Dedini : A força de um ideal

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No ano em que a Dedini completa 85 anos de existência,resolvemos editar este livro para contar uma história demuita dedicação, trabalho, sacrifícios, e, principalmente,de muito idealismo.Com esta iniciativa, queremos prestar nosso tributo a seufundador, Mario Dedini, que, nos distantes anos 1920, abriu asportas, ao lado do irmão Armando Cesare, de uma modesta oficinamecânica, que se transformaria na maior indústria da cidade dePiracicaba, durante muito tempo, criando milhares de empregos, einfluenciando, decisivamente, no seu progresso.Tal fato não foi, porém, seu maior feito: esse homem simples edecidido, líder nato, nos deixou um inesquecível legado de honestidade,amor ao próximo, responsabilidade e superação incessante dedesafios, que permanece presente em todas as decisões da empresa epermeia, até hoje, nossa atuação.Baseados nesses princípios, construímos o fundamento da nossaestratégia empresarial: total respeito ao clientes, comprometimentocom a modernização tecnológica e valorização constante dos nossoscolaboradores, pois eles são nosso maior patrimônio. Dessa forma, estelivro pretende ser, também, uma homenagem a todos aqueles que dealguma forma contribuíram para que pudéssemos chegar até aqui.Essa publicação mostra que não se consegue desassociar a longatrajetória da Dedini da evolução recente do Brasil. Verifica-se que aempresa sobreviveu, ao longo do tempo, a todas as influências das diferentes conjunturas vividaspelo país, desafiando suas crisese aproveitando os períodos deprogresso e crescimento.A história da Dedini é, também,a história da indústria debens de capital do Brasil, setorindispensável para seu desenvolvimento,sobre o qual se apóiatoda a cadeia produtiva, extremamentesensível aos percalços daeconomia.Com persistência e confiança,a Dedini conseguiu vencertodos os desafios e agora viveum momento extremamentepromissor, por causa do reconhecimentogeneralizado da importânciadas energias “limpas”e renováveis, como o álcool e obiodiesel, e da busca incessantepor soluções ambientalmentecorretas.Nesse contexto, possuímosuma matriz extremamentedinâmica de produtos, alinhadaaos aspectos do meio ambiente,energia, produtividade e otimizaçãode recursos industriais, o quevem nos garantindo constanteexpansão e crescimento.Dessa forma, encaramos ofuturo com bastante otimismo,e nos unimos ao esforço detodo o setor produtivo paraconstruir um país melhor, emque se busca resultados em longo prazo, buscando a plena realização das pessoas, e em consonância comum objetivo muito maior, que ultrapassa os resultados financeiros, econtempla, antes de tudo, o desenvolvimento sustentável.Finalmente, a história da Dedini, mostrada neste livro, nos leva arefletir sobre a importância, para as gerações futuras, de dar continuidadea esse grande projeto empresarial, que atua em setoresestratégicos da economia nacional influencia, de forma tão decisiva,na vida da comunidade.Temos certeza que nossos sonhos serão, sempre, o motor quemove nossa vontade, criando motivação e comprometimento paracontinuar com essas realizações apaixonantes, narradas ao longodesta publicação.Dovilio Ometto (Presidente)

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DEDINIa fora de um ideal

Regina Machado Leo

DEDINIa fora de um ideal

preciso o trabalho de muitas pessoas para se forjar um ideal. A Dedini agradece a todos aqueles que contriburam no passado e hoje colaboram para que suas importantes conquistas se tornassem realidade.

Crditos Pesquisa e Edio de texto Regina Machado Leo Produo Grfica Maria Machado Leo Gomes de Moraes Consultoria Tcnica Jos Luiz Olivrio; Sergio Leme dos Santos e Tarcisio Angelo Mascarim Fotografias Paulo Altafin; arquivos Dedini; museus Histrico e Pedaggico Prudente de Moraes, Republicano Conveno de Itu e arquivo histrico Gustavo Teixeira Reviso Rafael Varela Junior Impresso Pancrom Indstria Grfica Ltda. Tiragem 2 000 exemplaresDADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP) DIVISO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAO ESALQ/USP

Todos os direitos reservados.

Leo, Regina Machado Dedini: a fora de um ideal / Regina Machado Leo. - - Piracicaba: R. M. Leo, 2005. 288p. : il. Bibliografia.

Dedini S.A. Indstrias de Base Rod. Rio Claro Piracicaba, km 26,3 CEP 13.414 970 Caixa Postal 1249 Piracicaba So Paulo Brasil Impresso em 2005

I. Empresa Dedini 2. Indstria de bens de capitais 3. Indstria sucro-alcooleira CDD 338.9816

SumrioPrefcio.................................

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Apresentao Prlogo

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Introduo

A industrializao em Piracicaba . . . . . . . . 37 Modernizao das usinas . . . . . . . . . . . . . . . 60 A todo vapor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 ................

A revoluo do lcool

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Tempos difceis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 Retomada do desenvolvimento......

172

Conquistando mercados . . . . . . . . . . . . . . 197 A Dedini no terceiro milnio Atravessando fronteiras..........

216 231 244 267

.............. ........

Responsabilidade corporativa Trabalhando pelo amanh

...........

PrefcioPiracicaba como capital nacional do acar. Panorama da cidade e do pas no incio do sculo XX: o surgimento da indstria.

sandio exeros dolorercil utat. Ut wissed doluptat. Ut do duisl eu feugait aliquisit ut dolor aliquisisl exero odiatummy nulpute uerilit aut adigna feuismod doloreet velendre consecte dolent veliquipsum at, conse molortie corerae seniamet, vulput loreraestrud ent aute facil ing enit vulla feumsandre exer sum inim. Lorero ea faccumsan velisl euis num amconsequat. Ut eliquisl endrem quametue esto do dunt ut praesse magna faccumsan henit wisis alit ad essed magnibh exero od te feuisim eniam dolore mod dolesed euis aliquis endignibh euissequat lumsan ut dolortio esto ero od dio dolor iurem vulla core core vero conse dolorero conullu patem ent dolenisl utem eum iuscillam inci eugueriure diatuer ureet do corpercing exer augait wis nos alis nim nim dolum digna ad magna faciliquisl iriuscipit ulla feu facidunt nim ipit aut ip euismodo odiamcon utat, vulputpatue faci tie veliquis num in ver autpatum nim veniscil irit vel inibh eugiatie eliquat, vulluptat. Duip etue et lorper sim zzriusci bla facin hendiat lutpat ing ea feum velent at, quisciduisl utat augue velit elent nonsequam, core vel utat atis non hendiam onsectem iureet aut et, quat ing etue modolor aliquisl exeriuscin hendio odipit aliquisl ullumsan vel doloborper at, ver susci tat dolore dip ero core dion veliquis nibh eugue magnit in velit at, vel er iurero exer sed modigna feummy nullam velestrud min hendrer sit nis alisisi tat la am dolore Loreet nostie estrud mincidunt lor illan ex ero dio dolobore magna feu feugait, sed moloreet, quisi te esting ex et irit ip eum qui9

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Naquela poca, a Dedini teve importante e inquestionvel papel. Maior produtora nacional de bens de capital destinados ao setor sucroalcooleiro, ela foi responsvel pela construo de inmeras destilarias em vrios pontos do Pas, que passaram a produzir o combustvel automotivo. Por inmeros motivos, o Prolcool foi desacelerado, mas, hoje, decorridos mais de 30 anos, o mundo inteiro se interessa pela pioneira experincia brasileira. No incio do sculo XXI, o panorama energtico se transformou. Alm dos aumentos sucessivos dos preos do petrleo, que permanecem em patamares elevados, o mercado internacional do lcool se consolidou, com a deciso de muitos pases de adicion-lo gasolina. Paralelamente, com a introduo dos veculos com combustvel flexvel no Brasil, que hoje j ultrapassaram um milho de unidades fabricadas, alcanou-se maior estabilidade no mercado domstico. Com certeza, o que estamos assistindo, nos dias atuais, a transio da civilizao dependente do petrleo para uma nova matriz energtica, de combustveis vegetais, que se tornaro, a partir ele agora, importantes commodities no mercado internacional. Mais uma vez, as empresas Dedini - fiis a seu passado de constantes inovaes, em termos de solues industriais, sobretudo, aquelas voltadas para o setor sucroalcooleiro - voltam a desempenhar papel decisivo. Aliando-se a parceiros internacionais, capacitaram-se para atender a esse novo mercado de biocombustveis e, atualmente, puderam fornecer bens e plantas completas para as indstrias que j esto produzindo biodiesel no Brasil. Nesse contexto, o Plano Nacional de Agroenergia, lanado recentemente em Piracicaba, contribuir para a definitiva consolidao dos biocombustveis no Brasil. Elaborado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), o plano cria as bases para o consrcio Brasileiro de Agroenergia, que rene vrios rgos de governo, alm de empresas privadas. O fundo de investimento que alavancar seu desenvolvimento vai contemplar a pesquisa em agroenergia, estudando mais de quarenta variedades vegetais oleaginosas, espcies florestais destinadas produo energtica, e o aproveitamento de resduos e biogs, entre outras fontes.Colaboradores da Fundio Dedini (Piracicaba, SP) em outubro de 2005

O Brasil possui todas as condies para assumir a liderana mundial na produo de energia limpa e renovvel. Para tanto, precisamos, mais que nunca, que a tecnologia de produo, em todos os nveis, seja cada vez mais eficiente, para gerar produtos competitivos no exigente mercado internacional. E essa ser, sem dvida, a grande contribuio da Dedini para o desenvolvimento do nosso Pas.

Roberto RodriguesMINISTRO DE ESTADO DA AGRICULTURA, PECURIA E ABASTECIMENTO

Apresentao

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o ano em que a Dedini completa 85 anos de existncia, resolvemos editar este livro para contar uma histria de muita dedicao, trabalho, sacrifcios, e, principalmente, de muito idealismo. Com esta iniciativa, queremos prestar nosso tributo a seu fundador, Mario Dedini, que, nos distantes anos 1920, abriu as portas, ao lado do irmo Armando Cesare, de uma modesta oficina mecnica, que se transformaria na maior indstria da cidade de Piracicaba, durante muito tempo, criando milhares de empregos, e influenciando, decisivamente, no seu progresso. Tal fato no foi, porm, seu maior feito: esse homem simples e decidido, lder nato, nos deixou um inesquecvel legado de honestidade, amor ao prximo, responsabilidade e superao incessante de desafios, que permanece presente em todas as decises da empresa e permeia, at hoje, nossa atuao. Baseados nesses princpios, construmos o fundamento da nossa estratgia empresarial: total respeito ao clientes, comprometimento com a modernizao tecnolgica e valorizao constante dos nossos colaboradores, pois eles so nosso maior patrimnio. Dessa forma, este livro pretende ser, tambm, uma homenagem a todos aqueles que de alguma forma contriburam para que pudssemos chegar at aqui. Essa publicao mostra que no se consegue desassociar a longa trajetria da Dedini da evoluo recente do Brasil. Verifica-se que a empresa sobreviveu, ao longo do tempo, a todas as influncias das

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diferentes conjunturas vividas pelo pas, desafiando suas crises e aproveitando os perodos de progresso e crescimento. A histria da Dedini , tambm, a histria da indstria de bens de capital do Brasil, setor indispensvel para seu desenvolvimento, sobre o qual se apia toda a cadeia produtiva, extremamente sensvel aos percalos da economia. Com persistncia e confiana, a Dedini conseguiu vencer todos os desafios e agora vive um momento extremamente promissor, por causa do reconhecimento generalizado da importncia das energias limpas e renovveis, como o lcool e o biodiesel, e da busca incessante por solues ambientalmente corretas. Nesse contexto, possumos uma matriz extremamente dinmica de produtos, alinhada aos aspectos do meio ambiente, energia, produtividade e otimizao de recursos industriais, o que vem nos garantindo constante expanso e crescimento. Dessa forma, encaramos o futuro com bastante otimismo, e nos unimos ao esforo de todo o setor produtivo para construir um pas melhor, em que se busca resultados em longo14

prazo, buscando a plena realizao das pessoas, e em consonncia com um objetivo muito maior, que ultrapassa os resultados financeiros, e contempla, antes de tudo, o desenvolvimento sustentvel. Finalmente, a histria da Dedini, mostrada neste livro, nos leva a refletir sobre a importncia, para as geraes futuras, de dar continuidade a esse grande projeto empresarial, que atua em setores estratgicos da economia nacional influencia, de forma to decisiva, na vida da comunidade. Temos certeza que nossos sonhos sero, sempre, o motor que move nossa vontade, criando motivao e comprometimento para continuar com essas realizaes apaixonantes, narradas ao longo desta publicao.

