Das Relações Entre Educação e Psicologia Na

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Das relações entre educação e psicologia na perspectiva de uma educadora Laurinda Ramalho de Almeida Resumo Este trabalho objetiva apresentar a visão de uma educadora sobre as relações entre Psicologia (como ciência e como profissão) e Educação, nos cinquenta anos em que atuou nos vários segmentos do ensino: ensino fundamental, médio e superior. Situa como eixo para discutir essas relações o Grupo de Trabalho (GT) Psicologia da Educação, na 22ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Anped), em 1999. Nessa reunião, o GT discutiu a temática Contribuições da Psicologia à Educação nos últimos trinta anos, apresentando as contribuições de Rogers, Skinner, Freud, Piaget, Vigotski e Wallon. O trabalho relaciona o encontro da educadora com as várias abordagens teóricas, priorizando apresentar as implicações educacionais da psicogenética walloniana. Finaliza apontando a relação dialética entre Psicologia e Educação, que se alimentam reciprocamente, oferecendo, uma à outra, elementos para melhor compreensão do fenômeno educativo e do ser humano. Palavras-chave: Psicologia – teoria, Psicologia Educacional, educação. Of the relations between education and psychology from an educator’s perspective Abstract In this study we aim at presenting an educator’s view of the relations between Psychology (as science and profession) and Education, based on the fifty years she has spent acting throughout several segments of education. The educator has discussed these relations with her Work Group (“GT” – Work Group) Psychology of Education, at 22ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (“Anped” – 22nd Annual Meeting of the Association of National Research and Graduate School of Education), in 1999. At that meeting, GT discussed the Psychology’s Contribution to Education in the past thirty years, presenting contributions from Rogers, Skinner, Freud, Piaget, Vigotsky e Wallon. This work relates the meeting of the educator with several theoretical approaches, prioritizing the presentation of educational implications of Wallon’s Psychogenetic. Finally we expose the dialectic relation between Psychology and Education, which nurture each other mutually, offering, one another, elements to better understand the educational phenomenon and the human being. Keywords: Psychology – theory, Educational Psychology, education. Relaciones entre educación y psicología en la visión de una educadora Resumen Este trabajo tiene como objetivo presentar la visión de una educadora sobre las relaciones entre Psicología (como ciencia y como profesión) y Educación en los cincuenta años que actuó en varios segmentos de enseñanza: educación básica, secundaria y superior. Plantea como eje de discusión de estas relaciones el Grupo de Trabajo (GT) Psicología de la Educación en la 22ª Reunión Anual de la Asociación Nacional de Pesquisa y Post-Grado en Educación (Anped) en 1999. En esa reunión el GT discutió la temática Contribuciones de la Psicología a la Educación en los últimos treinta años, presentando los aportes de Rogers, Skinner, Freud, Piaget, Vigotski e Wallon. El trabajo relata el encuentro de la educadora con varios enfoques teóricos dando prioridad a presentar las repercusiones educacionales de la psicogenética walloniana. Por último, se indica la relación dialéctica entre Psicología y Educación que se alimentan recíprocamente, ofreciendo una a otra, elementos para mejorar la comprensión del fenómeno educativo y del ser humano. Palabras Clave: Psicología – teoría, Psicología educacional, educación. História Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 2, Julho/Dezembro de 2012: 341-348.

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    Das relaes entre educao e psicologia na perspectiva de uma educadora

    Laurinda Ramalho de Almeida

    ResumoEste trabalho objetiva apresentar a viso de uma educadora sobre as relaes entre Psicologia (como cincia e como profi sso) e Educao, nos cinquenta anos em que atuou nos vrios segmentos do ensino: ensino fundamental, mdio e superior. Situa como eixo para discutir essas relaes o Grupo de Trabalho (GT) Psicologia da Educao, na 22 Reunio Anual da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Educao (Anped), em 1999. Nessa reunio, o GT discutiu a temtica Contribuies da Psicologia Educao nos ltimos trinta anos, apresentando as contribuies de Rogers, Skinner, Freud, Piaget, Vigotski e Wallon. O trabalho relaciona o encontro da educadora com as vrias abordagens tericas, priorizando apresentar as implicaes educacionais da psicogentica walloniana. Finaliza apontando a relao dialtica entre Psicologia e Educao, que se alimentam reciprocamente, oferecendo, uma outra, elementos para melhor compreenso do fenmeno educativo e do ser humano. Palavras-chave: Psicologia teoria, Psicologia Educacional, educao.

    Of the relations between education and psychology from an educators perspectiveAbstractIn this study we aim at presenting an educators view of the relations between Psychology (as science and profession) and Education, based on the fi fty years she has spent acting throughout several segments of education. The educator has discussed these relations with her Work Group (GT Work Group) Psychology of Education, at 22 Reunio Anual da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Educao (Anped 22nd Annual Meeting of the Association of National Research and Graduate School of Education), in 1999. At that meeting, GT discussed the Psychologys Contribution to Education in the past thirty years, presenting contributions from Rogers, Skinner, Freud, Piaget, Vigotsky e Wallon. This work relates the meeting of the educator with several theoretical approaches, prioritizing the presentation of educational implications of Wallons Psychogenetic. Finally we expose the dialectic relation between Psychology and Education, which nurture each other mutually, offering, one another, elements to better understand the educational phenomenon and the human being.Keywords: Psychology theory, Educational Psychology, education.

