Demonstrações Do Teorema de Bell

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Licenciatura em Física Instituto de Física Universidade Federal do Rio de Janeiro MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO Demonstrações do Teorema de Bell Rodrigo Rodrigues Machado Orientador Carlos Eduardo Aguiar Março de 2013

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Demonstrações Do Teorema de Bell

Transcript of Demonstrações Do Teorema de Bell

  • Licenciatura em Fsica

    Instituto de Fsica

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    MONOGRAFIA DE CONCLUSO DE CURSO

    Demonstraes do Teorema de Bell

    Rodrigo Rodrigues Machado

    Orientador Carlos Eduardo Aguiar

    Maro de 2013

  • ii

    Agradecimentos

    Agradeo, primeiramente, minha famlia por todo o apoio dado a mim no

    decorrer da graduao.

    Mariana Faria Brito Francisquini que contribuiu diretamente na construo

    desta monografia.

    Aos amigos que sempre estiveram dispostos a ajudar.

    Ao meu orientador, Carlos Eduardo Magalhes de Aguiar, por toda a ajuda,

    pacincia e todas as explicaes a mim dadas durante o andamento da minha

    graduao e desta monografia.

    Aos professores que gentilmente aceitaram o convite para participar da banca

    julgadora deste trabalho.

  • iii

    Resumo

    Apresentamos diferentes demonstraes do teorema de Bell, um resultado

    importante para a compreenso e interpretao da teoria quntica. O teorema

    raramente tratado nos livros de mecnica quntica, e quando isso ocorre a

    discusso geralmente sucinta e pouco elucidativa. Neste trabalho faremos

    uma reviso de algumas demonstraes do teorema de Bell encontradas na

    literatura que consideramos particularmente simples e que ajudam a tornar o

    significado deste teorema mais claro. Essas demonstraes, publicadas em

    revistas de ensino de fsica ou de divulgao cientfica, podem ser

    compreendidas mesmo por leitores com pouca base matemtica.

  • iv

    ndice

    Captulo 1 Introduo .......................................................................................1

    Captulo 2 Postulados da Mecnica Quntica..................................................3

    1. O Princpio da Superposio...............................................................3

    2. A Regra de Born..................................................................................3

    3. Quantizao das Grandezas Fsicas...................................................5

    4. A Equao de Schrdinger..................................................................6

    5. O colapso da funo de onda..............................................................7

    6. Complementaridade e Incerteza..........................................................7

    Captulo 3 - Realismo, Teoria Quntica e o Teorema de Bell.............................8

    1. Concepes Realista e No-realista....................................................8

    2. O Teorema de Bell..............................................................................12

    Captulo 4 - Outras Demonstraes do Teorema de Bell.................................17

    1. Herbert (1975), Kuttner e Rosemblum (2010)....................................17

    2. dEspagnat (1979).............................................................................22

    3. Peres (1978)......................................................................................26

    Captulo 5 Concluso.....................................................................................31

    Apndice A Spin 1/2.......................................................................................32

    Referncias.......................................................................................................35

  • 1

    Captulo 1 Introduo

    O objetivo deste trabalho apresentar diferentes demonstraes do

    teorema de Bell, um resultado de fundamental importncia para a compreenso

    e interpretao da teoria quntica. Este teorema raramente tratado nos livros

    de mecnica quntica, principalmente os mais antigos. Quando ele discutido,

    isso normalmente feito sucintamente e com uma matemtica que pode ser

    proibitiva a muitos leitores. Neste trabalho faremos uma reviso de algumas

    demonstraes do teorema de Bell encontradas na literatura que consideramos

    particularmente simples e que ajudam a tornar o significado deste teorema

    mais claro.

    No captulo 2 descreveremos os postulados da mecnica quntica

    essenciais ao entendimento dos outros captulos. A abordagem

    extremamente concisa, de modo a apenas evidenciar os conceitos envolvidos

    em cada postulado.

    No captulo 3 discutiremos a questo do no-realismo da teoria quntica

    e como esta ideia incomodava alguns fsicos como Einstein. O paradoxo de

    Einstein, Podolsky e Rosen (EPR) apresentado, assim como a demonstrao

    original do teorema de Bell, mostrando que a mecnica quntica incompatvel

    com os conceitos usuais de realidade e localidade.

    Finalmente, no captulo 4 sero apresentadas demonstraes simples e

    ilustrativas do teorema de Bell, baseadas nos artigos

    The Quantum Theory and Reality, de Bernard dEspagnat,

    Cryptographic Approach to Hidden Variables, de Nick Herbert,

    Bells Theorem and Einstein Spooky Actions from a Simple Thought

    Experiment, de Fred Kuttner e Bruce Rosenblum

    Unperformed experiments have no results, de Asher Peres.

    Essas demonstraes, publicadas em revistas de ensino de fsica ou de

    divulgao cientfica, podem ser compreendidas mesmo por leitores com pouca

  • 2

    base em mecnica quntica e oferecem diferentes vises sobre o significado

    do teorema.

    Esperamos que o presente trabalho seja til a quem venha a estudar o

    teorema de Bell, ajudando a compreender melhor esse tema fascinante.

  • 3

    Captulo 2 Postulados da Mecnica Quntica

    Neste captulo apresentaremos sucintamente alguns dos princpios da

    mecnica quntica, com o objetivo de estabelecer uma base para a discusso

    do teorema de Bell. Suporemos conhecidas as ferramentas matemticas

    bsicas necessrias formulao da teoria quntica, que sero descritas

    apenas quando for conveniente fixar a notao.

    1. O Princpio da Superposio

    As propriedades de um sistema quntico so completamente definidas

    pela especificao do seu vetor de estado, digamos , que um elemento de

    um espao vetorial complexo , chamado espao de estados.

