Desde a sua formação em 1993,...

64

Transcript of Desde a sua formação em 1993,...

Page 1: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS
Page 2: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Desde a sua formação em 1993, a Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes tem se caracterizado pela busca constante de uma esté�ca ancorada na comunicação direta com o público. Essa comunicação se dá pela u�lização de uma linguagem calcada nos elementos da comédia popular reflexiva e fes�va, que busca a empa�a imediata. Nesses mais de 24 anos de estrada, a companhia par�u de um espetáculo cômico-dramá�co, fechado pela quarta parede do palco italiano, para chegar à comédia épica, aberta ao público, com a predominância do ator-narrador, inclusive com experiências fora do palco tradicional, como suas apresentações em praças públicas. Essa transição do “teatro de representação” para um “teatro de narração” implicou em toda uma mudança, não só na maneira de ver o fenômeno teatral mas, principalmente, na própria proposta e nos elementos de construção do espetáculo. Várias vezes contemplada com o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, a Fraternal montou inúmeros espetáculos, com sucesso de crí�ca e público, como Sacra Folia, Auto da Paixão e da Alegria, Borandá, Auto da Infância, A História de Muitos Amores, Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha.

01

Page 3: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

02

Page 4: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

O universo mitológico da cultura andina e brasileira serviu como porta de entrada para esta inves�gação sobre as relações que se estabelecem através da imigração, da mudança, do encontro entre culturas, do desafio diante do desconhecido, do desejo de renascimento e, sobretudo, da capacidade de se reinventar dos povos la�no-americanos.

A Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes realizou em 2003 um processo colabora�vo transpondo para a linguagem teatral, num recorte significa�vo, as condições de vida de cidadãos brasileiros que na época moravam fora das suas cidades de origem. O projeto chamou-se Auto do Migrante, e o espetáculo Borandá. O resultado dessa pesquisa celebrava, narrava e, de certo modo, também chamava a reflexão sobre o movimento migratório que tomou conta do Brasil durante a segunda metade do século XX, e que fora provocado pelo avassalador desenvolvimento urbano no sudeste do país.

A dinâmica do processo de trabalho da Fraternal não buscou uma postura superficial em relação às questões sociais ou regionais. Empenhou-se sim, em fazer um registro profundo e verossímil da vivência migratória, procurando decifrar o mundo imaginário do indivíduo comum que luta teimosamente para melhorar a sua miserável condição de vida. Principalmente num momento como o que vivemos hoje em que o movimento massivo de pessoas se tornou um problema globalizado e de di�cil solução.

Dessa extraordinária experiência humana, que é a capacidade de mudar, adaptar e reinventar a si mesmo e acreditando quase sempre que como indivíduo ele é par�cipe de uma grande ilusão que modificará o seu des�no e o des�no maior do país, é que nasceu esse novo desafio para Fraternal: Nosotros – Um mergulho na experiência imigratória la�no-americana.

APRESENTAÇÃO

03

Page 5: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Uma trupe de sal�mbancos, conduzidos por uma revoada humana formada por imigrantes, narram a história de Juanito: um �pico andino que sai de seu local de origem para tentar uma vida melhor numa terra sem mal chamada: Nosotros. Uma história permeada por desafios, comicidade, música, sonhos e angús�as, daqueles que ousam se aventurar por terras desconhecidas.

SINOPSE

04

Page 6: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

“Nosostros” é o resultado teatral da pesquisa feita pela Fraternal Companhia sobre o imigrante la�no-americano em São Paulo. O universo mitológico, da cultura andina e brasileira, serviu como porta de entrada para esta inves�gação sobre as relações que se estabelecem através da imigração, da mudança, do encontro entre culturas, do desafio diante do desconhecido, do desejo de renascimento e, sobretudo, da capacidade de se reinventar dos povos la�no-americanos. Par�ndo de dois mitos ancestrais: “Inkarri” (mito do Rei Inca Andino) e “Terra Sem Mal” (mito indígena guarani), alicerçados por uma série de entrevistas com imigrantes de diversas nacionalidades residentes em São Paulo, chegou-se a saga do personagem Juanito, um imigrante que sai de seu local de origem em busca de uma vida melhor para si e sua família. Uma saga individual que representa, de certa forma, grande parte do movimento global imigratório atual.

A PESQUISA

05

Page 7: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Soy la mujer piedra de salsoy la mujer luz cie díasoy la mujer que hace girarsoy la mujer del cielosoy la mujer del Biensoy la mujer purasoy la mujer espírituporque puedo entrar y puedo salir en el reino de la muerte.

(Trecho de uma can�ga entoada por Maria Sabina, uma índia xamã mexicana)

06

Page 8: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

De acordo com dados extraoficiais disponibilizados pelo CAMI - Centro de Apoio ao Imigrante, somente na cidade de São Paulo vivem mais de 500 mil la�no-americanos. Esse número expressivo nos surpreendeu e mo�vou a fazer uma imersão na experiência imigratória indo além do olhar sociológico, econômico e geográfico, colhendo relatos que iden�fiquem de onde vêm essas pessoas, quais crenças, ritos, costumes trazem consigo e o que esperam do futuro? Antes de elucidarmos essas questões, é importante salientar que, afinal, o Brasil, mais precisamente a cidade de São Paulo, foi e está sendo construído grada�vamente com a ajuda marcante dessas pessoas.

Um estudo de Fabio Mar�nez Serrano Pucci da PUC-SP “OS BOLIVIANOS NOS BAIRROS DO BOM RETIRO, BRÁS, PARI E A PRODUÇÃO DA ALTERIDADE: COMO SÃO VISTOS PELA VIZINHANÇA?” nos aponta que muitos brasileiros têm certa desconfiança em relação aos imigrantes la�nos. Porque nós brasileiros, paulistanos, conhecemos tão pouco sobre a cultura de nossos vizinhos tão próximos e tão distantes ao mesmo tempo? Porque os imigrantes la�nos e nossa população indígena são quase invisíveis? Afinal, somos ou não somos todos la�no-americanos?

Questões como essas nos inquieta e nos mo�va a inves�r ar�s�camente nesse tema. Nos mo�va, sobretudo, a dar con�nuidade a nossa pesquisa ar�s�ca sobre o teatro narra�vo, épico, e a busca con�nua pelos correspondentes contemporâneos de mitos e arqué�pos da cultura e imaginário popular, a trajetória épica dos personagens e o teatro popular do “Ver, Ouvir e Imaginar” que a Fraternal Companhia vem desenvolvendo em seus 24 anos de trabalho ininterrupto.

DAS COISAS QUE NASCEM DO DESEJO

07

Page 9: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

08

Page 10: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Com alegria no coração,Um dia me pus a andarTrilhando o caminho de muitos,Em Nosotros sonho chegar.Imigrante não tem des�no,Se faz o caminho ao andar.

Brasileiro, peruano, argen�noÍndio, sertanejo ou andinoTodos procuram um lugarPra renascer, não tem des�no, Se faz o caminho ao buscar.

(Trecho do canto da Revoada

Humana em pleno movimento)

09

Page 11: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

O fio condutor desse encontro par�rá da ancestralidade de ambas as culturas: Inkarri (Rei Inca), mito andino que narra a saga de um personagem que tem a cabeça cortada e enterrada numa terra distante, e que misteriosamente se mantém viva com um novo corpo crescendo a par�r dela, na esperança de um dia renascer quando seu corpo es�ver finalmente completo, e o mito Yvy Marã Ey (Terra Sem Males) de origem guarani que narra a utopia da terra prome�da que impulsionava os indígenas a migrarem de um lugar a outro, pelos peabirus (caminhos indígenas) na busca de uma vida melhor.

Da mesma forma como os guaranis procuram a Terra Sem Males e o Rei Inca tenta se reconstruir por completo em outro lugar, também acontece na experiência de muitos migrantes ou imigrantes que ousaram deixar sua terra natal na esperança de reconstruir suas vidas (renascerem ) em um novo lugar.

Par�ndo dessa premissa e u�lizando essas referências mitológicas, Nosotros celebra e convida ao diálogo; brasileiros e imigrantes da comunidade la�no-americana que hoje vivem em São Paulo, mas não se conhecem plenamente e por vezes até se distanciam por mera ignorância ou puro preconceito, sem apontar para as diferenças, mas enaltecendo as semelhanças.

DA ANCESTRALIDADE AO CONTEXTO SOCIAL10

Page 12: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

11

Page 13: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

En un taller de costuraVinimos a trabajarPensando en mi �erraMe hecho a costurarLa soledad aquí es tantaQue me pongo a soñarCon la casa en que nacíCon mi familia a celebrarBuen año, plantando maízViendo a la lluvia irrigarPero la vida sorprendeY todo cambia de lugarLas lágrimas toman los ojosY me hecho a costurar

(Cena de apresentação das Costureiras na Oficina)

12

Page 14: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

O desafio agora foi a imigração la�no-americana em São Paulo. Dessa extraordinária experiência humana, que é a capacidade de mudar, se adaptar e reinventar-se a si mesmo, é que nasce o projeto “Nosotros”, uma celebração na forma de encontro, do brasileiro com os demais povos la�nos. Uma inves�gação cênica, por meio dos mitos que nutrem o imaginário popular, e as relações e transformações que nascem a par�r desse encontro.

Par�ndo dos mitos de Inkarri (Rei Inca) e Yvy Marã Ey (Terra Sem Males) um breve enredo foi estruturado na história de um imigrante andino. Posteriormente, com base em diversas entrevistas e depoimentos de imigrantes la�nos, assistentes sociais, pesquisadores e também em conteúdo de leituras, seminários e palestras, que foram deba�das na sala de ensaio, improvisadas e trabalhadas pelo grupo, surgiram várias imagens e situações que ajudaram a criar um repertório de cenas que nos apontaram alguns caminhos a serem seguidos. Mais debates e escolhas foram surgindo e desse material nasceu a saga épica de Juanito, um boliviano que deixa sua terra natal à procura de um lugar melhor para viver conduzido por uma revoada humana, formada por outros imigrantes. Uma saga simples, porém que representa simbolicamente o complexo e latente tema que é o da imigração.

Para mergulhar nesse contexto, precisamos rememorar e entender que somos frutos de imigrações anteriores e estamos sujeitos a fazer parte de imigrações futuras. Portanto esse não é um tema distante ou alheio a nós.

Alex Mole�a

DRAMATURGIA

13

Page 15: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

14

SACRAFOLIARepertório

14

Page 16: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

14

A GIRA DA RAINHA

15

Repertório

Page 17: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

O que mo�vou a Fraternal Companhia de Arte e Malas Artes a trabalhar sobre o tema da imigração La�no-americana, além da constatação da existência de grande con�ngente de povos, sobretudo bolivianos na cidade de São Paulo, vivendo, muitas vezes em regime irregular e condições de semiescravidão, foi também o fato de viverem isolados, quase em guetos, ignorados pelos brasileiros, incomunicáveis e sem intercambiar suas culturas.

Apesar de morarmos no mesmo quintal, somos ilustres desconhecidos. O tratado de Tordesilhas parece ter nos sentenciado a uma maldição separa�sta estabelecida pelos colonizadores portugueses e espanhóis, desde 1494 e depois em 1750 pelo tratado de Madri. Nem mesmo o processo de independência ocorrido durante o século XIX em toda La�no América pôde nos aproximar. Ocorre que independência da América La�na foi concebida sob a ideologia liberal conservadora, que, apesar de propor uma autonomia em relação à colônia, conservou a mesma estrutura social excludente, onde o modelo econômico con�nuou privilegiando as estruturas oligarcas e caudilhistas, razão também pela qual o sonho de Simon Bolívar de querer unificar a América La�na fracassou.

Com referência ao Brasil ou à América portuguesa, nossa iden�dade sempre esteve sob forte influência europeia, até pelo fato de termos adotado a monarquia como modelo. A mes�çagem do brasileiro, ao invés de nos fortalecer, ser mo�vo de orgulho de uma nova raça, parece ter provocado, como observa Darci Ribeiro, a vergonha. Vejamos o que ele nos diz: “Sendo objeto de mofa dos reinóis e dos luso-a�vos, os ameríndios mamelucos, viam-se condenados à pretensão de ser o que não era nem exis�a: o brasileiro”. O povo andino, mesmo que tenha acontecido, aqui e ali, o fenômeno da mes�çagem, conservou como iden�dade e orgulho, o seu forte traço indígena, que, de certa maneira, permite ainda hoje como mecanismo de defesa, uma estrutura de propriedade comunal. Entretanto, sabemos que o que nos une é a história de subdesenvolvimento econômico imposta pelos colonizadores, que permanece até hoje dentro do modelo neoliberal, fazendo com que grande massa de irmãos, escolham nosso país como refúgio de sobrevivência, da mesma forma como ocorre internamente, no processo migratório.

A grande revoada proposta pelo espetáculo, é que as duas culturas se encontrem, se inter-relacionem e lutem em busca de um mesmo ideal: uma terra sem males, como outrora desejou o povo guarani. Uma terra que, apesar de parecer utópica, possa nos unir, para que juntos possamos acabar com a maldita herança, há muito imposta pelos colonizadores, e finalmente proclamarmos uma terra de todos. A terra de NOSOTROS.

Ednaldo Freire

NOSOTROS, LATINO AMERICANOS 16

Page 18: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

17

Page 19: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Um resgate da minha história musical de antes de eu resolver fazer música. Uma volta às raízes que depois se fundiram com as novas raízes do lugar que me acolheu. Uma viagem na memória e na sinestesia das paisagens sonoras da minha infância, e daquilo que a América La�na nos trazia no vento das sonoridades do seu território.

