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DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS Página 1 de 27 EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR – PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Eduardo Januário Newton, brasileiro, divorciado, Defensor Público do estado do Rio de Janeiro, matrícula nº 969.600-6, vem, com lastro nas disposições constitucionais, convencionais, legais e decisórios, em especial o contido no artigo 5º, incisos XI e LXV, Constituição da República, artigo 11, 2, Convenção Americana de Direitos Humanos e artigo 17, 1, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o decidido nos autos do Recurso Extraordinário nº 603.616/RO, ajuizar a presente ação de HABEAS CORPUS, com pedido liminar, em favor de XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, e XXXXXXXX, todos mantido indevidamente no cárcere cautelar por ordem do r. Juízo de Direito da Central da Audiência de Custódia – autos do processo nº XXXXXXXX – sendo, por essa razão, apontada como autoridade coatora, a partir dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir delineados.

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EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR – PRESIDENTE DO EGRÉGIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Eduardo Januário Newton, brasileiro,

divorciado, Defensor Público do estado do Rio de

Janeiro, matrícula nº 969.600-6, vem, com lastro nas

disposições constitucionais, convencionais, legais e

decisórios, em especial o contido no artigo 5º,

incisos XI e LXV, Constituição da República, artigo

11, 2, Convenção Americana de Direitos Humanos e

artigo 17, 1, Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos e o decidido nos autos do Recurso

Extraordinário nº 603.616/RO, ajuizar a presente ação

de HABEAS CORPUS, com pedido liminar, em favor de

XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, e XXXXXXXX, todos mantido

indevidamente no cárcere cautelar por ordem do r.

Juízo de Direito da Central da Audiência de Custódia –

autos do processo nº XXXXXXXX – sendo, por essa razão,

apontada como autoridade coatora, a partir dos fatos e

fundamentos jurídicos a seguir delineados.

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I – DOS FATOS E DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

1. Todos os pacientes tiveram, em 21 de agosto de

2017, as suas liberdades ambulatórias cerceadas,

inicialmente por ordem de militares empregados em

uma das midiáticas Operações do Exército

Brasileiro , em razão de suposto cometimento de

condutas, que, em tese, se amoldariam aos tipos

penais previstos no artigo 35, Lei de Drogas e

artigo 14, Estatuto do Desarmamento.

2. Desde já, é importante ter em mente o que veio a

ser declarado pelo soldado Sueverton da Silva

Virgínio, diante da autoridade policial:

“Que é Militar do Exército Brasileiro – soldado

do 25º BI PQDT; Que acompanhado de seu colega de

guarnição Uoston Toledo Faustino – soldado,

lotado no mesmo BI PQDT, em operação conjunta com

a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, de

nome da ‘PRESSÃO MÁXIMA’; No dia 21AGO2017,

segunda-feira, estavam em patrulhamento pelo

bairro de Manguinhos quando avistaram três

elementos em atitude suspeita próximo a um

barraco de madeira localizado em baixo(sic) do

viaduto; Que devido à atitude suspeita dos

elementos (sic), a guarnição decidiu realizar uma

busca tantos nos elementos (sic), como também, na

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residência, quando então foram encontrados uma

grande quantidade de material entorpecentes, uma

escopeta calibre 12, munições diversas, uma

determinada quantia em dinheiro e um rádio

transmissor.” (destaquei)

3. A referida versão não é diferente daquela que

veio a ser prestada pelo outro militar ouvido

pela autoridade policial. Eis o depoimento do

soldado Uoston Toledo Faustino:

“Que é Militar do Exército Brasileiro – soldado

do 25º BI PQDT; Que acompanhado de seu colega de

guarnição Sueverton da Silva Virgínio – soldado,

lotado no mesmo BI PQDT, em operação conjunta com

a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, de

nome da ‘PRESSÃO MÁXIMA’; No dia 21AGO2017,

segunda-feira, estavam em patrulhamento pelo

bairro de Manguinhos quando avistaram três

elementos em atitude suspeita próximo a um

barraco de madeira localizado em baixo(sic) do

viaduto; Que devido à atitude suspeita dos

elementos (sic), a guarnição decidiu realizar uma

busca tantos nos elementos (sic), como também, na

residência, quando então foram encontrados uma

grande quantidade de material entorpecentes, uma

escopeta calibre 12, munições diversas, uma

determinada quantia em dinheiro e um rádio

transmissor.” (destaquei)

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4. Além da notória dificuldade dos ditos agentes da

lei compreenderem o estado de inocência, tanto

que usaram, e por mais de uma vez, o termo

‘elemento’, os depoimentos indicam que o ingresso

barraco localizado sob um viaduto não se deu de

forma autorizada tampouco precedida da existência

de mandado judicial de busca e apreensão.

