, ele deve ser confundido com o chifre pequeno do capítulo 7. Esse se levantará do Império Romano, enquanto o outro surgirá das divisões di Império de Alexandre, o Grande. Esse último rei é idêntico, acredito eu, com o assírio de Isaías 10:24-25. Ele será o inimigo especial dos judeus no Tempo do Fim. Na referida profecia lemos, depois da profecia referente ao retorno do remanescente a sua terra: “Por isso assim diz o Senhor DEUS dos Exércitos: Povo meu, que habitas em Sião, não temas à Assíria, quando te ferir com a vara, e contra ti levantar o seu bordão à maneira dos egípcios. Porque daqui a bem pouco se cumprirá a minha indignação e a minha ira, para a consumir”. A maneira dessa destruição nos é relatada em Isaías 14:24-25: “O SENHOR dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará. Quebrantarei a Assíria na minha terra, e nas minhas motanhas a pisarei, para que o seu jugo se aparte deles e a sua carga se desvie dos seus ombros”. Essas palavras não se referem a alguma destruição da Assíria no passado, porque essa derrota há de acontecer depois da volta de Israel a Palestina nos últimos dias. Será a solução divina da chamada “Questão do Oriente”.

Aprendemos que esse chifre pequeno se levantará em grande ira contra os judeus, “mas não pela sua própria força” (Dn 8:24). Evidentemente terá o apoio de alguma nação mais poderosa, que, para proveito próprio, o ajudará em seus esforços abomináveis de destruir o povo de Deus naquele dia. Em Ezequiel, capítulos 38 e 39, nós encontramos sem dúvida um relato completo do poder referido. Ali nós lemos de “Gogue, príncipe e chefe de Meseque e Tubal” (Ez 38:3). Os estudiosos, na sua maioria, concordam entre si, que no lugar de “príncipe e chefe” devríamos ler “príncipe de Ros”; e não pode haver quase dúvida alguma de que Ros significa a Rússia. “Gogue, príncipe de Ros, Meseque e Tubal” evidentemente será o último czar21 de todos os russos. Alguns supôem que Meseque e Tubal devem ser identificados com Moscou e Tobolsk, os antigos 20 Veja capítulo 8 e as observações feitas ali. — N.d.T. 21 Talvez seria melhor dizermos “governador”. A mesma coisa é válido quando o autor faz referência ao sultão dos turcos. — N.d.T.

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capitais europeus e asiáticos respectivamente do império slávico. Parece que esse governador se unirá com o sultão turco em oposição contra a besta. Já podemos ver os eventos na Europa terem tendências para esse fim. Haverá uma confederação ocidental e outra oriental, a Palestina será o pomo da discórdia entre eles.

Uma quarta figura, destinada a atrair uma considerável atenção naquela crise, será o Rei do Sul — futuro governador de um Egito aparentemente independente, que, enquanto oposto ao anticristo, ainda assim parece estar agindo em associação com a besta em oposição a seus inimigos hereditários, os turcos.

No livro de Apocalipse, o apóstolo fala do dessecamento do Eufrates, “para que se preparasse o caminho dos reis do oriente (ou: do levante)” (Ap 16:12). O dessecamento do Eufrates parece requer o quebrantamento do poder turco; porque assim como o rio Nilo simboliza o Egito, assim o Eufrates simboliza o Império Otomano. “Os reis do oriente” pode muito bem ser um termo descritivo referente às nações do Extremo Oriente, do “perigo amarelo”, temido por políticos europeus, que hão de desputar o domínio sobre a porta do Oriente com a besta.

Se estivermos até aqui corretos em nosso esforço de prognosticar, a partir das Escrituras, os principais eventos no último grande drama do domínio dos gentios, então temos situado um imperador-rei no Oeste, um rei do Norte, um rei do Sul e uma aliança de reis do Leste. Os exércitos de todos esse marcharão em direção à Palestina mais ou menos ao mesmo tempo — a terra do SENHOR há de ser o campo de batalha do temível conflito de Armagedom. Assim Palestina será exposta a todos os horrores e devastações próprios da última guerra premilenal. É para essa época de horror, embora pouco se dêem conta disso, que os judeus hoje estão retornando em grande número ao seu antigo lar, tanto do leste como do sul da Europa. Estão voltando, para que a horrível oração feita por seus antepassados se cumpra: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27:25). Pobre mal orientado povo — a nação vagueadora — imaginam que finalmente está sendo preparada um refúgio para eles, onde estaríam seguros de perseguição e protegidos do perigo; mas, na realidade, estão, inconscientemente, se preparando para o lagar da ira de Deus, de onde sangue sairá “até aos freios dos cavalos, pelo espaço de mil e seiscentos estádios” — toda a extensão da Palestina (veja AP 14:18-20).

Depois que a Igreja foi chamada para o céu, na cidade de Jerusalém se levantará um homem que se apresentará a si mesmo aos judeus como o Messias, há muito tempo prometido pelos profetas. A parte apóstata da nação imediatamente reconhecerá as suas reivindicações; dirão dele: “Este é realmente o Messias há tanto tempo esperado por nós; este é aquele de quem falam as Escrituras”. Julgo que, inicialmente, ele será basicamente um instrumento, assegurando-lhes concessões da parte do governo turco, para que possam se estabelecer em sua terra. Mais tarde, entrará em uma aliança com a besta romana, estabelecendo um pacto entre aquela e a nação para o espaço de sete anos, garantindo a sua proteção e a integridade do novo estado judeu. Assim se apresenta o programa já existente em esboço feito pelo grande líder sionista Zangwill e o agitador judeu Max Nordau, que, há algum tempo atrás, disse: “Estamos prontos para reconhecer a qualquer pessoa que seja como o nosso Messias, desde que nos estabeleça novamente na terra de nossos pais”.

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É isso, não duvido disso, que acontecerá exatamente assim naquele dia vindouro. Algum grande judeu — talvez já tenha anscido hoje — se apresentará na primeira linha e haverá muito a ver com a realização daquela restauração. Será reconhecido pelos poderes ocidentais como a cabeça política da Palestina. Ele é “o rei” do versícuo 36 de nosso capítulo, que “fará conforme a sua vontade, e levantar-se-á, e engrandecer-se-á sobre todo deus; e contra o Deus dos deuses falará coisas espantosas, e será próspero, até que a ira se complete; porque aquilo que está determinado será feito. E não terá respeito ao Deus de seus pais, nem terá respeito ao amor (ou melhor: o desejo) das mulheres, nem a deus algum, porque sobre tudo se engrandecerá. Mas em seu lugar honrará a um deus das forças; e a um deus a quem seus pais não conheceram honrará com ouro, e com prata, e com pedras preciosas, e com coisas agradáveis. Com o auxílio de um deus estranho agirá contra as poderosas fortalezas; aos que o reconhecerem multiplicará a honra, e os fará reinar sobre muitos, e repartirá a terra por preço” (Dn 11:36-39).