    O princpio da superposio afirma que se tivermos dois vetores de

    estado e , ento uma superposio linear destes estados tambm

    representar um estado fsico. Mais exatamente, se e so vetores de

    estado, ento

    = + ,

    onde e so nmeros complexos, tambm um vetor de estado. Segundo

    Dirac, o princpio da superposio representa uma das diferenas mais

    fundamentais e mais drsticas entre a fsica quntica e fsica clssica [Dirac

    1958].

    2. A Regra de Born Sejam e dois estados de um sistema quntico. A regra de Born

    afirma que, se o sistema estiver no estado , a probabilidade de uma medida

    encontr-lo no estado dada por

    ( ) = ,

    onde o produto escalar (ou produto interno) dos dois vetores.

  • 4

    A amplitude de probabilidade dessa medida definida por

    ( ) = .

    A probabilidade de uma medida encontrar o sistema quntico no estado ,

    portanto, o mdulo ao quadrado da amplitude de probabilidade,

    ( ) = ( ) .

    2.1. Algumas consideraes acerca da regra de Born

    1) Na formulao da regra de Born, supusemos que e tm norma

    unitria ( ). Caso isso no ocorra, podemos sempre dividir o

    vetor de estado pela sua norma, obtendo

    P( ) =

    .

    2) Os vetores e = representam o mesmo estado fsico, ou seja,

    ao trocarmos a fase de um vetor, no alteramos o estado que ele

    representa. Isto se deve ao fato de ser impossvel distinguir e em um

    processo de medida, pois pela regra de Born,

    P( )= = =

    e como | | , temos

    P( ) = P( ).

    3) Mudar a fase do vetor, como um todo, no altera seu estado fsico.

    Entretanto, mudar a fase relativa entre dois vetores quaisquer em uma

    superposio altera o estado representado pela superposio. Considere um

    estado = + . Mudando a fase relativa entre os estados e ,

    temos

    = + .

    A probabilidade de encontrar em uma medida dada por

  • 5

    { }

    que depende de e diferente, em geral, de .

    3. Quantizao das Grandezas Fsicas

    A uma dada grandeza fsica por exemplo: energia, momento linear

    ou posio est associado um operador A, que age no espao de estados

    O operador A hermitiano ( ), e seus autovalores e autovetores

    so definidos pela relao

    .

    Trs resultados importantes podem ser demonstrados:

    1) Os autovalores de um operador hermitiano so sempre reais.

    2) Os autovetores de um operador hermitiano formam uma base ortonormal e

    qualquer vetor | pode ser escrito como | = com = .

    3) Um operador hermitiano pode ser escrito na forma

    ,

    chamada de representao espectral de A.

    Medidas da grandeza podem ter como resultado apenas os

    autovalores do operador A. Se o sistema est em um estado em que

    , ento seu vetor de estado o autovetor .

    Pela regra de Born, a probabilidade de uma medida resultar no autovalor

    dada por

    ( ) = | .

    Com isso, o valor mdio (ou valor esperado) da grandeza no estado

    dado ento por

    ( )

    .

  • 6

    Utilizando a representao espectral, vemos que

    e, portanto, o valor esperado de A no estado |

    .

    4. A Equao de Schrdinger

    A evoluo temporal do vetor de estado de um sistema quntico regida

    pela equao de Schrdinger,

    ( )

    ( )

    onde o operador linear hermitiano H, denominado hamiltoniano, representa a

    energia do sistema.

    Algumas propriedades importantes da equao de Schrdinger so:

    (1) A equao de Schrdinger linear: se ( ) e ( ) so solues, ento

    a combinao linear | ( ) ( ) ( ) tambm o .

    (2) A norma do vetor de estado conservada: ( )

    .

    4.1. O operador de evoluo

    Digamos que, no momento , um sistema esteja em um estado

    ( ). Em um instante posterior , o novo vetor de estado estar associado ao

    estado inicial pelo operador de evoluo

    ( ) ( ) ( ) .

    Devido s propriedades (1) e (2) listadas acima, o operador linear e unitrio

    ( ).

    Em termos desse operador, a equao de Schrdinger fica na forma

  • 7

    [

    ( )] ( ) ( ) ( ).

    Como ( ) arbitrrio, temos que

    ( ) ( ) .

    Para hamiltonianos que no dependem do tempo, essa equao pode ser

    resolvida e o operador de evoluo dado por

    ( ) ( )

    .

    5. O colapso da funo de onda

    Suponhamos, inicialmente, um sistema num estado | , de modo que

    | ,

    onde so os autoestados de uma grandeza A, com autovalores .

    A probabilidade de uma medida achar o resultado dada pela regra

    de Born, ( ) . Aps a medida que resultou em , o sistema deve

    estar necessariamente no estado | , ou seja, com um valor de A bem definido.

    Dizemos que a funo de onda | colapsa para o estado por ao da

    medida. Se uma medida subsequente for imediatamente feita, a probabilidade

    de encontrarmos o sistema no estado de 100%.

    Logo, existem dois processos de evoluo temporal distintos na

    mecnica quntica. Um deles, bem definido e determinstico, regido pela

    equao de Schrdinger. O outro processo, o colapso da funo de onda

    durante uma medida, aleatrio e no descrito pela equao de Schrdinger.

    6. Complementaridade e Incerteza

    Vamos considerar duas grandezas fsicas e , s quais esto

    associados os operadores hermitianos A e B, respectivamente. Definimos o

    comutador de A e B como

  • 8

    [ ]

    Dizemos que as grandezas so incompatveis (ou complementares) quando o

    comutador delas for diferente de zero. Por exemplo, os operadores posio (X)

    e momento linear (P), que desempenham papel central na mecnica quntica,

    tm comutador [ ] . Ou seja, posio e momento so grandezas

    complementares. O significado fsico disso ser discutido a seguir.