5. Em razão desse cenário, quando da realização da

audiência de custódia, a defesa técnica do

paciente apontou para a ilegalidade da prisão,

uma vez que a inviolabilidade do domicílio foi

golpeada fatalmente.

6. A autoridade coatora, após ouvir os argumentos

defensivos que apontavam para a necessidade de

deferir o relaxamento da prisão, proferiu a

seguinte decisão:

“O Ministério Público se manifestou pela

conversão da prisão em flagrante em prisão

preventiva, conforme mídia. Pela Defesa foi

requerido o relaxamento da prisão dos

custodiados, e, subsidiariamente, pela liberdade

provisória dos mesmos, conforme registro e mídia.

Pelo MM. Dr. Juiz foi proferida a seguinte

DECISÃO: Inicialmente, cumpre consignar que não

foi relatada agressão física no ato prisional,

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pelos custodiados. A regularidade do flagrante

encontra-se presente, na forma dos artigos 302 e

seguintes do Código de Processo Penal.

Compulsando os autos, verifico que os custodiados

foram presos em flagrante delito pela prática, em

tese, do crime de associação para o tráfico de

drogas e porte de arma de fogo, tratando-se,

portanto, de crimes punidos com pena privativa de

liberdade máxima superior a quatro anos (artigo

313, I, do CPP). O fumus delicti comissi,

consubstanciado na prova da materialidade e os

indícios suficientes de autoria decorrem dos

termos de declaração das testemunhas em sede

policial, e pelo Auto de Apreensão que acompanha

a documentação da comunicação de flagrante.

Segundo consta do caderno policial, as forças

policiais e militares que atuavam na operação

denominada ´PRESSÃO MÁXIMA´, com o objetivo de

repressão ao tráfico de drogas na Comunidade do

Jacaré avistaram os três custodiados em atitude

suspeita próximo a um barraco de madeira. Quando

da busca pessoal e domiciliar arrecadaram naquela

residência uma farta quantidade de material

entorpecente, ou seja, 100,2 gramas de crack,

271,7 gramas de cocaína e 7.593 gramas de

maconha. A droga estava dividida em nada menos do

que 1.340 unidades de maconha, 547 unidades de

cocaína e 417 unidades de crack. Mais ainda, no

interior daquela residência havia uma escopeta,

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calibre 12, além de um carregador de pistola

calibre .40, 7 munições também de calibre .40 e 1

munição de calibre 7,62mm. Em que pese o

brilhantismo da fala defensiva, deve-se observar

que o só fato dos custodiados apresentarem

aparência de usuários de drogas, aliás, aparência

de severo vício quanto ao uso de entorpecentes,

tal fato em nada descaracteriza a situação a eles

imputada, qual seja, a posse ou depósito daquele

aparato bélico e da grande quantidade de drogas.

Parece óbvio que não eram os custodiados quem

detinham o domínio final do fato se aquelas armas

seriam empregadas ou se a droga seria

comercializada. Sem sombra de dúvidas, tais

decisões incumbiam invariavelmente aos grandes

traficantes que chefiam o movimento de

traficância de drogas naquela localidade do

Jacaré. Entretanto, em razão do grande aparato

militar mobilizado, com o emprego de blindados do

Exército e da Polícia, e de efetivo de mais de

mil homens, fato este amplamente divulgado pela

mídia, resta claro que os traficantes daquela

localidade utilizaram todos os meios possíveis

para escamotear as drogas e armas que eram

utilizadas pela organização criminosa local. O

caderno inquisitorial ilustra os indícios

suficientes de autoria e a prova da materialidade

delitiva de que os custodiados tenham sido

angariados, ainda que de última hora, para

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auxílio da organização criminosa. É uma hipótese

