Depressão o mal do século - De que século
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Depressão, o mal do século
DEPRESSÃO, O MAL DO SÉCULO:DE QUE SÉCULO?DEPRESSION, THE ILLNESS OF THE CENTURY:WHAT CENTURY?
Cintia Adriana Vieira Gonçales*
Ana Lúcia Machado**
RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO: Conhecer a história da depressão nos leva a entender o ser humano como hoje o conhecemose incorporamos. Este artigo tem por objetivo resgatar a história da depressão no mundo ocidental. Nãose trata de reescrever a história, mas sim de realizar uma análise historico-social, revisitando o temasob as perspectivas filosófica, poética e científica desde a antigüidade até os dias atuais. Acreditamos
ser de vital importância o profissional da área de saúde conhecer quais os paradigmas em que ele sebaseia no atendimento às pessoas com depressão, suas idéias e seus conceitos. Muitas vezes pode nãoestar consciente, mas são demonstrados em seus atos. Conhecendo a história da depressão, o profissionalpode tornar esses conceitos explícitos, analisá-los e decidir-se por mantê-los no atendimento às pessoascom depressão ou transformá-los, posicionando-se com consciência.
Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave: Depressão; história da psiquiatria; história de doença; filosofia.
ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT::::: Acquaintance with the history of depression leads us to the understanding of the humanbeing as we know and incorporate him today. This article aims at rescuing the history of depression inthe West. It is not meant at rewriting that history, but at making a socio historical analysis, revisiting thetheme under philosophic, poetic and scientific perspectives from early ancient days to date. It proves tobe vital for the health care professional to know the paradigms – ideas and concepts – he/she addresseswhen caring for individuals with depression. Although he/she might not be aware of them at times, his/ her actions are always revealing. Familiar with the history of depression, the professional may resort tothese concepts more consciously, may analyze them and decide whether to abide by them or transformthem while caring for individuals with depression.
Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Depression; history of psychiatry; history of disease; philosophy.
INTRODUÇÃO
A depressão é uma doença pós-moderna?
Alguns podem pensar que sim, pois está sendo muito
comentada atualmente. O olhar da mídia direcionadopara a depressão nos últimos anos, não é à toa.
No ultimo relatório da Organização Mundial deSaúde (OMS), a depressão se situa em quarto lugarentre as principais causas de ônus entre todas asdoenças, e as perspectivas são ainda mais sombrias.Se persistir a incidência da depressão, até 2020 elaestará em segundo lugar. Em todo o mundo, somentea doença isquêmica cardíaca a suplantará1.
No entanto, apesar dessas estatísticas, adepressão não é uma doença do século XXI.
Perturbações há muito chamadas de melancolia sãoagora definidas como depressão. Primeiramente, valea pena conhecermos a definição de melancolia.
Etimologicamente, a palavra vem do grego melano
chole, significando bílis negra. O termo depressão
foi inicialmente usado em inglês para descrever odesânimo em 1660, e entrou para o uso comum emmeados do século XIX2.
Conhecer a história da depressão nos leva aentender a invenção do ser humano como hoje oconhecemos e incorporamos. Este artigo*** teve comoobjetivo resgatar a história da depressão no Ocidente.Não se trata de reescrever a história, mas sim de realizaruma análise historico-social, revisitando o tema sobas perspectivas científica, filosófica e poética. Afinal,antigamente os grandes pensadores eram filósofos,
teólogos, matemáticos, médicos...Partimos do pressuposto que o conhecimentonorteia a conduta do profissional. A depressão é
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assunto atual e torna-se importante conhecer suahistória para que os paradigmas nos quais a práticado profissional está baseada se tornem explícitos.
MÉTODOFoi realizado um levantamento bibliográficoem artigos e livros, que versavam sobre o tema dentrodas abordagens científica, filosófica e poética. Ostextos abrangeram o período de 1993 a 2006. Parauma melhor organização dos dados, estes foramdivididos, didaticamente, em quatro fases da históriado mundo ocidental.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Trata do tema na Antiguidade, Idade Média,Idade Moderna e Idade Contemporânea.