Dovilio OmettoPRESIDENTE

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Piracicaba como capital nacional do acar. Panorama da cidade e do pas no incio do sculo XX: o surgimento da indstria brasileira.

Prlogo

ezesseis de janeiro de 2004, dezesseis horas. Nos gramados recm-aparados da Fundio, a mais nova unidade industrial da Dedini situada no Bairro da Cruz Caiada, margem da rodovia que liga Piracicaba a Rio Claro pousa um helicptero da Fora Area Brasileira. Dele, descem o presidente Luiz Incio Lula da Silva e sua comitiva. A recepo feita pelo governador Geraldo Alckmin, pelo prefeito de Piracicaba, na poca, Jos Machado, por diversas autoridades e por diretores da empresa. No essa a primeira vez que um presidente da Repblica vem inaugurar uma fbrica da Dedini. Em 1958, Juscelino Kubitschek, acompanhado do ento governador Jnio Quadros, comandou as festividades de abertura da Siderrgica Dedini S.A. A indstria logo se firmou no cenrio nacional na produo de vergalhes para a construo civil, gerando empregos e divisas, e cumprindo importante papel social na cidade e na regio. Naquela ocasio, Kubitschek fez questo de deixar seu testemunho escrito de prprio punho: Como Presidente da Repblica, dominado pela preocupao de estabelecer bases slidas e poderosas indstria do meu pas, quero louvar, com calor e entusiasmo, iniciativas como estas de Mario Dedini, que contribuem para a emancipao econmica do Brasil e firmam, assim, os alicerces da nossa soberania. Essa era, ento, a palavra de ordem: estimular a industrializao. Logo aps sua posse, JK ressaltava a necessidade de adotar-se uma nova mentalidade dinmica e moderna, e de um estado de esprito propcio ao desenvolvimento. E assim surgiram, naquela poca, principalmente

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em So Paulo, as fbricas de automveis e autopeas, de eletrodomsticos, as metalrgicas e muitas outras, que, ativaram o consumo, trazendo progresso. Atualmente, o Brasil vive novamente um clima de otimismo. Em seu discurso de janeiro de 2004, em Piracicaba, o presidente Lula reafirmou sua crena no desenvolvimento da indstria nacional, louvando as vantagens competitivas do pas na fabricao de lcool, de acar e de bens de capital voltados para atender esse setor. Nesse cenrio propcio ao crescimento, a Dedini se prepara para vencer os novos desafios com tenacidade e confiana. Ao completar 85 anos, apresenta-se com fbricas no estado de So Paulo (Piracicaba e Sertozinho) e no Nordeste (Recife e Macei), onde trabalham cerca de 4 000 colaboradores, produzindo plantas completas e equipamentos para usinas de acar e destilarias, responsveis por 80% do lcool produzido no Brasil. Alm disso, a Dedini produz cervejarias, fbricas de sucos e fertilizantes, unidades de energia e de co-gerao, e de tratamento de efluentes industriais. Atua, tambm, nos setores de papel e celulose, qumica e petroqumica, siderurgia, alimentos e peas fundidas. Liderando a produo nacional de bens de capital destinados a usinas de acar e destilarias de lcool, a tradicional empresa vem cumprindo importante papel na modernizao do setor, como agente difusor de inovaes tecnolgicas. Na cidade onde se instalou, a Dedini foi sempre um importante vetor de desenvolvimento, contribuindo em obras de melhoria de infra-estrutura e de grande alcance social, gerando empregos, e formando mo-de-obra altamente especializada. Ao longo do tempo, as empresas Dedini se constituram verdadeiros celeiros de novas indstrias, pois muitos de seus antigos funcionrios aproveitaram a experincia nelas adquiridas para montar seus prprios negcios. Graas a isso, Piracicaba tornou-se um dos mais importantes plos nacionais de produo metalrgica e mecnica. Sua forte influncia extrapolou os limites do municpio, medida que possibilitou a nacionalizao de inmeros equipamentos antes importados, e contribuiu decisivamente para o aumento da produtividade no setor de acar e lcool. Hoje, o Brasil lidera o mercado internacional, oferecendo essas duas commodities a preos inferiores aos

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Fundio Dedini em 2005

dos concorrentes de outros pases, cujos fabricantes, muitas vezes, se beneficiam de polticas protecionistas de seus governos. No incio desse terceiro milnio, a Dedini aproveita a grande experincia adquirida no seu passado de trabalho, e a dedicao permanente de seus colaboradores para enfrentar novos desafios que lhe so colocados, na produo de bens de capital sob encomenda de alta qualidade. Para tanto, vem assumindo plenamente suas responsabilidades e compromissos com a comunidade em que se acha inserida e, tambm, com a preservao do ambiente. Essa atuao, para ela, no nenhuma novidade, como pode-se verificar na histria que ser agora contada.

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INTRODUO

Tradio canavieiraSe se olha para o nascente, se v flora diferente. S canaviais e suas crinas, e as canas longilneas de cores claras e cidas, femininas, aristocrticas...Joo Cabral de Melo Neto, 1979.

Canavial no municpio de Piracicaba (SP)

verde brilhante e vioso dos canaviais sempre constituiu um elemento marcante na paisagem de Piracicaba, situada no corao do estado de So Paulo. Estendendo-se por colinas suaves e vales frteis, a cana-de-acar influenciou decisivamente a vida da cidade e determinou seu desenvolvimento, por meio da fabricao de acar, lcool, aguardente e da produo de equipamentos destinados a esses processos industriais. No passado, e, durante muito tempo, as lavouras de cana se estendiam a perder de vista em toda a regio. As plantas cresciam com vigor, beneficiadas pelas condies propcias. Quando maduras, com seus colmos repletos de acar, eram preparadas para a colheita: primeiro, ardiam em chamas durante toda a noite, para, na madrugada seguinte, serem cortadas habilmente por um exrcito de trabalhadores, encarregados de coloc-las a bordo dos caminhes que as transportariam, dia-e-noite, para as usinas, onde as moendas extraam o caldo doce. Hoje, a situao mudou bastante: as queimadas esto desaparecendo, pelas exigncias das leis ambientais, e os trabalhadores so substitudos por mquinas possantes. O grande nmero de engenhos e usinas existentes no municpio reduziu-se, atualmente, a apenas uma unidade, ainda em funcionamento. As extensas plantaes de cana perderam espao

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Salto do rio Piracicaba, no final

para outras culturas, sendo pressionadas, tambm, pela expanso urbana. Mesmo assim, as atividades relacionadas com a cana-de-acar e seus derivados ainda desempenham importante papel na vida da cidade, desenvolvendo-se em perfeita sintonia com a indstria de bens de capital surgida, inicialmente, para atender s demandas dos produtores rurais. A agroindstria canavieira a mais antiga atividade agrcola brasileira assumiu, nos dias atuais, nova e importante dimenso, que extrapola as fronteiras do pas, com a possibilidade de substituio da gasolina pelo lcool e de aproveitamento do bagao para gerao de eletricidade, que representam alternativas energticas ambientalmente corretas.

do sculo XIX. No seu entorno, iniciou-se o povoamento da cidade

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margem do rioA exemplo de outras regies do Brasil, o efetivo povoamento de Piracicaba iniciou-se na segunda metade do sculo XVIII. Suas terras eram, at ento, praticamente desabitadas, simples passagem para quem se dirigia para Cuiab, por uma longa picada aberta nas matas. O progresso s chegou quando se esgotaram os veios de ouro no interior do pas, encerrando o ciclo da minerao: a nica alternativa que restou aos paulistas foi se dedicar ao cultivo da terra, atividade que, antes, eles menosprezavam. Em 1765, o governador da provncia, o capito portugus Luiz Antonio de Souza Botelho e Mouro, conhecido como Morgado de Mateus, comeou a estimular o aumento do nmero de povoaes em So Paulo, baseadas no desenvolvimento agrcola. Assim, surgiram, alm de Piracicaba, So Jos dos Campos, Itapetininga, Registro e muitas outras localidades. Para oficializar a fundao do povoado, Morgado de Mateus mandou Antonio Correa Barbosa, exmio fabricante de barcos de Itu. Ele desobedeceu s ordens do

governador, que desejava criar um posto de abastecimento no rio Tiet, e estabeleceu o ncleo a setenta quilmetros acima do ponto indicado, nas proximidades da bela cachoeira existente no Piracicaba, conhecida como o salto. Sob sua direo, o modesto povoado comeou a organizarse: a mata fornecia madeira para o fabrico de canoas e a terra era frtil para o plantio. O ncleo original desenvolveu-se margem esquerda do rio, a partir de uma pequena igreja, com plantaes a sua volta. Comeava, assim, a explorao agrcola, que segundo Mario Neme (1974) fixou o homem terra, ergueu cidades, abriu estradas e deu aos paulistas sua primeira fonte de riqueza estvel e organizada. A cana-de-acar apareceu como uma alternativa natural de plantio, pois sua tcnica de cultivo j era dominada desde os tempos dos primeiros colonizadores. Essa explorao traria grande expanso para o estado paulista, com a abertura de novas vias terrestres e a reativao de outras abandonadas. As lavouras irradiaram-se de Campinas, Itu e Porto Feliz para Capivari, e alcanaram Piracicaba, onde as

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terras se mostraram favorveis a seu desenvolvimento.

Acar e aguardenteDessa forma, em 1816, a ento freguesia de Piracicaba, com 2 000 habitantes, solicitou sua emancipao administrativa de Itu e sua elevao condio de vila. Um dos argumentos apresentados para conseguir tal melhoria foi o fato de possuir catorze engenhos de acar e quatro de aguardente, estando doze em fase de organizao. O cultivo de cana e a fabricao de acar e aguardente passaram a ser as principais atividades econmicas da cidade e, por ocasio de sua transformao em Vila Nova da Constituio, em 1822, o ncleo de povoamento encontrava-se cercado de engenhos e canaviais, com estrutura fundiria bem definida: as grandes propriedades plantavam e processavam o produto, enquanto as menores, mais afastadas da vila, instalaram-se em reas abertas, intercaladas com matas, dedicando-se pecuria e agricultura de subsistncia. A legislao exigia uma distncia de meia lgua entre

os engenhos instalados, mas, muitas vezes, no era obedecida. Em 1836, Piracicaba tornara-se um dos ncleos mais prsperos da provncia, contando com 78 engenhos, normalmente movidos a trao animal, pois sua montagem era mais fcil e barata. A maior parte dos engenhos da regio fabricava o chamado acar batido, denominao usada desde os tempos coloniais para qualificar sua produo: essa era a quarta categoria existente, depois do acar branco macho, do redondo e do inferior, conforme explicou o jesuta Joo Antonio Andreoni, o Antonil, no livro Cultura e Opulncia, de 1711. Telarolli (2004) relatou a forma mais comum de obteno de acar batido em Piracicaba. Segundo ele, o mel proveniente de acar macho, na casa de purgar, escorria atravs de um furo existente na base das formas, em que se obtinham os pes de acar, com a ajuda da filtragem pelo barro. O caldo assim obtido era aquecido em um tacho colocado sobre a fornalha, alimentada, geralmente, com lenha; a borra, formada superfcie, era retirada com uma grande escumadeira, e aproveitada como rao animal.

