Democracia procedimental e Democracia substantiva, entre um relativismo axiológico absoluto e um...

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  • DEMOCRACIA PROCEDIMENTAL E DEMOCRACIA SUBSTANTIVA: ENTRE UM RELATIVISMO AXIOLGICO ABSOLUTO E UM

    ABSOLUTISMO AXIOLGICO RELATIVO.

    PROCEDURAL DEMOCRACY AND SUBSTANTIVE DEMOCRACY: BETWEEN AN ABSOLUTE AXIOLOGICAL RELATIVISM AND A RELATIVE AXIO LOGICAL

    ABSOLUTISM.

    Raoni Macedo Bielschowsky

    RESUMO A Democracia tem seu bero na organizao poltica das polis gregas, mas que na atualidade possui contornos diferentes e bem tpicos. Aps as vrias revolues de religio, revolues liberais que deram origem ao Estado de Direito, e sobretudo no ps-guerra e a configurao do Estado Democrtico de Direito, a Democracia passou a ser o regime tpico do Estado contemporneo. Ela basicamente encontra sua fundamentao na igual liberdade de participao de todos os indivduos nas decises polticas da comunidade. No entanto esse regime pode ser visto sob duas concepes diferentes. Uma delas diz respeito a uma concepo procedimental, atrelada a uma estrutura formal-deontolgica, e outra uma concepo substantiva ligada a uma estrutura material-teleolgica da democracia. Ambas tm por objetivo explicar e delinear o regime democrtico. Enquanto uma concepo procedimental se pretende a um relativismo axiolgico, pretendendo-se neutra quanto a valores. Uma democracia substantiva identifica uma vinculao teleolgica a determinados valores especficos, ora entender que o prprio argumento da igual liberdade um valor de objetividade relativa. Neste trabalho basicamente trabalhar-se os dois conceitos para ao fim optar por entendimento de democracia substantiva, ora entender-se que este aquele que melhor explica a estrutura democrtica. PALAVRAS-CHAVE: ESTADO DEMOCR`TICO DE DIREITO; DEMOCRACIA PROCEDIMENTAL; DEMOCRACIA SUBSTANTIVA; RELATIVISMO AXIOLGICO; ABSOLUTISMO AXIOLGICO; OBJETIVIDADE RELATIVA. ABSTRACT The Democracy has born as the system of political organization of the Greeks polis, but today it has quite different drawn. After all the religious and liberal revolutions that the rule of Law (State of Right), has arisen, mostly after the second world war and the configuration of Democratic State of Law (Democratic State of Right), the Democracy has been the typical regime of contemporaneous State. It basically finds its basis on the equal freedom of every citizen been part in the political decisions of community. Although, this regime can be seen by to different conceptions. One procedural, mainly formal-deontological, and other substantial, connected to a material-teleological structure of democracy. Both have the goal to explain and delimit the democratic regime. While a procedural conception intent the democracy based on an axiological relativism, claiming to be neutral on values. A substantive conception identifies an attachment to certain specific teleological values, understanding that the very argument of equal freedom is a value with a relative objectivity. This paper basically treat both conceptions, to in the end, chose that the substantive conception of democracy is that one better explain the regime.

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  • KEYWORDS: DEMOCRATIC STATE OF RIGHT; PROCEDURAL DEMOCRACY; SUBSTANTIVE DEMOCRACY; AXIOLOGICAL RELATIVISM; AXIOLOGICAL ABSOLUTISM; RELATIVE OBJECTIVITY.

    "Todo poder emana do povo, mas para onde ele vai?"

    Bertold Brecht

    1. Democracia ou Democracias

    A democracia a base da formulao poltica do Estado moderno. Apesar de ser uma construo de mais de 2.500 anos com razes no pensamento clssico grego, a democracia na modernidade e na contemporaneidade tem formulao e contexto bastante diferentes.

    A polis grega vivia uma democracia direta, em que o pblico e o privado eram amalgamados, o povo desconhecia a vida civil e a assembleia, composta pelos homens livres, deliberava sobre as questes do Estado. Dessa forma, o poder era concentrado maximamente nos organismos que faziam parte todos os cidados, que, por sua vez, exerciam a soberania legislativa, executiva e judicial[1]. Nunca demais lembrar que a populao de homens livres era nfima, estando excludos da participao da vida poltica a imensa populao escrava, as mulheres e os metecos[2]. Portanto, essa primeira experincia democrtica difere em muito da democracia que surge na modernidade com os Estados Nacionais em oposio soberania do monarca[3] e mais ainda da democracia contempornea consolidada no ps-guerra.

    Portanto, apesar das razes na antiguidade, a democracia como a admitimos hoje tem suas bases formuladas no sculo XVIII, tendo sido, inclusive, uma das principais bandeiras e artifcio levantado pelas revolues burguesas na Amrica, em Frana e mesmo na Inglaterra[4], que lutavam contra as foras do absolutismo[5]. Todavia, foi apenas na segunda metade do sculo XX, com o ps-guerra e a derrocada dos sistemas totalitarista nazifascistas, que a democracia efetivamente difundiu-se e consolidou-se nas bases como a entendemos hoje[6].

    Assim sendo, pode-se acompanhar Hegel, quando a respeito da evoluo da qualidade e da quantidade da conquista da liberdade na civilizao clssica, define que o Oriente fora a liberdade de um s, a Grcia e Roma a liberdade de alguns, e o mundo germnico, ou seja, o mundo moderno, a liberdade de todos.

    Para uma definio sucinta do princpio democrtico desde a modernidade, Schumpeter explica, "A filosofia da democracia do sculo XVIII pode ser expressa da seguinte maneira: o mtodo democrtico o arranjo institucional para se chegar a certas decises polticas que realizam o bem comum, cabendo ao prprio povo decidir, atravs da eleio de indivduos que se renem para cumprir-lhe a vontade"[7]. Portanto, diante do atual contexto histrico e

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  • poltico tem de se considerar que a democracia contempornea possui algumas caractersticas que marcadamente a diferencia da democracia antiga.

    A primeira delas a superao de um modelo de democracia direta pelo modelo de representativo. Mesmo formulaes tpicas da modernidade como a de Rousseau, defendiam que um modelo realmente democrtico corresponderia a uma democracia direta, todavia muitos de seus contemporneos j entendiam difcil a viabilidade deste modelo[8]. fato que a complexidade da constituio poltica na atualidade impede que assembleias populares possam ser a arena central das decises polticas e questes comuns ao povo, como o era na gora ateniense. Logo, a democracia na contemporaneidade se d de forma representativa, por vezes, mais ou menos permeada de instrumentos de participao popular[9], tais qual o plebiscito ou referendum, dependendo da estrutura constitucional adotada pelos Estados. Mas o fato que a democracia direta cada vez menos possvel na organizao poltica dos Estados nacionais. No por menos, Karl Popper chega a defender que o que diferencia um governo democrtico de um governo no-democrtico o fato de na democracia o povo poder "livrar-se de seus governantes sem derramamento de sangue".

    Outra caracterstica tpica da democracia atual, que s na modernidade reconheceu-se a existncia de campos de liberdade individual, sobretudo como consequncia das guerras religiosas vividas na Europa. Portanto h o reconhecimento de que a coletividade no pode interferir em determinadas esferas de escolha do indivduo, como so os casos, por exemplo, da liberdade de religio ou de ideologia poltica. Assim, nem mesmo as maiorias poderiam interferir nesses domnios.

    Ainda, hodiernamente impossvel admitir-se enquanto democracia qualquer sistema que no prese pelo sufrgio universal para os maiores de idade, independentemente de etnia, sexo, religio, status social, condio econmica ou qualquer outro discrmen no razovel. Alm do respeito ao sufrgio universal, exige-se que haja o respeito paridade de votos de cada indivduo.

    Deste modo, a questo da democracia permeada de vrias discusses. H um sem nmero de debates dentro deste tema, e eles podem variar desde a modalidade de eleies, ou tcnicas de representao periodicidade dos pleitos e instrumentos de participao popular. Entretanto, como pano de fundo de todas essas discusses quanto s formas do sistema democrtico h uma questo no que diz respeito a qual o valor e qual o objetivo da democracia[10], e assim, qual a fundamentao e o significado dela.