    Relaciones entre educacin y psicologa en la visin de una educadoraResumenEste trabajo tiene como objetivo presentar la visin de una educadora sobre las relaciones entre Psicologa (como ciencia y como profesin) y Educacin en los cincuenta aos que actu en varios segmentos de enseanza: educacin bsica, secundaria y superior. Plantea como eje de discusin de estas relaciones el Grupo de Trabajo (GT) Psicologa de la Educacin en la 22 Reunin Anual de la Asociacin Nacional de Pesquisa y Post-Grado en Educacin (Anped) en 1999. En esa reunin el GT discuti la temtica Contribuciones de la Psicologa a la Educacin en los ltimos treinta aos, presentando los aportes de Rogers, Skinner, Freud, Piaget, Vigotski e Wallon. El trabajo relata el encuentro de la educadora con varios enfoques tericos dando prioridad a presentar las repercusiones educacionales de la psicogentica walloniana. Por ltimo, se indica la relacin dialctica entre Psicologa y Educacin que se alimentan recprocamente, ofreciendo una a otra, elementos para mejorar la comprensin del fenmeno educativo y del ser humano.Palabras Clave: Psicologa teora, Psicologa educacional, educacin.

    Histria

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    IntroduoEu sou eu e minhas circunstncias.

    Ortega y Gasset

    A comemorao do jubileu da Psicologia como pro-fi sso no Brasil mobilizou-me a rever as contribuies da Psicologia para a formao dos profi ssionais da Educao, entre os quais me incluo. Proponho refl etir, neste texto, sobre os cinquenta anos da relao entre Educao e Psicologia como cincia e como profi sso, tomando como referncia minha trajetria na rea da educao.

    Em 2005, por ocasio da comemorao dos 25 anos da Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade de Lisboa, essa programou, entre outras atividades, um ciclo de conferncias com renomados pes-quisadores, psiclogos e educadores de instituies de vrios pases, reunidas posteriormente em livro (Marques & Estrela, 2007).

    Um dos conferencistas foi Marc Richelle, da Universi-dade de Lige, Blgica, que teve uma formao sui generis: cursou licenciatura em Lngua e Literatura Francesa, na Universidade de Lige, e encantou-se pela Psicologia por intermdio de um professor excepcionalmente talentoso. Decidiu ento tirar grau em Psicologia na Universidade de Genebra, na Sua, onde foi aluno de Jean Piaget, obtendo ao fi nal do curso uma bolsa de um ano nos Estados Uni-dos, para a Universidade de Harvard, o que lhe permitiu os primeiros contatos com Skinner. Ao comentar tais fatos, Richelle afi rma que sua formao combinou a tradio cons-trutivista de Genebra com o behaviorismo radical, Piaget e Skinner, o que, segundo ele, no o tornou esquizofrnico, pelo contrrio, deu-lhe slida formao. De volta a Lige, foi convidado a montar um Laboratrio de Psicologia Expe-rimental. Richelle deu sua conferncia o ttulo Meus cin-quenta anos em Psicologia, afi rmando no ter a pretenso de fazer uma avaliao objetiva da Psicologia como cincia e como profi sso, mas, sim, oferecer uma viso subjetiva de um psiclogo, com seu background pessoal e histrico.

    Por que a referncia ao evento e particularmente a Richelle? Porque foi a leitura de seu texto que forneceu o eixo para o meu. Porque, diferenas parte em termos de notoriedade, Marc Richelle e eu temos um ponto em comum: ele, cinquenta anos em Psicologia; eu, cinquenta anos em Educao, com forte infl uncia da Psicologia, pois a Psico-logia a cincia que mais tem informado a educao escolar desde o incio do sculo XIX na Europa (Miranda, 2008, p. 21).

    Apresento, ento, a viso subjetiva de uma pedago-ga, orientadora educacional, professora e pesquisadora em Psicologia da Educao. Trabalhei na Rede Pblica Estadu-al de So Paulo de 1960 a 1992, atuando tambm em cur-sos noturnos de Pedagogia e, desde 1993, sou professora de um Programa de Estudos Ps-Graduados em Psicologia da Educao.

    Para dar certa objetividade minha viso subjetiva, situo um marco: a criao do Grupo de Trabalho (GT) Psico-

    logia da Educao na 22 Reunio da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Educao Anped, em 1998.

    O GT Psicologia da Educao GT 20 na Anped

    O que passou no conta?, indagaroas bocas desprovidas.