Agora, gostaria de trazer à nossa atenção a prova de que o anticristo tem que ser um judeu que vive na terra de Palestina, tendo a sua sede em Jerusalém e quem será reconhecido pela nação de Israel como o seu Messias. Fazendo isto, gostaria de contrastar com isso a posição do papa da Igreja Católica Romana e mostrar, por que, a meu ver, ele não pode ser aquele de quem a profecia fala aqui. Nenhum papa até hoje tem cumprido plenamente todas as qualificações necessários, nem há algum indício que algum deles em algum momento as cumpriria. Em primeiro lugar, é importante notarmos que o nome “anticristo” significa simplesmente “falso Messias / Cristo”. Isso quer dizer que ele é aquele a quem o nosso Senhor Jesus Cristo se referia quando disse: “Eu vim em nome de meu Pai, e não me aceitais; se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis” (Jo 5:43). O anticristo, então, há de ser aceito pelos judeus. Isso tem acontecido em algum momento com os papas ou há alguma possibilidade aparente que o povo judeu há de reconhecer o papado (que tem existido durante longos séculos) como o seu Messias, a esperança de sua nação? Era aos judeus que foi prometido o Messias. Veio a eles em graça, apenas para ser rejeitado. Quando vier o faslo Messais, reconhecerão as suas reivindicações e saudarão a sua vinda com alegria.

Não devemos subentender que seria somente Judá que será engando por ele. Do segundo capítulo da 2ª epístola aos Tessalonicenses (uma passagem que conseraremos ainda mais para frente), fica claro que a cristandade apóstata também cairá em seus laços. A besta romana será o governador civil do Oeste, enquanto o anticristo será o governador religioso. O poder por detrás de ambos será “a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás” (Ap 20:2). Essa será a anti-trindade — o diabo, a besta e o falso profeta. Por meio desses todas as nações da terra serão enganadas.

Ora, como os judeus nunca reconheceram o papa como Messias, nem papa algum tem feito uma aliança por sete anos com eles, nem o seu trono tem estado em Jerusalém e nem tem morado na terra da Palestina, parece ser claro que não há nada nas Escrituras que identifique o papado com o anticristo. Não me entenda errado e pense que estaria defendendo o papado. Creio que ele é uma coisa sumamente ruim, porém não é o anticristo.

Quando vier, ele agirá conforme a sua própria vontade e se exaltará a si mesmo e se magnificará acima de todo deus. Esses deuses, undubitavelmente, são ídolos dos pagãos. Porém, ele também falará coisas espantosas contra o Deus dos

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deuses e não respetará o Deus de seus pais. Ora, suponho que é apenas usando a mais irrefletida hipérbole que essas palavras podem ser aplicadas ao pior dos papas. É verdade que alguns têm permitido que as pessoas se dirijam a eles de maneira mais blasfema. É verdade que um escritor jesuíta até mesmo ousa dizer de “nosso Senhor Deus, o papa”. É igualmente verdade que se afirmara que o papa tenha uma intimidade tal com o Pai que até mesmo o Senhor Jesus Cristo não compartilhe. Isso baseado nas palavras do Senhor a Pedro com respeito a sua confissão: “…porque to nçao revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus” (Mt 16:17). Os sofistas jesuítas argumentam, baseado nisso, que seria evidente que o primeiro papa (!) teria tido iluminações especiais e secredos com o Pai, do qual o Filho não compartilhava; o mesmo privilégio, declararam, pertence também a seus sucessores; assim, concluam, é mais seguro, em alguns casos, se dirigir ao papa do que a Cristo! Ora, todas essas coisas, concordo, são suficientemente terríveis: São horrivelmente blasfemas e devem fazer com que cada alma devota se retraia em horror antes de tal ensino. Mas quando se levantar o último grande anticristo, será pior do que até mesmo isso. O papa, pelo menos, nunca reclamou para si ser acima de todos os deuses. O próprio título dele é prova disso. Ele é chamado de vice-regente de Cristo e ele toma o lugar de ser, num sentido muito especial, o representante de Deus na terra. Será diferente com o anticristo. Ele se recusará a reconhecer qualquer Deus. Ele virá em seu próprio nome e nega completamente “o Deus de seus pais”. O que devemos entender por essa última expressão? Pode ser difirente senão que seja ele judeu e os seus pais segundo a carne foram Abraão, Isaque e Jacó? É este o uso constante de expressão no Antigo Testamento. Eu julgo ser evidência conclusiva que o anticristo é judeu de nascença, mas um judeu que apostatou do Deus de seus pais. Como uma outra pessoa senão um judeu poderia impor-se a sua nação como Messias, dado o fato que está claramente predito nas Escrituras que a Esperança de Israel há de sair da nação escolhida?

Também nos é dito no versículo 37, que não respeitará o amor (ou melhor: o desejo) das mulheres, nem a deus algum; porque sobre tudo se engrandecerá. Parece ser evidente que há apenas uma coisa que pode ser o significado da expressão “desejo das mulheres”. Toda mulher judia esperava ser a vontade de Deus que fosse por meio dela que o Messias chegasse a esse mundo. Ele foi enfaticamente o Desejo das mulheres. O anticristo O despreza totalmente pretendo ele mesmo ser O predito.

Porém, há um deus a quem ele venera, embroa seja evidentemente um personagem meramente natural e humano. Ele “honrará a um deus das forças; e a um deus a quem seus pais não conheceram honrará com ouro, e com prata, e com pedras preciosas, e com coisas agradáveis” (Dn 11:38). Esse não pode ser outro senão o chifre pequeno, a besta romana. O anticristo se dirgirá a ele, como temos visto, em procura de assistência e apoio; e, por sua vez, ele reconhecerá e reforçará, com glória, essa cabeça civil do império, fazendo-o “reinar sobre muitos”, aquele que, de outra maneira, não teria reconhecido a sua influência, e divide com ele a terra da Palestina por preço (ou lucro). Sustento, então, que seria completamente impróprio de aplciar tudo isso ao papa; porém, entendido conforme o seu significado natural, tudo se torna óbvio e simples.

A partir do versículo 40 até o final do capítulo, nós temos um relato vívidodo início do conflito dos últimos dias. O Rei do Sul marchará contra

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Jerusalém e o Rei do Norte descerá como um furacão com um grandes exército e marinha, entrando na terra gloriosa e os países adjacentes ocupados por Edom, Moabe e Amom. Inicialmente, é triunfante por todos os lados. O Egito está incapaz de resistir contra os seus exércitos vitoriosos, e ele afirma o seu domínio sobre a terras dos faraós bem como sobre a Líbia e Etiópia. Porém, alarmado por notícias procedentes do Leste e do Norte, voltará com grande furor para encontrar os pdoeres — indubitavelmente a besta e os reis do Levante. Porém, nas montanhas de Israel, entre os mares, o alcança o seu fim e ninguém está capaz de socorrê-lo. Dessa forma, o último Rei do Norte, o chifre pequeno do Oriente, finalmente será destruído. Da destruição do anticristo não lemos nada aqui. Esse relato nos é dado em Apocalipse 19:20.