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Ainda aquecido, o caldo era transferido para mais dois tachos para decantar, operao feita com auxlio de conchas de cabo longo. Aps a verificao do ponto adequado de cozimento, com retirada de uma amostra, a massa fervente era despejada em caixas de madeira. Nesse momento, com o acar ainda quente, dois trabalhadores, um de cada lado, batiam com uma enxada, esparramando, mexendo e raspando at o fundo da caixa. O resultado era um acar moreno, tipo mascavo.

Novo ciclo econmicoA partir do sculo XIX, a economia canavieira nacional foi bastante prejudicada pela conjuntura internacional. Nessa poca, a fabricao do acar feito de beterraba alcanou grande desenvolvimento na Europa, chegando a superar o da cana-de-acar. Assim, os europeus libertaram-se do fornecimento do produto proveniente das Amricas. Por outro lado, a indstria aucareira das Antilhas, adotando tcnicas e equipamentos mais avanados, expandira-se bastante, e passou a fazer forte concorrncia ao Brasil, em termos de

qualidade e preo. Para piorar as coisas, no incio do sculo XIX, pases como Inglaterra, Frana e Holanda estabeleceram barreiras compra do acar brasileiro, em favor de suas colnias. Diante da conjuntura desfavorvel, os preos do produto, em 1830, caram pela metade, e a indstria nacional ainda sofria deficincias internas, empregando tcnicas rudimentares no cultivo e processamento da cana. Alm disso, as embalagens do acar destinado exportao eram precrias, em caixotes de madeira; sua perecibilidade aumentava, devido ao mau estado das vias terrestres, especialmente na estao chuvosa. Assim, o Brasil perdeu, aos poucos, a liderana na produo aucareira. No estado de So Paulo, os agricultores voltaram-se, ento, para a explorao de outra cultura que apresentava maior potencial de venda: o caf, que j havia se instalado no Rio de Janeiro e se estendia pelo vale do Paraba. Piracicaba no escapou do declnio do acar e expanso do caf. Mesmo perdendo espao, no entanto, as lavouras de cana nunca chegaram a desaparecer,

A cultura da canade-acar propiciou o estabelecimento dos primeiros moradores de Piracicaba, determinou seu desenvolvimento e transformou a cidade, no passado, na capital nacional do acar.

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apesar de apresentarem desempenho mais modesto e continuarem sendo cultivadas por meio de tcnicas arcaicas. Em 1836, juntamente com Itu, Porto Feliz e Capivari, Piracicaba fornecia aproximadamente metade do acar produzido e exportado no estado. Alm do caf, tambm o algodo passou a competir com a cana em rea plantada no municpio, entre 1860-1870. Como ocorreu em outros pontos do pas, a transformao dos antigos engenhos em grandes usinas processou-se de forma bastante lenta, a partir de 1875, atravessando toda a primeira metade do sculo XX. A estrutura da produo, herdada dos tempos coloniais, era muito atrasada, baseada em instalaes precrias e aparelhos de baixo rendimento. O mesmo obsoletismo verificava-se na indstria. A utilizao do bagao como combustvel, prtica conhecida h algumas dcadas em outros pases, s foi introduzida no pas por volta de 1857, inicialmente na Bahia, passando, depois a ser de uso generalizado em Pernambuco e em outros locais. Assim, muitos engenhos, paralisados pela falta de lenha, puderam voltar atividade.

Com o decorrer do tempo, no entanto, houve algumas inovaes tcnicas no setor: o ano de 1817 marca a introduo do vapor na agroindstria canavieira. Pernambuco importava tantas mquinas desse tipo da Inglaterra que, em 1829, a empresa Harrington & Star montou uma fundio no Recife para a fabricao de peas. Logo depois, David Bowmann instalou outra; surgiu, tambm, uma firma nacional, a Fundio dAurora, que se aventurou na construo de aparelhos completos. Apesar do pioneirismo da metalurgia pernambucana, o governo do Rio de Janeiro, pressionado, talvez, pelos fornecedores ingleses de equipamentos, resolveu acabar com a primeira fbrica de motores a vapor instalada na Amrica do Sul. Em 1836, as importaes para maquinrios agrcolas foram consideradas isentas de pagamentos de impostos, e impuseram taxas sobre o ferro bruto e outros metais necessrios s fundies. O Segundo Imprio transcorreu em um quadro de contradies no setor aucareiro, com o antigo coexistindo com a modernidade. Em 1852, foram

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introduzidas novas moendas na agroindstria canavieira em Pernambuco, desenvolvidas pelos irmos Alfredo e Eduardo de Mornay, que aumentaram em 50% seu rendimento.

para se libertar do fornecimento irregular de terceiros. Discorrendo sobre o assunto, a escritora Silvia Sampaio (1976) explicou que o antigo engenho funcionava somente com um terno de moendas, acionado por mquina a vapor, e a evaporao efetuava-se a fogo direto. Em conseqncia, era baixa a recuperao do acar contido na cana. A elevada porcentagem de desperdcios industriais fazia com que o produto obtido fosse mais impuro, de pior aspecto e de conservao mais difcil. O processamento exigia grande nmero de trabalhadores, portanto, seu custo de fabricao era elevado. A moderna usina, por sua vez, utilizava a evaporao a vcuo da gua contida no caldo da cana. Ao longo do tempo, os conjuntos de moendas, sempre com maior capacidade de extrao, passaram a retirar da cana o mximo de acar, utilizando o bagao nas fornalhas das caldeiras como fonte energtica. A qualidade do produto pde, ento, ser melhorada, obtendo acar cristalizado com menos impurezas. Do melao, era possvel fabricar o lcool. Os proprietrios eram pessoas

Surgem os engenhos centraisUm fato novo ocorreu em 1875, quando o governo imperial passou a incentivar a tradicional indstria aucareira no Brasil. A tentativa visava melhorar o rendimento das lavouras e modernizar a fabricao. Surgiram, assim, os engenhos centrais, grandes unidades destinadas moagem de cana e processamento do acar, que se constituram em embries das modernas usinas. Inicialmente, tais estabelecimentos foram financiados pelo capital estrangeiro e receberam garantias do governo para seu funcionamento. Favorecidos, tambm pelo desenvolvimento de ferrovias, que possibilitou a vinda da matria-prima de locais mais distantes, os engenhos centrais comearam a instalar-se. Por volta de 1890, j cultivavam sua prpria cana,

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Engenho Central de Piracicaba: uma das mais importantes indstrias da cidade, at 1920

jurdicas, a grande maioria, sociedades annimas, buscando a reduo de custos da produo, e a melhoria da produtividade. Graas aos incentivos do governo, surgiram muitos interessados na instalao de engenhos centrais: dos 87 projetos aprovados, no entanto, foram implantados, efetivamente, doze engenhos centrais no pas. Em Piracicaba, aproveitandose dos subsdios concedidos pela Lei imperial 1.237, foram criados dois empreendimentos desse tipo

pioneiros em So Paulo a Cia. do Engenho Central, em 1881, e o Engenho Central Monte Alegre, em 1888, fundado por Antnio Alves Carvalho. O primeiro resultou da fuso de capitais franceses com os dos poderosos fazendeiros da regio, Estevo de Rezende, o futuro Baro de Rezende, e o Baro de Serra Negra. Assim, a empresa instalou-se margem direita do rio Piracicaba, visando o aproveitamento da gua para movimentao de mquinas. O Engenho Central entrou, oficialmente, em operao, em

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1883, e, at o final dos anos 1920, foi a maior e a mais importante indstria da regio. Era praticamente auto-suficiente, pois, alm, do processamento industrial, cuidava da produo e do transporte de sua matria-prima. Todos os equipamentos e materiais necessrios a seu funcionamento foram importados da Frana, fabricados pela Brissonneau Frres & Companie, de Nantes. A cana era fornecida pelas fazendas do Baro de Rezende, incorporadas ao patrimnio da usina. Para seu transporte, foram construdos quinze quilmetros de linha frrea, das lavouras at o interior da fbrica. Os trens saam do Engenho, percorriam a chamada avenida dos bambus (hoje, avenida Maurice Allain), trafegando paralelamente aos trens da Cia. Sorocabana, em direo estao Baro de Rezende. Desde sua criao, o Engenho Central enfrentou muitas crises, que exigiram vrias reestruturaes societrias, com diferentes denominaes: Empresa do Engenho Central (1881), Niagara Paulista (1891), Societ de Sucrrie de Piracicaba (1899) e, finalmente, Societ de Sucrrie Brsilienne (1907). Esta ltima,

cuja sede era em Paris, possua, tambm, unidades produtivas em outros locais. O Engenho Central de Piracicaba, possua vrios alqueires de terra no entorno, que, mais tarde, foram incorporados ao bairro da Vila Rezende. Seu primeiro gerente foi Holger Jensen Koch, substitudo por Daniel Rinn. Posteriormente, outros profissionais dirigiram o empreendimento, a maioria deles de nacionalidade francesa. Esses administradores introduziram novas tecnologias e importaram equipamentos modernos, contribuindo para o desenvolvimento da produo de acar e lcool no Brasil. Em 1884, o Engenho Central de Piracicaba produziu 30 000 arrobas de acar, enquanto todos os outros estabelecimentos existentes no estado de So Paulo, somados, fabricaram, apenas, 16 000 arrobas. Naquela poca, o produto perdia terreno para o caf e havia muitos engenhos desativados, chamados de fogo-morto. O Engenho Central reativou a produo aucareira e devolveu a Piracicaba a posio de centro tradicional nessa fabricao.

Os engenhos centrais tornaram-seagentes de mudana na tradicional indstria aucareira brasileira. Promoveram maior utilizao das estradas de ferro e do trabalho livre, incentivaram a substituio da trao animal pelo uso do vapor como fora motriz, e introduziram equipamentos mais avanados na fabricao do acar.

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Crise nos engenhosNo final dos anos 1800, os engenhos centrais comearam a entrar em crise. Os diversos estudos sobre as causas desse fracasso apontam a retrao do mercado internacional, os problemas com o fornecimento de cana, a falta de planejamento nos transportes e no emprego de capitais. Eles sofreram, tambm, com a inexperincia de muitos administradores, com a dificuldade de substituio de peas dos maquinrios, e a deficincia de mo-de-obra especializada para realizar os reparos necessrios nos equipamentos. Alm disso, o desinteresse de fornecedores, que preferiam produzir aguardente, ou mesmo acar pelos velhos mtodos, e o custo excessivo representado pela aquisio de lenha para as caldeiras, que, muitas vezes, era consumida em volume quase equivalente ao da cana moda, contriburam para a derrocada do modelo proposto. Em sua maioria, esses estabelecimentos acabaram arrematados pelos prprios fornecedores de equipamentos, ou por seus prepostos, como aconteceu com os engenhos centrais de Piracicaba, Porto Feliz, Rafard e Lorena, no estado de So Paulo, adquiridos pelos prprios franceses que os montaram. Dessa forma, surgiu, no incio do sculo XX, a Cia. Sucrrie Brsilienne, que se transformou na maior produtora de acar de So Paulo.