    Como j vimos, o valor mdio de uma grandeza dado por

    .

    O desvio padro em torno dessa mdia definido por

    ( )

    e representa a largura da distribuio de medidas de A em torno do ponto

    mdio. Esse desvio padro chamado de incerteza de no estado | .

    Dadas duas grandezas A e B, pode-se demonstrar a relao de

    incerteza

    [ ] .

    De acordo com essa relao, no possvel definir simultaneamente o valor de

    grandezas fsicas complementares. Voltando ao exemplo da posio e

    momento linear, como [ ] temos que

    , a relao de incerteza

    de Heisenberg.

  • 9

    Captulo 3 Realismo, Teoria Quntica e o Teorema de Bell 1. Concepes Realista e No-realista

    A maioria das pessoas acredita na existncia de uma realidade objetiva, isto ,

    algo independente de qualquer observao ou da subjetividade de certo

    indivduo. Atravs de observaes ou medidas ns obtemos informaes

    acerca do sistema no qual estamos interessados.

    Em um laboratrio, essas medidas so feitas atravs de um aparato

    experimental que interage com o sistema fsico e nos registra o valor da

    quantidade que estamos estudando. Seguindo a perspectiva realista, tal

    grandeza existia antes mesmo da interao do aparato com o sistema, ou seja,

    a aferio desta grandeza somente nos revela seu valor, algo pr-existente

    medida, embora desconhecido.

    A teoria quntica, no entanto, nos conduz a um caminho oposto ao da

    posio realista. A teoria quntica faz previses estatsticas sobre o resultado

    de uma medida e no sobre algo pr-existente. Nas palavras de Pascual

    Jordan, um dos criadores da mecnica quntica: Observaes no somente

    perturbam o que est sendo medido, elas o produzem... [Jammer 1974].

    2. O Paradoxo de EPR

    Esta caracterstica no-realista da Mecnica Quntica no vai apenas

    contra o nosso senso comum. Ela incomodava Einstein, que defendia que

    todas as coisas possuam caractersticas inerentes, estivessem estas sendo

    medidas ou no. Em uma conversa com Abraham Pais, Einstein teria chegado

    a perguntar Voc acredita que a Lua no est l quando no olhamos para

    ela?

    Em 1935, Einstein, Podolsky e Rosen (EPR), publicaram um artigo no

    qual argumentavam que a teoria quntica no seria capaz de prover uma

    descrio completa da realidade fsica [Einstein 1935]. Sobre o artigo, Leon

  • 10

    Rosenfeld, poca assistente de Bohr, escreveu: Este ataque desceu sobre

    ns como um raio cado do cu.

    Em seu artigo, EPR propuseram uma definio de realidade fsica:

    Se, sem perturbarmos um sistema, ns pudermos prever com preciso (i.e.

    com a probabilidade igual unidade) o valor de uma quantidade fsica,

    ento existe um elemento de realidade fsica correspondente a esta

    quantidade fsica.

    Podemos pensar como esta ideia seria aplicada mecnica quntica.

    Por exemplo, consideremos uma partcula em um autoestado de momento

    linear . No precisamos medir o momento para saber com absoluta

    certeza o seu valor; nesse caso faz sentido dizer que o momento um

    elemento de realidade fsica associado ao estado [Berche 2005]. No

    entanto, posio e momento so grandezas complementares. Assim,

    quando o momento da partcula conhecido impossvel saber onde ela

    est; pela mecnica quntica, sua posio no tem realidade fsica.

    A linha de raciocnio proposta por EPR supunha um sistema inicial

    isolado que posteriormente dividido em dois fragmentos (partculas 1 e 2), de

    modo que o momento linear total do sistema seja conservado (Fig. 3.1).

    Figura 3.1. O experimento imaginado por EPR

  • 11

    Seja ento o momento da partcula 1 e o momento da partcula 2 e,

    analogamente, a posio da partcula 1 e a posio da partcula 2, de

    modo que possamos escrever:

    e

    Usando a relao bsica [ ] , podemos mostrar que X e P

    comutam:

    [ ] ( )( ) ( )( )

    ( )

    ou seja, e podem ser definidos simultaneamente.

    possvel, ento, preparar o sistema de modo que seu estado seja

    | ,

    onde uma distncia conhecida. Com uma medida da posio da partcula 2

    ( ), somos capazes de descobrir a posio da partcula 1, j que

    . O mesmo pode ser feito para o momento. Uma medida de pode nos

    revelar , pois , sem que haja qualquer tipo de interao entre o

    observador e a partcula 1. Assim, somos capazes de determinar tanto a

    posio ( ) quanto o momento ( ) da partcula 1 com 100% de probabilidade

    de encontrarmos o valor previsto. Portanto, existe um elemento de realidade

    fsica associada tanto posio quanto ao momento. Esquematicamente:

    Medida de revela

    Medida de revela

    essencial notar que esse resultado vale no importa quo longe as partculas

    estejam uma da outra, pode representar qualquer distncia. Como, pela

    teoria da relatividade, impossvel que uma perturbao se propague

    instantaneamente de 2 para 1, o critrio de realidade EPR satisfeito.

  • 12

    No entanto, apesar de Einstein ser crtico acerca do no-realismo da

    mecnica quntica, ele afirmava que a teoria quntica no estava errada, era

    apenas incompleta. Para ele, uma teoria completa faria as mesmas previses

    que a mecnica quntica, mas envolveria variveis adicionais, chamadas de

    variveis ocultas numa situao aproximadamente anloga da

    Termodinmica e Fsica Estatstica. A teoria tambm deveria ser local, de

    modo a impedir interaes ou comunicao distncia.

