Davi Alves Maçaneiro A restauração de Judá-Jerusalém:

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Davi Alves Maçaneiro A restauração de Judá-Jerusalém: Análise exegética de Jl 4,18-21 Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Teologia Bíblica. Orientador: Prof. Leonardo Agostini Fernandes Rio de Janeiro Março de 2015

Transcript of Davi Alves Maçaneiro A restauração de Judá-Jerusalém:

Davi Alves Maaneiro

A restaurao de Jud-Jerusalm:

Anlise exegtica de Jl 4,18-21

Dissertao de Mestrado

Dissertao apresentada ao programa de

Ps-graduao em Teologia da PUC-Rio

como requisito parcial para obteno do

ttulo de mestre em Teologia Bblica.

Orientador: Prof. Leonardo Agostini Fernandes

Rio de Janeiro

Maro de 2015

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Davi Alves Maaneiro

A restaurao de Jud-Jerusalm:

Anlise exegtica de Jl 4,18-21

Dissertao apresentada como requisito

parcial para obteno do grau de Mestre

pelo Programa de Ps-Graduao em

Teologia do Departamento de Teologia do

Centro de Teologia e Cincias Humanas

da PUC-Rio. Aprovada pela Comisso

Examinadora abaixo assinada.

Prof. Leonardo Agostini Fernandes

Orientador

Departamento de Teologia PUC-Rio

Prof. Maria de Lourdes Corra Lima

Departamento de Teologia PUC-Rio

Prof. Valmor da Silva

Departamento de Teologia PUC-Gois

Prof Denise Berruezo Portinari

Coordenadora Setorial de Ps-Graduao e Pesquisa do

Centro de Teologia e Cincias Humanas PUC-Rio

Rio de Janeiro, 18 de maro de 2015

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Todos os direitos reservados. proibida a reproduo

total ou parcial do trabalho sema aautorizao da

universidade, da autora e do orientador.

Davi Alves Maaneiro

Graduou-se em Teologia pelo Instituto Teolgico

Arquidiocesano Santo Antnio (ITASA-CES) em 2010.

Desenvolve pesquisas na rea de Teologia Bblica e

Exegese do Antigo e Novo Testamentos enfocando o

conceito de adorao e o Ecumenismo. Atua como

professor voluntrio do propedutico do Seminrio

Arquidiocesano Santo Antnio em Juiz de Fora.

membro fundador da Comunidade Sagrado Corao

Eucaristico de Jesus, associao privada de fiis

catlicos dedicada a adorar e levar adorao.

Durante o Mestrado em Teologia Bblica foi bolsita do

Cnpq.

Ficha Catalogrfica

CDD: 200

Maaneiro, Davi Alves

A restaurao de Jud-Jerusalm: anlise exeg-

tica de Jl 4,18-21 / Davi Alves Maaneiro ; orientador:

Leonardo Agostini Fernandes. 2015.

141 f. ; 30 cm

Dissertao (mestrado)Pontifcia Universidade

Catlica do Rio de Janeiro, Departamento de Teolo-

gia, 2015.

Inclui bibliografia

1. Teologia Teses. 2. Exegese do Antigo

Testamento. 3. Literatura proftica. 4. Livro de Joel.

5. Restaurao de Jud-Jerusalm. 6. ym YHWH. 7.

Teologia bblica. I. Fernandes, Leonardo Agostini. II.

Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

Departamento de Teologia. III. Ttulo.

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Dedico este trabalho Juliana e Ryan Davi.

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Agradecimentos

Agradeo a Deus, Uno e Trino, quele que desde sempre e para sempre habita com

seu povo.

Ao Prof. Dr. Leonardo Agostini Fernandes por aceitar me orientar neste estudo,

pela pacincia e segurana nas correes e direes, sem as quais no seria possvel

desenvolver esta pesquisa e, principalmente, por seu apoio e amizade.

PUC-Rio e ao CNPQ, pela concesso da bolsa de estudos, possibilitando a

realizao deste trabalho.

Aos servios consultados da Biblioteca da PUC-Rio, pela disponibilidade e auxlio

proporcionados pelos funcionrios.

Aos professores e funcionrios do Departamento de Teologia, pela simplicidade

seriedade e excelncia na conduo e desenvolvimento da pesquisa teolgica

acadmica da PUC-Rio.

Aos meus queridos companheiros de turma Cludio, Rodrigo, Fbio, Pe. Joseph,

Antnio, Jane, Alessandra e Elizangela, com quem pude partilhar a alegria e o

esforo por melhor conhecer a Palavra de Deus.

minha famlia, especialmente minha esposa Juliana, por sua compreenso e

apoio incondicional, aos meus pais, Adolfo e Rita, irmos, Cassiano e Carolinne,

cunhado, Marcelo, pelo auxlio na formatao e correo.

Aos meus queridos irmos da Comunidade Adorai, da Parquia So Geraldo e Pe.

Mrcio, pela intercesso constante, palavras de estmulo e apoio incansvel,

suportando minhas ausncias.

A todos que foram instrumentos de Deus para concretizao deste trabalho,

especialmente, Wagner, Romero, Ricardo, Antnio Carlos, Rafael, Dinah e Clarice,

pelo transporte; Eduardo e Wagner, Pe. Leonardo, Isaas e Comunidade Corao

Novo, Dom Agostinho e o Mosteiro de So Bento, pela acolhida e hospitalidade;

Sarah, Sheila, Denes e Dom Bento pelo auxlio nas tradues.

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Resumo

Maaneiro, Davi Alves; Fernandes, Leonardo Agostini. A restaurao de

Jud-Jerusalm: anlise exegtica de Jl 4,18-21. Rio de Janeiro, 2015.

141p. Dissertao de Mestrado Departamento de Teologia, Pontifcia

Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

O presente estudo exegtico trata da restaurao de Jud-Jerusalm descrita

em Jl 4,18-21. A partir de uma concepo unitria dos orculos do ym YHWH no

livro de Joel, como um anncio de juzo com duplo efeito, e da estrutura geral do

livro como uma lamentao nacional (cf. Jl 1,12,18) seguida da resposta de

YHWH (cf. Jl 2,194,21), compreende-se que a restaurao de Jud-Jerusalm o

resultado previsto pelo juzo definitivo no ym YHWH, consequncia da presena

salvfica de YHWH no templo e Sua resposta favorvel liturgia de lamentao

suplicante realizada pela comunidade dos filhos de Jud. A unidade literria Jl 4,18-

21 apresentada como um orculo salvfico com duplo anncio. Nela, a restaurao

de Jud-Jerusalm descrita como restaurao escatolgica da terra eleita e do povo

eleito. Atravs de palavras chave, Jl 4,18-21 responde aos problemas retratados

no livro: uma catstrofe agrcola (cf. Jl 1,22,27) e uma catstrofe poltica (cf. Jl

3,14,17). Alm disso, sua estrutura formal reflete as duas etapas da resposta de

YHWH a ambos os problemas: a restaurao da terra (cf. Jl 2,18-27) e a restaurao

da nao (cf. Jl 3,14,17). Desse modo, pode-se compreender a densidade temtica

de Jl 4,18-21 e sua funo conclusiva, retomando, sintetizando e finalizando as

principais linhas temticas do livro, e levando ao ponto mais alto a argumentao

desenvolvida no livro inteiro.

Palavras-chave

Exegese do Antigo Testamento; Literatura Proftica; Livro de Joel;

Restaurao de Jud-Jerusalm; ym YHWH; Teologia Bblica.

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Abstract

Maaneiro, Davi Alves; Fernandes, Leonardo Agostini (Advisor). The

restoration of Judah-Jerusalem: exegetical study of Joel 4,18-21. Rio de

Janeiro, 2015. 141p. MSc. Dissertation Departamento de Teologia,

Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

The following exegetical study presents the restoration of Judah and

Jerusalem described in the passage Joel 4,18-21. Through a unitary conception from

ym YHWH's oracles on Joel's book, as a double effected judgment announcement,

as well the general structure of the book as a national lament (cf. Joel 1,12,18)

followed by the YHWHs answer (cf. Joel 2,194,21), it can be inferred that the

restoration of Judah and Jerusalem is the expected result by the decisive judgment

in ym YHWH and consequence of the saviour presence of YHWH in the temple

and his favourable reply to the Liturgy of Lament made by the community of the

Judah sons. The literary unity Joel 4,18-21 is presented as a saviour oracle by the

dual announcement: it describes the restoration of Judah and Jerusalem as an

eschatological restoration of selected land and people. The passage Joel 4,18-21

answers the issues described on Joels book through keywords: such as an

agricultural disaster (cf. Joel 1,22,27) and a political failure (cf. Joel 3,14,17).

Moreover, the formal structure of the passage reflects the two stages of YHWHs

answer to both problems: the lands restoration (cf. Joel 2,18-27) and the peoples

restoration (cf. Joel 3,14,17). Thereby, it can be understood the diversity and

complexity of themes in the passage Joel 4,18-21 and its conclusive function as it

resumes, synthesizes and finalizes the main themes of Joels book, furthermore, it

raises the argumentation developed on the whole book.

Keywords

Exegesis of the Old Testament; Prophetic Literature; Book of Joel;

Restoration of Judah-Jerusalem; ym YHWH; Biblical Theology.

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Sumrio

1. Introduo 14

2. Horizonte temtico 17

2.1 Aspectos conceituais e terminolgicos 18

2.2 Restaurao 18

2.3 Jud e Filhos de Jud 23

2.4 Jerusalm e Sio 26

2.5 O par Jud-Jerusalm 28

3. Estrutura geral e contexto literrio do livro de Joel 31

3.1. A estrutura do livro de Joel e sua relao com o tema do ym

YHWH

31

3.2. Jl 4,18-21 e sua relao com a estrutura geral do livro 36

3.2.1. O ponto de transio e a macroestrutura do livro de Joel 36

3.2.2. Estruturas interpretativas propostas para o livro de Joel 39

3.3. O contexto literrio e sua relao com Jl 4,18-21 46

3.3.1. O contexto do livro e suas marcas de progresso textual 46

3.3.2. O contexto geral do livro de Joel 48

3.3.3. O contexto prximo de Jl 4,18-21 49

3.4. Linhas temticas e teolgicas do livro de Joel 51

3.4.1. O anncio do ym YHWH 51

3.4.2. A manifestao da presena de YHWH em Sio 53

3.4.3. O retorno a YHWH atravs da liturgia penitencial 53

3.4.4. A restaurao de Jud-Jerusalm 54

3.4.5. Jl 4,18-21 e a sntese da mensagem do livro de Joel 55

3.5. Concluses parciais 55

4. O texto, sua constituio e organizao 57

4.1. Traduo e notas de crtica 57

4.1.1. Traduo 57

4.1.2. Notas de crtica 57

4.2. Delimitao e unidade de Jl 4,18-21 63

4.2.1. Delimitao 63

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4.2.2. Unidade 65

4.3. Organizao e estrutura de Jl 4,18-21 67

4.3.1. As sees e subsees 67

4.3.2. As relaes entre as sees 78

4.3.3. O texto em seu conjunto 79

4.4. Gnero literrio 83

4.4.1 Orculo de Salvao 83

4.4.2 Duplo Anncio 83

5. Tendncias interpretativas 86

5.1. Tendncias interpretativas de Jl 4,18 86

5.1.1. Os trs lquidos restauradores 86

5.1.2. Mosto e leite 86

5.2. Tendncias Interpretativas de Jl 4,19-21 89

5.2.1. O par Egito-Edom em Jl 4,19 89

5.2.2. O sangue deles e o juzo de YHWH em Jl 4,21 96

5.3. Concluses parciais e consideraes gerais 102

5.4. Uma proposta alternativa 107

5.4.1. A restaurao da terra eleita em Jl 4,18 107

5.4.1.1 A restaurao de Jud-Jerusalm naquele dia (Jl 4,18a) 108

5.4.1.2. A descrio (Jl 4,18b-d) 109

5.4.1.3. A justificativa (Jl 4,18ef) 112

5.4.2. A restaurao do povo eleito (Jl 4,19-21) 114

5.4.2.1 A condenao dos povos opressores (Jl 4,19ab) 114

5.4.2.2 A justificativa (Jl 4,19cd) 116

5.4.2.3 A descrio (Jl 4,20) 118

5.4.2.4 A justificativa (Jl 4,21ab) 119

5.4.2.5 A justificativa (Jl 4,21c) 122

6. Concluso 125

6.1. Sntese dos resultados da pesquisa 125

6.2. Consideraes finais 127

7. Referncias Bibliogrficas 129

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7.1. Bblias, Gramticas e Manuais 129