    No deixa de valer nunca.O que passou ensina

    Com sua garra e seu mel.Thiago de Mello

    Pela sistemtica da Anped, para a constituio de um GT, esse deve funcionar nos dois primeiros anos como Grupo de Estudos (GE) e, havendo fi liao e trabalho de um signifi cativo nmero de participantes, ofi cializado como GT. Assim que, em 1998 e 1999, Psicologia da Educao foi GE e hoje um produtivo GT, abrigando uma pluralidade de abordagens tericas. Na primeira reunio, em 1998, a discusso centrou-se, sob a coordenao da Professora Doutora Bernardete Gatti, sobre a especifi cidade da Psico-logia da Educao como rea do conhecimento, e o grupo participante decidiu que, na reunio de 1999, deveria ser apresentada uma Mesa cuja temtica seria Contribuies da Psicologia Educao nos ltimos trinta anos. Esse balano fazia-se necessrio, dentro do GT Psicologia da Educao, dado que questionamentos obscureceram, e alguns at negaram, nos anos 1980 e 1990, as contribuies da Psi-cologia rea da Educao. Era importante, ento, que o GT se debruasse sobre as contribuies tericas mais mar-cantes das ltimas dcadas da Psicologia para a Educao, sem excluses e preconceitos. Desse modo, decidiu-se que seriam apresentadas as contribuies de Rogers, Skinner, Freud, Piaget, Vigotski e Wallon. Ficaram constitudas duas Mesas, com os seguintes expositores:

    Contribuies de Rogers para a Educao Lau-rinda Ramalho de Almeida Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo;

    Contribuies de Skinner para a Educao Sr-gio Luna Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo;

    Contribuies de Freud para a Educao Maria Aparecida Morgado Universidade Federal de Mato Gros-so;

    Implicaes da epistemologia gentica de Piaget para a Educao Maria Lucia Moro Universidade Federal do Paran;

    A Psicologia concreta de Vigotski: implicaes para a Educao Angel Pino Universidade Estadual de Cam-pinas;

    Contribuies de Wallon para refl exes sobre ques-tes educacionais Abigail Alvarenga Mahoney Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.

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    As comunicaes foram posteriormente reunidas em um livro (Placco, 2007).

    Fui convidada para falar sobre Carl Rogers porque fez parte de minha formao em Orientao Educacional e foi o referente terico para minha dissertao de mestrado.

    Ingressei na Universidade de So Paulo (USP) em 1960 e j no quarto ano iniciei a especializao em Orien-tao Educacional. Nos anos 1960, havia, na USP, um confronto entre duas propostas: a skinneriana e a rogeriana. Meu modo de lidar com as pessoas e situaes se afi nava mais com a proposta rogeriana e era mais coerente com o que a Orientao Educacional propunha como modo de trabalho: aconselhamento no diretivo, abordagem centrada na pessoa. E tambm porque Rogers trazia a discusso da afetividade nas relaes interpessoais para a sala de aula, o que consistia uma novidade, pois at ento se dava ateno para o cognitivo, e muito pouco, ou nada, para o afetivo. Entre outras, Rogers propunha uma teoria das relaes in-terpessoais, com uma escuta sensvel, um ouvir ativo, um expressar de sentimentos num ambiente no ameaador. Rogers deu-me, e aos demais educadores daquela poca, uma importante contribuio. Encantou-me ter ele coloca-do, como condies facilitadoras para mudanas pessoais, determinadas atitudes em vez de determinadas tcnicas: a) considerao positiva incondicional: atitude de aceitar o ou-tro como ele , no momento, permitindo-lhe a expresso de qualquer sentimento, apreciando-o em sua totalidade, como resultado da confi ana no organismo humano; b) compreen-so emptica ou empatia: atitude de colocar-se no lugar do outro, como se fosse o outro, mas sem perder a referncia de seu lugar; c) autenticidade ou congruncia: mostrar-se sem mscara, tal como , numa sintonia entre sentir, pensar e agir (Rogers, 1973, 1983, 1999).

    Na comunicao feita no GT 20 da Anped, situei a di-fuso das ideias da abordagem rogeriana para a Educao (no Estado de So Paulo) sob trs aspectos: na formao de orientadores educacionais, na formao de professores e na formao de psiclogos. Neste texto, situarei apenas os dois primeiros.

    Na formao de orientadores educacionais

    Em 1969, aconteceu o primeiro Concurso de Ingres-so de Orientadores Educacionais do Estado de So Paulo, promovido pela Secretaria Estadual de Educao. A comis-so encarregada de planejar e operacionalizar o concurso foi coordenada pela Professora Doutora Maria Jos Garcia Werebe, que era coordenadora do Setor de Orientao Edu-cacional do Departamento de Educao da Faculdade de Filosofi a, Cincias e Letras da USP, sendo que a professora lutara junto s instncias da Secretaria da Educao para a realizao do concurso. Da bibliografi a para o concurso constava a obra de Carl. R. Rogers, Psicoterapia centrada en el cliente. No havia nenhuma obra de Rogers traduzi-da para o portugus. Tal indicao bibliogrfi ca permite a inferncia de que a comisso organizadora do concurso

    entendia que a proposta rogeriana poderia fundamentar a ao dos orientadores educacionais, proposta essa que seria caracterizada pelo prprio autor, futuramente, com a denominao de abordagem centrada na pessoa, em substi-tuio psicoterapia centrada no cliente, ensino centrado no aluno, liderana centrada no grupo, entre outras.