    Fato que todos tm uma intuio do que vem a ser democracia. Basicamente cremos tratar-se de um regime em que todos devem poder opinar e participar livremente das decises acerca das direes polticas da comunidade, de modo que cada indivduo tenha suas opinies consideradas em mesmo peso nesse processo de tomada de deciso.

    Destarte, podem-se determinar basicamente duas grandes linhas de entendimento a respeito do que a democracia na contemporaneidade. Uma delas se caracteriza por seu embasamento formal[11], em que a existncia da democracia se basta pela observncia de certos procedimentos formais de aferio da vontade da maioria - portanto a trataremos aqui por democracia formal-majoritria (ou ainda procedimental) - e que tem por alicerce uma lgica eminentemente deontolgica da estrutura democrtica, em muito atrelada a um positivismo jurdico puro. E outra linha que se baseia em um argumento de cunho teleolgico, que pode ser chamada de democracia substantiva, quando os mecanismos, procedimentos e mtodos formais so essenciais democracia, mas no bastantes para caracteriz-la, sendo apenas

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  • instrumentos para atingir um bem comum[12]. Naturalmente, dentro dessas duas grandes linhas h algumas nuances[13].

    Gomes Canotilho prope essa discusso em outros termos, tratando por um lado de "puros democratas" e de outro "puros constitucionalistas", ou ainda, opondo teorias "democrtico-representativos puras" e "teorias constitucionalistas puras". Ainda nessa linha, destaca que essa dicotomia no significa propriamente que "os constitucionalistas no sejam democratas e os democratas no sejam constitucionalistas". Na verdade o que diferencia ambas correntes que os "constitucionalistas" percebem o processo poltico como base das polticas pblicas em relao aos direitos, mas de mesmo modo, entendem-no insuficiente para garantir a justeza dessas polticas. Enquanto isso, os "democratas puros" defendem a primazia do autogoverno democrtico e do processo poltico democrtico como a forma de assegurar a proteo das liberdades e direitos dos indivduos[14].

    A resposta pergunta sobre qual desses entendimentos efetivamente corresponde a um modelo de democracia constitucional, passa de certo modo pelo entendimento que se tem quanto relao entre um sistema moral e um sistema poltico, sua conexo ou dissociao. A resposta pode ser encontrada na concepo daquilo que considerado justo politicamente[15], ou nos termos em que Alexy situa a discusso a respeito do conceito de direito, na diferenciao entre duas posies tambm opostas, a tese da separao e a tese da vinculao.

    Para tanto, far-se- aqui uma explanao desses dois entendimentos de democracia, seus traos, conceitos e definies principais, para depois defender-se uma posio no sentido de que a democracia substantiva aquela que realmente representa o verdadeiro estagio da lgica democrtica na contemporaneidade.

    2. Democracia procedimental

    A concepo formal-procedimental de democracia - ao menos que se pretende meramente procedimental - focaliza o conceito desse regime no cumprimento da premissa majoritria. Isso porque para ela a democracia uma estrutura formal de legitimao do poder[16].

    Trata-se de uma viso particularmente atrelada ao positivismo jurdico, em que a fonte estrutural da ordem jurdica o poder[17] (na sua relao tautolgica que entende que "direito coero" e "coero o uso da fora legitimado pelo direito"), que em sua posio mais extremada, admite que "todo e qualquer contedo pode ser direito"[18]. Portanto, o sustentculo para o direito a legitimidade desse poder.

    Historicamente muitas fundamentaes foram utilizadas para tanto, dentre aquelas que buscavam fundamentar a legitimidade de um poder absolutista, como o fez Hobbes, at as formulaes mais contemporneas e elaboradas de democracia. Hoje, esta sem dvida a mais difundida e aceita, at mesmo por seus argumentos serem mais apelativos a uma aceitao por todos. Assim, ela a que melhor atinge os dois elementos de definio do conceito de direito que so considerados importantes pelo positivismo, o da legalidade conforme o ordenamento e o da eficcia social[19].

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  • Essa argumentao marca de uma perspectiva deontolgica do direito, que preordena normas que so legtimas e vlidas no por ordens normativas substancialmente justas, mas sim, por terem sido formuladas por uma forma organicamente (procedimentalmente) justas. Assim, pode-se dizer que o terceiro elemento de conceituao do direito levantado por Alexy, a correo material, simplesmente desconsiderado.

    Destarte, nessa perspectiva da democracia o que legitima o poder uma determinada concepo de soberania popular enquanto vontade de coletiva de todos. Dentro desta linha, a lgica democrtica se perfectibiliza a partir da combinao de procedimentos democrticos que consistem basicamente na tomada de deciso atravs de determinados mtodos, sobretudo, mtodos de aferio da vontade das maiorias. Isso porque a legitimidade da democracia, em seu entendimento procedimental, baseada no compromisso com as metas dessa soberania popular, ou melhor dizendo, da maioria. Assim sendo, persiste "a idia de que a democracia melhor quando atende melhor a premissa majoritria"[20]. A pedra fundamental desta concepo a participao do indivduo na tomada de deciso do poder do Estado, para desta maneira, cada um obedecer - de certo modo - a ningum mais que a si mesmo[21].

    Aqueles que entendem a democracia por esta tica vinculam-na a uma estrutura formal da organizao democrtica, que ao invs de ter por norte a busca de um bem moral da comunidade (correo material), fincam o entendimento que o cumprimento de regras procedimentais especficas, sobretudo promoventes da aferio da vontade das maiorias representa o ideal democrtico mais que a busca por um bem moral comum. Sob este prisma, a democracia nada mais que um mecanismo - uma via ou mtodo - de promoo da autodeterminao dos indivduos. Assim sendo, no limite desse argumento, como afirma Dworkin, uma deciso pode ser democrtica ainda que injusta[22].

    Isso porque, sob este ponto de vista, o bem comum, ou o bem politicamente correto, no est atrelado a uma concepo moral de bem comunitariamente compartilhada, e sim unio dos interesses e concepes de bem individuais e atomizadas, aquilo que Taylor vem a chamar de bens convergentes. Para tanto, o justo poltico est atrelado a essa cumulao de posies individuais, obtida atravs do procedimento democrtico.

    A democracia seria, portanto, a forma de governao tpica de uma perspectiva que se pretenda relativista[23], em oposio a uma tica absolutista de valores morais de conduo do sistema poltico. Sua inspirao[24] maior seria a igual liberdade de cada indivduo poder ser apenas senhor de si mesmo atravs de sua participao na formao da vontade do corpo poltico, ainda que indiretamente. Isso daria a possibilidade do justo poltico ser formado a partir da juno dos bens individuais, pelo fato de a concepo de bem ser relativa dentro da comunidade, e no podendo se falar em um bem moral absoluto.

    At por isso, Kelsen chega a defender que aqueles que concebem um argumento moral absoluto (absolutistas) encontrariam melhor abrigo em regimes autocrticos, bem como aqueles que no se prendiam a argumentos ou valores morais absolutos (relativistas), seriam mais identificados com regimes democrticos. Portanto, o projeto democrtico tem de permanecer neutro. Por Habermas, "um modelo procedimental de democracia, o qual incompatvel com conceito da sociedade centrada no Estado, e pretende ser neutro aos projetos de vida concorrentes"[25].

    Resgatando o que fora dito no captulo anterior relacionando a democracia procedimental com a ontologia liberal, a fundamentao axiolgica da democracia procedimental tem em sua base a linha de raciocnio que tomou fora na modernidade a partir dos filsofos iluministas e

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  • a concepo da razo enquanto fundamento do sistema moral e do sistema poltico (dissociveis/dissociados), tendo ela se alojado de forma predominante no pensamento liberal. Nessa linha, a justificativa da democracia em sua concepo formal majoritria, se d pela viso atomista e individualista[26] da sociedade e do indivduo, calcada em uma subjetividade moral, quando cada indivduo possui um subjetivismo tico.

    Enquanto na antiguidade existia a concepo amalgamada de comunidade, em que as esferas de pblico e privado, e as fronteiras entre indivduo e comunidade eram praticamente imperceptveis, para o pensamento iluminista o homem subjacente modernidade um indivduo que existe e pode ser compreendido - e ele mesmo compreende o mundo - independente de sua comunidade moral, pois possui uma racionalidade que o permite esse subjetivismo moral. Portanto v-se aqui nessa percepo um subjetivismo tico, que fortalece a ideia de que cada indivduo tem de ter o poder de pesar com sua prpria concepo tica (individual e atomizada) na tomada de deciso da associao poltica a qual faz parte[27].