7.2. Dicionrios 129

7.3. Concordncias e Lxicos 133

7.4. Artigos e Revistas 133

7.5. Obras 134

8. Anexos 139

8.1. Tabela 1 Vocabulrio comum entre as sees de Jl 4,18-21 139

8.2. Tabela 2 Vocabulrio comum nas Jl 4,18-21 e o livro de Joel 139

8.3. Tabela 3 Lista expresses comuns no livro de Joel 141

8.4. Tabela 4 Eixos temporais de Jl 4,18-21 141

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Lista de siglas e abreviaes

1Cr Primeiro livro das Crnicas

1Rs Primeiro livro dos Reis

1Sm Primeiro livro de Samuel

2Cr Segundo livro das Crnicas

2Rs Segundo livro dos Reis

2Sm Segundo livro de Samuel

4QXIIc Terceiro manuscrito do rolo dos doze profetas proveniente da

quarta caverna de ibert Qumran.

a.C. antes de Cristo

Ab Abdias

Ag Ageu

Am Ams

AnBib Analecta Biblica

ATeo Atualidade Teolgica

BDB The New Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon

BH Bblia Hebraica

BHQ Biblia Hebraica Quinta.

BHQApp Biblia Hebraica Quinta. Aparato crtico

BHS Biblia Hebraica Stuttgartensia

BHSApp Biblia Hebraica Stuttgartensia. Aparato crtico.

c., cc. Captulo(s)

Cf. Conferir

Ct Cntico dos Cnticos

CTAT Critique Textuelle de LAncien Testament

DB Dicionrio Bblico

DBHP Dicieonrio Bblico Hebraico-Portugus

DBI Dictionary of Biblical Interpretation

DEB Dicionrio Enciclopdico da Bblia

DITAT Dicionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

DITNT Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento

Dn Daniel

DPB Diccionario del Profetismo Bblico

Dt Deuteronmio

DTB Dicionrio Teologia Bblica

Ecle Eclesiastes

ed. Editor(es)

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Esd Esdras

Ex xodo

Ez Ezequiel

f. Feminino

GELS A Greek-English Lexicon of the Septuagint

GHATIS Greek-Hebrew/Aramic two-way Index to the Septuagint

GK Gesenius Hebrew Grammar

Gn Gnesis

Hab Habacuc

HALOT The Hebrew e Aramaic Lexicon of the Old Testament

Is Isaas

ISBE International Standard Bible Encyclopedia

JBL Journal of Biblical Literature

JETS Journal for Evangelical Study of the Old Testament

Jl Joel

JM Joon-Muraoka

Jn Jonas

J J

Jr Jeremias

Js Josu

JSOT Journal for the Study of the Old Testament.

JIBS The Journal of Inductive Biblical Studies

Jz Juzes

L Cdice Lenigradensis

Lit. Literalmente

Lm Lamentaes

Lv Levtico

LXX Septuaginta

Ml Malaquias

Mq Miquias

Mss manuscritos hebraicos

Na Naum

NCBSJ Novo Comentrio Bblico So Jernimo

Ne Neemias

NIB The New Interpreters Bible

Nm Nmeros

NT Novo Testamento

NV Nova Vulgata

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ONS Orao nominal simples

org. Organizador(s)

Os Osias

p. Pgina

PCB Pontifcia Comisso Bblica

Pr Provrbios

RIBLA Revista de Interpretao Bblica Latino-Americana

sg. Singular

Sl Salmos

SOTER Sociedade de Teologia e Cincias da Religio

Tb Tobias

TDOT Theological Dictionary of the Old Testament

TLOT Theological Lexicon of the Old Testament

TM Texto Massortico

v. / vv. Versculo(s)

vol. Volume

VT Vetus Testamentum

VTB Vocabulrio de Teologia Bblica

Zc Zacarias

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1 Introduo

Nos ltimos anos, os estudos exegticos voltaram-se com grande interesse

para o Livro dos Doze Profetas. Neste sentido, aponta-se para a importncia do livro

de Joel no processo de redao e finalizao desse complexo corpus literrio1.

A presente pesquisa, cujo tema A restaurao de Jud-Jerusalm: anlise

exegtica de Jl 4,18-21, busca aprofundar a mensagem e teologia do livro de Joel,

atravs da anlise exegtica de Jl 4,18-21, identificando a ideia da ao salvfica e

restauradora de YHWH, voltada para Jud-Jerusalm.

Uma concepo unitria da obra, admitindo a coeso literria do texto final,

permite reconhecer a relevncia do ltimo poema e de sua unidade literria.

Na profecia conclusiva, sintetiza-se a mensagem transmitida pelo conjunto da

obra e apresenta a palavra definitiva de YHWH em discurso direto (cf. Jl 4,21),

finalizando, como clmax lgico, a argumentao desenvolvida no escrito inteiro.

Portanto, reconhecer e descrever a restaurao de Jud-Jerusalm em Jl 4,18-

21, na forma em que foi concebida e compreendida como o resultado esperado na

dinmica do livro, pode contribuir na interpretao da mensagem, oferecendo uma

importante chave interpretativa.

O objeto material da pesquisa o texto bblico de Jl 4,18-21, considerado em

suas dimenses literrias e lingusticas, analisado em sua forma final2 e cannica3,

conforme se encontra apresentado no Cdice Lenigradensis (L) atravs da Bblia

Hebraica Quinta Editione (BHQ).

No segundo captulo, tem incio o desdobramento do objeto formal, isto , o

horizonte temtico da restaurao de Jud-Jerusalm na BH, delimitando a

terminologia empregada, a saber, o conceito de restaurao e sua relao com

Jud e Jerusalm/Sio. Assim, possvel identificar a maneira pela qual o

profeta em Jl 4,18-21 apropriou-se do campo conceitual disponvel em sua cultura

para anunciar uma mensagem de restaurao aos seus contemporneos. Apesar da

1 Cf. M. L. C. LIMA, Doze Profetas ou livro dos Doze, 194-195. 2 Segundo A. A. Fischer (O texto do Antigo Testamento, 154-158. 165), compreende-se por texto final aquela

forma textual finalizada que um livro bblico ou um grupo de livros bblicos recebeu atravs da redao final

ou definitiva, passando a ser, por meio de edio, o material que seria transmitido ao longo da histria do texto. 3 Compreende-se por forma cannica a forma que o texto teria alcanado, no apenas como livro individual,

mas, no conjunto do cnone concludo da BH. O cnone deve ser concebido como um todo bem elaborado,

cuja unidade est assegurada pela ordem cannica dos livros e a atividade redacional (cf. A. A. FISCHER, O

texto do Antigo Testamento, 154).

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ausncia do termo restaurao em Jl 4,18-21, esse conceito pode ser depreendido

como pano de fundo da descrio feita nessa unidade textual e tambm, do contexto

geral do livro de Joel. Alm disso, o tema A restaurao de Jud-Jerusalm

aparece formalmente indicado no livro de Joel atravs da promessa divina presente

em Jl 4,1: restaurarei a sorte de Jud e Jerusalm ( .4(

No terceiro captulo procura-se situar Jl 4,18-21 no contexto literrio do livro

de Joel, com o objetivo de identificar a contribuio da unidade textual estudada

para construo da mensagem geral do livro.

Em primeiro lugar, apresenta-se uma sntese das teses acerca do tema do ym

YHWH, expresso cujo significado influencia diretamente nas propostas de

estrutura geral do livro de Joel.

A anlise crtica das propostas de estrutura e delimitao geral visa

compreender de que modo a unidade Jl 4,18-21 contribui na interpretao de toda

a obra e como essa e suas subunidades contribuem na interpretao de Jl 4,18-21.

A grande diversidade de propostas reflete as distintas opes que influenciam nas

tendncias interpretativas do livro e sua relao com Jl 4,18-21 e o tema da

restaurao de Jud-Jerusalm. A apresentao dessas propostas no pretende ser

exaustiva, mas apontar para os possveis modelos de leitura e suas consequncias

para a interpretao de Jl 4,18-21.

Partindo das opes feitas, nesta pesquisa, seja em torno do conceito do ym

YHWH, seja da estrutura geral do livro de Joel, descrevem-se os contextos geral e

prximo de Jl 4,18-21, identificando as linhas temticas e teolgicas mais

relevantes e avaliando suas relaes com a unidade textual estudada.

O quarto captulo apresenta a anlise exegtica proposta nesta pesquisa, a qual

compreende as seguintes etapas do Mtodo Histrico-Crtico: (1) traduo, crtica

textual e filologia; (2) delimitao e verificao da unidade; (3) identificao e

descrio da organizao da unidade textual (suas sees, subsees e as relaes

estabelecidas entre elas e de cada uma com o texto em seu conjunto) visando

delinear sua estrutura literria; e, finalmente, (4) classificao de seu gnero

literrio.

O estudo cientfico de escritos antigos exige uma metodologia diacrnica,

pois estes abarcam a influncia do processo histrico de produo de um texto sobre

seu sentido5. Assim, a procura por uma aproximao mais objetiva possvel da

4 Os termos Jerusalm e Sio aparecem em Jl 4,18-21 em paralelo sinonmico. Por isso, optou-se por

manter o tema da pesquisa A restaurao de Jud-Jerusalm e no A restaurao de Jud-Jerusalm-Sio.

Desse modo acentua-se a ligao entre Jl 4,18-21 e o tema da restaurao de Jud-Jerusalm que aparece

formalmente indicado em Jl 4,1, ambos formando uma incluso em Jl 4. 5 Cf. PCB, IBI, I, A, 2, 40; H. SIMIAN-YOFRE, Metodologia do Antigo Testamento, 74.

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inteno original torna indispensvel o emprego dos passos do Mtodo Histrico-

Crtico, completando a abordagem histrica com uma leitura sincrnica6.

No quinto captulo apresentado um quadro geral das tendncias

interpretativas de Jl 4,18-21 e um comentrio exegtico como proposta alternativa

de interpretao.

As tendncias interpretativas esto sintetizadas e classificadas em grupos de

modo que se permita com mais objetividade confront-las e avaliar suas

contribuies. A grande diversidade de propostas exige que apresentao das

tendncias interpretativas seja seletiva, indicando apenas as mais relevantes. O

critrio empregado, em sua classificao, no cronolgico, mas temtico e

argumentativo.

Aps esse quadro geral, apresenta-se, sob a forma de comentrio, uma

proposta interpretativa alternativa de Jl 4,18-21 e dos principais temas

desenvolvidos nessa unidade textual, tendo como referncia a estrutura encontrada

na anlise exegtica.

6 De acordo com a PCB (IBI, I, A, 4, 45. B, 46.) o emprego de metodologias diacrnicas indispensvel para

distinguir o dinamismo histrico, rico e complexo da Bblia. No entanto, no pretende ser suficiente na

abordagem integral do texto final. Portanto legtimo incluir ao estudo diacrnico uma anlise sincrnica

acentuando o estudo da forma e contedo do texto final.