    Da bibliografi a do concurso, constava tambm Orien-tao e seleo profi ssional (Santos, 1963). Nesse livro, o autor apresentava trs tcnicas de aconselhamento: clnico ou diretivo, no diretivo e ecltico, esclarecendo: O acon-selhamento no diretivo tem em Carl Rogers seu principal representante (Santos, 1963, p. 83).

    interessante registrar que, em 1965, o j referido Setor de Orientao Educacional da USP, fundado em 1962, convidara o Professor Paul Arbousse Bastide, da Faculdade de Filosofi a de Rennes, para ministrar um curso sobre acon-selhamento rogeriano.

    Vale registrar tambm que, numa ao de formao continuada, organizada em 1973 pela Secretaria Estadual de Educao, no s para orientadores educacionais efe-tivados no concurso, mas tambm para tcnicos e docen-tes da rede estadual, foi convidado o Professor Andr de Perretti, que, como sabido, era estudioso e divulgador das propostas rogerianas.

    Em 1974, uma ao formativa foi planejada e exe-cutada especifi camente para orientadores educacionais pelo Centro Nacional de Aperfeioamento de Pessoal para a Formao Profi ssional CENAFOR, rgo do MEC , o Curso de Especializao para Coordenadores de Orienta-o Educacional na Guanabara (atual Rio de Janeiro). Em decorrncia da Lei 5692/71, que estabelecia, em seu artigo 10, a obrigatoriedade da orientao educacional nas esco-las, o MEC planejou o curso com o objetivo de que cada estado encaminhasse ao menos dois representantes para que estes implementassem as aes em seus estados. Nesse curso, o mdulo Aconselhamento foi ministrado pelo Professor Oswaldo de Barros Santos, fundamentado nos pressupostos rogerianos.

    Vale recuperar ainda um texto que foi sobejamente discutido pelos orientadores educacionais, de autoria de Maria Amlia Azevedo Goldberg (1966, p. 60-61):

    Sob um segundo ponto de vista, que chamaremos pedaggico, a orientao seria uma tcnica pedaggica, qual caberia a responsabilidade pela mais fundamental de todas as aprendizagens: a aprendizagem do EU, na linguagem de Carl Rogers, isto , a descoberta das prprias potencialidades e a aceitao das prprias limitaes... Mas, como o bem mostraram os existencialistas, a aprendizagem do EU no ocorre seno conjugada aprendizagem do OUTRO, j que este, no dizer de Sartre, guarda um segredo: o segredo do que eu sou.

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    Na formao de professores

    Focalizando especifi camente o caso da PUC-SP, cumpre registrar que, em 1977, seu Centro de Educao promoveu um seminrio sobre O relacionamento de ajuda, conduzido por Robert Carkhuff, com base nas propostas rogerianas. No Programa de Estudos Ps-Graduados em Psicologia da Educao, em 1971, a professora Abigail Alva-renga Mahoney iniciou um curso: Rogers e a Educao. Os cursos se sucederam, ano aps ano, com diferentes nomes, at 1987. A mesma professora, em 1976, constituiu um gru-po de estudos sobre Rogers, em parceria com a professora Bernardete Gatti. Sob a orientao das duas professoras, mestrandas discutiam textos do autor, de seus colaborado-res e intrpretes. Desse grupo de estudos resultaram vrias dissertaes de Mestrado. O grupo perdurou at 1979.

    Na Orientao Educacional, tnhamos clareza da im-portncia de trabalhar com as atitudes facilitadoras, porm com o cuidado de que os alunos passassem da heteronomia para a autonomia. Esse cuidado no existiu em muitas esco-las particulares que se rotulavam como no diretivas, mas que, na verdade, aplicavam a abordagem no que tinha de mais negativo, entendendo a no diretividade como liberti-nagem, perdendo-se critrios do ponto de vista da formao. Rogers tornou-se um alvo fcil de crticas. A leitura que se fez, ento, da pedagogia de Rogers era de laissez-faire, no levando em conta que foi um autor que, entre outras coisas, afi rmou, ao discorrer sobre o processo criativo: a permissi-vidade que aqui se descreve no a fraqueza, a indulgncia ou o encorajamento. a permisso para ser livre, o que signifi ca igualmente que se responsvel (Rogers, 1997, p. 417).

    Registro agora como encerrei a comunicao feita no GT 20 da Anped, em 1999:

    Finalizando, cumpre lembrar que outra grande contribuio de Rogers, hoje, est nas pessoas que trabalharam com sua abordagem, mesmo que tenham incorporado outras abordagens tericas. Os princpios da Abordagem Centrada na Pessoa, a confi ana no ser humano, o respeito pelo outro, a preocupao em colocar-se no lugar do outro para compreend-lo, o cuidado com a autenticidade aparecem hoje na forma como concebem o papel da escola, do professor e do aluno; na forma como defi nem seus objetivos, planejam suas aulas, propem suas avaliaes; na forma como valorizam determinadas atividades e depreciam outras. O que vem demonstrar que o pensamento, no seu movimento para incorporar o novo, tem difi culdade em se desfazer das velhas teorias principalmente quando elas foram teis. (Almeida, 2007, p. 93-94)

    Meu contato com Piaget deu-se tambm nos anos 1960. Logo que conclu minha formao em Orientao Edu-cacional, comecei a trabalhar nessa rea, na Escola de De-monstrao do Centro Regional de Pesquisas Educacionais Professor Queiroz Filho CRPE, na Cidade Universitria.