Antes de finalizar, gostaria de conectar com isso diversas passagens das Escrituras, que acescentam algo ao nosso conhecimento referente ao falso Messias. No capítulo 11 de Zacarias, depois de o profeta ter sido avaliado em 30 peças de prata, personificando aqui o Senhor Jesus na Sua condição de Bom Pastor, se pede que Zacarias tome os instrumentos de um pastor insensato. Deus disse: “Porque, eis que suscitarei um pastor na terra, que não cuidará das que estão perecendo, não buscará a pequena, enão curará a ferida, nem apascentará a sã; mas comerá a carne da gorda, e lhe despedaçará as unhas. Ai do pastor inútil, que abandona o rebanho! A espada cairá sobre o seu braço e sobre o seu olho direito; e o seu braço completamente se secará, e o seu olho direito completamente se escurecerá” (Zc 11:16-17). Esse pastor idólatra é claramente a mesma pessoa como o rei que age conforme a sua própria vontade mencionado em nosso capítulo. Ele será levantado na terra — uma expressão que pode se referir somente à terra da Palestina. Ele, sem dúvida, é aquele, a quem o Senhor Jesus se referiu em João 5:43 — aquele que viria em seu próprio nome. O pastor verdadeiro foi rejeitado, o falso eles receberiam.

Agora podemos nos ocupar com o capítulo 13 de Apocalipse. Na primeira metade do capítulo temos a descrição da besta romana. Porém, começando com versículo 11, lemos de uma outra besta, que sobe da terra ou do país. E ela tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro, mas falava como dragão. Isso quer dizer: Ela tem a aparência e se apresenta a si mesmo como o Cordeiro de Deus, mas a sua linguagem é a do enganador das almas. Ele exerce todo o poder da primeira besta em sua presença, reclamando que todos adorem a primeira besta. Ela faz até mesmo grandes sinais, de maneira que até fogo faz cair do céu à terra, à vista dos homens. Ele o faz para enganá-los, para que reconheçam as reinvindicações da besta. É ele que levanta a abominação das desolações, fazendo com que os seres humanos façam para si uma imagem da besta, que deve ser adorado por todos sob pena de morte. Tudo isso está em perfeita harmonia com aquilo que aprendemos no livro de Daniel referente a relação mútua da besta e do anticristo. A besta, que tem aparência de cordeiro, sobe da terra. Ela está na terra e o colocar da abominação das desolações é o sinal dado pelo Senhor Jesus ao remanescente fiel, para que fujam de Jerusalém.

Os sinais e milagres que usa para enganar o mundo também são mencionados em 2 Tessalonicenses, capítulo 2. Quando trabalhava em Tessalônica, o apóstolo lhes mostrar que antes que viesse o dia do Senhor, o próprio Cristo haveria de descer nos ares e todos os Seus seriam arrebatado, para encontrar-se com Ele. Isso ele recorda em 1 Tessalonicenses, capítulo 4. Porém,

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aparentemente havia se espalhado entre eles o relato de que o dia do Senhor já tivesse vindo e ele lhes escreve, para corrigir isso. Ele os roga, para que não se movessem em seu entendimento nem se perturbassem a esse respeito; porque, ele lhes diz, aquele dia não poderia vir até que a apostasia viesse antes e o homem do pecado se manifestasse, “o filho da perdição, o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus” (2 Ts 2:3-4). Ele continua, então, falando de um que resiste, impedindo a maré da maldade. Esse que resiste é a presença do Espírito Santo na Igreja nessa terra. Por ocasião do arrebatamento dos santos, quando todos os redimidos serão levados para se encontrarem com o Senhor nos ares, o Espírito Santo retornará ao céu. “E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da sua vinda; a esse cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder, e sinais e prodígios de mentira, e com todo o engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E por isso Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira; para que sejam julgados todos os que não creram a verdade, antes tiveram prazer na iniqüidade” (2 Ts 2:8-12).

Como isso se encaixa tão perfeitamente no testemunho que examinamos em outras partes da Palavra de Deus! Durante o tempo em que a Igreja estiver na terra, o mistério da injustiça já está operando, mas a plena revelação do mal não pode acontecer enquanto estivermos nessa cena. Quando vier aquele tempo, estaremos acima de tudo isso, arrebatados para nos encontrarmos com o Senhor nos ares.

O mistério da injustiça e os muitos anticristos de 1 João, capítulo 2:18 estão intimamente interligados. Ora, aqui temos então um ponto de concordância com aqueles que pensam que o papado seja o anticristo. Nós discordamos com eles apenas quanto ao uso do artigo. O sistema papal é um anticristo; e isso é verdade quanto à qualquer sistema que desvia alamas da verdade referente a Cristo e Sua obra como a única base de salvação. A Ciência Cristã (Christian Science) é um anticristo; a teosofia é outro; o mormonismo é outro; e assim é com o espiritismo e com uma multidão de outros cultos antigos e modernos. Talvez o mal que é a coroa de todos seja aquilo que agora se conhece debaixo do nome de “nova teologia” (New Theology), anunciada de milhares de púlpitos como o produto final do pensamento moderno por homens que se gloriam em sua liberdade de não se sujeitar à Palavra de Deus, e não hesitam marcar as Escrituras como uma coleção de mitos e fábulas, indignos de confiança e menos confiáveis do que as suas próprias insípidas expressões. A cada pouco tempo alguém, que supostamente era um ortodoxo pregador cristão, aparece com a declaração que descobriu a inconfiabilidade desse ou daquele livro da Bíblia, e as suas precipitadas afirmações são recebidas com prazer por congregações de professores universitários não convertidos e sem Cristo, felizes por serem isentados submissão a um livro, cujos ensinos façam com que as suas consciências sejam inquietadas enquanto estão vivendo para si nesse mundo.

Se alguma vez chegar o dia em que uma pessoa que verdadeiramente tem conhecido o Senhor como seu Salvador pessoal e tem usufruído de comunhão com Ele, seria forçado, por evidências irresistíveis, a crer que a Bíblia não é verdade e a preciosa história do evangelho uma inconfiável tradição humana, você

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sabe o que aconteceria com essa pessoa? O seu coração seria quebrantado! Jamais se encontraria entre aqueles superficiais e vazios religiosos de nossos dias, que podem, complacentemente, aceitar tacitamente a jactância dos tais chamados “críticos superiores” e pregadores da “nova teologia” (New Theology). Se encontraria chorando juntamente com Maria e exclamando com profunda aflição: “Levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram” (Jo 20:13).

Por outro lado, é bem diferente com esses ilusórios professos que bebem vorazmente a superficial e atraente infidelidade proclamada por pregadores sem Cristo. Para que finalidade serve isso a essas pessoas? Enquanto pensavam que a Bíblia fosse verdadeira, serviu de freio para os seus desejos e apetites iníquos. Eles se desgastavam debaixo de suas restrições. Porém, vindo o tempo em que tudo é lançado fora e eles se tornam libertados como dizem, então ficam tão felizes quanto nunca antes em suas vidas! Oh, lhes asseguro, amados, pessoas que realmente têm conhecido a Cristo se sentiriam bem diferente, se deveriam desistir da preciosa Palavra de Deus, pela qual Ele foi revelado a suas almas. Voicê compreende que esses últimos são familiarizados com a Pessoa divina, o Filho do Deus vivo. Os outros tinham apenas uma teoria, e são gratos de ter se livrado da mesma.