Falar da imigração em nossas terras sem falar da sua música era priva-la do seu coração. Compor canções baseado nesse coração foi meu desafio. Huainos, chacareras, baiões, rumbas, tangos, tonadas, joropos, foram as fontes para a invenção. Bebi nelas com prazer e respeito, e ancorado pelas letras do Alex, que me deram rumo, pari 15 canções para o coração do Pari. Parto natural, gravidez mediada pela cria�vidade dessa equipe plena que é a Fraternal. Sons fraternos para a América La�na...

Gustavo Kurlat

A CANÇÃO DE NOSOTROS 18

Page 20: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

“Maldormidos, nus, machucados, caminharam noite e dia durante séculos.” Eduardo GaleanoImagine por um momento que 68% da população do estado de São Paulo, algo em torno de 30 milhões de

pessoas, �vesse que deixar sua terra por causa da falta de emprego, ou de péssimas condições de vida, ou de perseguições polí�cas. Confira que esse grande número de pessoas supera hoje em vinte vezes as referências bíblicas que assinalam ter sido um milhão e meio de hebreus os que fugiram do Egito, sob o comando do mí�co Moises. Acontece que, segundo fontes esta�s�cas modernas e altamente confiáveis como o SICREMI-OEA (Sistema Con�nuo de Relatórios sobre a Migração Internacional nas Américas), essa quan�dade, 30 milhões, foi o número de expatriados la�no-americanos que andaram pelo mundo afora durante as úl�mas décadas do século passado.

Mas isso foi o século passado, hoje segundo o Centro de Apoio ao Migrante (CAMI) e o Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), o número de imigrantes que moram na cidade de São Paulo deve ultrapassar o meio milhão de pessoas. O cruzamento dos dados oficiais referentes à presença de imigrantes “hispanoparlantes” no Brasil e a quan�dade deles residentes na cidade de São Paulo apontam a existência de distorções de número e grau. Exis�ria algo em torno de 330 mil indocumentados morando na capital paulistana.

Recentemente, o fato de centenas de cidadãos hai�anos terem superlotado a Casa do Migrante, o abrigo provisório da Igreja da Nossa Senhora da Paz do Glicério, evidencia de forma clara o quadro crí�co da situação do imigrante na cidade de São Paulo.

Fazendo um rápido retrospecto, é necessário lembrar que o processo migratório mais recente tem modificado o perfil da população de alguns bairros de São Paulo próximos do Centro Histórico da capital. É o caso do Bom Re�ro, hoje uma região essencialmente comercial, com áreas industriais e residenciais, mas que na sua criação, no século XIX, era um bairro formado por chácaras e sí�os que eram usados como re�ros de fim de semana pela população abastada da cidade. Transformando-se depois num bairro frequentado por proletários a par�r da inauguração da primeira fábrica da Ford do Brasil na Rua Sólon, de 1921 até 1953. Mais tarde, na década de 1960, a a�vidade industrial cedeu espaço ao a�vo comércio de roupas e moda, complementado com a instalação de pequenas confecções e tecelagens. À época, o bairro já concentrava um grande número de comerciantes judeus e sírio-libaneses, os quais mais tarde migrariam para outros bairros mais distantes do centro. Atualmente o distrito possui muitos moradores de baixa renda, morando principalmente em cor�ços, sendo considerado o segundo reduto oriental da cidade, por causa da proliferação da população de origem coreana que controla dois terços do comércio e da indústria de roupas da região.

ÊXODO 19

Page 21: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Ao leste do Bom re�ro fica o bairro do Pari que tem uma história bastante singular. Inicialmente era um reduto de índios, português e mamelucos que se dedicavam a pesca nos rios Tietê e Tamanduateí com uma cerca de taquara ou cipó chamada “pari” que deu nome ao lugar. No início do século XX, a cidade de São Paulo, passou por um intenso processo de urbanização que es�mulou a vinda de um grande fluxo de imigrantes europeus. Assim, O Pari transforma-se num bairro operário, recebendo grandes con�ngentes de italianos, espanhóis, portugueses e gregos fugindo da crise econômica e o desemprego produzidos pela primeira grande guerra europeia. Na década de 1940, sírios e libaneses passam a integrar o bairro mul�-étnico. Nos anos 1960, assim como toda a região central de São Paulo, o Pari passou por um processo de degradação e esvaziamento populacional. Na década de 1980 o bairro passou a abrigar um grande con�ngente da colônia coreana e, a par�r da década de 1990 o bairro começa a receber um grande número de imigrantes bolivianos, que se reúnem aos domingos na praça Kantuta. Nos úl�mos anos o bairro está mudando seu perfil urbano, e suas an�gas fábricas passaram a ser subs�tuídas por lucra�vos empreendimentos residenciais.

Hugo Villavicenzio

ÊXODO 20

Page 22: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

21

Page 23: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

22

Page 24: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

JOSÉ LUIS LOSA – Boliviano (Fragmento da entrevista)

JOSÉ - Eu estava indo no carro do meu colega. Estávamos indo para o Bom Re�ro. Ali no Bom Re�ro eles (polícia militar) tem viaturas e eles já sabem os lugares de saída dos bolivianos para os diferentes bairros, né? Nas pontes: Vila Maria, Vila Guilherme, eles já ficam ali esperando. Eles veem que é carro de boliviano e já param, já vem atrás de você, tocam a sirene e já falam: "Pode descer! Cade a documentação?". Eles querem achar sempre alguma coisa. Eu fico brincando com os meus colegas "Nunca fui roubado tão educadamente!". Porque aquele dia eu fui assaltado educadamente. Eles falaram "Por favor senhor, desce. Polícia! Vamos fazer uma ro�na. Pode descer, a gente está pedindo documentação", eles falam assim, educadamente: “Não estou enquadrando o senhor, não estou colocando na parede, como deveria ser os procedimentos. Olha, vem cá, eu poderia ter pego a minha metralhadora, ter apontado para vocês, mas eu não estou fazendo essas coisas, porque eu vejo que vocês são pessoas do bem!". Meu colega já tem cabelo branco e tudo, então eles pediram tudo. Ele estava devendo multa de excesso de velocidade, mas depois a gente começou a pensar: O que eles tem a ver com as multas?. Você está devendo para alguma parte que um dia você vai ter que pagar, ele não pode te obrigar que você pague a multa. Só que, como eles tem a força, eles podem te acusar de alguma outra coisa se você não quer ajuda-los, e falam: "Eu vou te ajudar. Eu poderia apreender teu carro, pedir o guincho e já levar teu carro, tá? Como eu posso te ajudar?", meu colega ficou perdido, ele repe�u três vezes: "Como eu posso te ajudar?", eu já captei o que ele queria, meu colega não. Na terceira vez:"Eu quero te ajudar!", meu colega "Ahn tá, eu não tenho dinheiro... Eu tenho apenas 200...". O policial respondeu: "Tá bom, só dessa vez... Esses 200 você não me dá agora, eu vou encostar o carro do lado do seu carro e você me joga o dinheiro, tá?". Então ele fez assim, encostou o carro do lado do deles: "Tudo bem com vocês?!", falou o policial, e ele jogou o dinheiro "Tá, tudo bem!" e eles foram embora.”

23

Page 25: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

JUAN CUSICANKI - Boliviano(Fragmento da Entrevista)

JUAN – Cheguei aqui e já comecei a trabalhar, conheci um boliviano, ele �nha uma oficina de costura e fazia jaquetas, na Estação da Luz, ali bem per�nho, você descia assim... Bem familiar, bem humorado. Eu não sabia costurar, ali �ve oportunidade de aprender, fazia jaqueta de napa. Trabalhei acho que uns três meses muito concentrado, trabalhava muito, era pauleira, até as dez da noite, das sete, oito da manhã até as dez da noite e meu trabalho com música ficava de lado, no começo dei uma parada assim, e claro que era feliz porque eu acreditava que estava ajudando o boliviano, o cara lá, e eu estava aprendendo, e também era livre. Financeiramente nunca valeu a pena, não valeu nada o dinheiro que eu recebia, mas era mais para sobrevivência. Então depois de seis meses, um ano, um ano e dois meses, alguma coisa assim, eu mandava cartas pra minha mãe, meu pai, para os meus irmãos, falava que estava bem aqui e tal, estava trabalhando, e aí meu irmão falou que queria conhecer o Brasil, aí eu falei: - Então vem. Eu fui para lá e vim rápido com ele, fiquei só uma semana lá. Eu fui lá buscá-lo. Estava com passaporte ainda, valia como prova e ajudei meu irmão fazer um passaporte para ele, veio como turista... Não �ve vontade de ficar na Bolívia, nenhuma. Fui lá só para ver minha família e voltar mesmo, meu desejo era ficar no Brasil. Claro, meu pai, minha mãe, perderam tudo, perderam tudo que �nham na Bolívia, por causa da polí�ca, do governo, meu pai foi perdendo suas coisas, perdeu caminhão, perdeu casa, depois teve que vender outra casa, foi perdendo tudo então eu não podia ficar lá. Eu quero é ir para frente, é o que eu quero. Meu irmão veio aqui também para trabalhar, ele já trabalhou com costura lá. Trabalhamos juntos aqui, na costura.

24

Page 26: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

JAIME SAIRE ARRATIA – Boliviano(Fragmentos da entrevista)

JAIME - Na Bolívia, fiquei quando eu era criança. Com sete anos mais ou menos, comecei a estudar. Então sen�r assim que a Bolívia é o meu país assim, eu não tenho este sen�mento. Como outros falam no meu país, “Meu Bolívia”, eu não tenho isso, estou vazio. Porque... Por causa do meu pai que era assim... Então não sinto isso. Peruano sinto sim, porque minha mãe era peruana e foi embora muito cedo também né. Quando eu falo da Bolívia parece que tem um vazio, né? Não tem aquele sen�mento eu sou Brasileiro! Não tenho isso. Meu pai, minha família, não são Brasileiros. Eu... Escuto o Hino Nacional do Brasil sai lagrima do olho. Aqui passei um monte de coisas. Assim. Inclusive entrou ladrão duas vezes dentro da casa, levaram as coisas. An�gamente eu cortava bastante serviço pra fora e entrou ladrão. Mas mesmo assim está tranquilo. Quando penso assim sobre o assalto fico triste, mais o Brasil não tem culpa. (...) A primeira vez, quando eu vim para o Brasil, o meu amigo que me trouxe. Eu fiquei sozinho, ele viajou com a amiga dele e eu fiquei sozinho. E como eu nunca saí da oficina e fiquei sempre trabalhando aqui, e não �nha ninguém pra conversar e estava longe, e o português também era di�cil pra mim. Ai pensei: vou embora pra casa. (...) Eu entrei, a primeira vez no Brasil, como turista. Vencia em três meses. Ai saí a primeira vez ao Paraguai, a segunda pra Argen�na, depois sai outra vez para o Paraguai, depois para a Bolívia, depois para o Uruguai, de três em três meses saia. Ai cansei, e uma vez falei: “não vou sair mais”, e comecei a morar aqui, e o passaporte já �nha vencido, caducou o passaporte. Depois de um ano e meio, voltei pra Bolívia, casei com a minha esposa e vim de volta para o Brasil e não saí mais.

25

Page 27: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

MARICELA RIVERA CARDONA (Colombiana)(Fragmentos da entrevista)

MARICELA - Da minha infância, a minha vida era mais isso, pouca brincadeira, cuidar dos irmãozinhos, trabalhar com meu pai e estudar. (...) Surgiu uma vez uma congregação religiosa que trabalhava com os imigrantes na Colômbia, trabalho mais voltado aos “desplazados”, são “os campesinos” que a guerrilha chegava e tomava suas terras e �nham que fugir, pois eram ameaçados de morte. Os homens principalmente, eram quase que arrancados à força para fazer parte da guerrilha e então essas famílias que fugiam, eram chamados de “desplazados” que são obrigados a sair de suas terras, sem ter rumo, sem ter onde ir. Quando veio essa congregação eu entrei e comecei a fazer um trabalho ajudando os outros. Mas eu queria muito vir para o Brasil. E depois de dois anos consegui. (...) Era primeira vez que eu saía de casa e minha mãe começou a chorar uma semana antes, (emocionada) todos os dias ela chorava. Quando eu vim para o Brasil eu não iria mais chorar... E minha mãe não �nha me contado que ela estava grávida, ela não contou para mim que ela estava grávida e perdeu o bebê. Foi di�cil, na época. Aqui no Brasil �ve várias missões religiosas, fui para Minas, Espírito Santo, Bahia, interior de São Paulo, Brasília, Goiás. Sempre foi bom, mas o que me chateia é quando alguém me olha e diz: “ah, você é Colombiana? Não parece, porque você é tão branquinha. Você parece brasileira.” Como se nos outros países não �vesse gente branca, o que importa a color? Às vezes, o próprio negro se discrimina diante de você. Eu não tenho culpa de ter nascido branca. Eu sou Colombiana, amo meu país. (...) Gosto de ajudar os outros... Eu sempre �ve um sonho, desde que era criança, eu sonhava com um terreno que o meu pai �nha e que eu iria construir um edi�cio e �rar todas as pessoas da rua. Só que hoje meu sonho é diferente, con�nua no mesmo ideal, mas de eu poder trabalhar, ganhar meu próprio dinheiro, ter o meu próprio espaço social, onde eu possa ajudar as pessoas, acho que mais que ajudar economicamente, fisicamente e psicologicamente. As pessoas precisam dessa ajuda, entendeu? Mais do que qualquer outra coisa.