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2 Horizonte temtico

Em Jl 4,18-21, descreve-se a estabilidade plena em que habitaro os

sobreviventes reunidos junto a YHWH em Jud-Jerusalm: em uma terra

extraordinariamente frtil (cf. Jl 4,18), definitivamente livre dos opressores naturais

e humanos (cf. Jl 4,19), habitao estvel e pacfica (cf. Jl 4,20-21), tendo a

presena de YHWH como a fonte e garantia de todas essas bnos (cf. Jl 4,18.21).

A era paradisaca visualizada pelo profeta contrasta radicalmente com a

realidade experienciada pelos destinatrios da profecia. Sua mensagem

comunicada em meio a catstrofes agrcolas que devastam a terra e fazem pairar

uma ameaa de morte sobre a populao, suas plantaes e rebanhos (cf. Jl 1,18),

sobre a vida urbana, rural e silvestre (cf. Jl 1,20) e finalmente sobre a vida litrgica

em um templo com o culto comprometido (cf. Jl 1,9).

A situao agrcola nefasta agrava, ainda mais, o peso da opresso poltica e

religiosa vivida pelos destinatrios do profeta. O texto parece pressupor uma

populao reduzida e esgotada, vtima de deportao e disperso (cf. Jl 4,2), do

comrcio infantil (cf. Jl 4,3), do trfico de escravos (cf. Jl 4,6); da desapropriao

da terra (cf. Jl 4,2), da apreenso dos bens sagrados do templo (cf. Jl 4,5) e da

zombaria religiosa estrangeira (cf. Jl 2,17).

O tom imperativo, predominante na primeira parte (cf. Jl 1,42,18), sugere

destinatrios paralisados e adormecidos por causa do sofrimento causado por essas

catstrofes 7 . A eles dirigido um anncio de esperana na salvao plena e

definitiva que ser realizada por YHWH em seu . Desse modo, o profeta se 8

coloca na corrente da tradio proftica que anuncia palavras de salvao com uma

mensagem de restaurao para Jud-Jerusalm9.

A constatao do horizonte temtico da restaurao, presente em diversos

escritos da BH, solicita um esclarecimento sobre seus caracteres gerais e possveis

variantes, procurando identificar o modo como o profeta dele se apropriou e como

se posicionou diante dessas diversas tradies em Jl 4,18-21.

7 Cf. o despertai: Jl 1,5. G. BERNINI, Sofonia, Giole, Abdia, Giona, 108. 8 O termo traduz-se lit. por dia. Seu emprego na literatura proftica, seja isolado, seja compondo a

expresso lit. dia de YHWH (cf. Jl 1,15; 2,1.11; 3,4; 4,14), e outras semelhantes, denso de ,significado teolgico, especialmente na estruturao da mensagem do livro de Joel. A partir desse ponto sero

transliterados o termo ym e a expresso ym YHWH. 9 H divergncia de opinies entre estudiosos acerca da articulao dos temas do ym YHWH, do juzo e da

restaurao de Jud-Jerusalm no livro de Joel. As principais teses a respeito da relao entre a expresso ym

YHWH e o contexto literrio, bem como a opo assumida nesta dissertao, podem ser encontradas no c. 3.1.

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18

2.1 Aspectos conceituais e terminolgicos

A restaurao de Jud-Jerusalm parte do contedo dos textos salvficos da

BH. Existe um vocabulrio que aponta para o horizonte temtico da salvao10. Em

Jl 3,5 ocorrem o verbo colocar a salvo) e o substantivo) .(escape)

Os textos salvficos, porm, no esto limitados a um vocabulrio especfico.

Os profetas anunciaram e descreveram a salvao, realizada por YHWH, utilizando

o vocabulrio disponvel em seu tempo e recorrendo aos temas e motivos

disponveis nas tradies de Israel, dentre elas, as tradies do xodo, da criao,

da posse da terra, de Sio ou das guerras de YHWH11.

No livro de Joel, parte-se desse amplo contedo para se descrever a salvao

fsica e espiritual de Jud-Jerusalm. No interior desse campo conceitual de

salvao, existe um vocabulrio referente ao tema da restaurao cujo sentido se

pretende delimitar, assim como sua relao com o objeto da ao restauradora:

Jud e Jerusalm.

2.2

Restaurao

a) O hebraico bblico no possui uma palavra especfica para expressar a ideia

de restaurao. Essa est compreendida em diversos termos, como o substantivo

(cf. Ne 4,1), os verbos (cf. 2Rs 8,1), (cf. Is 38,16), (cf. Jl 2,25)

e, sobretudo o verbo (cf. Jl 4,1) e seus derivados12.

O substantivo indica a restaurao da sade, a cicatrizao adequada

de uma ferida pelo crescimento da carne sadia (cf. Is 58,8). Esse sentido aplicado

de modo figurado cura ou restaurao de Israel (cf. Is 58,8), recomposio do

templo (cf. 2Cr 24,13) e dos muros de Jerusalm (cf. Ne 4,1)13.

O verbo , no hifil, tambm empregado para indicar a restaurao como

recuperao da sade gravemente ameaada por uma doena, fazer reviver (cf. Is

38,16), e a recuperao da vida fazendo voltar a viver aquele que estava morto

10 Cf. M. L. C. LIMA (Mensageiros de Deus, 138) relacionou as principais razes: (livrar), (escapar), (colocar a salvo), (recuperar, redimir), (resgatar) e, sobretudo (salvar). 11 Cf. M. L. C. LIMA, Mensageiros de Deus, 139; Exegese Bblica, 149-150. 12 Cf. T. F. JOHNSON, Restore, ISBE, E-J, 144-145. 13 Cf. L. ALONSO SCHKEL, ;DBHP, 75 ,BDB, 74; V. P. HAMILTON , ,DITAT 120.

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19

(cf. 2Rs 8,1.5)14. Em paralelo com empregado o verbo no hifil, indicando ,

a restaurao da sade (cf. Is 38,16)15.

O verbo no piel, possui dois grupos de significados bsicos , 16 . No

primeiro, restaurar significa manter ou conservar o templo (cf. 1Rs 9,25) e

tambm reconstruir a casa do justo (cf. J 8,6). No segundo, significa restituir,

devolver posses (cf. Ex 22,4) e, tendo Deus por sujeito ( , ), retribuir

as aes, punindo os mpios (cf. Dt 7,10; 32,41) e indenizando os injustiados pelos

danos sofridos (cf. Is 57,18; 59,18; Jl 2,25).

O verbo possui um sentido bsico espacial de movimento de retorno.

Esse sentido possibilitou um amplo emprego semntico do verbo: voltar,

repetio, mudana de estado fsico, situao ou atitude17. Sobretudo na literatura

proftica, indica converso e arrependimento em textos relacionados aliana

com YHWH18.

A dinmica de reverso faz do verbo e seus derivados ( a ( ,

melhor expresso da BH para a ideia de restaurao com todos os campos

semnticos mencionados anteriormente. Alm disso, empregado tambm o

sentido de restaurao do povo como retorno do exlio, supondo simultaneamente

o retorno para aliana de YHWH e abandono do pecado (cf. Is 10,22; Jr 22,10; Ne

7,6)19.

b) A obra de restaurao realizada por YHWH especialmente sinalizada

com uma expresso idiomtica empregando o verbo , no qal (Am 9,14) ou hifil

(cf. Jl 4,1), e tendo por objeto direto termos derivados da mesma raiz. A estrutura

basicamente: (a) + (b) + (c) + (d) nome (com

variantes)20. Essa construo sinttica, com variaes, ocorre cerca de 27 vezes na

BH e serve de indicador formal da restaurao divina21.

14 Cf. L. ALONSO SCHKEL, ,DBHP, 214-215; E. B. SMICK .DITAT, 455 15 Cf. L. ALONSO SCHKEL, ,DBHP, 225; R. D. CULVER .DITAT, 472 16 Cf. L. ALONSO SCHKEL, .DBHP, 675-676 17 Cf. L. ALONSO SCHKEL DBHP, 660; SOGGIN, J. A., , TLOT, 1632; W. L. HOLLADAY, The Root S in the Old Testament, 53. 18 O emprego do verbo com sentido teolgico de converso de grande importncia para a BH, principalmente para a literatura proftica e as historiografias deuteronomista e cronista (cf. J. A. SOGGIN,

TLOT, 1632). Por razes de delimitao do tema, esta pesquisa se concentrar no sentido de restaurao ,

presente na expresso de Jl 4,1 (cf. c. 2 a. 2) e de retribuio presente no hifil em Jl 4,4.7 (cf.

c. 2 a. 3). Para um aprofundamento no sentido de converso cf. V. P. HAMILTON, , DITAT, 1532-1533; W. L. HOLLADAY, The Root S in the Old Testament, 116-157; M. L. C. LIMA, Salvao entre juzo,

converso e graa, 182-202. 19 Cf. T. F. JOHNSON, Restore, ISBE, E-J, 144-145; V. P. HAMILTON, , DITAT, 1533. 20 Cf. L. ALONSO SCHKEL, DBHP, 661. 21 Cf. Dt 30,3; Jr 29,14; 30,3.18; 31,23; 32,44; 33,7.11.26; 48,47; 49,6.39; Ez 16,53; 29,14; 39,25; Os 6,11; Jl

4,1; Am 9,14; Sf 2,7; 3,20; Sl 14,7; 53,7; 85,2; 126,1.4; J 42,10; Lm 2,14. (cf. J. A. SOGGIN, , TLOT, 1630-1636).

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20

A identificao e o significado do objeto direto tm sido debatidos entre os

estudiosos 22 . A maioria concorda em distinguir os substantivos sorte,

situao23 de cativeiro24. No entanto, diversos textos parecem confundir

os dois termos25.

Alguns estudiosos solucionam a questo derivando da raiz (levar

cativo), traduzindo por mudar o cativeiro () ou em sentido tico-jurdico,

anular a pena. Em ambos os casos, a expresso indicaria a reverso do cativeiro

babilnico e, portanto, uma redao ps-exlica dos textos em que ela ocorre. A

maioria dos estudiosos, porm, aceita a derivao a partir do verbo , traduzindo

por mudar a sorte, situao (26(. A questo permanece aberta. A opo pelo

sentido mais amplo de restaurao da sorte parece ser a melhor, por abarcar mais

significado, incluindo o sentido de retorno do cativeiro, sem, no entanto, restringir-

se a ele27.

Assim, o significado dessa expresso idiomtica parece ser lit. restaurao

de algum. O complemento, seja da sorte (cf. Ez 39,25; Sf 3,20), seja do

cativeiro (cf. Jr 29,14; Ez 29,14), deveria ser estabelecido pelo contexto28. O

significado teolgico que Deus realizar uma restaurao salvfica em favor de

algum, mudando completamente sua situao (na direo oposta), revertendo seu

estado nefasto para uma situao benfica anterior 29 . O sentido salvfico est

pressuposto tambm nas poucas ocorrncias da expresso em textos que reforam

a culpabilidade e a condenao de Israel-Jud (cf. Ez 16,53; Os 6,11; Lm 2,14).