    Em 1964, John S. Bell mostrou que uma teoria de variveis ocultas

    locais necessariamente entraria em conflito com a mecnica quntica. Esse

    resultado, o teorema de Bell, ser demonstrado a seguir.

    2. O Teorema de Bell

    Imaginemos um sistema em repouso e com momento angular zero que

    em dado instante se divide em duas partculas de spin . Pela conservao do

    momento angular, a soma dos spins em qualquer direo tem de ser nula. Isso

    significa que o sistema est no estado singleto, dado pelo vetor

    ( )

    (uma compilao de resultados importantes sobre spin est no Apndice A).

    Figura 3.2: Direes das componentes de spin.

    Os detectores vistos na figura 3.2 medem a componente do spin em

    direes especificadas pelos vetores unitrios a e b. Podemos registrar os

    valores encontrados em uma sequncia de medidas preparadas identicamente,

  • 13

    listando-os em uma tabela na qual a medida do spin das duas partculas nas

    direes especificadas a e b s especificada por dois valores: (spin para

    cima) ou (spin para baixo). Colocamos, ainda, uma terceira quantidade na

    tabela representando o produto das duas medidas.

    Partcula 1 Partcula 2 Produto ( )

    Tabela 3.1: Resultado das medidas nas direes a e b.

    Chamaremos a mdia desses produtos de ( ). Note que, como o

    spin total zero, se os detectores estiverem alinhados o produto das medidas

    deve ser sempre , j que as partculas tm sempre spins opostos em uma

    dada direo. Portanto, ( ) . Analogamente, quando os detectores

    estiverem orientados em sentidos opostos, o produto das medidas deve ser

    sempre e a mdia dos produtos ser ( ) Para detectores

    orientados em direes arbitrrias e , no podemos dizer que estes valores

    dos produtos das medidas sejam sempre os mesmos, como ilustrado na tabela

    3.1. Faremos uma comparao entre as propriedades da mdia clssica (ou

    melhor, a mdia prevista por qualquer teoria realista e local) e os resultados da

    teoria quntica.

    Para comear calcularemos a mdia clssica, supondo que existem

    variveis ocultas. Isso significa que a projeo ( ) do spin da partcula 1 ao

    longo da direo est definida por um parmetro , a varivel oculta (pode

    haver mais de uma varivel oculta e nesse caso representa o conjunto delas).

    O realismo vem do fato de o valor ( ) existir antes da medida, e no ser

    criado por ela. A imprevisibilidade do resultado das medidas explicada por

  • 14

    no conhecermos o valor da varivel oculta . De forma anloga, definimos

    ( ) como o valor do spin da partcula 2 ao longo da direo . A hiptese

    de localidade est implcita nessas definies, pois estamos supondo que,

    devido separao entre os dois aparelhos de medida, ( ) no depende da

    orientao de b, nem ( ) depende de a (do contrrio escreveramos

    ( ) e ( )). Assim como na tabela anterior, supomos ( ) e

    ( ) s podem assumir os valores (spin para cima) ou (spin para

    baixo). Quando os detectores esto alinhados, paralela ou antiparalelamente,

    temos que ( ) ( ) para qualquer .

    Em muitas repeties de medidas de e , a varivel oculta varia

    estatisticamente conforme uma distribuio ( ), onde ( ) . A mdia

    do produto das medies , ento

    ( ) ( ) ( ) ( ) .

    Mas,

    ( ) ( )

    de modo que,

    ( ) ( ) ( ) ( ) .

    Da mesma forma, tomando uma terceira direo c,

    ( ) ( ) ( ) ( ) ,

    e portanto

    ( ) ( ) ( )[ ( ) ( ) ( ) ( )] .

    Como as funes ( ), ( ) e ( ) s podem assumir os valores , o

    quadrado de qualquer uma delas s pode ter como resultado o valor . Em

    particular,

    [ ( )]

    e, portanto,

  • 15

    ( ) ( ) ( ) [ ( ) ( )] ( ) ( )

    O mdulo dessa diferena obedece desigualdade

    ( ) ( ) ( ) [ ( ) ( )] ( ) ( )

    Como ( ) , [ ( ) ( )] e ( ) ( ) 1, a desigualdade

    acima reduz-se a

    ( ) ( ) ( ) [ ( ) ( )]

    que pode ser reescrita como

    ( ) ( ) ( ).

    Esta a desigualdade de Bell [Bell 1964], que deve ser obedecida por qualquer

    teoria realista e local.

    A mecnica quntica prev que ( ) (uma demonstrao

    desse resultado est no Apndice). Podemos ver que, para determinadas

    orientaes dos vetores unitrios, a desigualdade de Bell violada. Por

    exemplo, se fizermos e perpendiculares entre si e formando um ngulo

    de 45 com e (ver figura 3.3), ento

    ( ) ( ) |

    |

    e

    ( )

    Se a desigualdade de Bell fosse obedecida por esses valores, teramos

    ou seja,

  • 16

    um resultado absurdo.

    Figura 3.3: Um arranjo dos vetores a, b e c que viola a desigualdade de Bell.

    Com esses resultados, a mecnica quntica se mostra incompatvel

    com qualquer teoria de variveis ocultas locais. A ideia de Einstein, de

    completar a teoria quntica com variveis que restaurassem o realismo e

    impusessem a localidade, impraticvel. Ou o realismo ou a localidade devem

    ser abandonados.