Antigüidade (500 a. C. – 100 d. C.) Mente sã em corpo são. Os gregos já partilhavam
a idéia moderna de que as doenças da mente estãoconectadas de algum modo à disfunção corporal. Aprática médica grega era baseada na teoria dos quatrohumores, que considerava o temperamento comoconseqüência dos quatro fluidos corporais: fleuma,bile amarela, sangue e bile negra. A depressão foi
por muito tempo ligada a um excesso de bile negra,que é fria e seca. Entretanto, essa substância não foiencontrada até hoje no ser humano. A teoria doshumores foi um marco na história, pois consistiu nasubstituição da mitologia pela biologia e na adoçãode um modelo de observação clínica.
Hipócrates, no século V antes de Cristo, jáconhecia e definia a depressão com a denominaçãode melancolia: “uma afecção sem febre, na qual oespírito triste permanece sem razão fixado em umamesma idéia, constantemente abatido [...]”3:14.
Podemos perceber, pela definição, que adepressão era considerada uma doença muito similarcomo a vimos atualmente, inclusive os sintomas queHipócrates apud Cuche e Gerard3:14 citava
[...] perda de sono, falta de apetite, desejo demorte [...]”. Já se procurava a origem biológicada patologia: “essa bílis negra que ao nos invadir,age sobre o corpo e sobre a alma para criar tristezae cansaço.3:14.
O tratamento proposto consistia em mudançasna dieta, ginástica, hidroterapia e medicamentos
orais, ervas catárticas, eméticas e purgantes destinadasa eliminar o excesso da bile negra2. Ele acreditavatambém na importância do diálogo e na necessidade
de não deixar o doente sozinho. Diante de observa-ções de que mulheres melhoravam após a menstrua-ção, foram sugeridas sangrias e evacuações, que per-duraram pelos próximos 1500 anos4.
Os filósofos gregos Platão e Aristóteles e opolítico e filósofo romano Cícero trouxeram, em suasobras, significativas contribuições para secompreender tanto a psicologia humana quanto asdoenças mentais. Aristóteles afirmou que osmelancólicos têm mais espírito que os outros5.
Por cerca de oito séculos, o racionalismo gregoinfluenciou as formas de lidar com as doenças naEuropa. Entretanto, com a queda do ImpérioRomano, chegamos a uma outra época histórica,conhecida por muitos como a Idade das Trevas.
Idade Média (450 a 1400)O advento da Idade Média e a ascensão do
Cristianismo como força política e religiosa do Estadoalterou completamente a forma como as doençasmentais eram vistas. O sobrenatural, a superstição eo misticismo ocuparam o lugar da medicina racional.Os tratamentos psicofarmacológicos entraram emconflito com o paradigma da Igreja e foram sendousados cada vez menos.
Santo Agostinho declarou que o que separavaos homens dos animais era o dom da razão. Portanto,a perda da razão era um desfavor de Deus, a puniçãopara uma alma pecadora2.
A depressão, ainda denominada melancolia, erauma doença especialmente nociva, uma vez que odesespero do melancólico sugeria não estar eleembebido de alegria ante o conhecimento certo doamor e da misericórdia divinos. A melancolia eraconsiderada um afastamento de tudo o que era sagrado.
Foi nessa época, século V, que a depressão foidenominada por Cassiano apud Solomon2 como O
demônio do meio-dia. Segundo Cassiano, outrospecados podem assolar a noite, mas esse, audacioso,consome dia e noite2. O tratamento para esses casossem esperança era colocar o melancólico para fazertrabalhos manuais e abandoná-lo, longe de todos.
Na época da Inquisição, no século XIII, amelancolia foi considerada um pecado e algumaspessoas eram multadas ou aprisionadas porcarregarem esse mal da alma, que não tinha cura.
Idade Moderna (séculos XV a XIX)
Nesse período, vamos nos referir a grandesépocas culturais que ocorreram na Europa, como oRenascimento, o Iluminismo e o Romantismo.
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Depressão, o mal do século
Como o próprio nome nos leva a pensar, oRenascimento retoma o racionalismo científico,representado por uma releitura dos filósofos gregos,como Sócrates, Platão e Aristóteles. É uma época
marcada pelo antropocentrismo, naturalismo eracionalismo.
No século XVI, a noção de melancolia foidefinida, parcialmente, pelos sintomas apresentados,entre eles, as idéias delirantes. Há relatos de pessoasque acreditavam ser animais, outros pensavam serfeitos de vidro ou de palha e outros imaginavam serculpados por crimes6.
