Descrição de Um Leitor Ativo Leitura ativa do poema: Ode ... · qualquer hora. Mas nesse poema...

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Reiko Isuyama & Associados Todos os direitos reservados. 1 Descrição de Um Leitor Ativo Leitura ativa do poema: Ode ao Tomate Eis aqui uma descrição de um leitor ativo. Começo lendo o título, Ode ao Tomate, e penso: O que é “ode”? Imagino que seja algum tipo de poema, pois, vendo o formato do texto, parece ser um poema. Procuro o significado na internet e acho a explicação. “Ode ou hino: derivam do grego e significam ‘canto’. Ode é um poema que exalta algo e hino que glorifica a pátria”. 1 A explicação não me deixa completamente satisfeita, pois não sei direito o que significa “exalta”. Deixe-me ver... Recorro novamente à internet e consulto o dicionário on-line. “Exaltar significa tornar alto; levantar; engrandecer; glorificar; celebrar.” 2 E, assim, entendo que “ode ao tomate” deve ser um poema que celebra o tomate. Acho a ideia de celebrar um tomate meio estranha. Penso nas pessoas comprando tomates nos mercados, cozinhando-os e comendo-os. Tudo me parece muito comum e simples, nada de especial. A minha curiosidade sobre essa ode aumenta. Como será que o autor vai celebrar um simples tomate? Com essa curiosidade, começo a leitura. “A rua enche-se de tomates.” Logo começo a imaginar uma rua com barracas cheias de tomates. Continuo a leitura e imagino o Sol forte de verão. Até começo a sentir o calor. Em seguida, imagino o raio do Sol batendo em cima dos tomates. Alguns, amadurecidos, estão até rompidos e seus sucos, escorrendo. A minha imagem do tomate se intensifica quando leio que ele invade as cozinhas. O verbo “invadir” tem um significado muito forte, violento. A palavra “invasão” me faz lembrar a invasão de soldados em guerras e fico um pouco preocupada. Será que o tomate vai provocar algum tipo de violência? Mas logo descubro que não. Pois, uma vez dentro da cozinha, o tomate fica apenas repousado entre outros objetos da mesa. Acho interessante o uso das expressões “invadir” e “sentar-se repousado” para um tomate, tendo em vista, é claro, que 1 Disponível em: < http://www.brasilescola.com/literatura/generolirico.htm>; 2 Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com/exaltar>;

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Descrição de Um Leitor Ativo Leitura ativa do poema: Ode ao Tomate

Eis aqui uma descrição de um leitor ativo. Começo lendo o título, Ode ao Tomate, e penso: O

que é “ode”? Imagino que seja algum tipo de poema, pois, vendo o formato do texto, parece ser um poema. Procuro o significado na internet e acho a explicação. “Ode ou hino:

derivam do grego e significam ‘canto’. Ode é um poema que exalta algo e hino que glorifica a pátria”. 1

A explicação não me deixa completamente satisfeita, pois não sei direito o

que significa “exalta”. Deixe-me ver... Recorro novamente à internet e consulto o dicionário on-line. “Exaltar significa tornar alto; levantar; engrandecer; glorificar; celebrar.”2 E, assim, entendo que “ode ao tomate” deve ser um poema que celebra o tomate. Acho a ideia de celebrar um tomate meio estranha. Penso nas pessoas comprando tomates nos mercados, cozinhando-os e comendo-os. Tudo me parece muito comum e simples, nada de especial. A minha curiosidade sobre essa ode aumenta. Como será que o autor vai celebrar um simples tomate? Com essa curiosidade, começo a leitura.

“A rua enche-se de tomates.” Logo começo a imaginar uma rua com

barracas cheias de tomates. Continuo a leitura e imagino o Sol forte de verão. Até começo a sentir o calor. Em seguida, imagino o raio do Sol batendo em cima dos tomates. Alguns, amadurecidos, estão até rompidos e seus sucos, escorrendo. A minha imagem do tomate se intensifica quando leio que ele invade as cozinhas. O verbo “invadir” tem um significado muito forte, violento. A palavra “invasão” me faz lembrar a invasão de soldados em guerras e fico um pouco preocupada. Será que o tomate vai provocar algum tipo de violência? Mas logo descubro que não. Pois, uma vez dentro da cozinha, o tomate fica apenas repousado entre outros objetos da mesa. Acho interessante o uso das expressões “invadir” e “sentar-se repousado” para um tomate, tendo em vista, é claro, que                                                                                                                1  Disponível  em:  <http://www.brasilescola.com/literatura/genero-­‐lirico.htm>; 2  Disponível  em:  <http://www.dicionariodoaurelio.com/exaltar>;  

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“tomate” não é uma pessoa. Mas, espere um pouco... Acho que já ouvi a professora de Língua Portuguesa explicar isso. “Personificar”. Se não me engano, foi essa a palavra que ela usou. Verifico na internet e acho uma explicação semelhante a essa: “Personificação pode ser descrito como uma figura de linguagem em que um objeto inanimado é personificado, ao atribuir características humanas e qualidades para isso.”3 É isso mesmo. O poeta está personificando o tomate. Acho que a personificação do tomate realmente dá vida a ele. Acho também interessante o contraste entre a “invasão” do tomate, que traz uma imagem violenta, e o resultado da invasão: o tomate se senta em repouso. Penso: o tomate entra nas cozinhas meio violentamente, mas fica sentado em repouso para ser comido, como se estivesse conformado com a situação.

Continuo lendo e noto que o tomate irradia luz. Tem “majestade benigna”.