retratada pela autoridade policial e que ao menos

neste primeiro exame típico de uma cognição

rarefeita realizada em audiência de custódia, não

pode ser de plano descartada. Além disso,

inequívoca a presença do periculum libertatis, o

que atesta a necessidade da custódia cautelar

para a garantia da ordem pública e a fim de

assegurar a aplicação da lei penal. A ordem

pública há de ser preservada, mormente em se

considerando que a utilização daquele aparato

bélico e a comercialização daquela grande

quantidade de entorpecente pelo grupo criminoso

que opera no local, somente é efetivada em

virtude da dificuldade de ingresso das forças

policiais naquele local. Aliás, segundo De

Plácido Silva, ela representa a situação e o

estado de legalidade normal em que as autoridades

exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos

os respeitam e acatam, sem constrangimento ou

protesto (Vocabulário jurídico, Rio de Janeiro,

Forense, v. 3, p. 1101). De certa forma, correta

se nos afigura a arguta advertência do eminente

professor Weber Martins, de que a ´decretação da

medida como garantia da ordem pública não tem

relação direta com o processo. Em vez disso, está

voltada para a proteção de interesses estranhos a

ele, tem nítidos traços de medida de segurança´.

(Liberdade Provisória, Rio, Forense, 1981m o,

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77.). Sendo a medida de segurança também uma

forma de resposta penal, não é estranho que a

custódia preventiva possa visar a torna-la

possível ao final do processo de conhecimento.

Esta colocação pode superar a questão

satisfatoriamente. Por isso mesmo dizia Faustin

Hélie: ´A prisão preventiva é, ao mesmo tempo,

uma medida de segurança, uma garantia da execução

da pena e um meio de instrução´ (Traité, cit.,

t.4, p. 606). A aplicação da lei penal por sua

vez decorre da verificação de que não consta dos

autos qualquer comprovante de endereço ou

ocupação lícita dos custodiados. No que diz

respeito à conversão da prisão, considerados os

requisitos previstos nos artigos 312 e 313 do

CPP, entendo presentes os elementos necessários à

conversão da prisão em flagrante em prisão

preventiva, conforme requerido pelo Parquet.

Presentes os elementos que amparam a decretação

da prisão preventiva dos custodiados. Na hipótese

não se demonstra como razoável e cabível

imposição de medidas cautelares, substituindo a

prisão preventiva. Ante o exposto, CONVERTO A

PRISÃO EM FLAGRANTE DOS CUSTODIADOS, EM PRISÃO

PREVENTIVA. Expeçam-se mandados de prisão. Façam-

se as anotações de praxe. Em seguida, remetam-se

os autos ao Juízo competente por distribuição,

bem como acautele-se a mídia em local próprio

neste Cartório. Cientes e intimados os presentes.

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Encaminhe-se o custodiado EDIVALDO DA SILVA

FERREIRA ao IML para que realize com a máxima

urgência o exame de idade óssea com o fito de

apurar se o custodiado ostenta mais de 18 anos de

idade, diante da incerteza, em sua qualificação

quanto à sua data de nascimento, e o fato de que

nem mesmo o custodiado é capaz de precisá-la.

Nada mais havendo, foi determinado o encerramento

da presente que, após lido e achado conforme, vai

devidamente assinado.” (destaquei)

7. Eis a ilegalidade praticada!

8. A presente provocação do Poder Judiciário, que se

materializa por intermédio desta ação

mandamental, não se volta contra a argumentação

metajurídica empregada pela autoridade coatora,

uma vez que o integrante do Poder Judiciário não

possui competência para agir como se agente de

segurança pública fosse.

9. Muito embora não seja esse o ponto, é relevante

colacionar preciso entendimento decisório

assumido por esse Egrégio Tribunal de Justiça,

que repudia a confusão entre as funções de

magistrado e daquelas próprias de um “xerife”, in

verbis:

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“A justiça criminal acaba consagrando um

apartheid racial nos presídios, sem se preocupar

com o direito de defesa dessas pessoas e tudo em

nome de uma política de economia, celeridade

processual e de segurança pública como se dentro

dos autos do processo criminal não houvesse

GENTE, ser humano.

O juiz se transforma em secretário de segurança.

Ele passa a ser o responsável pela segurança

pública mantendo os indivíduos encarcerados numa

postura típica de um juiz Hércules, isto é, ‘um

juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-

humanas, que aceita o direito como integridade’.

A necessidade de dar segurança à sociedade sai

das mãos do poder executivo (secretário de

segurança) e passa às mãos do juiz que se

transforma no juiz/Batman: o defensor da

sociedade. O homem que amedronta os bandidos com

sua capa preta, depois de assistir ao assassinato

dos seus pais, quando criança, lutando contra o

crime. É este o papel que os magistrados

criminais estão exercendo e não se dão conta:

juiz/Batman.