    Assim sendo, a concepo da democracia enquanto aferio da vontade de cada indivduo para estatisticamente obter-se a vontade da maioria tem por interesse a elevao da ideia de autodeterminao individual, de modo que ao fazer parte da formao da vontade da sociedade, de certa maneira cada indivduo estaria apenas obedecendo a si mesmo[28].

    De forma paradigmtica Kelsen defende o argumento da autodeterminao individual nos seguintes termos:

    "o ideal democrtico, se considerado satisfeito na medida em que os indivduos submetidos ordem do Estado participam da criao dessa mesma ordem, independente do grau em que essa ordem do Estado abrange os indivduos que a criam, o que equivale a dizer independente do grau ao qual reduz a liberdade deles. Mesmo que o alcance do poder do Estado sobre o indivduo fosse ilimitado, caso em que, portanto a liberdade individual seria completamente aniquilada e o ideal liberal negado, paradoxalmente, ainda assim seria possvel a democracia, contanto que tal poder estatal fosse criado pelos indivduos a ele submetidos. E a histria ensina que o poder democrtico no tende a expandir-se menos que o autocrtico"[29].

    De tal modo, uma viso formal majoritria da democracia busca justificar sua estrutura meramente formal-deontolgica, como forma de fugir de valores e princpios morais fixos, sob o argumento destes no poder ser tidos como objetivamente verdadeiros[30], nem universais. Sob esta viso, em tese, o argumento racional no concebe um valor moral que se pretenda absoluto, portanto, no haveria um valor moral a ser objetivado pela forma democrtica (um telos). Ou seja, a rigor, no haveria valores que a comunidade pudesse impor liberdade de cada um, ora no haverem valores que pudessem ser tidos como absolutos. Assim sendo, a comunidade seria marcada pela pluralidade de concepes de valores, e que, ao menos a priori, todas deveriam ser toleradas. Por conseguinte, o Estado tem de permanecer neutro, no devendo, nem podendo, impor a seus cidados uma determinada concepo de bem.

    de se considerar que um sistema to puro de democracia procedimental, identificada como simples premissa da maioria - chamada por Posner de democracia populista, ou ainda por Dworkin, de democracia estatstica - muito pouco defendida nas discusses da teoria poltica. O entendimento de que "o povo deveria governar, e ponto final", sem conformao a limitaes outras muito pouco difundida. Assim sendo, sempre se acaba por reconhecer determinados limites lgica majoritria[31]. Mas o fato que o fundamento extremo daquilo

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  • que Canotilho denomina "puros democratas", justamente, a maior identificao possvel da democracia enquanto promoo da premissa majoritria. Utilizando os elementos destacados por Alexy quanto conceituao do direito, tal entendimento de democracia se d quando se privilegia a legalidade conforme o ordenamento e a eficcia social, e simplesmente se despreza qualquer vinculao correo material.

    Apesar de a defesa de uma democracia populista no ser to difundida, o fato que aqueles que defendem uma viso formal-procedimental de democracia conseguem elencar uma srie de condies "meramente formais"[32] que quando obedecidas, seriam suficientes para a caracterizao de um regime democrtico.

    Bobbio, por exemplo, elenca enquanto universais processuais bastantes para caracterizar um modelo democrtico seis caractersticas bsicas:

    "1) todos os cidados que tenham alcanado a maioridade etria sem distino de raa, religio, condio econmica, sexo, devem gozar de direitos polticos, isto , cada um deles deve gozar do direito de expressar sua prpria opinio ou de escolher quem a expresse por ele[33]; 2) o voto de todos os cidados deve ter igual peso; 3) todos aqueles que gozam dos direitos polticos devem ser livres para poder votar segundo sua prpria opinio formada, ao mximo possvel, livremente, isto , em uma livre disputa entre grupos polticos organizados em concorrncia entre si; 4) devem ser livres tambm no sentido de que devem ser colocados em condies de escolher entre diferentes solues, isto , entre partidos que tenham programas distintos e alternativos; 5) seja para as eleies, seja para as decises coletivas, deve valer a regra da maioria numrica, no sentido de que ser considerado eleito o candidato ou ser considerada vlida a deciso que obtiver o maior nmero de votos; 6) nenhuma deciso tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, particularmente o direito de se tornar por sua vez maioria em igualdade de condies" [34].

    Em sentido semelhante, Dahl estabelece cinco critrios do procedimento democrtico: participao efetiva, igualdade de voto, entendimento esclarecido, controle do programa de planejamento, incluso dos adultos [35].

    Nessa linha alguns outros pensadores passaram a utilizar o argumento da legitimidade majoritria enquanto democracia para fazer formulaes das mais diversas e, por vezes, oponveis inclusive a outras formulaes tambm de matriz formal majoritria. Nesse sentido, pode-se, por exemplo, citar Schumpeter, que de uma forma um tanto quanto pessimista prope uma viso da democracia alegadamente pragmtica, encarando-a como um "acidente, quase sempre, mas nem sempre, como um acidente afortunado, de circunstncias histricas" [36]. Ele alega que na prtica a democracia nem mesmo se trata de um espao de deliberao para a comunho dos diversos interesses dos particulares e discusso de seus valores ticos subjetivos para um acordo sobre o justo poltico. Ao invs disso, os governos seriam tomados por elites que alternariam de poder de acordo com a aprovao ou reprovao dessas elites enquanto representantes do povo[37]. Ou seja, os procedimentos formais da democracia, bastariam apenas para avalizar a forma de governana de determinada elite. Desse modo, em determinadas conjunturas, a democracia facilmente poderia ser identificada como um regime totalitrio, cerceador das liberdades individuais, desde que obtivesse apoio das massas[38]. E no decorrer da histria a humanidade j nos mostrou que o terror foi capaz de operar regimes assim. Portanto, resta a pergunta ao argumento schumpeteriano, ser que a simples prxis pode mesmo dar uma resposta satisfatria pergunta sobre o que democracia?

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  • Assim, o que caracteriza uma viso formal majoritria da democracia, seu pretenso descompromisso com um fim moral especfico (com um telos), e o entendimento da democracia enquanto um apanhado de procedimentos capazes de validar os atos estatais por meio de uma elevao da premissa majoritria. Na maioria das vezes, esse modo de ver o regime democrtico pretende que o Estado permanea neutro, e faa um apanhado dos interesses e valores individuais e tomos dos membros da comunidade, para, a partir da unio desses, poder chegar-se ao justo poltico. Por vezes, a reunio dos votos considerada capaz apenas de avalizar ou reprovar uma forma de governana de determinada elite.

    Mas em todos os casos, o que caracteriza a concepo formal majoritria da democracia sua identificao com o cumprimento de procedimentos formais, e sua preocupao principal com a soberania popular e com a promoo da lgica majoritria.

    Diante do quadro traado quanto concepo procedimental de democracia, uma srie de discusses pode ser levantada.

    Por exemplo, em existindo uma ordem em que todos os procedimentos democrticos de aferio da vontade da maioria fossem respeitados e cumpridos, de modo que a maioria chegasse deciso de sustentar um governo totalitrio, anti-liberdade, estaria configurada a democracia[39]? Ou ainda, se atendidos todos os procedimentos democrticos, a deciso de uma maioria poderia dispor absolutamente dos direitos individuais de cidados pertencentes a uma determinada minoria e ainda assim essa ser uma deciso democrtica[40]? Ou ainda, se em um determinado momento, uma maioria tomasse medidas "formalmente democrticas" que impedissem a formao de maiorias futuras adversrias, ainda assim existiria democracia?

    A resposta a todas essas questes s pode ser dada em sentido negativo. A no ser que se admitisse a possibilidade de uma democracia "antidemocrtica". Justamente porque a democracia no pode ser compreendida fora de seu contexto e fundamentao axiolgicos. Ou seja, na verdade o procedimento jamais transcender a substncia. A forma jamais substituir os argumentos materiais[41]. As normas procedimentais so um modo de resguardar a igual liberdade poltica dos indivduos, e at por essa razo no podem pretender viol-la. Com a absolutizao da vontade das maiorias, restaria em aberto a irnica questo levantada por Bertold Brecht: "Todo poder emana do povo, mas para onde ele vai?"[42]. O poder para ser democraticamente exercido sem dvida no pode apontar para qualquer norte. Se "o poder for" em uma direo que no trate cada cidado com igual respeito, inclusive os cidados da minoria, certamente no ser este um caminho democrtico[43].