    A Lei 4024, de dezembro de 1961, permitira, em seu artigo 104,

    a organizao de cursos ou escolas experimentais, com currculos, mtodos e perodos escolares prprios, dependendo o seu funcionamento, para fi ns de validade legal, da autorizao do Conselho Estadual de Educao, quando se tratar de cursos primrios e mdios, e do Conselho Federal de Educao, quando de cursos superiores ou de estabelecimentos de ensino primrio e mdio sob a jurisdio do Governo Federal.

    A Lei 5692, de agosto de 1971, em seu artigo 64, ratifi cou esse dispositivo.

    Nesse contexto, chamado de ensino renovado, sur-giram escolas experimentais, escolas de aplicao, escolas de demonstrao, ginsios pluricurriculares, ginsios voca-cionais, entre outros, que, por conta de currculos prprios, podiam incluir recursos humanos diferenciados da rede co-mum de ensino.

    A Escola de Demonstrao do CRPE tinha, alm da orientadora educacional, coordenadores de rea de: Lngua Portuguesa, Matemtica, Estudos Sociais e Arte. A coordenadora de rea de Matemtica empregava as provas operatrias de Piaget para fi ns de diagnstico e de avaliao de alunos. Essa uma das implicaes da psicologia gen-tica de Piaget apontada por Maria Lucia Moro, na Mesa da Anped, em 1999 (Moro, 2007). Afi rmou ela que, decorrentes do chamado Movimento Mundial da Educao Matem-tica, muitas das produes mais signifi cativas dessa rea de investigao tm razes no construtivismo piagetiano. Lembrou tambm Moro que os desdobramentos da teoria piagetiana na educao, na leitura e escrita deram-se prin-cipalmente pela contribuio de Emlia Ferreiro e seu grupo de pesquisadores. Tambm essa implicao acompanhei de perto, embora sem participar do processo, por ocasio da implantao do Ciclo Bsico na rede estadual paulista de ensino, pois nesse perodo (dcada de 1980) atuava em um dos rgos centrais da Secretaria Estadual de Educao, e a prpria Emlia Ferreiro, a convite desta Secretaria, esteve no Brasil para palestras e encontros com os professores. O Ciclo Bsico, institudo pelo decreto de n 21.833/1983, foi um projeto de reformulao da escola de 1 e 2 graus, visando a uma nova proposta de alfabetizao.

    Tambm nos Ginsios Vocacionais, com os quais mantive estreito contato nos anos 1960, os estudos de Piaget fundamentavam e eram norteadores de trabalhos. Estudvamos e discutamos em seminrios, nos chamados sbados de estudos, com a participao de toda a equipe de educadores da escola, as principais obras de Piaget (Silva, no prelo). As obras referidas por Silva so: Psicologia da inteligncia (1958), Seis estudos de Psicologia (1967), Tratado de Psicologia Experimental (1969), Psicologia da criana (1968). O ensino vocacional foi um processo peda-ggico de quase dez anos de durao (1962-1970), experi-ncia renovadora, extinta pelo governo militar. Fortemente comprometido com a formao integral do educando, o

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    ensino vocacional funcionou em seis cidades do Estado de So Paulo: Capital, Batatais, Rio Claro, Americana, Barretos e So Caetano do Sul.

    Meu encontro, rpido, com Skinner deu-se no Mes-trado, dcada de 1970, quando cursei uma disciplina com o especialista que fez a comunicao na Anped, em 1999, o Professor Srgio Vasconcelos de Luna. Em suas aulas, aprendi ao vivo os elementos bsicos da programao de ensino (Luna, 2007, p. 166): a) dentro de cada unidade de ensino ou disciplina, estabelecer o que o aluno ainda no sabe e preparar-se para ensin-lo; b) ensinar primeiramente as primeiras coisas; c) planejar o ensino tendo em vista o aluno, mantendo-o permanentemente em atividade; d) criar condies para autoavaliao e fornecer feedback; e) orga-nizar etapas pequenas e s avanar quando houver domnio de etapas anteriores; f) usar consequncias arbitrrias, se necessrio, mas planejar a retirada destas aproximando-se o mais possvel de consequncias naturais.

    Vigotski, vim a conhecer j no Doutorado, em 1980. Esse autor foi introduzido na PUC-SP primeiramente no curso de Pedagogia, chegando depois ao curso de ps--graduao.