Nesse mesmo século, notamos significativoscontrastes entre os pensadores europeus. No sul, amelancolia foi glamourizada. Considerada como uma
doença e uma qualidade inerente a um tipo depersonalidade, indicava profundidade2.
Marsilio Ficino, na Itália, foi o filósofo que maisdiscutiu a depressão, supondo que a melancolia,presente em todos os homens, era a manifestação doanseio humano pelo grande e o eterno. Dizia quetodo gênio é um melancólico. Já os pensadoresingleses continuaram, por um tempo, a acreditar quea melancolia vinha das relações com anjos maus oudas suas intromissões, porém as pessoas afligidas pelomal não eram responsáveis por essas intromissões2.
No final do século XVI e ao longo do séculoXVII, a melancolia tornara-se uma aflição comumque podia ser prazerosa ou desprazerosa. Osargumentos de Ficino ecoaram por toda a Europa, amelancolia entrou na moda, sendo desejada. Muitofoi escrito sobre como a melancolia torna um homemmelhor e mais inspirado. Shakespeare, com opersonagem Hamlet, mostra a melancolia comoessencial para a sabedoria e básica para a loucura2.
Burton, citado por Solomon2, estuda aanatomia da melancolia e discorre sobre o tema deforma bastante complexa, unindo as idéias deAristóteles, Ficino, Hipócrates, os personagens deShakespeare e experiências pessoais de melancoliae introspecção2.
Até o começo do século XVII, o debate sobre amelancolia permaneceu preso à t radição dos quatrohumores e suas qualidades essenciais que pertencema uma substância “de consistência espessa, fria e secade temperamento”6:263.
No final do século XVII e início do séculoXVIII, com o desenvolvimento científico, essequadro muda totalmente.
O filósofo e matemático francês, RenéDescartes, no final do século XVII, inaugura o
racionalismo moderno ao fazer do sujeito do conhe-cimento o fundamento de toda a verdade. Usando arazão e a dúvida, chegou na frase Penso, logo existo,desvelando perfeitamente o pensamento dos filóso-
fos dessa época, conhecido como o GrandeRacionalismo Clássico. Predominou a idéia deconquista científica e técnica de toda a realidade, apartir da explicação mecânica e matemática douniverso. É desse período a convicção de que a razãohumana é capaz de conhecer a origem, as causas e osefeitos das paixões e das emoções e, pela vontadeorientada pelo intelecto, é capaz de governá-las edominá-las5.
O reconhecimento da dicotomia entre corpo emente (dualismo cartesiano) vai causar uma enormemudança no arcabouço da depressão. A mente,distinta do cérebro, apresenta dúvidas, interpretaçõesduvidosas e inconsistências, mas não doença. Adoença é um aspecto físico7. É nessa época quecomeçam os questionamentos que muitos aindafazem. A mente influencia o corpo ou é o corpo queinfluencia a mente? A depressão é um desequilíbrioquímico ou uma fraqueza humana2?
O delírio vai deixando de ser o sintoma maiordos melancólicos em virtude dos dados qualitativos,como a tristeza, o amargor, o gosto pela solidão, aimobilidade. Ao final do século XVIII serão
classificadas como melancolia as loucuras sem delírio,porém caracterizadas pela inércia, pelo desespero, poruma espécie de estupor morno6.
O século XVIII foi marcado pelo Iluminismo,termo usado para descrever as tendências dopensamento e da literatura na Europa e em toda aAmérica antecedendo a Revolução Francesa. Asnovas descobertas da ciência, a teoria da gravitaçãouniversal de Isaac Newton e o espírito de relativismocultural fomentado pela exploração do mundo aindanão conhecido foram também uma base importante.
É igualmente marcante a permanente fé no poderda razão humana. Chegou-se a declarar que,mediante o uso judicioso da razão, seria possível umprogresso sem limites.
Com o acelerado desenvolvimento científiconesse século, surgem as primeiras teorias que vão darorigem aos pensamentos atuais. Friedrich Hoffmanfoi o primeiro a sugerir que a loucura seria uma doençahereditária2.
William Cullen, médico escocês, afirmou quena melancolia ocorreria uma alteração da função
nervosa e não dos humores que levaria àincapacidade de associar as idéias e executar o julgamento como descrito4.
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A ciência avança, mas a posição social dos de-primidos retrocede. Numa Idade da Razão, os semrazão estavam em desvantagem.