Segurança pública não é função do juiz. Não é

papel a ser desempenhado pelo magistrado enquanto

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guardião dos direitos e garantias fundamentais no

processo criminal.”1 (destaquei)

10. O fato de a indevida, custosa e desastrosa

“operação militar” ter sido divulgada pelos

diversos canais midiáticos em nada justifica a

prisão preventiva dos pacientes, pois, além de

permitir o questionamento do fumus comissi

delicti que será realizado em momento oportuno

deste writ, o Poder Judiciário, ao exercer a

função contramajoritária para a efetivação dos

direitos e garantias fundamentais, não pode se

tornar um refém da mass media.

11. Aliás, sobre essa questão já se manifestou

Alexandre Morais da Rosa e não deve ser olvidada:

“Devemos apostar no Direito e nas Instituições,

as quais devem confirmar ou rever as decisões,

sem que a mídia possa tomar lugar do julgamento

conforme o Direito. Criticável, portanto, é o

julgamento pela mídia e não o julgamento com a

mídia. Direito de informação não transfere o

lugar da Jurisdição para o ‘Jornal Nacional”2

(destaquei)

                                                                                                                         1   TRIBUNAL   DE   JUSTIÇA   DO   ESTADO   DO   RIO   DE   JANEIRO.   Agravo   regimental   no   habeas   corpus   nº  0011249-­‐55.2015.8.19.0000  julgado,  em  15  de  abril  de  2014,  pela  3ª  Câmara  Criminal.  2   ROSA,   Alexandre  Morais.  Guia   do   processo   penal   conforme   a   teoria   dos   jogos.   4.   ed.   Florianópolis:  Empório  do  Direito,  2017.  p.  348.  

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12. Superada esse obter dictum, é forçoso volver

os olhares para a ilegalidade da prisão, uma vez

que não observou um intransponível mosaico

normativo composto por normas constitucional e

convencionais.

13. E sequer se mostra possível arguir a natureza

permanente do crime de tráfico como manobra

hermenêutica para reconhecer a legalidade do

ingresso dos militares no barraco debaixo de um

viaduto, uma vez que o Colendo Supremo Tribunal

Federal, ao apreciar o RE 603.616/RO, traçou

limites para o afastamento da norma fundamental

contida no artigo 5º, inciso XI, Constituição da

República.

14. Eis a ementa do decisório:

“Recurso extraordinário representativo da

controvérsia. Repercussão geral. 2.

Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da

CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado

judicial em caso de crime permanente.

Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado

judicial para ingresso forçado em residência em

caso de flagrante delito. No crime permanente, a

situação de flagrância se protrai no tempo. 3.

Período noturno. A cláusula que limita o ingresso

ao período do dia é aplicável apenas aos casos em

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que a busca é determinada por ordem judicial. Nos

demais casos – flagrante delito, desastre ou para

prestar socorro – a Constituição não faz

exigência quanto ao período do dia. 4. Controle

judicial a posteriori. Necessidade de preservação

da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da

Constituição. Proteção contra ingerências

arbitrárias no domicílio. Muito embora o

flagrante delito legitime o ingresso forçado em

casa sem determinação judicial, a medida deve ser

controlada judicialmente. A inexistência de

controle judicial, ainda que posterior à execução

da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da

garantia contra a inviolabilidade da casa (art.

5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra

ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de

São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,

artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori

decorre tanto da interpretação da Constituição,

quanto da aplicação da proteção consagrada em

tratados internacionais sobre direitos humanos

incorporados ao ordenamento jurídico. Normas

internacionais de caráter judicial que se

incorporam à cláusula do devido processo legal.

5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio,

sem uma justificativa prévia conforme o direito,

é arbitrária. Não será a constatação de situação

de flagrância, posterior ao ingresso, que

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justificará a medida. Os agentes estatais devem

demonstrar que havia elementos mínimos a

caracterizar fundadas razões (justa causa) para a

medida. 6. Fixada a interpretação de que a

entrada forçada em domicílio sem mandado judicial

só é lícita, mesmo em período noturno, quando

amparada em fundadas razões, devidamente

justificadas a posteriori, que indiquem que

dentro da casa ocorre situação de flagrante

delito, sob pena de responsabilidade disciplinar,

civil e penal do agente ou da autoridade e de

nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto.