    Pino (2007), em sua comunicao no GT 20 da Anped, tocou em pontos particularmente importantes para os educadores:

    * A educao formal, parte integrante da educao em sentido pleno, constitui uma via de acesso no a nica, mas a socialmente instituda da criana ao conhecimento cientfi co, ou seja, ao saber que os homens tm do mundo natural como resultado e condio da sua transformao pelo trabalho. O conhecimento cientfi co faz parte do mundo cultural, mundo especfi co do homem, onde ele construiu sua existncia. Assim sendo, a educao formal algo necessrio, no apenas desejvel, para o desenvolvimento cultural da criana, o que a transforma em um direito fundamental.* Se, como diz Vigotski, as funes superiores (pensar, falar, agir, ter conscincia das coisas etc.), antes de se tornarem funes da pessoa, foram relaes entre pessoas, a constituio do saber humano em saber da criana, objetivo da educao formal, um evento da natureza eminentemente social: primeiro porque o saber cientfi co uma produo social, resultado da histria das relaes de produo dos homens; segundo porque a sua constituio na criana passa, necessariamente, pela mediao dos outros, aqueles que j possuem a signifi cao das coisas (defi nidora do saber). Segue-se da que o professor apenas uma referncia e um guia para a criana na aventura do saber, colocando-se em questo todo sistema educativo baseado no conceito estreito e unidirecional de uma relao pedaggica centrada, exclusivamente, na dupla professor-aluno.* Se saber descobrir a signifi cao que as coisas tm para os homens, o que no impede que existam diferenas semnticas e conceituais entre eles, a constituio do saber na criana no ocorre pelo simples registro de informaes a respeito do mundo, mas pela descoberta da signifi cao

    dessas informaes. E isso obra dela, produo dela, na qual pode ser ajudada, mas nunca substituda. (Pino, 2007, p. 57-58)

    Wallon, conheci de forma mais sistemtica a partir da segunda metade da dcada de 1990, quando passei a fazer parte de um grupo coordenado por Abigail Alvarenga Mahoney sobre Wallon, na PUC-SP. Esse grupo foi um des-dobramento de um grupo coordenado na USP por Heloysa Dantas, cujo pai, Pedro Dantas, estagiou na Frana com Wallon e, tornando-se grande admirador do mestre, escre-veu Para conhecer Wallon (Dantas, 1983). Quando Heloysa Dantas interrompeu seu grupo de estudos, Abigail Mahoney resolveu institu-lo na PUC-SP, em 1994. Algumas das im-plicaes educacionais da psicogentica walloniana sero posteriormente apresentadas.

    Nos meus cinquenta anos como educadora, na pas-sagem por todos esses autores da Psicologia e a convivn-cia com educadores, percebi que cada teoria revela-se mais adequada para tratar de certos problemas educacionais do que outras. Ainda que seja necessria uma opo terica para orientar aes consistentes, importante ter uma am-plitude de viso que permita um dilogo entre as teorias. Percebi, ainda, que, independente da abordagem terica adotada, os professores que mais se respeitavam e eram respeitados por seus alunos apresentavam como qualida-des: o respeito na relao professor-aluno e o compromisso em se manter atualizado e levar a todos os alunos um ensi-no de qualidade.

    Contribuies da Psicologia Educao

    A formao psicolgica dos professores no pode fi car limitada aos livros. Deve ter uma referncia perptua nas experincias pedaggicas que eles podem pessoalmente realizar.

    Henri Wallon

    A Psicologia pode contribuir com a Educao e a Educao com a Psicologia. Pensarei nessa contribuio a partir dos pressupostos wallonianos, os quais tm norteado meus trabalhos nos ltimos anos. Deixo claro que os pressu-postos da abordagem centrada na pessoa, de Carl Rogers, continuam fazendo sentido para mim, e sendo muito teis, nas relaes interpessoais no contexto escolar e fora dele. Eu os incorporei em minha prtica como atitudes facilitado-ras para o acesso ao conhecimento.

    Por que se deu minha adeso a Wallon? Em minha trajetria como aluna, professora, orientadora, ao conhecer a teoria de Henri Wallon, tinha j fi rmado a convico de que os vnculos que se formam entre professor e aluno so componentes muito fortes no processo ensino-aprendi-zagem. Tinha clareza da importncia da afetividade como catalisadora e mediadora na relao aluno-professor, entre alunos, professores, famlia, escola. Mas Wallon, em sua te-

    Relaes entre Psicologia e Educao * Laurinda Ramalho de Almeida

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    oria psicogentica, permitiu-me compreender melhor como a afetividade se expressa e como interfere no processo ensino-aprendizagem.

    Wallon veio dar-me uma resposta lcida para su-perar a dicotomia cognio-afetividade, possibilitando uma reconceituao do papel da afetividade no processo da vida psquica. Afetividade como um conjunto de funes psqui-cas que, ligado aos outros conjuntos, o cognitivo e o motor, constituem a pessoa. Mahoney (2010, p. 15) expressa com clareza essa questo:

    O motor, o afetivo, o cognitivo, a pessoa, embora cada um desses aspectos tenha uma identidade estrutural e funcional diferenciada, esto to integrados que cada um parte constitutiva do outro. Sua separao se faz necessria apenas para a descrio do processo. Uma das consequncias dessa interpretao de que qualquer atividade humana sempre interfere em todos eles. Qualquer atividade motora tem ressonncias afetivas e cognitivas; toda disposio afetiva tem ressonncias motoras e cognitivas; toda operao mental tem ressonncias afetivas e motoras. E todas elas tm um impacto no quarto conjunto: a pessoa, que, ao mesmo tempo em que garante essa integrao, resultado dela.