    3. Democracia substantiva

    O fato que o entendimento de que todos somos igualmente livres uma concepo prpria de nossa cultura jurdico-poltica ocidental. um conceito historicamente admitido, e incorporado por nossa comunidade poltica. Acompanhando o termo utilizado por Hberle, o que fundamenta a democracia nada mais que uma "cultura da liberdade" [44]. Essa cultura de liberdade, apesar de em boa medida ter um carter expansionista, ela prpria da cultura ocidental[45], com suas origens na Grcia antiga e na cultura judaico-crist, tendo como pontos

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  • marcantes as revolues de religio do sculo XV, as revolues burguesas a partir do sculo XVII e por fim a consolidao do Estado Democrtico de Direito no segundo ps-guerra. No por menos, so esses tambm os marcos da consolidao da dignidade da pessoa humana, amplamente promovida normativamente pelas constituies dos Estados de Direito, bem como so marcos da histria democrtica[46].

    Assim sendo, pode-se dizer que a lgica democrtica no pode ser concebida como uma lgica relativa de bem moral. Pois o valor absoluto da democracia contempornea no ser outro que no o valor culturalmente desenvolvido e apreendido da igual liberdade de cada indivduo. Sem a ambio e o respeito a essa fundamentao axiolgica, no haver qualquer democracia, mesmo respeitados todos os mecanismos procedimentais. Estes so instrumentos acessrios - ainda que via de regra necessrios - para atingir o valor da igual liberdade dos sujeitos, porm no bastantes para caracterizar um regime enquanto democrtico.

    Vontades majoritrias podem perfeitamente ser antidemocrticas, bem como decises estatais contramajoritrias por muitas vezes so essenciais ao regime da democracia. Nesse sentido a vontade da maioria deve ser encarada como um processo de deciso de um Estado Democrtico, mas no como um princpio de deciso do mesmo. Nas palavras de Manoel Joo de Matos:

    "regra da maioria d a forma do funcionamento possvel do Estado democrtico; no porm, o seu conceito, pois essa regra trata do processo de deciso e no do princpio de deciso, ou seja, a condio necessria, mas no suficiente para a existncia do regime democrtico. imprescindvel, mas isoladamente no conduz, por sua mera utilizao, a uma forma democrtica do exerccio do poder em sociedade. Tendo a democracia como condio de possibilidade os princpios da liberdade e da igualdade, a viabilizam. Da a determinao da intangibilidade desses princpios, e dos direitos fundamentais, para a perpetuidade da ideia da democracia. Em concluso, a regra da maioria uma prtica de legitimao eventual, finita no espao e no tempo, cujas decises so portanto, sujeitas a contnua reviso, e no pode a deciso ser obtida por uma maioria conjuntural para anular o direito das futuras maiorias decidir diferentemente, tolhendo a liberdade das geraes posteriores e a igualdade formal da maioria de hoje e a de amanh"[47].

    Deste modo, a igual liberdade uma "verdade" necessria para o sistema democrtico, ou seja, um bem moral absoluto para o preciso sistema da democracia, ainda que seja essa uma "verdade" "culturalmente condicionada"[48]. A democracia, nos moldes que a compreendemos um modelo/valor que eminentemente pertence nossa cultura ocidental, apesar de a pretendermos universal, portanto, expansionista[49].

    Assim sendo, considerar que a amarrao incondicional a meros procedimentos caracteriza a democracia, dado que o respeito a esses procedimentos seria capaz de promover com neutralidade a articulao de uma pluralidade de valores ticos subjetivos existentes na sociedade em nome da tolerncia, maquiar o verdadeiro argumento axiolgico de fundo dessa construo. Esse argumento, como dito, a promoo de valores imprescindveis democracia, a igual liberdade de cada indivduo. Portanto, parafraseando Hberle, pode-se dizer que a democracia baseia-se "na cultura de liberdade e na liberdade de cultura".

    Deste modo, parece mais lgico admitir um "Absolutismo relativo" (ou em outros termos, uma objetividade relativa[50]), que conhece comunidades polticas com valores diferentes. Ou seja, uma posio que percebe uma pluralidade de comunidades, considerando que essas

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  • comunidades so baseadas em valores morais, de certo modo, absolutos para sua determinada cultura, apenas variveis de um corpo poltico a outro corpo poltico, de cultura para cultura[51]. Ao invs de exaltar um "relativismo absoluto", que preza por um aparente subjetivismo tico e de certo modo encobre o reconhecimento de que existe um valor intransponvel para a cultura da democracia (que , ao menos originalmente, especificamente ocidental) no caso o valor da liberdade do indivduo[52].

    O fato que uma ontologia nada mais que uma ideologia que se pretende absoluta, universal e universalizante. Assim sendo, a ontologia liberal pretende estabelecer que todo ser humano livre e que a liberdade o argumento motivador da democracia e do prprio sistema poltico. Na verdade isso significa aceitar que o nosso sistema poltico baseado em um valor absoluto, a prpria liberdade, que dentro de seu prprio conceito, a princpio, admite diferentes formulaes de ideal de vida boa. Para ns, indivduos que compartilhamos esse valor moral da liberdade - ora ser essa nossa identidade ocidental - ele nos parece imprescindvel ao ser humano, mas isso no quer dizer que outra cultura no o possa entender de outra forma[53].

    Dizer-se aqui "a princpio, admite diferentes formulaes de ideal de vida boa" porque na verdade, a prpria concepo de liberdade essencial ao indivduo por si um modelo intransponvel de vida boa. Ou ser que qualquer um imergido em nossa cultura admitir que exista vida boa sem liberdade?

    No se nega que cada indivduo seja nico, e que possui interesses, e mesmo valores subjetivos. Entretanto, existe um Common Ground[54] valorativo do qual comungam todos os participantes morais de uma comunidade jurdica, poltica e cultural.

    No por menos, certamente no estgio atual nenhuma concepo razovel de democracia meramente formal nega que o principal argumento de sua viso deste regime a tolerncia, a pluralidade, a igualdade entre os indivduos e, sobretudo, a liberdade de cada um. Mas esse entendimento parece deixar de lado o fato que a liberdade em si um argumento moral, que em todos esses sistemas que se pretendem neutros e desprovidos de argumentos morais, , na verdade, a liberdade - mais precisamente a igual liberdade de todos os indivduos - um argumento moral absoluto para essa ordem jurdico-poltico-cultural. E ela, portanto, um ideal de vida boa.

    O que se quer dizer que um argumento que se pretenda relativista, logo, neutro com relao s concepes de bem, nada mais que uma concepo baseada em um argumento moral absoluto que o igual respeito liberdade de cada indivduo[55].

    O fato que aquilo que entendemos por Estado Democrtico de Direito, s possvel dentro de uma estrutura moral que tem como fundamento a "igualdade fundamental de todos em uma humanidade comum"[56], e consequentemente, a igual liberdade de cada indivduo.

    Tanto que, mesmo as vises de democracia que se pretendem meramente procedimentais, no podem se conceber argumentos que tolham a liberdade, ou que se pretendam intolerantes, sob pena de autodestruio prprio esquema democrtico.

    queles que argumentam a favor de um relativismo moral para a democracia faz-se a pergunta: haver democracia que no seja absolutamente comprometida com a dignidade da pessoa humana? Portanto, no haver de ser a dignidade da pessoa humana o valor absoluto e legitimante de qualquer regime que se pretenda democrtico?

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  • Inclusive, aqueles que entendem a democracia compreendida enquanto coincidente da premissa majoritria, por vezes, criticam a construo substantiva da democracia calcada na busca por um bem moral comum como sendo um modelo idealista. Alega-se que a democracia formal majoritria a democracia real, ou mesmo, pragmtica. Todavia, no h nada mais utpico que considerarmos que a democracia formal, que se prope promovedora da autodeterminao de cada indivduo, consegue atingir esse objetivo na medida do cumprimento do sufrgio universal, em um sistema que respeite a regra "de um indivduo um voto". Isso porque a simples regra formal da maioria pode por vezes representar to somente a opinio de um grupo dominante, sendo a aferio da vontade de todos algo no muito distante da demagogia. Nas palavras de Rousseau, "O povo, por si, quer sempre o bem, mas nem sempre o reconhece por si s. A vontade geral sempre reta, mas o julgamento que a guia nem sempre esclarecido. necessrio que veja os objetos tais como so, s vezes tais como lhe devem parecer, mostra-lhe o bom caminho que procura preserv-la da seduo das vontades particulares"[57].