Aqueles que pregam esses falsos evangelhos são os muitos anticristos da presente dispensação. Quando o próprio iníquo será revelado, eles serão os primeiros a reconhecer as suas reivindicações ímpios, seduzidos pela forte ilusão enviada da parte de Deus, para que todos sejam julgados que não receberam o amor da verdade a fim de serem salvos.

Já parece que essa forte ilusão está começando. Não conheço algo mais triste, nada mais lamentável do que o terrível poder dessas coisas más que se espalham pela cristandade, devorando a própria vida dela, assim como se fosse um câncer moral ou religioso. Como é raro que se vê uma alma trazida de volta do horrível abismo do espiritismo! Rarao também é que pessoas sejam recuperadas da Teosofia ou da Ciência Cristã! E a razão é clara: há um pdoer satânico que trabalha em todas elas e que ganha controle absoluto sobre aqueles que ouvioram o evangelho de Deus somente para rejeitá-lo e recusá-lo. Porém, graças a Deus, há aqueles a quem as palavras do apóstolo se aplicam: “Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade” (2 Ts 2:13).

Deus conceda que cada um dos que ouvem essas palavras possa se manifestar comoi filho de Deus, nascido do Espírito Santo e da Palavra, feliz por saber que a paz foi feita e a redeção cumprida pela obra gloriosa de Cristo na cruz.

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Lição 13

CAPÍTULO 12

O TEMPO DO FIM

Esse capítulo final está intimamente ligado com aquilo que foi escrito antes. “E naquele tempo” — isso é o tempo em que se levanta o anticristo e em que o assírio ou Rei do Norte será derrotado — “se levantará Miguel, o grande príncipe, que se levanta a favor dos filhos do teu povo [o de Daniel]” (Dn 12:1). É muito provável que haja uma íntima conexão entre aquilo que temos aqui em Daniel e o relatado em Apocalipse 12. Ali, João vê guerra no céu. O dragão e os seus anjos combatem, para manter a sua posição nos ares, onde possam ter acesso à presença de Deus, para que Satanás, o acusador ou adversário de Zacarias 3 possa resistir aos judeus — um remanescente composto daqueles que se voltarão ao Senhor. Quando, porém, vier o tempo em que Deus agirá abertamente a favor deles, Miguel e os seus anjos serão enviados para expelir as hostes satânicas dos céus. Derrotado em cima, o diabo se volta a desabafar a sua ira sobre o remanescente, a semente da mulher, Israel, que está sendo visto no início do capítulo e da qual “é Cristo segundo a carne” (Rm 9:5). Sendo que Ele e a Sua Igreja, juntamente representados pelo “filho homem”, foram arrebatados a Deus e ao Seu trono, não há mais ninguém sobre a terra que, por direito, poderia levar o nome de cristão. Sendo que a plenitude dos gentios tem entrado, os judeus serão enxertados novamente na sua própria oliveira (veja Rm 11:24). A eles será confiado o testemunho do Tempo do Fim. É contra esse remanescente que toda a maldade do diabo se dirigirá — “e haverá um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo”; mas naquele tempo o povo de Daniel será libertado — não todos que são judeus por meio do nascimento natural, mas “todo aquele que for achado escrito no livro” (Dn 12:1). São esses aqueles, cujos nomes foram achados no Livro da Vida do Cordeiro desde a fundação do mundo; e para eles será preparado o reino terreno.

Provado pela proclamação do evangelho eterno por um lado e a colocação da abominação desoladora por outro, sucederá um despertamento nacional e religioso entre aqueles que há tanto tempo estavam dormindo entre os mortos. O segundo versículo, acredito, não fala de uma ressurreição real e física, mas antes de uma moral e nacional. “E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno” (Dn 12:2). É linguagem smelhante aquela empregada tanto em Isaías 26:12-19 e Ezequiel 37, para descrever o reavivamento nacional e espiritual de Israel. Durante séculos têm dormido no pó da terra, sepultado entre os gentios. O despertamento deles finalmente acontecerá; mas, enquanto para alguns é para vida eterna e bênção no reino glorioso do Filho do homem logo a ser estabelecido, para os apóstatas será para vergonha e desprezo eterno, por causa de sua submissão à besta e ao anticristo.

Então, os sábios (i.e. os mestres entre o remanescente, a mesma classe de pessoas referida posteriormente no versículo 10) “resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos ensinam a justiça, como as estrelas sempre e

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eternamente” (Dn 12:3). Embora essa palavras se refiram em primeiro lugar aos fiéis de Judá naquele dia, podemos também encontrar encorajamento e regozijo nelas. “O que ganha almas é sábio” ou, como poderia-se traduzir também: “O que é sábio, ganha almas”. Seja essa a nossa sabedoria que nos leva a andar de tal forma que nós recomendemos o evangelho de Cristo a todos aqueles com que temos contato, para que assim realmente sejamos ganhadores de almas, levando muitos à justiça.

A Daniel foi ordenado de encerrar estas palavras e selar o livro até ao fim do tempo. Isso está em contraste notável com a mensagem do anjo ao apóstolo João no final do livro de Apocalipse: “E disse-me: Não seles as palavras da profecia deste livro; porque próximo está o tempo” (Ap 22:10). A época presente ou a época da Igreja é considerada como se fosse apenas um momento nos caminhos de Deus. Já que o Messias veio e foi rejeitado por Israel, a próxima coisa na ordem da profecia é o Tempo do Fim. Se essa presente dispensação está sendo esticada mais um pouco, então isso é apenas uma evidência da longanimidade de Deus para com os pecadores, não querendo que alguém se perca, mas que venham a Ele e vivam. Em toda parte do Novo Testamento, o fim sempre está visto como já próximo. Por isso, por meio do livro de Apocalipse, o selo está removido do livro de Daniel e a profecia posterior é achada ser a chave da anterior. O versículo 4 de Daniel 12 termina com a afirmação de que “muitos correrão de uma parte para outra, e o conhecimento se multiplicará”. Poderia alguma coisa apresentar mais exatamente as características principais desses últimos dias? As pessoas parecem ter uma mania perfeita de viajar de um lugar a outro; e invenções humanas de toda sorte são empregadas no serviço de fazer mais rápidos e mais confortáveis aqueles que assim correm “de uma parte para outra”. Juntado a isso temos a cada vez mais ampla difusão dos produtos da imprensa d etal forma, que o conhecimento de toda sorte tem aumentado. Podemos ver nisso uma evidência de que temoa quase alcançado o período profético denominado o “Tempo do Fim”, não é?