Tempos de mudanaDe qualquer forma, ao tentar reduzir os custos de fabricao com a introduo de novas tcnicas no setor, decretava-se o fim dos velhos engenhos: eles acabaram feridos de morte pelo emprego do vapor como fonte de energia. As novas moendas podiam processar maiores quantidades de cana, extraam grandes volumes de caldo, e obrigaram a reformulao dos mtodos tradicionais de fabricao. Nessa poca, alguns engenhos evoluram e transformaram-se em usinas. Outros limitaram-se a eliminar as fornalhas tradicionais os bangs , que lhes davam o nome, adotando, quando muito, o processo a vcuo e as turbinas, ficando na metade do caminho do desenvolvimento tecnolgico. As novas indstrias assim constitudas tambm utilizavam a matria-prima proveniente de

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Fazenda Monte Alegre, em 1845, onde foi instalado um engenho central que se transformou, mais tarde, em usina

seus prprios canaviais, o que as tornava mais independentes do fornecimento de terceiros. Com o tempo, a essas novas unidades, denominadas usinas de acar, somaram-se outras, de iniciativa privada, tanto no Nordeste, que concentrava a maior parte da produo brasileira, como em So Paulo. Aproveitando a poltica governamental de incentivo produo aucareira, outro Engenho, o de Monte Alegre, foi modernizado e teve sua capacidade industrial aumentada, em fins do sculo XIX. Com financiamentos obtidos

junto ao Banco Real de So Paulo, suas instalaes foram remodeladas, transformando o velho engenho em uma usina que, em 1910, foi incorporada Sociedade Annima Refinadora Paulista S. A., de propriedade da famlia Morganti. Mais tarde, durante a dcada de 1920, o estabelecimento teria grande expanso, tornando-se um dos maiores complexos agroindustriais do acar do estado de So Paulo. A pesquisadora Eliana Tadeu Terci destaca que a modernizao da arcaica estrutura produtiva da indstria aucareira, com o advento dos engenhos centrais

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e das usinas, desencadeou um processo de transformaes tcnicas, econmicas e sociais no municpio de Piracicaba. As usinas, embora mantivessem as fases de produo dos engenhos, modificaram o processo de fabricao, adotando, alm de profissionais mais especializados, novo padro tcnico e de controle administrativo. A partir de 1889, o acar comeou a perder gradativamente posies nas exportaes brasileiras, e o setor foi abalado por uma srie de desequilbrios entre a oferta e a demanda. Mesmo com a crise, em 1896, o municpio de Piracicaba era, ao lado de Capivari, o maior fabricante de acar do estado, cabendo a Santa Brbara o primeiro lugar em aguardente. Por outro lado, observa-se que, mesmo em seus tempos ureos, o caf no chegou a alcanar grande destaque na regio. No final do sculo XIX, a cidade de Piracicaba beneficiouse, tambm, do dinamismo de Luiz Vicente de Souza Queiroz, precursor do processo de industrializao local. Em 1876, o arrojado empresrio empregou seus capitais na instalao de uma fbrica de tecidos, a partir do algodo, qual deu o nome de

Santa Francisca. O estabelecimento, chamado, mais tarde, de Arethuzina, foi, posteriormente, adquirido por outros empreendedores e, em 1918, transformou-se na Cia. Agrcola e Industrial Boyes, controlado por empresrios de origem inglesa. Outra agroindstria, com mentalidade mais moderna, surgiu, ainda, em Piracicaba, em 1911: a usina Capuava, fundada pelo empresrio Cristiano Mathiessen, de origem dinamarquesa. Com orientao tcnica avanada para a poca, j possua, em 1921, lavouras de cana mecanizadas, prtica, ento, pioneira. Trs anos depois, foi implantada ao lado do estabelecimento uma unidade de produo de gs carbnico, a partir da fermentao do caldo da cana, fato indito no Brasil. A fabricao de acar foi paralisada em 1945, quando a empresa deixou de ser familiar para transformar-se em sociedade annima. Prosseguiu, entretanto, fabricando aguardente e, tambm, gs carbnico, a partir de leo combustvel, at os anos 1970.

Benefcios do cafGraas breve passagem das lavouras de caf rumo ao Oeste, a

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cidade pde, tambm, melhorar, relativamente, o transporte ferrovirio. Apesar de precrios, os trens serviram para que as usinas de acar pudessem escoar suas produes durante muito tempo. O surto cafeeiro promoveu, tambm, a vinda de imigrantes para trabalhar nas lavouras da regio (ver boxe p. 34). Geralmente eram italianos que permaneceram fiis sua origem rural. Aproveitando o desmembramento de grandes glebas de terras no interior do Brasil, conseguiram tornar-se proprietrios, a maioria fornecendo cana para os engenhos centrais e usinas. o caso tpico de Santana e Santa Olmpia, dois bairros rurais de Piracicaba, situados a doze quilmetros do centro da cidade, fundados em 1877 por tiroleses, imigrados do Trento, ento territrio austraco. Uma dessas famlias, os Vitti, conseguiu adquirir uma fazenda que, a partir de 1910, comeou a ser dividida entre seus descendentes. Com a crise do caf, os tiroloses passaram a cultivar cereais, mas logo depois plantaram cana, pois prximo dali, um pequeno engenho de aguardente se transformaria na maior usina da regio,

at hoje em funcionamento: a Costa Pinto, da qual os tiroleses se tornariam importantes fornecedores de matria-prima. Observa-se que os dois tipos de lavoura dominantes do cenrio piracicabano, no final do sculo XIX e no incio do seguinte, no apresentaram o aspecto de esvaziamento observado em outras reas do pas, quando entraram em decadncia. A cana, responsvel pelos primeiros desbravamentos, s perdeu intensidade por volta de 1850. Cedeu espao apenas durante um curto perodo ao caf, instalado em Piracicaba por ocasio de sua passagem para a regio Oeste paulista. A explicao para este fato que os agricultores preferiram ampliar as lavouras de cana e aperfeioar os antigos engenhos, do que instalar novos maquinrios para o benefcio do caf. Assim, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando So Paulo tornou-se importante plo aucareiro, ameaando a hegemonia de Pernambuco, ento, o principal estado produtor do Brasil, Piracicaba expandiu ainda mais a fabricao de acar e os canaviais firmaram definitivamente seus domnios na regio.

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CHEGAM OS IMIGRANTESFazer a Amrica foi o sonho de muitos italianos que deixaram a ptria a partir da segunda metade do sculo XIX. Calcula-se que, de 1878 at os dias atuais, cerca de um milho e meio de pessoas daquele pas estabeleceramse no Brasil. O fenmeno concentrou-se mais entre 1887 a 1902, quando o nmero de imigrantes ultrapassou a cifra de 900 000 indivduos. A Itlia vivia, ento, aps a unificao de seu territrio, momentos de modernizao no campo, principalmente no Norte. Os agricultores ali estabelecidos, perseguidos pela grande presso demogrfica e castigados por altos impostos, no conseguiam sobreviver, restando-lhes como sada vender suas terras e trabalhar para os grandes proprietrios rurais, ou ento, nas indstrias emergentes no pas. Para esses modestos camponeses, tornara-se impossvel praticar economia de subsistncia, em funo da unificao monetria, do aparecimento do sistema fiscal nacional e de um tmido movimento de capitalismo agrrio. Por isso, a alternativa de imigrao era uma oportunidade para essas pessoas melhorarem de vida, trabalhando em locais onde pudessem aproveitar a experincia j adquirida. E principalmente nas lavouras do Brasil, que, ento, necessitavam de grandes contingentes de mo-de-obra para sua expanso. Dessa unio de interesses, estabeleceu-se um intenso fluxo migratrio entre os dois pases, estimulado por intensa propaganda efetuada pelos agentes das companhias de navegao. Muitas vezes, estes acenavam com falsas promessas de enriquecimento rpido e de liberdade, contando maravilhas sobre a nova terra. Aos imigrantes italianos apresentavam-se, de imediato, duas possibilidades: trabalhar nas fazendas de caf ou nas colnias de povoamento nas reas de fronteira. Mais tarde, quando decidiram transferir-se para os centros urbanos, os imigrantes desempenharam importante papel no desenvolvimento do setor industrial e de servios. O percurso Itlia-Brasil era feito em aproximadamente trs semanas pelos navios a vapor. Em seu interior, reinava uma separao rgida entre a primeira, segunda e terceira classes. Nesta ltima, onde o espao era mais precrio, os viajantes passavam a maior parte do tempo no convs, quando as condies climticas permitiam. A superlotao, a pouca variedade de alimentos e a higiene precria podiam provocar a difuso de doenas. A bordo desses navios estreitavam-se os laos de solidariedade, embora houvesse dificuldades de comunicao, pois muitas pessoas falavam diferentes e incompreensveis dialetos. De qualquer forma, a ansiedade, a preocupao com o futuro e a esperana de encontrar oportunidades na nova ptria eram sentimentos comuns a todos. No Brasil, aguardava-se com ansiedade essa mo-deobra estrangeira que viria substituir os escravos, libertados pela Lei urea, em 1888. Eles se dirigiram para vrios pontos do pas, desde o Nordeste at os estados do Sul, inclusive, na Amaznia; mas foi em So Paulo onde se estabeleceram 70% dos recm-chegados. Para receb-los, foi criada, na Capital, uma hospedaria que podia abrigar 1 200 pessoas, mas teve de acolher, em determinados momentos, at 6 000 imigrantes. Ali eles eram registrados, recebiam refeies e aguardavam transporte ferrovirio para as fazendas do interior. Nessas propriedades, que viviam o apogeu do ciclo do caf, famlias inteiras eram contratadas. Somente parte do pagamento era feita em dinheiro (proporcional ao nmero de plantas que os agricultores cuidavam); o restante era representado pela permisso de criar animais e cultivar pequenas lavouras de subsistncia. Dessa forma, muitos italianos trabalharam arduamente e conseguiram juntar economias para adquirir suas prprias terras. Outros preferiram encarar os desafios dos centros urbanos, preenchendo vazios no mercado de trabalho com a prestao de servios e, principalmente, na indstria. Quem soube aproveitar as oportunidades e contou com um pouco de sorte, conseguiu amealhar verdadeiras for-

Presena italiana em Piracicaba: artistas do Circolo Drammatico Italiano Vittorio Alfieri, fundado por Giuseppe Campagnoli, em 1897, que faziam recitais e espetculos na cidade

tunas, conquistando rapidamente posies importantes na dinmica e flexvel sociedade da poca. Assim, at 1915, registrou-se uma forte preponderncia de mo-de-obra rural e ncleos com baixo nvel de escolaridade. A partir de ento, acentuou-se a vinda de indivduos sozinhos, com alguma especializao, como pedreiros, operrios de fbricas. Nessa poca, desembarcou no Brasil o italiano Mario Dedini (1893-1970).

Sua trajetria no difere muito da de tantos outros cidados italianos decididos a conquistar a Amrica. Proveniente da distante Lendinara, na regio vneta, chegou em momento favorvel para o progresso e a ascenso social. Ele soube, como alguns de seus compatriotas, aproveitar as oportunidades e escrever uma histria pessoal de sucesso, repleta de criatividade, esforo e esprito empreendedor.

Em 1905 quase metade dos habitantes de Piracicaba era de origem italiana e portanto, essa foi a influncia mais forte

CAPTULO 1

A industrializao em PiracicabaPtria todo lugar que o homem forte escolhe para morada.Quinto Crcio, escritor romano, no sculo I.