    Se se quer defender um regime como este, que ao menos que se acompanhe Popper e Schumpeter a entender a democracia como mero modo de alternncia do poder sem derramamento de sangue, e no busque defender que um regime democrtico baseado no entendimento de que cada indivduo igualmente livre. Deve-se considerar que em razo disso todos os indivduos tm de ter sua posio e interesses tidos em igual considerao na tomada de decises pblicas do corpo poltico. Para atingir tal resultado a ordem constitucional que se pretende democrtica prescreve uma srie de procedimentos com o intuito de atingir este fim. Assim sendo resta a pergunta, por qual pretexto qualquer desses procedimentos tidos como caracterizadores da democracia poderia desrespeitar o valor fundacional dessa ordem? No h nenhuma justificativa para tanto.

    Quaisquer procedimentos atrelados democracia s encontraro sua razo de ser enquanto promoverem esse valor capital de igual liberdade dos indivduos. Se os aspectos formais "atropelarem" a substncia, no haver razo para existir tais aspectos formais[58]. Seria como utilizar um algoritmo mesmo sabendo que o resultado ao fim seria incorreto. No h lgica. Um como procedimental jamais ser capaz de justificar um determinado qu substantivo[59], sob pena de a prpria ordem perder sua coerncia.

    A essa concepo teleolgica podemos chamar de democracia substantiva. E ela identifica-se com dois argumentos, que nem sempre so trabalhados conjuntamente, mas que, no entanto, so complementares.

    O primeiro deles aquele levantado por Dworkin ao defender sua concepo comunitria de democracia, ou ainda, concepo constitucional de democracia. Neste conceito, o autor destaca que mais importante que a prpria participao igual do indivduo no governo - como essencial concepo majoritria (formal) de democracia - a democracia constitucional (enquanto forma dessa democracia substantiva) exige que as decises da coletividade sejam tomadas por instituies polticas com estrutura, composio e modo de operao que dediquem a mesma considerao e respeito a todos os membros da comunidade[60].

    Nesta linha, o regime democrtico pressupe determinadas condies democrticas. S quando preenchidas essas condies que as decises tomadas pela maioria podero postular um privilgio moral automtico diante dos demais procedimentos de deciso coletiva[61]. Esta linha de desenvolvimento aproxima-se do argumento liberal de autogoverno. Estabelecendo que obedecer vontade da maioria corresponder a "obedecer a si mesmo" quando observadas determinadas condies. Ou em termos rousseaunianos, quando plenamente atendidas tais condies morais a vontade da maioria coincidir com a vontade geral.

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  • Tais pr-requisitos democrticos so exatamente as condies de participao do indivduo em uma determinada comunidade poltica. Isso porque o autogoverno real - e no meramente virtual - s possvel quando a comunidade poltica garante a todos os seus membros as condies de participao moral. no momento em que tais requisitos democrticos so atendidos que podemos compreender a verdadeira ideia da democracia[62].

    Essencialmente essas condies so aquelas que Dworkin chama de condies de relao, e que versam sobre como o indivduo deve ser tratado por uma comunidade poltica para que possa ser um membro moral[63]. Assim, para um indivduo ser considerado um participante moral de determinada comunidade poltica ele tem de ter participao em qualquer deciso coletiva; interesse nessa deciso; e independncia em relao mesma. Em outras palavras, a) devem ser obedecidos os procedimentos democrticos que promovem o reconhecimento da vontade das maiorias; b) o respeito s necessidades tanto das maiorias como das minorias; c) e enfim, tem de haver o sentimento de comunidade em que cada indivduo entenda os demais membros da comunidade poltica "como scios em um empreendimento conjunto".

    Por conseguinte, uma democracia constitucional marcada pelo respeito aos procedimentos democrticos, pelo igual respeito aos direitos, interesses e liberdades das minorias, e ainda pelo comungado sentimento de comunidade moral, poltica e jurdica, entre os participantes morais de tal comunidade. Podendo inclusive ser identificado nessa definio de democracia constitucional a trade do ideal revolucionrio francs, "Libert, Egalit, Fraternit", encontrando nos procedimentos democrticos a declarao da liberdade; no respeito em mesma proporo da necessidade de todos, uma confisso da igualdade; e no sentimento de comunidade, a expresso da fraternidade.

    Sem o preenchimento de tais condies, o igual respeito liberdade de cada um atravs do cumprimento de determinados procedimentos seria apenas virtual. Isso porque desrespeitadas as necessidades das minorias, a democracia ser to totalitria quanto um governo de um caudilho qualquer, posto que na prtica no considerar o igual valor de todos os membros da sociedade. Ao mesmo tempo, se o indivduo no for livre e minimamente capacitado[64] para tomar sua prpria posio, seu voto no ser mais seu, mas sim representar o interesse dos grupos dominantes que o influenciam. E se no houver esse sentimento de fraternidade, nenhuma das outras duas situaes ser possvel, pois a unidade da comunidade tambm ser invivel.

    Por conseguinte, a negao dessa primazia absoluta da premissa majoritria, de forma alguma representa a negao das liberdades positivas[65]. Muito pelo contrrio, a promoo de um modelo de democracia constitucional, mesmo com eventuais e necessrias rejeies premissa majoritria em nome da persecuo da dignidade da pessoa humana, representa um alargamento e fortalecimento de tais liberdades.

    E nesse ponto que se encontra o outro argumento justificador de uma democracia substantiva, que se trata justamente do elemento da correo material das decises democrticas para a legitimidade do direito.

    A democracia enquanto forma legitimante do direito no se basta pelos argumentos de legitimidade conforme a ordem e de eficcia social. Ela tambm necessariamente identificada com o respeito a uma substncia, pela persecuo de um bem comum moralmente partilhado pela comunidade, ou como chama Dworkin, pela existncia de um Common Ground. Assim sendo, a identidade e unidade cultural de determinada comunidade em um valor moral essencial para entender-se o que vem a ser o ideal democrtico, enquanto a persecuo de seu parmetro normativo fundamental. Pelas palavras de Goyard-Fabre, quanto

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  • democracia, "ela no corresponde tanto a um regime poltico, e sim a um tipo de sociedade caracterizada por uma mentalidade especfica" [66]. Isso porque a legitimidade do direito no corresponde propriamente a uma legitimidade do poder, e sim, a uma legitimidade/validade moral do regime, mais especificamente de seu parmetro normativo. Essa uma viso de democracia que se afasta de linhas estritamente positivistas.

    Deste modo se a democracia um sistema poltico baseado na igual liberdade dos indivduos, imperativo reconhecer que ela tem por objetivo a promoo de um parmetro normativo identificado com um bem moral especfico, a dignidade da pessoa humana[67], e para tanto, apresenta uma srie de mtodos, vias e procedimentos de harmonizao de bens e interesses individuais, sempre subordinados a esse objetivo primrio[68]. Alm disso, at mesmo de um ponto de vista estritamente positivista, considerando que a democracia na contemporaneidade s pode ser entendida dentro da estrutura do Estado de Direito Constitucional, inexorvel reconhecer que os valores correspondentes ao seu norte normativo so aqueles insculpidos na carta poltica de uma comunidade jurdica, portanto, em sua Constituio[69]. Assim, a democracia concebida em sua forma substantiva reconhece seu carma na proteo e promoo da dignidade da pessoa humana[70].

    Alm disso, reconhecendo-se que prprio do regime democrtico o valor de igual liberdade dos indivduos, imperioso identificar a existncia de um dever de tolerncia com relao aos valores individuais de cada sujeito moral, medida que eles no afetem a dignidade dos demais sujeitos da comunidade ou sua dignidade. Afinal, seria no mnimo paradoxal um regime que pretenda fundamentado na liberdade de cada um, poder transcender e at violar a liberdade de alguns, mesmo que por determinao da maioria.