Essa restaurao ocorre principalmente como tema da mensagem proftica e

como objeto oracional de splicas e ao de graas. YHWH o nico agente desta

poderosa restaurao e os destinatrios so, na maioria das vezes, o povo eleito

22 Das 35 ocorrncias de ou na BH, exceto em Nm 21,29, todas fazem parte dessa expresso

idiomtica com o verbo . COHEN, G.C., , DITAT, 1509-1511. 23 Cf. Dt 30,3; Jr 30,3.18; 31,23; 32,44; 33,7(2x).11.26; 48,47; 49,6; Ez 29,14; Os 6,11; Jl 4,1; Am 9,14; Sf

3,20; Sl 14,7; 53,7; 85,2. 24 Ocorre isolado em Nm 21,29 e em composio com em Jr 49,39; Ez 16,53 (3x); 39,25; Sf 2,7 Lm 2,14. 25 Cf. Dt 30,3; Jr 29,14; 30,3.18; 31,23; 32,44; 33,7.11.26; 49,6.39; Ez 16,53; 29,14; Os 6,1; Jl 4,1; Am 9,14;

Sf 3,20; Sl 14,7; 53,7; 85,2; Lm 2,14, especialmente as formas (cf. Sf 2,7); (cf. Sl 126,4) e

(cf. J 42,10). Alm disso, a ocorrncia da expresso no Sl 126,1 foi considerada por muitos estudiosos

como um erro grfico (cf. L. ALONSO SCHKEL, DBHP, 654). 26 O primeiro grupo representado por E. Preuschen, o segundo por E. Baumann e o terceiro por W. L. Dietrich.

Uma anlise dessas teses pode ser encontrada em W. L. HOLLADAY, The Root S in the Old Testament,

110-114, J. M. BRACKE, sb sebt: A Reappraisal, 233-244, J. A. SOGGIN, , TLOT, 1630-1636. 27 M. Dahood (cf. Psalms III, 218), atestando a ocorrncia de uma expresso cognata na literatura aramaica do

sc. VIII a.C. (Inscrio de Sefira 3,24), considera que os termos e so acusativos derivados da raiz

de com sentido de restaurar. Para Dahood, o sentido da expresso idiomtica seria restaurar a sorte de, embora esta restaurao inclua na maioria das vezes o tema da restaurao do cativeiro. 28 Cf. J. L. CRENSHAW, Joel, 174; R. SIMKINS, Yahwehs Activity in History and Nature in the Book of Joel,

224. 29 Cf. V. P. HAMILTON, , DITAT, 1534.

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21

(Israel e Jud)30, mas tambm outras naes31. J 42,10 atesta um antigo emprego

da expresso para indicar a restaurao da sorte em nvel individual.

Alguns textos supem que a devastao a ser revertida consequncia do

pecado, seja como resultado das opes erradas do povo de Israel e de Jud

(especialmente seus dirigentes), seja como juzo punitivo ou castigo corretivo

infligido por YHWH. A relao, no entanto, complexa: Dt 30,2 e Jr 29,14 indicam

como condio para essa reverso um retorno arrependido de todo corao,

expresso na orao (cf. Jr 29,13)32.

O livro de J critica uma concepo excessivamente retribucionista do

sofrimento que poderia derivar do raciocnio anterior: se o pecado castigado com

adversidades, o justo receber a prosperidade como prmio e assim, todo fracasso

teria sua origem em um pecado cometido anteriormente33.

Sem negar que a prosperidade seja um dom de Deus, questiona-se no livro de

J, atravs da experincia de um homem justo devastado por desgraas, que a

adversidade recaia somente sobre o mpio. A ausncia de prosperidade poderia

indicar o pecado, mas tambm poderia comprovar a virtude 34.

Em J 42 a converso no se refere a um pecado explcito, mas pelo

reconhecimento da insensatez da criatura diante do Criador, confessando que seus

planos so incompreensveis35 . A restaurao de J acontece aps exercer um

sacrifcio em intercesso por seus amigos, para o qual foi qualificado pelos

sofrimentos (cf. J 42,7-10)36.

Entre os efeitos da restaurao esto reunio do povo disperso (cf. Dt 30,3-

4; Jr 29, 14); a reintroduo na terra e a multiplicao populacional (cf. Dt 30, 5), a

prosperidade agrcola e pastoril (cf. Dt 30,9), a reverso do juzo sobre as naes

perseguidoras e opressoras (cf. Dt 30,7). Os salmos falam de afastamento da ira de

YHWH (cf. Sl 85,4), perdo dos pecados (cf. Sl 85,3) em um contexto de exultao

e alegria (cf. Sl 14,7; 53,7; 126,1)37.

30 Segundo L. Alonso Schkel e J. L. Sicre Diaz (Profetas I, 572), seria primeiramente Israel, isto , os

habitantes do Reino do Norte deportados aps a queda de Samaria diante da Assria e mais tarde tambm Jud,

isto , os habitantes do Reino do Sul deportados aps a queda de Jerusalm diante da Babilnia. 31 No contexto de orculos de juzo contra as naes tambm ocorrem anuncio de restaurao dirigido Moab

(cf. Jr 48,47); Amon (cf. Jr 49,6); Elam (cf. Jr 49,39) e ao Egito (cf. Ez 29,14). Ez 16,53 anuncia a restaurao

da sorte de Sodoma e Samaria em um orculo contra Jerusalm. 32 Cf. J. M. BRACKE, sb sebt: A Reappraisal, 233-244. 33 Cf. J. L. MCKENZIE, J, DB, 487. 34 Cf. R. A. F. MACKENZIE, R. E. MURPHY, J, NCBSJ, 965. 35 Cf. L. A. FERNANDES, O Anncio do Dia do Senhor, 78-79. 36 Cf. R. A. F. MACKENZIE, R. E. MURPHY, J, NCBSJ, 964-965. 37 Cf. G. C. COHEN, .DITAT, 1510 ,

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22

Em muitos textos, a restaurao se identifica com a reverso do cativeiro, sem

se restringir a ele38. No entanto, apontam para esperanas futuras que se ampliaro

nos ltimos textos em uma escatologia da restaurao39. Assim, a expresso

pode ser considerada uma expresso tcnica para indicar a restaurao

escatolgica da nao pelo restabelecimento de seu estado de glria primitiva40.

c) O vocabulrio de restaurao est presente no livro de Joel atravs dos

verbos e . O verbo ocorre 7 vezes em Joel (cf. Jl 2,12.13.14; 4,1.2.4.7).

H uma convocao converso feita por YHWH (cf. Jl 2,12) e pelo profeta (cf. Jl

2,13), visando motivar um movimento de retorno dos destinatrios para Deus, na

expectativa de que haja tambm um retorno de Deus para seu povo comunicando-

lhe sua bno (cf. Jl 2,14).

Em Jl 4,1, a maioria dos estudiosos concorda em interpretar a expresso

.como restaurao da sorte de Jud e Jerusalm41

Indica formalmente Jud e Jerusalm como objeto da interveno restauradora

realizada por YHWH. As naes opressoras, porm, recebero o justo retorno de

seus atos, isto , recair sobre elas o mesmo tratamento que infligiram aos filhos de

Jud e Jerusalm (cf. Jl 4,4.7)42.

Em Jl 2,25, YHWH promete restituir ou compensar ( ) os anos sofridos

com as pragas de gafanhotos43. Jl 2,25 forma uma incluso com Jl 1,4 e poderia

estar indicando a resposta de YHWH ao problema inicial e um primeiro nvel da

restaurao pretendida por YHWH. Em Jl 4,4, h uma pergunta retrica de YHWH

dirigida a Tiro e Sidnia e a todas as regies da Filistia sobre a compensao ou

vingana que desejam impor sobre YHWH.

Dentro do contexto amplo da restaurao indicada pela frmula em Jl 4,1,

o emprego dos verbos e aplicado a Jud-Jerusalm e sua relao com as

outras naes parece sinalizar para a ideia de que a restaurao pretendida por

YHWH expressa pelo profeta como restaurao da justia, punindo os rus

culpados e compensando as vtimas pelas injustias sofridas.

38 Cf. M. DAHOOD, Psalms III, 218; M. U. UDOEKPO, Re-thinking the Day of YHWH and Restoration of

Fortunes in the Prophet Zephaniah, 188-190. 39 Cf. J. A. SOGGIN, , TLOT, 1632. Para a compreenso do conceito de escatologia adotado nesta dissertao cf. c. 4.3.3.d e notas. Uma sntese das teses em torno do conceito de escatologia e sua avaliao

pode ser encontrada em M. L. C. LIMA, Salvao entre juzo, converso e graa, 15-63. 40 Cf. W. L. HOLLADAY, The Root S in the Old Testament, 113. Acerca do tema da restaurao

escatolgica cf. c. 4.3.3.d e notas. 41 Cf. H. W. WOLFF, Joel and Amos, 76; J. L. CRENSHAW, Joel, 174.177; R. B. DILLARD, Joel, 299-

300. Outras propostas so mudar o destino (cf. L. ALONSO SCHKEL, J. L. SICRE DIAZ, Profetas II,

976; L. C. ALLEN, The Books of Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 108) ou restabelecer (cf. G. BERNINI,

Sofonia, Giole, Abdia, Giona, 177). 42 Cf. L. ALONSO SCHKEL DBHP, 660-663. 43 Cf. L. ALONSO SCHKEL, .DBHP, 675-676

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23

2.3

Jud e Filhos de Jud

No livro de Joel ocorrem 3 vezes o nome Jud (cf. Jl 4,1.18.20) e 3 vezes a

expresso tnica filhos de Jud (cf. Jl 4,6.8.19).

a. 1) Jud ( . um nome pessoal, tnico e geogrfico frequente na BH44 (

Sua origem etimolgica incerta. O livro do Genesis explica seu significado

relacionando-o com o hifil de reconhecer as qualidades, louvar)45. Lia)

louva YHWH pelo nascimento de seu quarto filho (cf. Gn 29,35) e Jud ser

elogiado pelos seus irmos por sua habilidade e fora blica (cf. Gn 49,8-9)46.

Para o livro do Genesis, Jud o nome pessoal de um dos doze filhos de Jac,

seu quarto filho com Lia (cf. Gn 29,35; 33,25). Apesar de ser um personagem

secundrio nas narrativas patriarcais, Jud recebe, na bno de Jac, promessas de

supremacia sobre as demais tribos (cf. Gn 49,8-10) com esperanas messinicas e

escatolgicas (cf. Gn 49,11-12)47.

A Tribo de Jud, formada por seus descendentes (cf. Gn 49,8-10; Ex 35,30),

se estabeleceu na regio sul da Palestina, na parte que lhe coube na diviso da terra

eleita (cf. Js 15,20-62)48. Com Davi, a Tribo assumiu a liderana sobre as demais

tribos, acolhendo o centro religioso e poltico da monarquia unida de Israel em

Jerusalm e recebendo promessas de perpetuidade (cf. 2Sm 7,8-16)49.

Desse modo, Jud o antepassado que conecta seus descendentes eleio e

promessa feita aos patriarcas Abrao, Isaac e Jac. Por meio de Jud, a Tribo de

seus descendentes faz parte do povo eleito de Israel e compartilha com as outras

tribos as bnos, compromissos e maldies estabelecidas por YHWH na aliana

do Sinai50.

44 O substantivo ocorre cerca de 814 vezes (Lisowsky-Rost) ou 805 (Mandelkern). A mesma raiz ocorre

76 vezes o tnico e 6 vezes seu feminino . Em aramaico, ocorre 7 vezes e 10 vezes . A

locuo .filhos de Jud) parece ser relativamente antiga e ocorre cerca de 53 vezes (cf. H. J)

ZOBEL, TDOT, 482. 489; P. R. GILCHRIST, DITAT, 602; L. ALONSO SCHKEL,

,1 .(DBHP, 746 245 Cf. C. WESTERMANN, ;TLOT, 661 , .BDB, 392; R. E. MURPHY, Genesis, NCBSJ, 125-126 ,46 Cf. J. L. MCKENZIE, Jud, DB, 512; R. E. MURPHY, Genesis, NCBSJ, 125-126. 47 Cf. J. NELLIS, Escatologia, DEB, 466. 48 Uma teoria aceita por muitos estudiosos (cf. H. J. ZOBEL, ,TDOT, 482-489; J. L. MCKENZIE Jud, DB, 512) que a tribo de Jud poderia ter se apropriado do nome da regio em que habitava:

uma cadeia montanhosa ao sul de Jerusalm conhecida como montanhas de Jud (cf. Js 11,21; 20,7;

21,11; 2Cr 27,4). 49 Cf. L. A. FERNANDES, 2Sm 7,1-17: O projeto de Davi confronta-se com o projeto de Deus, 1450. 50 A comunidade ps-exlica era formada, sobretudo, por judatas (cf. R. KESSLER, Histria social do antigo

Israel, 161-162).