26

Page 28: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

27

Page 29: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

FICHA TÉCNICA:

Direção: Ednaldo FreireDramaturgia: Alex Mole�aCenário e Figurinos: Luiz Oliveira SantosMúsicas e Direção Musical: Gustavo KurlatArranjos e Produção Musical: Vicente Falek e João Paulo NascimentoElenco:Aiman HammoudMirtes NogueiraCarlos MiraMaria SiqueiraGiovana ArrudaHarley NóbregaIan Noppeney

Orientador de Pesquisa: Hugo VillavicenzioPreparação de Voz e Corpo: Verlucia NogueiraAssistente de Cenografia e Adereços: Vânia TostaFotos: Arnaldo Pereira e Vânia TostaCabelos: Nelson Ba�staCenotécnico: Edson FreireOperador de Som: Gabriel KavanjiOperador de Luz: Marco Vasconcellos

Agradecimentos:Almara Mendes - Calixto de Inhamuns - CAMI – Centro

de Apoio e Pastoral do Migrante de SP - Carla Aparecida Aguilar - Jaime Saire Arra�a - José Luis Loza - José

Osores Bendezú - Juan Cusicanki - Lígia Silvana de Las Mercedes Gallegos Vegas – Luan de Andrade - Luis

Villaverde - Mariana Gouvêa - Marinella Tapia Becerra - Roque Pa�ussi – Roberto Barbosa – Simone Mole�a.

28

Page 30: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

DRAMATURGIA de

NOSOTROS Uma Revoada La�no-americana

29

Page 31: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

PRÓLOGO: Uma Revoada Humana

Um grupo, barulhento e fes�vo, se aproxima. Uma espécie de REVOADA HUMANA, que vem CANTANDO e TOCANDO como um bloco CARNAVALESCO fora de época. A música mistura ritmos folclóricos la�nos e brasileiros. Essa revoada humana, porta um ESTANDARTE onde se lê: “POVO DE NOSOTROS, a Terra Sem Mal.”O elenco, que compõe a Revoada Humana, porta OBJETOS, MÁSCARAS, MALAS, CHAPÉUS e outros adereços que servirão para compor as personagens nas cenas.

A REVOADA CANTA: Larguei a tristeza no chão,E levantei o pó da estrada.Carrego na mala o coração,Sonhando sempre a chegada.

Venha para NosotrosOnde a festa não termina.Vencendo o Trem da Morte,Passando de vila em vila.Pois não desejo emaranhar,O fio que guia a minha vida.

Venha para NosotrosOnde o pé não descaminha.Andando pra outro lugar,Até onde a estrada termina.Assim minha esperança germina,E o meu céu encontra o luar.

EKEKO Venha para NosotrosOnde o caminho nos ensinaQue o sonho da terra sem mal.No horizonte ao longe se a vistaAprendi com as coisas da vida,Que o sol nasce, após temporal.

REVOADA CANTA: Larguei a tristeza no chão,E levantei o pó da estrada.Carrego na mala o coração,Sonhando sempre a chegada. (Repetem)

30

Page 32: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Em certo momento da CHEGANÇA, uma figura GROTESCA, MASCARADA se DESGARRA do grupo, ESTALANDO um CHICOTE. Ele avança em direção a plateia como um animal desgarrado e furioso.CAPORAL (GRITA) Onde está o Juanito?! (AO PÚBLICO) Tragam ele até aqui! (GRITA) Juanito! Peguem o Juanito!EKEKO, uma figura EXTRAVAGANTE que anda com centenas de MINIATURAS e pequenos objetos pendurados ao corpo, se destaca da revoada e toca uma CORNETA ENSURDECEDORA que reconduz o CAPORAL de volta a revoada. A revoada con�nua a tocar ao fundo, enquanto EKEKO se apresenta de um lugar mais ELEVADO.EKEKO (VOZ DE ARAUTO) Humildemente, peço licença as senhoras e senhores, para aqui apresentar uma história das

gentes de nossa terra. Alguns de vocês já me conhecem de outros carnavais, mas para quem não sabe quem sou, me chamo Ekeko, o Deus da prosperidade e da abundância! Nos bons tempos (AJEITA UM VOLUME EM SUAS CALÇAS) também era conhecido como o Deus da Fer�lidade. Minha função é realizar os desejos materiais da pessoas. Mas a crise hoje está tão feia que não estou dando conta de tanta carência e privação. Por isso com a benção do Pai Sol estamos conduzindo o povo la�no-americano para um mundo novo, um lugar de fartura onde todos os desejos serão plenamente realizados: A Terra de Nosostros!

REVOADA Viva a Terra de Nosostros! ATRIZ 01 Um lugar que nasce do desejo!ATOR 02 Um lugar que brota do nosso imaginário, quando sonhamos com uma vida melhor e mais justa!ATRIZ 02 Uma verdadeira terra sem males.REVOADA Viva o Povo Nosotros!ATOR 03 Por um momento, fechem seus olhos e se façam a seguinte pergunta: qual é o seu sonho?ATRIZ 03 (MAIS INCISIVA) Qual é o seu sonho?ATOR 04 Essa pergunta nos mo�va a dar o primeiro passo!ATOR 01 Muitas vezes, essa pergunta leva famílias inteiras a imigrar! Mudar de país e até de con�nente. ATRIZ 01 Sem saber o idioma, nem onde trabalhar...ATOR 02 Sem nem saber onde morar!ATRIZ 02 Uns fugindo da fúria da natureza, outros da guerra e muitos outros da fome!ATOR 02 Mas quem são essas pessoas que mais parecem uma revoada de folhas sem des�no, levadas pelo

vento?ATOR 03 Levadas a largar tudo e seguir na busca por um lugar melhor para viver?ATOR 04 Mais importante que falar apenas de um desejo, pretendemos narrar sobre a vontade humana de

sobreviver a qualquer custo. Uma história sobre pessoas se sacrificando, sonhando em renascer em outro lugar!

Do meio da plateia.ARACY Espere! Vou com vocês!EKEKO (DESCONFIADO) Você quem é?ARACY (EXCÊNTRICA, COM UM COLETE TAMBÉM CHEIO DE PENDURICALHOS) Andarilha, curandeira, parteira,

benzedeira, desato nó, leio mão e trago seu amor de volta em três dia! Sou descendente do povo guarani, meu nome é Aracy, filha ancestral de Ceiucy!

31

Page 33: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

EKEKO (DESCONFIADO) Quer ir conosco por quê?ARACY Porque sou um espírito livre! Sigo o vento!EKEKO (RANZINZA) Não sei. Já tem muita gente nessa revoada!ARACY Não tô pedindo permissão! (ARACY SE JUNTA A REVOADA) Tá esperando o quê, Ekeko? O povo não

tem o dia todo não! Vambora!EKEKO toca sua CORNETA ENSURDECEDORA. Revoada volta a tocar de fundo.EKEKO (APONTA) Essa, minha gente! É a revoada humana! Feita de inúmeras histórias, de pessoas arrastadas por

forças impetuosas à procura de uma terra sem mal. Por favor, peço a vocês, gen�l público, que não julguem as personagens dessa revoada. São pessoas lutando pela sobrevivência. Por isso, antes de formarem uma opinião vamos apresentar uma, entre muitas histórias deste caudal humano, contaremos hoje a história de Juanito, um imigrante la�no-americano.

ARACY Ô Ekeko? É pra hoje ou tá di�cil? O povo tá esperando!EKEKO (ENCARANDO ARACY) Conheçam as personagens principais de nossa história!Repique de TAMBORES. Música sobe e os PERSONAGENS se espalham pela cena.JUANITO Lutar é viver e viver é lutar! Eu sou personagem da história que vamos contar! Neste espetáculo farei o

papel de Juanito!Música sobe em repique.CAPORAL Todo mundo trabalha, quando estalo o chicote! O mundo se faz na marra e não permito boicote! Neste

espetáculo farei o papel do Caporal, patrão de Juanito.Música sobe em repique.MARIA LUNA (COM UM BEBÊ NOS BRAÇOS) Meu dever é cuidar e assim sobreviver, sempre ouça com atenção o que

lhe diz o coração. Neste espetáculo farei o papel de Maria Luna, esposa de Juanito.Música sobe em repique.SEVERINO Boi, em terra alheia é vaca, se não ficá esperto a vida empaca! Neste espetáculo farei o papel de

Severino, amigo de Juanito.Música sobe em repique.MAMACHA Amei e muito caminhei. Ouça bem e aprendei, quando �ver oportunidade, conte como eu contei!

Neste espetáculo farei o papel de Mamacha, a mãe de Juanito. Música sobe em repique e a Revoada começa a montar a próxima cena. EKEKO (AO PÚBLICO) Já conhecemos as personagens mais importantes, mas para compor a saga de Juanito, outras

farão parte, aqui e ali, completando o cenário!

CENA 01 – O imigrante deixa sua terra.

JUANITO está meio perdido em seus pensamentos. MÚSICA em tom de SUSPENSE, prenúncio de coisas SINISTRAS. A Revoada PASSA e TRÊS CHOLITAS CIGANAS surgem na frente de JUANITO.

32

Page 34: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

JUANITO (ASSUSTA-SE) Ah! Quem são vocês?CANTAM (uma oração de Maria Sabina – uma índia xamã mexicana)CIGANA 1 Sou a mulher que só nasci.CIGANA 2 Sou a mullher que só caí.CIGANA 3 Sou a mulher que espera.AS TRÊS JUNTAS Sou a mulher que alegra.CIGANA 1 Sou a que tece a linha da sorte.CIGANA 2 Sou a mulher que vê a vida e a morte.CIGANA 3 Sou a que corta o fio da meada.AS TRÊS JUNTAS Somos irmãs sagradas!CIGANA 1 Pedimos licença! Para ler seu futuro! Seu des�no é pobre, mas seu futuro nobre.JUANITO Ah, isso eu já sei! Que mais?CIGANA 2 Depois de muito andar, vai trabalhar sem pausa pra descansar. Não o vejo plantando batata, nem

cuidando de alpaca!CIGANA 3 O vejo trancado numa sala escura, com dedos calejados pela costura!JUANITO (INDIGNADO) Como? Dedos calejados?!CIGANA 1 Mas nem sempre será di�cil, um amor surgirá no o�cio.JUANITO (EMPOLGADO) Como? Um amor?CIGANA 2 Que lhe trará força, guarida e uma linda filha querida!JUANITO (ASSUSTADO) Sai pra lá! Cês tão ficando doidas? Sou muito novo pra ter filho, ô!CIGANA 1 O Sol poderia mandar qualquer um de seus filhos. CIGANA 2 Mexicano, cubano... CIGANA 3 Uruguaio, Colombiano...CIGANA 1 Mas escolheu você, um boliviano.JUANITO Queriam o quê? Um brasileiro, ou argen�no? Eu vou, pronto e acabou! Vou achar esse lugar, custe o

que custar. CIGANA 1 Você é...CIGANA 2 ...teimoso demais...CIGANA 3 ...pra entender. AS TRÊS JUNTAS Nós já vimos o que vai acontecer!CIGANA 1 Nessa Jornada, você vai morrer!JUANITO (NÃO DANDO OUVIDOS) Ah... Sai pra lá, com essa zica ô! Vocês tão é com inveja porque vou conhecer o

mundo, vocês não! Vão ficar aí, lendo mão! Tão querendo é me lascar com esse zóio gordo! Isso sim!

CIGANA 1 (PERDENDO A PACIÊNCIA) Cabeçudo escute! Na busca pela terra sem mal...CIGANA 2 Tome muito cuidado com Caporal...JUANITO Vocês não sabem falar uma frase inteira não?CIGANA 3 Cansei! Quer saber? (FURIOSA) Esqueça! Quem não escuta, merece tomar na cabeça!

33

Page 35: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

CIGANA 3 volta a compor a Revoada, seguida das duas irmãs.JUANITO (TOCANDO) Vai, vai ,vai! Xô! Ei! Essa mulherada fala até pelos cotovelos! Só sabem é encher a cabeça da

gente. (PENSANDO) Eu preciso é dar um rumo na minha vida, isso sim... Isso aqui não dá mais não!Da Revoada sai um HOMEM DA CIDADE e passa pelo JUANITO, deixando cair uma ETIQUETA em sua frente.JUANITO Ei. Senhor, isso aqui é seu? Deixou cair aqui...HOMEM DA CIDADE É minha sim. (PEGA A ETIQUETA) Juanito? Não se lembra de mim?JUANITO Não.HOMEM DA CIDADE Sou amigo, do compadre, do sobrinho, do irmão, do cunhado do teu pai! (BATE NO OMBRO) E

aí? Con�nua catando bosta de lhama, achando que é batata?JUANITO Sou camponês, não uma besta quadrada!HOMEM DA CIDADE (ABRAÇA JUANITO) Estou procurando pessoas que queiram mudar de vida. Ganhar dinheiro!

Conhece alguém pra trabalhar três meses e ganhar trezentos dólares por semana?JUANITO Três meses?! Trezentos Dólares?! Por semana?! (EMPOLGADO, ABRE OS BRAÇOS) Eu!!HOMEM DA CIDADE Não acredito! Você pode?JUANITO Sim! Meus pais estão em dificuldades. A crise pegou feio por aqui. Preciso trabalhar. Ajudar minha

família.HOMEM DA CIDADE Ó�mo! (PAUSA) Mas o trabalho não é aqui...JUANITO Não?HOMEM DA CIDADE Não.JUANITO É aonde?HOMEM DA CIDADE É em outro país...JUANITO Outro país... Mas eu nunca saí daqui...HOMEM DA CIDADE Deixa de ser besta! O mundo é grande e generoso, Juanito.JUANITO Onde é o trabalho?HOMEM DA CIDADE Longe. JUANITO Longe?HOMEM DA CIDADE Mas não se preocupe, tenho um amigo de um sobrinho, do primo da minha esposa lá, que vai te

receber. Lá, você vai ter moradia, comida e segurança pra trabalhar... Basta lhe mostrar essa e�queta. (MOSTRA A ETIQUETA)

JUANITO Hum... Não sei não...PAI SOL surge num lugar mais ELEVADO.PAI SOL Não temos mais como cuidar de todos vocês, meu filho. Saia pelo mundo! Saia a procura de um lugar

melhor pra viver... Vá para a Terra de Nosotros!HOMEM DA CIDADE (AO JUANITO) E então?JUANITO Aceito!HOMEM DA CIDADE (ENTREGA OS DOCUMENTOS) Tome, suas passagens e seu passaporte. JUANITO Mais já?HOMEM DA CIDADE Vai querer perder uma oportunidade dessas?JUANITO Mas nem me despedi de minha Mamacha...