Existência de fundadas razões para suspeitar de

flagrante de tráfico de drogas. Negativa de

provimento ao recurso.”3 (destaquei)

15. Ainda nesse momento expositivo, é

imprescindível ter em mente trechos do voto do E.

Relator proferido no citado Recurso

Extraordinário, sendo essa a justificativa da

transcrição nas linhas que se seguem.

“A proteção contra a busca arbitrária exige que a

diligência seja avaliada com base no que se sabia

antes de sua realização, não depois. Esse

princípio é adotado pelo direito norte-americano,

na medida que não dispensa o mandado em situações

de crime em curso, salvo se a busca imediata

                                                                                                                         3  SUPREMO  TRIBUNAL  FEDERAL.  Recurso  Extraordinário  nº  603.616/RO  julgado,  em  05  de  novembro  de  2015,  pelo  Tribunal  Pleno.  Relator  Ministro  Gilmar  Mendes.  

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decorrer de circunstâncias exigentes – ‘exigent

circumstances’ –, assim consideradas ‘as

circunstâncias que levariam uma pessoa razoável a

crer que a entrada era necessária para prevenir o

dano aos policiais ou outras pessoas, a

destruição de provas relevantes, a fuga de um

suspeito, ou alguma outra consequência que

frustre indevidamente esforços legítimos de

aplicação da lei’ – ‘Those circumstances that

would cause a reasonable person to believe that

entry (or other relevant prompt action) was

necessary to prevent physical harm to the

officers or other persons, the destruction of

relevant evidence, the escape of a suspect, or

some other consequence improperly frustrating

legitimate law enforcement efforts’ [United

States v. McConney, 728 F. 2d 1195, 1199 (9th

Cir.), cert. denied, 469 U.S. 824 (1984)].”

(destaquei)

16. Ora Excelências, o ingresso na casa se

efetivou porque militares afirmaram que os

pacientes apresentavam atitude suspeita.

17. Indaga-se: o que é uma atitude suspeita?

18. Encarar um militar fardado é uma atitude

suspeita?

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19. Assustar-se com um blindado transitando pelas

vias urbanas, o que não é comum, se amoldaria

nesse conceito jurídico indeterminado?

20. A resposta, para todos esses questionamentos,

é de fácil obtenção: não se sabe!

21. Aliás, a doutrina já se manifestou sobre esse

verdadeiro conceito jurídico indeterminado que

flerta, e de maneira intensa, com o

autoritarismo, in verbis:

“A coluna fala sobre o festival de horrores da

atitude suspeita que (não) justifica a abordagem

pessoal, nos termos do art. 240 do CPP. A ideia

de que a liberdade é o pressuposto somente

justifica a abordagem policial em face do que se

denomina atitude suspeita. Não raro se indagados

em alguma audiência os policiais repetem: estava

em atitude suspeita. Mas no que consistia a

atitude suspeita? Podemos afirmar que existem

duas respostas possíveis. A primeira, de fato, o

policial teve uma intuição. A pergunta é: pode a

intuição justificar a violação de direitos? (...)

Assim é que a denominada intuição (perícia

intuitiva) se desenvolve porque com o tempo nos

adaptamos a reconhecer os elementos familiares em

dada situação e a responder de modo apropriado,

com aversão ao risco. De fato, o policial não

sabe explicar, mas intuiu que deveria agir.

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A segunda é uma mescla entre ingenuidade e

prevalência dos estereótipos. Os estereótipos são

verdadeiras próteses linguísticas: os cúmulos de

artifício. Já apresentamos no livro ‘In dubio

pro helll: profantando o sistema penal’ que a

tendência a se tomar a decisão mais intuitiva e

fácil prevalece. Exemplo disso acontece no livro

‘Policiamento Ostensivo, com ênfase no processo

motorizado’, do Capitão Élio de Oliveira Manoel,

aqui citado com todo o respeito, utilizado no

treinamento de policiais militares, verifica-se a

seguinte indicação de pedestres suspeitos:

‘- Homens que vagueiam próximos a escolas,

playground, banheiros públicos e piscinas podem

ser pervertidos sexuais;

‘- Homens vagando em locais de grande frequência

de mulheres, como empresas, lojas, hospitais,

podem ser pervertidos sexuais; (…)

‘Na cena de um incêndio qualquer pessoa que

mostre sinais de excitação ou emoção cujas calças

mostrem traços de urina recente ou ejaculação

podem ser piromaníacos.’