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24

No contexto das narrativas da vida de Jud at a diviso do Reino, a locuo

(filhos de Jud), pode indicar lit. os filhos do patriarca (cf. Gn 46,12)

ou, em sentido tnico, os membros de sua tribo (cf. Nm 1,26; Js 15,12-13; Jz 1,16).

Para o sentido tnico existe ainda o sinnimo (judata, cf. 1Cr 4,18)51.

Assim, o nome Jud compreende um sentido que abarca tanto o territrio de Jud

(topnimo) como a populao que nele habita (tnico).

a. 2) Aps a diviso poltica em dois reinos, o termo Jud passou a designar

o Reino do Sul (cf. Jr 23,6; Sl 114,2; Is 19,17; 1Rs 12,17), adquirindo um sentido

poltico. Os termos filhos de Jud (cf. 2Cr 13,18) e judatas (cf. 2Rs 25,25)

passaram a designar os sditos do reino do sul, distinguindo-os dos filhos de

Israel, sditos do reino do norte52.

Mesmo dirigindo a palavra ora aos filhos de Israel, ora aos filhos de Jud,

os profetas esforavam-se para manter a noo de um nico povo eleito, impedindo

o distanciamento total (cf. Is 5,7; Jr 32,30. 32; Os 1,11)53.

A queda do Reino do Norte, em 721 a. C, diante de Sargon II e a poltica de

deportao realizada pela Assria, com permuta de povos (cf. 2Rs 17,1-6.24),

destruram Israel enquanto Estado e impediram a organizao coletiva dos

exilados54. O ttulo Israel e as tradies prprias do Norte foram acolhidos e

assumidos no Reino do Sul55.

Jerusalm, porm, caiu em 587/586 a.C. diante de Nabucodonosor. O exlio

babilnico, no entanto, permitiu aos deportados se organizarem em comunidades e

reelaborarem, luz das palavras dos profetas, o caminho que levou os reinos do

Norte e do Sul destruio. Assim, poderiam aguardar o fim do exlio, com o

retorno dos exilados e a restaurao de Jud-Jerusalm56.

b. 3) O edito de Ciro (538 a.C.) permitiu o retorno dos judeus para seu

territrio. No se pode afirmar com certeza o nmero de exilados que retornaram

para Jerusalm, mas provavelmente foi um retorno lento e difcil com vrias levas

de pequenos grupos57. Diante das dificuldades para o retorno e da estabilidade

51 Cf. L. ALONSO SCHKEL, DBHP, 746; H. J. ZOBEL, .TDOT, 489 52 Cf. H. J. ZOBEL, .TDOT, 496 53 Cf. P. R. GILCHRIST, DITAT, 602; C. WESTERMANN, Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento, 146. 54 Cf. H. DONNER, Histria de Israel e dos Povos Vizinhos II, 361-362.437. 55 Cf. R. KESSLER, Histria social do antigo Israel, 161-162; R. B. DILLARD, Joel, 299; H. J. ZOBEL,

TDOT, 496; J. L. MCKENZIE, Judeu, DB, 515. 56 Cf. R. KESSLER, Histria social do antigo Israel, 162-165; H. DONNER, Histria de Israel e dos Povos

Vizinhos II, 437; A. M. DOS SANTOS, A sublimidade de Sio em JI 4,15-17, 20-21. 57 Cf. H. DONNER, Histria de Israel e dos Povos Vizinhos II, 465. 487-488.

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25

adquirida, alguns exilados preferiram permanecer em Babilnia, formando-se dois

grupos: os repatriados e os da dispora58.

Nesse contexto, o nome Jud passou a indicar a comunidade formada pelos

remanescentes que permaneceram na terra e os repatriados de diversas tribos,

sobretudo judatas59. Do ponto de vista poltico, sob Neemias (445 a.C.), Jud

passou a ser uma pequena provncia Persa, separada da Samaria, reduzida cidade

de Jerusalm e seu entorno (cf. Ag 1,14; 2,2; Ne 5,14)60. Do ponto de vista religioso,

houve o reconhecimento jurdico da religio judaica entre as religies do imprio

persa (cerca 398 a.C.)61. Assim, judeu e filho de Jud passam a indicar um

cidado da provncia de Jud (cf. Ne 2,16; 3,3; 13,16), mas tambm todos os

membros da comunidade religiosa judaica, incluindo a dispora (cf. Zc 8,23; Dn

1,6)62.

Desse modo, os termos Jud e filhos de Jud recebem significados

distintos, dependendo do perodo em que for datada a mensagem do livro de Joel.

No entanto, pode-se reconhecer o desenvolvimento de um significado teolgico do

nome Jud que caracteriza (atravs do patriarca e da tribo que recebe seu nome)

o povo de Jud e seu territrio como partes do povo eleito e da terra eleita. Aps a

destruio do Reino do Norte, este significado parece ter se ampliado em alguns

textos, de maneira que Jud passou a designar o povo eleito e a terra eleita em

sua totalidade.

Assim, no livro de Joel, o nome Jud (cf. Jl 4,1.18.20) parece ter um sentido

intercambivel entre o territrio e a populao, ambos identificados como terra

eleita e povo eleito63. A expresso tnica filhos de Jud (cf. Jl 4,6. 8. 19)64, por

sua vez, designa os membros do povo eleito escravizados (cf. Jl 4,6) ou mortos

injustamente (cf. Jl 4,19).

58 Cf. G. W. E. NICKELSBURG, Literatura Judaica, entre a Bblia e a Mixn, 44-50. 59 Cf. R. KESSLER, Histria social do antigo Israel, 161-162. 60 Cf. H. DONNER, Histria de Israel e dos Povos Vizinhos II, 476-483; J. L. MCKENZIE, Judeu, DB,

515. 61 Cf. H. J. ZOBEL, .TDOT, 499 ,62 Cf. R. KESSLER, Histria social do antigo Israel, 211-213. 63 Cf. R. B. DILLARD, Joel, 299-300. 64 Cf. J. KHLEWEIN, TLOT, 344.

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26

2.4

Jerusalm e Sio

No livro de Joel ocorrem 6 vezes o nome Jerusalm (cf. Jl 3,5; 4,1.6.16-17.20)

e 7 vezes o nome Sio (cf. Jl 2,1.15.23; 3,5; 4,16-17.21).

a) Jerusalm ( o nome da cidade canaanita, escolhida por Davi 65(

para ser a capital do reino e o centro religioso da f do povo eleito. Os estudos

arqueolgicos demonstraram sua longa trajetria histrica (3000-2000 a.C.). O

significado etimolgico poderia ser fundao do deus Shalem e parece indicar

um nome pr-israelita66.

b) O termo Sio () possui uma etimologia incerta e provavelmente

tambm pr-israelita67. Na literatura bblica, principalmente na poesia, os termos

Jerusalm e Sio so empregados em paralelo e parecem no indicar locais

diferentes68.

provvel que Sio se referisse ao cume da colina sudeste de Jerusalm

chamado fortaleza de Sio (cf. 2Sm 5,7) por ser seu ponto mais inacessvel69.

Primeiramente foi habitado por jebuseus (cf. 2Sm 5,6-9). Quando foi tomado por

Davi passou a ser conhecido como cidade de Davi70. Salomo construiu o templo

ao norte da cidade. Progressivamente seu significado foi expandido como referncia

a toda cidade71 e, de forma especial Sio passou a designar Jerusalm como

cidade de YHWH e o templo como sua morada (cf. Sl 2,6; 110,2)72.

Tambm o nome Jerusalm adquiriu um significado amplo. Como capital

do reino unido de Israel, e mais tarde de Jud, passou a ser smbolo do povo, de

forma que difcil distinguir Jerusalm e Sio enquanto territrios ou

Jerusalm como designao do povo de Israel ou Estado de Jud73. Tambm Sio

foi empregado como sinnimo de Jud (cf. Jr 14,19; Sl 69,36).

65 Jerusalm ocorre cerca de 660 vezes sob as formas , , , e .66 Cf. R. TSEVAT, .TDOT, 348 ,67 Sio () ocorre cerca de 154 vezes (cf. R. TSEVAT, ,TDOT, 348) ou 152 vezes (M. OTTO ,

TDOT, 344) (cf. J. NELLIS, Sio, DEB, 1432-1433); A. M. DOS SANTOS, A sublimidade de Sio ,em JI 4,15-17, 18. 68 Cf. R. TSEVAT, .TDOT, 348 ,69 Cf. J. NELLIS, Sio, DEB, 1432-1433; F. STOLZ, , TLOT, 1343. J. A. SOGGIN, , TLOT, 1630-1636. 70 Cf. J. NELLIS, Sio, DEB, 1432-1433; F. STOLZ, , TLOT, 1343; J. A. SOGGIN, , TLOT, 1630-1636. 71 Cf. R. TSEVAT, .TDOT, 349 ,72 Cf. F. STOLZ, , TLOT, 1344. 73 Cf. R. TSEVAT, .TDOT, 348 ,

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27

c) A importncia de Jerusalm para a histria do antigo Israel remonta a Davi.

No incio de seu reinado sobre Israel, conquistou o forte de jebuseus (cf. 2Sm 5,6-

9) e o estabeleceu como capital da monarquia unida. Davi havia recentemente

reinado sobre Jud em Hebron (cf. 2Sm 2,1-4), quando foi coroado como rei de

todo o Israel (cf. 2Sm 5,1-5) e decidiu estabelecer a residncia real em Jerusalm.

Quando Davi transportou para Jerusalm a Arca da Aliana (smbolo comum

das doze tribos) e levantou uma tenda para abrig-la (cf. 2Sm 6,17), a cidade passou

a ser o santurio central das tribos de Israel, centro religioso da f israelita74. O

carter sagrado da cidade adquiriu estabilidade com a deciso de Davi de construir

um templo para YHWH (cf. 2Sm 7,1-3)75. O projeto foi executado por seu filho

Salomo (cf. 1Rs 68). Quando o templo foi concludo, a arca foi nele entronizada

(cf. 1Rs 8,4). Assim, o significado da arca passou progressivamente para o templo76.

Embora no se deva relativizar o peso das decises e iniciativas polticas e

administrativas de Davi77, o carter sagrado de Jerusalm foi estabelecido pela

confirmao proftica (cf. 2Sm 7,5-7; 1Cr 17,3-7)78. Desse modo, o antigo Israel

chegou conscincia de que Jerusalm foi escolhida e fundada por YHWH para

estabelecer nela seu templo e fazer habitar seu Nome (cf. Dt 12,11; 1Rs 11,13; 2Rs

21,4), confirmando simultaneamente a dinastia davdica com promessas de

perpetuidade (cf. 2Sm 7,8-16). Jerusalm se tornou a cidade santa sobre a montanha

santa (cf. Sl 46,5; Jl 4,17).

Jerusalm assumiu um carter de centro poltico de Israel enquanto Estado,

onde o rei, ungido por YHWH, deveria estabelecer a justia e centro religioso das

doze tribos de Israel enquanto povo da aliana, para onde elas deveriam subir e

oferecer sacrifcios presididos pelos sacerdotes para o louvor de YHWH (cf. Sl

122,4)79.