34

Page 36: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

MÚSICA. HOMEM DA CIDADE entrega uma MALA ao JUANITO, a REVOADA se movimenta e ENGOLE os dois. REVOADA HUMANA Com alegria no coração,

Um dia me pus a andarTrilhando o caminho de muitos,Em Nosotros sonho chegar.Imigrante não tem des�no,Se faz o caminho ao andar. Brasileiro, peruano, argen�noÍndio, sertanejo ou andinoTodos procuram um lugarPra renascer, não tem des�no, (Repetem)Se faz o caminho ao buscar.

O RITMO da música muda. A Revoada se movimenta e torna-se os PASSAGEIROS de um TREM.REVOADA HUMANA Passo a paso, passo a paso.

Passo a paso, passo a paso.Passo a paso, passo a paso. Esperança, esperanza! (repetem)

A Revoada se torna os passageiros do TREM DA MORTE de LA PAZ para o BRASIL. Não se sabe direito o que é gente do que é porco, galinha, papagaio, vendedor ambulante, passageiro ou assaltante.EKEKO (APERTADO ENTRE OS PASSAGEIROS) A maioria dos imigrantes camponeses seguem de trem de La Paz até

Puerto Suárez, divisa com Corumbá no Mato Grosso. A viagem é tão longa que gente nasce, gente morre, gente casa e separa, gente sobe e desce. E o trem con�nua serpenteando os Andes.

UM PASSAGEIRO (GRITA) Segura que lá vem a curva!Todo mundo se inclina com a curva do trem.TODOS Ohhhhhhh!O Assalto:ASSALTANTE (MOSTRANDO UM OSSO DE FRANGO) Passa o dinheiro, madame!PASSAGEIRA Nossa Senhora de Copacabana! (OLHANDO A MÃO DO ASSALTANTE) Que é isso, um osso de frango?ASSALTANTE É dona! Osso quebrado de frango, na minha mão mata igual faca! Vai? O dinheiro! Anda!PASSAGEIRA (TENTANDO PEGAR A BOLSA NO MEIO DO APERTO) Ai... Só um minuto!A Limonada:JUANITO (A ALGUÉM) Deus do Céu! Falta muito?PASSAGEIRO (PASSANDO UMA GAIOLA COM GALINHAS POR CIMA DE SUA CABEÇA) Doze horas de viagem!JUANITO (PASSANDO MAL) Meu bucho tá revirando! Se con�nuar balançar desse jeito, vou pôr as batatas com

linguiça que comi em Santa Cruz pra fora!UM PASSAGEIRO (GRITA) Lá vem outra curva!Todo mundo se inclina com a curva do trem.TODOS Ohhhhhhh!

35

Page 37: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Volta para o Assalto:

ASSALTANTE Vamos dona!, ou furo sua garganta com o osso! PASSAGEIRA Calma moço, tá apertado aqui!OUTRO PASSAGEIRO (AVISANDO CALMAMENTE) É melhor achar logo esse dinheiro. O tempero do frango daqui é

horrível.ASSALTANTE (AMEAÇANDO COM O OSSO) Vai dona!PASSAGEIRA (TIRANDO O DINHEIRO NO SUFOCO) Pronto! Toma! Tudo que eu tenho.ASSALTANTE (PEGA O DINHEIRO E GUARDA O OSSO) Serve. UM PASSAGEIRO (GRITA) Lá vem a curva do outro lado!Todo mundo se inclina com a curva do trem.TODOS Ohhhhhhh! Volta para a limonada.JUANITO Ai... Alguém tem dramin?PASSAGEIRO Toma algo cítrico que passa...VENDEDOR Limonada! Limonada fresquinha! Limonada, jovem?JUANITO (DESESPERADO) Quero! Pelo amor de Deus!Com o trem sacolejando o vendedor enfia um SACO PLÁSTICO num balde e serve a JUANITO com um CANUDINHO, que bebe numa golada só.Volta para o Assalto:PASSAGEIRA (AO ASSALTANTE) Ei? Você não vai fugir não, é?ASSALTANTE Tá maluca? Olha o trem como tá lotado, dona?PASSAGEIRA Ah... (PAUSA) Então me empresta aquele osso de frango?Volta para a Limonada:PASSAGEIRO 2 (A JUANITO) Sabe porque chamam esse trem de “O Trem da Morte”?JUANITO (COLOCA A CABEÇA PRA FORA DA JANELA PRA TOMAR UM AR) Por causa da malária ou dessa

pirambeira da Cordilheira?PASSAGEIRO 2 Por causa da Limonada!PASSAGEIRO 3 (GRITA DO FUNDO) Uma limonada, uma cagada!UM PASSAGEIRO (GRITA) Segura que lá vem outra curva!Todo mundo se inclina com a curva do trem.TODOS Ohhhhhhh!A Revoada vai mudando sua formação e já preparando a próxima cena.REVOADA HUMANA Passo a paso, passo a paso.

Passo a paso, passo a paso.Passo a paso, passo a paso. Esperança, esperanza! (repetem)

36

Page 38: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

CENA 02 – A Oficina de Costura.MÚSICA ganha toques FOLCLÓRICOS ANDINOS. A Revoada começa a PREPARAR a próxima cena. EKEKO se destaca. EKEKO toca sua CORNETA ENSURDECEDORA.EKEKO Antes do Juanito sair vivo do Trem da Morte, vamos saltar para outro lado da história. Saber mais sobre

Maria Luna: a costureira peruana. E sobre Severino, um sertanejo, que trocou sua vida seca por outro des�no.

A Revoada monta uma oficina de costura, onde estão SEVERINO, MARIA LUNA e OUTRA COSTUREIRA andina, trabalhando em máquinas de costura.EKEKO A par�r de agora nossa história encontra duas culturas e as personagens a barreira das línguas. Mas

Severino, como bom brasileiro, “siempre” consegue dar um jei�nho.FARDOS de roupas estão entre as máquinas. SEVERINO, MARIA LUNA e as DUAS COSTUREIRAS costuram peças de roupas sem parar como numa linha de montagem. CANTAM:COSTUREIRAS En un taller de costura

Vinimos a trabajarPensando en mi �erraMe hecho a costurarLa soledad aquí es tantaQue me pongo a soñarCon la casa en que nacíCon mi familia a celebrarBuen año, plantando maízViendo a la lluvia irrigarPero la vida sorprendeY todo cambia de lugarLas lágrimas toman los ojosY me hecho a costurar

SEVERINO para de costurar, se levanta.SEVERINO (PORTUNHOL NORDESTINO) Peraí, riente! Viamo animá! Na minha �erra, la riente espianta la tris�eza

com forrió pié de la sierra! Toca aí, Revoada!Os remanescentes da Revoada se tornam um TRIO de Forró Pé de Serra e começam a TOCAR e CANTAR com SEVERINO.SEVERINO (TIRANDO PRA DANÇAR ) Vienga, Maria Luna! Vienga vier lo que és el Nordieste!MARIA LUNA Pero no se bailar!SEVERINO Arre mulé!, eso se apriende! (COMEÇAM A DANÇAR FORRÓ)SEVERINO e TRIO Quando eu era pequeno

O sol quente cas�gava no sertãoFoi lá que vi, os boi tudo morrendoLama seca abrindo vão no chão.

37

Page 39: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Quando cresci eu disse adeusNum pau de arara nasceu a esperançaMeu coração ficou num pé de serraA fome e sede ficaram na lembrança

E agora que vivo na cidadeNecessidade aqui num passo nãoA minha terra eu guardo na saudadeMeu amor eu planto nesse chão. (Repetem)

Depois de um tempo o TRIO Pé de Serra se desfaz, o CAPORAL coloca sua MÁSCARA e ESTALA seu CHICOTE. Repique DIFERENTE de TAMBORES, será sempre o ANÚNCIO da entrada do CAPORAL.CAPORAL (ESTALA SEU CHICOTE) Isso aqui é uma oficina ou um forró rega bofe?! Ganharam na loteria por acaso?

Ao trabalho!Todos voltam as suas máquinas em silêncio. CAPORAL pega os FARDOS de roupas e os entrega ao SEVERINO, como um burro de carga.CAPORAL Severino, faça essa entrega! (ESTALA O CHICOTE) Sem suas paradas fur�vas nos botecos! Vai e volta,

que temos outras encomendas pra hoje! Precisamos de mais costureiros. Se conhecer alguém, traga pra cá!

Música. A cena se desfaz e todos voltam a compor a Revoada.

CENA 03 – Chegada no Pari – Bar Casa do NorteREVOADA CANTA Pacha Mama me abraçou

Ceiucy me abençoouNosotros é a terra sem males,Tem trabalho, tem comida ano a ano,É o sonho la�no-americano. Que todos querem encontrar.Tem trabalho, tem comida ano a ano,É o sonho la�no-americano. Que todos querem encontrar. (Repetem)

Enquanto cantam, a Revoada prepara a próxima cena. De um LADO um BALCÃO delimita o BAR da CASA do NORTE, onde SEVERINO agora toma sua cachaça.EKEKO Juanito sobreviveu ao trem da morte e encarou mais vinte e três horas de ônibus até o motorista

descobrir que ele não �nha entregue a passagem na rodoviária.Do OUTRO LADO, JUANITO é jogado a pontapés com sua MALA e cara de imigrante perdido.MOTORISTA Vai passar a perna em outro otário, ô... Paraguaio!JUANITO (PEGANDO A MALA E GRITANDO DE VOLTA) Soy Boliviano!

38

Page 40: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

JUANITO anda com sua MALA meio perdido e embasbacado.ARACY Juanito veio parar no bairro do Pari. Que nasceu de uma an�ga aldeia de meus antepassados guaranis,

encravada entre os rios Tietê e Tamanduateí. Pari em tupi-guarani significa: armadilha pra pegar peixe.EKEKO Adivinha quem era o peixe do dia?No balcão do BAR da Casa do NORTE, SEVERINO ouve um FORRÓ num RADINHO DE PILHAS enquanto aprecia sua cachaça e olha o movimento.SEVERINO Conceição! Bota um esquenta peito aí, pra nóis!DONA DO BAR Tô com cara de Nossa Senhora hoje? Quem vai pagar, Severino? SEVERINO Oxê, tá me estranhando mulé? Acabei de fazer uma entrega! Fio do bigode! Bote aí, bote! (DONA DO

BAR SERVE)Outro lado da cena uma MULHER se aproxima de JUANITO.MULHER E aí, boni�nho? Tá de bobeira?JUANITO ¿Como?MULHER (MALICIOSA) Come...JUANITO No en�endo.MULHER (CHEGA MAIS) Ah... (DEVAGAR E MAIS ALTO) Mui-to-pra-zer,-meu-no-me-é-Ashi-ley!JUANITO No. No. No en�endo.MULHER (ABRAÇANDO-O E FALANDO ALTO EM SEU OUVIDO) Quer-que-eu-te-aju-de! Eu-posso-te-ajudar!

Vem-comigo-vem?! Vou-te-mostrar-a-cidade!Um POLICIAL MASCARADO se aproxima dos dois. POLICIAL Aqui de novo, Ashiley? Quer voltar pra delegacia?MULHER (SOLTANDO-O) Só tava de passagem. Ele parecia perdido e resolvi dar... uma informação.POLICIAL Sei. Como é caridosa. Cai fora...MULHER Quebra essa... Não faturei nada hoje!POLICIAL Vaza. Depois a gente conversa. Vai. MULHER vai embora, POLICIAL se aproxima do JUANITO que se mantém calado.POLICIAL (AO JUANITO) Está tudo bem com o senhor? Ela estava te incomodando?JUANITO ¿Como?POLICIAL Perguntei se está tudo bem, senhor? JUANITO Si. Todo bien.SEVERINO do BALCÃO do BAR presta mais atenção à cena do POLICIAL.POLICIAL (OLHA A MALA) O senhor veio de onde?JUANITO ¿Onde? Bolivia.POLICIAL Veio à trabalho?JUANITO Trabajo. Si.POLICIAL Me desculpe, senhor. Mas eu deveria te pedir documentos, leva-lo à delegacia ou direto para a Polícia

Federal, mas não vou fazer isso, ok?

