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Democracia e Direitos Humanos Profa. Dra. Helena Esser dos Reis Faculdade de Filosofia Núcleo de Direitos Humanos Universidade Federal de Goiás

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Democracia e Direitos Humanos

Profa. Dra. Helena Esser dos Reis

Faculdade de Filosofia

Núcleo de Direitos Humanos

Universidade Federal de Goiás

Por que democracia e direitos humanos?

Considerando que a palavra “e” é uma conjunção aditiva, expressando a ideia de soma,

devemos perguntar:

o que cada uma destas ideias agrega à outra?

Iniciaremos a resposta a esta pergunta por uma rápida reconstrução história destas concepções

Origens da democracia:

Antiguidade grega – Atenas século V a.C.(demo=povo; kratos=poder)

Vínculo dos cidadãos com a PolisParticipação dos cidadãos nas decisões e ações

relativas à vida em comum na Polis,

Políticapressupõe a linguagem (racional e argumentativa)por meio da qualos cidadãos são estabelecem compromissos mútuos que refletem a pluralidade e ultrapassam a violência.

Cidadãos:

pessoas do sexo masculino, livres, nascidos emAtenas, filhos de pai e mãe atenienses, ricos ou menosricos, mas sem a necessidade de ocuparem-secotidianamente do próprio sustento.

A cidade tinha cerca de 180.000 habitantes,dos quais 40.000 eram cidadãos eem média 5.000 participavam das Assembleiasdeliberativas

A execução ficava a cargo de todos os cidadãosCada um por seu turno conforme sorteio ou eleição

Democracia = Regime Político

Modo como uma Comunidade Política organiza o exercício do poder sobre a sociedade

Apesar da existência de outras democracias ao longo da história, este não foi o regime político mais frequente.

Após o renascimento o resgate da culturaclássica contribuiu para contestação damonarquia de “origem divina”

Jusnaturalismo (séc. XVI- XVIII)

Corrente filosófico-jurídica

contesta a origem divina do poder real

Propõe outra forma de legitimar o poder político

Baseada

Na concepção de ser humano como indivíduo

Possuidor de direitos naturais imprescritíveis

Que une-se a outros a fim de criar o Estado Civil em vista da proteção de seus diretos naturais

Três diferenças fundamentais entre a democracia antiga e moderna:

1) A humanidade não é mais pensada como membro de um corpo político, mas como indivíduos isolados uns dos outros;

2) O indivíduo tem direitos naturais (vida, liberdade, igualdade, propriedade) que lhe são inerentes;

3) O Estado Civil é uma decorrência da liberdade e da igualdade inerente dos indivíduos que o criam por vontade própria em vista da proteção de si mesmos.

Humanidade = conjunto de indivíduos

“Considerando o homem tal como deve tersaído das mãos da natureza, vejo um animalmenos forte do que uns, menos ágil do queoutros, mas, no conjunto, organizado de formamais vantajosa do que todos os demais. (...) Oshomens, dispersos no seio da natureza,apropria-se dos instintos de todos os animais eencontra sua subsistência mais facilmente doque qualquer outro.” (Rousseau: Discurso sobre a origem e osfundamentos da desigualdade entre os homens. P. 238)

Origem do Poder político

“Para bem compreender o poder político e derivá-lo de sua origem, devemos considerar em que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para agirem conforme acharem conveniente, dentro dos limites da lei de natureza. (...) Estado também de igualdade, criaturas da mesma espécie e da mesma ordem , terão de ser iguais umas às outras sem subordinação ou sujeição” (Locke. Segundo Tratado sobre o

Governo. p. 35)

Propósito do poder político

“Encontrar uma forma de associação quedefensa e proteja a pessoa e os bens decada associado com toda a força comum, epela qual cada um, unindo-se a todos, sóobedeça contudo a si mesmo,permanecendo tão livre quanto antes.”(Rousseau. Contrato Social. p. 32)

A modernidade,

concebendo o indivíduo como um ser anterior a qualquer coletividade e com direitos e valor intrínseco por si mesmo,

abre a possibilidade para a compreensão de que nada pode justificar a violação desta pessoa.

Declaração de Direitos século XVIII

Reflete a nova concepção de ser humano

Indivíduo

vive junto com os demais e, por issomesmo, não pode ser subsumido no todo.Sua individualidade não pode seraniquilada em nome do todo.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - 1789

“Art. 1: Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser baseadas na utilidade comum.

Art. 2: O objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis dos homens. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

Art. 3: O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação. Nenhum corpo e nenhum indivíduo pode exercer uma autoridade que não emane expressamente da nação”

Direito de Resistência

“Quem quer que use a força sem direito,como faz todo aquele que deixa de lado a lei,coloca-se em estado de guerra com aquelescontra os quais assim a emprega; e nestesentido cancelam-se todos os vínculos,cessam todos os outros direitos, e qualquerum tem o direito de defender-se e resistir aoagressor” (Locke. Segundo Tratado sobre oGoverno. p. 125)

“A natureza pública e política da RevoluçãoFrancesa é evidente em todos os níveis. Osdireitos pertencem ao “homem” e ao “cidadão”,ressaltando uma íntima relação entre ahumanidade e a política. (...) A Declaração é o atodos representantes do povo agindo como portavoz da volonté générale de Rousseau. Finalmente,os direitos proclamados não eram um fim em simesmos, mas os meios usados pela Assembléiapara reconstruir o Estado” (DOUZINAS, Costas. O Fim dos Direitos

Humanos. p. 103)

Então: Por que democracia e direitos humanos?