A partir do versículo 5 até o final do capítulo nos parece termos um tipo de um suplemento. O conteúdo da “escritura da verdade”, que anjo começou a expor no início do capítulo 11, foram concluídos no versículo 4. O que segue agora concede luz adicional referente a tempos e épocas. Aquele ser, que inspirava terror descrito no capítulo 10 ainda está com Daniel; mas também dois outros anjos aparecem na cena, estando um à cada beira do rio. Um desses fala ao homeme vestido de linho e pergunta: “Quando será o fim destas maravilhas?” (Dn 12:6) Evidentemente, ele se refere a grande tribulação e está inquirindo sobre a verdadeira duração da mesma. A resposta é dada com grande solenidade, que seria por “um tempo, tempos e metade de um tempo, e quando tiverem acabado de espalhar o poder do povo santo, todas estas coisas serão cumpridas” (Dn 12:7). Isso está de acordo com os tempos dados no capítulo 7:25, quando foi permitido o chifre pequeno proferir grandes coisas contra o Altíssimo, e pensar em mudar os tempos e a lei. Quando expirasse o seu tempo, o juízo seria estabelecido e o seu domínio tirado. Trata-se ali certamente do juízo bélico antes do milênio descrito no capítulo 19 de Apocalipse. A declaração do anjo “quando tiverem acabado de espalhar o poder do povo santo, todas estas coisas serão cumpridas” se refere indubitavelmente à perseguição violenta do remanescente por parte do chifre pequeno seguida pela manifestação do Messias.

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Daniel nos diz que ele ouvia, mas não entendia. Por causa do livro de Apocalipse nós não precisamos estar perplexos assim como ele o era, porque Deus agora revelou tudo isso, para que pudessemos entender mais perfeitamente os Seus caminhos. Dizia-se ao profeta que se fosse, “porque estas palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim” (Dn 12:9). Naqueles dias vindouros “muitos serão purificados, e embranquecidos, e provados; mas os ímpios procederão impiamente, e nenhum dos ímpios entenderá, mas os sábios entenderão” (Dn 12:10).

Outras duas grandes profecias referente aos tempos completam essa livro. A Grande Tribulação — sabemos isso de outras passagens — começa quando o sacrifiício contínuo será tirado e a abominação desoladora será posta como predito no versículo 11. É esse o versículo, e não versículo 33 do capítulo 11, a que o nosso Senhor se refere em Sua grande profecia em Mateus 24. Ora, acabamos de evr que a tribulação durará um tempo, e tempos, e metade de um tempo — o equivalente a 3½ ou 1.260 dias. Porém, nesse versículo 11 aprendemos que a partir do início dessa tribulação passarão 1.290 dias. Os 30 dias extras, sem dúvida, serão destinados a purificação do reino de todas as coisas que ofendem e cometem a iniqüidade, embora o Senhor apareça, no interesse do remanescente e para destruição da besta e do anticristo quando os 1.260 dias expirarem. Um período maior ainda é mencionado no versículo 12: “Bem-aventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias”. Alguns têm sugerido que isso levaria, em termos de tempo, até a celebração da primeira festa dos tabernáculos durante o milênio, assim como descrito em Zacarias 14:16. Em qualquer caso, claramente nos mostra o estabelecimento pleno do reino em poder e glória.

Até aqueles dias Daniel é dito para ir o seu caminho, mas a promessa lhe é dada: “porque descansarás, e te levantarás na tua herança, no fim dos dias” (Dn 12:13). Não é provável que o profeta tenha vivido ainda muito tempo depois disso, pois devia ser um homem idoso naquele tempo — provavelmente já passou dos noventa anos e talvez tinha até mesmo já uns cem anos. Logo foi chamado da cena em que vivera e vira muitas das suas próprias profecias se cumprirem. A sua vida começou na terra de Judá. Morreu como exilado, embroa honrado e respeitado, numa terra estranha. Ocupou posições de confiança e confidência debaixo de Nabucodonosor, Dario e, provavelmente, Ciro. Viu a ascenção e ruína de Babilônia, a cabeça de ouro e o leão com asas de águia. Observou a ascenção e o auge do poder supremo do peito de prata — o urso feroz que se levantou de um lado. Durante a época desse domínio ele partiu — não para um sono inconsciente, mas ao seio de Abraão. Ali espera, com todos os fiéis, até que a voz do arcanjo Miguel será ouvida pela ocasião da vinda do Senhor Jesus e a nossa reunião com ele, porque referente aos santos do Antigo Testamento está escrito que sem nós não seriam aperfeiçoados (veja Hb 11:40). Em resposta ao chamado de se ajuntar do Senhor naquela hora de triunfo, o corpo de Daniel ressurgirá de seu desconhecido sepulcro em glória e incorruptibilidade. Tomará o seu lugar com Ele, por cuja causa tantas vezes em sua vida de fiel devoção a Deus levou sobre si opróbrio; e assim se “levantará na sua herança”, no lugar destinado a ele, depois que todas as suas obras terão sido manifestadas junto ao tribunal de Cristo.

Assistirá a ascenção e destruição do último animal, terrível e espantoso, em sua forma de dez chifres. Verá a pedra outrora rejeitada cair do céu em julgamento sobre os pés da imagem do “homem da terra” (Sl 10:18); verá o Filho do homem

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vindo como “um Cordeiro que tem aparência de como se fosse sacrificado”22 (veja Ap 5:6), para receber das mãos do ancião de dias o livro selado com sete selos que contém a escritura definitiva referente a esse mundo. E entre o número de sacerdotes coroados que se prostrarão aos Seus pés não haverá alguém que entoasse com voz mais alta ou mais inteligível o cântico da redenção e glória que aquele ex-prisioneiro que “propôs em seu coração não se contaminar” (Dn 1:8). Quando o Rei dos reis sairá vestido de uma veste salpicada de sangue, Daniel O seguirá em Seu cortejo como testemunha inteligente de todos os Seus caminhos em julgamento sobre os quais outrora ouviu, mas não entendia. No reino de glória que há de seguir, ele, que há muito tempo estava diante de reis, estará na presença do Príncipe dos reis da terra na porção que lhe fora destinada.

E naquele dia, todos aqueles, desde o início, que consideraram o vitupério de Cristo maiores riqueza do que os tesouros da terra — todos aqueles que estavam contentes em sofrer por causa daq justiça —, todos que eram testemunhas de uma boa consciência, reinarão com Ele que outrora, na terra, era o sofredor-mor, o mais malcompreendido de toda aquela raça nobre, da qual “o mundo não era digno” (veja Hb 11:38).

Essas coisas estão todas escritas na “escritura da verdade”. O dia de seu cumprimento está proóximo. O Juíz está à porta. Logo os milagres poderosos e gloriosos que encerrarão essa época da graça e introduzirão o hora vindoura de tribulação serão executados por poder onipotente. Estou me referindo à ressurreição dos mortos em Cristo e a translação dos santos vivos. Nenhum será deixado para trás, porque Deus ordenou que, assim como o dilúvio na antigüidade não podia começar até que Noé e toda a sua casa estivessem seguros na arca, nenhum selo do livro tomado pelo Cordeiro poderá ser aberto, nenhuma trombeta tocada e nenhuma taça derramada até que todos os redimidos dessa dispensação, juntamente com todos os santos do passado, estarão seguramente reunidos ao redor do Senhor no céu.