39

Page 41: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

JUANITO (SEM ENTENDER DIREITO) Si, si. Gracias.POLICIAL Como posso ajudá-lo, senhor?JUANITO ¿Ayudar-me? Ah! (TIRA A ETIQUETA DO BOLSO) Estoy buscando por...POLICIAL Senhor, por favor... (MAIS INCISIVO) Como posso te ajudar?SEVERINO se afasta do BALCÃO e vai ver mais de perto a cena.JUANITO Entonces, (MOSTRA A ETIQUETA) estoy buscando...POLICIAL Quero te ajudar. (MAIS INCISIVO AINDA) Está me entendendo? Me ajuda a te ajudar?JUANITO (INGÊNUO E JÁ IMPACIENTE) Entonces... (MOSTRA A ETIQUETA, TAMBÉM FALA PAUSADAMENTE) Es-

toy-bus-can-do-un...SEVERINO Licença seu guarda. (AO JUANITO EM PORTUNHOL) Ele quier dinero, plata, pesos! JUANITO ¿Dinero? (TIRA DO BOLSO) Solo tengo doscientos.SEVERINO Duzentos?POLICIAL Tá bom. Serve. (AO SEVERINO) Mas avisa o seu colega pra não me dar o dinheiro aqui, não. (APONTA)

Ali, naquele quiosque. Passem por lá, me cumprimentem e deixe cair o dinheiro no canteiro florido.O POLICIAL para perto do local, SEVERINO e JUANITO dão uma volta e passam perto do canteiro e do POLICIAL.JUANITO (INGÊNUO AO POLICIAL) Muchas gracias! SEVERINO Vai. Vai... JUANITO (DEIXA CAIR O DINHEIRO DESCARADAMENTE) Nunca han asaltado tan cortésmente. Este país debe ser

bien mejor para vivir mismo!SEVERINO (IRÔNICO PARA O PÚBLICO) Ah, si! Con cierteza! (ESTENDE A MÃO) Mucho prazier, soy Severino. JUANITO (CUMPRIMENTA) Juanito.A MÚSICA do forró no BAR aumenta. SEVERINO leva JUANITO até o BAR.SEVERINO Conceição, bota duas cachaças aí pra gente!DONA DO BAR A sua conta aqui já tá estourada, Severino! SEVERINO Dívida velha eu num pago. As nova, deixo envelhecer! Quem paga hoje é meu amigo Juanito aqui. DONA DO BAR Mais um boliviano, Severino?SEVERINO Importa de onde vem a mão que pega o copo? O dinheiro num é o mesmo?DONA DO BAR Mas você não paga! Agora, esse povo aí vive sem dinheiro...SEVERINO Tá! Fala! Quanto eu devo?DONA DO BAR Menos do que eu preciso receber e muito mais do que você pretende pagar!SEVERINO Só pra saber... (BATE NO BALCÃO) Então abra uma conta aí, pro Juanito cabrito! (AO JUANITO) Estás

buscando trabajo, Juanito?JUANITO Si. (MOSTRA-LHE A ETIQUETA) DONA do BAR serve duas cachaças. SEVERINO Tranquilo, mi hermano! Te lievo a la OficinaSEVERINO entrega um copo a JUANITO. JUANITO ¿És Verdad? Muchas Gracias!

40

Page 42: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

SEVERINO (LEVENTA O COPO) Lá amizade!JUANITO En mi país: (LEVANTAM OS COPOS) ¡Arriba! ¡Abajo! ¡Al centro! ¡Adentro!! (BEBEM)JUANITO começa a tossir com a cachaça.SEVERINO (ESTALA O DEDO) Ahhh... Arre-Égua!JUANITO (TOSSINDO) ¿Que es eso?SEVERINO Agua que pasarinho no Biebe! Cachaça del qualidade suspeitosa! Conceição, enche esses copos e desce

aquela galinhada do Bahia!DONA DO BAR (ENCHENDO O COPO) Qualidade suspeitosa é o teu olho cego! Quem tá pagando essa?SEVERINO Ôxe, rapaiz! Põe na conta do Juanito!OS DOIS (LEVANTAM OS COPOS) ¡Arriba! ¡Abajo! ¡Al centro! ¡Adentro!! (BEBEM)Música. Revoada se junta novamente para formar a próxima cena.

CENA 04 – Oficina de CosturaA MÚSICA se torna RUÍDOS de MÁQUINAS DE COSTURAS. Revoada deixa MARIA LUNA e OUTRAS DUAS COSTUREIRAS trabalhando em suas máquinas.EKEKO vai até a máquina de MARIA LUNA e pega uma ETIQUETA.EKEKO (MOSTRA A ETIQUETA) Estão vendo este minúsculo objeto? Uma e�queta de roupas! Para essa e�queta chegar

até as golas e cinturas de nossas roupas, ela, às vezes, constrói uma outra história, muito diferente. Quantas mãos passaram por ela? Quem a costurou estava cansado? Com fome? Com dor? Com medo ou com raiva? (ARAUTO) Contemplem o outro lado da e�queta!

As TRÊS COSTUREIRAS trabalham, quando MARIA LUNA para de repente.MARIA LUNA No creo! Santa Rosa de Lima! La máquina quebrou novamente! No da pra trabajar así! (LEVANTA-SE)

Parem! Meninas, parem! Necesitamos pedir máquinas mejores! COSTUREIRA 1 Ah si! El Caporal vai nos dar! Si! ¿Estás loca?!COSTUREIRA 2 Severino puede concertar para usted.MARIA LUNA No! No! Vamos parar la costura ahora! Pedir mejores condiciones de trabajo! COSTUREIRA 1 ¿Estás mascando coca? Quiero también! Se no terminamos isto hoy, lo chicote cantará…MARIA LUNA Vamos parar ahora! Si todas pararmos la costura, el vai escuchar!COSTUREIRA 2 ¿Quem hablará con el? ¿Usted? MARIA LUNA Si. Hablo con el…Uma costureira olha para a outra.COSTUREIRA 2 Y dice que es su idea...COSTUREIRA 1 E que no tenemos “nada” con eso?MARIA LUNA Si. Vamos hacer una lista con todas las reclamaciones.As TRÊS se juntam e elaboram a lista.Repique de TAMBORES do CAPORAL. Anunciam sua entrada. CAPORAL (ESTALA SEU CHICOTE) Diabos! Por que no escucho las máquinas trabajando?! MARIA LUNA Mi máquina está quebrada! No podemos trabajar así! Desde seis de la mañana hasta la media noche!

(MOSTRA A LISTA) Esta es una lista de reclamaciones! Si usted no cumple, paramos lo trabajo ahora!

41

Page 43: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

CAPORAL pega a lista, olha.CAPORAL (ENCARANDO-AS) ¿Quién fue la idea? (ESTALA O CHICOTE)As outras duas apontam para MARIA LUNA.COSTUREIRAS JUNTAS Dela!MARIA LUNA (DESAFIANDO) Temos nuestros derechos!CAPORAL Si! Te voy a mostrar los derechos! Repique de tambores. CAPORAL avança sobre as MULHERES estalando seu CHICOTE como um CÃO FURIOSO, elas FOGEM, GRITOS, CHICOTADAS, CORRERIA. Até que as TRÊS são encurraladas e in�midadas pelo ESTALAR do CHICOTE. Tambores DIMINUEM.CAPORAL Todo mundo trabalha, quando estalo o chicote! O mundo se faz na marra e não permito boicote!

(ENTREGA A LISTA A MARIA LUNA) El derecho de todos ustedes... É trabalhar direito! (ESTALA O CHICOTE)

SEVERINO chega com JUANITO.SEVERINO Eita! Festa da firma?!CAPORAL Ao trabalho as três!As três voltam aos seus lugares, MARIA LUNA fica parada com a máquina enguiçada olhando para JUANITO, que também a percebe à distância.CAPORAL E aí Severino, fez a entrega?SEVERINO Claro que lógico chefia! Este cabra aqui é o Juanito! (ENTREGA A ETIQUETA AO CAPORAL) Ele tá

procurando trabalho.CAPORAL (AO JUANITO) Documentos?JUANITO lhe entrega seus DOCUMENTOS.CAPORAL Bienvenido, Juanito! Con sus documentos que van fijar una habitación y usted trabaja ahora mismo!

¿Entendes? Empieza todo los días, as seis de la mañana hasta terminar sus can�dades de piezas el día.JUANITO Si.CAPORAL Se perdido la pieza? Descuento!JUANITO Si.CAPORAL Perdido la máquina? Descuento!JUANITO Si. Si.CAPORAL Atraso en la entrega? AS TRÊS COSTUREIRAS Descuento!SEVERINO Num é muito desconto não, chefia?CAPORAL Cala a boca, Severino! (AO JUANITO) Si usted no obedece las normas, lhe entrego a la jus�cia!

¿Entendes? Será atrapado en la prisión! ¿Comprende?JUANITO Si. Si. Pero... No trabajo con costura…CAPORAL Severino, ensine esse panaca a costurar! SEVERINO Peraí, chefia! O tempo que vô insinar esse cidadão aí, vô perder as minha entrega! Insino ele hoje,

amanhã me roba a vaga! Aprendi sozinho, pastando que só bode magro. Ele que aprenda também, ué!

42

Page 44: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

MARIA LUNA Yo enseño. Pero mi máquina…CAPORAL Severino, dê um jeito na máquina da Maria. (ESTALA O CHICOTE) Vamos! (VOLTA PARA A REVOADA)SEVERINO Já tô indo, (RESMUNGA) Eita cabra aperreado da molesta! Ele me pegou num dia bom, se me pega num

dia ruim... hã!SEVERINO dá um TAPAS e uns CHACOALHOS na máquina da MARIA LUNA que volta a funcionar.SEVERINO Pronto! Juanito, viene a cá que ella vai enseniar usted la costurar! (SEVERINO TAMBÉM VOLTA PARA A

REVOADA)JUANITO Gracias. (SE APRESENTA) Juanito.MARIA LUNA Maria Luna.JUANITO Es boliviana?MARIA LUNA No, peruana.JUANITO Peruana hermosa...MARIA LUNA Presta atención a cá, sin verguenza.MÚSICA, a REVOADA avança sobre os DOIS e os ENGOLE. O grupo da Revoada toca num alvoroço se espalhando e se juntando na cena, como folhas e pássaros ao vento.

CENA 05 – A Festa da KantutaREVOADA canta num ritmo que pode ter referências na “LA MORENADA” com as Danças Populares Brasileiras como a “CATIRA” ou “SAMBA LENÇO”. No meio da Revoada vemos também a presença das MÁSCARAS de “LA DIABLADA” como LÚCIFER, ANJO GABRIEL ou NOSSA SENHORA.EKEKO Existe uma coisa que não cabe na mala, mas acompanha todo imigrante por onde for, é a lembrança de

sua terra natal. (PAUSA) O cheiro da comida feita pelas avós, aquela música tocada e cantada por nossos pais, memórias de infância e felicidade. Para aliviar a tristeza de um imigrante, basta dois dedos de prosa com outro imigrante e pronto! Tudo vira festa! (PAUSA) Viva a festa da Kantuta!

REVOADA Numa praça do PariA américa se encontraComo a flor plantada aliNasce a feira da Kantuta

A cidade abre os braçosGente chega, ninguém parteÉ na praça da KantutaOnde a tristeza se reparte.

Imigrante ou brasileiroDançam a mesma cançãoComem, bebem e celebramSua cultura e tradiçãoHoje é dia de sonharPedir ao Deus da abundânciaEkeko vai realizarNosso desejo de mudança

43

Page 45: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Numa praça do PariA américa se encontraComo a flor plantada aliNasce a feira da Kantuta

Revoada Para de cantar, mas mantém o fundo percussivo.EKEKO (SE DESTACANDO DA REVOADA) Viva a Festa das Alasitas! REVOADA Viva a Festa das Alasitas!EKEKO Hoje é dia de agradecer e pedir! É dia de oferecer sua alasita ao Deus da abundância e prosperidade! REVOADA Viva Ekeko! Deus da abundância e prosperidade!ARACY Mas o que é essa tal de Alasita, Ekeko?EKEKO Alasita quer dizer: “compre-me”, Aracy! Você abençoa uma miniatura de algo que você deseja muito e

depois oferece ao universo. A Revoada pendura seus objetos em EKEKO e o grupo gira entorno dele.REVOADA Numa praça do Pari

A américa se encontraComo a flor plantada aliNasce a feira da Kantuta

JUANITO e SEVERINO se destacam da Revoada.SEVERINO Cabrito, como �ene imigrante a cá? Eso pariece otro país!JUANITO Es un pedaço de nuestra �erra a cá. Maria Luna me trajo aqui. (OFERECE UM COPO DE CHICHA) No es

cachaça, pero “esquenta peito”! SEVERINO Ôxe, que é isso? Caipirinha?JUANITO Es San Pedro, es bueno! ¿Vamos? (LEVANTAM OS COPOS) ¡Arriba! ¡Abajo! ¡Al centro! ¡Adentro!!

(BEBEM)SEVERINO Bueno! Bueno! Mucho bueno, Juanito!JUANITO Las enpanadas san tan bueno como galinhada do Bahia!SEVERINO E Maria Luna? Jiá tan no xamiego?JUANITO ¿Como?SEVERINO Xamiego... (FAZ O GESTO) Agarrón! JUANITO No. Maria Luna es para enamorarse…SEVERINO Yo soy su amigo! Maria Luna no…(MALICIOSO) hã?JUANITO Tiene mucho trabajo. No �ene �empo… Caporal no es fácil.SEVERINO Con Caporal es só mostrar que es macho, cabrón!JUANITO Como usted? Que hace todo lo que quieres?SEVERINO (ESTUFA O PEITO) Soy mucho macho! Pero no soy “risca faca”… Soy un macho modierno!JUANITO ¿Cómo eso?SEVERINO Es un macho meio frouxo… Consigo las cosas sobreviviendo. Siempre digo: Boi, en �erra alheia es viaca,

se no quedar espierto la vida empiaca!

44

Page 46: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

MÚSICA sobe. Revoada toma a cena dançando.REVOADA CANTA: A cidade abre os braços

Gente chega, ninguém parteÉ na praça da KantutaOnde a tristeza se reparte. (Repetem)

A Revoada vem e leva SEVERINO deixando MARIA LUNA com JUANITO, segura uma garrafa de CHICHA e serve MARIA LUNA.JUANITO ¿Quieres beber conmigo, Maria?MARIA LUNA (DANDO UM GELO) No sé. Camina solo con Severino ahora…JUANITO (OFERECE UM COPO) Por favor... Maria.MARIA aceita um copo. JUANITO serve.MARIA LUNA Estas gostando da fiesta?Os dois BEBEM a CHICHA.JUANITO Mucho! Me sen� muy lejo de mi �erra, de comida, chicha… de Mamacha.MARIA LUNA A cá los brasileños llamam eso de “saudade”.JUANITO Saudade. (ENCHE NOVAMENTE O COPO DE MARIA) MARIA LUNA No! Quieres mariarme?JUANITO No! (MEIO ALTO) Quiero quedarme con�go! MÚSICA sobe Revoada vem e LEVA JUANITO deixando EKEKO e MARIA LUNA.REVOADA CANTA: Viva a festa das Alasitas! Hoje é dia de sonhar

Pedir ao Deus da abundânciaEkeko vai realizarNosso desejo de mudança (Repetem)

MARIA LUNA A cada año esperamos que se cumpram nuestros pedidos, Ekeko! Ese es mi pedido. EKEKO (COM MÁ VONTADE) Mas o que você quer? Outra máquina de costura? Já não tem uma?MARIA LUNA Não é para mim. É para Juanito. (OFERECE A MINIATURA DE UM CRIANÇA) É uma filha.EKEKO Acho que não vai dar, Maria... Não recebo esse �po de pedido. Quer que eu encaminhe a São Judas?