    Portanto, possvel identificar que por vezes, dentro de um contexto global de um Estado democrtico de direito, algumas decises jurisdicionais contra majoritrias possuem carter absolutamente democrtico, na medida em que elas promovam esse telos da democracia, a dignidade da pessoa humana. Afinal, "Tal como so um elemento constitutivo do estado de direito, os direitos fundamentais so um elemento bsico para a realizao do princpio democrtico"[71].

    Assim, a concepo substantiva de democracia no nega a necessidade dos procedimentos, nem das decises majoritrias para a caracterizao do regime. Mas tambm no calha apenas neles sua identificao. Afinal, nas palavras de Alexy, "nenhum no positivista que deva ser levado a srio exclui do conceito de direito os elementos da legalidade conforme o ordenamento e da eficcia social. O que o diferencia do positivista muito mais a concepo de que o conceito de direito deve ser definido de forma que, alm dessas caractersticas que se orientam por fatos reais, inclua elementos morais"[72].

    Deste modo, h que se reconhecer que h uma representao democrtica formal, entendida como a autorizao dada pelo povo um rgo soberano para exercer o poder em seu nome, e ainda uma representao democrtica material que consiste justamente em um momento referencial substantivo, ou ainda, em um momento normativo. Esse momento trata justamente da necessria vinculao da atuao dos representantes necessidade dos representados, bem como com o compromisso com o processo dialtico entre representantes e representados no sentido do compromisso de sua atuao com a persecuo o interesse da comunidade[73].

    Por fim, importante voltar a frisar, o entendimento de uma democracia substantiva no significa o ignorar da necessidade de procedimentos para a legitimidade do direito, mas to somente, identifica que a democracia no se resume a eles[74].

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  • 4. Concluso

    Assim sendo, encarando que o fundamento da democracia justamente a igual liberdade de todos os indivduos em participar na tomada de deciso poltica da comunidade, no h como se entender que a democracia possa ser um regime poltico assptico e neutro.

    Em verdade, o regime democrtico possui uma fundamentao axiolgica muito clara, que vincula no apenas os procedimentos normais de tomada de deciso, como tambm os resultados obtidos atravs desses procedimentos. Ou seja, por ter uma fundamentao axiolgica, a democracia tem de ser compreendida como uma estrutura substantiva, e no meramente formal.

    Portanto, o que caracteriza este regime, enquanto regime tpico da contemporaneidade justamente a igual considerao que sua estrutura d a cada indivduo participante moral da comunidade. E quando as decises polticas revelam essa conscincia e so tomadas nesse sentido que se pode dizer que elas so democrticas.

    Dessa forma, a existncia e o cumprimento de procedimentos de aferio de vontade das maiorias so essenciais para o regime democrtico, mas no bastam para caracteriz-lo. Isso porque a maioria pode muito bem aferir decises antidemocrticas, ou seja, desrespeitantes do valor fundamentante e integrador da ordem democrtica, qual seja, a igual liberdade de todos os indivduos[75].

    E deste modo, que a democracia um regime substantivo, ou seja, comprometido com um norte especfico. Ento, respondendo pergunta de Brecht, se todo poder emana do povo, para ser democrtico ele s pode ir para um lugar, exatamente para o povo, entendido e respeitado individual, coletiva e comunitariamente.

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    [1] Cfr. Bonavides. Cincia Poltica. 14 ed. Malheiros, So Paulo, 2007, p. 288. Tambm Cfr. Miglino. Democacia no apenas procedimento. Curitiba: Juru, 2006, p. 10-12,.

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  • [2] Cfr. Goyard-Fabre, O que democracia?... p. 10. Elucidando em nmeros, "Atenas era uma democracia genuna, apesar de limitada. Apenas cerca de 20% da populao adulta era de cidados e s dois teros desses 20% tinham plenos direito de cidadania, em particular o direito de ocupar cargos pblicos", Posner. Direito, Pragmatismo e Democracia. Forense, Rio de Janeiro, 2010, p. 112

    [3] Cfr. Arendt, Estado Nacional y Democracia, ARBOR Ciencia, Pensamiento y Cultura, vol. 186, n. 742 marzo-abril (2010), p. 191.

    [4] Ainda que nesta, a caracterizao da democracia tenha se dado de forma mais peculiar, devido perpetuao de um regime monrquico. inclusive na Ilha da Bretanha que o parlamento ganha corpo enquanto fora majoritria subordinada ao povo de oposio ao poder do rei, como j previa Locke, Dallari. Elementos de Teoria Geral do Estado. 29 ed., Saraiva, So Paulo, 2010, p. 148.

    [5] Apesar de outros autores j identificarem acontecimentos histricos anteriores s revolues burguesas, como o caso de Rawls: "sua origem nas guerras de religio que se seguiram Reforma, no desenvolvimento do princpio de tolerncia que ela acarretou e, por outro lado, na extenso da modalidade de governo constitucional e das economias ligadas a um vasto mercado industrial" Rawls. A idia de um consenso por justaposio, in Justia e democracia. Saraiva, So Paulo, 2000, p. 250.

    [6] Arendt j identifica que logo no incio da revoluo francesa, que trazia a democracia como uma de suas bandeiras, a ascenso de Napoleo veio a demonstrar que ainda se tratava de um instituto muito frgil, Cfr. Arendt, Estado Nacional y Democracia... Nessa linha, Amartya Sem em El valor de la democracia, El viejo topo: Espanha, 2006. identifica que o processo de (res)surgimento da idia de democracia ps antiguidade grega, tem antepassados anteriores aos sculos XVIII-XIX, mas prontamente clarifica que foi no ps-guerra que a democracia passou a se estabelecer definitivamente e de forma mais plena, com o fim dos regimes marxistas-leninistas da Europa oriental.

    [7] Cfr. Schumpeter. Capitalismo, socialismo e democracia, Rio de Janeiro, Editora Fundo de cultura, 1961,p. 300. Edio on-line disponibilizado por OrdemLivre,org.

    [8] Mill, Consideraes sobre o governo representativo. Editora da UNB, Braslia. 1981, p. 38.

    [9] Cfr. Bonavides. Teoria constitucional da democracia participativa. Malheiros, So Paulo, 2001.

    [10] Cfr. Dworkin. O Direito da Liberdade... p. 24.

    [11] Cfr. Dworkin em sua obra, Is democracy possible here... para designar esse entendimento de democracia se utiliza dos termos "majoritarian concept of democracy", ou ainda, "procedural democracy". Este poderia ser traduzido diretamente para o portugus por "democracia procedimental", sendo nesse sentido um termo bastante preciso para descrever esse entendimento. Entretanto, a utilizao do termo "democracia procedimental" com este sentido esbarra na dificuldade de este j ser utilizado por Jrgen Habermas para designar outro entendimento bem especfico da instituio "democracia", ligado a processos de poltica deliberativa, ou como se refere Canotilho quando trata do modelo habermasiano, Democracia discursiva, Teoria da Constituio... p. 1416.

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  • [12] Cfr. Bobbio. Estado, governo e sociedade... p. 157 e ss.

    [13] Dworkin, Is democracy possible here?... p. 131.

    [14] Cfr. Canotilho. Direito constitucional e teoria da constituio. 7 ed. Almedina, Coimbra, 2001, p. 1450.

    [15] Aqui o justo advindo de justeza e no propriamente de justia.

    [16] O positivismo entende o direito como coero. Assim a fundamentao do direito basicamente o poder. Em termos mais extremos como aqueles propostos por Austin, o que interessa para caracterizar o direito que seus comandos sejam emitidos por um agente ou grupo soberano. Assim sendo, no decorrer da histria vrias j foram as fundamentaes para o poder soberano, uma lei divina, a racionalidade, um decisionismo, e mais recentemente a democracia. Sem dvida este um argumento mais convidativo e mais adequado cultura da liberdade evoluda desde a modernidade, mas no fundo, para o positivismo, a democracia apenas uma das formas de legitimao do poder.

    [17] Cfr. Bobbio. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da poltica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, pp. 86 e ss.

    [18] Cfr. Kelsen. Teoria Pura do Direito, So Paulo, Martins Fontes, 2006, p. 221

    [19] Cfr. Alexy. Conceito e validade do direito, p. 4.

    [20] Cfr. Dworkin. O Direito da Liberdade... p. 28.

    [21] Cfr. Kelsen. Essncia e valor da Democracia, in A Democracia. 2ed. So Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 32.