Cada verdadeiro crente pode, confiantemente, fazer uso das solenes, mas preciosas palavras de Dr. Bonar:

“Não estou murmurando por agora ser estrangeiro, estou andando nesta terra sorridente;

conheço o laço, temo o perigo, odeio os lugares mui frequentados e evito a jovialidade.

As minhas esperanças estão indo para cima, para frente. e junto com as minhas esperanças o meu coração se foi.

O meu olhar se volta para o céu e o sol, onde a glória ilumina ao redor do trono e além.

O meu espírito procura a sua morada no além;

a fé prevê o alegre dia, quano desse velhos firmamentos cessarão de partir aquela uma querida família entrelaçada pelo amor.

22 Conforme a tradução de Weymouth.

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À luz imutável e eterna,

das névoas que entristecem esse deserto desolado, a cenas que sorriem, sempre juvenis,

da folha escura do inverno estou indo depressa.

Terra, que pesar está diante de ti! Nada semelhante houve no passado;

a dor mais aguda que já te tem rasgado —, embora seja o mais curto e também o último.

Vejo a clara lua encobrir o seu brilho,

vejo o pano de saco como vestido do sol; o amortalhar de cada agrupamento de estrelas,

o ai triplo da terra se iniciou.

Vejo a sombra do seu pôr-do-sol; e envolto na figura do Vingador; vejo o ataque de Armagedom;

mas eu estarei acima do temporal.

Surge ali o gemido e os suspiros, está ali caindo a lágrima ardente, as milhares agonias da morte;

mas eu estarei além de todos eles.”

(tradução literal do poema — veja o original inglês no anexo do livro) A grande tribulação não pode iniciar enquanto os membros do Corpo de

Cristo ainda estejam nessa terra; porque o Senhor diz à Igreja nessa dispensação: “Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra” (Ap 3:10). Isso se aplcia a todos os cristãos verdadeiros; proque alguém que não guarda a Palavra da paciência de Cristo não é dos dEle.

A história terrestre da Igreja termina quando “o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão priomeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor” (1 Ts 4:16-17).

Porém, quando nós partimos para ir ao céu, o grande relógio profético novamente iniciará o seu tique-taque, indicando tempos e estações, e do povo de Israel haverá um remanescente nascido de novo; E, apartados da maioria, eles serão testemunhas do Senhor na terra durante o Tempo do Fim. Um irmão amado23 comparou o andamento do tempo com os trilhos de uma estrada de ferro. Algumas vezes viajei de trem usando um trem comum com certas paradas locais a

23 Mr A. E. Booth, a quem devo essa ilustração.

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fazer conforme o horário pré-estabelecido. Porém, no mesmo trilho estava chegando um trem especial e o nosso tinha que fazer um desvio, até que o trem especial ou expresso tivesse ultrapassado. Então, os semáforos nos indicaram que outra vez podiamos entrar no trilho principal e completar o nosso percurso regular. Israel pode ser comparado a esse trem comum, que andava o seu caminho ao longo dos anos conforme as profecias. Mas quando o Messias apareceu e eles não O reconheceram, mas antes crucificaram o Senhor da glória (no final das 69 semanas do capítulo 9), eles foram dirigidos ao desvio e desde então têm esperado ali, enquanto o trem especial da dispensação da graça de Deus, o limitado trem expresso da Igreja, está ultrapassando. Quando tiver passado, deixando o trilho principal livre outra vez, Deus haverá de dar o sinal, e o antigo trem comum dos judeus há de terminar o que restou de seu horário pré-estabelecido conforme a 70ª semana da profecia acima referida e, de fato, também todas as profecias que lidam com o Tempo do Fim.

Aqueles entre nós salvos pela graça soberana de Deus estão andando no trem expresso da Igreja e serão um povo celestial durante o milênio e durante toda a eternidade. Israel segundo a carne é o povo terrestre; mas eles perderam o direito à sua bênção por causa de sua desobediência. Deus ainda está decidido a cumprir a Sua Palavra, para dar-lhes um lugar de privilégios especiais na terra. Por isso renovará um remanescente deles por meio de Seu Santo Espírito e Sua Palavra e purificar-lhes-á de toda a impureza e reconhecê-los-á outra vez como os Seus. Eles terão a sua herança aqui nessa terra; mas a Igreja e os santos da época do Antigo Testamento terão a deles nos céus.

Portanto, todas essas datas — os tempos e estações que temos em Daniel e no Apocalipse — não têm nada a ver com esse presente período, em que o trem expresso da Igreja está ultrapassando o trem judeu estacionado. Eles fazem parte do horário oficial do trem judeu e dirigirão os seus movimentos quando o trem especial da Igreja tiver ultrapassado e ido para a glória. Não foi emitido horário para esse trem especial. Ninguém pode dizer quando tiver ultrapassado; mas eu sinto com muita segurança que, se você quiser estar a bordo dele, você há de entrar logo, pois tudo aponta em direção a uma mudança de dispensação muito em breve. Ninguém estará a bordo desse trem, cujos pecados não estiverem lavados com o precioso sangue de Cristo e quem não for selado com o Espírito Santo da promessa. Você tem certeza de estar incluído nesse número de pessoas? Você sabe que nasceu de cima e que é possuidor da vida eterna? Você não pode se permitir de estar inseguro a respeito dessas coisas. Elas são momentosos demais — solenes e sérios demais, para você continuar de dia em dia esperando que tudo dê certo no final, quando, de fato, tudo está indo errado quanto diz respeito a você, se você não for de Cristo — estranho à graça de Deus. Que loucura brincar, enquanto há assuntos de tal grave importância em jogo!

Se você ainda não estiver salvo, mas tiver desejo de se tornar um cristão, ouça a mensagem que meu Senhor me deu, para levar até você. Ele diz: “Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação” (Rm 10:9-10). Deixe-me unir a isso um versículo da primeira epístola de João: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça” (1 Jo 1:9). Observe cuidadosamente: Nessas duas escrituras há duas

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confissões que Deus requer de cada alma, para que ela as faça. Primeiro: Confessa os seus pecados a Deus. Então: Confessa o seu Salvador diante dos homens. Não é simples? Na condição de um pobre pecador perdido está convidado a vir àquele Deus contra Quem tem pecado, reconhecendo a sua culpa na santa presença dEle. Se você vier dessa forma, Ele lhe promete um pleno perdão baseado na obra perfeita de Seu amado Filho, que, na cruz, levou sobre Si extamente aqueles pecados que está confessando; e, em seu lugar, Ele suportou o juízo do qual era merecedor devido a eles. Crendo nisso — descansando no testemunho da imutável Palavra de Deus —, você pode se voltar a seus velhos amigos e companheiros de antes e dizer-lhes: “Agora reconheço o Senhor Jesus Cristo como o meu Salvador e meu Senhor!” E Ele declara: “Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10:32-33). Lembre-se: Confesse Cristo aqui, e Ele o confessará ali. Negue-O aqui, e Ele o negará ali!