Equipamentos Dedini para usina de acar, nos anos 1940

m Piracicaba, ocorreu o casamento perfeito entre a agricultura e a indstria, uma sendo, ao mesmo tempo, causa e efeito da outra, convivendo, quase sempre, em simbiose econmica. Essas atividades progrediram e se retraram inmeras vezes, influenciadas por estmulos externos, nacionais ou mundiais do mercado aucareiro, sujeito a freqentes desequilbrios. At mesmo a mais antiga fbrica da cidade, a Arethusina (mais tarde, Boyes), tambm fazia parte dessa integrao, pois tecia o algodo para confeco das sacas que embalavam o acar. As atividades agroindustriais ligadas cana-de-acar, principal fora econmica da regio, determinaram o aparecimento de diversas empresas no municpio para atender suas demandas. No incio do sculo XX, alm do Engenho Central de Piracicaba e o de Monte Alegre, havia a usina Capuava, em funcionamento desde 1911. A princpio, as usinas piracicabanas possuam oficinas prprias para reparo dos equipamentos, mas, ao longo do tempo, com a expanso aucareira, tal prtica tornou-se invivel, proporcionando condies para o surgimento de novos empreendimentos, com a criao de oficinas especializadas destinadas sua manuteno. Dessa forma, surgiu em Piracicaba um mercado consumidor cativo, representado pelos engenhos e usinas. Por decorrncia natural, a indstria

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aucareira passou a solicitar servios de reparos das oficinas mecnicas e metalrgicas j instaladas na cidade, operadas, na maioria, por imigrantes, com capitais prprios e com pessoal por eles treinados para realizao dos trabalhos. No incio do sculo XX, a empresa de maior expresso em Piracicaba era a Krhenbhl, fundada por suos, em 1870. Reunia serraria e carpintaria a vapor, uma fundio de bronze, mecnica, ferraria, serralheria e depsito de ferro, onde fabricavam foges e arados, alm de se encarregarem da importao de maquinismos para a lavoura e indstria, mediante comisso razovel. A empresa, pioneira na produo de carroas e carros de trao animal, fornecia para vrias regies do estado de So Paulo. Com o advento dos veculos a motor, porm, foi obrigada a mudar seu foco de atuao, passando a fabricar foges e arados

em sua bem aparelhada fundio. Esses industriais pioneiros destacaram-se pelo exemplo de iniciativa empresarial, deixando um importante legado tcnico e profissional. Nos anos 1940, seus descendentes venderam algumas mquinas e equipamentos Dedini e dedicaram-se, apenas, comercializao de implementos agrcolas. O restante da indstria local constitua-se de pequenas oficinas mecnicas, como a de Joo Martins (1900), a Funilaria Vesuvio, de Victorio Furlani (1907), e a Teixeira Mendes & Cia. Dedicavamse aos consertos de mquinas e implementos agrcolas e alguns, tambm, fabricavam veculos de trao animal, que se constituram, durante muito tempo, grandes vetores do desenvolvimento. Neles se transportavam os mais diversos produtos, como lcool, aguardente e gneros alimentcios. Eram, ainda, utilizados para conduzir as pessoas em diversas ocasies, para todos os lugares.

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Normalmente, a fabricao e manuteno de tais veculos era uma atividade familiar. Os empregados fixos eram raros, s contratados quando aumentava a demanda, muito influenciada pela expectativa das safras agrcolas. Para atender s encomendas, maiores no ms de maio, os empresrios adiantavam o preparo de alguns componentes. As peas eram adquiridas de caixeiros-viajantes e chegavam cidade por via frrea. Geraldo Hasse (1996) descreveu em detalhes a confeco dessas carroas: as molas eram feitas na marreta. Nas pontas em que se encaixam as rodas, o eixo, originalmente quadrado, era malhado na bigorna at ficar redondo. Emendava-se, ento, o aro da roda por caldeamento. A solda com eletrodo foi uma inovao implementada mais tarde, apenas, a partir de 1950 e, mesmo assim, nem todos os ferreiros conseguiram adot-la.

Carroas utilizadas no transporte de acar no sculo XIX

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Na estruturao do madeirame, o segredo estava na fabricao dos cubos, feitos preferencialmente de madeira mais resistente. Desse material, eram feitos os varais, corrimo e fueiros. Para completar as rodas, eram cortadas as cambotas (sees curvas das rodas) com serra-fita, de acordo com moldes apropriados altura de cada carroa. Os carrinhos comuns tinham rodas com 1,30 metro de dimetro. A linha de montagem terminava com a confeco da caixa de carga, que era, geralmente, decorada com pinturas pelo arteso.

de caminho. Em Piracicaba, j conhecida como a capital do acar, no entanto, uma dessas modestas oficinas evoluiu de forma muito diferente de tantas outras existentes na poca. Adquirida em 1920, pelos irmos Mario e Armando Cesare Dedini, esta oficina passou, logo depois, a fornecer peas de reposio para os inmeros engenhos existentes na regio. Desmontando-as, desenhando e modelando-as, conseguiu-se, em 1929, construir um conjunto completo para moagem de cana-de-acar. Ao longo do tempo, o pequeno estabelecimento transformou-se em uma empresa de porte, sempre de carter familiar e genuinamente nacional. Diversificou sua produo, acumulou vantagens competitivas, soube aproveitar as oportunidades de mercado, e tornou-se, nos anos 1950, lder na produo de equipamentos para o setor sucroalcooleiro, posio que ocupa at os dias atuais, apesar das incertezas da economia brasileira e das inmeras crises que foi obrigada a enfrentar ao longo do tempo. Tudo comeou em meados de 1920, quando Mario Dedini chegou de charrete, com seu

A Oficina DediniNo interior do pas, a produo de carrinhos, carretas, carroas, carroes, charretes, trolleys e semitrolleys s perdeu o vigor a partir dos anos 1960, com o advento da indstria automobilstica. Nessa poca, a maioria das oficinas fechou. Outras transformaramse em fbricas de carrocerias

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cunhado Bepe Corrente, ao bairro da Vila Rezende, reduto dos imigrantes italianos (ver boxe p. 42), para verificar a situao da oficina de ferraria e carpintaria que Jos Sbravatti queria vender. Nela, consertava e fabricava veculos de trao animal, como trolleys, tlburis, carroas, carroes, charretes e alguns equipamentos agrcolas, como bicos de arados e grades. O estabelecimento funcionava em um prdio alugado, com 400 metros quadrados, situado avenida Conceio 3, 5 e 7, e, na poca, havia oito pessoas ali trabalhando. Compunha-se de uma seo de carpintaria e ferraria, e possua torno mecnico ingls, serra de fita, rebolo, esmeril, motor eltrico de 3 hp, mquina para aplainar madeira, mquina para perfurar e outra para prensar ferro. O preo pedido inicialmente pela oficina era de oito contos e quinhentos mil ris, mas Mario Dedini s possua trs contos. Juntando a poupana de quinhentos mil ris do irmo Armando Cesare, faltavam, ainda, cinco contos de ris, emprestados pelo seu patro Luiz Lombardi, da usina Santa Brbara, onde o jovem Mario trabalhava,

para serem descontados de seus pagamentos futuros. Aps as negociaes e formalizada a venda no tabelio por sete contos de ris, Armando Cesare assumiu o comando do negcio, enquanto o irmo Mario continuou trabalhando na usina Santa Brbara durante certo tempo; conseguia, no entanto, ser liberado s sextas-feiras para auxiliar no trabalho em Piracicaba. Devido presteza e qualidade dos servios e localizao estratgica da oficina, em uma rua pela qual passavam obrigatoriamente os veculos que transitavam pelo bairro da Vila Rezende em direo zona rural, os clientes no paravam de chegar. Em 1922, a oficina passou a chamar-se Mario Dedini & Irmo, com capital elevado para dez contos de ris. O objeto social da empresa era, ento, explorar o fabrico de veculos em geral, mquinas agrcolas e outras, e vendas a varejo.

No bairro da Vila Rezende, emPiracicaba, uma pequena oficina de ferraria e carpintaria evoluiria de forma diferente das outras e tornaria-se, ao longo do tempo, o mais importante complexo industrial da cidade.

Atendimento nos engenhosDessa forma, com o crescente aumento das encomendas, Mario resolveu afastar-se da

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A VILA REZENDE NOS ANOS 1920A Vila Rezende pode ser considerado o bairro mais antigo do municpio. Aos poucos, deixou suas caractersticas rurais, para tornarse urbanizado, principalmente, com a chegada dos imigrantes italianos, estabelecidos em peso naquela parte da cidade. Situado margem direita do rio Piracicaba, era ligado ao centro, na dcada de 1920, por uma nica ponte, chamada de nova. Entre o rio e a avenida (hoje Rui Barbosa) serpenteava a linha frrea da Sorocabana. As vias que cortavam o bairro, sem pavimento, eram chamadas de avenidas, por serem mais largas que outras existentes na cidade. Assim, por ocasio das chuvas, enchiam-se de barro e, na falta delas, ficavam cobertas por uma densa nuvem de p, que invadia casas e estabelecimentos comerciais, causando inmeras reclamaes. Em 1923, pelos jornais, os moradores cobravam do prefeito municipal providncias a respeito, solicitando que os livrasse do flagelo horrvel e pestilento da poeira imunda, que tudo invade!. O problema era amenizado, precariamente, por um cidado chamado Dominguinho, que, vrias vezes por dia, passava com sua carroa, jogando gua no leito das vias. O principal meio de transporte pblico, naquela poca, eram os bondes, que passavam com intervalos de quarenta minutos. Enquanto esperavam, os rezendinos aproveitavam para colocar a conversa em dia e saber as novidades. Os jovens mais afoitos e corajosos especializaram-se em uma aventura: descer do bonde em movimento. Alguns o faziam com grande facilidade, descendo tanto de frente como de costas. No grupo que fazia a faanha com graa e estilo e coragem havia muitas moas, como a jovem Ada, filha de Mario Dedini, e Janeth, conhecida como a francesinha, filha de Jean Joseph Morlet, tcnico francs de destilarias, que morou durante algum tempo na Vila Rezende. J os garotos, mais travessos, divertiam-se de outra forma: passavam sabo nos trilhos para ver o bonde escorregar. O que de fato acontecia. O motorneiro tinha, ento, de jogar areia nos trilhos para restabelecer o trfego. Os veculos de trao animal eram tambm muito importantes no comeo do sculo XX, transportando bens e passageiros. Aos sbados, domingos e feriados, por exemplo, o ptio da propriedade da famlia Valler, na avenida Santo Estevo, ficava repleto de trolleys, carroas e at carroes. Nas cocheiras, os animais recebiam cuidados e alimentao, enquanto seus proprietrios, moradores da zona rural, aproveitavam para fazer compras e passear. O local mais bonito do bairro era, sem dvida, o parque do Mirante, onde se contemplava as guas ainda lmpidas do Piracicaba despencarem no salto, formando ondas sinuosas e levantando uma garoa fina que alcanava as margens. Nos meses chuvosos, o barulho da queda era to alto que impedia qualquer conversa. Era o lugar predileto dos casais de namorados. O futebol era o esporte mais praticado na Vila, que chegou a ter vrias agremiaes como o Esporte Clube Ipiranga, a Associao Atltica Sucrrie, o Luzitano Futebol Clube, o River Plate e o Atltico Piracicabano. Fiel tradio italiana, havia, tambm, muitos adeptos do bocce, cujos praticantes misturavam, em seus dilogos, palavras dos dois idiomas, portugus e italiano. Nas casas do bairro da Vila Rezende, no faltava msica. O rdio estava comeando, mas muitas famlias possuam precrios gramofones. Alm disso, muitos moradores tocavam instrumentos musicais: os sons dos violes, cavaquinhos, violas, bandolins e flautas enchiam as ruas de alegria nas serenatas noturnas. O bairro teve at uma orquestra formada por jovens, organizada pelo proco da igreja da Imaculada Conceio, o padre italiano Julio Caravello, que era um msico nato. Outro orgulho do bairro era a Corporao Musical Unio Operria, fundada em 1906, que durante anos a fio esteve presente em todas as cerimnias e eventos importantes de Piracicaba. O escritor Alcides Aldrovandi, cujo pai foi presidente da banda durante muitos anos contou em seu livro (1991) que era praxe, no feriado de 1 de Maio, o Dia do

Margens do rio Piracicaba no incio do sculo XX. Ao fundo, o bairro da Vila Rezende

Trabalho, os msicos fazerem a alvorada, percorrendo as casas das principais autoridades da cidade. A primeira parada era, invariavelmente, em frente residncia do patrono e mentor da banda Unio Operria, Mario Dedini. At hoje, os msicos conservam essa tradio, tocando neste dia, bem cedinho, para seus descendentes. Naquele longnquo bairro da cidade do interior, aconteciam verdadeiros saraus literrios: na residncia de Alberto Bergamin, que trabalhava na Oficina Dedini, reuniam-se, de tempos em tempos, cerca de dez a quinze pessoas, na maioria casais, muito compenetrados, para sesses de leitura. Ali o membro mais velho, Joo Bosni, lia, em voz alta,

trechos de livros para um grupo de vizinhos semi-analfabetos, mas com grande curiosidade e interesse para conhecer os romances famosos. A Vila Rezende tinha vida prpria e foi, ao longo do tempo, desenvolvendo-se, juntamente com as indstrias Dedini. Muitas das famlias que ali viviam tinham, porm, o sonho de atravessar a ponte sobre o rio e galgar uma melhor posio na sociedade. Os sinais mais visveis dessa escalada eram quando conseguiam ganhar o suficiente para que seus filhos prosseguissem os estudos e para construir uma residncia no centro da cidade, onde habitavam as pessoas mais influentes.