Já existiam hospitais para abrigar os doentes
mentais desde a Idade Média, porém, na metade doséculo XVII, resultante de uma reorganização social,a loucura é associada à ociosidade e começa a servista como um elemento perturbador da ordem morale social que precisa ser corrigida.
Entre os doentes mentais, os deprimidos sofriammenos abusos que os demais por serem relativamentedóceis. No entanto, a melancolia era considerada,por muitos, intratável. Dessa forma, as pessoas quesofriam das formas mais graves eram submetidas atratamentos aterrorizantes, como causar dor física,
para distrair da dor da mente, afogamentos edispositivos para fazerem os melancólicos vomitareme desmaiarem2.
O trabalho duro foi considerado, no séculoXVIII, como o melhor remédio para a depressão, vistoque a melancolia, o desalento, o desespero efreqüentemente o suicídio são a conseqüência davisão sombria das coisas no estado relaxado do corpo2.Interessante observarmos que muitas concepçõesatuais da depressão estão firmemente arraigadas nospensamentos da Idade da Razão. As questões do ócio,preguiça, falta de vontade e a necessidade do trabalhobraçal ainda podem ser percebidas em alguns meios,quando ouvimos frases como: depressão é doença de
quem não tem o que fazer e o remédio é um tanque cheio
de roupa suja para lavar.
Talvez em decorrência das idéias iluministas deliberdade e do pensamento naturalista nas ciências,surge a preocupação com a saúde mental dosindivíduos e com a assistência prestada dentro das casasde internamento ou asilos. Philippe Pinel e o tratamento
moral são dessa época. Em 1801, publicou o Tratado
médico-filosófico da alienação mental ou mania, no qual
classifica quatro espécies do gênero de loucura: mania,melancolia, demência e idiotismo8.
Esquirol, discípulo de Pinel, volta seu interessepara a clínica. Proclama que a psiquiatria deve serentendida como uma medicina mental e deve buscarseu entendimento na anatomia cerebral e não nosmetafísicos (filósofos) ou nos moralistas (a Igreja).Ele inicia uma classificação de dois tipos demelancolia, a lipemania e a monomania4.
Percebemos uma grande preocupação dosestudiosos em classificar as doenças. Eles começam aseparar em grupos os transtornos do juízo e os quadrosestritamente melancólicos.
No Período Romântico, a depressão vai sernovamente amada e desejada. Poetas e filósofosdiscorrem sobre o assunto de forma magistral. ORomantismo surge como uma reação à parcialidade
do culto à razão apregoado pelo Iluminismo. As novaspalavras de ordem eram sentimento, imaginação,experiênciae anseio. Os românticos professavam umaglorificação quase irrestrita do eu. A essência dapersonalidade romântica é, por isso mesmo, o gêniodo artista.
As mentes se voltam para o sublime, ao mesmotempo magnífico e comovedor. Immanuel Kantsustentava que o sublime sempre fora acompanhadopor algum terror ou melancolia. Leopardi apudSolomon2:292 escreve “o destino não legou à nossaraça nenhum dom exceto o de morrer”.
O depressivo, na visão do filósofo ArthurSchopenhauer, vive simplesmente porque tem uminstinto básico e, assim como Voltaire, acreditava notrabalho. Não porque o trabalho gere alegria, masporque distrai os homens de sua depressão essencial2.
Soren Kierkegaard, precursor do existencialismo,fala do desespero, não como uma questão filosóficaapenas, mas também como um problema concreto dodia-a-dia. Anteriormente, poetas e filósofos referiam-se a indivíduos melancólicos, mas Kierkegaard,diferentemente, vê a humanidade como melancólica2.
O século XIX trouxe descobertas na biologia,na física, na química, na anatomia, na neurologia,na bioquímica, o que permitiu relacionar as doençasmentais com a patologia orgânica do cérebro.
Foi um período de classificações. Grandes teóricosdebateram a natureza da doença e seus parâmetros,redefinindo, o que antes fora simplesmente identificadocomo melancolia, em categorias e subcategorias.
Wilhelm Griesinger introduz a tradição clínicana Alemanha. Ele volta a sua atenção paraHipócrates e declara que doenças mentais sãodoenças do cérebro. As autópsias cerebrais tornaram-se comuns. Com Griesinger, a depressão veio a sercompletamente medicalizada2.