O significado sagrado e central de Jerusalm, em fase germinal, se

desenvolveu por meio da interveno proftica e de reformas religiosas

desenvolvidas pelos reis Ezequias (cf. 2Rs 18,1-20) e Josias (cf. 2Rs 2223) at

formar uma teologia de Jerusalm como nico lugar legtimo do culto litrgico.

Progressivamente, originaram-se e desenvolveram-se as tradies de Sio: o

tema da eleio de Jerusalm como lugar em que YHWH habita e a eleio da

74 Cf. J. L. MCKENZIE, Arca da Aliana, DB, 70; L. A. FERNANDES, 2Sm 7,1-17: O projeto de Davi

confronta-se com o projeto de Deus, 1441. 1443-1444. 75 Cf. L. A. FERNANDES, 2Sm 7,1-17: O projeto de Davi confronta-se com o projeto de Deus, 1450; R. DE

VAUX, Instituies de Israel no Antigo Testamento, 370-372. 76 Cf. R. TSEVAT, .TDOT, 350; A. M. DOS SANTOS, A sublimidade de Sio em JI 4,15-17, 20 ,77 O lugar era estratgico por estar em um territrio natural militarmente privilegiado e politicamente neutro

em relao s tribos de Israel (Cf. J. L. MCKENZIE, Jerusalm, DB, 480). 78 Cf. L. A. FERNANDES, 2Sm 7,1-17: O projeto de Davi confronta-se com o projeto de Deus, 1450. 79 Cf. G. W. E. NICKELSBURG, Literatura Judaica, entre a Bblia e a Mixn, 40.

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28

dinastia davdica. Essas tradies parecem ser tipicamente judatas e provavelmente

se distinguem do tema de eleio de Israel presente nas tradies do xodo80.

Apesar de serem atestadas no perodo pr-exlico, elas ganharam fora

somente aps a destruio de Jerusalm pelo Imprio Babilnico. No contexto do

exlio, foram retomadas e reelaboradas pelos exilados at tomarem a forma de temas

como a eleio permanente de Sio ou de Jerusalm como a cidade do rei-messias,

descendente de Davi81.

Assim, no livro de Joel, Jerusalm (cf. Jl 3,5; 4,1.6.16-17.20) indica a

cidade eleita por YHWH para ser o centro religioso do povo eleito. Lugar onde esse

povo convocado para se reunir em assembleia litrgica e prestar culto a YHWH.

Sio (cf. Jl 2,1.15.23; 3,5; 4,16-17.21) indica a montanha sagrada, onde est o

templo de YHWH, lugar escolhido para fazer habitar seu Nome e por meio do qual

YHWH irradia salvao sobre o seu povo e o mundo inteiro.

2.5

O par Jud-Jerusalm

A relao dos nomes Jud e Jerusalm entre si e o par Jud-Jerusalm,

com o tema da restaurao, revela-se complexa por abarcar um longo e

progressivo processo evolutivo, de modo que poderia se atribuir sentidos diferentes

ao emprego dos termos restaurao e Jud-Jerusalm, dependendo da datao

atribuda ao ministrio do profeta Joel e a redao do livro.

Alguns estudiosos interpretam o par Jud-Jerusalm de modo territorial82.

Nesse sentido, os termos indicariam, sob a forma de crculos concntricos, o mover

do favor divino, do pas at sua capital sagrada, onde YHWH e seu povo habitaro83.

Ou ainda, seria uma ampliao da viso de Jl 2,1.15 e Jl 3,5, enfocados apenas em

Jerusalm, para uma restaurao de todo o Reino de Jud84.

Outros estudiosos compreendem que Jud-Jerusalm poderia ser uma

expresso equivalente de Israel, como povo da aliana85. No livro de Joel o nome

Israel (cf. Jl 2,27; 4,1) e filhos de Israel (cf. Jl 4,16) provavelmente no indicam

o Reino do Norte e seus habitantes. Mas, em sentido teolgico, indicam o povo de

80 Cf. H. J. ZOBEL, .TDOT, 498-599 81 Cf. H. J. ZOBEL, .TDOT, 498; A. M. DOS SANTOS, A sublimidade de Sio em JI 4,15-17, 21 82 Cf. J. L. CRENSHAW, Joel, 174; G. BERNINI, Sofonia, Giole, Abdia, Giona, 108. 83 Cf. J. L. CRENSHAW, Joel, 174. 84 Cf. G. BERNINI, Sofonia, Giole, Abdia, Giona, 108. 85 Cf. H. W. WOLFF, Joel and Amos, 77; L. C. ALLEN, The Books of Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 109;

R. KESSLER, Histria social do antigo Israel, 161-162.

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29

YHWH em sua totalidade, chamado de meu povo (cf. Jl 4,2-3) e minha herana

(cf. Jl 4,2). Esse sentido teria sido transportado para a expresso Jud e Jerusalm86.

Os sobreviventes de Jud passaram a se considerar os sucessores legais e

espirituais do povo de Israel em sua totalidade87. Assim, em Jl 4,1 Jud-Jerusalm

no possui o significado bsico de pas-capital, mas um equivalente do nome

teolgico Israel e indica a totalidade do povo da aliana de YHWH, formado

pelos fiis a Deus e exilados88.

Em sntese:

Com terminologia diversa, mas, sobretudo atravs do verbo , na BH

transmite-se a ideia fundamental de restaurao como dinmica de retorno a um

estado benfico ou reverso de um estado nefasto. Seu significado compreende o

restabelecimento das diversas dimenses da vida humana exposta a fraquezas

naturais e morais que a deterioram. Se Deus for o sujeito da restaurao descrita,

essa adquire carter salvfico.

Desse modo, restaurar significa recuperar e conservar a vida (cf. 2Rs 8,1.5),

a sade fsica (cf. Is 38,16) e espiritual (cf. Sl 23,3; 51,14); restituir encargos (cf.

Gn 40,13.21; 41,13) e pessoas (cf. Gn 20,7) ou bens (cf. Ex 22,25); retribuir aes

boas (cf. Is 57,18) ou ms (cf. Dt 7,10), e reconstruir edificaes (cf. 2Cr 24,4)89.

A restaurao de YHWH refere-se a diversas situaes distintas. Contudo, o

conceito de restaurao na BH se define, sobretudo como reverso dos efeitos

negativos da destruio de Jerusalm (cf. Ne 3,8.33) e as consequncias nefastas do

exlio (cf. Jr 29,14)90. Assim, a ideia de restaurao est em tenso e oposio

com a ideia de destruio da terra e da nao, criadas pela queda de Jerusalm e o

exlio babilnico como eventos paradigmticos, que marcaram radicalmente a ideia

de restaurao como seu reverso.

A restaurao pode ser descrita de muitas formas, no entanto, construes

baseadas na expresso restaurar a sorte de, sempre com Deus por

sujeito ( , ), funcionem como indicador formal da restaurao divina na

BH. Nos escritos profticos sinalizam a restaurao escatolgica da nao pelo

restabelecimento de seu estado glorioso.

Esse parece ser o sentido da expresso empregada em Jl 4,1 para anunciar a

restaurao de Jud Jerusalm .

86 Cf. J. L. CRENSHAW, Joel, 175; J. BARTON, Joel and Obadiah, 99. 87 Cf. R. B. DILLARD, Joel, 299-300. 88 Cf. H. W. WOLFF, Joel and Amos, 77; L. C. ALLEN, The Books of Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 109. 89 Cf. T. F. JOHNSON, Restore, ISBE, E-J, 145. 90 Cf. T. F. JOHNSON, Restore, ISBE, E-J, 145.

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30

No se pode excluir que, ao anunciar sua mensagem, o profeta tivesse em

vista a Jud-Jerusalm histricas, enquanto Estado e sua capital com uma longa

trajetria de expanses e redues tanto territoriais como populacionais e polticas.

Contudo, a densidade de significado, adquirida por esses termos, e seu contexto na

concluso do livro de Joel apontam para sua fora simblica que abarca todo o povo

eleito.

Assim, Jud parece indicar o povo eleito e a terra eleita por YHWH em sua

totalidade, enquanto Jerusalm-Sio, a cidade eleita por YHWH para ser o centro

de unidade para seu povo. Atravs do templo, YHWH habita no meio de seu povo

e irradia salvao sobre o mundo.

Esta pesquisa pretende identificar de que modo o livro de Joel concebe e

anuncia a ao salvfica e restauradora de YHWH em favor de seu povo e sua terra

e como ela est expressa em Jl 4,18-21.

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31

3 Estrutura geral e contexto literrio do livro de Joel

A leitura integral do livro de Joel ou sua contextualizao permite

compreender o sentido impresso nas palavras empregadas e na ordenao das

unidades textuais que compem o escrito.

A identificao das marcas textuais presentes no texto, em sua forma final,

permite reconhecer a estrutura geral do escrito, seu progresso argumentativo e as

principais linhas temticas que compem sua mensagem.

Tratando-se da unidade textual conclusiva, os resultados da pesquisa sobre o

livro, como um todo, e as propostas de estruturao geral exercem grande influencia

sobre sua interpretao.

3.1 A estrutura do livro de Joel e sua relao com o tema do ym YHWH

A pesquisa exegtica sobre o livro de Joel desenvolvida a partir do sculo

XIX se concentrou sobre as questes de autoria e de datao91. A dificuldade de

apresentar resultados definitivos encontra-se no silncio do profeta a respeito de

informaes explcitas sobre sua identidade e contexto histrico, deixando abertas

essas questes a uma grande variedade de hipteses.

Na realidade, o profeta parece ter colocado em primeiro plano a transmisso

da mensagem central (o anncio do ym YHWH) e o efeito positivo por ela exercido

sobre a vida dos destinatrios (a restaurao espiritual, agrcola e poltica de Jud-

Jerusalm). Desse modo, o tema da restaurao de Jud-Jerusalm est diretamente

relacionado ao tema do ym YHWH.

O significado dessa expresso e sua funo na estruturao do livro de Joel

continuam a ser foco de constante discusso entre os estudiosos. Na origem do

problema, esto as diferentes relaes identificadas pelos estudiosos entre os

anncios do ym YHWH (cf. Jl 1,15; 2,1.11; 3,4; 4,14) e os grandes contextos

temticos, os quais podem ser reconhecidos em Jl 12 e Jl 34.

De fato, o profeta anuncia o ym YHWH como resposta de f para duas

grandes crises retratadas no livro: uma agrcola (cf. Jl 12) e outra poltica (cf. Jl

34). Em Jl 12, predomina uma mensagem no presente sobre o problema da

destruio agrcola causada por catstrofes naturais. Em Jl 34, predomina uma

91 Cf. J. M. ABREGO DE LACY, Os livros profticos, 239.

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32

mensagem no futuro sobre o problema da destruio nacional causada por naes

opressoras.

O anncio do ym YHWH visa, na primeira parte, provocar um movimento

de retorno, expresso na ao litrgica e, na segunda, assegurar a esperana na

restaurao plena e definitiva da terra e do povo eleito, e na libertao de todos os

opressores naturais e humanos.

Essa diferena temtica e temporal levou identificao de duas partes ou

colees de orculos. A pesquisa literria, buscando compreender a relao entre

elas, avanou em duas direes: a afirmao de um carter compsito e antolgico

ou a defesa da unidade literria sem negar um carter de compndio temtico92.