Oh! Apresse-se a fazer as duas confissões que lhe darão o direito de afirmar: “Me vestiu de roupas de salvação” (Is 61:10). Então, quando Daniel se levantará em sua herança no fim dos dias, também você se levantará em sua herança entre aquela companhia de redimidos que seguem o Cordeiro aonde ser que seja que for. Porém, se você persistir recusar a Cristo — se você continuar a negar o Seu nome — e morrer em seus pecados, então há de se levantar em sua porção diante do trono de juízo dEle, para ouvir as palavras de destino: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o doabo e seus anjos; …não vos conheço” (Mt 25:41 e 12). Que palavras terríveis são estas! Oh, que nunca sejam faladas para você!

Com isso encerramos essess estudos sobre o livro de Daniel. Temos visto,

nessa lições, quão maravilhosamente a profecia têm sido corroborado pelos relatos históricos humanos de tempos passados. Certamente fomos impressionados pelo fato de que nenhuma palavra falada por Deus jamais cairá em terra. “Não retirará as suas palavras” (Is 31:2). Tudo que foi escrito há de se cumprir tanto quanto diz respeito a Israel bem como a Igreja, quanto ao povo de Deus e às nações, e a cada alma individualmente, seja ela salva ou perdida. “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar”, disse o Senhor Jesus (Mt 24:35). Guardar a Sua Palavra significa viver. Recusá-la quer dizer morrer eternamente! Não deixe que Satanás lhe persuade que Deus seja melhor do que a Sua Palavra: Ele a cumprirá ao pé da letra; embora o ser humano possa pensar diferente, e esperar misericórdia da parte de Cristo.

“O homem que pensa que tudo esteja bem,

e que todo temor seja acalmado: Ele vive, — ele morre, — e acorda no inferno —,

não apenas julgado, mas sim condenado.”

Para o cristão, o livro de Daniel sempre deve ser um relato precioso e comovente à alma do amor e cuidado de nosso bondoso Deus, Quem sempre vela sobre os Seus para bênção deles, independente quão escura seja a noite. Ele nos deu a certa e segura palavra dos profetas como “uma luz que alumia em lugar

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escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações” (2 Pe 1:19).

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APÊNDICE Fizemos uma seleção de algumas perguntas que também possam constituir

dificuldades para outras pessoas dentre a multidão de perguntas feitas ao pregador e respondidas ou replicadas quando lecionava sobre esse livro. Foram acrescentadas anotações abreviadas das respostas dadas. Somente as perguntas que têm a ver diretamente com os assuntos tratados em Daniel têm sido preservadas. Seria impossível entrar na íntegra em todas elas nesse lugar; mas onde considerado necessário, referência é feita a obras auxiliadoras que podem ser adquiridas em inglês diretamente da editora (Loizeaux Brothers, Inc., Neptune, New Jersey, USA).

PERGUNTAS E OBJEÇÕES RESPONDIDAS

1 — É o anticristo ou o chifre pequeno romano que fará a aliança dos sete anos com os judeus?

Resposta: Em certo sentido, ambos. Enquanto o chifre pequeno é o “príncipe, que há de vir” do capítulo 9, o anticristo será a cabeça repesentativa da nação judaica. Eles “repartirão a terra por preço” (Dn 11:39). A aliança, aparentemente, é feito entre eles, sendo que o anticristo age em nome dos “muitos” — termo este que se aplica a Judá apóstata. Tal como o “conselho (ou a aliança) de paz” haverá entre o Pai e o Filho, assim “a aliança de morte” será selada entre a besta e o falso profeta.

2 — A colocação das águias romanas (em conseqüencia do cerco de Tito)

nos uros de Jerusalém era, porventura, a abominação desoladora mencionada por Daniel e referida por nosso Senhor?

Resposta: Não; porque a colocação da abominação desoladora é o início da grande tribulação. E essa não começará até que o anticristo seja levantado por Satanás, para personificar o Messias.

3 — Os Adventistas do Sétimo Dia ensinam que a “purificação do

santuário” se refere a entrada de Cristo no mais santo dos céus no final do período de 2.300 anos de dias, em 1844 AD, para purificá-lo. Não é essa a explanação correta dessa passagem?

Resposta: É uma perversão muitíssimos vil das Escrituras e, em seu caráter pleno, blasfemo além de toda expressão, sendo que a teoria do santuário dos adventistas faz Satanás ser auquele quem leva sobre si os pecados e assim o torna o verdadeiro salvador do penitente! Alguma coisa pdoeria ser mais horrível?

As Escrituras ensinam claramente que o nosso Senhor, “havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas” (Hb 1:3). Necessariamente isso implica em Sua imediata entrada no santo dos santos, porque o trono de Deus está situado ali. “Temos um sumo sacerdote tal, que está assentado nos céus à destra do trono da majestade, ministro do santuário, e do verdadeiro tabernáculo, o qual o Senhor fundou, e não o homem” (Hb 8:1-2). Ali, no trono de Deus, no santo dos santos, Ele tem sido assentado —

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não desde 1844 AD —, mas sempre desde a Sua ascenção. E porque Ele está ali — e o véu rasgado — os verdadeiros crentes são convidados a se aproximar e entrar no santo dos santos — e o próprio Filho, o nosso Grande Sacerdote, teria sido excluído de lá até 1844! Poderia algo mais absurdo ser manifestado?

O santuário contemplado por Daniel é terreno, e a profecia já se cumpriu mediante de 2.300 noites e manhãs (ou seja dias de 24 horas cada um) depois de Antíoco Epífanes o contaminara colocando uma estátua de Júpiter Olimpo no santo dos santos.

4 — E expressão “e cudiará em mudar os tempos e a lei” (Dn 7:25) não se

refere ao papa, que mudou o sábado, p sétimo dia, para o domingo, o primeiro dia?

Resposta: Como mencionado na lição 7, não há referência o papa nessa passagem. O papa não mudou o sábado. Ele simplesmente reconheceu o lugar especial conferido ao Dia do Senhor. O sábado é, e sempre foi, o sétimo dia, e como tal será guardado no milênio.

O Dia do Senhor é algo muito diferente. Pertence a dispensação presente e comemora a ressurreição de nosso Salvador no primeiro dia da semana. Se estivermos debaixo da Lei, então somos obrigados a guardar o sétimo dia — o sábado; mas se estivermos debaixo da graça, então deveríamos, no que depende de nós, alegremente consagrar o primeiro dia da semana para adoração e culto ao Senhor.

A questão do sábado é complexza demais para entrarmos nos detalhes aqui. 5 — Por que o nome do grande rei da Babilônia em Daniel é mencionado

como Nabucodonosor, mas em Jeremias, por vezes, como Nabucodorosor (no original hebraico e em algumas traduções, por exmplo em inglês)?