usina Santa Brbara, ainda, durante os anos 1920, para auxiliar o irmo, sobrecarregado de trabalho. Naquela poca, eles perceberam que poderiam partir, tambm, para consertar algumas peas mais simples dos numerosos engenhos de acar e de aguardente existentes na regio, cujos proprietrios sofriam para obter material de reposio que, muitas vezes, tinha de ser importado, obrigando-os a paralisar suas atividades. Surgia, assim, um interessante mercado para a Oficina Dedini, que logo se viu obrigada a aumentar o nmero de funcionrios, e, ao mesmo tempo, adquirir mais mquinas, com os lucros advindos da prpria

atividade, ou ento, recorrendo a emprstimos dos empresrios ligados produo aucareira. Todos tinham interesse em auxiliar os irmos Dedini, devido inexistncia de profissionais capacitados tarefa de prestarlhes assistncia tcnica. Inicialmente, os dois irmos residiam em uma casa vizinha oficina, pequena e desconfortvel, e trabalhavam ao lado de seus primeiros empregados. Armando Cesare casou-se com Stella Biondo (1900-1968), com quem teve cinco filhos (Emilia Helena, Leopoldo, Ermelinda, Iracema e Edna). O segundo filho do casal, Leopoldo, nasceu na usina Ester, onde seu pai estava trabalhando por certo perodo, fazendo reparos nos equipamentos. Mario Dedini chegara da Itlia por volta de 1914 (ver boxe p. 43). Aps passar algum tempo em Santa Rosa de Viterbo (SP), entre outros imigrantes italianos, conseguiu, por meio deles, obter um emprego em uma usina de acar que comeara a se instalar em Santa Brbara (SP), e levava o nome da cidade (hoje Santa Brbara DOeste). Pouco tempo depois, animado com a nova ptria, mandou

Escritura de compra da Oficina Dedini, em 23 de agosto de 1920

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Grupo de funcionrios pioneiros da Oficina Dedini, por volta de 1920. Da esquerda para a direita: Virginio Rizzoto, Guido Spessotti, Angelo Rizzolo, Eugenio Daniotti, Ledemar Castellani, Dante Cardinalli, Joo Stockmann, Armando Cesare Dedini, Angelo Sega, Antnio Baroni, Amador (?), Joo Daniotti (na fresta da porta) e Desiderio Pescarim

chamar o irmo Armando Cesare, que necessitou de uma autorizao especial para viajar, pois era, ainda, menor de idade. Ele veio acompanhado da irm Clementina, casada com um dos membros da famlia Rossin, que tambm se estabeleceria no Brasil. Enquanto Armando Cesare instalou-se na cidade de Piraju (SP) como ferreiro, Mario participou da montagem da usina Santa Brbara, cujos equipamentos eram importados da Frana. Logo dominava a tcnica de fabricao e tornou-se seu

encarregado, apesar de no ser engenheiro. Mais tarde foi promovido a chefe geral, recebendo, sempre, melhores remuneraes, medida que acumulava mais funes e responsabilidades. Mesmo depois de desligar-se da usina Santa Brbara, ao montar seu prprio negcio, Mario continuou, durante vrios anos, prestando assistncia tcnica quela empresa. Ao que parece, nos primeiros tempos, era comum os irmos Dedini se deslocarem para fazer servios no campo. Segundo

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Mario Dedini (segundo da esquerda para a direita) e seus companheiros na usina Santa Brbara, na cidade paulista de mesmo nome, nos anos 1920

relato de Jovelino Furlan ao mdico e escritor Alcides Aldrovandi (1991), eles cuidavam da manuteno do engenho de pinga na Fazenda Santo Antonio, de propriedade da sua famlia. Enfrentando dificuldades para vender sua cachaa, os Furlan resolveram montar um moinho de fub movido a fora hidrulica. Quando as pedras do moinho ficavam lisas, Mario vinha picote-las. Por muito tempo, a famlia guardou como lembrana a alavanca de ferro por ele utilizada para fazer esse servio.

bom momento no estado de So Paulo, e, conseqentemente, em Piracicaba, importante regio produtora. O crescimento teria sido ainda maior, no fosse a ocorrncia de grave doena nas plantaes, o chamado mosaico, que, naquela poca, dizimou muitos canaviais brasileiros. O problema foi contornado, porm, graas ao importante trabalho realizado na Estao Experimental existente na cidade, onde foi desenvolvida uma variedade conhecida como cana javanesa, ou POJ, resistente molstia. Piracicaba foi a primeira localidade a proceder substituio das lavouras afetadas. Alm de ser resistente ao mosaico, a nova variedade era mais rica em sacarose, e enfrentava melhor as geadas, contribuindo, assim, para aumentar a produtividade. Graas a essas vantagens, expandiu-se rapidamente para outras regies do estado. Dessa forma, no perodo de 1925-1926 a 1928-1929, a produo de acar em So Paulo cresceu seis vezes, atingindo quase um milho de sacas (de sessenta quilos). Mesmo assim, no se conseguia atender demanda do mercado interno, avaliada

Doena nos canaviaisQuando Mario Dedini se estabeleceu na Vila Rezende, a lavoura aucareira vivia um

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Dedini 85 anos

MARIO DEDINI: UMA VIDA DEDICADA AO TRABALHO, FAMLIA E COMUNIDADEMario Dedini nasceu em 23 de setembro de 1893, na pequena Lendinara, situada ao norte da Itlia. Os primeiros habitantes da vila, repleta de histrias e glrias de um passado longnquo, foram os sobreviventes da Guerra de Tria. Mais tarde, ficou em poder dos romanos. Foi dominada, tambm, pelos austracos por muito tempo. Essa cidade vneta denominada a Atena do Polesine, banhada pelo rio Adige, hoje com 13 000 habitantes, viveu seu apogeu durante a Repblica de Veneza. Foi ali que Mario Dedini cresceu, cercado da famlia: os pais, Leopoldo e Amalia, e os irmos (Clementina, Palmira e Armando Cesare). Era, ainda, quase criana, quando resolveu ser mecnico, pois preferia, muito mais, sujar as mos de graxa, lidando com mquinas, do que de terra, cuidando da lavoura. Contrariando a vontade do pai, Leopoldo, que preferia v-lo trabalhando ao lado dos irmos no campo, montou uma pequena oficina nos fundos da casa, onde consertava mquinas e implementos agrcolas da famlia e dos vizinhos. Estudou desenho mecnico na Escola Tcnica da cidade e, ao que consta, teria trabalhado, tambm, um certo tempo, na usina de acar de beterraba ali instalada, uma das maiores da Itlia. Diante da instabilidade econmica e poltica reinante na Europa e ameaas da guerra iminente, a famlia conformou-se com sua vinda para fazer a Amrica no incio da dcada de 1910. Antes da partida, sua me, Amlia, teria jogado uma moeda para o alto: dependendo do resultado, ele se estabeleceria na Amrica do Norte ou na do Sul. A sorte decidiu pela segunda. Assim, Mario Dedini embarcou, sozinho, no navio Principessa Elena, em Gnova, com destino ao porto de Santos. Tinha apenas 21 anos e muita vontade de vencer. Viajava com simplicidade, mas no em condies precrias, como vieram tantos imigrantes. No bolso, carregava o dinheiro para a passagem de volta, caso no acostumasse na nova ptria. Ao chegar no Brasil, Mario Dedini foi, inicialmente, para a usina Amlia, em Santa Rosa de Viterbo (SP), do grupo Matarazzo. Segundo relato de Ottilia Furlan Dedini, em setembro de 2005, havia, na poca, muitas dificuldades para arrumar emprego, e, por isso, nos primeiros tempos de Brasil, o jovem imigrante no recusou nenhum servio, at lenha cortou. Sua vocao para consertar mquinas, porm, logo foi descoberta pelo gerente da usina, Ferrucio Silviero. Este senhor, competente profissional e especialista em cozimento de acar a vcuo, o encaminhou, ento, para a usina Santa Brbara, em fase de montagem, em Santa Brbara DOeste. Enviou, antecipadamente, um telegrama com a mensagem: Segue o Mario. O encarregado de receb-lo na estao foi Adolfo Lourencini, que havia conhecido Mario Dedini na infncia, ainda no pas natal. Segundo depoimento de Vidal Florindo Lourencini, em 1991, seu tio Adolfo, no entanto, no distinguiu o amigo do passado entre os passageiros que desembarcaram na estao ferroviria de Santa Brbara. Seguiu pelo caminho da usina at encontrar o hspede mais adiante, andando a p pela estrada, carregando sua mala.

Aps breve dilogo em italiano e um abrao efusivo, quando se reconheceram, Lourencini levou Mario at sua casa, onde ele residiu durante algum tempo. Mais tarde, o jovem instalou-se em uma penso. Ali conheceu a cunhada do proprietrio, Mariana Corrente (1899-1928), chamada de a Morena, que morava em Piracicaba, por quem se apaixonou e se casou, em maio de 1918. Logo depois, ele chamou seu irmo Armando Cesare (1897-1926) para estabelecer-se no Brasil. Inicialmente, o trabalho de Mario Dedini era auxiliar os engenheiros franceses na instalao da usina que ali estava sendo montada. Terminada essa tarefa, j dominava a tcnica de fabricao de acar de cana. To bem e to depressa que, quando se iniciou a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e o ento chefe da usina, Louis Cutieux, precisou voltar para a Frana, ele pde assumir seu lugar.

Retrato de famlia: Mario Dedini, sua me, Amalia, e a segunda esposa, Ottilia, com netos (sentados). De p, da esquerda para a direita: sua filha Ada e o marido Dovilio Ometto; os filhos Armando e Nida (com o marido Arnaldo Ricciardi)

Em depoimento de maio de 2005, a filha mais velha de Mario Dedini, Nida, relembra uma histria que ouviu muitas vezes do pai: a persistncia e o amor ao trabalho ajudaram-no a impor-se diante dos novos patres. Ele conseguiu, depois de muito empenho, colocar em funcionamento um equipamento desativado, apesar da descrena e das caoadas dos colegas que o observavam, durante muitos dias, consertando e emendando, incansavelmente, as tubulaes. Mario Dedini j desempenhava com competncia suas funes, quando recebeu um convite dos colegas para trabalhar em Cachoeiro do Itapemirim (ES). Segundo contam, o

jovem teria recusado, comentando: No, no, grazie. Preferisco stare qui, perche qui devo fare fortuna. (No, no, obrigado. Prefiro ficar aqui, porque aqui vou fazer fortuna.) Firme nessa deciso, Mario adquiriu, em agosto de 1920, juntamente com o irmo, a oficina de Jos Sbravatti, instalada nos fundos de uma casa pertencente a sua sogra, no bairro da Vila Rezende, em Piracicaba. Comearam a trabalhar, inicialmente, no conserto de veculos e implementos agrcolas, depois na reforma e fabricao de equipamentos e mquinas para usinas de acar. Quando uma epidemia de tifo levou seu irmo, Armando Cesare, em 1926, e dois anos depois, sua esposa, Marianna Corrente, Mario precisou de toda coragem para refazer a vida. Na Itlia, foi buscar a me, Amlia, j viva, para ajudar a criar seus trs filhos: Nida, ento com seis anos, Ada, com quatro, e Armando, com seis meses. A av cuidou da educao das crianas e ensinou-os a rezar na lngua italiana, hbito que levaram pela vida. A filha mais velha, Nida, que tambm contraiu tifo, e quase morreu naquela poca, relembra que, quando foi matriculada na escola, falava muito pouco o portugus, pois se comunicava com sua av somente em dialeto vneto. Foram tempos muito difceis. Quem conta a piracicabana Ottilia Furlan Dedini, com quem Mario Dedini se casou em 1938. Ela decidiu que no teria filhos, para criar os do marido. Completamente sem experincia, tive de aprender a fazer todo o servio da casa, inclusive costurar roupas para a famlia. Costumvamos, tambm, preparar lanches para o pessoal que trabalhava na oficina. Quando algum se machucava, fazamos os curativos. No tnhamos dinheiro para nada. Ela se

recorda que, em um desses difceis momentos, Mario Dedini precisou empenhar seu relgio para pagar seus funcionrios.