    Para Wallon, a afetividade refere-se disposio do indivduo de ser afetado pelo mundo interno e externo por meio de sensaes de tonalidades agradveis e desagra-dveis.

    Falava Wallon de um aluno concreto, situado no seu tempo e espao, o que me levava a compreender de forma mais ampla o aluno inserido numa determinada escola e numa determinada comunidade, que lhe oferecia determi-nadas condies de existncia. Essa teoria deu-me pistas para trabalhar com mais segurana, mesmo reconhecendo que nenhuma teoria sozinha d conta da compreenso de todos os fenmenos educativos, dada sua complexidade. Agradou-me, tambm, por ser uma teoria otimista em rela-o ao desenvolvimento humano. A constituio biolgica da criana no ser a nica lei de seu destino posterior. Seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas circunstncias sociais de sua existncia da qual no se exclui sua possibilidade de escolha pessoal (Wallon, 2007, p. 168). Enquanto o indivduo mantiver sua capacidade de ajustes a um meio saudvel, estar aberto a mudanas em todas as etapas de sua vida.

    Como a psicogentica walloniana postula que afeti-vidade, cognio, motricidade constituem a pessoa, quando me dirijo a um desses conjuntos, estou interferindo nos de-mais. Por isso, uma proposta que permite inferncias fr-teis para a ao pedaggica. Traz uma contribuio impor-tante para compreendermos o aluno e seu desenvolvimento, um desenvolvimento que no s cognitivo, mas tambm motor e afetivo. Tentarei resumir algumas das inferncias que a teoria permite, uma teoria que tece uma trama muito ntima entre desenvolvimento cognitivo e afetivo, portanto, entre afetividade e aprendizagem.

    A afetividade surge como condio para toda e qualquer interveno sobre a inteligncia: no se pode chegar inteligncia seno dirigindo-se criana como um todo (Wallon, 1975, p. 379) e contra a natureza tratar a criana de forma fragmentria (Wallon, 2007, p. 168). O que conseguido no plano afetivo um lastro para o cognitivo e vice-versa.

    Toda situao nova gera uma situao de imper-cia, e toda situao de impercia gera ansiedade. Baixar a ansiedade garante a plena utilizao do funcionamento cog-nitivo, e isso se consegue retirando ameaas da situao de aprendizagem. medida que a ameaa diminui, a criana se cansa menos e aprende melhor; com menor desgaste emocional, ter maior energia para aprender.

    A emoo profundamente corprea, concreta, visvel essa ideia de visibilidade da emoo pode ser apro-veitada para fazer uma leitura da criana: o olhar, o cansao, o movimento so sinais de como o processo ensino-aprendi-zagem est ocorrendo.

    A observao desses sinais importante para modular a ao do professor. Observar evidentemente registrar o que pode ser verifi cado. Mas registrar e verifi car ainda analisar, ordenar o real em frmulas, fazer-lhe perguntas (Wallon, 1975, p. 16). Fazer perguntas ao real uma boa ttica para o professor.

    A afetividade tem uma evoluo, assim como a in-teligncia, o que exige um refi namento nas trocas afetivas. Se no incio do desenvolvimento a afetividade alimentada quase que exclusivamente pelo contato fsico (afetividade epidrmica de que fala H. Dantas, 1993), com o advento da funo simblica, a afetividade se enriquece com novos ca-nais de expresso. A ateno que a criana exige no tanto de contato fsico, mas precisa da ateno do adulto para lhe oferecer condies para conhecer o mundo, apresentando estmulos que respeitem suas possibilidades. A funo cate-gorial modifi car ainda mais as exigncias de trocas afetivas e, na adolescncia, precisar do adulto para ensinar-lhe como se relacionar com o outro por meio de ideias, sendo respeitado em suas opines e tratado com justia.

    At aqui, discorremos sobre as implicaes pedag-gicas a partir da integrao cognitiva-afetiva-motora. Importa tambm pensar nas implicaes decorrentes da integrao que d suporte s demais: integrao organismo-meio. O conceito de meio fundamental na teoria walloniana. Ora, a escola um meio funcional. Meio funcional porque tem uma funo outorgada pela sociedade ensinar, levar ao aluno a herana cultural que a humanidade j construiu. H uma afi rmao de Wallon sobre meio e por meio entendemos o meio fsico e o social, o conjunto mais ou menos durvel das circunstncias que envolvem as existncias individu-ais que me particularmente cara como educadora: os meios em que a criana vive e aqueles com os quais ela sonha constituem a forma que molda sua pessoa. No se trata de uma marca aceita passivamente (Wallon, 1986, p. 171), ou seja, se o meio concreto marca, igualmente o faz o meio imaginado, representado, sonhado. E a criana pode escolher tanto o meio concreto como o sonhado. Isso d

    Revista Semestral da Associao Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Nmero 2, Julho/Dezembro de 2012: 341-348.

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    escola uma responsabilidade muito grande e ao professor, um papel de destaque. com ele que o aluno se relaciona mais intimamente, e quem pode lhe oferecer a entrada em diferentes meios, possibilitando recursos para desenvolver sua imaginao e criatividade, sendo um mediador para apresentar-lhe o acervo cultural construdo pela humanida-de. A noo de meio social tem para Wallon um duplo status: , ao mesmo tempo, meio ambiente e meio de ao.