PRIMEIRA E PARCIAL RESPOSTA:

Porque apenas um Estado democrático,

no qual todos os seus membros são considerados cidadãos e, portanto, partícipes das decisões e ações comuns

Pode resguardar os direitos inerentes a cada um

Pode o Estado para proteger os direitos humanos?

Não:

- “direitos do homem” são pura abstração. Não existem direitos naturais, todo direito dos homens decorrem de um estado civil que lhe outorgadireitos (Burke. Reflexões sobre a Revolução Francesa)

- “direitos do homem” são fruto de lutas concretas. Os chamados direitos naturais não são mais do que a expressão dos direitos reivindicados por uma classe específica, a burguesia. (Marx. A questão Judaica)

A importância das críticas:

Ao longo dos séculos XIX e XX

Tornou-se muito claro que onde não há

Estado, leis, instituições jurídico-políticas

Não há como proteger direitos individuais

Por outro lado,

Tornou-se claro também que sem uma

concepção de direitos inerentes

Não há como reivindicá-los

Lutas históricas de reivindicação de direitos:

- Declaração dos direitos da mulher e da cidadã proposta por Olympia de Gouges, 1791.

- Abolição da escravatura: desde 1831 quando surge a primeira lei que proíbe o tráfico de escravos no Brasil até a Lei Áurea de 1888.

- Independência das colônias e reconhecimento da soberania das nações (séc. XIX – XX)

- Dia do trabalho – marca as manifestações ocorridas em Chicago em 1886 por melhores condições de trabalho

Das reivindicações aos direitos civis e sociais

Estados nacionais passaram a incorporar,

por meio de suas leis,

a proteção a uma série de direitos civis e sociais.

Consequência perversa:

Separação entre o cidadão e o estrangeiro

O estrangeiro não faz parte do Estado, logo seus direitos não são reconhecidos.

A insuficiência das garantias do Estado

“Os sobreviventes dos campos deextermínio, os internados nos campos deconcentração e de refugiados, a até osrelativamente afortunados apátridas,puderam ver que a nudez abstrata deserem unicamente humanos era o maiorrisco que corriam”. (ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo.p. 335)

Paradoxo

A condição de proteção de direitos políticos, civis e sociais pelo Estado

decorre do reconhecimento de cada pessoa como ser humano;

entretanto

o Estado, por meio de suas leis,

exclui o reconhecimento da humanidade daqueles que não são cidadãos.

Ampliação da proteção

Os “julgamentos de Nuremberg” (1945-46)

estabeleceram que

governantes, funcionário, militares

poderiam ser punidos por

“crimes contra a humanidade”

Ou seja: crimes que não estavam tipificados poruma lei de um estado, mas que eram assimqualificados por violar a pessoa humana.

Declaração e Tratados Internacionais

Depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,

Seguiram-se diversos acordos e tratados internacionais visando limitar a ação dos Estados e regular as relações entre Estados e entre pessoas e Estados,

E, ao mesmo tempo, foram criados organismos para oferecer garantias à pessoas contra os Estados

Então: por que democracia e direitos humanos?

SEGUNDA E PARCIAL RESPOSTA:

Os eventos históricos ampliaram a concepção dedemocracia para além de um regime políticogarantidor dos direitos de seus cidadãos;Todas as relações humanas devem ser pautadas nosprincípios democráticos de liberdade e igualdadeque supões a capacidade de cada um tomar partenas decisões que lhe afetam.

Fortalecimento dos Direitos Humanos Séc. XX

Pluralismo – dos modos de ser humano

Respeito – a estes diferentes modo

São consequência do reconhecimento da liberdade e da igualdade de todas as pessoas

E, estão na base

das reivindicações de pelo direito à diferença e à singularidade por pessoas e grupos humanos minoritários e/ou oprimidos

Novo Paradoxo

Circunstâncias reais

podem revelar conflitos entre diferentes direitos humanos fundamentais

cuja consequência é a defesa violenta dos direitos contra o suposto violador

Ex: liberdade versus segurança

Fragilidades

Democracia e direitos humanos

Compartilham uma fragilidade inerente:

A liberdade e a igualdade das pessoas implicam a permanente possibilidade do inusitado, do novo

Pois - podem construir espaços de participação inclusivos, plurais, respeitosos, ou não!

É possível superar a fragilidade?

Não estou certa, mas tenho “esperanças”Pois,negar a possibilidade de superar (mesmo apenas momentaneamente) as fragilidades inerentes à democracia e aos direitos humanos,Significaaceitar que resta à humanidade apenas a subordinação e a opressão.Nossa tarefa:Trabalhar na construção de “esperanças”.

Referências BibliográficasARENDT. Hannah. Origens do Totalitaritarismo. São Paulo: Cia das Letras, 1989.BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Brasília: UnB, 1982.BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004.DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: UNISINOS, 2009.HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1979.HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Cia das Letras, 2009.LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos Humanos. Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia das Letras, 1988.LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural, 1978MARX, Karl. A questão Judaica. São Paulo: Moraes, 198?ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade entre os homens. SãoPaulo: Abril cultural, 1978.____. Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1978.TOCQUEVILLE, Alexis. Antigo Regime e a Revolução. São Paulo: Martins Fontes, 2009.TOURAINE, Alain. O que é a democracia. São Paulo: Vozes, 1996.