(DANDO UMA DESCULPA E DEVOLVE A MINIATURA) E depois a alasita precisa ser benzida por um xamã tradicional... Pra centelha divina levar o pedido ao universo.

MARIA LUNA baixa a cabeça sem saber o que dizer. ARACY (SAI DA REVOADA) Eu benzo ué? Sou benzedeira...EKEKO (PARA ARACY) Não inventa, Aracy... (TOCA) Sai! Ela tá pedindo um bebê!ARACY vai até a MARIA LUNA com um RAMO DE ERVAS e folhagens.ARACY Se o problema é uma benzedeira tradicional, tô aqui, ué? Vamo deixar a pobrezinha sem fazer seu

pedido?MARIA LUNA olha para EKEKO.

45

Page 47: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

EKEKO (OLHA PRA MARIA E AMOLECE) Tá! Tá! Tá bom. ARACY A lua que por aqui passou

O desejo de Maria Luna levouA lua que por aqui voltar a passarO Desejo de Maria Luna há de realizarPor Ceiucy, Jurupari e por todo o povo guarani!

EKEKO (INDIGNADO) Essa é sua benção? ARACY É! A centelha divina vai chegar ao universo, garanto! A palavra tem força! O céu ouve tudo que dizemos!MARIA LUNA Entonces, poso hacer mas un pedido, también para mi?EKEKO Faça! Já estamos quebrando todos os protocolos!MARIA LUNA Quiero casarme con Juanito…ARACY (TIRANDO UMA IMAGEM DE SANTO ANTÔNIO PENDURADA AO CORPO) Toma! Isso é com Santo Antônio do

Pari. O Santo casamenteiro. Bota ele de cabeça pra baixo e pede com convicção que ele atende!MARIA LUNA ¡Gracias! Muy agradecida! (VOLTA PRA REVOADA) EKEKO Ué? Não é você que traz o amado de volta em três dias? A mulher faz o pedido e você passa pra outro?ARACY Trago de volta! Não disse que arrumava um novo! Não prometo nada que não posso cumprir, diferente

de você né, Ekeko?EKEKO Não é que não cumpro, é que tem gente que não pede direito, ué!ARACY Sei.MÚSICA sobe. A Revoada se agita. Um grupo de MASCARADOS tomam a CENA. O ritmo da música MUDA e o grupo de MASCARADOS faz uma PANTOMIMA sobre o LEILÃO DO TRABALHO enquanto CANTAM:MASCARADOS O dono da loja / Na encomenda

Passa à Oficina / Dez mil peçasE o indeciso / Nem comentaÉ trinta a peça! / Abre um sorrisoE aceita a oferta / E terceiriza.

Dia seguinte / Na oficinaO tempo é curto / Cinco mil peçasTrabalho é muito / Vê se agilizaRepassa a outro / É dez a peça!Alguém aceita / E quarteiriza

No outro dia / O que é que sobra?Mão de obra / Sem oficinaA fome cobra / Não economizaLeilão na praça / É três a peça!Quem faz por menos/ Quinteiriza

O costureiro / Atravessa a noitePra entregar tudo / antes da auroraCaminho inverso / Por três a peça!Quem ganha cem! / É o dono da loja.

46

Page 48: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

O grupo de MASCARADOS voltam a fazer parte da Revoada.

CENA 06 – A Família Aumenta na OficinaEKEKO e ARACY se destacam da Revoada.EKEKO Ah... O Tempo! O tempo passa bem diante de nós! ARACY O impulso da vida antecipa os passos!EKEKO Avancemos na história. Juanito e Maria Luna não chegaram a se casar, apenas juntaram suas linhas e

agulhas!ARACY E passaram a dividir o mesmo colchão, no mesmo cubículo, dentro da oficina.A Revoada prepara a cena de JUANITO e MARIA LUNA num lugar mais ELEVADO. EKEKO toca sua CORNETA ENSURDECEDORA, acordando o casal no colchão.JUANITO (ASSUSTADO A EKEKO) Va tocar esa corneta en los oídos de su madre!MARIA LUNA Que horas son, Juanito?JUANITO Antes de las seis. (JUANITO TENTA ABRAÇÁ-LA)MARIA LUNA Para Juanito!JUANITO (TENTA ABRAÇÁ-LA DE NOVO TODO CARINHOSO) Vem Maria, so mas un poco. Vamos...MARIA LUNA No! Tengo que começar mas cedo la costura hoy.JUANITO puxa MARIA LUNA para o colchão.MARIA LUNA Para Juanito! No! Ya dice! Vamos trabajar!JUANITO Por que? Ainda no son seis da mañana?MARIA LUNA Por que estoy embarazada!Tempo.JUANITO Um hijo? MARIA LUNA Si. Tempo.JUANITO ¿Cómo vamos hacer, Maria?MARIA LUNA Para quê?JUANITO Es mas una boca para comer, Maria. Estamos devendo a Caporal... Luz, água, comida, todo...MARIA LUNA Pegamos mas costuras. Trabajamos la noche. Juntamos dinero.JUANITO Estamos sin documentos… MARIA LUNA Nuestro hijo vai ter documentos.JUANITO No temos condiciones... No temos espacio suficiente para nós dos.MARIA LUNA Juntamos mas o colchón.JUANITO Y trabajamos como? Con bebé en la máquina?MARIA LUNA No me quedé gravida sola, Juanito!JUANITO No. (JUANITO VAI EM DIREÇÃO A REVOADA)MARIA LUNA Donde vai?JUANITO Mamacha pediria para rezar... Entonces rezaré.

47

Page 49: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

JUANITO volta a fazer parte da Revoada que vem e ENGOLE MARIA LUNA.REVOADA CANTA: A cidade abre os braços

A uma mãe desamparadaQue perdeu tudo na vidaSó lhe restando a Revoada. (Repetem)A cidade abre os braços.A cidade...

CENA 07 – Uma Mãe Busca o FilhoA Revoada passa e deixa MAMACHA deitada num banco de praça, RONCANDO. O mesmo POLICIAL MASCARADO se aproxima da MAMACHA.POLICIAL (CUTUCANDO-A) Ei, senhora?Nada. MAMACHA Ronca.POLICIAL (CUTUCANDO-A DE NOVO) Aqui não é lugar pra dormir, senhora.MAMACHA (ACORDA) Ah! Policia... POLICIAL Está tudo bem com a senhora? MAMACHA Si. Todo bien.POLICIAL (OLHA COMO ESTÁ VESTIDA) O senhora veio de onde?MAMACHA ¿Onde? Bolivia.POLICIAL Veio à trabalho?MAMACHA No. Vine buscar...POLICIAL Me desculpe, senhora. Mas eu deveria te pedir documentos, leva-la à delegacia ou direto para a Polícia

Federal, mas não vou fazer isso, ok?MAMACHA (SEM ENTENDER DIREITO) Si, si. Gracias.POLICIAL Como posso ajudá-la, senhora?MAMACHA ¿Ayudar-me? Ah! (MOSTRA UM RETRATO DO JUANITO) Estoy buscando por...POLICIAL Senhora, por favor... (MAIS INCISIVO) Como posso te ajudar?MAMACHA Entonces, (MOSTRA O RETRATO) estoy buscando...POLICIAL Quero te ajudar. (MAIS INCISIVO AINDA) Está me entendendo? Me ajuda a te ajudar?MAMACHA (INGÊNUA E JÁ IMPACIENTE) Entonces... (MOSTRA O RETRATO, TAMBÉM FALA PAUSADAMENTE) Es-

toy-bus-can-do-mi-hijo...POLICIAL Não entende? Senhora! (A SEGURA PELO OMBRO) Pra delegacia!MAMACHA o SURPREENDE com um GOLPE de LUTA LIVRE derrubando-o no chão. Como as famosas CHOLITAS LUTADORAS da Bolívia.O POLICIAL levanta meio atordoado e tenta agarrá-la novamente e ela lhe aplica outro GOLPE derrubando-o do outro lado.A pancadaria de MAMACHA com o POLICIAL corre solta até EKEKO tocar sua CORNETA ENSURDECEDORA. EKEKO levanta o braço de MAMACHA indicando a vencedora e o POLICIAL sai cambaleando de cena.

48

Page 50: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

EKEKO Uma verdadeira Cholita Lutadora, Mamacha andina!MAMACHA Una mujer sola necessita saber defenderse a si mismo em lo Trem de la vida! ARACY O que faz aqui, Mamacha? Sua história terminou lá trás!MAMACHA No. Vine buscar mi hijo, Juanito!ARACY Então vem com a gente para revoada!EKEKO Não Aracy! A história dela já ficou pra trás! História boa só anda pra frente!MAMACHA (QUEBRA PARA O PÚBLICO) O marido de Mamacha morreu, seus filhos desapareceram no mundo.

Mas sua história ainda não terminou! Ela quer encontrar seu filho Juanito!ARACY Olha aí, Ekeko! A revoada não é para pessoas que querem sobreviver a qualquer custo?MAMACHA Juanito necesita de mi. Hoy vivo la memoria de lo que fue mi familia. No tengo nada mas. Por favor,

Ekeko...EKEKO (IRRITADO) Tô vendo que não mando em mais nada aqui! Vamos! Vamos!MÚSICA. A Revoada se forma e os TRÊS entram nela. EKEKO (DE DENTRO DA REVOADA) A história segue!REVOADA E o tempo avança!ARACY (DE DENTRO DA REVOADA) Tirando as diferenças!REVOADA Só resta a semelhança!Depois de um giro a Revoada deixa JUANITO e SEVERINO e a DONA DO BAR no Balcão do Bar.

CENA 08 – Bar da casa do NorteSEVERINO Conceição! Desce um sarapatel pra impurrá esse rabo de galo!DONA DO BAR Tá! Mas quem tá pagando?SEVERINO Hoje é o Juanito! Mi cabrito!DONA DO BAR Hoje Severino? Toma vergonha nessa cara, rapaiz! SEVERINO Pois então serve aí, que eu tomo!DONA DO BAR Qualquer hora te acerto uma nas venta! Caloteiro!DONA DO BAR sai.JUANITO No gostou do ceviche da Kantuta?SEVERINO Gostei, mas o peixe tava cru, Juanito! Você vai vier lo sarapatel da Conceiçión! Levianta até defiunto!OS DOIS (LEVANTAM OS COPOS) ¡Arriba! ¡Abajo! ¡Al centro! ¡Adentro!! (BEBEM)SEVERINO Tá preparado pra ser papito?JUANITO No. Vine aqui buscando uma vida mejor e saliu todo errado. Só trabajo, trabajo, trabajo... e ahora um

hijo.SEVERINO Quando vim do nordieste foi a mesma coisa! Viajei de “piau-de-la-arara” dois dias! Deixei casa, mulher,

filho, tudo pra trás! Trabalhei em construción de pedreiro! Tomei uns corno! Larguei tudo e virei costureiro! Casei de novio e tô aqui! Uste vai ter uno! Yo tengo siete hijos!

SEVERINO pega a garrafa e enche os copos.JUANITO Pero costurero no és corno!

49

Page 51: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

SEVERINO Juanito, no esquienta. Sozinho nessa vida no somos nada! Nem corno! (LEVANTA SEU COPO) Aos hijos! OS DOIS ¡Arriba! ¡Abajo! ¡Al centro! ¡Adentro!! (BEBEM)JUANITO És duro trabajar pro Caporal! No começo no tava bom. Mas trabajava, despois ficou ruim, mas ahora tá

ruim mesmo. Com Maria assim, desse jeito to achando qué va piorar de vez! Só pienso ir embora daqui. (PAUSA. PAPO DE BÊBADO) Obrigado Severino. (PAUSA) Conversar alivia los problemas.

SEVERINO Eh... Tudo vai dar cierto, Juanito! No és fácil pra ninguém. Um dia vou sair dessa vida de costura, você vai ver! E levo usted e a Maria. Monto minha oficina, coloco usted de gerente, Maria costurando e vou morar en la plaia grande!

JUANITO (JÁ MEIO ALTO, LEVANTA O COPO) A su oficina!SEVERINO A nuestra Oficina!OS DOIS (LEVANTAM OS COPOS) ¡Arriba! ¡Abajo! ¡Al centro! ¡Adentro!! (BEBEM)Repique de TAMBORES do CAPORAL que se aproxima dos dois ESTALANDO seu CHICOTE. Música num ritmo TENSO de enfrentamento.CAPORAL Eu com entregas pra terminar e os dois aqui enchendo o rabo às minhas custas?!SEVERINO Peraí, chefia! A gente tava costurando até agora, saímos faz cinco minutos!CAPORAL ESTALA o CHICOTE para SEVERINO que se afasta.JUANITO Esse chicote no me assusta, Caporal! Quiero mis documentos e os da Maria también!CAPORAL (AMEAÇANDO COM O CHICOTE) Que história é essa? Encheu a cara e tá valente, Juanito?!JUANITO (ENFRENTANDO) Quiero mis documentos! Se no voy a la policia!CAPORAL Vai a policía! Vai! (SE APROXIMA DE JUANITO) Vai que te denuncio como falsificador de e�queta! De

explorador de trabalho escravo! Te acuso de estuprar minhas funcionárias! Um estrangeiro pobre como você não sai nunca mais da cadeia! Vai! (ESTALA O CHICOTE)

SEVERINO intervém e puxa JUANITO da frente do CAPORAL.SEVERINO (ABRAÇANDO JUANITO) Ele misturou cachaça com sarapatel da Conceição, Caporal! Bateu muito

forte! Vai passar! Pode deixar que eu cuido dele!CAPORAL só olha SEVERINO e JUANITO de cima e ESTALA SEU CHICOTE.SEVERINO leva JUANITO de volta para a REVOADA, o tom da MÚSICA MUDA e a Revoada prepara a próxima cena.