    Relao Educao e Psicologia Profi sso

    Trabalhar contribuir, por meio de servios particulares,para a existncia de todos, a fi m de assegurar a sua prpria.

    Henri Wallon

    Em minha trajetria profi ssional, tive a contribuio no s da Psicologia como cincia, mas como profi sso. Dessa relao Psicologia profi sso Educao registro apenas um exemplo.

    Ao atuar como orientadora educacional, na segunda metade dos anos 1960, observao cuidadosa dos alunos levou-me a perceber que alguns (poucos) necessitavam de tratamento psicolgico, mas no tinham recursos para pro-curar psiclogo ou clnica particulares. Informaram-me que no Departamento (hoje Instituto) de Ortopedia e Traumato-logia do Hospital das Clnicas trabalhava uma psicloga que fazia grupos de atendimento comunidade e supervisionava estgios, ento a procurei. Com sua costumeira disponibili-dade e competncia, Dra. Matilde Neder ouvia meus casos, atendia alguns alunos, encaminhava outros, orientava-me quanto ao atendimento escolar.

    Finalizando

    Uma coisa pr ideias arranjadas, outra lidar com um pas de pessoas, de carne e sangue, de mil e tantas misrias. [...]. De sorte que carece de escolher.

    Guimares Rosa

    Para fi nalizar, tentarei, de modo semelhante a Richel-le (2007), formular duas questes. Entretanto, ele fez isso em relao Psicologia, enquanto eu o fao em relao Educao: Se fosse uma jovem de vinte anos, estaria dis-posta a iniciar a carreira na Educao? No que a Psicologia poderia me ajudar?.

    A resposta primeira questo sim. Provavelmente porque minha carreira envolveu, como diria Richelle, uma srie de eventos de sorte. Tive a sorte de frequentar boas escolas pblicas, com mestres que me ensinaram o prazer de aprender, que me fi zeram vibrar ao perceber que meu co-nhecimento podia se ampliar e que eu podia penetrar em ou-tros mundos; que me deram chaves para a entrada nesses novos universos... (Almeida, 2011, p. 67). Tive a sorte de

    trabalhar em escolas que acreditavam no trabalho coletivo e em rgos centrais da Secretaria Estadual de Educao que me possibilitaram uma viso macro sobre a rede pblica e que me fi zeram reconhecer que, apesar das mazelas que lhe foram (e so) atribudas, a escola pblica est viva; tem gente competente nela, como me afi rmou uma diretora. Tive a sorte de trabalhar com alunos de diferentes segmen-tos de ensino e com eles aprender muito sobre o processo ensino-aprendizagem.

    Quanto segunda questo: No que a Psicologia po-deria me ajudar?, grosso modo respondo que a Psicologia poderia me ajudar a enfrentar os problemas concretos do cotidiano escolar, pois hoje, concordando novamente com Richelle (2007), as correntes psicolgicas so menos am-biciosas em relao a teorias globais e mais centradas em problemas. Poderia, assim, ajudar-me a ser melhor educa-dora e trabalhar para um ensino que promovesse a igual-dade e a equidade de oportunidades para todos. Creio que teria uma difi culdade diferente em relao aos anos iniciais de minha carreira na Educao: se, naquela poca, a difi cul-dade em encontrar compndios de Psicologia era grande, e podia-se contar nos dedos as obras de psiclogos com traduo em portugus para fundamentar a ao educativa, hoje a difi culdade outra. Nesses cinquenta anos, foi im-pressionante a exploso quantitativa das informaes sobre os diferentes campos do saber. praticamente impossvel conhecer tudo o que est acontecendo na rea, e preciso priorizar, cuidadosamente, o que pode ser mais til para um trabalho de qualidade.

    Em sntese, a viso subjetiva de uma educadora, nos seus cinquenta anos de atuao, sobre a relao Psico-logia e Educao foi, e continua sendo, a de que essa uma relao complementar e construtiva, nos termos colocados por Wallon, em 1937, na aula inaugural no Collge de Fran-ce: Entre a Psicologia e a Educao as relaes no so de uma cincia normativa e de uma cincia ou arte aplicada (Wallon, 1959, p. 195). As duas, numa relao dialtica, se alimentam reciprocamente, oferecendo recursos uma ou-tra, para melhor compreenso do fenmeno educativo e de ns mesmos.

    Notas

    1. Texto elaborado a partir de comunicao apresen-tada no I Colquio de Psicologia e Educao, realizado na PUC-Campinas, em 05/12/2011.

    2. As representantes da secretaria Estadual de Edu-cao de So Paulo foram Vera Maria Nigro de Souza Plac-co e Laurinda Ramalho de Almeida.

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    Sobre a autora

    Laurinda Ramalho de Almeida ([email protected])Doutora em Psicologia da Educao, pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Endereo: R. Gabriel dos Santos, 64 apt 32- CEP 01231-010

    Revista Semestral da Associao Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Nmero 2, Julho/Dezembro de 2012: 341-348.