O comeo de tudoDurante a dcada de 1930, quando ocorreu a modernizao dos antigos engenhos, incentivada pelo Instituto Nacional do Acar e lcool, Mario Dedini, hbil negociante, ofereceu condies favorveis aos usineiros para troca de equipamentos, aceitando os usados como parte do pagamento, e entrando como scio de vrios empreendimentos. Dez anos mais tarde, j vendia usinas de fabricao prpria e abria novas empresas. Assim, conseguiu amealhar grande fortuna. Desse modo, o empresrio atravessou a crise econmica de 1930 e, dez anos depois, j se permitia produzir usinas completas. Seu scio nesses empreendimentos, o filho de imigrantes Pedro Ometto, tambm enriqueceu e ficou conhecido como o rei do acar. Atualmente, a famlia Ometto a maior produtora de lcool e acar do pas. Nos anos 1960, Mario Dedini separou-se de Ottilia Furlan. Casou-se, ento, na Bolvia, com Ignes Seghessi, que o acompanhou at o fim de seus dias. Mario est sempre presente em minha vida, tenho a ntida impresso que est sempre ao meu lado, contou Ignes, em depoimento de setembro de 2005. At hoje fao suas comidas prediletas, como spaghetti alio e olio e ouo as peras que ele tanto gostava. Homem simples e afvel, Mario Dedini era sempre muito elegante; nunca saa sem o relgio no pulso e sem o mao de cigarros da marca Petit Londrinus no bolso. Quan-

O filho de humildes camponeses italianos no se conformou com as difceiscondies impostas pelo regime autocrtico e pela rgida sociedade do seu tempo, onde um pequeno nmero de proprietrios de terras, de capital de crdito submetia uma vasta multido de homens que s contavam com os prprios braos para sobreviver. Esprito audacioso e aventureiro, Mario Dedini deslocou-se da Itlia para o Brasil para aqui implantar uma empresa sempre pautada nos princpios da liberdade, valorizao do trabalho e do esprito do dever.(Depoimento da escritora piracicabana Myria Machado Botelho, em maio de 2005).

do surgiram os problemas cardacos, chegou a parar de fumar por conselho mdico, mas j era tarde, pois sua sade estava irremediavelmente comprometida. A tenacidade e engenhosidade de Mario Dedini permitiram que ele criasse, ao longo do tempo, um impressionante conglomerado empresarial: em 1987, dezessete anos depois de sua morte, o grupo Dedini era, ainda, o maior da cidade, com 24 empresas e 11 365 funcionrios. O faturamento naquele ano foi de 282 milhes de dlares. Esse imprio permitiu que Piracicaba se tornasse um dos mais importantes plos de desenvolvimento da indstria de base nacional. Mario Dedini gostava de novidades tecnolgicas. Apesar de ser o maior fabricante de moendas do Brasil, no hesitou, nos anos em 1960, em trazer da Alemanha um sistema diferente o difusor adquirindo a licena de fabricao. Ouvindo conselho dos especialistas, principalmente, da Escola de Agronomia, foi pioneiro, tambm, na aplicao de vinhaa nas lavouras de cana de sua propriedade, em vez de descart-la nos cursos dgua, como era, ento, costume das usinas. A atuao mais expressiva de Mario Dedini, no entanto, foi a extensa obra social realizada em benefcio da comunidade e a favor da cidade que adotou. Durante toda sua vida, ele deu inmeros exemplos de humanismo, criando e ampliando hospitais (como a primeira maternidade da Santa Casa de Misericrdia, que leva o nome de sua me, Amalia Dedini), escolas (Vila Rezende), asilos (Oratrio So Mario, para os padres Salesianos), igrejas (como a da Vila Rezende, rplica da existente na sua distante Lendinara), postos de puericultura, alm de contribuir para inmeras obras assistenciais.

Em tempos de guerra, Mario

Mario Dedini provou quea vida se constri do cho para as alturas e a riqueza no demora em casa, sem a severidade do trabalho. Em vida, soube criar o hoje e o porvir, assim permitindo que, no monumento que esta terra lhe ergueu em praa pblica, se inscrevesse o aviso letreiro: Contemporneo da posteridade. E, na verdade, esse gigante do insofrevel surto de industrializao do Brasil moderno foi s o que foi, porque assim deveria s-lo. (Theobaldo de Nigris, em 18-121970, por ocasio da inaugurao da herma em sua homenagem na Escola do Senai, em Piracicaba).

Dedini tambm colaborou: por ocasio da Revoluo de 1932, apoiou a luta dos paulistas, fabricando granadas de mo em sua oficina para serem doadas ao exrcito revolucionrio. Mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, colocou disposio das foras aliadas sua indstria para produzir capacetes para soldados e peas (ps) para metralhadoras. Muitas vezes, suas doaes extrapolavam os limites da cidade: certa vez, atendendo ao apelo do governo federal, Mario Dedini desembolsou, no anonimato, a quantia de quase dois milhes de cruzeiros para restaurar e adaptar o Palcio Panphili Doria, que se transformaria na sede da embaixada do Brasil em Roma. Paralelamente sua brilhante trajetria, desenvolveu-se, tambm, a cidade de Piracicaba, que passou, de modesto centro agrcola, a importante centro industrial, em grande parte pelo mrito do filho ado-

tivo, Mario Dedini. Bairros inteiros, como a Cidade Jardim, surgiram com seu apoio. De seu bolso, saiu dinheiro para alargar pontes, rasgar avenidas, construir o estdio de futebol, e, at mesmo, para resolver o problema do precrio abastecimento de gua da cidade. Em 1960, a populao, agradecida e reconhecendo o extenso legado de seu cidado benemrito, erigiu-lhe, na praa principal da cidade, um monumento em granito rosa, obra do artista Luis Morrone. O grupo de trs figuras esculpidas em bronze mostra Mario Dedini ladeado por um ferreiro e uma cortadora de cana, representando as duas foras de trabalho que o auxiliaram a construir sua obra. As honrarias e a grande manifestao de afeto recebidas

em vida, no entanto, nunca o fizeram esquecer do passado de operrio humilde e modesto, nem sua origem italiana, qual permaneceu fiel at o final da vida. Mario Dedini faleceu em 1970, de insuficincia cardaca. Sua ltima apario pblica tinha sido vinte dias antes, na inaugurao das novas dependncias da loja Dedini, por coincidncia, instalada exatamente no mesmo local onde, cinqenta anos antes, montara a oficina com seu irmo. Seu cortejo fnebre foi acompanhado por centenas de pessoas a p, como tributo ao seu expressivo trabalho. Para seus descendentes, Mario Dedini foi sempre uma presena marcante. A filha mais velha, Nida, guarda at hoje um conselho importante do pai: Seja trabalhador, organizado, honesto e sempre vencers!. Os netos, por sua vez, sabiam que a aparncia autoritria e requintada do av escondia um temperamento amoroso e gentil, demonstrado freqentemente na intimidade familiar, impondo respeito e contribuindo para sua educao. O neto mais velho, Marcos, lembra-se que, sistematicamente, Mario Dedini recebia todos eles em seu escritrio, fazendo elogios ou censurando-os, quando preciso. Todos sabiam que aquela era a hora da verdade: ningum conseguia esconder nada do av. No final do encontro, havia sempre uma mesa montada com aperitivos para a confraternizao. Juliana, uma das netas, recorda-se, em depoimento de abril de 2005, que, certa vez, uma amiga contou-lhe que o pai costumava acord-la, quando adolescente, dizendo: Acorde, nessa hora o Mario Dedini j est h muito tempo trabalhando na fbrica!. Sua irm, Cludia, tambm, confessou, em junho de 2005, que o av foi a figura mais marcante em

sua vida. Tive o privilgio de conviver bastante com ele e receber sua ateno. O nonno sabia ser, ao mesmo tempo, impositivo e gentil e valorizava muito as mulheres. Outra neta, Maria Beatrice, comentou, em entrevista aos jornais, que sempre lhe surpreendia o fato de que o av, apesar da origem humilde, ter-se tornado um homem to fino e educado, com grande cultura, que encantava a todos. A essas palavras, o neto Mario Dedini Ometto completa, em depoimento de junho de 2005: Meu av tinha o dom de convencer cada um de ns, os netos, de que era seu predileto. Isto era o resultado de sua liderana natural. Com essa idia, ns crescemos. Mario Dedini tentou aposentar-se duas vezes. Na primeira, disse filha Nida que, para marcar o evento, deixaria de lado o inseparvel relgio do pulso. Embarcou, ento, para a Itlia, em uma longa viagem. Quando voltou, no gostou do rumo que suas empresas tomavam, e resolveu reassumir. Continuou trabalhando por mais algum tempo, at sua sade permitir. O seu escritrio, no entanto, s foi desmontado aps sua morte. Hoje, a sala foi restaurada, sendo cuidadosamente mantida pelo neto, Mario Dresselt Dedini, tornando-se uma espcie de museu dentro da empresa. Em depoimento de abril de 2005, Malo, como conhecido, comenta que o av possua trs caractersticas marcantes: era visionrio, pois antevia os fatos, idealista, pois lutava para realizar seus sonhos e, principalmente, um grande altrusta, pensando sempre nos outros. nesse exemplo de coragem e determinao que ele e os outros descendentes de Mario Dedini procuram espelhar em suas vidas.Monumento em homenagem a Mario Dedini na praa principal da Vila Rezende, em Piracicaba (SP)

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em 2,5 milhes de sacas. Com o aumento das vendas do produto, foi possvel diminuir a grande capacidade ociosa da indstria aucareira paulista, observada em anos anteriores. Na esteira desse desenvolvimento, a pequena oficina expandiu-se, tornando-se as Oficinas Dedini, passando por grande transformao qualitativa. Para atender demanda das usinas da regio, foram adquiridas a fundio de ferro, equipada com um forno Cubillot, e algumas mquinas de segunda mo. Essa expanso era de interesse dos empresrios do setor, que se viam assistidos com mais presteza e rapidez, libertando-se das dificuldades de importao de peas e das visitas espordicas de tcnicos vindos de centros distantes. Como morador vizinho s Oficinas Dedini, Alcides Aldrovandi, j falecido, sempre foi muito ligado empresa. Ele conta em seu livro (1991) que a fundio, instalada avenida Salaz, era um prdio amplo e alto. No fundo, estava instalado o forno e o restante da rea ficava reservada para a modelagem das peas a serem fundidas. As caixas compunham-se de duas partes. Uma,

abaixo do nvel do cho, onde era feito o molde, e, a segunda, sobreposta primeira, onde era posta a outra metade do modelo. Para sua confeco, usava-se uma terra especial, de cor cinza e de textura muito fina. Aps a operao, a caixa era separada, retirando-se a parte superior, e, em seguida, o molde de madeira. Recolocada a parte superior, j com orifcio e canal ligado ao vazio da modelagem, a pea era encaminhada para a etapa seguinte: a fundio. Essa fase atraa at pessoas de fora. Era um verdadeiro espetculo pirotcnico: os cadinhos de ferro derretiam, eram retirados do forno e levados para encher as caixas, explodindo em grande nmero de estrelas, escreveu Aldrovandi em seu livro. O ferro fundido preenchia o volume vazio das caixas, modelando as diversas peas encomendadas. Aps alguns dias, j resfriados, os recipientes eram abertos, sendo as peas retiradas e enviadas para usinagem e acabamento. De tanto observar o trabalho nas Oficinas Dedini, Aldrovandi conta que, quando garoto, ele e seus amigos resolveram abrir sua prpria fundio no quintal da

Aprendizes e funcionrios da Oficina Dedini

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casa. Ali, em um rancho improvisado, montaram caixas e, com restos de terra recolhidos na indstria, fundiram soldadinhos para brincar, pesos para linhas de pesca, uma pequena barra de ferro inscrita com a palavra Paris, e at um crucifixo.