CENA 09 – A Filha da ImigraçãoREVOADA CANTA: Uma vida a se inventar

Um ventre a crescerUma mãe a procurarUm filho a amadurecerSem poder se prepararO novo pede pra nascer

Uma vida a se inventarUm ventre a crescer

50

Page 52: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

Revoada deixa JUANITO, SEVERINO e MARIA LUNA (BARRIGUDA) TRABALHANDO nas máquinas de costura.EKEKO Juanito e Maria Luna passaram a trabalhar mais, pegando encomendas além do trabalho na oficina.ARACY Além de pagar as dívidas, juntavam dinheiro para o parto, que nestas condições não escolhe dia nem

hora.MARIA LUNA (SENTE UMA CONTRAÇÃO) Ai! Juanito! Acho que llegou ahora!SEVERINO Vixe Maria! O rebento fez zuada aí!JUANITO Calma, Maria... Precisamos terminar esa costura.MARIA LUNA SENTE outra CONTRAÇÃO. MARIA LUNA Ahora, Juanito! Va a naceeeeerrr! SEVERINO e JUANITO acodem MARIA.SEVERINO Lascou a cabaça de vez! Precisamo levá Maria pro hospital!Repique de TAMBORES do CAPORAL num ritmo de TENSÃO.CAPORAL (ESTALA SEU CHICOTE) Nada de hospital! Ninguém sai daqui!JUANITO Ela necesita de um médico!MARIA LUNA Ahhhh... Eso dói!CAPORAL Nada de médico! Severino tem sete filhos, ele faz o parto!SEVERINO Sé besta! Quer matar a moça, Caporal! Só sei como se plantar a semente, não sei colher o fruto não!MARIA LUNA Juanito!JUANITO Caporal!CAPORAL ESTALA seu CHICOTE.Da Revoada sai ARACY.ARACY (GRITA) Eu trago sua filha pro mundo Maria Luna!EKEKO Chega de interferir na história Aracy! Deixa os fatos correrem como tem que ser...ARACY Sou parteira e não se nega assistência a quem precisa nascer!MARIA LUNA Vem logo, Aracy! Ahhhhh...MÚSICA muda o TOM. ARACY vai até MARIA LUNA com o BARRIGÃO. A Revoada SE FORMA com todos os PERSONAGENS em redor de MARIA LUNA, OCULTANDO-A num biombo humano.REVOADA CANTA: Quando se corta a raiz

E a flor sai pelo mundoA terra não sai da menteE a memória cava fundo

Sem pai, nem mãeSem lugar, nem parenteÉ a solidão que nos uniO tempo é rei e segue em frente

ARACY Força Maria Luna! Força e deixa vir!

51

Page 53: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

REVOADA CANTA: Mas toda flor deixa sementeE a semente depois germinaMaria Luna e JuanitoDeram à luz uma menina

ARACY LEVANTA os braços na Revoada ERGUENDO o BEBÊ de MARIA LUNA e JUANITO.ARACY A vida sempre renasce!REVOADA CANTA: Orfãos de sua terra

A filha nasceu assimComo quem vai anunciarSeu novo pai JuanitoUma vontade de mudar

MÚSICA con�nua. JUANITO e MARIA LUNA se destacam da Revoada carregando o bebê nos braços.MARIA LUNA Mira Juanito, mira! Nossa hija! Ahora podemos ficar aqui, nossa hija es nosso futuro nessa terra!JUANITO Queria que mi Mamacha a visse!MÚSICA para. CAPORAL sai da Revoada com pacotes de tecidos e JOGA aos pés de JUANITO.CAPORAL Felicitaciones! (JOGA OS PACOTES) Podem começar a trabajar para alimentar mas uma boca!MÚSICA, Revoada PASSA e leva os PERSONAGENS.

CENA 10 – Reencontro da Mãe com o Filho.Enquanto a REVOADA toca pela cena, EKEKO e ARACY se descatam novamente e TOCA sua CORNETA ENSURDECEDORA.EKEKO O mundo é grande e os caminhos muitos. A vida é breve e o fogo é quente!ARACY Das veis queremo fugi da família, mas a família não foge da gente!MARIA LUNA e JUANITO se destacam da Revoada. MARIA LUNA está com o BEBÊ no colo.EKEKO Mamacha e Juanito se encontraram... lá na Kantuta!MAMACHA também se destaca da Revoada.JUANITO Mamacha?MAMACHA (ABRAÇA E BEIJA EXAGERADAMENTE JUANITO) Juanito! Querido hijo! Dar um abrazo a su madrecita!

(APALPA OS BRAÇOS) No estás comendo bien, hijo!JUANITO No, madre. No es...MAMACHA Estás muy pálido, Juanito! ¿Que haces a cá?JUANITO ¿Y mi padre, donde está?MAMACHA (QUASE CHORAMINGANDO) Muerto, hijo.JUANITO (ABRAÇA A MÃE) Oh… Mamacha... ¿Como murió mi padre?MAMACHA (QUASE CHORANDO) Rolando barranco abajo como mierda seca…JUANITO Y nuestra �erra?MAMACHA No hay más �erra, no hay nada más.JUANITO ¿Cómo no hay nada más?

52

Page 54: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

MAMACHA (INCONFORMADA) Su padre vendió todo!JUANITO ¿Cómo madre?MAMACHA (FURIOSA) Me dijo en cuanto (GESTO) caía barranco abajo, como mierda que lo es!MARIA LUNA pigarreia para ser notada.JUANITO Mamacha! Esa es Maria Luna, mi mujer e nuestra hija.MAMACHA ¿Cómo? JUANITO Mi mujer…MAMACHA És boliviana?MARIA LUNA No. Soy peruana, Mama.MAMACHA começa a dar TAPAS em JUANITO, furiosa.MAMACHA Usted se casa a cá sin decirme nada! JUANITO Ai! Mamacha! Ai! Mamacha!MAMACHA Sin verguenza! Una peruana!!MARIA LUNA Por qué? Hay problema que ser peruana?MAMACHA Problema algún… No. Estamos divididas por el gran lago Ti�caca. Yo vivo en lado “��” e ustedes en lado

“caca”!JUANITO Mama, por favor...MARIA LUNA (DANDO O TROCO) No! Te equivocas! Quiero decir que yo vivo en el lado “��” e ustedes en lado “caca”!MAMACHA ¿Cómo? (AO FILHO) Juanito!!JUANITO (ALTO) Por favor! (ACALMA-SE) Mamacita... Maria Luna... MARIA LUNA Sólo faltaba esto! Una suegra!MAMACHA (DEVOLVENDO) És porque usted no �ene una nora!JUANITO pega o bebê do colo da MARIA LUNA e mostra a MAMACHA.MAMACHA (AVÓ BABONA) Que bebê más bela... (MAMACHA PEGA NO COLO) Veni com aboela... No parece que

nasció en lado “caca”!MARIA LUNA Juanito!JUANITO Mamacha!MAMACHA Vamos a su casa, Juanito! Vamos!JUANITO Mi casa?MARIA LUNA (IRÔNICA) Si! Vamos para su casa, Juanito, levar a mamacha!MÚSICA, a Revoada vem juntando as PERSONAGENS e preparando a próxima cena.REVOADA CANTA: A vida seguiu seu curso

A família, agora aumentouA mãe encontrou o filhoSão mais bocas pra dividir o milhoE o trabalho?, mais que dobrou

53

Page 55: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

A urgência dita o custoA dívida cresce, lhe sobram os trocos.São três mil peças feitas por diaPachamama é quem cuida da criaJuanito volta pensar em Nosotros.

CENA 11 – Oficina de CosturaRevoada deixa JUANITO, MARIA LUNA e MAMACHA mais afastada num BANQUINHO. JUANITO COCHILA e acaba DORMINDO sobre a máquina. MARIA LUNA con�nua costurando. MAMACHA RONCA de BOCA ABERTA com o BEBÊ embalado em sua KEPINA colorida nas costas, a MESMA que carregava JUANITO.BARULHO da máquina de costura de MARIA LUNA. Tempo.Repique de TAMBORES do CAPORAL. Ele sai da Revoada e vem pra cena. CAPORAL ESTALA seu CHICOTE e acorda JUANITO, MAMACHA engole o RONCO mas logo volta a RONCAR.CAPORAL Juanito! Está dormindo na máquina?JUANITO (RAPIDAMENTE GIRA A CABEÇA E FINGE ESTAR COLOCANDO LINHA NA AGULHA DA MÁQUINA) No!

Tô mudando a linha da máquina, chefia!CAPORAL Cadê a quinhentas peças prontas? São oito horas, prome� entregar às nove!JUANITO lhe entrega uma PILHA DE ROUPAS AMARRADAS e ETIQUETADAS.JUANITO Pronto! Quinhentas! Costuramos la noite toda... O senhor no vai perder o prazo.CAPORAL vai checar a qualidade da costura.CAPORAL O que é isso? (PUXA ALGUMAS PEÇAS) Olha essas costuras? Tortas! Fora do padrão!MARIA LUNA Trabajamos mucho! Mucha coisa para costurar. Uma o outra no ficou muy buena... Mas estan todas aí...CAPORAL (A JUANITO) Sua mulher fala por você agora?RONCO de MAMACHA.JUANITO Maria tem todo derecho de hablar! Trabajamos muito! Juntos! Estan tudo aí.CAPORAL Quer que eu entregue isto, Juanito? Te dou casa, comida, trabalho pra você, sua esposa, alimento sua

filha e agora esse barril roncador! (RONCO DE MAMACHA) e você me entrega isso? Acha que os donos das e�quetas vão aceitar peças costuradas desse jeito?

JUANITO O tempo foe mucho curto! No dá pra fazer.CAPORAL Os donos das e�quetas não vão ficar sa�sfeitos com isso!JUANITO (MUDANDO O TOM) Pois então diles, que a gente também no tá sa�sfeito, nem con los prazos e

mucho menos o pagamento!CAPORAL (ESTALA SEU CHICOTE, AMEAÇANDO) Vocês vão refazer todo o trabalho! E vão pagar também pelo

tecido e linha que estragaram! (SAI ESTALANDO SEU CHICOTE) Pensam que não sei que os dois estão pegando costuras por fora? A par�r de agora vocês me pagam também pelo uso das máquinas!

CAPORAL ESTALA seu chicote bem próximo de MAMACHA que a acorda.MAMACHA (ASSUSTADA) Dios mio! Santa madre! (AO CAPORAL) Hay una criança dormindo, mierda!

54

Page 56: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

CAPORAL volta para a Revoada. Revoada canta como um coro guiando a ação.REVOADA CANTA: Uma dose de valen�a

Derramou a insa�sfação.A raiva mudou a noite em diaSeu brio, guiou sua razão.

MARIA LUNA Qué há com usted? Ahora temos uma hija!JUANITO Por nossa hija, Maria! Cansei de ver mi família trancada numa oficina. Trabajando dia e noche!

Dormindo no mesmo conchón! No ter dinero, documento, nada! Con�nuar devendo ao Caporal.MARIA LUNA Mas estamos trabajando, Juanito. Melhor que no ter trabajo!MAMACHA Vamos para Nosotros, Juanito!MARIA LUNA No, Mamacha!MAMACHA Quien decide es juanito, no usted!JUANITO Mamacha!MARINA LUNA Pra senhora es fácil! Só ronca o dia todo!JUANITO Maria!MAMACHA Y usted qué sólo reclama todo el día!JUANITO Mamacha! Maria! Por favor! (PAUSA) yá tomei una decisão. Voy pegar nossos documentos e vamos

embora!MARIA LUNA ¿Como? O que vai hacer, Juanito?

CENA 12 – A Morte de Juanito.MÚSICA.REVOADA CANTA: Duas doses de valen�a,

E Juanito levantou sua mão.A vontade mudou a noite em diaA coragem lhe serviu de chão.

SEVERINO (TENTANDO FAZÊ-LO ENTENDER) Juanito, a Maria tem toda a razión, cabrito. Nosso sistema de trabajo é assim miesmo! Um dia se ganha pouco, outro se ganha mienos ainda! En�endes?

CAPORAL (SE APROXIMA) Onde estão as quinhentas peças novas?JUANITO (MOSTRA O PACOTE DE PEÇAS) Estan a cá! Donde estan mis documentos e de mi esposa?SEVERINO (CHAMANDO LHE A ATENÇÃO) Ôh... Juanito! Ei! Piega mas lieve! (CAPORAL ESTALA O CHICOTE E

OLHA, SEVERINO SE AFASTA)CAPORAL (RINDO) Com tudo que vocês dois me devem? (CAPORAL PEGA O PACOTE DE PEÇAS, SE FAZENDO DE

VÍTIMA) JUANITO Chega de desculpas! Me dê os documentos! Pode quedar con el dinero das costuras... Ninguém aqui tá

sa�sfeito, no é Severino?SEVERINO (SE AFASTA MAIS) Arre-égua! Soy un sobreviviente!JUANITO Vou con mi esposa, madre e hija pra outro lugar!