O século XIX também foi chamado por Pessotti9
de O século dos manicômios, devido ao enorme númerode manicômios construídos e ao grande número deinternações realizadas nessa época. O manicômio foio núcleo gerador da psiquiatria como especialidademédica.
Michel Foucault sugeriu que essa medicalizaçãofazia parte de um plano de controle social2. Ocapitalismo imperialista e monopolista estavaconsolidado.
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Depressão, o mal do século
Friedrich Nietzsche declarou que Deus estavamorto e que fomos nós que o matamos. O filósofoWilliam James identificou uma alienação modernistaem decorrência da decadência na fé inquestionável
de um Deus supremo. Esse abandono da noção deDeus e de significado abriu caminho para agoniasque suportamos até hoje2.
Idade Contemporânea (século XX até osdias atuais)
No século XX houve a consolidação dapsiquiatria, além disso, surgiram os movimentossociais e comunitários que visavam modificar asformas de atendimento e assistência ao pacientepsiquiátrico. Os avanços e descobertas empsicopatologia, farmacologia, anatomia patológica,neurologia e genética possibilitaram que a psiquiatriaadquirisse fundamentação científica para osconhecimentos oriundos da prática clínica, daobservação e da experiência8.
Em 1917, Sigmund Freud escreveu Luto e
melancolia, texto no qual afirma que a melancolia éuma forma de luto e que surge de uma sensação deperda da libido. Considera que, na melancolia, o egose torna pobre e vazio2.
Emil Kraepelin, em seu Compêndio de Psiquiatria,publicado em 1883, representou a grande força queimpulsionou o aperfeiçoamento da nosologiapsiquiátrica no início do século XX. Supunha que todadoença mental se erigia sobre uma base bioquímicainterna. Separou a depressão em três categorias, damais suave à mais grave, permitindo uma relação entreelas. Quanto à sua etiologia, a hereditariedade sedestacava, em 1970, com 80% dos casos2.
Adolf Meyer adotou uma abordagem pragmática,considerando o homem como um ser psicobiológico,sujeito a experiências e ações sociais e biológicas queinterferiam no seu desenvolvimento mental. É o
começo da psiquiatria como uma terapia dinâmica2.O conhecimento da psicanálise e da bioquímica
da depressão, mescladas com a Teoria da Evolução,a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica,deixaram novamente a humanidade isolada ealienada. Ao nos confrontarmos com essa perda doAbsoluto (Deus e as certezas físicas e matemát icas),deparamo-nos com lacunas de conhecimento aindamaiores nas esferas biológica, psicológica e social.
Na década de 1950, os antidepressivos foramdescobertos, ocasionando um avanço para otratamento da depressão. Os mecanismos de açãomantêm relação com os neurotransmissores. Vários
estudos foram realizados para se descobrir quais sãoos neurotransmissores que regulam as emoções, porémainda não há pesquisas conclusivas.
Os anos 90 foram denominados a década do cé-
rebro, em virtude dos progressos científicos ocorri-dos em torno da compreensão e tratamento das en-fermidades mentais. Amen10 relata estudos comeletroencefalograma (EEG), tomografia computado-rizada de emissão de fóton único (SPECT) etomografia com emissão de pósitron (PET), os quaismostraram resultados interessantes.
Os padrões do cérebro se correlacionam com ocomportamento, como as tendências em relaçãoà depressão, à ansiedade, à distração, à obsessãoe à violência10:10.
Com relação à depressão, o autor cita algumaspesquisas que indicaram alterações em algumas regiõescerebrais, como a amígdala e o hipocampo, entreoutras, mas ainda não conclusivos10.
A psiconeuroimunologia aponta a existência deuma comunicação bidirecional entre os sistemasimunológico e neuroendócrino. Existem consideráveisevidências de que a depressão maior esteja associada aalterações do sistema imunológico11.
O advento dos psicofármacos e a criação daOrganização Mundial de Saúde, em 1948, impul-sionaram a tentat iva de construir uma classificaçãointernacional de doenças2.
A depressão, no início do século XXI, é, comalgumas exceções, considerada uma doença mental,catalogada na Classificação Estatística Internacionalde Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde(CID) e no Manual de Diagnóstico e Estatística dasPerturbações Mentais (DSM), recebendo abordagenscientíficas, como a médica, a psicanalítica e acognitivista. No senso comum, não menos importante,observamos ainda as visões filosófica, religiosa e poética.