    A desigualdade que obtivemos acima apenas uma de muitas

    relaes equivalentes que podem ser demonstradas, conhecidas coletivamente

    como desigualdades de Bell. A mais conhecida a desigualdade de Clauser-

    Horne-Shimony-Holt (CHSH) [Clauser 1969], mais fcil de testar

    experimentalmente que a desigualdade original de Bell.

  • 17

    Captulo 4 Outras Demonstraes do Teorema de Bell

    No captulo anterior, falamos sobre o carter no-realista da teoria quntica e

    de como a ideia de variveis ocultas locais se mostrou incompatvel com esta

    teoria. Neste captulo faremos uma reviso de outras demonstraes do

    teorema de Bell. Elas no apenas so mais simples que a demonstrao

    original de Bell (todas foram publicadas em peridicos dedicados ao ensino de

    fsica ou divulgao cientfica) mas, e isso o mais importante, permitem

    analisar o significado do teorema de pontos de vista diferentes e reveladores.

    Discutiremos trs demonstraes: a de Herbert [Herbert 1975], provavelmente

    a mais simples de todas, desenvolvida posteriormente por Kuttner e

    Rosemblum [Kuttner 2010], a de dEspagnat, que reduz-se anlise de um

    simples desenho [dEspagnat 1979] e finalmente a de Peres, em que a

    hiptese realista aparece sem meno explcita a variveis ocultas [Peres

    1978].

    1. Herbert (1975), Kuttner e Rosemblum (2010)

    O experimento imaginado nesta demonstrao semelhante ao adotado

    por Bell, mas utiliza ftons em vez das partculas de spin . Uma fonte emite

    um par de ftons e dois observadores, que chamaremos de Alice e Bob, iro

    medir a polarizao de cada fton do par com o auxlio de polarizadores. Em

    cada medida s h dois resultados possveis: o fton passa pelo polarizador ou

    no.

    Uma dada direo de polarizao ser atribuda a cada fton do

    experimento, definida por uma varivel oculta que, seguindo a ideia de

    realismo, define a direo de polarizao antes mesmo de a medida ser

    efetuada. Representaremos essa varivel oculta por meio de varetas, de

    modo que a orientao destas no espao definir a polarizao de um fton. As

    varetas representam, ento, o carter realista da polarizao dos ftons. A

    localidade (ou separabilidade), a segunda hiptese bsica do teorema de Bell,

  • 18

    vem da suposio que, para dois ftons suficientemente distantes, a medida da

    polarizao em um deles no deve afetar o resultado de medidas feitas no

    outro.

    Herbert, Kuttner e Rosenblum obtiveram uma desigualdade de Bell

    comparando quatro configuraes diferentes de seu experimento imaginado.

    Descreveremos estas configuraes a seguir.

    Experimento 1

    Uma fonte, mais prxima de Alice do que de Bob, emite ftons em

    sentidos opostos. Estes observadores mantm seus polarizadores alinhados na

    direo vertical, conforme mostra a figura 4.1 (a escolha da direo vertical

    irrelevante; o importante que os polarizadores estejam alinhados entre si).

    Figura 4.1. Experimento 1: os polarizadores de Alice e Bob esto alinhados.

    Aps muitas medidas, Alice e Bob comparam seus resultados e

    observam uma similaridade nestes: toda vez que um fton passava pelo

    polarizador de Alice, seu par tambm passava pelo polarizador de Bob e toda

    vez que um fton no passava pelo polarizador de Alice, seu par tambm no

    passava pelo de Bob. Assim, como um dos ftons chegava ao polarizador de

    Alice antes de seu par chegar ao polarizador de Bob, esta poderia prever o

    resultado a ser obtido por Bob. Esses resultados se repetem para qualquer

    orientao dos polarizadores, desde que elas sejam idnticas.

  • 19

    Experimento 2

    O experimento-pensado 2 anlogo ao anterior, mas desta vez Alice

    rotaciona o seu polarizador de um ngulo em relao vertical, conforme

    mostra a figura 4.2.

    Observamos que um fton que anteriormente passava pelo polarizador

    de Alice, agora pode no passar. Da mesma forma, um fton que no passava

    pelo polarizador de Alice no experimento 1, agora tem certa chance de passar.

    Uma rotao do polarizador de Alice no deveria afetar os resultados das

    medidas de Bob j que estamos supondo que a separabilidade (localidade)

    vlida. Quando, depois de muitas medidas, os observadores comparam os

    seus resultados, estes percebem, por exemplo, uma discrepncia da ordem de

    5% entre os resultados de suas medidas.

    Figura 4.2. Experimento 2: o polarizador de Alice aponta para uma direo diferente.

    Experimento 3

    Nesta situao, quem coloca seu polarizador a um ngulo em relao

    vertical Bob, enquanto Alice alinha o seu polarizador com a vertical.

    Podemos prever que as mesmas correlaes do experimento 2 devem ser

    encontradas, ou seja, deve haver uma discrepncia de 5% entre as medidas, j

    que a situao proposta equivalente quela do experimento 2.

  • 20

    Experimento 4

    Agora, ambos os observadores giram seus polarizadores de um ngulo

    , mas em sentidos opostos, como mostra a figura 4.3. Cada observador deve

    esperar que, em relao situao original, 5% dos ftons tenham destino

    diferente nos polarizadores, tal como ocorreu nos experimentos 2 e 3. Mas o

    que acontece quando os observadores comparam os resultados do

    experimento 4? A primeira vista, poderamos pensar que as discrepncias

    seriam de 10%, a soma dos 5% de mudana nos resultados de Alice e Bob em

    relao ao experimento 1. Entretanto, esse raciocnio no correto, pois ignora

    a possibilidade de discrepncias observadas nos experimentos 2 e 3 serem

    canceladas, produzindo uma concordncia. Por exemplo, consideremos que ao

    encontrar a configurao do experimento 2, um dos ftons de um par passa

    pelo polarizador de Alice e o outro no passa pelo de Bob. Isso vai gerar uma

    das discrepncias observadas na comparao de resultados. Consideremos

    tambm que, se a configurao encontrada pelo mesmo par fosse a do

    experimento 3, um fton passaria pelo polarizador de Bob e o outro no

    passaria pelo de Alice. Novamente teramos uma discrepncia. Mas, se o

    mesmo par dos casos anteriores encontrasse a montagem do experimento 4,

    os dois ftons deveriam passar pelos polarizadores, gerando uma

    concordncia.