Salvo na última hipótese, nas demais, a

abrangência da descrição, de fato, autoriza a

prevalência do arbítrio e da intuição,

incompatíveis com o Estado Democrático de

Direito. Aceitar que situações genéricas possam

servir de justificativa para busca e apreensão é

algo que não se concebe por ser incontrolável.

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Ademais, todos podem ser pervertidos sexuais pela

descrição acima: a abrangência da atitude

suspeita parece ampliar o poder discricionário do

policial para alcançar qualquer um.”(destaquei)

22. É necessário prosseguir a partir do decidido

pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no Tema 280

da sistemática de repercussão geral, o que se

efetivou no RE 603.616/RO.

23. Não se trata, portanto, de qualquer exagero

em afirmar que não se encontravam presentes as

apontadas exigent circumstances, o que indica

para a ilegalidade do ingresso na mencionada casa

e, por via de consequência, da prisão em

flagrante.

24. Da forma como veio a ser apresentada no curso

da audiência de custódia, o reconhecimento da

ilegalidade da prisão em flagrante há de ser tido

como um marco para o Poder Judiciário.

25. Explico: um direito fundamental, qual seja, a

inviolabilidade do domicílio, para a sua

efetivação, não pode depender do CEP.

26. O mais humilde casebre, o barraco, a casa de

palafita também se encontram protegidos pela

norma fundamental prevista no artigo 5º, inciso

XI, Constituição da República.

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27. Pensar e, o pior, decidir em sentido

contrário, tal como o realizado pela autoridade

coatora, representa a permissão de outra

seletividade no controle penal. Ao lado da

seletividade de bens jurídicos, estará se

legitimando uma seletividade de classes sociais,

isto é, a depender do status social a

Constituição da República poderá, ou não, ser

observada para determinada pessoa.

28. Na verdade, a seletividade na observância do

direito fundamental da inviolabilidade do

domicílio representa privilégio odioso.

29. Independentemente de suposta culpa dos

pacientes, o que deverá ser objeto de

investigação no curso do devido processo legal,

não podem direitos e garantias fundamentais lhe

serem suprimidos, sob pena de soçobrar o

prometido Estado Democrático de Direito.

30. Em assim sendo, postula o impetrante pelo

reconhecimento da ilegalidade existente, qual

seja, ingresso em domicílio de maneira ilegal,

não sendo sequer possível enquadrar nos limites

excepcionados pelo Colendo Supremo Tribunal

Federal – autos do Recurso Extraordinário nº

603.616/RO - , o que implicará no relaxamento da

prisão imposta ao paciente.

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II – DA COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A

CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA

31. Para a concessão da tutela de urgência,

conforme iterativo entendimento jurisprudencial e

doutrinário, é imprescindível a comprovação

cumulativa de 2 (dois) requisitos: a

plausibilidade do direito invocado e o real

perigo na demora da prestação da tutela

jurisdicional.

32. O primeiro dos requisitos é aferido no curso

desta petição inicial, sendo relevante apontar,

por mais enfadonho que esse labor possa

representar, que o ingresso no casebre debaixo do

viaduto não foi consentido tampouco precedido de

autorização judicial.

33. Ademais, o caso em tela não se enquadra nos

limites excepcionados nos parâmetros

estabelecidos pelo Colendo Supremo Tribunal

Federal.

34. E que não se invoque o fato de a prisão em

flagrante ter sido convertida em preventiva, uma

vez que a alteração do título prisional não

afasta a mácula existente.

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35. A alegada ausência de comprovantes de

residência e ocupação lícita, argumentos

apresentados pela autoridade coatora para

fundamentar o ergástulo cautelar, com o devido

respeito tangencia o absurdo, quer seja por não

existir previsão legal nesse sentido, quer seja

pelo fato de os pacientes serem moradores de rua.

36. Em meio a uma evidente crise econômica,

exigir comprovante de ocupação lícita, o que se

daria por meio de cópia da CTPS, chega as raias

do absurdo, surreal e perverso.

37. A ordem pública, que veio a ser invocada pela

autoridade coatora, a despeito de ser um conceito

jurídico indeterminado, não constitui um

verdadeiro cheque em branco disponível para o

hermeneuta, ainda mais quando se considera a

previsão constitucional do estado de inocência.

38. Até o presente momento, não se pode afirmar

que risco a liberdade dos pacientes representaria

à ordem pública.

39. A plausibilidade jurídica do pedido liminar

possui, entre outros lastros, a ausência de

periculum libertatis.