Prescindindo da riqueza de significados ou dimenses que podem ser

encontrados em ym YHWH (teofnica, litrgica, blica e escatolgica), os

estudiosos identificaram duas formas diferentes de compreender essa expresso, a

partir de seu emprego no contexto de cada parte do livro93.

a) A viso bipartida do ym YHWH

A maioria dos estudiosos identificou o ym YHWH com os acontecimentos

narrados em cada parte do livro de Joel e concluiu que, nesse escrito, a expresso

incluiria dois significados: um anncio de juzo negativo contra Jud-Jerusalm,

chamando ao retorno, e um anncio de juzo positivo a favor de Jud-Jerusalm,

assegurando a restaurao do povo eleito com a punio das naes opressoras.

a. 1) Um grupo de teses, enfatizando o carter diacrnico e histrico do texto,

defende a existncia de duas obras ou colees diferentes cada uma com autor,

contexto histrico e assuntos diferentes 94.

Encontrando uma grande diversidade de significados na expresso ym

YHWH, concentraram a pesquisa na interpretao de Jl 1,15 e Jl 2,1-11 a partir dos

desastres narrados em Jl 1,4-20, sobretudo a invaso de gafanhotos, supondo

possurem maior historicidade.

Assim, essas teses sustentam haver inicialmente uma mensagem histrica de

lamentao motivada por uma praga de gafanhotos (incluindo ou no um anncio

final de restaurao agrcola em Jl 2,18-27), que teria sido reinterpretada pela adio

92 At a primeira metade do sculo XX predominaram teses contra a unidade literria do escrito, desde ento,

predominam as teses em sua defesa (cf. L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 29-30). 93 Cf. L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 389-398. 94 Recentemente J. Barton (Joel and Obadiah, 14) reafirmou essa postura considerando Jl 1,12,27 o corpo

original do livro e Jl 3,14,21 como um conjunto de orculos de salvao unidos sem ordenao e

posteriormente acrescentados ao corpo original do texto. Para uma anlise a respeito desses estudiosos cf. L.

ALONSO SCHKEL E J. L., SICRE DIAZ, Profetas II, 260; L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor,

21. 29-33.

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33

do tema do ym YHWH como uma mensagem de restaurao nacional e poltica

em linha apocalptica ou escatolgica95.

a. 2) Outro grupo de teses, equilibrando mtodos sincrnicos e diacrnicos,

defende a unidade literria do livro a partir das diversas correspondncias temticas

e lingusticas presentes nas duas partes. Identificam a bipartio, com autoria nica

ou plural, somente em nvel literrio ou temtico e a funo central da expresso

ym YHWH na estruturao do livro sem negar a diversidade de sentidos nela

reunidos96.

Para esses estudiosos, haveria no livro de Joel uma mensagem histrica e

apocalptica (ou escatolgica), originada a partir de uma praga de gafanhotos,

suscitando no profeta a ideia de um juzo eminente, do qual sua misso seria

preservar o povo97.

a. 3) As questes de composio e redao permanecem abertas, ainda que

atualmente a maioria dos estudiosos defendam a unidade literria do texto final,

sem ignorar a existncia de um complexo processo redacional.

No entanto, estudiosos de ambos os grupos concordam em reconhecer, no

mnimo, uma bipartio literria em que o ym YHWH apresentado como duplo

evento em direo de Jud-Jerusalm: desfavorvel a ela na primeira e favorvel na

segunda98.

A partir desse pressuposto interpretativo comum, o livro deveria ser

compreendido sob uma lgica de oposio entre juzo e restaurao. A restaurao

de Jud-Jerusalm seria realizada pelo ym YHWH na segunda parte do livro em

oposio ao juzo operado na primeira pelo mesmo ym. As teses formuladas nessa

95 Cf. L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 32-33. 96 Cf. L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 33-34. 97 Cf. L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 34-40. 98 Esta hiptese interpretativa foi novamente defendida em recentes pesquisas. E. Assis (The book of Joel , 28-

31) afirma que o ym YHWH aparece na primeira parte como um desastre que atinge Israel no presente e na

segunda, como um evento futuro de salvao para Israel e juzo sobre as naes que destroem Israel no presente.

Do mesmo modo, T. M. Lyons (Interpretation and Structure in Joel, 100-101) defende que, na primeira parte

do livro, o ym YHWH significaria destruio e juzo, sendo a motivao da lamentao. Aps os lamentos,

YHWH responderia como um novo ym YHWH expandido e redefinido em seu significado pela incluso do

sentido de salvao para o povo eleito.

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direo, porm, criam dificuldades na articulao temtica do livro99 e deixam

muitas questes abertas100.

b) A viso unitria do ym YHWH.

Estudiosos, pertencentes ao grupo defensor da unidade literria, apresentaram

propostas para uma compreenso unitria do ym YHWH.

b. 1) Uma tese defendida que o profeta sintetizou, no conceito de juzo, as

diversas concepes positivas e negativas transmitidas entre seus destinatrios

acerca do ym YHWH 101.

De modo geral, acreditava-se num tempo de interveno de YHWH sobre o

mundo para estabelecer sua soberania e punir todos os que pecaram contra a sua

moral e no reconheceram seu poder, sobretudo os gentios, mas tambm os mpios

de Israel. Por outro lado, essa vingana de YHWH seria tambm a vingana de

todos que lhe foram fiis e aguardavam a sua salvao.

Assim, a inteno do profeta seria anunciar o ym YHWH como um juzo

ameaador, voltado contra Jud-Jerusalm, de forma reduzida e exemplar, atravs

da praga de gafanhotos e redirecionado contra as naes estrangeiras com toda a

sua fora e pleno desenvolvimento, e neste sentido, a favor de Jud-Jerusalm102.

b. 2) Outra tese interpreta o ym YHWH como uma interveno favorvel e

indita para salvar os habitantes de Jud-Jerusalm inertes e apticos, devido ao

sofrimento causado pelas catstrofes agrcolas e polticas. Essa proposta est

estruturada em duas teses: (1) a compreenso de Jl 2,1-11 e os outros orculos do

ym YHWH como orculos de juzo com duplo efeito, e (2) a defesa de um sentido

unitrio que esses conferem expresso ym YHWH.

Assim, Jl 2,1-11 no seria um orculo de condenao, identificado com

alguma das catstrofes sofridas pelos habitantes de Jud-Jerusalm. Mas, seria um

99 Vrias objees comuns aos dois grupos so indicadas por L. A. Fernandes (O anncio do dia do Senhor,

34-40): (a) diviso excessiva entre as duas partes do livro, impedindo uma viso integral. (b) classificao

polarizante dos gneros das percopes em que est presente a expresso ym YHWH, ora como orculos de

condenao, ora como orculos de salvao, sustentando a viso bipartida; (c) concentrao na primeira

parte, considerada a mais antiga e histrica, enfocando-a nas catstrofes; (d) definio semntica unilateral da

expresso ym YHWH, nas duas primeiras percopes, particularmente 2,1-11, identificando-a com alguma das

catstrofes descritas na primeira parte, sobretudo, com uma praga de gafanhotos (uma sntese dessas teses e sua

avaliao podem ser encontradas em L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 29-93); (e)

incapacidade de perceber o sentido unitrio da expresso ym YHWH e seu carter unificador do escrito inteiro,

sendo colocada em segundo plano; (f) o deslocamento do eixo hermenutico para as carestias da primeira parte

identificadas com o ym YHWH; (g) dificuldade de articular o resultado destas pesquisas sobre a primeira parte

com a segunda, ou o conjunto do livro. 100 Segundo L. A. Fernandes (O anncio do dia do Senhor, 29), no esto explicados (a) a articulao entre as

catstrofes de Jl 12 e sua reverso em Jl 34; (b) o significado e a funo literria da expresso ym YHWH

no conjunto da obra; (c) a dimenso temporal presente no conceito do ym YHWH; (d) a relao entre o

significado da praga de gafanhotos para a interpretao de Jl 2,1-11. 101 Cf. L. C. ALLEN, The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, 36-39. 102 Cf. L. C. ALLEN, The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, 42. 122.

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orculo de juzo favorvel a Jud-Jerusalm, como resposta a todas as catstrofes,

anunciando um ym YHWH com duplo efeito: salvao dos justos e condenao

dos mpios (sejam eles inimigos internos ou externos ao povo eleito)103.

Em decorrncia da afirmao anterior, supera-se a multiplicidade de sentidos

possveis com que era caracterizada a expresso ym YHWH, permitindo

entrever um conceito unitrio capaz de unificar o escrito inteiro.104.

b. 3) Ambas as teses oferecem uma interpretao unitria do ym YHWH a

partir de seu carter de juzo universal de YHWH sobre os justos e os injustos

pertencentes ou no ao povo eleito. Essa definio parece abarcar mais significados

e unificar a mensagem do livro.

No entanto, a primeira tese mantm parte do resultado encontrado pelo grupo

anterior. Se a oposio entre juzo e restaurao foi superada por uma concepo

do juzo de YHWH abarcando o livro inteiro, permaneceu a distino entre uma

dimenso negativa do ym YHWH voltada contra Jerusalm, identificado com as

catstrofes sofridas pelo povo, e uma dimenso salvfica, identificada com o

julgamento dos gentios e a restaurao de Jud-Jerusalm.

Dentre as diversas consequncias positivas da segunda tese sobre os orculos

do ym YHWH, destaca-se que ela parece estabelecer melhor articulao entre a

mensagem do livro de Joel, o tema da restaurao de Jud-Jerusalm e a unidade Jl

4,18-21105.

Em sntese:

A delimitao do livro, comum entre os estudiosos, opondo dois perodos, o

de juzo ao de restaurao, parece no abarcar a complexidade do contedo do livro

e resulta de uma interpretao polarizante do ym YHWH, ora como nefasto juzo

punitivo, ora como favorvel interveno salvfica.

Se o tema da restaurao de Jud-Jerusalm, como terra eleita e povo eleito,

caracterstico da segunda etapa do livro, uma interpretao unitria do ym

YHWH permite perceber que o tema do juzo de YHWH em seu ym no se

103 Cf. L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 22.25.93. 104 Alm disso, a expresso ym YHWH serviria de forma teolgica para a interpretao de passagens do

Dodekapropheton em que o termo est presente (cf. L. A. FERNANDES, O anncio do dia do SENHOR, 25). 105 Entre as diversas consequncias positivas desta proposta para o estudo exegtico de Joel e do

Dodekapropheton, pode-se destacar: (a) a superao das dicotomias hermenuticas favorecendo uma leitura

unitria do escrito como um todo, (b) a viso integral sustentada na classificao abrangente do gnero textual

como orculo de juzo com duplo efeito: condenao e salvao; (c) articulao da obra como um todo. (d)

o reconhecimento da expresso ym YHWH seria um conceito elaborado em Joel; (e) Precedendo na ordem

cannica hebraica o anncio de Ams, Abdias, Sofonias e Malaquias, (d) foi empregado como frmula

teolgica de juzo com duplo efeito no corpus do Dodekapropheton, (e) tornando-se o pano de fundo conceitual

que torna compreensvel o emprego negativo da expresso em Am 5,18-20 e Sf 1,14-18 (cf. L. A.

FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 93).

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restringe a primeira parte, mas atravessa o livro inteiro, culminando em Jl 4,21 com

a declarao da inocncia dos filhos de Jud.

O juzo de YHWH, assim compreendido, no estaria em oposio

restaurao de Jud-Jerusalm, como pensam a maioria dos estudiosos. Ao

contrrio, a restaurao o resultado esperado, desde o incio do livro, desse juzo

favorvel.

O livro de Joel contrape a desolao agrcola e populacional de Jud-

Jerusalm restaurao operada pelo ym YHWH. Esse ym no se identifica com

as catstrofes descritas no livro, mas com a resposta salvfica de YHWH a todas

elas.