    Figura 2.3. Experimento 4: os polarizadores de Alice e Bob mudam de orientao.

  • 21

    As duplas mudanas fazem com que a diferena entre os resultados de

    Alice e Bob no experimento 4 deva ser menor do que 10%. De maneira mais

    geral [Kuttner 2010]:

    A discrepncia entre os resultados obtidos, quando ambos os

    observadores giram de seus polarizadores em sentidos opostos,

    tem de ser igual a, ou menor que o dobro da discrepncia para

    uma rotao de de apenas um polarizador.

    Essa a desigualdade de Bell, expressa em palavras.

    Tambm poderamos pensar em uma situao anloga do

    experimento 4, supondo que Alice rotaciona seu polarizador de um ngulo ,

    enquanto Bob mantm o seu alinhado com a vertical. Como no h nenhuma

    direo privilegiada, podemos esperar obter correlaes anlogas s obtidas

    no experimento 4. Seguindo esta ideia, a desigualdade de Bell reescrita como

    [Kuttner 2010]:

    A taxa de discrepncia criada pela rotao de um nico

    polarizador por um ngulo menor ou igual ao dobro da taxa de

    discrepncia produzida pela rotao do polarizador por um ngulo

    .

    Vamos ver agora o que a mecnica quntica diz sobre esta

    desigualdade. Sabemos que se a luz polarizada na direo incidir sobre um

    polarizador alinhado com a direo , ento a intensidade de luz que atravessa

    o polarizador dada pela Lei de Malus,

    ( )

    onde I0 e I so as intensidades luminosas antes e depois do polarizador. Essa

    lei pode ser reinterpretada em termos de ftons. A probabilidade de um fton

    com polarizao linear passar pelo polarizador alinhado com a direo

    dada ento por

    ( )

    ( )

  • 22

    A probabilidade do fton no passar pelo polarizador , portanto,

    ( ) ( ) ( ) ( ) .

    Digamos que um fton passe pelo polarizador de Alice, que est

    alinhado com a vertical. Sabemos que o fton que viaja no sentido de Bob tem

    polarizao vertical. Assim caso o polarizador de Bob esteja fazendo um

    ngulo com a vertical, ento a probabilidade de o fton com polarizao

    vertical no passar pelo polarizador de Bob e, assim, gerar uma discrepncia

    entre os dados de Alice e Bob dada por ( ) Substituindo esse

    resultado na desigualdade de Bell obtemos

    ( ) ( ).

    Se considerarmos ngulos muito pequenos, a desigualdade acima

    torna-se

    ,

    um resultado absurdo. Portanto, interpretada quanticamente em termos de

    ftons, a lei de Malus incompatvel com as noes de realismo e localidade.

    As violaes da desigualdade de Bell no se restringem a ngulos

    infinitesimais. Para , por exemplo, temos que

    ( ) ( ) ,

    novamente um resultado absurdo.

    2. dEspagnat (1979)

    Discutiremos aqui a demonstrao do teorema de Bell dada por Bernard

    dEspagnat em um artigo na Scientific American [dEspagnat 1979]. Como

    veremos, ela envolve pouco mais que a anlise de um diagrama de Venn.

    Vamos supor, novamente, o experimento imaginado por Bell com duas

    partculas de spin

    (por exemplo, dois prtons) em um estado de spin total

    zero (estado singleto). Com o auxlio de detectores, podemos medir as

    componentes do spin de cada partcula ao longo de trs direes arbitrrias, as

  • 23

    quais denotaremos por , e . Os detectores s podem medir uma

    componente de spin por vez. Segundo a perspectiva da Mecnica Quntica, a

    partcula no possua qualquer quantidade de spin antes da medida, ou seja, a

    medida produziu o resultado obtido. Deste ponto de vista, no podemos fazer

    duas medidas subsequentes para determinar, por exemplo, as componentes

    nas direes e . Quando uma medida feita, alteramos o estado de spin da

    partcula e, em uma medida subsequente, o prton no estaria no mesmo

    estado anterior.

    Se uma medida feita, por exemplo, na direo e um resultado

    positivo encontrado, denotaremos esse resultado por . Pelo fato de

    estarmos tratando de prtons em um estado singleto, sabemos que, desta o

    seu par s pode assumir um valor negativo nesta mesma direo o qual

    denotaremos por . O mesmo raciocnio valido para as outras duas direes

    e que s podem assumir os valores , e , .

    Embora no seja possvel medir duas componentes de spin de um nico

    prton, em uma perspectiva realista essas quantidades sempre existem. Assim,

    denotaremos um prton com componentes na direo positiva e negativa,

    por exemplo, como .

    Representamos as componentes de spin de um prton nas direes ,

    e atravs de um diagrama de Venn (figura 4.4). Por questo de clareza,

    omitiremos as componentes negativas de spin nas trs direes citadas acima.