Resposta: Nomes antigos, assim como também modernos, foram adaptados ao idioma de vários países. Nabucodonosor parece ser a forma hebraizada desse nome. Os monumentos rendem esse nome com “r” no lugar do “n”, como em alguns partes de Jeremias.

6 — O irmão poderia dar as datas exatas para a computação das 69

semanas de anos que, supostamente, culminaram na cruz de Cristo? Resposta: As Escrituras dizem: “Depois das sessenta e duas semanas

[juntamente com as sete anteriormente mencionadas] será cortado o Messias” (Dn 9:26). Quanto tempo depois, não nos é dito. Cronologistas aptos mostraram que 69 héptadas (ou seja períodos de sete) de anos, cada um de 360 dias, se passaram antes que Cristo morresse. A explanação mais clara de temos parece ser aquela dada por Sir Robert Anderson em “The Coming Prince”. Ele calcula que exatamente 483 anos proféticos se passaram no dia em que Cristo entrou montado no jumento em Jerusalém na Sua condição de Rei profetizado por Zacarias.

7 — Por que Belsazar é chamado de “filho” e Nabucodonosor o “pai” dele,

sendo que não eram tão intimamente ligados? Resposta: Porque nos idiomas semíticos “filho” é comumente usado no

lugar de “descendente”, e “pai” no lugar de “ancestral”. Assim os israelitas são

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filhos de Abraão, Isaque e Jacó. E da mesma forma, os reis de Judá são chamados de filhos de Davi, embora muitas gerações tivessem se passado.

8 — Ezequiel 45:19-20 se refere, porventura, à purificação do santuário

celestial no final de 2.300 anos de dias, como em Daniel, capítulo 8? Resposta: Veja a resposta à pergunta número 3. O santuário de Ezequiel,

como o contexto inteiro faz claro, é o templo milenial, a ser construído no centro da terra de Palestina e consagrado ao serviço divino no tempo do reino. Do versículo 40 até o final do livro, Ezequiel descreve esse templo e nos informa referente o seu lugar geográfico e o das tribos de Israel ao Norte e ao Sul dele respectivamente. Os versículos referidos na pergunta falam de um serviço especial de consagração, quando o templo estará pronto para a renovação do serviço sacerdotal e para que os sacrifícios memoriais possam ser observados por parte do povo terrestre, na época vindoura — bem assim, julgo, como a Ceia do Senhor é observada entre os cristãos.

9 — O irmão pensa que Critso reinará no céu ao invés de na terra ou sobre

a terra? Resposta: Não. Nunca é dito que océu seja a esfera do reino de Cristo. Os

céus governam sobre a terra, mas não lemos de santos reinando nos céus. Quando a Bíblia fala do reinar com Cristo, isso implica em refrear alguma coisa, que deve ser reprimido. Um rei num reino implica em que há alguma coisa que deve ser reprimido. As pessoas falam sobre os santos reinando nos céus, mas as Escrituras nunca falam assim. Os santos, no céu, são iguais: todos são filhos junto ao Pai. No reino, porém, um possa ter uma posição maior do que outro, desde que o reino tem a ver com galardão por serviço feito nessa vida agora. “Se sofrermos, também com ele reinaremos” (2 Tm 2:12).

Observemos como as Escrituras se referem a essas coisas. Na época presente, no dia do homem, o Senhor Jesus diz: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça” (Mt 5:10). Em nossa época, Cristo não está reinando publicamente. Ele é rejeitado, e nós somos chamados a sofrer com Ele, porque Satanás é o deus desse século; Não é este o tempo de Seu poder. Ele não está reinando agora e assim a justiça sofre.

Quanto ao milênio, ou o período do reino, lemos: “Eis que reinará um rei com justiça” (Is 32:1). Naquele dia, a justiça não sofrerá, mas, sim, reinará. Isso quer dizer que todo tipo de mal será reprimido, embora ainda haja mal se evidenciando. No final do milênio, Satanás sairá do abismo e encontrará grandes hostes que o seguirão, mostrando que haverá muitos no milênio que simplesmente serão reprimidos pelo poder do Rei — os que não foram nascidos de novo. As pessoas no milênio terão necessidade do novo nascimento bem assim como hoje o têm.

Quando chegamos a tratar de novos céus e nova terra, ali também a justiça reinará? Não; lemos “Aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça”. O reino será entregue ao Pai; Deus habitará junto de Seu povo. A Justiça habitará nos novos céus e na nova terra. Ali jamais haverá um inimigo durante toda a eternidade, que possa levantar a sua cabeça contra Deus. Claro, o reino de Deus é para todo o sempre; i.e. Ele jamais entregará o Seu trono ou será substituído por um outro.

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Entrei mais detalhadamente nisso em “The Mysteries of God”, capítulo “The Mystery of God Finished”.

10 — Daniel não poderia ter evitado que fosse lançado na cova dos leões,

se teria agido confome Mateus 6:6, fazendo a sua oração 3 vezes ao dia? Ele, então, teria evitado de ofender, não é?

Resposta: O profeta agiu conforme a dispensação, em que ele viveu. As palavras do Senhor Jesus em Mateus 6:6 têm uma aplicação diferente e são uma repreensão de fingidores hipócritas à uma santidade que não possuem. EM 1 Reis 8, veja a oração de Salomão. Ele rogou misericórdia do Senhor para o Seu povo, quando fosse levado para fora de seu país, caso orassem em direção aquela casa. Daniel agiu em conformidade com isso e, evidentemente, com a aprovação divina.

11 — Daniel 7 vai até ao dia de Deus mencionado em 2 Pedro 3? O que é

a diferença entre o “dia do Senhor” e o “dia de Deus”? Resposta: Em Daniel 7, a introdução do reino, ou o “dia do Senhor”, está

sendo contemplado. O “dia de Deus” é o estado eterno. Em 2 Pedro 3, os dois são vistos como parcialmente sobrepostos no momento da última grande conflagração, que é o término de um e o início do outro.

12 — A septuagésima semana é idêntica com a grande tribulação? Resposta: A septuagésima semana será um período de tribulação para todos

os habitantes da terra; mas a sua última metade, ou 1.260 dias, é chamada de “a grande tribulação”. Será esse a época do poder do anticristo, e da guerra da besta contra o remanescente.

13 — Daniel e os demais santos do Antigo Testamento ressuscitarão

juntamente com os santos dessa dispensação no momento do arrebatamento descrito em 1 Tessalonicenses 4?

Resposta: A Palavra é clara — “Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda” (1 Co 15:23). Isso inclui todos os santos desde Abel até ao fim da época presente.

14 — Os santos do Antigo Testamento serão manifestados juntamente com

a Igreja quando do tribunal de Cristo? Resposta: Certamente; caso contrário: Como Daniel poderia se levantar em

sua herança no Tempo do Fim?

“EXAMINAI TUDO. RETENDE O BEM” (1 Ts 5:21).