Essa interpretao possibilitaria superar tanto a lgica que ope o juzo

restaurao106, quanto a que ope um ym YHWH desfavorvel e destruidor a um

ym YHWH favorvel e restaurador. Teses, as quais ainda caracterizam a

interpretao de recentes estudos do livro107.

Desse modo, se abrem novas propostas de leitura como problema-

soluo 108 , pergunta-resposta 109 , lamentao-resposta 110 , desolao-

restaurao, em que o juzo de YHWH est presente em ambas as partes do livro.

Na primeira, motiva o chamado converso e na segunda alimenta a esperana na

restaurao, que ser operada pela interveno de YHWH no seu ym.

3.2 Jl 4,18-21 e sua relao com a estrutura geral do livro

Um olhar sobre a estrutura geral do livro de Joel permite identificar como a

unidade textual estudada contribui na construo de sua mensagem. Deste modo

possvel reconhecer a interdependncia interpretativa entre Jl 4,18-21 e o livro

inteiro, assim como a relao entre Jl 4,18-21 e a mensagem de restaurao de Jud-

Jerusalm dirigida pelo profeta aos seus destinatrios.

H grande diversidade de interpretaes tanto do sentido como da funo

dessa unidade literria no contexto geral do livro. Essa diversidade est associada

106 Segundo M. Garcia Fernndez (Justicia, DPB, 405-407) se o juzo, como palavra concreta sobre a

realidade histrica, revela a justia divina, tambm os orculos de salvao so possibildades de manifestao

dessa mesma justia, mediante uma interveno positiva na realidade para restaur-la. 107 Cf. E. ASSIS, The book of Joel, 28-31; T. M. LYONS, Interpretation and Structure in Joel, 94-101. 108 E. Assis (The book of Joel, 28-31) identificou uma eficaz chave interpretativa para o livro como problema-

soluo, no entanto, compreendeu tambm o ym YHWH tambm dentro desta dinmica: seria um problema

para Jud-Jerusalm em Jl 1 2 e sua soluo em Jl 34. 109 Cf. P. R. ANDIACH, Joel, a justia definitiva, 165-170. 110 Cf. E. ZENGER, Introduo ao Antigo Testamento, 473-480.

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variedade de metodologias aplicadas ao livro e s opes interpretativas (algumas

vezes divergentes e contraditrias) feitas durante as etapas metodolgicas.

3.2.1 O ponto de transio e a macroestrutura do livro de Joel

Se no incio da pesquisa sobre o livro de Joel, predominaram teses sugerindo

uma ciso geral entre os materiais histrico (cf. Jl 12) e escatolgico (cf. Jl 3

4), atualmente, a maioria dos estudiosos reconhece o livro como uma obra literria

unitria com uma bipartio literria ou temtica111.

No entanto, ainda no h consenso sobre o ponto de delimitao entre elas e

a estrutura a qual ele permite descobrir. Duas propostas tm sido apontadas: uma

subdiviso a partir do contedo (cf. Jl 1,12,27; 3,14,21) e outra a partir da forma

(cf. Jl 1,12,17; 2,184,21)112.

a) Transio entre Jl 2,17 e 18

Alguns estudiosos consideram o ponto de transio entre Jl 2,17 e 18 mais

coerente com os aspectos formais do livro, revelando uma estrutura dialtica de

lamentao-resposta113.

Na primeira parte, haveria um lamento descritivo de uma catstrofe agrcola

e poltica com chamados converso e liturgia penitencial (cf. Jl 1,12,17). A

segunda parte (cf. Jl 2,194,21) seria a resposta favorvel de YHWH, restaurando

sua terra (cf. Jl 2,18-27) e seu povo (cf. Jl 3,14,21), libertando-o dos inimigos

naturais e humanos.

Essa delimitao enfatiza ser a restaurao de Jud-Jerusalm em seus

diversos nveis, objeto da resposta favorvel de YHWH liturgia penitencial

celebrada pelo povo e os sacerdotes na primeira parte do livro.

b) Transio entre Jl 2,27 e 3,1

111 Cf. J. D. NOGALSKI, Redactional Process in the Book of the Twelve, 1-2. M. A. Sweeney (The Prophetic

Literature, 181-182; The Twelve Prophets, 151-152) rejeitou a segmentao do livro de Joel aceita entre os

estudiosos em duas partes, por consider-la mais baseada na oposio temtica entre julgamento e restaurao

do que nos ndices textuais sintticos e semnticos. Props uma nova estrutura tripartida delimitando as

unidades maiores a partir dos ndices textuais imperativos Ouvi (cf. Jl 1,2) e tocai o shofar em Sio (cf. Jl

2,1 e 2,15), das referncias audincia (destinatrios) e dos marcadores retricos para a estrutura do texto. 112 Cf. C. F. KEIL, Joel, 171; S. R. DRIVER, An Introduction to the Literature of the Old Testament, 307; H.

W. WOLFF, Joel and Amos, 7; L. C. ALLEN, The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, 39-43; W. S.

PRINSLOO, The Theology of the Book of Joel, 123. J. D. NOGALSKI, Redactional Process in the Book of the

Twelve, 1-6; E. ASSIS, The book of Joel, 50-54; L. A. FERNANDES, O anncio do dia do Senhor, 83-87. 113 Cf. ZENGER, E., Introduo ao Antigo Testamento, 473-480; E. ASSIS, The book of Joel, 53; M. A.

SWEENEY, The Twelve Prophets, 151; T. M. LYONS, Interpretation and Structure in Joel, 94-101.

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Outros consideram entre Jl 2,27 e 3,1 o ponto de transio, por ser mais

coerente com o desenvolvimento temtico e temporal do livro presente em cada

parte do livro, revelando uma estrutura de mensagem histrica seguida de uma

mensagem escatolgica114.

Do ponto de vista temtico Jl 1,12,27 trataria do problema da devastao da

terra de Jud causada por catstrofes naturais e Jl 3,14,21 trataria da devastao

do povo de Jud causada pela explorao das naes inimigas. Do ponto de vista

temporal Jl 1,12,27 trataria de uma mensagem no presente e Jl 3,14,21 trataria de

uma mensagem futura.

Assim, a primeira parte seria uma mensagem no presente, contempornea ao

tempo do profeta, dedicada lamentao pela devastao agrcola (cf. Jl 1,12,27),

o chamado converso e liturgia penitencial que receberiam a resposta salvfica

de YHWH em Jl 2,18-27 com bno agrcola. A segunda seria uma mensagem no

futuro, dedicada ao anuncio escatolgico de salvao, fsica e populacional, de

Jud-Jerusalm, com o julgamento de seus opressores polticos (cf. Jl 3,14,21).

Essa delimitao acentua a distino de dois nveis na mensagem de

restaurao de Jud-Jerusalm: um anncio no presente de restaurao da terra, e

por isso, referente a um problema histrico e transitrio (cf. Jl 1,12,27), seguida

de um anuncio futuro referente restaurao escatolgica e definitiva da nao (cf.

Jl 3,14,21)115.

Em sntese:

Aqueles que consideram Jl 2,27 como ponto de ciso distinguem uma

mensagem histrica relativa ao tempo do profeta (cf. Jl 1,12,27) e uma

escatolgica relativa restaurao futura de Jud-Jerusalm (cf. Jl 3,14,21).

Aqueles que consideram o v. 2,17 como ponto de ciso distinguem um lamento

descritivo de uma catstrofe nacional com exortao liturgia penitencial (cf. Jl

1,12,17) seguida da resposta favorvel de YHWH, restaurando sua terra seu povo

e libertando-os dos inimigos (cf. Jl 2,194,21).

As propostas de segmentao no so contraditrias e permitem captar

diferentes dimenses da mensagem de restaurao de Jud-Jerusalm no livro de

Joel. A restaurao de Jud-Jerusalm a resposta favorvel de YHWH ao processo

de retorno litrgico iniciado pelo lamento do profeta e compreende duas etapas

temporal e qualitativamente diferentes: uma restaurao da terra eleita no presente,

114 Cf. L. ALONSO SCHKEL E J. L., SICRE DIAZ, Profetas II, 957. 115 Cf. L. ALONSO SCHKEL E J. L., SICRE DIAZ, Profetas II, 957.

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a qual aponta para o cumprimento de uma restaurao futura escatolgica e

definitiva da nao.

Desse modo, parece que o livro de Joel, considerado a partir de sua forma,

poderia ser mais bem compreendido a partir do esquema lamentao nacional +

resposta favorvel de YHWH e no atravs dos esquemas bipartidos ou tripartidos

encontrados em outros livros profticos, agrupando uma seo de orculos de juzo

seguida de uma seo de orculos de salvao116.

3.2.2 Estruturas interpretativas propostas para o livro de Joel

Diversas estruturas literrias so propostas para o livro de Joel e refletem

distintas opes ou tendncias interpretativas para o livro como um todo e tambm

para sua relao com a unidade Jl 4,18-21 e o tema da restaurao de Jud-

Jerusalm.

a) Propostas de estruturas com simetrias concntricas ou reflexivas

Alguns estudiosos procuraram demonstrar a existncia de uma

correspondncia temtica e lingustica reflexiva e/ou concntrica entre as diversas

unidades do livro. Diversos modelos foram propostos para evidenciar essa

simetria117.

a. 1) Uma proposta interpreta o livro de Joel como um quiasmo ou arco

formado por sete vises. A quarta viso (cf. Jl 2,18-27) seria o ponto mais alto ou

o clmax do livro, dedicado ao tema do alvio e restaurao de Jud-Jerusalm. A

stima viso Jl 4,17-21 retrataria a grande paz vivida no monte santo em oposio

desolao e luto descritos na primeira viso118.

a. 2) Outra proposta, assumindo as transies Jl 2,18 e 3,1 como dois centros

do livro, sugere uma estrutura composta pela sobreposio e entrelaamento de dois

quiasmos. No primeiro, contrastam a ameaa de punio para Jerusalm e o perdo

de YHWH expresso na restaurao da terra e a destruio dos inimigos (praga e

exrcito apocalptico). No segundo, contrastam o juzo de YHWH sobre as naes

116 Cf. G. S. OGDEN, Joel 4 and prophetic responses to nacional lament, 105; M. A. SWEENEY, The Twelve

Prophets, 151). 117 Cf. R. G. MOULTON, The Modern Reader's Bible, 991-996; D. A. GARRETT, The Structure of Joel,

294. 289-297; H. W. WOLFF, Joel and Amos, 7. 118 A terra desolada e enlutada em Jl 1,1-20 (A), o julgamento avanando para uma crise em Jl 2,1-11 (B), o

arrependimento no ultimo momento em Jl 2,12-17 (C), o alvio na restaurao em Jl 2,18-27 (D), o Israel

espiritualizado e as naes convocados para julgamento em Jl 3,14,8 (C), avanar para o vale da deciso em

Jl 4,9-16 (B), a montanha santa e a paz eterna em Jl 4,17-21 (A). R. G. MOULTON, The Modern Reader's

Bible, 991-996; The Modern Study of Literature, 104-107.

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inimigas e a graa da restaurao da terra e o derramamento do Esprito119. Jl 4,18-

21, descrevendo o estado final e glorioso de Jud-Jerusalm, deveria ser

interpretado no contexto do juzo pelas naes inimigas em Jl 2,1-11 e contra elas

em Jl 2,20 e 4,1-21120.

a. 3) A proposta de estrutura reflexiva mais aceita entre os estudiosos121,

partiu de Jl 2,18 como ponto de reverso e identificou duas partes simtricas,

vinculadas por palavras e frases-chave, tendo Jl 2,18-20 como centro122.

Essa proposta evidencia o contraste temtico entre ambas e o momento de

reverso da situao nefasta inicial para a restaurao paradisaca final. Os

estudiosos a mencionam por demonstrar a coerncia e a uni