    Identificaremos, por exemplo, o conjunto como o conjunto complementar ao

    conjunto . Aplicaremos, tambm, o mesmo raciocnio s outras duas

    componentes negativas e . Cada ponto dentro no diagrama corresponde

    a um valor da varivel oculta, ou seja, as trs componentes de spin esto todas

    definidas ao mesmo tempo, mesmo sendo impossvel medi-las

    simultaneamente. Assumiremos que a rea total do diagrama igual

    unidade, e que as reas de cada subconjunto correspondem probabilidade de

    uma determinada configurao (por exemplo, ) ser produzida no

    experimento.

  • 24

    Figura 4.4. Componentes do spin em trs direes diferentes A, B e C. As reas

    correspondem probabilidade da varivel oculta ocupar cada regio.

    Analisando a figura 4.4, vemos que a probabilidade de um prton ter

    componentes de spin e dada por

    ( ) .

    Tambm podemos escrever, seguindo o mesmo raciocnio, que

    ( )

    e

    ( ) .

    Somando os termos acima, temos que

    ( ) ( ) ,

    e portanto

    ( ) ( ) ( )

    Como e so probabilidades e, assim, so sempre maiores ou iguais a

    zero, podemos escrever a desigualdade

    ( ) ( ) ( )

    Esta desigualdade no pode ser testada experimentalmente, pois no

    possvel medir duas componentes do spin ao mesmo tempo. Entretanto,

    podemos utilizar o estado singleto do par de prtons para, atravs de medidas

  • 25

    em prtons diferentes, determinar duas componentes de spin de um nico

    prton. Assim, denotaremos a probabilidade de encontrarmos um par de

    prtons com valor de spin por ( ), onde a primeira componente, ,

    se refere a um dos prtons do par e a segunda componente, , se refere ao

    outro membro do par. Assim, podemos reescrever a desigualdade acima em

    termos do par de prtons

    ( ) ( ) ( ).

    Esta uma desigualdade de Bell.

    Vamos agora analisar se mecnica quntica respeita a desigualdade

    acima. Para duas partculas de spin

    no estado singleto, digamos que as

    grandezas , e sejam as projees do spin destas partculas em trs

    direes arbitrrias , e . Por simplicidade vamos supor que as trs

    direes esto sobre um mesmo plano.

    A probabilidade de uma medida encontrar ambas as partculas com spin

    para cima em direes e no plano de referncia dada por

    ( )

    [

    ( )

    ] .

    Uma demonstrao desse resultado est no Apndice. Com isso temos

    ( , )

    [

    ( )

    ],

    ( , )

    [

    ( )

    ],

    ( , )

    [

    ( )

    ].

    Substituindo esses resultados na desigualdade de Bell

    ( , ) ( , ) ( , )

    obtemos

    [( )

    ] [

    ( )

    ] [

    ( )

    ].

  • 26

    Se, por exemplo, , e , a desigualdade acima reduz-se a

    ( ) (

    ).

    Com j vimos, essa desigualdade violada em uma extensa faixa de ngulos.

    Em particular, para valores pequenos de ela reduz-se a

    ,

    um resultado absurdo.

    3. Peres (1978)

    A ltima demonstrao do teorema de Bell que descreveremos foi dada

    por Asher Peres em um artigo intitulado Unperformed experiments have no

    results (Experimentos no realizados no tm resultado algum) [Peres 1978].

    Suponhamos que uma bomba (figura 4.5), inicialmente em repouso,

    exploda dividindo-se em duas partes. Devido conservao do momento

    angular, sabemos que o momento angular total do sistema aps a exploso

    deve ser igual a zero j que a bomba se encontrava em repouso antes da

    exploso. Suponhamos, agora, que dois observadores faam medidas do

    momento angular de cada fragmento da bomba. O primeiro observador mede a

    orientao do momento angular do fragmento 1 ao longo de uma direo

    arbitrria , e registra o sinal desta componente

    ( ).

    Note que a medida pode ter apenas dois resultados: se a componente do

    momento angular na direo for positiva e se ela for negativa. O segundo

    observador mede o momento angular do outro fragmento ao longo de outra

    direo arbitrria , registrando o valor

    ( ).

  • 27

    Figura 4.5 O experimento imaginado por Peres.

    Aps repetir o experimento vezes, podemos calcular o valor mdio

    das medidas dos observadores,

    =

    ,

    =

    ,

    onde o ndice de soma j representa cada medida, e e indicam a orientao

    (fixa) dos detectores. Por hiptese, no h direo preferencial para , de

    modo que a probabilidade de uma medida resultar em ou a mesma.

    Ento, se o nmero de medidas for muito grande, as duas mdias tero valor

    zero (a menos de pequenas flutuaes estatsticas).

    Podemos, tambm, calcular a mdia do produto de tais medidas, de

    modo a obter

    =

    .

    Esta mdia, ao contrrio das anteriores, pode diferir de zero. Por exemplo,

    quando os detectores estiverem alinhados ( ), a mdia ser 1.

    Se os observadores estiverem longe um do outro, ns esperamos que

    as medidas feitas por um deles no interfiram nas medidas feitas pelo outro.

    Podemos pensar no que teria acontecido se os observadores 1 e 2 tivessem

    alinhado seus respectivos detectores em outra direo, por exemplo, e .

  • 28

    J que os experimentos no foram realizados, no temos como precisar seus

    resultados. No entanto, sabemos que os resultados de medidas de e s

    podem assumir os valores . A tabela 4.1 simula resultados de medidas de

    ( , ) e coloca interrogaes no lugar dos valores de ( , ), que no foram

    medidos mas que, por hiptese, existem.

    +1 -1 ? ?

    -1 -1 ? ?

    +1 +1 ? ?

    Tabela 4.1 Valores das grandezas , , , . As duas primeiras so

    determinadas por medidas; as ltimas no foram medidas e portanto

    seus valores so desconhecidos (mas existem e s podem ser 1).