55

Page 57: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

CAPORAL Con�nua teimoso, Juanito! (ESTALA SEU CHICOTE, MAS JUANITO NÃO SE AFASTA) Você não vai sair daqui porque me deve! Não vou devolver seus documentos, porque me deve! Se tentar sair daqui te boto na cadeia, entendeu bem!

CAPORAL ENCARA JUANITO que não recua, mas não diz mais nada. SEVERINO con�nua com cara de assustado e não se mete.JUANITO No vai decir nada, Severino?SEVERINO No... Já sei donde isso vai diar! Tiome cuidado, cabrito amigo!Sons de TAMBORES. A Revoada vem e ENGOLE o CAPORAL e SEVERINO. A revoada se torna um grupo que canta em tom de PROTESTO. JUANITO sobe num lugar mais ELEVADO. Como o líder da manifestação.REVOADA CANTA: Três doses de valen�a,

Acabou a resignação.Não trabalhamos nem mais um diaAté mudarmos a situação. (Repetem)

JUANITO (PARA A REVOADA) Nos trabajamos! Ninguém nos obrigou a vir a cá! Viemos a cá para trabajar! Pero también queremos hacer el trabajo justo! No somos las sobras! No somos las sobras! Somos trabajadores!

ALGUÉM DA REVOADA: Pero si exigimos tanto, estamos fuera del trabajo!Burburinho na REVOADA.JUANITO Só queremos lo que es nosso! Caporal deve devolver nossos documentos! Nos dejar livres para trabajar

en outro lugar!SEVERINO Pero no podiemos ir en cuentra el caporal, cabrito!MARIA LUNA Pare con eso, Juanito! Estoy pedindo! Por favor! MAMACHA Vamos para nosotros, Juanito! Vamos!JUANITO Todos juntos! Se puede! Todos podemos ir a Nosotros! Vamos a Nosotros! (ERGUE O BRAÇO E GRITA)

Vamos a Nosotros?!REVOADA GRITA: Vamos a Nosotros!Sons de percussão retomam a ba�da do início.REVOADA CANTA: Larguei a tristeza no chão,

E levantei o pó da estrada.Carrego na mala o coração,Sonhando sempre a chegada.

A festa é interrompida por UM ESTALAR DE CHICOTE. Correria. CAPORAL surge acompanhado da POLÍCIA. CAPORAL (GRITA) Onde está o Juanito?! (AO PÚBLICO) Tragam ele até aqui! (GRITA) Juanito! Peguem o Juanito!JUANITO desce do ELEVADO. TAMBORES em tom se SUSPENSE e TENSÃO.JUANITO Estoy aqui, Caporal! CAPORAL (ESTALA SEU CHICOTE NO CHÃO) Esse estrangeiro se faz de coitado, mas é arruaceiro, bebum e ladrão!

É um bandido violento! Vem pra cá pra roubar o que é nosso! A gente quer ajudar, mas adianta ajudar preguiçoso, sem vergonha? Mandar ele de volta é pouco! Precisa é de cadeia!

56

Page 58: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

JUANITO vai até a Revoada e ALGUÉM lhe entrega um CHICOTE. JUANITO também ESTALA seu CHICOTE. TAMBORES aumentam de intensidade e mudam o RITMO mais agressivo (Hip-Hop talvez).JUANITO Tengo toda a revoada comigo!Os dois ESTALAM seus CHICOTES e o duelo começa:JUANITO CANTA: Para trás aberração,REVOADA CANTA: Queremos os documentos!JUANITO Acabou a exploração,REVOADA É o fim do aliciamento!JUANITO Eu daqui só saio morto,REVOADA E você no julgamento!JUANITO ESTALA seu CHICOTE.CAPORAL Pensa que é esperto,

Sabe tudo do esquema Meia dúzia de palavras, Resolve qualquer problemaO buraco é mais embaixo, Faço parte do sistemaVocê sai morto sim, Mas eu? nem vejo algema!

AGORA CAPORAL ESTALA seu CHICOTE e os dois MUDAM de lado.JUANITO Acha que eu sou fraco,

Coitadinho impotente?Levanto por meu irmãos, Por minha filha aqui presente.Enfrento Lúcifer, Caporal, Qualquer um que venha à frente. Pertenço à Revoada, Pois essa é minha gente!

Os dois voltam as ESTALAR seus CHICOTES numa coreografia de rivalidade.CAPORAL Pois caia na real, Juanito!

Você servirá de exemplo.Imigrante clandes�no aqui, Trabalha que nem jumento.Ninguém quer pagar imposto, Todos querem é ser isento!

JUANITO Diga adeus a seu reinado, a Revoada tá comigo!CAPORAL Seu levante tá acabado, o mercado tá comigo!

57

Page 59: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

O POLICIAL MASCARADO chega por trás e toma o CHICOTE DO JUANITO. CAPORAL AGARRA JUANITO e TODA A REVOADA se amontoa em cima dos dois, GRITARIA. SONS de TAMBORES aumentam e ninguém vê nada. O Alvoroço cresce até parar tudo. Silêncio. Ba�da Fúnebre do Tambor.REVOADA CANTA: Não há mais o que fazer

Além de remediar a solidão.Juanito resis�u, pagou pra ver.Dizem que morreu, lá na prisão.

EPÍLOGO: O RenascimentoEKEKO (TOCA SUA CORNETA ENSURDECEDORA) Como a vida não dá conta do sonho, para concluir a saga de Juanito,

deixaremos o plano real, para transitar no plano mí�co ancestral!SONS DE TAMBORES e a Revoada prepara a úl�ma cena. CANTA em ritmo Fes�vo:REVOADA Desejo sonho e poesia

Aos que costuram nas oficinas Aos cidadãos inexistentes Aos que morrem um pouco por dia Aos que trabalham exaus�vamente Aos que renascem da alegria

Desejo sonho e poesia Aos que acordam antes do solAos que procuram qualquer trabalho Aos que não tem uma moradia Aos que aceitam qualquer salário E ainda sorri no final do dia.

CAPORAL, MAMACHA, MARIA LUNA se destacam da Revoada.MAMACHA Sou a mãe que cuida.MARIA LUNA Sou a mulher que espera.AS DUAS Somos mulheres de vida e de morte!MAMACHA se aproxima do CAPORAL.CAPORAL ESTALA seu CHICOTECAPORAL A história acabou! Vão embora! Deixem minha oficina e tomem seu rumo!MAMACHA o enfrenta, cara a cara.MAMACHA (FALA ASPERA, COM AUTORIDADE) ¡Ahora usted me escuchará, Caporal! (PARA O PÚBLICO, COM A

NOBREZA DA SUA IDADE) Mamacha foi uma mulher que já viveu tudo nessa vida. Sonhou, amou e pariu seus filhos. Foi uma boa mulher para seu marido. Boa mãe para seus filhos. Não teve a vida que sonhava, mas aceitou a vida que teve. Mamacha viu coisas que nenhuma mãe deveria ver. Cuidou de seus filhos, cresceram e depois os perdeu, um a um. Ficou viúva e sozinha, e está aqui de mãos vazias. Mamacha quer o corpo de seu filho, Juanito.

58

Page 60: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

MARIA LUNA (PARA O PÚBLICO) Depois de ser preso, Juanito desapareceu. Ninguém disse absolutamente nada a Maria Luna, somente que ele morreu.

CAPORAL (PARA O PÚBLICO) Juanito está morto!MAMACHA (PARA O PÚBLICO) Essa mãe ainda sim, quer o corpo de seu filho. Essa brava mulher quer saber o como,

quando e porquê?MARIA LUNA (PARA O PÚBLICO) Mamacha e Maria Luna são do �po de mulher que só sairão, quando levarem

consigo o corpo do Juanito. Ele não é um indigente. Tem família, mãe, esposa e filha! CAPORAL (QUEBRANDO A NARRATIVA) Comovente a choradeira... Mas sejamos razoáveis! Não há mais o que

fazer. Juanito foi um criminoso, que agia fora da lei! (MOSTRA A ETIQUETA) Falsificava e�quetas, fez arruaça, paralização, manifestação e depois se matou na prisão. Um pobre covarde!

MAMACHA Mi hijo não é um covarde!MARIA LUNA Mi Juanito não se mataria!MAMACHA Mi fijo foi assassinado, essa é a verdade!CAPORAL A lei é igual pra todos! Falsificação, trabalho escravo é crime! Estão vendo esses papéis? (MOSTRANDO

PASTA DE ARQUIVOS) São os autos do processo! Juanito se enforcou na cela. Testemunhas, laudos... Foi suicídio e caso encerrado!

MAMACHA Testemunho comprado!MARIA LUNA Laudos adulterados!CAPORAL Tudo bem! Está tudo aqui! Caso encerrado! (MOSTRA OS PAPÉIS) Agora o que importa? O mundo gira e

a fila anda!SEVERINO entra na cena.SEVERINO Juanito num merecia isso não, Caporal! Eu já sei como é a vida aqui... Já tô calejado, mas Juanito ainda

não. Como qualquer um de nóis aqui, ele só queria que as coisa desse certo! Só isso. Trabalhá, recebê, descansá e viver. O problema é que ele era muito sonhador.

MARIA LUNA Y usted não sonha, Severino?SEVERINO Oxê! Sonho... Mas quando o despertador toca de manhã, esqueço tudo que sonhei e vou trabalhar.CAPORAL Não passam de mão de obra barata. Zé ninguém igual a esse, tem aos montes por aí! Trabalhando em

oficina, construção civil, fazendo carvão, cortando cana, operando máquina, atendendo balcão! Alguém faz alguma coisa?

A cena se DESFAZ e a Revoada DEPOSITA O CORPO de JUANITO num lugar mais ELEVADO. REVOADA Juanito igual a esse, tem aos montes por aí! Trabalhando em oficina, construção civil, fazendo carvão,

cortando cana, operando máquina, atendendo balcão! Alguém faz alguma coisa?CAPORAL Tudo bem! (PARA A REVOADA) Devolvam o corpo do meliante a essas mulheres para que saiam da

minha frente! (ESTALA SEU CHICOTE PELA ÚLTIMA VEZ)Revoada se afasta do CORPO de JUANITO e MAMACHA se destaca da revoada junto com EKEKO e ARACY, MAMACHA entrega uma miniatura de seu filho, JUANITO a EKEKO.

59

Page 61: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

REVOADA CANTA: Não há mais o que fazerAlém de remediar a solidão.Juanito resis�u, pagou pra ver.Dizem que morreu, lá na prisão.

MAMACHA Por favor, Ekeko, traga mi hijo, Juanito. No por mí, pero por Maria Luna y su hija.EKEKO Perdão, Mamacha... (DEVOLVE-LHE A MINIATURA)MAMACHA (AO PÚBLICO) Juanito não pôde escapar do seu des�no. Como as ciganas haviam previsto, ele foi

enganado, explorado e assassinado por um crime que não cometeu. Mamacha se perguntava: onde está a jus�ça?!

ARACY Para nós guaranis, quando dormimos, nosso espírito vaga para onde se deseja ir. O espírito se transforma num animal ou pássaro e voa à procura de seus sonhos e só regressa quando acordamos. Se essa família quer ele de volta, ele precisa voltar!

EKEKO O que podemos fazer, Aracy?ARACY A revoada transforma lugar, gente e cultura. Consegue juntar, num mesmo lugar: Quéchua, Aimara,

tupi guarani e ioruba. Não importa de onde vem, nem pra onde vai. (PEGA A CORNETA ENSURDECEDORA DE EKEKO E A TOCA, DEPOIS EM VOZ DE ARAUTO) Convoco o universo ancestral pra alterar da história deste pobre filho o final.

MÚSICA. A Revoada se transforma em REPRESENTANTES ANCESTRAIS de diversas culturas pagãs INDÍGENAS e AFRICANAS La�no americanas. Esses REPRESENTANTES levantam o CORPO de JUANITO.ARACY pega seus RAMOS de ervas e folhagens, vai até o corpo de JUANITO e inicia um RITUAL XAMÂNICO indígena, com dança, coro de vozes e fumaça.ARACY Por todos aqueles que pelo mundo andaram

Por Ceiucy e Pachamama que os encontraramQue seu espírito procure a paz na guerraQue acompanhe seu povo entre o céu e a terraE que volte dos mortos sem nenhuma dorQue volte voando como um Condor

Sons de TAMBORES e percussão FESTIVA e CARNAVALESCA. Todos voltam a se unir em Revoada entorno do BONECO.Do meio da revoada SURGEM ASAS BATENDO como num primeiro voo. De repente esse bater de asas evolui e vemos surgir um BONECO DE UM CONDOR (manipulado pelos personagens) que cobre a revoada.EKEKO (VOZ DE ARAUTO) Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Como a Revoada, estamos aqui só

de passagem. O nosso obje�vo aqui é observar, crescer e amar... E depois? Vamos pra casa. (TOCA SUA CORNETA ENSURDECEDORA) Vamos todos para Nosotros!

60

Page 62: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

A REVOADA CANTA agora, sendo guiada pelo condor andino e segue seu novo rumo cantando fes�vamente como no início.REVOADA Assim como o pássaro migra

O homem procura o seu lugar As folhas caem e a terra gira A ave nunca deixa de sonhar Se encontrar a revoada um diaE se medo ou desconfiança brotarNão esconda prato, mão ou facaUm dia pode ser nosso lugar.Assim termina nossa história De men�ra ou de verdadeCom alegria, sem tristeza,Sem inglória ou piedade.Deixando em você o sorrisoE em nós... a saudade!

Larguei a tristeza no chão...

FIM

61

Page 63: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS

62

Page 64: Desde a sua formação em 1993, aspcultura.prefeitura.sp.gov.br/files/agent/...nosotros.compressed.pdf · Memória das Coisas, Quem Pode, Pode! e A Gira da Rainha. 01. 02. ... DAS