    [22] Cfr. Dworkin, Is democracy possible here..., p 134: "The majoritarian conception purports to be purely procedural and therefore independent of other dimensions of political morality; it allows us to say, as I indicated, that a decision is democratic even if it is very unjust".

    [23] Relativismo esse que se alinha a fundamentos filosfico de origem kierkegaardiana e, mais diretamente, jaspersisana, ao compreender que no pode o homem ambicionar ser conhecedor de verdades certas. Nas palavras de Paulo Otero sintetizando o entendimento do filsofo alemo. Cfr. Paulo Otero. Instituies polticas e constitucionais I... p. 405.

    [24] Pretensamente neutra e meramente racional.

    [25] Cfr. Habermas. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 10.

    [26] Bobbio. Teoria geral da poltica... p. 380.

    [27] Cfr. Dahl. Sobre a democracia. Braslia, Editora da UnB, 2001. Pp. 48-49.

    [28] Esse fundamento da democracia tem razes no desenvolvimento que Kant faz de Rousseau. Interessante que o autor suo pode influenciar figuras com posies diametralmente opostas como so os casos de Hegel e Kant. Para maiores desenvolvimentos a

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  • respeito dos fundamentos kantianos da democracia, Maus. O direito e a poltica: teoria da democracia. Belo Horizonte, Del Rey, 2009.

    [29] Cfr. Kelsen. Essncia e valor da Democracia... , p. 32.

    [30] Cfr. Dworkin. O Direito da Liberdade... p. 29.

    [31] Cfr. Posner. Direito, Pragmatismo e Democracia... p. 119. Posner, com sua viso pragmtica do direito, trabalha maximamente dois conceitos de democracia, uma Idealista, Deweyana, e outra Realista elitista, Schumpeteriana. Sua principal preocupao a diferenciao entre uma concepo - para ele meramente utpica - democracia de ideias, e uma viso um tanto quanto pessimista de democracia de interesses das elites.

    [32] Utilizam-se as aspas porque, como se defender mais adiante, algumas das disposies tidas como meramente procedimentais, no fundo revelam um profundo compromisso substancial com o parmetro moral motivador da democracia.

    [33] Veja-se como a democracia, sobretudo em seu sentido formal, com os requisitos pretendidos hoje, concebvel efetivamente no ps-guerra. Por exemplo, o voto feminino teve incio na Nova Zelndia, apenas em 1893, mas se tornou prtica poltica comum apenas na segunda metade do sculo XX.

    [34] Nesse sentido autores como Bobbio chegam a elencar universais processuais bastantes para a caracterizao de um modelo democrtico. Bobbio. Teoria geral da poltica: a filosofia poltica e as lies dos clssicos. Rio de Janeiro, Elsevier, 2000, p. 427.

    [35] Cfr. Dahl. Sobre a democracia. Braslia: Editora da UnB, 2001, pp. 49-50, que elenca a Participao efetiva, a igualdade de voto, o entendimento esclarecido, o controle do programa de planejamento e a incluso dos adultos.

    [36] Cfr. Posner. Direito, Pragmatismo e Democracia... p.112.

    [37] Cfr. Posner. Direito, Pragmatismo e Democracia... p. 111.

    [38] Aproximando-se daquilo que, em sua obra Histrias , Polbio denomina oclocracia como sendo a forma degenerada da democracia.

    [39] A menos essa uma questo que claramente se estabeleceria diante da viso que Popper tem da Democracia.

    [40] Como literalmente Kelsen alega ser possvel no trecho supracitado.

    [41] Cfr. Reale. Pluralismo e Liberdade, 2 ed. So Paulo, Editora Expresso e Cultura, 1998, p. 229, "A norma jurdica sempre uma medida racional ou teleolgica de conduta ou de organizao, devendo-se notar que quando uno os objetivos racional e teleolgico, fao-o partindo da considerao fundamental de que o fim, na experincia jurdica, no seno um valor compreendido racionalmente como motivo do comportamento social, ou seja, o fim a veste ou a verso racional do valor. Um calor converte-se em fim quando se escolhe um determinado caminho axiolgico: a norma jurdica , assim, o caminho, o meio atravs do qual se deve atingir um valor, que o elemento que lhe d contedo, e sem o qual a norma no teria significado e vida".

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  • [42] Citado por Hberle, Os problemas da verdade no Estado Constitucional. Porto Alegre, Sgio Antnio Fabris Editor, 2008. P. 126.

    [43] Cfr. Reale. Fontes de Modelos do Direito. So Paulo, Saraiva, 1994, p. 61, "o poder no se confunde mesmo com o arbtrio em razo de sua dialeticidade, de ordem factual e valorativa, a comear por sua ubiquao no concernente ao problema das fontes. Em verdade, o poder no decide onde e como quer, mas no mbito processual da fonte do direito. Essa a primeira razo de sua legitimidade. Ilegtimo o poder - e, por via de conseqncia, o direito que dele dimana - quando ele se pe como fonte do direito, e no apenas como momento decisivo, sim, mas momento do processar-se de uma das fontes do direito admitidas pelo macromodelo do ordenamento jurdico.

    [44] Hberle, Os problemas da verdade no Estado Constitucional...P. 122.

    [45] Embora Amartya Sem em El valor de la democracia... , pp. 20 e ss. destaque que apesar de ser inegvel o notvel papel da democracia ateniense na gnese desse conceito, no exclusivo do ocidente os contributos e desenvolvimentos para o conceito, fazendo referncias a contributos iranianos ou indianos. Mas o fato que a concepo do Estado Democrtico de Direito sim uma formulao da cultura poltica ocidental.

    [46] Art. 1 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil; artigo 1. da Constituio da Repblica Portuguesa; Prembulo da Constituio Espanhola; artigo 1 da Lei Fundamental da Repblica Federal Alem. Na Declarao Universal dos Direitos do Homem, "Prembulo. Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famlia humana e seus direitos iguais e inalienveis o fundamento da liberdade, da justia e da paz no mundo"; Artigo 1. Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. So dotados de razo e conscincia e devem agir em relao uns aos outros com esprito de fraternidade". Ainda amplamente pela doutrina, Cfr. Hberle. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In Dimenses da Dignidade: ensaios de filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2 Ed., Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre: 2009, p. 81; Pereira Coutinho. Autoridade Moral da Constituio: da fundamentao da validade do Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2009; Ingo Wolfgang Sarlet. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituio Federal de 1988. 8 ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre: 2010, p. 71.

    [47] Matos, Rousseau e a lgica democrtica. Lisboa, Edies Colibri, 2008.

    [48] Hberle, Os problemas da verdade no Estado Constitucional... pp. 105-106.

    [49] Neste sentido, Konder Comparato, inclusive, identifica que a Declarao Universal dos Direitos do Homem nos artigos XXI e XXIX, item 2, determina uma obrigatoriedade do regime democrtico aos Estados Nacionais, A afirmao histrica dos direitos humanos. 5 ed. So Paulo, Sairaiva, 2007, p. 234.

    [50] Ou nas palavras de Miguel Reale, uma objetividade relativa. elucidativa a transcrio do excerto:

    "No nosso modo de ver, os valores no possuem uma existncia em si, ontolgica, mas se manifestam nas coisas valiosas. Trata-se de algo que se revela na experincia humana, atravs da Histria. Os valores no so uma realidade ideal que o homem contempla como se fosse um modelo definitivo, ou que s possa realizar de maneira indireta, como quem faz uma

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  • cpia. Os valores so, ao contrrio, algo que o homem realiza em sua prpria experincia e que vai assumindo expresses diversas e exemplares, atravs do tempo.

    No plano da Histria, os valores possuem objetividade, porque, por mais que o homem atinja resultados e realize obras de cincia ou de arte, de bem e de beleza, jamais tais obras chegaro a exaurir a possibilidade dos valores, que representam sempre uma abertura para novas determinaes do gnio inventivo e criador. Trata-se, porm, de uma objetividade relativa, sob o prisma ontolgico, pois os valores no existem em si e de per si, mas em relao aos homens, com referncia a um sujeito. No se entenda, porm, que os valores s valham por se referirem a dado sujeito emprico, posto como sua medida e razo de ser. Os valores no podem deixar de ser referidos ao homem como sujeito universal de estimativa, mas no se reduzem s vivncias preferenciais deste ou daquele indivduo da espcie: - referem-se ao homem que se realiza na Histria, ao processas da experincia humana de que participamos todos, conscientes ou inconscientes de sua significao universal.