    Para demonstrar a desigualdade de Bell, partiremos da igualdade

    que pode ser facilmente demonstrada escrevendo o lado esquerdo como

    ( ) ( )

    e notando que apenas uma das parcelas pode ser diferente de zero, valendo

    nesse caso .

    Como a quantidade acima s pode assumir os valores , sua mdia

    sobre vrias medidastem que estar entre esses dois nmeros

    .

    Tomando o mdulo dessa expresso, obtemos

    .

    Esta uma desigualdade de Bell. Mais exatamente, a desigualdade de

    CHSH, qual j nos referimos [Clauser 1969].

  • 29

    Para calcular a previso da mecnica quntica, consideremos que os

    dois fragmentos so partculas de spin , em um estado de spin total zero (o

    singleto ). Os observadores medem as quantidades

    ,

    ,

    onde e representam as matrizes de Pauli. Com isso, e s podem

    tomar os valores . A mdia dos produtos dada por

    = ( )( ) ,

    que resulta em (ver o Apndice)

    .

    Para testar a desigualdade de Bell, vamos supor que , enquanto

    e formam um ngulo com , de acordo com a figura 4.6.

    Figura 4.6. Orientaes dos vetores

    Com essa escolha,a desigualdade de Bell fica

    ( ) .

    A figura 4.7 mostra que a desigualdade de Bell violada para todos os ngulos

    menores que .

  • 30

    Figura 4.7. Violaes da desigualdade de Bell.1

    interessante notar que no usamos variveis ocultas nessa

    demonstrao. Em vez disso, apenas fizemos suposies sobre o resultado de

    experimentos que poderiam ter sido feitos, mas no o foram. Ou seja, partimos

    da ideia que todas as coisas possuem uma realidade estejam ou no sendo

    medidas.

    1 Adaptado de Conceitos de Fsica Quntica 2, Volume 2, Osvaldo Pessoa Jr, pg 265

  • 31

    Captulo 5

    Concluso

    O teste experimental da desigualdade de Bell se deu, primeiramente,

    com John Clauser em 1960. Os resultados obtidos por Clauser, que

    confirmavam a teoria quntica, foram ignorados pela comunidade cientfica da

    poca. Alguns anos mais tarde Alain Aspect confirmou os resultados de

    Clauser, mostrando com grande preciso que a desigualdade de Bell era

    violada da maneira prevista pela mecnica quntica. Assim, tivemos a

    confirmao experimental de que em nosso mundo realismo e localidade no

    podem coexistir, um resultado que altera profundamente nossa viso na

    natureza.

    Neste trabalho discutimos os princpios da mecnica quntica e como

    estes levam a uma concepo no-realista do mundo. Em seguida,

    apresentamos o teorema de Bell como proposto originalmente pelo prprio.

    Finalmente, descrevemos trs demonstraes diferentes do teorema, todas

    mais simples que a original e cada uma apresentando um enfoque diferente

    para as questes bsicas envolvidas.

    Esperamos com isso ter contribudo para uma melhor compreenso do

    teorema de Bell por parte de pessoas que, por ventura, estejam tendo um

    primeiro contato com o assunto.

  • 32

    Apndice

    Spin

    Neste apndice abordaremos algumas propriedades de partculas com

    spin que so teis em discusses do teorema de Bell. Os operadores ,

    e associados ao spin nas direes z, y e x tm representao matricial dada

    por

    (

    ),

    (

    ),

    (

    ),

    ou ainda,

    onde representa as matrizes de Pauli

    (

    ) , (

    ) , (

    ).

    Essas matrizes tm autovalores , de modo que as componentes de

    s podem assumir os valores .

    Os autovetores de correspondentes aos autovalores so,

    respectivamente,

    ( ) , (

    ).

    Podemos, tambm, escrever o operador em uma direo arbitrria

    (

    ( ) ( )

    ( ) ( ))

    onde e so os ngulos polar e azimutal usuais das coordenadas esfricas,

    mostrados na figura A.1.

  • 33

    Figura A.1. Definio das coordenadas esfricas.

    Os autovetores de correspondentes aos autovalores , so

    (

    ) (

    ) (

    ( )

    ( ) )

    (

    ) (

    ) (

    ( )

    ( ) )

    O Estado Singleto

    Seja o estado de duas partculas de spin 1/2 com spin total zero,

    ( )

    (

    ) (

    )

    (

    ) (

    )

    onde os ndices 1 e 2 referem aos estados das partculas 1 e 2.

    O valor mdio do produto das componentes de spin em direes e

    dado por

    ( )( ) .

    Tomando os vetores e no plano x-z, os operadores e so

    representados pelas matrizes

    ( ( ) ( ) ( ) ( )

    )

    ( ( ) ( ) ( ) ( )

    )

  • 34

    onde s age no estado de spin da partcula 1 e no estado de spin

    da 2.

    Aplicando o operador em obtemos

    (

    ) (

    ( )

    ( ))

    (

    ) ( ( )

    ( ))

    Aplicando, agora, o operador em obtemos

    ( )( )

    ( ( )

    ( ))

    ( ( )

    ( ))

    (

    ( )

    ( ))

    ( ( )

    ( ))

    Como

    ( ) ( )

    ( ) ( ) , temos finalmente que

    ( )( ) ( ) ( ) ( ) ( ),

    ou seja,

    ( )( ) ( ),

    ou ainda,

    ( )( ) .

    A amplitude de probabilidade de uma medida encontrar os spins para

    cima nas direes e

    [ (

    ) (

    ) (

    ) (

    )]

    (

    )

    e a probabilidade correspondente

    ( )

    (

    )

  • 35

    Referncias

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