A preocupação atual com o diagnóstico é muitogrande, porém pesquisas demonstram que, em média,50% das pessoas que chegam à rede básica de saúdecom sintomas de depressão não recebem diagnósticoe tratamento corretos12.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)surgiram como alternativa para o tratamento,substituindo o modelo do hospital psiquiátricotradicional. No cotidiano do trabalho nos CAPS sãorealizadas atividades que visam à socialização dapessoa portadora de t ranstorno psíquico, ent re elas:educação física, oficinas culturais, oficinas de música,
de expressão corporal, de dança, caminhadas nobairro, entre outras13.
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A depressão é um tema muito estudado e comforte relevância. Autores contemporâneos vêmrealizando estudos que trazem novidades unidas atratamentos antigos como exercícios físicos. Um
desses autores é o neuropsiquiatra Servan-Shreiber
14
que descreve sete abordagens de tratamento natural,centradas na mente e nos mecanismos de cura dopróprio cérebro para se recuperar de depressão,ansiedade e estresse.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o tema depressão, tão antigo e atual, nãohá ainda uma conclusão, portanto apresentamos al-gumas considerações finais deste artigo.
Interessante observar que, após 25 séculos, nosvoltamos para Hipócrates, colocando a depressãocomo uma doença que envolve alterações cerebrais.Obviamente, hoje temos uma tecnologia que nãoexistia, o que nos possibilita demonstrar isso.Tecnologia que ainda não nos ajudou a saber a etiologiacompleta, os achados cerebrais não estão presentes emtodos os pacientes, há vários tipos de depressãodiagnosticadas. Ainda não entendemos por que umpaciente sofre de apenas um episódio depressivo, outrostêm várias recaídas, tomando antidepressivos para oresto da vida e outros ainda cometem o suicídio.
O estigma ainda é muito grande, ouvimos frasesque nos lembram a Idade Média, outras nos lembrama Idade da Razão. O dualismo e o reducionismocartesiano estão muito presentes. As idéias positivistasde que, com a tecnologia adequada, possuiremos todoo conhecimento sobre tudo ainda são observadas. A fé cega na ciência positivista, em detrimento do serhumano, infelizmente, permanece presente.
Acreditamos ser de vital importância oprofissional da área de saúde conhecer quais osparadigmas em que ele se baseia no atendimento às
pessoas com depressão, suas idéias e seus conceitos.Muitas vezes pode não estar consciente, mas são
demonstrados em seus atos. Conhecendo a históriada depressão, o profissional pode tornar essesconceitos explícitos, analisá-los e decidir-se pormantê-los no atendimento às pessoas com depressão
ou transformá-los, posicionando-se com consciência.
REFERÊNCIAS
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Depressão, o mal do século
DEPRESIÓN, LA ENFERMEDAD DEL SIGLO: ¿DE QU É SIGLO?RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN: El conocimiento de la historia de la depresión nos conduce a comprender el ser humanotal como hoy lo conocimos e incorporamos. Este artículo se propone rescatar la historia de la depresiónen Occidente. No se trata de volver a escribir la historia sino realizar un análisis sociohistórico, haceruna relectura del tema bajo perspectivas filosófica, poética y científica desde tiempos remotos hasta laactualidad. Creemos que es fundamental que el profesional del área de la salud conozca cuales son losparadigmas en que él se basa para la atención a personas con depresión, sus ideas y sus conceptos.Muchas veces puede no estar consciente pero los expone en sus actos. Conociendo la historia de ladepresión, el profesional puede hacer esos conceptos explícitos, analizarlos y decidi rse por mantenerloscuando atiende a las personas con depresión o transformarlos, posicionándose con consciencia.
Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave: Depresión; historia de la psiquiatría; historia de dolencia; filosofía.
Recebido em: 17.02.2006Aprovado em: 04.11.2006
NotasNotasNotasNotasNotas*Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem pela EEUSP, Mestre em Enfermagem Psiquiátrica, Docente do Centro Universitário Nove de Julho -
UNINOVE. E-mail [email protected] R.: Profº Roberval Fróes, 44, Jd. Esplanada II, São José dos Campos–SP. CEP 12242-460.**Enfermeira, Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrico da EEUSP. E-mail [email protected].***Trabalho extraído da Dissertação de Mestrado intitulada “Depressão: experiência de pessoas que a vivenciam na pós-modernidade”. Escola deEnfermagem da USP, 2005.