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40. Muito embora não seja comum nas ações

mandamentais valer-se de fotos; no presente caso,

mostra-se necessário empregar desse expediente

para abalar um dado importantíssimo e submetido a

“drible hermenêutico” realizado pela autoridade

coatora, qual seja, o perfil dos pacientes

demonstra já no plano indiciário, e de maneira

cabal, incontestável e inquestionável, que não

são traficantes, associados ou portadores de

apetrechos bélicos.

41. Tal como apontado na audiência de custódia, o

comprometimento dos pacientes com o uso de

entorpecentes é gritante. Não constituindo,

portanto, qualquer exercício próprio de um

profeta ou exagero retórico afirmar que se os

pacientes, de fato, possuíssem o vasto material

de entorpecente, o teriam utilizado e,

provavelmente, antes mesmo da atuação militar já

teriam sido encaminhados para algum nosocômio em

razão do quadro de overdose.

42. Eis a foto dos pacientes extraídas logo após

a prisão-captura:

XXXXXXXXX

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43. Ainda no âmbito de demonstração da

fragilidade do fumus comissi delicti, e por via d

consequência reforça a presença da plausibilidade

do direito necessária para a concessão da tutela

de urgência, é de suma relevância destacar que o

caso tratado nestes autos veio a ser exposto nos

mais diversos canais de mídia e redes sociais com

a captura dos pacientes, custodiados em um jipe

do Exército Brasileiro e com a apreensão de um

“pé de maconha”.

44. Eis a foto:

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45. O pé de maconha não foi apresentado à

autoridade policial, tanto que não consta nos

bens apreendidos no APF, e, mesmo que se tivesse

sido, somente demonstra que a tipificação

realizada em sede policial e encampada pela

autoridade coatora sequer se mostra a mais

adequada.

46. O outro requisito exigido para a concessão da

tutela de urgência decorre da caótica situação do

sistema prisional fluminense, o que, inclusive,

ensejou a criação de Comitê Interinstitucional de

Enfrentamento à Superpopulação Carcerária.

47. De nada adianta criar um comitê e requerer a

participação de outras instituições públicas, se

o estado das artes não for alterado.

48. Aliás, não se pode desprezar o fato de que,

de acordo com dados elaborados pela SEAP, somente

no mês de janeiro de 2017, dentro do sistema

prisional fluminense ocorreram 22 (vinte e duas)

mortes.

49. O risco na demora da prestação da tutela

jurisdicional é, portanto, decorrente da concreta

ameaça existente à integridade física dos

pacientes, que se encontram ilegalmente presos.

50. Forte nessas considerações, postula pela

concessão de medida liminar, no sentido de que

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seja reconhecida a ilegalidade da prisão, o que

implicará no relaxamento da prisão.

51. Caso o E. Relator entenda que o pedido

liminar se confunda com o mérito desta ação

penal, requer a revogação da prisão preventiva

pela cautelar de comparecimento periódico em

juízo, tal como previsto no artigo 319, inciso I,

Código de Processo Penal.

III – DOS PEDIDOS

Em face de todo o exposto, postula o impetrante:

a. Pela concessão da ordem e habeas corpus, no

sentido de que seja reconhecida a ilegalidade da

prisão, uma vez que ocorreu patente violação de

domicílio, não sendo possível enquadrar a atuação

dos militares em qualquer das exceções previstas

no Recurso Extraordinário nº 603.616/RO, o que

implicará no relaxamento das prisões dos

pacientes;

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b. A título subsidiário, uma vez que não se

encontram presentes os requisitos da prisão

preventiva, isto é, ausência do fumus comissi

delicti e periculum libertatis, pela substituição

da medida cautelar mais gravosa pelo

comparecimento periódico em juízo;

c. Pela admissão da documentação que acompanha a

presente petição inicial, até mesmo como forma de

elidir eventual alegação que aponte para a

necessidade de uma indevida dilação probatória;

e,

d. Pela intimação do E. Defensor Público em

exercício junto a esse Colendo Colegiado para,

querendo, acompanhar o presente feito, apresentar

memoriais, realizar sustentação, interpor

recursos e adotar quaisquer outras medidas que,

nos limites de sua independência funcional,

entender adequadas e necessárias para a

efetivação da ampla defesa.

Pede deferimento.

São Sebastião do Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2017.

Eduardo Januário Newton

Defensor Público do estado do Rio de Janeiro

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Matrícula nº 969.600-6