Puxa! Como esse tomate tem dignidade! Ele brilha com a sua própria luz. E tem até majestade, ou seja, aparência nobre! Mas não tenho muita certeza do que significa “benigna”. Volto mais uma vez ao dicionário on-line... E, assim, cada vez que encontro uma palavra que não tenho certeza do seu significado, consulto o dicionário.

Também deixo a minha emoção correr livre.

Fico impressionada quando leio que o tomate vai ser assassinado com faca. Acho interessante como Neruda consegue transformar, com suas palavras, uma ação tão simples do dia a dia de qualquer pessoa em uma ação inesquecível e cheia de emoção. Imagino o corte acontecendo bem devagar, em câmera lenta. Enquanto a faca vai afundando, o suco vermelho do tomate vai escorrendo. O exagero dramático traz até um aspecto cômico à cena, pois, afinal, estamos falando de cortar um simples tomate! Dou um sorriso e penso: com certeza, na próxima vez que cortar um tomate, vou lembrar desse poema.

Quando Neruda menciona as

saladas do Chile, penso: qual será o tipo de salada que os chilenos comem? Será que é parecida com a nossa? Alface, cebola e... tomate? Logo descubro, pois os outros ingredientes começam a aparecer. Primeiro a cebola, depois o azeite, o sal, e a pimenta... A imagem da

                                                                                                               3  Disponível  em:  <http://pt.wikipedia.org/wiki/Personificação>.  Acesso  em:  08dez.2014  

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salada na minha cabeça vai se enriquecendo com a entrada de cada ingrediente. Gosto da imagem da cebola clara se casando com o tomate. Que imagem bonita! Imagino que Neruda gostava de comer tomate com cebola. Essa combinação devia deixá-lo feliz, como um casamento que traz alegria. Concordo com o poeta. O tomate e a cebola combinam muito bem. É uma união perfeita. Mas gosto mais ainda da imagem do azeite se deixando cair sobre as cebolas e os tomates para celebrar a união deles. Imagino o azeite escorrendo na superfície da cebola e do tomate e acho o uso da palavra “celebrar” muito bem escolhido, pois o sabor do tomate com a cebola não seria tão bom sem o azeite. E digo mais: seria como um casamento sem convidados! Realmente, é sem graça.

Os preparativos da comida continuam até a

chegada do assado. O meu nariz começa a fuçar a procura do cheirinho do assado. Lembro da minha mãe com uma travessa de assado na mão entrando na sala do jantar. E aí, então, acho que chegamos ao clímax do poema. Penso que finalmente chegou a hora de comer! A minha boca se enche de saliva.

Mas noto que o poema volta a focar no

tomate. Então, o mais importante não é o assado! E faz todo sentido; afinal, o poema é uma ode ao tomate. O tomate que nasce na natureza. Penso no presente que a natureza nos oferece sem hesitar

nem um pouquinho. É assim que leio o poema, palavra por palavra, pensando no significado

de cada palavra, como ela é usada, e a imagem que ela traz à minha cabeça. Leio devagar, para dar tempo de relacionar o que estou lendo com as experiências e os conhecimentos que já tenho.

Quando termino de ler o poema, penso no seu significado. Um poema

sobre o tomate, que é um fruto simples. Ele não é dos alimentos mais caros e é fácil de achar. Compramos, cozinhamos ou não, e comemos os tomates a qualquer hora. Mas nesse poema esse fruto simples e a sua preparação se transformam em algo nobre, algo inesquecível e cheio de emoção. Penso como Neruda nos faz notar o valor das coisas simples do dia a dia. E também o que a natureza nos oferece. Neste sentido, eu poderia entender esse poema como uma celebração das coisas simples da vida e da natureza. Penso na pessoa Pablo Neruda, um comunista preocupado com as vidas dos trabalhadores, e sinto que a celebração das coisas simples faz sentido.

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Continuo pensando: gostei desse poema? Por quê? Como será que ele

me afetou? Será que vejo a vida de forma diferente depois de ter lido esse poema? De uma certa forma, sim. Essa ode me mostrou uma maneira diferente de olhar as coisas e os acontecimentos simples do cotidiano. E gosto desse olhar, pois essa ode me fez lembrar o lado energético, bonito e sensual da vida.

Ainda não paro de pensar: será que existe alguma outra forma de

entender esse poema? Será que ele carrega alguma mensagem política? Algo relacionado com a história do Chile? Com a colonização? O que o tomate poderia estar representando?

Penso nesses temas e releio o

poema. Tento relacionar o tomate e os outros ingredientes com os trabalhadores, com o povo chileno, com as pessoas simples. E a faca? E as pessoas que preparam e comem a salada, o que elas poderiam representar? Assim, vou pensando mais a fundo sobre o que li, e continuo relendo, e pensando; e pensando e relendo. Estudo mais sobre o poeta Neruda e a história do Chile e continuo pensando. Ler é esse processo de pensar e de relacionar com outros conhecimentos e experiências e procurar significados sobre o que leu. Não existe uma única forma de interpretar um texto, pois o conhecimento e a experiência de cada pessoa são diferentes.

Mas ler, principalmente literatura, é, acima de tudo, um prazer. É um

divertimento. É importante pensar a fundo. Mas também é importante não se esquecer de sentir o prazer. Por isso, às vezes, releio o poema apenas para

desfrutar das imagens, o uso das palavras, o humor e a energia que ele traz e retorno a pensar. Talvez o intuito de Neruda com esse poema tenha sido simplesmente celebrar a vida. E com esse pensamento, vou à cozinha preparar a minha saladinha preferida! Yumi Isuyama