Recrutando aprendizesEntre os funcionrios pioneiros das Oficinas Dedini podem ser citados os nomes de Carlos Mahn (Carlo), Amadeu Galani, Humberto Perozzi, Pedro Segatto, Joo Baptista Galvani (Imbica), Ledemar Castelani, Antnio Galvani, Virgnio Magagnato, Orlando Galvani, ngelo Rizzolo e Alberto Bergamin. O treinamento do pessoal era feito dentro do prprio estabelecimento: admitiam-se menores de idade, como auxiliares de determinado funcionrio, do qual se tornavam aprendizes, adquirindo conhecimentos para, depois de algum tempo, poderem operar sozinhos as mquinas. Observando o trabalho dos mais velhos, muitos deles tornaram-se bons profissionais. Esse costume de trazer crianas para a oficina, hoje totalmen-

te improvvel e desaconselhvel, na verdade, naquela poca, era uma soluo perfeita para os pais: preferiam muito mais ver seus filhos aprender um ofcio, do que ficarem vagando pelas ruas, ou irem nadar no traioeiro rio Piracicaba. Esse era o divertimento predileto dos moleques, brincadeira muito perigosa, que tirou a vida de muitos deles. Alcides Aldrovandi relata em seu livro (1991), que tambm freqentou a oficina, quando garoto. Ajudava seu padrinho, Pedro Segatto, como podia, trazendo-lhe ferramentas, parafusos e cola. Assim como os outros meninos, muitas vezes era requisitado para comprar cachaa para o pessoal nos bares prximos. Segundo ele, quando a tarefa era mais difcil, como, por exemplo, ferrar rodas, os operrios pediam mais a bebida, para resfriar, como diziam. Nessas situaes, os meninos revezavam-se, e iam a bares diferentes, para no dar na vista que se estava bebendo muito na oficina. O trabalho desinteressado dos garotos chamou ateno de Carlos Mahn, o Carlo, que resolveu incentiv-los, fazendo uma surpresa. No dia do pagamento, eles tambm receberam

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um envelope com cinco mil ris. Todos ficaram muitos felizes, pois, assim, passaram a fazer parte da equipe de Mario Dedini. Outro desses aprendizes foi Euclydes Rizzolo. Em depoimento de 2005, relata que o pai, Alcides, um dos primeiros funcionrios das Oficinas Dedini, sabia de suas travessuras, e exigiu que fosse trabalhar em sua companhia. Inicialmente, Rizzolo era menino de recados. Mais tarde, foi transferido para o escritrio. Sua vivacidade chamou a ateno de Mario Dedini, que perguntou a seu pai por que ele no prosseguia nos estudos. Manca i soldi (Falta dinheiro), foi a resposta. Mario Dedini no respondeu, mas, no ms seguinte, ao abrir o envelope que recebia todo ms como pagamento, Rizzolo percebeu, com surpresa, que, em vez do costumeiro valor de cinco mil ris, recebera muito mais. Com esse dinheiro, a me comprou-lhe roupas novas e ele pde cursar a Escola de Comrcio Cristvo Colombo, sem deixar suas obrigaes nas Oficinas Dedini. Ali permaneceu at os anos 1950, quando foi convidado para trabalhar na recm-fundada Cooperativa Piracicabana de Usinas de

Acar e lcool (Copira), embrio da futura Copersucar. Alm do trabalho na oficina, o ento garoto Alcides Aldrovandi tambm foi testemunha de cenas marcantes na residncia dos Dedini, na avenida Conceio, onde residiram Mario e Armando Cesare Dedini, com suas respectivas famlias. Em seu livro, ele conta o entra-e-sai interminvel e a comoo causada pela doena e morte precoce da primeira esposa de Mario Dedini, Mariana Corrente, vtima de febre tifide, que deixou trs filhos: Nida (que se casaria com Arnaldo Ricciardi), Ada (primeira esposa de Dovilio Ometto) e Armando (que se casaria com Norma Dresselt Dedini). Ela no resistiu epidemia, apesar de todos os cuidados do mdico Andr Ferreira dos Santos, o Dr. Preto, como era conhecido, por causa da cor de sua pele, e das oraes da conhecida benzedeira Carolina Martins, que se revezaram na sua cabeceira, recordou-se Aldrovandi. Veiculado pela gua, alimentos crus, moscas, esgotos e pelo contato direto com portadores da doena, o tifo encontrou, naquela poca, condies

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Reformando peas e mquinaspara usinas de acar, Mario Dedini j era, no final de 1920, capaz de fazer alguns equipamentos em sua oficina. Assim, a evoluo para a fabricao foi uma decorrncia natural do empreendimento.

ideais para sua proliferao na cidade. A molstia, que, desde 1911, se espalhara pelo estado de So Paulo, trazida pelos imigrantes espanhis e portugueses, atingiu Piracicaba com maior intensidade na dcada de 1920, levando as pessoas aterrorizadas a abandonar a cidade. A epidemia s foi controlada quando a prefeitura modificou o sistema de coleta de lixo, passou a adicionar cloro na gua destinada ao abastecimento e combateu focos do mosquito transmissor. Mario Dedini tambm perdeu seu irmo, em 1926, vitimado pelo tifo. Passou a dirigir a oficina sozinho, mudando sua denominao para M. Dedini. Na vizinha Santa Brbara dOeste, foi buscar o nico filho homem do irmo, Leopoldo (1919-1976), para encaminh-lo na vida. Com dez anos, ento, o menino foi trabalhar como aprendiz na oficina. Apesar de muito inteligente, no gostava de estudar. Aprendeu o ofcio na prtica, e, muito jovem, com catorze anos, nos anos 1930, marcou sozinho no campo a estrutura da usina Santa Elisa, que a Dedini estava montando em Sertozinho (SP). Quem conta sua esposa, Dulce Cardinalli Dedini, em

depoimento de maio de 2005, com quem Leopoldo se casou em 1943, e lhe deu quatro filhos (Roberto, Elisabeth, Renata e Amlia). Leopoldo Dedini tornou-se um dos principais assistentes do tio, durante vrios anos, acompanhando a expanso da modesta oficina, sempre presente no seu dia-a-dia e participando de seus grandes momentos. Nos anos 1960, saiu para dirigir uma das empresas do grupo, a Mausa, cujo controle acionrio assumiria mais tarde.

Da reforma fabricaoEm meados de 1920, Mario Dedini j estava apto para fabricar o primeiro conjunto de moagem de cana. Para tanto, o empresrio inspirou-se em equipamentos semelhantes, que j havia consertado ou reformado. Como possua uma pequena fundio de ferro e bronze, ele reproduzia inmeras peas, quebradas ou desgastadas durante o processo e fabricao de acar, que precisavam ser substitudas durante a safra ou para a seguinte. Eram, principalmente, eixos, engrenagens, luvas, camisas, mancais, facas, rodetes,

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Projeto de moenda elaborado na Oficina Dedini, em fevereiro de 1930

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entre outras. Comeava, assim, a diversificao da produo. Quando desmontava as moendas de seus clientes, com certeza aproveitava para copiar seus componentes, desenhando e preparando os modelos para serem fundidos em ferro e, posteriormente, submet-los usinagem. Nesse momento, o conhecimento de desenho mecnico que possua foi de grande valia, permitindo, inclusive, melhorar a qualidade e o desempenho das moendas e de outros equipamentos das usinas. No final de 1920, o estabelecimento da famlia Dedini j se espalhava por vrios barraces vizinhos, abrigando vrias forjas para trabalhos de ferreiros e carpinteiros, em oficinas de consertos e de modelagem em madeira para fundio de peas. A antiga fundio situava-se na avenida Salaz (hoje Mario Dedini), atrs da avenida Conceio. A empresa contava com 36 funcionrios e continuou a expandir-se ao longo dos anos. O progresso da indstria repercutiu no bairro da Vila Rezende, que ganhou, naquela poca, at um banco prprio, denominado Agrcola de Piracicaba.

Medalha de ouro oferecida por Mario Dedini aos funcionrios com 25 anos de trabalho na sua empresa

O estabelecimento, no entanto, durou pouco tempo: seu gerente especulou na bolsa de valores de So Paulo com o dinheiro dos clientes, e levou-o falncia. Segundo Aldrovandi, Mario Dedini era comparado ao rei Midas: Tudo que fazia, dava lucros. Comprava uma caldeira velha, abandonada no canto de uma usina, reformava e vendia e assim a oficina foi crescendo. Segundo ele, o servio aumentou tanto que seu irmo, Jos Aldrovandi, chefe do escritrio da empresa, precisou contratar mais um guarda-livros (contador) para auxiliar o primeiro encarregado dessa tarefa, Sebastio de Oliveira. O escolhido foi Lzaro Pinto Sampaio, que trabalhara como telegrafista da Estao Ferroviria da Vila Rezende, e se tornou um dos principais assistentes de Mario Dedini durante longo perodo.

Trabalho socialDesde aquela poca, o industrial costumava ajudar seus colaboradores e os moradores do bairro. Parece ter sido pioneiro ao conceder ao pessoal o direito de consultar o mdico e o hospital

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de sua preferncia. Tambm no hesitou em despedir um tcnico estrangeiro que para ele trabalhava por haver desrespeitado um dos operrios da oficina. A cada cinco anos, Mario Dedini promovia um grande almoo de confraternizao na sua prpria residncia para aqueles colaboradores pioneiros, entregando-lhes, ao final, presentes valiosos. Nessas festas, os participantes se emocionavam. Nunca faltava msica. O prprio industrial dava o exemplo, danando alegremente com seu pessoal. Nos primeiros tempos, os colaboradores da empresa formavam uma grande famlia, ajudando-se entre si e aos mais necessitados. Um fato ocorrido nos anos 1930 ilustra bem isso. Sabendo da morte de um morador da Vila Rezende, aps longa molstia, que deixou viva e trs filhos na misria, morando em um barraco improvisado, um grupo de funcionrios uniu-se para construir-lhes uma casa nova, em regime de mutiro, nos seus dias de folga. Os trabalhado-

res da Dedini ajudaram, tambm, a erguer a Capela da Vila Rezende. Em seu livro sobre a Santa Casa de Misericrdia de Piracicaba (2004), a jornalista Nilma de Oliveira Moratori relata um dos exemplos da generosidade de Mario Dedini para com aquele hospital. Por ocasio da desativao do Sanatrio So Luiz, ele adquiriu, por dois contos e quinhentos mil ris, uma caldeira e a autoclave da instituio, indicados pelo mdico Coriolano Ferraz do Amaral. Os equipamentos, que valiam muito mais, foram reformados e instalados na oficina, contribuindo para impulsion-la. Pouco tempo depois, Ferraz do Amaral procurou Mario Dedini, propondo-lhe vender os equipamentos para a Santa Casa, da qual era provedor. O empresrio pediu tempo para pensar, e depois de visitar o local onde seriam instalados, cedeu-os, sem aceitar nada em pagamento. Ele mesmo encarregou-se do transporte e da instalao do maquinrio. Esta seria uma de suas inmeras doaes quele hospital.

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CAPTULO 2

Modernizao das usinasO trabalho sempre me divertiu e nunca achei minha vida difcil. Sempre fui otimista e confiei no futuro.Mario Dedini (1893-1970), fundador d