    Por serem referidos, por estarem sempre em relao com o homem, com o sujeito humano em sua universalidade, que dizemos que a objetividade dos valores relativa, que uma objetividade in fieri na tela da Histria, mas no lhes falta imperatividade tica, desde que se considere a totalidade do processo estimativo que se confunde com o esprito humano, revelando-se em si mesmo e em suas obras, pois, como observa Brightman, no h valores que possam ser apreciados plenamente sem se levar em conta todos os demais, a experincia pessoal e a coletiva". Filosofia do Direito. 19 ed. So Paulo, Saraiva, 2002, pp. 208-209.

    [51] Horta e Ramos. Entre as veredas da cultura e da civilizao. In Revista Brasileira de Filosofia, n. 233, ano 58, So Paulo, Revista dos Tribunais, jul.-dez./2009, pp. 248-279.

    [52] Kaufman. Filosofia do Direito. 3 ed. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 2009, p. 443.

    [53] Duguit. Fundamentos do Direito. So Paulo, Martins Claret, 2009, pp. 30 e 31, Duguit revela que entende que para nossa cultura a igual liberdade dos indivduos um conceito de nossa cultura, adequado a nossos valores, mas no necessariamente pretensamente absoluto a outras culturas jurdicas.

    [54] Cfr. Dworkin, Is democracy possible here..., p. 6 e ss. "I shall argue, first, that in spite of the popular opinion I just described, we actually can find shared principles of sufficient substance to make a national political debate possible and profitable (...) there is enough substance in the deep principles about human value that I describe as common ground to sustain an argument about what follows, by way of social, foreign, or economic political policy, from these principles".

    [55] Na sociedade medieval o argumento moral era a honra, no nacional-socialista o argumento moral central era uma concepo de superioridade racial, no bolchevismo sovitico a superao do capital baseado em uma igualdade absoluta, para a democracia, o argumento moral fundamental a igual liberdade de todos os indivduos.

    [56] Pereira Coutinho em Do que a Repblica... remete tal definio a Ratzinger : "as cartas constitucionais dos pases ocidentais, fruto de um complexo processo de maturao cultural (...), baseiam-se na ideia de uma ordem de justia, na conscincia de uma igualdade fundamental de todos na humanidade comum".

    [57] Cfr. Rousseau. O Contrato Social... p. 48.

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  • [58] Cfr. Reale. Pluralismo e liberdade..., "A norma jurdica, como se v, posta tendo em vista a realizao de algo valioso ou a no ocorrncia de algo desvalioso. Esse carter de mediao ou de instrumentalidade tem levado alguns autores ao equvoco de natureza tcnica, quando, na realidade, a tomada de posio axiolgica que suscita a necessria busca de meios idneos para atingir-se o fim colimado, prevalecendo, por conseguinte, sempre o seu significado tico".

    [59] Cfr. Pereira Coutinho. Autoridade Moral da Constituio... pp. 132 e ss.

    [60] Cfr. Dworkin. O Direito da Liberdade... p. 26.

    [61] Cfr. Dworkin, Constitutionalism and Democracy...

    [62] Cfr. Dworkin. O Direito da Liberdade... p. 36 e ss.

    [63] Na verdade, Dworkin ainda elenca outra categoria de condies por ele chamada de essencial, so na maioria das vezes "condies estruturais essencialmente histricas. A comunidade poltica no pode ser somente nominal: tem de ter sido estabelecida no decorrer de um processo histrico que tenha produzido fronteiras territoriais suficientemente reconhecidas e estveis", que esto mais relacionadas questo do reconhecimento dos participantes de uma comunidade. O Direito da Liberdade... p. 37.

    [64] Sobre a essencial relao entre Democracia e Educao, por todos Dewey, Democracy and Education. Hazleton : Pennsylvania State University, Electronic Classics Series, Faculty Editor, 2001.

    [65] Vale sempre deixar claro que o que se quer destacar que a vontade da maioria no corresponde plenamente com a democracia, ainda que seja elemento indispensvel para sua existncia.

    [66] Cfr. Goyard-Fabre, O que democracia?... p. 6.

    [67] Cfr. Hberle. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal...p. 86.

    [68] Cfr. Canotilho. Direito constitucional e teoria da constituio... p. 288.

    [69] Dos textos constitucionais do ocidente possivelmente aquele que mais expressamente identifica a intrnseca correlao entre democracia, constituio e dignidade da pessoa humana a Constituio da `frica do Sul:

    7. Rights

    1. This Bill of Rights is a cornerstone of democracy in South Africa. It enshrines the rights of all people in our country and affirms the democratic values of human dignity, equality and freedom.

    2. The state must respect, protect, promote and fulfil the rights in the Bill of Rights. 3. The rights in the Bill of Rights are subject to the limitations contained or referred to

    in section 36, or elsewhere in the Bill.

    [70] Cfr. Paulo Otero. Instituies polticas e constitucionais I... pp. 599-601, "a dimenso democrtica do poder poltico prprio de um Estado de direitos humanos privilegia o contedo ou a substncia do modo como se exerce o poder relativamente aos seus aspectos

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  • formais ou procedimentais de aquisio ou exerccio: no basta que o poder tenha sido adquirido de forma legtima, envolvendo o respeito por regras anteriormente estabelecidas de participao dos cidados atravs do sufrgio universal, para se dizer que existe um poder democrtico; a essncia da legitimidade democrtica do poder poltico reside no modo como esse poder exercido e na substncia material das suas decises.

    Uma democracia meramente formal ou procedimental pode admitir como vlidas decises que materialmente atentem contra a vida e a dignidade humanas: uma democracia humana, substancialmente fundada no respeito pelo ser humano vivo e concreto, nunca legtima ou valida decises contrrias inviolabilidade da vida humana ou atentatrias dignidade. A democracia humana prpria de um Estado de Direito material ou Estado de juridicidade, enquanto que a democracia formal ou procedimental produto de um Estado de Direito formal, neste ltimo sentido aproximando-se da neutralidade axiolgica de modelos totalitrios".

    [71] Cfr. Canotilho. Direito constitucional e teoria da constituio... p. 290.

    [72] Cfr. Alexy. Conceito e validade do direito... pp. 4 e 5.

    [73]Cfr. Canotilho. Direito constitucional e teoria da constituio... p. 294.

    [74] Cfr. Reale. Fontes de Modelos do Direito, p. 62, "O relevante do estudo dos procedimentos a demonstrao de que se o problema da legitimidade no se resolve em termos puramente funcionais, tambm no se esclarece com abstrao da funcionalidade do Direito, ou seja, do procedimento, que uma das condies da sua legtima concretude.

    A legitimidade de um modelo jurdico depende, na realidade, tanto da fonte de que resulta como do contedo tico-social de sua interpretao e aplicao ao longo do tempo, contedo esse valorado tambm tanto em funo do fim visado pelo modelo como por sua ubiquao na totalidade do ordenamento. Somente assim o que h de inevitavelmente positivo no mundo jurdico pode harmonizar-se com os valores que no seu todo compem a intencionalidade do justo. Isto quer dizer que o problema da legitimidade s se resolve em termos de justia como concreo histrica, ou como "razo histrica", tanto assim que pode ocorrer excepcionalmente sua legitimao pelo procedimento".

    [75] Cfr. Otero. Instituies polticas e constitucionais I..., p. 473, e segue, "Esse o resultado possvel a que, por diferentes vias, podem conduzir as concepes de consenso de sobreposio de John Rawls, fazendo o essencial submergir perante o acessrio, ou o modelo processual de democracia formulado por Habermas, tornando a democracia um conceito sem contedo axiolgico: o relativismo tico, conduzindo a um relativismo cptico do "vale tudo o mesmo", um falso pressuposto da democracia e da tolerncia. Isso mesmo resulta de Popper, insurgindo-se contra um tal relativismo, condenando a existncia de uma "tolerncia laxista", e defendendo a busca da verdade: o tempo das certezas no se encontra irremediavelmente no passado.

    Torna-se evidente, por outro lado, que a uma democracia sem valores acaba por significar uma palavra vazia, podendo ser tudo e tambm no ser nada: "o valor da democracia vive ou morre nos valores que ela encarna e promove". E, como j foi sublinhado, "uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado", pp. 473 e 474.

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